Startups dedicadas às ciências da vida duplicaram em cinco anos
A bioindústria portuguesa andou em contraciclo na última década. Quando tudo estava em crise no país, o sector das pequenas empresas que tentam transformar o conhecimento saído das universidades num negócio exibia uma saúde invejável. (...)

Startups dedicadas às ciências da vida duplicaram em cinco anos
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 | Sentimento 0.0
DATA: 2017-06-22 | Jornal Público
SUMÁRIO: A bioindústria portuguesa andou em contraciclo na última década. Quando tudo estava em crise no país, o sector das pequenas empresas que tentam transformar o conhecimento saído das universidades num negócio exibia uma saúde invejável.
TEXTO: Nos últimos anos, muitos cientistas arregaçaram as mangas da bata de laboratório e criaram pequenas empresas para tentar inventar algo que, um dia, pode ser um produto. Debaixo do imenso chapéu da área das ciências da vida, cabem projectos que vão desde novas moléculas para medicamentos até ferramentas de software para gestão clínica, passando por testes genéticos e muito mais. Entre 2009 e 2014 o número de pequenas empresas na área da saúde e biotecnologia mais que duplicou, segundo um levantamento feito pela Portugal Ventures, sociedade de capital de risco pública. No final de 2015, tinham sido criadas 72 startups desde 1989 nesta área e, apesar dos riscos envolvidos, 68 mantinham-se activas. Por vezes, são criadas só para formalizar um registo de uma patente de um projecto que foi desenvolvido antes mas muitas vezes são planos que começam ali, numa pequena empresa onde se vai tentar criar algo novo a partir de uma ideia que geralmente nasce do trabalho nas universidades. Ricardo Perdigão, analista de investimentos da Portugal Ventures, quis ter uma “visão do ecossistema das ciências da vida” em Portugal, analisou os dados, e concluiu que, apesar dos riscos envolvidos, esta comunidade está a crescer de forma evidente. O relatório do levantamento refere que, até ao final de 2015, tinham sido criadas 72 startups em Portugal na área das ciências da vida. “Hoje já serão mais de 80”, estima Ricardo Perdigão, arriscando que 2016 “foi um ano bom”. Os grandes “saltos” aconteceram sempre que surgiu um programa de apoio financeiro a estas iniciativas. “Em 2013, por exemplo, quando surgiu a Portugal Ventures houve 14 novas empresas, nem todas directamente financiadas por esta sociedade de capital de risco, mas as pessoas perceberam que havia um novo organismo público a financiar este tipo de projectos e ficaram mais motivadas”, constata o analista. Entre 2009 e 2014 o número de startups nesta área passou de 29 para 66. “Nos últimos dez anos, Portugal demonstrou uma grande imunidade à crise neste sector, que aumentou postos de trabalho e andou em contraciclo com tudo o que se estava a passar no país”, acrescenta Filipe Assoreira, presidente da Associação Portuguesa de Bioindústrias (P-Bio). Esta associação também fez um estudo em 2016 sobre esta área (que deixou de fora só as empresas que se dedicam ao desenvolvimento de software para gestão clínica) e, entre outros indicadores da boa saúde do sector, conclui que as 65 empresas em actividade em 2014 empregavam 478 pessoas, registando-se ainda que o volume de negócios deste sector nesse ano foi de 30, 5 milhões de euros (quatro vezes mais do que em 2006). Este é um negócio de risco. Há o risco financeiro que pode “matar” um bom projecto só por falta de dinheiro, sobretudo quando falamos de investigações complexas que exigem experiências com animais e muito tempo numa área ligada à saúde pública que é altamente regulada. E há também o risco tecnológico que se esconde atrás da “invenção” de alguma coisa que pode simplesmente não resultar. “Segundo os dados internacionais, nesta área das ciências da vida só uma em cada grupo de dez empresas é que se torna um sucesso grande. Depois temos duas ou três que sobrevivem e o resto fecha”, refere Ricardo Perdigão. “O que se faz nesta área é desafiar o impossível com o possível e com o que sabemos”, diz Filipe Assoreira, que acrescenta que “a probabilidade de falhar é de 99%”. O grande sucesso é o resultado de um longo caminho com várias vitórias e chegam os dedos de uma mão para contar os projectos que realmente têm um êxito comprovado no mercado mundial. A Portugal Ventures não é a única sociedade de capital de risco a investir nas ciências da saúde, mas será uma das que têm mais peso, juntamente com a Caixa Capital da Caixa Geral de Depósitos, apostando actualmente em 19 empresas desta área num investimento de cerca de 40 milhões de euros no total e que empregam um total de 60 doutorados. A lista feita pela Portugal Ventures sobre o actual “ecossistema das ciências da vida”, nas palavras de Ricardo Perdigão, inclui 72 projectos diferentes que se “arrumam” em quatro áreas: as empresas que desenvolvem produtos terapêuticos, as que apostam na saúde digital, outras que inovam nos dispositivos médicos e, por fim, as que se dedicam ao campo dos diagnósticos. A BSIM2, por exemplo, está a desenvolver o primeiro medicamento português feito por computador. Foi fundada em 2011 por Carlos Simões e Rui Brito, dois investigadores de Coimbra, e este ano conseguiu o apoio da Portugal Ventures para desenvolver uma nova família de produtos contra a paramiloidose. Juntando as pontas dos equipamentos, diagnóstico e oncologia a PETsys Electronics criou um dispositivo que é integrado nas máquinas de PET (tomografias por emissão de positrões) e que promete uma resolução dez vezes maior do que a das actuais PET, permitindo detectar tumores com um milímetro num exame com níveis de radiação bastante inferiores aos actuais. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Já a Immunethep é uma spin-off da Universidade do Porto que já foi notícia por causa do seu primeiro produto que tem por trás mais de 30 anos de investigação: uma vacina para proteger recém-nascidos de infecções bacterianas. Depois há pequenas empresas que começam sozinhas e acabam por ser integradas num projecto maior, como foi o caso recente da Alfama, que inventou moléculas libertadoras de monóxido de carbono para terapias de doenças crónicas e agudas, que se fundiu com a Proterris, uma grande empresa de Boston (EUA). “Esse também é o motor desta nova indústria. Os grandes, com muito dinheiro, adquirem os mais pequenos”, nota o analista da Portugal Ventures. São apenas alguns exemplos de um diversificado pequeno novo mundo de sucesso. O que falta agora? Experiência, responde Ricardo Perdigão. “Aqui todos os empreendedores são de primeira geração. À medida que for maturando, a eficácia do ecossistema melhora. ” Sobre a receita para conseguir o apoio de capital, Ricardo Perdigão simplifica: “Basta uma boa ideia. ”Já Filipe Assoreira avisa que “uma boa ideia não chega”. “É preciso um conceito bem desenvolvido que convença o investidor, um financiamento ajustado ao projecto e uma boa equipa que o execute. ” Sobre o futuro após este exuberante crescimento do sector, o presidente da P-Bio está optimista. “O que não falta é espaço para crescer ainda mais. ”
REFERÊNCIAS:
Entidades EUA
Há uma nova versão de seda de aranha artificial
Cientistas imitaram o método usado pela aranha e conseguiram um fio de seda artificial mais forte do que os produzidos em laboratório até agora. Porém, as imitações ainda estão muito longe da poderosa versão da natureza. (...)

Há uma nova versão de seda de aranha artificial
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 | Sentimento -0.23
DATA: 2017-06-22 | Jornal Público
SUMÁRIO: Cientistas imitaram o método usado pela aranha e conseguiram um fio de seda artificial mais forte do que os produzidos em laboratório até agora. Porém, as imitações ainda estão muito longe da poderosa versão da natureza.
TEXTO: A força dos fios lançados pelo Homem-Aranha é pura ficção mas se alguém fosse realmente capaz de produzir as verdadeiras teias, tal como as aranhas o fazem, a realidade é que elas seriam mesmo capazes de travar um comboio. Há já alguns anos que os cientistas tentam imitar a extraordinária capacidade das aranhas e produzir artificialmente os seus fios de seda para as mais diversas aplicações, desde o têxtil à biomedicina. Ainda estamos longe da versão da natureza mas há avanços. Desta vez, um grupo de investigadores apresentou, num artigo na revista Nature Chemical Biology um novo método para produzir seda de aranha artificial mais forte. A seda da aranha é um material com características únicas, sendo frequentemente descrita como forte como o aço e leve como o algodão. É também biocompatível, biodegradável, flexível, resistente, reunindo num fio múltiplas vantagens que são atractivas para muitas áreas. Não é possível usar aranhas para produzir esta seda natural a um nível industrial e, por isso, em várias partes do mundo há grupos de investigação que tentam imitar este produto da natureza para aplicações na medicina ou na indústria. Porém, a tarefa não é fácil. A seda da aranha é composta de longas cadeias de moléculas de proteínas ligadas. E o seu método de produção é complexo envolvendo algo como uma máquina de fiar localizada no abdómen do animal, que transforma uma solução líquida num fio de seda. Um dos aspectos mais críticos da produção da seda passa por manter as proteínas solúveis em água até ao momento em que são transformadas numa fibra. Inspirada na forma como as aranhas fiam a seda, uma equipa de cientistas concebeu um dispositivo de fiação que imita o percurso das proteínas da seda na aranha e que envolve, por exemplo, alterações nos níveis de pH. Usando este dispositivo numa proteína especial que conceberam – um híbrido de duas proteínas da seda natural de diferentes espécies de aranha –, os investigadores conseguiram produzir seda artificial mais forte do que outras sedas artificiais, mas ainda longe da versão natural. Segundo a unidade pascal (de medida de pressão e tensão do Sistema Internacional de Unidades), a força de um fio de seda natural de aranha será na ordem dos 890 megapascal. Esta versão artificial fica-se pelos 162 megapascal. Numa resposta por email ao PÚBLICO, a investigadora do Departamento de Bioquímica da Universidade de Ciências Agrícolas, em Uppsala, na Suécia, e uma das autoras do artigo, Anna Rising, admite que os resultados ainda estão longe do pretendido e que o objectivo é produzir fibras que igualem a força natural. Porém, nota que a força de um tendão humano estará entre os 50 a 150 megapascal. Nos últimos anos, outras equipas de investigação publicaram resultados de experiências com animais transgénicos, desde o bicho-da-seda até à cabra, para fazer seda de aranha artificial e que passaram pela introdução dos genes da aranha responsáveis pela produção de seda (que no caso das cabras a fabricavam no leite). Mas uma grande parte dos projectos recorre a bactérias capazes de produzir as proteínas da seda natural. Neste caso, a equipa recorreu à bactéria Escherichia coli para produzir grandes quantidades de proteínas tão solúveis como as da aranha. “Pela primeira vez, foi possível produzir fios de seda de aranha artificiais sem usar substâncias químicas e as grandes quantidades de proteína produzidas nas bactérias permitiram que fosse possível produzir um quilómetro de fibra artificial com apenas um litro de cultura de Escherichia coli”, explicou Anna Rising. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Além de possibilitar o fabrico de grandes quantidades de seda, a produção deste material artificial biodegradável por este método também será mais barata, argumentam os autores do artigo. Falta agora tornar estas fibras ainda mais fortes, admite a investigadora, que acrescenta que também que a equipa de cientistas está a trabalhar na criação de estruturas tridimensionais da seda de aranha. “Estas estruturas podem ser usadas para têxteis de alto desempenho ou para aplicações médicas”, nota, referindo a possibilidade de recorrer a este material para, por exemplo, reparar lesões na espinal medula. Mas os fios de seda da aranha podem chegar a outros destinos. A ciência parece determinada em conseguir réplicas com os super-poderes desta seda e usá-la em todo o lado. No campo da medicina, há projectos que ligam a seda da aranha artificial a próteses, implantes no cérebro, suturas, antibióticos e enxertos de pele. Por outro lado, há empresas que já estão a tentar fazer casacos com fios artificiais de seda da aranha a uma escala industrial, outras já colocaram no mercado uma edição limitada de ténis para desporto feito com este material ultra-resistente, outras ainda incorporam-no no fabrico de fibras de vidro ou, simplesmente, cordas para instrumentos musicais como o violino. Porém, e apesar de todos estes esforços, ainda não há um fio de seda artificial que iguale aquele que a aranha é capaz de fazer.
REFERÊNCIAS:
Da “drèche”, um subproduto da cerveja, nasceu este “snack”
Não tem corantes nem conservantes, é rico em nutrientes e protege o ambiente. O Salt&Dreche é um "snack" que utiliza a "drèche" como matéria-prima. Ficou em 3.º lugar no Prémio Ecotrophelia Portugal (...)

Da “drèche”, um subproduto da cerveja, nasceu este “snack”
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 | Sentimento 0.0
DATA: 2018-11-08 | Jornal Público
URL: https://arquivo.pt/wayback/20181108190546/https://www.publico.pt/n1834957
SUMÁRIO: Não tem corantes nem conservantes, é rico em nutrientes e protege o ambiente. O Salt&Dreche é um "snack" que utiliza a "drèche" como matéria-prima. Ficou em 3.º lugar no Prémio Ecotrophelia Portugal
TEXTO: A ideia partiu de um grupo de cinco alunos do mestrado em Tecnologia e Ciência Alimentar, iniciativa conjunta entre a Universidade do Porto e a Universidade do Minho. Depois de descobrirem a drèche numa aula de Biotecnologia Alimentar, uma questão nunca mais lhes saiu da cabeça: por que razão é que o principal subproduto da indústria cervejeira não seria aproveitado? Como não encontraram resposta, decidiram pôr mãos à obra e criaram o Salt&Dreche, que na sexta-feira, 25 de Maio, conquistou o terceiro lugar no concurso Ecotrophelia Portugal, que distingue os produtos alimentares ecológicos mais inovadores criados por estudantes universitários. É provável que o nome não te soe familiar. A drèche é um subproduto da indústria cervejeira, constituído por resíduos de cereais, como a cevada, o trigo ou a aveia, geralmente utilizado na alimentação animal. "É um produto bastante desperdiçado e que maioritariamente vai para a ração animal, mas tem propriedades benéficas para a dieta humana, [por isso] porque não utilizá-lo?", questiona Maria Dias, porta-voz da equipa. Além disso, é um produto de baixo custo e possui um elevado valor nutritivo. Depois de alguma pesquisa, os estudantes descobriram que algumas marcas já tinham testado aplicações da drèche, combinando, por exemplo, farinha de drèche, em maior quantidade, com a de trigo. "Mas apenas isso", sublinha a jovem. A equipa quis ser pioneira e três meses depois nasceu o Salt&Dreche, um snack salgado feito a partir desta matéria-prima incomum, à qual os estudantes juntaram uma série de especiarias "para conferir sabor ao produto". E sem corantes, nem conservantes. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Os Drechies, nome pelo qual se intitulam, confessam que, um dia, gostariam de comercializar a sua criação. Afinal, transformaram um produto que até à data não era utilizado na alimentação humana, com pouco ou nenhum valor comercial, num alimento pronto a ser degustado, "com resultados a nível de sabor, de aroma e de textura bastante bons e com bastante aceitabilidade", acrescenta Rui Ferraz, da mesma equipa. O projecto acabou por ser escolhido para concorrer ao prémio. Todos os alunos de Biotecnologia Alimentar desenvolveram ideias, que foram depois apresentadas ao resto da turma. "No final, seleccionámos os que teriam mais potencialidade a nível de inovação 'eco', não tanto pelos sabores ou conceitos, mas sobretudo pelo aproveitamento, já que é disso que se trata o Ecotrophelia", explica Maria Dias. Correu bem. Para além do terceiro lugar do concurso, e que lhes valeu um prémio de 500 euros, o Salt&Dreche venceu ainda a distinção Born From Knowledge, um programa de valorização do conhecimento científico e tecnológico promovido pela Agência Nacional de Inovação, que lhes dará acompanhamento durante 12 meses. Dos dez finalistas ao Ecotrophelia Portugal, prémio promovido pela PortugalFoods e pela Federação das Indústrias Portuguesas Agro-Alimentares, a grande vencedora foi a feijoada vegetariana pronta-a-comer Bean Ready. A equipa distinguida vai agora representar Portugal na competição europeia do prémio, que se realiza no Salão Internacional de Alimentação (SIAL), em Paris. Em segundo lugar ficou a Legutê, que se dedica à produção de patés de leguminosas, levando para casa 1000 euros. Às três premiadas foi ainda atribuído pela Patentree um serviço de diagnóstico e consultoria de propriedade industrial aos projectos.
REFERÊNCIAS:
Palavras-chave animal
Destino de metade das lamas das ETAR sem rastreio
Dados dizem respeito ao primeiro semestre deste ano. Governo e quem trabalha no sector desvalorizam alerta da Zero, mas admitem problemas no encaminhamento destes resíduos que podem ser valorizados para uso agrícola mas, nalguns casos, são depositados em terrenos sem descontaminação. (...)

Destino de metade das lamas das ETAR sem rastreio
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 | Sentimento -0.16
DATA: 2018-11-26 | Jornal Público
SUMÁRIO: Dados dizem respeito ao primeiro semestre deste ano. Governo e quem trabalha no sector desvalorizam alerta da Zero, mas admitem problemas no encaminhamento destes resíduos que podem ser valorizados para uso agrícola mas, nalguns casos, são depositados em terrenos sem descontaminação.
TEXTO: O cenário é o de um terreno algures no interior do país, pejado de lamas escuras. A fotografia, que um ex-funcionário de uma empresa de gestão de resíduos nos mostra, é a de uma descarga ilegal de lamas resultantes da depuração dos efluentes de uma estação de tratamento de águas residuais (ETAR) domésticas, sem qualquer descontaminação. Situações destas, ilegais, dão origem, por vezes, a denúncias. Mas ninguém conhece a dimensão do problema. Em muitas situações, as descargas são feitas “com a conivência, e até a pedido”, dos proprietários dos terrenos. Portugal tem um registo electrónico do fluxo deste tipo de resíduo, mas na primeira metade deste ano os números indicam que não há informação sobre o destino dado a metade das quase 262 mil toneladas de lamas produzidas. Em causa está um tipo de resíduo contaminado, em quantidades variáveis, por alguns metais pesados, compostos orgânicos e organismos patogénicos, mas que, se correctamente descontaminado, pode ter como destino principal a valorização agrícola — seja por deposição directa no solo, obedecendo a um plano de gestão de lamas, seja por incorporação em processos de compostagem, de que resulta um correctivo orgânico, para venda a qualquer agricultor. Estes processos estão sujeitos a legislação específica “de forma a evitar efeitos nocivos para o homem, para a água, para os solos, para a vegetação e para os animais”, como se lê num relatório da Agência Portuguesa do Ambiente (APA), referente ao período de 2010-2013. O relatório confirma uma queixa antiga dos ambientalistas, mostrando discrepâncias, que chegam a ser de 27%, num dos anos, entre o valor declarado por entidades produtoras — a maioria das quais ligadas ao grupo público Águas de Portugal (AdP), que gere quase mil ETAR — e os valores contabilizados nos vários destinos previstos. Há anos que Rui Berkemeier, antigo porta-voz da Quercus para a área dos resíduos e actual responsável, na associação ambientalista Zero, por este sector, vem alertando para estas disparidade, mas a sua preocupação perante o destino incerto de um pouco mais de metade das quase 262 mil toneladas produzidas só no primeiro semestre deste ano não é acompanhada pela secretaria de Estado do Ambiente, tutelada por Carlos Martins, que tem também uma experiência anterior no sector das águas. A Zero pediu à APA os valores da primeira metade do ano, resultantes do preenchimento, obrigatório, desde 1 de Janeiro, das guias electrónicas de acompanhamento de resíduos. As e-GAR foram instituídas com o objectivo de garantirem a possibilidade de uma monitorização online, imediata, dos fluxos dos vários tipos de resíduos produzidos no nosso país, permitindo uma melhor acção de fiscalização e punição de infracções. No caso das lamas, os primeiros seis meses do ano mostram que as entidades que gerem as ETAR enviaram pouco mais de 130 mil toneladas para os designados “destinos finais” — entre os quais se destaca a incorporação em processos de compostagem, que geram um fertilizante agrícola —, mas que, no caso das 147 mil toneladas de sedimentos entregues a outras empresas licenciadas para lhes dar um destino final, falta informação sobre o destino de 89% dessas lamas. Estas empresas apenas registaram o encaminhamento de cerca de 16, 5 mil toneladas para destinos previstos na lei. Ninguém duvida de que uma parte destes resíduos vai parar a terrenos agrícolas ou florestais, sem qualquer tratamento prévio. Só não se sabe é quanto. A APA assume no relatório citado que as discrepâncias podem ter origem em usos à margem da lei e afirma que o Serviço de Protecção da Natureza e do Ambiente (Sepna), da GNR, actuam perante situações flagrantes, ou denúncias. E, perante isso, o secretário de Estado do Ambiente considera que, como “todas as descargas ilegais reportadas” são objecto de intervenção de fiscalização, “se essas ocorrências tivessem a expressão referida pela Zero seriam seguramente muito significativos os processos de reclamação”. O que não acontece, é um facto. Aliás, Carlos Martins, que nestas como noutras questões polemizadas pela associação, acusa a Zero de fazer “leituras simplistas dos números”, argumenta que a associação não leva em devida conta que a operação de armazenagem conduz a uma perda de peso [das lamas] na ordem dos 30%, coincidindo, neste aspecto, com o que foi explicado ao PÚBLICO por fonte de uma empresa do sector. O secretário de Estado acrescenta também que “a compostagem determina a perda do estatuto de resíduo e que, por essa via, as e-GAR deixam de constituir fonte de informação para monitorização do fluxo”. Mas este argumento “não faz qualquer sentido”, nota Rui Berkemeier, insistindo que a e-GAR é feita previamente, e que não há guias monitorizando a entrega destes resíduos para unidades de compostagem, ao contrário do que aconteceu com as lamas enviadas para este destino directamente pelos produtores. As regras para as e-Gar, podem estar a mascarar o destino dado a estes resíduos, o que leva Rui Berkemeier a pedir uma clarificação do seu uso, por parte da APA, sob pena de o seu efeito, positivo, de rastreamento, se perder. A mesma empresa que descreveu ao PÚBLICO a importância das perdas resultantes por evaporação, explica que, quando as firmas que gerem as lamas têm os armazéns nas mesmas instalações das unidades de compostagem, não passam guia da transferência dos sedimentos para essas unidades. E relata outra questão: “Há concursos específicos para valorização agrícola em que, na realidade, as lamas, por falta de higienização”, não podem ser depositadas no solo, “e têm de ser estabilizadas ou encaminhadas para outros destinos à responsabilidade do operador que ganhou o concurso para um destino diferente daquele que terá de dar posteriormente ao resíduo”. Ou seja, apesar das boas intenções, as e-GAR “nem sempre fecham o ciclo de operações associadas a este resíduo”. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. A Zero não desarma, e pede mais fiscalização a estas discrepâncias dado que, com as guias electrónicas, é possível ver, rapidamente, quem possa estar em incumprimento. Já o secretário de Estado deixa claro que as “preocupações” do Ministério do Ambiente e Transição Energética em relação a esta matéria passam pela “diversificação de formas de valorização mais do que no rastreamento das quantidades”. Sobre isso, no sector, há queixas de demora excessiva, que pode chegar aos dois anos, para emissão de um Plano de Gestão de Lamas, que implica a intervenção de entidades do Ambiente e da Agricultura, e sem o qual qualquer deposição directa, num terreno, é ilegal. E Carlos Martins responde a essa preocupação prometendo dar “prioridade” à articulação com o Ministério da Agricultura para “fomento da valorização agrícola e para a celeridade nos processos de licenciamento”. Mesmo que factores como a evaporação, ou encaminhamento para outros usos não reportados, mas conformes, possam explicar parte do desvio nos números, entre os ambientalistas e no sector não há dúvidas sobre a existência de actividade à margem da lei, potenciada, até, pela própria concorrência existente, que gera um esmagamento dos preços: o factor determinante na escolha dos seus prestadores de serviço, assume a AdP. A empresa contactada pelo PÚBLICO queixa-se precisamente deste problema, assumindo haver “empresas que ganham contratos abaixo do valor de mercado”, pedindo valores “que na maioria das vezes nem pagam os custos de transporte”. Algo que associa aos concursos públicos “com preços base demasiado baixos e períodos contratuais demasiado curtos (maioria de 1 a 3 anos) que não permitem às empresas do sector estabilidade financeira para grandes investimentos”.
REFERÊNCIAS:
Entidades GNR
Há uma vila no Beato que vai ser recuperada por privados mas as rendas mantêm-se
Privados vão investir cinco milhões de euros na reabilitação da Vila Dias, em Lisboa. E fica uma promessa: as rendas mantêm-se e os novos contratos, a pensar em estudantes, não vão além dos 300 euros por casa. "Investir neste projecto é mais seguro do que ter o dinheiro no banco", dizem. (...)

Há uma vila no Beato que vai ser recuperada por privados mas as rendas mantêm-se
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 | Sentimento 0.0
DATA: 2017-05-31 | Jornal Público
SUMÁRIO: Privados vão investir cinco milhões de euros na reabilitação da Vila Dias, em Lisboa. E fica uma promessa: as rendas mantêm-se e os novos contratos, a pensar em estudantes, não vão além dos 300 euros por casa. "Investir neste projecto é mais seguro do que ter o dinheiro no banco", dizem.
TEXTO: A Vila Dias já tinha perdido a conta aos senhorios. Ora era um procurador, ora era outro. Ora pagavam a renda em mãos, ora faziam depósito no banco. Lucinda (que pede para deixar o apelido fora da conversa) mora naquela vila do Beato, em Lisboa, há mais de 50 anos e nunca viu a cara de quem paga ao final do mês. “Nem vi os novos nem os velhos”. Os novos senhorios fizeram-se anunciar na semana passada. Através de uma carta, Lucinda ficou a saber que a vila vai ser reabilitada: uma sociedade privada tem, desde Abril, a posse dos terrenos e destinou cinco milhões de euros para a reabilitação das 160 casas da centenária vila operária. Vão ser pintadas de branco, substituídos os telhados, cuidadas por dentro e por fora. Dos promotores da obra, há uma promessa: “Jamais vamos destruir seja o que for”. José Morais Rocha, à frente da Sociedade Vila Dias (SVD), diz que o objectivo é “tornar a vila num espaço agradável de convivência entre jovens e os mais velhos”. Não espera tirar dali lucro imediato. “Não queremos explorar as pessoas. Sabemos as condições económicas em que vivem e vamos respeitar isso”, garantiu o engenheiro ao PÚBLICO. Os valores das rendas já existentes vão ser mantidos e os novos contratos vão ser feitos à luz daquilo que são os preços praticados pelo programa de Renda Acessível da Câmara de Lisboa, até 300 euros por habitação. Os promotores – entre os quais Paula Castro Alves, familiar dos antigos proprietários – estimam que, das 160 casas da vila, 40 estão devolutas. São estas últimas que vão receber novos inquilinos e novos contratos. A sociedade quer atrair jovens, com casas e preços “à medida do estudantes”. Mas na óptica dos moradores os números não são tão optimistas. No Café Ângelo, na esquina de acesso à vila, diz-se que já se perdeu a conta ao número de portas arrombadas, de casas tomadas ilegalmente. “Ainda anteontem foi mais uma. Isto não se vê em mais lado nenhum”, está Catarina a comentar, “são despejados de um lado, ocupam o outro”. Diz-se que os antigos senhorios só recebiam 65 rendas. Catarina pede para ser identificada por este nome fictício – sabe que o ambiente entre moradores já viu melhores dias. As discussões e os insultos tornaram-se frequentes. De um lado quem cumpre, do outro quem escapa ao pagamento da renda. Não é só a ocupação que a preocupa: “São os cães abandonados nas traseiras, o barulho, o lixo. E chamar a polícia é a mesma coisa que não fazer nada”. Pensar que Maria Fernanda Neves costumava deixar a chave de casa na porta, dia e noite, faz todas as vizinhas rirem. “Antes isto era uma família. Agora só há dois ou três que se entendem”, diz. Vive ali há 56 anos. Viu as ocupações intensificarem-se há 20. “Todo o mundo manda, mas ninguém paga”. Quantas vezes já pensou fazer o mesmo. Sente-se gozada: “Olha aquela parva que paga luz, água e renda”. Os novos proprietários da Vila Dias destacaram duas pessoas para “consultar essas pessoas e tentar legalizá-las”. José Morais Rocha adianta que a SVD quer avançar com “planos de entendimento” com estes moradores para que sejam pagas as rendas em atraso. “Sabemos que algumas pessoas não vão conseguir pagar tudo de uma vez, mas queremos tornar estas contas transparentes”, explicou o promotor. A Vila Dias começou a ser construída em 1888 para alojar os operários das fábricas têxteis e do tabaco de Xabregas. A degradação desde cedo se tornou a principal característica. Maria Fernanda Neves trabalhava na Fábrica do Sabão de dia, dormia num quarto com percevejos de noite. Durante estes tempos de “casas em que só lhe faltava o colmo”, foi “o ambiente e a amizade” que a mantiveram na vila. Com o tempo, cada um foi fazendo as suas “obritas”. Mas hoje, “se pudesse”, Maria já cá não vivia. A vila é uma estrada de uma via, onde se serpenteiam os carros estacionados em frente às portas e, nas paredes, há uma antena parabólica ao lado de cada janela. O projecto prossupõe uma “reabilitação total do bairro, sem demolição, com a preocupação de manter a traça histórica” dos edifícios, garantiu Morais Rocha. A fibra óptica vai substituir as antenas e o branco volta às paredes sucessivamente interrompidas por diferentes cores. Antes do projecto dar entrada na câmara, os promotores querem avançar “com as pequenas reparações mais urgentes”. A sociedade privada estima um retorno demorado do investimento. “Afinal há rendas de 40 e 50 euros”, recordou Morais Rocha. Por agora, importa aos sócios ter o dinheiro investido em imóveis: "Investir neste projecto é mais seguro do que ter o dinheiro no banco". Estimam uma rentabilidade (remuneração do capital investido) entre 3 e 4% ao mês. O projecto tem a aprovação dos vizinhos à mesa do café. As “casinhas branquinhas, tão bonitas”, convenceram Maria Fernanda. Só lhe faltava um jardim à porta. Augusta, ao balcão, mal pode esperar pela esplanada. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Idalina espera para ver. “Se vão fazer ou não, eu só acredito quando vir”. A vida já lhe ensinara a “não esperar muito de promessas alheias” e já muitos lhe prometeram obras. Há 28 anos naquela morada, viu uma vez a rua “a ser uma vez sarapintada”. “As obras de minha casa, que está toda arranjadinha, graças a Deus, fui eu que as fiz”. Antes dos “dois mil contos” que a irmã investiu, “aquilo não era uma casa”. Os antigos donos faziam fogueiras no chão. Tinha a sanita na cozinha. Esses tempos já lá vão, mas os moradores antecipam obras difíceis. Ainda “há casas a cair de maduras, com os esgotos a ir para a linha, sem chão nem nada”, descreve Lucinda. Com muitas mudanças, o seu medo é perder o espaço onde tem os cães. Morais Rocha quer sossegar estas preocupações: “Vamos respeitar as hortas e os espaços que têm. Não vamos destruir um património que já não se faz”.
REFERÊNCIAS:
Palavras-chave medo cães
Pinho recusa responder a deputados sobre as suas offshores. Só fala sobre política energética.
O antigo ministro criticou a cobrança de taxa para a RTP, defendeu que a conta da luz não pode ser uma "vaca leiteira" e atira culpas ao PSD, que foi o "pai dos CMEC e mãe das barragens" (...)

Pinho recusa responder a deputados sobre as suas offshores. Só fala sobre política energética.
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 | Sentimento 0.0
DATA: 2018-07-19 | Jornal Público
SUMÁRIO: O antigo ministro criticou a cobrança de taxa para a RTP, defendeu que a conta da luz não pode ser uma "vaca leiteira" e atira culpas ao PSD, que foi o "pai dos CMEC e mãe das barragens"
TEXTO: Depois de ter feito uma intervenção inicial de 35 minutos sobre energia, o antigo ministro da Economia Manuel Pinho recusou responder a qualquer pergunta do PSD sobre a sua ligação a empresas offshore ou a pagamentos feitos pelo BES/GES quando era ministro. E argumentou que só falará sobre política energética, que foi aquilo que já tinha dito ao presidente da Comissão de Economia e Obras Públicas, o centrista Helder Amaral, quando foi convocado para a audição. A cada pergunta do PSD, do Bloco, do CDS-PP e do PCP sobre as suas ligações ao GES ou sobre o seu património, Manuel Pinho foi dizendo que não respondia, alegando sempre que não era esse o objecto da sua audição. “Quando convido alguém para ir ver futebol a minha casa não o ponho a esfregar o chão”, ironizou por duas vezes e usou amiúde essa imagem do convite para uma coisa e ser questionado sobre outra. Ouvido durante três horas na comissão, Manuel Pinho fez uma intervenção inicial durante a qual deu aquilo que descreveu como a sua proposta para a redução dos preços da energia, em que inclui, entre outras medidas, a redução do IVA da energia para a média praticada na União Europeia (que é de 18%), o fim da cobrança da taxa para o audiovisual que financia a RTP – que fazer parte do acordo da “geringonça” (na verdade foi aprovado pelo PSD). “Em Portugal o IVA da energia é o mesmo das jóias, casacos de pele e barcos de recreio”, disse, acrescentando, que podia lembrar declarações de socialistas que “diziam sobre o aumento do IVA da electricidade o que nem Maomé dizia do toucinho”. Sobre a RTP vincou não perceber “que raio de justiça pode haver para ir buscar 200 milhões de euros aos consumidores para pagar a RTP” e lembrando que esse valor “é mais do que o orçamento do IPO”. “A factura da electricidade é uma autêntica vaca leiteira. Não posso estar de acordo. Estou de acordo com preços o mais baixos possível e com energia limpa. ”Sobre a composição das facturas de electricidade, explicou que os impostos contam 25%, a energia 28%, o acesso às redes 16% e os custos de políticas 31%. Ora os CMEC são 18% dos custos de políticas, o que representa um custo para o consumidor relativo aos CMEC de dois euros numa factura mensal de 40 euros. Manuel Pinho descreveu o percurso histórico dos contratos da energia desde 1995, passando pela transformação dos CAE (contratos de aquisição de energia) em CMEC a partir de 2003/2004, remetendo para o PSD a responsabilidade pelas rendas excessivas do sector energético, os chamados CMEC. Era a direita que estava no poder em 2004 quando estes foram criados no Parlamento por proposta do Governo. Até recorda a votação: PSD e CDS a favor, PS absteve-se, PCP e Bloco votaram contra. “O grosso da legislação é de 2004/05. Eu fui ministro de José Sócrates na parte final da sua aplicação. A concepção e aprovação foram feitas por governos anteriores”, argumentou. A dada altura haveria mesmo de dizer que “o PSD foi o pai dos CMEC e mãe das barragens”, alegando que foi em 2004, no Executivo de Durão Barroso e depois de Santana Lopes, que foram criados os CMEC (custos de manutenção do equilíbrio contratual) com a EDP para compensar o fim dos CAE com a empresa. A si, como ministro a partir de 2005, coube a tarefa de acabar de implementar o resto desse processo, justificou. Recusou que as condições dos CMEC possam ser consideradas “rendas excessivas” para o Estado e defendeu que as medidas do Governo de José Sócrates foram de “salvaguarda do interesse nacional”. Diz que foi por isso que se apostou nas renováveis em vez de outras soluções como o nuclear ou as centrais a carvão. Manuel Pinho vincou por três vezes partilhar “da opinião da maioria dos portugueses” de que a energia em Portugal “é cara, muito cara”, que “há um trânsito enorme entre a política e as empresas” e que “a venda de empresas estratégicas causa polémica”. Sentado ao lado do seu advogado, Ricardo Sá Fernandes, quando começou a ronda de perguntas e o PSD o questionou logo sobre é dono (de forma directa ou indirecta) de offshores e se alguma vez recebeu dinheiro através delas, nomeadamente proveniente do BES/GES, Manuel Pinho argumentou que não falará sobre mais nada a não ser política energética. E insistiu nessa resposta de cada uma das outras quatro vezes que o social-democrata Paulo Rios de Oliveira lhe colocou perguntas sobre conduta ética, dizendo sempre que só veio a esta comissão na condição de não responder a outras questões além da energia. “Convidaram-me para uma coisa e querem agora discutir outra. ”O antigo ministro leu então uma declaração onde afirma que não aceitaria “responder” a questões que estão a ser “alvo de investigação judiciária” e que têm a ver com o seu “relacionamento com o Grupo Espírito Santo” e com os quais, alega, nunca foi “confrontado”. E realça que nem sequer é “arguido”. Só aceita falar no Parlamento sobre o GES depois de o fazer na Justiça. "Não sou político e não tenho cartão nenhum em nenhum partido. Mas não é por não ter cartão político que tenho menos direitos que os senhores”, atirou. O PS preferiu não entrar em confronto com Pinho, e até defendeu que o PSD sabia quais eram as condições da audição. "O PS não fará qualquer questão sobre offshores. Aguardaremos", prometeu o deputado Luís Moreira Testa, coordenador do grupo parlamentar socialista na comissão, referindo-se ao processo judicial e à comissão de inquérito às rendas da energia. Luís Testa quis então saber a opinião do ex-ministro sobre as opções políticas na energia, em especial sobre as renováveis, e sobre medidas para baixar o preço (como o mix de fontes energéticas). Pinho aproveitou o empurrão e defendeu a subsidiação das renováveis. “São totalmente merecidos [os apoios]. O gás natural é apoiado, o carvão também. As renováveis não porquê? Ou há moralidade ou comem todos!”A bloquista Mariana Mortágua (que não faz parte da comissão mas veio substituir outros deputados) mudou ligeiramente de táctica em relação ao PSD — começou por perguntas sobre a chegada de Pinho ao Governo — mas foi parar ao mesmo ponto, o da ética. Foi apresentado a Sócrates por Costa à saída de um jogo do Euro 2004, elaborou o programa eleitoral na área económica e foi "sem surpresa" convidado para ministro — mas a mulher nunca lho desculpou. A deputada quis depois saber como foi a negociação da sua saída do BES em especial sobre a "reforma milionária" que combinou. Pinho respondeu "não estar a ver" o que tem isso que ver com a política da energia. E não respondeu. Questionado sobre a sua prestação como governante, garantiu ter decidido, como ministro, sempre com "isenção relativamente a qualquer interesse" e prometeu: "Espere pela minha vinda à comissão das rendas e falaremos sobre a minha resolução de gravíssimos casos empresariais no sector da energia. Tenho informação muito interessante", aliciou, prometendo ir mais atrás do que 2004. O resto —? leia-se, as acusações que lhe fazem — até o faz "rir" e "é conversa de café. O que eu gosto é de pôr nomes e moradas. "Sem respostas sobre o património de Pinho — como os 490 mil euros de salários em 2005 por dois meses de trabalho no BES —, Mortágua vincou que com este caso Portugal enfrenta o seu "esquema Mensalão", em que Pinho tem "muito para explicar" e passou a palavra ao deputado Jorge Costa, que lidera o Bloco na comissão de inquérito às rendas. E a quem, no final, Pinho haveria de se dirigir pessoalmente para oferecer ajuda "se precisar de alguma coisa, se puder ser útil" na preparação dos trabalhos da comissão. Nas perguntas do bloquista, Pinho até defendeu que a EDP fora prejudicada num dos contratos. Esta atitude de diplomacia de Manuel Pinho foi, aliás, notada durante a audição. O antigo ministro distribuiu elogios (alguns rasgados) ao Bloco e sobretudo ao PCP (e às suas propostas para baixar o IVA da energia) e até ao seu eurodeputado João Ferreira, que questionou a Comissão Europeia sobre as rendas da energia — e que esta respondeu não existirem problemas. Já em relação ao PS houve alguns puxões de orelhas — tal como os esperados ao PSD e ao CDS. Ao comunista Bruno Dias, que o questionou sobre a elaboração do diploma sobre os CMEC em 2007, em que alegadamente terá participado a própria EDP, Manuel Pinho diz não saber de nada. E a Jorge Costa diria depois desconhecer uma troca de mensagens entre os seus secretários de Estado e a empresa sobre a decisão do Conselho de Ministros acerca do mesmo assunto. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Ao deputado centrista Pedro Mota Soares que o questionou sobre que "especial competência" tinha para ser ministro da Economia, Manuel Pinho respondeu com luva branca. Lembrou que o ministro da Economia espanhol era oftalmologista, que se pode sempre aprender o métier da política e devolveu a pergunta sobre a experiência ao deputado centrista. Mota Soares, antigo ministro do Trabalho e da Segurança Social, viu-se obrigado a explicar que é licenciado em direito, com especialização na área laboral. Na única questão sobre energia — acerca de um estudo encomendado pelo anterior Governo que dizia que as rendas eram excessivas, Manuel Pinho exaltou-se e disse ser uma "burrice haver a mínima das dúvidas" sobre os CMEC. Pediu logo "desculpa por usar o termo", mas insistiu: "Quem diz isso [que há rendas excessivas], sente o rabinho e estude; não comece a mandar bocas. "Insatisfeitos com a falta de respostas, na ronda final os deputados avisaram Manuel Pinho que a comissão de inquérito terá outras "competências e poderes", como lhe disse o socialista Luís Testa, que acusou o PSD de fazer "insinuações". "Haverá mais oportunidades", ouvia-se na sala.
REFERÊNCIAS:
Partidos PS PSD PCP
Concelho de Castro Verde classificado como Reserva da Biosfera da UNESCO
Já há 11 reservas destes género em Portugal. Esta é a primeira a Sul do Tejo. (...)

Concelho de Castro Verde classificado como Reserva da Biosfera da UNESCO
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DATA: 2017-06-15 | Jornal Público
SUMÁRIO: Já há 11 reservas destes género em Portugal. Esta é a primeira a Sul do Tejo.
TEXTO: O concelho de Castro Verde, "um ecossistema humanizado de alto valor natural" situado no Alentejo, foi nesta quarta-feira classificado como Reserva da Biosfera da UNESCO, anunciou o município. Com a classificação agora conseguida, o concelho de Castro Verde torna-se a 11. ª Reserva da Biosfera e a primeira a sul do rio Tejo, em Portugal, a ser inscrita na Rede Mundial de Reservas da Biosfera da Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (UNESCO), refere a Câmara de Castro Verde, num comunicado enviado à agência Lusa. A candidatura de Castro Verde, no distrito de Beja, a Reserva da Biosfera foi aprovada hoje, em Paris, França, pelo Conselho Internacional de Coordenação do Programa O Homem e a Biosfera (Man and the Biosphere — MaB) da UNESCO e que visa classificar áreas territoriais de protecção dos recursos naturais. A decisão foi tomada e anunciada hoje de manhã pelo Conselho Internacional de Coordenação do Programa Mab, que está reunido esta semana na sede da UNESCO, em Paris, na sua 29. ª sessão. Segundo a Câmara de Castro Verde, "o galardão da UNESCO é sinónimo de diferenciação pela qualidade e pela excelência e confere todo um potencial de divulgação e visibilidade mundial" ao concelho. A candidatura, promovida pelo município de Castro Verde, pela Associação de Agricultores do Campo Branco e pela Liga para a Protecção da Natureza (LPN), tinha sido entregue na UNESCO em Setembro de 2016, após ter merecido o parecer positivo do Comité Nacional do programa MaB e a subscrição do Estado Português. De acordo com a autarquia, a candidatura teve por base o facto de o concelho de Castro Verde ser "um ecossistema humanizado de alto valor natural, fruto de um trabalho contínuo de há várias décadas". O trabalho, que envolveu a comunidade e entidades locais, mas também regionais e nacionais com intervenção no território, permitiu obter "resultados ao nível da preservação da biodiversidade e dos valores naturais, culturais e paisagísticos, que conferem ao concelho uma diversidade única e específica" e tem "visado encontrar formas de valorizar, incrementar e divulgar o território, contribuindo para o desenvolvimento local". Castro Verde é um ecossistema "onde a compatibilização da atividade agrícola com a conservação da paisagem e da natureza se tem traduzido na manutenção da maior área da estepe cerealífera, criada por práticas centenárias de uma agricultura extensiva, que levou à formação de um riquíssimo mosaico de habitat", onde existem, entre outras espécies, aves como a abetarda, o sisão e o peneireiro-das-torres, frisa o município. "Esta simbiose entre o homem e o meio que o envolve tem definido aquilo que é a maneira de ser e de estar e afirma uma identidade que é uma marca de Castro Verde", refere a autarquia. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. O processo de candidatura começou em 2013 e contou com "um forte envolvimento da comunidade e entidades do território", lembra o município, sublinhado que a classificação do concelho como Reserva da Biosfera da UNESCO "trará novos desafios e potenciará uma dinâmica local e de trabalho em rede", tendo por base o plano de acção definido e que assenta em seis eixos. Agroecossistema sustentável, soluções locais para a desertificação e o clima, natureza e cultura: desafios e oportunidades, conhecimento e transferência do saber, redes de cooperação e participação comunitária e identidade e promoção são os eixos do plano. Na Rede Mundial de Reservas da Biosfera da UNESCO já estão inscritas 11 reservas portuguesas: Paul do Boquilobo, ilhas do Corvo, da Graciosa e das Flores e Fajãs de S. Jorge (Açores), Berlengas (Peniche), Santana (Madeira), as reservas transfronteiriças do Gerês - Xurés, da Meseta Ibérica e do Tejo/Tajo Internacional (Portugal/Espanha) e Castro Verde.
REFERÊNCIAS:
Os interfaces entre a tecnologia e o território: uma segunda ruralidade?
Os novos interfaces entre a tecnologia e o território, serão eles a grande oportunidade para o grande país do interior? (...)

Os interfaces entre a tecnologia e o território: uma segunda ruralidade?
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DATA: 2017-07-16 | Jornal Público
SUMÁRIO: Os novos interfaces entre a tecnologia e o território, serão eles a grande oportunidade para o grande país do interior?
TEXTO: Os incêndios de há um mês na região Centro chamaram, mais uma vez, a nossa atenção para a dura realidade do nosso “grande país do interior”. São bem conhecidos os nossos pecados capitais em matéria de coesão do território. Trinta anos depois da adesão de Portugal às Comunidades Europeias, a política de coesão territorial é cada vez mais imaginativa, mas, não obstante, os problemas estruturais de longa data permanecem e, sobretudo, não resistem à descontinuação das políticas públicas sobre um longo período. Após alguns anos de austeridade, eis que a esperança renasce mais uma vez. Desta vez, a revolução tecnológica e digital é de tal modo exponencial que podemos estar à beira de decretar a abolição do espaço e da distância. A mobilidade, a velocidade, a universalidade, a ubiquidade, seriam uma medida dessa aceleração tecnológica. Num país tão pequeno e tão bem servido de vias de transporte e com o acesso generalizado das gerações mais novas às tecnologias digitais, o problema da “valorização do interior” tem necessariamente de ser pensado e equacionado em outros parâmetros. Estaremos nós equivocados ao pensar problemas novos com conceitos velhos? E os novos interfaces entre a tecnologia e o território, serão eles a grande oportunidade para o grande país do interior, trarão eles mais inteligência coletiva, mais equidade territorial e mais gente para o interior do país? Vejamos alguns ângulos de observação do problema. A constelação tecnológica formada pelas nanotecnologias (N), as biotecnologias (B), as indústrias informáticas (I) e as ciências cognitivas (C) terá um impacto devastador sobre as ciências da vida e a saúde humana, as indústrias da alimentação e o mundo natural. O aumento dos interfaces eletrónicos e digitais com a comunicação humana irá transportar-nos até mundos desconhecidos, ao universo da robótica e do pós-humanismo. Com as NIBC seremos “cidadãos aumentados”, pós-humanos, seremos o homo connexus, conectados “e-qualquer coisa”, “tele-qualquer coisa” ou “on-qualquer coisa”. Em qualquer lugar, independentemente do “não-lugar” onde estejamos. E quanto a estes novos “territórios NBIC”, como se apresentarão? De um lado, teremos “seres aumentados”, plenos de microchips, viajando constantemente no ciberespaço; de outro, territórios rodeados de sensores por todos os lados, permanentemente vigiados e vigiando-nos a todo o tempo. Nesta vertigem, é muito provável que a velocidade elimine a distância mas contribua, também, para o definhamento dos territórios do interior pela simples razão de que não atingem um urbanismo crítico que lhes permita contrariar os movimentos em direção ao litoral. Seja como for, importará dizer que estas NBIC serão, ainda, “redes digitais centralizadas” e que, “no seu interior”, num país tão pequeno, os territórios do litoral e do interior serão, antes e apenas, diferentes funcionalidades do mesmo território, de acordo com uma outra tipologia de territórios cada vez mais funcionalmente e tecnologicamente encaixados. As “redes digitais distribuídas” serão a promessa da grande ilusão isotrópica. Ao contrário das redes centralizadas que reproduzem o poder hierárquico e vertical, as redes digitais distribuídas são “relações sem poder”, laterais e colaborativas, sem centro ordenador. As RDD fazem parte da chamada “internet primordial” ou internet dos cidadãos, através da qual se praticará a economia dos bens comuns colaborativos, uma economia simples e sem intermediários, em que os produtores são também consumidores e vice-versa. As empresas start-ups que criarem plataformas tecnológicas e respetivas aplicações serão o agente principal destas redes digitais distribuídas e aqui a imaginação não tem limites. Os espaços de coworking, os fablab, as incubadoras, os centros de investigação, serão os locais privilegiados para fazer nascer estas RDD mas a grande maioria encontra-se numa fase rudimentar e artesanal a necessitar de uma nova geração de investimento público e/ou privado. Hoje, porém, à “nova economia imaterial” não bastam as comunidades online criadas de geração espontânea em espaços de coworking ou fablab municipais. Esta é a versão fashion do problema que temos entre mãos e que as políticas públicas de coesão alimentam amiúde, com incentivos de ocasião, sem sucesso visível ou aparente. Também não bastam as start-ups geradas em incubadoras e aceleradoras, quais corredores solitários em busca de uma pista segura que lhes garanta um mínimo de sustentabilidade. De facto, há uma diferença abissal entre o conforto de uma rede digital gerida por uma comunidade online e o desconforto de um problema real gerido por uma comunidade offline, já para não falar da qualidade do actor-rede que administra a rede digital distribuída. Nestes termos, a RDD não será distribuída, será apenas mais um vendedor de ilusões sem impacto real sobre os problemas existentes. É inevitável, o deslumbramento tecnológico é de tal ordem que vamos ter de transitar pelo “interior virtual” antes de perceber que é muito complexo e até, por vezes, doloroso todo o processo de conversão das comunidades online em comunidades offline. Quer dizer, vamos ter de fazer um processo de aprendizagem para finalmente compreender qual é a melhor combinação de “virtualidade e realidade”. E quanto à agricultura e a valorização do interior, eis alguns exemplos retirados das tecnologias de precisão da empresa agrícola 4. 0: a gestão remota da rega, a monitorização das culturas a partir de imagens aéreas obtidas com drones, as câmaras de vigilância nos estábulos e vacarias, os robots de ordenha e alimentação, os chips nos animais para acompanhamento do seu ciclo de vida, os robots para realizar os trabalhos na vinha, os veículos autónomos como maquinas agrícolas e tratores, a sensorização da floresta (os olhos e os ouvidos das árvores), as câmaras térmicas (os olhos nocturnos dos bombeiros), as imagens por drone das zonas com maior acumulação de matos, os robots para fazer o ataque a incêndios, a recolha e tratamento da informação bruta, farming data e cloud computing, os modelos computacionais para a elaboração de cenários de intervenção, a criação de aplicações em smartphones para uso de agricultores e bombeiros, finalmente, a inteligência artificial (machine learning) para diversas simulações. Estes exemplos mostram que na “próxima incarnação” o mundo rural estará irreconhecível, pois a “internet das coisas” estará presente desde a agricultura de precisão até à silvicultura preventiva. Mas a agricultura de precisão 4. 0 será apenas um dos vetores, porventura o mais exuberante, presentes no mundo rural. Num país tão pequeno como Portugal, servido por boas infraestruturas de transporte e comunicação, o problema principal não é o “repovoamento e o stock populacional” de zonas de baixa densidade, mas, antes, a organização virtuosa da mobilidade e do fluxo de população, isto é, a montagem imaginativa e eficiente de uma economia de rede e visitação no território, concebido como território-rede e baseado em serviços itinerantes e polivalentes que a tecnologia das redes sociais pode muito bem imaginar e montar. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Creio que, no próximo futuro, naquilo que eu designo como a “2. ª ruralidade”, a novidade mais importante será a emergência de uma grande variedade de redes e plataformas tecnológicas e sociais. Na 2. ª ruralidade teremos de resolver os problemas da agricultura de precisão, da silvicultura preventiva, do urbanismo reticular das pequenas cidades do interior, da economia rural dos parques e reservas naturais, da biodiversidade local e serviços ecossistémicos, da economia de recreação e visitação das amenidades e paisagens rurais, dos serviços itinerantes às populações perdidas do interior, etc. Na 2. ª ruralidade, “os neorurais vindouros” terão aí um papel fundamental e tornarão o campo quase irreconhecível tal como o conhecemos hoje. A agricultura acompanhada pela comunidade (AAC) e a gestão comunitária e agrupada de aldeias e vilas serão uma realidade, a economia da partilha e as boas práticas da economia circular serão, igualmente, uma realidade face aos recursos ociosos, sub-empregados e esquecidos; finalmente, a patrimonialização dos recursos arqueológicos e históricos e a sua moderada turistificação serão, também, uma realidade. Não será o melhor dos mundos, mas será seguramente um mundo melhor. O autor escreve segundo as normas do novo Acordo Ortográfico
REFERÊNCIAS:
Palavras-chave humanos campo ataque comunidade
2019 é o ano de Leonardo da Vinci e em Florença já se vê a água como ele a via
O 500.º aniversário da morte deste mestre do Renascimento começa a ser assinalado com exposição rara do Códice Leicester nos Uffizi. “O verdadeiro Leonardo da Vinci está nos códices e não na sua pintura”, diz, provocador, o seu comissário. (...)

2019 é o ano de Leonardo da Vinci e em Florença já se vê a água como ele a via
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 | Sentimento 0.0
DATA: 2018-11-16 | Jornal Público
SUMÁRIO: O 500.º aniversário da morte deste mestre do Renascimento começa a ser assinalado com exposição rara do Códice Leicester nos Uffizi. “O verdadeiro Leonardo da Vinci está nos códices e não na sua pintura”, diz, provocador, o seu comissário.
TEXTO: Cinquenta mil pessoas já viram a exposição que voltou a mostrar ao mundo uma das jóias de Leonardo da Vinci. Não se trata de uma pintura, nem sequer de um desenho. Os Uffizi, a galeria florentina que guarda uma das melhores pinacotecas do mundo e várias obras deste mestre indiscutível do Renascimento, tem desde o início do mês nas suas salas o Códice Leicester, mostrado pela primeira vez em 36 anos na cidade onde o pintor e cientista italiano redigiu estas importantes reflexões sobre a água. Não sem uma boa dose de provocação, o especialista Paolo Galluzzi, comissário desta exposição que inaugura o que serão as férteis comemorações dos 500 anos da morte de Leonardo em 2019, põe tudo em perspectiva: “O verdadeiro Leonardo está nos códices que deixou e não na sua pintura. ”Até 20 de Janeiro de 2019, A Água Como Microscópio da Natureza: O Códice Leicester de Leonardo da Vinci está nos Uffizi para mostrar um manuscrito raramente visto em público. A sua presença é fruto de uma negociação de quase três anos com Bill Gates, que o comprou em 1994 por 27, 1 milhões de euros, soma que, durante décadas, fez dele o livro e manuscrito mais caro de sempre. A obra chegou agora a Florença e ao museu que tem uma das mais importantes colecções de obras do Renascimento para mostrar um lado menos conhecido de um dos mais conhecidos artistas de sempre e para lembrar como vai ser difícil ter exposições monumentais e absolutas para este 500. º aniversário. “O Códice Leicester é produto de Leonardo como artista maduro e extremamente sofisticado, sendo um observador preciso da natureza, um engenheiro capaz de abordar projectos audaciosos e um intérprete dos fenómenos mais significativos, tanto no microcosmos quanto no macrocosmos”, disse em comunicado Paolo Galluzzi, director do Museu Galileu de Florença e curador da exposição. O manuscrito de 72 páginas — um caderno com observações científicas do artista redigido entre 1504 e 1508, em Florença e Milão — versa sobre a água e o seu movimento. Leonardo, que quando escreveu o Códice teria 55 anos, passava grande parte do seu tempo a observar o Arno, o rio que atravessa Florença, e a escrever e a desenhar diagramas. Tem o nome que tem porque durante mais de 250 anos os seus proprietários foram os condes de Leicester — Thomas Coke comprou-o em 1719 e receberia depois o título nobiliárquico. Este códice, tal como outros escritos de Leonardo, está redigido da direita para a esquerda e de maneira a que só seja possível lê-lo usando um espelho. Fala das inundações descritas na Bíblia, dos fósseis como provas de vida pré-histórica ou em instruções para criar diques e barragens em rios. Contém também notas para si mesmo que antecipam a invenção de importantes instrumentos científicos: “Fazer lentes para ver a lua maior”, escreve, isto um século antes da criação do telescópio. A exposição enriquece-se com o Codescope, patrocinado pelos milionários tornados filantropos Bill e Melinda Gates, que permite uma experiência interactiva com o Códice Leicester e ver animações digitais dos seus desenhos ou ter acesso às suas traduções em italiano e inglês. Na investigação para a exposição, escreve o Wall Street Journal, foram recuperadas 70 placas fotográficas que datam do final do século XIX e do início do século XX e que revelam pedaços do texto já consumidos pelo tempo. Está ainda acompanhado por algumas páginas de outros códices do mestre, todas por empréstimo — Código Atlanticus, Código Arundel e Código sobre o Voo dos Pássaros. É uma exposição que “oferece ao visitante o prazer de se perder na mente de um génio”, segundo o New York Times, e que mostra, disse Paolo Galluzzi ao diário espanhol El País, o momento em que “se converteu num humanista”. Trata-se do “mais notável dos manuscritos científicos [de Leonardo]” e contém ideias “radicais, inquietantes”, escreve no catálogo da exposição Martin Kemp, autor de Living with Leonardo e um dos maiores especialistas mundiais na sua obra. “Há uma hierarquia de conhecimento que o torna muito famoso pela sua obra gráfica. Para mim, o verdadeiro Leonardo está nos códices que deixou e não na sua pintura. Faz todo o sentido que este ano se expliquem estes tesouros quase ilegíveis”, disse ainda Galluzzi. Leonardo da Vinci morreu a 2 de Maio de 1519 e, sendo um dos nomes centrais da História da Arte e do pensamento, motor do Renascimento, não tem assim tantas obras plásticas unanimemente reconhecidas como suas. Tal faz com que a tentativa de programar exposições para assinalar a data incontornável dos 500 anos da sua morte tenha sido tanto uma corrida ao empréstimo, quanto um desafio de conservação para museus e outras instituições. “Seria impossível e errado” fazer uma exposição com base em empréstimos de obras, disse Eike Schmidt, director dos Uffizi, ao Art Newspaper na apresentação à imprensa de A Água Como Microscópio da Natureza. “Não podemos ser eticamente responsáveis por um acto que ponha em risco obras únicas que têm de ser salvaguardadas para gerações futuras”, diz sobre a sensível preservação das três pinturas que o museu tem no seu acervo, por exemplo, e que moram agora numa galeria renovada, com um sofisticado sistema de climatização. Inquilinas dessa nova sala, Baptismo de Cristo, Anunciação e Adoração dos Magos podem ser vistas também, contextualizou Eike Schmidt ao New York Times, como exemplos do pensamento científico do mestre. “Leonardo não podia ter pintado como pintou sem a sua observação científica da natureza. ” Estas pinturas estão agora bem perto de A Água Como Microscópio da Natureza para contemplação conjunta. Apesar de tudo, nos próximos meses haverá alguma circulação, ainda que controlada, de Leonardos para várias exposições que assinalam os 500 anos da morte do génio. Leonardo da Vinci será organizada pelo Louvre, em Paris, entre 24 de Outubro de 2019 e 24 de Fevereiro de 2020, com as principais obras de Leonardo do museu francês — Mona Lisa, A Virgem dos Rochedos, A Virgem e o Menino e Santa Ana — e talvez, estima o Art Newspaper, Salvator Mundi, que se juntou ao rol de pinturas que se crê serem de Leonardo mas cuja autoria está ainda em discussão. Depois de extensamente restaurada, Salvator Mundi foi comprada em 2017 pelo príncipe Bin Salman, da Arábia Saudita, por 396 milhões de euros para depósito no Louvre de Abu Dhabi, mas ainda não foi exposta, o que tem dado força aos que põem em causa à atribuição ao mestre florentino. Em Londres haverá Leonardo da Vinci: A Life in Drawing, com mais de 200 desenhos da Royal Collection a preencher a Queen’s Gallery do Palácio de Buckingham entre 24 de Maio e 13 de Outubro do próximo ano. Antes disso, a mesma exposição vai estar em itinerância por 12 cidades britânicas, entre 1 de Fevereiro e 6 de Maio de 2019. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Em Itália, no Castelo Sforza, em Milão, a sala decorada por Leonardo em 1498 em honra do seu mecenas, o duque Ludovico, vai ser reaberta a 2 de Maio depois de ter sido restaurada. Esta reabertura será acompanhada de duas exposições, uma de desenhos para a Sala delle Asse e outra sobre a Milão de Leonardo. Também nesta cidade estão já expostos Dez Desenhos d’A Última Ceia, no Museo del Cenacolo Vinciano. No Museu Leonardino de Vinci, onde nasceu, estará uma mostra que o associa à geografia da cidade e que inclui o seu desenho mais antigo das montanhas de Montalbano, emprestado pelos Uffizi. Florença recebe ainda uma mostra no Museu Galileu sobre Leonardo e seus Livros. Nos próximos dias devem ser anunciados mais detalhes sobre o amplo programa de comemorações em Itália.
REFERÊNCIAS:
Palavras-chave morte
Em Santa Catarina, Lisboa enfrenta os seus monstros
Turismo massificado e repentino, vida nocturna vibrante, mercado imobiliário a ferver. Em Santa Catarina (e não só), a cidade é posta à prova. Como reage? (...)

Em Santa Catarina, Lisboa enfrenta os seus monstros
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 | Sentimento 0.0
DATA: 2019-07-10 | Jornal Público
SUMÁRIO: Turismo massificado e repentino, vida nocturna vibrante, mercado imobiliário a ferver. Em Santa Catarina (e não só), a cidade é posta à prova. Como reage?
TEXTO: Numa quarta-feira de Outubro, ao cair da noite, duas faces da mesma cidade chocaram de frente junto ao Miradouro de Santa Catarina. Como tem acontecido todas as semanas, um grupo de pessoas protestava perto da vedação provisória ali colocada pela câmara municipal, pedindo que ela desapareça. Outro grupo, este de moradores da zona, estava lá para defender exactamente o oposto. Ambos se manifestavam pela mesma coisa: o direito à cidade. Quem é contra a vedação e a imposição de horários no miradouro diz que esta é uma forma de roubarem parte da cidade aos cidadãos. Os moradores, os que não se foram embora, argumentam que a cidade já lhes foi roubada. Gerou-se um animado debate. “Eu venho aqui desde miúdo, venho todos os dias, e nunca vi ninguém ser assaltado. Nunca vi aqui nada de realmente grave”, dizia um homem. “Aqui tudo se agrava. Não é ano a ano, nem mês a mês, é dia a dia. É a bandalheira completa”, contrapunha outro. No fim de Julho, para surpresa de muita gente, a câmara de Lisboa anunciou que ia fazer obras no miradouro, também conhecido por Adamastor, para recuperar o espaço verde e o espaço público, melhorar a higiene urbana e a segurança. Anunciou igualmente que o local passaria a ter uma vedação e horários de abertura e fecho, com o objectivo, segundo o vice-presidente Duarte Cordeiro, de “estabelecer momentos de descanso” para o miradouro. Logo no dia seguinte ao anúncio foi montado o gradeamento verde que agora lá está. Pouco depois era colocada uma sarapilheira em toda a volta, que impede a fruição de vistas. Entretanto, por pressão política de toda a oposição, o executivo parou todo o processo e disse que ia promover um debate público sobre o tema. “Este assunto apareceu como um cavalo de Tróia. É um exemplo flagrante de gentrificação: as pessoas são postas fora de suas casas e depois fora da cidade”, comenta Manuel Pessôa-Lopes, curador artístico e um dos impulsionadores do movimento “Make Adamastor Public Again”, que entretanto mudou de nome para “Libertem o Adamastor!” e conseguiu reunir mais de 4000 assinaturas numa petição. “Vamos levar uma petição à Assembleia Municipal de Lisboa que já tinha as assinaturas necessárias para ir à Assembleia da República”, brinca. Para ele e para os peticionários, “não é o vedar que resolve” os problemas de Santa Catarina, que não se confinam ao miradouro. Neste como noutros pontos, a associação de moradores A Voz do Bairro concorda. “Todos os dias lidamos com situações muito graves, que põem em causa a vida das pessoas, e ninguém quer saber. Estamos abandonados”, desabafa Sérgio Sanbento, que vive numa rua onde já só há oito residentes permanentes. As restantes casas são alojamento local. É frequente ouvir os moradores do centro histórico queixarem-se de que foram deixados à sua sorte perante os fenómenos que põem Lisboa à prova: o turismo massificado e repentino, a vida nocturna vibrante, um mercado imobiliário a ferver. Em Santa Catarina, como no Bairro Alto, como no Cais do Sodré, a habitação, a higiene urbana, o ruído e a segurança tornaram-se questões políticas de primeira grandeza. “Se os moradores são cada vez menos, a marginalidade ganha espaço”, concorda Manuel Pessôa-Lopes. “Mas a câmara serve-se dos problemas que existem e não resolve. O problema não está aqui. O deixar arrastar, o não resolver, serve como desculpa. ”O Adamastor já há muito que não é o sítio romântico onde Chico declarou o seu amor a Tatão (n’O Pai Tirano, 1941), até porque as obras de 2013 lhe alteraram significativamente a fisionomia. “Foi-nos imposto um equipamento, projectado da forma como está, para receber mais gente. A procura começou a crescer aí. Não temos capacidade para receber esta quantidade de pessoas. Criámos ali um rooftop dos pobres”, critica Nuno Santos, da associação A Voz do Bairro, que lançou duas petições. Uma defende “um gradeamento e horários de funcionamento” no miradouro e tem cerca de 300 assinaturas. A outra, com quase mil, pede a resolução de problemas em toda a freguesia da Misericórdia, que precisamente abarca os três bairros mencionados acima. “Em Fevereiro dei-me ao trabalho de contar e daqui da esquina [entre a Calçada do Combro e a Rua Marechal Saldanha] até ao Adamastor eram 48 traficantes de droga”, conta Sérgio Sanbento. O assédio a quem passa, relata este morador, é uma constante. “Metem-se com as pessoas, atacam as pessoas. Na última assembleia de freguesia foi lá um senhor contar que disse ‘não’ a dois dealers e foi agredido à porta de casa”, relata Nuno Santos. “Na nossa rua pegaram fogo a um carro. Já vi pessoas a fazer sexo, nuas, no meio da rua às duas da manhã”, afirma Catarina Teixeira, outra moradora. Discute-se, por isso, muito mais do que uma vedação. “Isso não é nada, é um começo. Acreditamos que é um bom começo para regrar o local, porque o local precisa de ser regrado”, defende Nuno Santos, que afirma também que, naquela zona, o número de traficantes de droga e o barulho diminuíram nas últimas semanas, depois de colocado o gradeamento provisório. A junta de freguesia diz o mesmo. “Recentemente tem-se sentido, e através de relatos de moradores, uma vaga de abordagens mais violentas por parte dos vendedores de droga no local, nomeadamente quando os transeuntes negam essa abordagem. Não possuímos dados relativos ao aumento ou diminuição deste tipo de situações desde que a vedação foi colocada, no entanto, visitando o local, pode verificar-se que a presença destas pessoas é bastante menor. ”Junta de freguesia, moradores e opositores à vedação coincidem em várias considerações, sobretudo nestas: o bairro é mal iluminado e tem pouco policiamento. “O problema de segurança aqui sempre existiu. Eu trabalhei num projecto, em 2006, em que se trabalharam precisamente soluções para o problema”, diz Manuel Pessôa-Lopes, que associa esta decisão da câmara à recente abertura de um hotel de cinco estrelas perto do miradouro (uma acusação que Fernando Medina rejeita). “Não é vedar que resolve nada. O que resolve é policiamento, vigilância, programas de intervenção e habitantes. O primeiro instinto das pessoas é ‘Vedando, isto fica bom’. No Jardim de Santos havia má frequência à noite, agora não há porque puseram grades, mas há nas ruas à volta. ”Pessôa-Lopes diz que não se pode comparar Santa Catarina a locais como o Jardim da Estrela ou mesmo o Jardim de Santos, pois esses “têm um acervo botânico que justifica o seu descanso”. E dá o exemplo do Jardim e Miradouro do Torel, “que está vedado e não é por isso que está mais cuidado”. Além disso, argumenta: “Os namorados que quiserem vir aqui às três da manhã têm todo o direito. Quem quiser ver o sol nascer, porque não pode vir?”“O miradouro é um espaço a fechar à noite. Fechar mesmo. Eu presenciei pessoas a fazer fogueiras às cinco da manhã, a atirarem achas para a rua de baixo. Há tambores à meia-noite, à uma, às duas, três da manhã. Tenho vizinhos que já saíram à rua para dar um robe a miúdas que foram violadas e estão com as roupas todas rasgadas. Há aqui agressões diariamente, às vezes mais do que uma por dia. O fecho do miradouro suaviza a situação. Mas não a resolve”, descreve Sérgio Sanbento. Além de querer videovigilância no bairro, a junta da Misericórdia defende “a proibição de venda de álcool para a via pública” e “a criação de uma plataforma à semelhança do Portal Na Minha Rua, na qual os munícipes possam dar os seus contributos e denunciar situações de risco sem terem de ser identificados pelas autoridades”. A câmara de Lisboa está a estudar as propostas. Para o urbanista João Seixas, “a cidade é, por natureza, um palco e um resultado de visões e interesses distintos”, mas o Miradouro de Santa Catarina “é particularmente sensível, porque é um lugar com forte marca identitária, simbolismo e centralidade”. Ou seja, “o que se fizer deve ser feito com pinças”, defende, revelando ser contra a vedação e a imposição de horários. “Os espaços públicos devem ser de coexistência, ter diferentes usos e visões. É muito redutor que um espaço público fique muito especializado”, diz. E isso, acrescenta, é válido tanto para uma utilização mais informal, como acontecia até há pouco, como para uma putativa ‘privatização’ por via da mudança dos donos do quiosque que ali existe. “A cidade terá sempre espaços de maior transgressão”, mas isso “nunca deve ser argumento para uma diminuição do direito ao espaço público”, afirma João Seixas, alertando que o que se passar em Santa Catarina será “uma mensagem para toda a cidade”. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Uma mensagem de respeito, ainda que tardio, pelos moradores, na visão destes; uma porta aberta ao encerramento de outros sítios da cidade, na visão do grupo “Libertem o Adamastor”. E se ambos tiverem razão?“Se há um momento para demonstrar uma actuação urbana democrática e responsável, este é um bom exemplo”, diz ainda João Seixas. “Isto ia a bom porto se a câmara e a junta debatessem com as pessoas. Têm essa responsabilidade e outra, que é a de defender o espaço público”, afirma o urbanista. Seixas propõe uma “monitorização mais atenta” do bairro através do policiamento e, por exemplo, uma co-responsabilização das várias partes – e se moradores, frequentadores, autoridades e turistas fossem todos chamados a cuidar daquele espaço? “O caminho tem de ser este, nunca pode ser o de bloquear o acesso. ”A 7 de Novembro, a câmara reúne-se para ouvir a população das freguesias de Santa Maria Maior, Santo António e Misericórdia. O assunto Santa Catarina vai certamente entrar no debate.
REFERÊNCIAS: