George Clooney tenta evitar um novo genocídio no Sudão
O Satellite Sentinel Project, criado pelo actor, está a colaborar com outras organizações para colocar satélites comerciais na fronteira Norte-Sul do país que vai dividir-se em dois. A sua esperança é a de evitar uma nova carnificina. (...)

George Clooney tenta evitar um novo genocídio no Sudão
MINORIA(S): Refugiados Pontuação: 6 Africanos Pontuação: 2 | Sentimento 0.018
DATA: 2011-01-18 | Jornal Público
SUMÁRIO: O Satellite Sentinel Project, criado pelo actor, está a colaborar com outras organizações para colocar satélites comerciais na fronteira Norte-Sul do país que vai dividir-se em dois. A sua esperança é a de evitar uma nova carnificina.
TEXTO: George Clooney gostaria de levar um pouco de Hollywood a uma das regiões mais remotas e tensas de África. Não se trata de passadeiras vermelhas e sacos de donativos mas o olhar frio, constante e intrusivo de uma câmara. "Todos podem ir ao Google Earth e googlar a minha casa", disse o actor. "Pensei, se é assim que tem de ser e se podem googlar a minha casa, então as pessoas que cometem crimes de guerra, em particular o Governo do Sudão, também deveriam beneficiar do mesmo nível de celebridade que eu. Estas pessoas são figuras públicas, e nós vamos fotografá-las. "Clooney é o impulsionador de um plano para instalar satélites comerciais que irão monitorizar a fronteira entre o Norte e o Sul do Sudão, um país que deverá partir-se em dois, depois de um referendo que terminou no sábado e cujos resultados oficiais só serão conhecidos no início de Fevereiro. Se eclodirem combates, o seu objectivo extremamente ambicioso - o culminar de anos de envolvimento com este Estado devastado pela guerra - é evitar um genocídio. O Satellite Sentinel Project é uma colaboração entre a Not on Our Watch (organização de direitos humanos fundada por Clooney), as Nações Unidas, a Universidade de Harvard e a Trellon, uma companhia que constrói websites. No site do projecto, http://www. satsentinel. org, qualquer pessoa poderá ver imagens de alta resolução de uma fronteira que se estende ao longo de 1250 milhas (cerca de 2000 quilómetros). Se a violência começar, os patrocinadores do site esperam que as suas provas fotográficas ajudem a pressionar o Conselho de Segurança da ONU e outros países a intervir. A organização Not on Our Watch, que Clooney fundou com os actores Don Cheadle, Brad Pitt e Matt Damon e com o produtor Jerry Weintraub e com David Pressman, ex-funcionário do Departamento de Estado na época do Presidente Bill Clinton, já angariou para o projecto 650 mil dólares de fundos iniciais. "Temos a capacidade de criar dissuasão", disse Clooney, que efectuou a sua sétima visita ao Sudão e ao vizinho Chade. "Talvez não seja necessário enviar para a região tanques, helicópteros ou aviões "porque nós estamos a vigiar". "Analista sérioMais de dois milhões de pessoas morreram na guerra civil sudanesa que durou de 1983 a 2005. Desde então, a violência esporádica tem continuado entre os árabes sudaneses de tez mais clara no Norte, que defendem a lei islâmica, e os africanos de pele mais escura no Sul semiautónomo. O Presidente sudanês, Omar Hassan Ahmed Bashir, que tem o seu palácio em Cartum, no Norte, é procurado pelo Tribunal Criminal Internacional sob as acusações de genocídio e crimes contra a humanidade relacionados com aquela violência. Tendo os sudaneses do Sul, na sua maioria cristãos e animistas, votado a favor da secessão, o Sul ficará com cerca de 80 por cento das receitas petrolíferas do país - um problema incómodo para Bashir. A primeira visita de Clooney ao Sudão foi em 2006, quando filmou um documentário com o seu pai, o jornalista Nick Clooney. No final desse ano, o actor discursou perante o Conselho de Segurança da ONU sobre esta questão, tendo viajado para a China e Egipto, na companhia de Cheadle, para tentar persuadir os responsáveis destes a usarem os seus laços com o Governo sudanês para ajudar a pôr fim à violência. "George continua a aparecer", notou John Prendergast, co-fundador do Enough Project, que visitou o Sudão com Clooney. "Ele é um analista muito sério e empenhado. Deslocou-se a localidades remotas. Colocou-se a si próprio perante riscos extremos. Ele fica alojado em cabanas de palha e em cabanas de adobe. Ele adoece devido à falta de condições sanitárias. " Os apelos de Clooney à paz no Sudão levaram-no da Casa Branca, onde se encontrou com o Presidente Barack Obama um mês após a sua tomada de posse, até às mais longínquas aldeias fronteiriças. Numa tentativa para persuadir um líder rebelde a assistir a uma conferência de imprensa, o actor ofereceu-lhe dinheiro para financiar a loja de sapatos do seu pai. (O esforço não resultou. )Para alguém que tem a vida peculiar de uma celebridade, Clooney consegue encontrar um anonimato raro no Sudão. "É uma zona calma para ele", observou Prendergast. "Quando vamos para Nova Iorque e Los Angeles, toda a gente o segue. Mas se vai a uma aldeia ou a um campo de refugiados, é apenas mais um funcionário de uma agência humanitária ou um activista de direitos humanos que aparece por ali. " Documentar em tempo realA ideia de Clooney do Satellite Sentinel Project começou com uma viagem ao Sudão em Outubro. Depois de a Not On Our Watch ter fornecido os fundos iniciais, outras organizações e companhias rapidamente se juntaram como parceiros, a tempo do lançamento da iniciativa em Dezembro de 2010. "Este [projecto] é ideia original de Clooney e a sua dimensão não tem precedentes", salientou David Yanagizawa-Drott, professor assistente da Harvard"s Kennedy School of Government, que irá avaliar os resultados do programa para a Harvard Humanitarian Initiative. "É necessária uma tecnologia sofisticadíssima, deixando acessíveis ao público documentação de direitos humanos e imagens quase em tempo real. Não se trata apenas de documentar o conflito post mortem. Ou seja, antes de uma guerra civil poder eclodir, já estaremos a documentá-la. " Clooney está consciente de que o activismo geopolítico de figuras de Hollywood é, frequentemente, encarado com cinismo, se não mesmo com um desdém sem reservas - mas nada o detém. "As pessoas que reviram os olhos, a maioria dessas pessoas não sabe nada", declarou Clooney. "Tenho líderes rebeldes na minha lista de contactos telefónicos de marcação rápida. Já passei algum tempo na companhia do Presidente do Chade, no Sul do Sudão. Estive em Cartum. Conheço pessoalmente a maioria das facções. Por isso, tenho um entendimento rudimentar do que se passa, o que é mais do que tem a maioria das pessoas. Se isso significar que posso intervir e chamar a atenção daqueles que sabem realmente o que estão a fazer, então estou a cumprir a minha missão. "No entanto, Clooney tem sido discreto quando ao seu trabalho na região, tendo designado os seus esforços de "o maior fracasso" da sua vida, numa entrevista que concedeu ao jornal britânico The Sun, em Setembro do ano passado. "Nada mudou na realidade", lamentou Clooney recentemente. "Quando 300 mil civis inocentes são sistematicamente violentados e assassinados, então trata-se de um fiasco a todos os níveis. Sou um tipo antiquado, gosto de ganhar o jogo e não dizer apenas que jogámos bem mas perdemos. " * Exclusivo Los Angeles Times/PÚBLICO
REFERÊNCIAS:
Entidades ONU
Governo da Turquia pede saída de Khadafi “imediatamente”
A Turquia, país muçulmano que pertence à NATO, apelou a Muhammar Khadafi para que deixe “imediatamente” o poder e ponha assim fim ao derramamento de sangue na Líbia. (...)

Governo da Turquia pede saída de Khadafi “imediatamente”
MINORIA(S): Refugiados Pontuação: 6 Africanos Pontuação: 2 | Sentimento 0.0
DATA: 2011-05-04 | Jornal Público
SUMÁRIO: A Turquia, país muçulmano que pertence à NATO, apelou a Muhammar Khadafi para que deixe “imediatamente” o poder e ponha assim fim ao derramamento de sangue na Líbia.
TEXTO: Até agora, o governo conservador islâmico de Ancara, que até à revolta tinha boas relações com o poder de Trípoli — e se opôs aos ataques aéreos internacionais contra as forças do regime —, mantinha diálogo com os rebeldes, mas tinha-se abstido de pedir o afastamento do ditador. “Desejamos que o líder líbio deixe a Líbia e ceda o poder imediatamente, por ele e pelo futuro do seu país, a fim de não provocar mais efusão de sangue, lágrimas e destruição”, disse à imprensa o primeiro-ministro, Recep Erdogan, citado pela AFP. No terreno, a NATO lançou ataques aéreos nas imediações da cidade cercada de Misurata, alvo de intensos bombardeamentos das forças de Khadafi nos dois dias anteriores. Entre os alvos estavam paióis de munições. Na cidade, vivia-se durante a tarde, segundo um repórter da AFP, uma situação de calma tensa — resultado da paragem dos bombardeamentos e da inquietação pelo fim do prazo de uma amnistia que Khadafi ofereceu aos rebeldes que cessassem os combates até hoje. A aliança informou que o porto de Misurata já está acessível depois de ter sido alvo de ataques e de nele terem sido colocadas minas que tornavam perigosa a navegação. A Organização Internacional das Migrações pediu à NATO e ao regime de Trípoli para deixarem sair da cidade um milhar de africanos e dezenas de feridos civis. Os combates na Líbia têm forçado milhares de refugiados a dirigirem-se à fronteira com a Tunísia, informou também a ONU. O Conselho Nacional de Transição, órgão dirigente dos rebeldes, anunciou entretanto que não tem condições para exportar petróleo e alertou para o risco de colapso económico das zonas que controla, se até Junho a França, a Itália e os EUA não lhe concederem um crédito de três mil milhões de dólares garantido por fundos congelados de Khadafi. Essa verba é considerada pelo Conselho indispensável para alimentar a população e prestar cuidados médicos aos feridos, bem como para assegurar os salários dos funcionários. O assunto deve ser discutido no Grupo de Contacto sobre a Líbia, que amanhã se reúne em Roma.
REFERÊNCIAS:
Entidades ONU EUA NATO
Delegações de 80 países ainda estão a chegar ao Pavilhão Atlântico
Os trabalhos da cimeira União Europeia-África, que deveriam ter começado às 09h30, estão atrasados. As delegações de 80 países ainda continuam a chegar ao Pavilhão Atlântico, em Lisboa. Cabo Verde foi a primeira a chegar. Lá fora já uma pequena manifestação aguarda o líder líbio. A chegada das delegações e chefes de Estado e Governo continua a fazer-se, agora com intervalos mais curtos, tendo o primeiro-ministro cabo-verdiano, José Maria Neves, sido o primeiro chefe de delegação africana a chegar (às 08h53). Pouco depois chegou o ex-primeiro-ministro português e Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugia... (etc.)

Delegações de 80 países ainda estão a chegar ao Pavilhão Atlântico
MINORIA(S): Refugiados Pontuação: 6 Africanos Pontuação: 2 | Sentimento 0.0
DATA: 2007-12-08 | Jornal Público
TEXTO: Os trabalhos da cimeira União Europeia-África, que deveriam ter começado às 09h30, estão atrasados. As delegações de 80 países ainda continuam a chegar ao Pavilhão Atlântico, em Lisboa. Cabo Verde foi a primeira a chegar. Lá fora já uma pequena manifestação aguarda o líder líbio. A chegada das delegações e chefes de Estado e Governo continua a fazer-se, agora com intervalos mais curtos, tendo o primeiro-ministro cabo-verdiano, José Maria Neves, sido o primeiro chefe de delegação africana a chegar (às 08h53). Pouco depois chegou o ex-primeiro-ministro português e Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados, António Guterres, o primeiro-ministro turco Ercet Erdogan, o presidente moçambicano Armando Gebuza e o Presidente egípcio Hosni Ubrarak. O Presidente do Zimbabwe, Robert Mugabe, já chegou ao local dos trabalhos, bem como o líder da Líbia, Muammar Kadhafi. O primeiro-ministro belga, Guy Verhofstadt, protagonizou hoje o primeiro percalço da cimeira, ao esquecer-se da sua pasta no automóvel que o transportou à FIL, o que o obrigou a esperar uns minutos na passadeira vermelha. O governante, que já ontem teve de adiar para hoje a viagem para Lisboa devido à complicada situação política que se vive na Bélgica, acabou por seguir caminho e entrar na FIL, em Lisboa, depois de lhe ter sido garantido que a pasta seria entregue mais tarde. Em frente das instalações disponibilizadas para os jornalistas, um grupo de africanos aguarda a chegada do líder líbio, Muammar Kadhafi, para lhe manifestarem "apoio" e aplaudirem.
REFERÊNCIAS:
Cidades Lisboa
Perseguições levam ACNUR a pedir à Europa que acolha mais refugiados sírios
Há refugiados presos em esquadras no Egipto e situação não é melhor na Líbia. Na Turquia o número de sírios ultrapassa já os 600 mil (...)

Perseguições levam ACNUR a pedir à Europa que acolha mais refugiados sírios
MINORIA(S): Migrantes Pontuação: 6 Africanos Pontuação: 2 Refugiados Pontuação: 21 | Sentimento 0.65
DATA: 2013-10-21 | Jornal Público
SUMÁRIO: Há refugiados presos em esquadras no Egipto e situação não é melhor na Líbia. Na Turquia o número de sírios ultrapassa já os 600 mil
TEXTO: Fugiram da guerra na Síria, mas a situação que encontram nos países vizinhos é cada vez mais difícil: na Turquia, onde todas as semanas nascem novos campos de refugiados, estão já mais de 600 mil sírios; no Egipto centenas estão detidos ilegalmente e na Líbia houve barcos alvejados quando tentavam navegar em direcção à Europa. Perante isto, o Alto Comissariado da ONU para os Refugiados (ACNUR) voltou a apelar à solidariedade dos europeus, pedindo-lhes que abram as suas portas a quem procura asilo. “Um número crescente de sírios está a atravessar o Mediterrâneo do Egipto para Itália, referindo uma ansiedade crescente com a sua segurança, bem como incidentes que envolvem agressões físicas, ameaças verbais, detenção e deportações”, denunciou, na sexta-feira, a porta-voz do ACNUR, Melissa Fleming, citada pela Reuters. Na véspera, a Amnistia Internacional acusou o regime egípcio de estar a “falhar de forma abissal as suas obrigações internacionais” e de “não proteger sequer os refugiados mais vulneráveis”. Segundo a organização de direitos humanos, a Marinha egípcia interceptou nos últimos dois meses 13 embarcações que partiram das suas costas com destino a Itália, detendo 946 refugiados, das quais 724 continuam na prisão. Acções que começaram após o golpe que derrubou o Presidente islamista Mohamed Morsi e que desencadeou no Egipto um clima de desconfiança em relação aos refugiados sírios (cerca de 125 mil, quase todos sunitas), acusados de serem simpatizantes da Irmandade Muçulmana. A Amnistia diz que numa visita a uma esquadra de polícia em Alexandria encontrou 40 refugiados sírios detidos sem ordem judicial, dez dos quais eram crianças, incluindo dois gémeos com apenas um ano de idade. Os refugiados contaram que a polícia ameaçou transferi-los para uma prisão no Cairo a menos que assinem um papel aceitando ser deportados para outros países da região ou levados de novo para a Síria. Não é caso único – há relatos de sobreviventes de naufrágios que depois de serem resgatados ficaram detidos e, no início do mês, um grupo de 36 refugiados, a maioria de origem palestiniana, foi deportado para Damasco e, segundo a Amnistia, vários deles foram levados para uma das prisões mais temidas dos serviços secretos sírios. “Enviar refugiados para uma zona de conflitos sangrentos é uma violação da lei internacional”, denuncia a organização. A situação é igualmente perigosa na Líbia – um país dominado pelas milícias e que continua a ser o principal porto de partida para a Europa, já não apenas de imigrantes africanos, mas de um número cada vez maior de refugiados. O barco que naufragou no início do mês junto à ilha de Lampedusa, provocando a morte a 339 dos mais de 500 ocupantes, foi alvejado no mar, o que poderá ter danificado a embarcação e contribuído para a tragédia. Apelo à solidariedade europeiaO ACNUR sublinha que, face aos problemas internos dos dois países e às previsões de que mais sírios vão deixar o país, “é urgente reforçar as capacidades de acolhimento nestes países do Norte de África”. Mas diz que isso não basta: “Pedimos aos países que têm meios, na Europa e não só, que mostrem a sua solidariedade não apenas com financiamento e contribuições, mas também com medidas que envolvam o acolhimento de refugiados em países terceiros e a reunificação das famílias”. Mais de três quartos dos 2, 2 milhões de refugiados sírios, metade dos quais crianças, estão em três países vizinhos, onde as capacidades de resposta estão perto do limite. Quase 800 mil estão no Líbano, um dos países mais pequenos da região; na Jordânia nasceu em pouco mais de um ano o segundo maior campo de refugiados do mundo; e segundo números divulgados nesta segunda-feira, a Turquia acolheu já mais de 600 mil pessoas, das quais um terço está nos 21 campos erguidos junto à fronteira. Ancara é um dos governos mais hostis ao regime de Bashar al-Assad e assegurou que iria manter as fronteiras abertas aos sírios. No entanto, o primeiro-ministro, Tayyip Erdogan, anunciou recentemente que o país já gastou mais de dois mil milhões de dólares com o acolhimento de refugiados. O ACNUR lançou um apelo para que os países ocidentais aceitem receber pelo menos 30 mil refugiados até ao final de 2014, através de programas temporários de acolhimento ou vistos humanitários. Até agora, apenas 16 países responderam ao apelo, comprometendo-se a receber pouco mais de 10 mil pessoas, quase metade das quais na Alemanha. Em Setembro, o Ministério dos Negócios Estrangeiros comunicou ao ACNUR que Portugal está disponível para receber ainda este ano 15 sírios.
REFERÊNCIAS:
Entidades ONU
O CDS, a Europa e os “outros povos”
As tiradas de Nuno Melo sobre os refugiados deviam ensinar-nos a perceber onde estão os Salvinis e as Le Pens portuguesas. (...)

O CDS, a Europa e os “outros povos”
MINORIA(S): Migrantes Pontuação: 6 Africanos Pontuação: 2 Refugiados Pontuação: 14 | Sentimento -0.12
DATA: 2018-10-19 | Jornal Público
SUMÁRIO: As tiradas de Nuno Melo sobre os refugiados deviam ensinar-nos a perceber onde estão os Salvinis e as Le Pens portuguesas.
TEXTO: O CDS decidiu antecipar-se e anunciar, a quase um ano de distância, a sua candidatura ao Parlamento Europeu. E o que escolheram aqueles que se dizem democratas-cristãos como tema preferencial? Os migrantes: “O espaço europeu pode ser um destino de acolhimento para outros povos mas exigimos respeito pelas nossas leis, valores, costumes. A segurança dos cidadãos é uma prioridade”, lê-se no flyer do CDS (PÚBLICO, 19. 7. 2018). A propósito desses “outros povos”, o repetente cabeça de lista, Nuno Melo, que, por um lado, gosta de falar do “humanismo” com que a Europa tem o dever de acolher “aqueles que procuram o nosso espaço comum porque fogem a essas guerras, porque fogem à fome, porque querem salvaguardar a sua vida e a vida dos seus familiares”, é o mesmo que, sempre que de refugiados se fala, vai direitinho ao discurso do medo. Melo repete há anos que “as migrações têm implicações na segurança”, que a questão “não pode ser vista numa perspetiva romântica” porque há muitos migrantes que, “sob pretexto” da procura de asilo, “se querem infiltrar na dita Europa fortaleza para cometer atentados” (Observador, 4. 9. 2015). É que, lembra ele, “a Europa está em guerra” - o CDS, pelo menos, está! - e “a mim preocupa-me bastante que neste momento haja mais de 50 mil pessoas que circulam livremente pela Europa, sem sabermos quem são, de onde vêm e ao que vêm”. Em Penafiel, há dois anos, Melo dizia que “o problema só se resolve na origem” e “não [acreditava] que isto se possa resolver sem uma intervenção militar da qual a Europa e os Estados Unidos façam parte” (Verdadeiro olhar, 3. 4. 2016). É curioso que, de tão banal esta linguagem, já nem se dê importância a estes delírios belicistas! Para quem gosta de sublinhar que Portugal é uma exceção no quadro europeu de consolidação de uma extrema-direita xenófoba e neofascista, as tiradas de Nuno Melo sobre os refugiados deviam ensinar-nos a perceber onde estão os Salvinis e as Le Pens portuguesas - personagens que, lembremo-nos, preocupadas com a “segurança da Europa” e a “preservação do modo de vida europeu”, sempre rejeitaram ser racistas. O CDS (e o PSD) faz parte do Partido Popular Europeu (PPE) juntamente com a CDU alemã, por exemplo, mas também com os partidos de Viktor Orbán e de Berlusconi (o primeiro a trazer a extrema-direita para o governo italiano há 24 anos). Dominando a presidência da UE (Tusk), da Comissão (Juncker) e do Parlamento (Tajani) europeus, bem como a maioria dos governos da UE, o PPE preparou há meses um rascunho do seu programa eleitoral para 2019 no qual sobressaem algumas das teses tradicionais da extrema-direita: “o sucesso da Europa dependerá da nossa capacidade para (. . . ) preservar o modo de vida europeu”, o que passa por “proteger as nossas fronteiras para travar as migrações ilegais” pelo que “precisamos de equipar as nossas fronteiras com a última tecnologia (…) e pelo menos dez mil novos guardas” para “assegurar o nosso direito sistemático a mandar equipas militares ou construir muros onde for necessário” (“EPP Group Priorities, draft programme”, 2018). Estes muros e estes guardas fronteiriços são os mesmos de Trump ou Orbán. Desengane-se quem acha que tudo isto não passa de uma estratégia eleitoral para impedir que mais eleitores se passem de armas e bagagens para o campo da extrema-direita assumida – como se imitar Salvini fosse a melhor forma de evitar que se vote Salvini. Há quase 30 anos que as elites ocidentais, uma vez libertas do bipolarismo da guerra fria, apostaram nessa nova visão colonial do mundo que o “choque de civilizações” destilou, e, a partir dela, forçaram um reordenamento político dos Balcãs, da Ásia Central pós-soviética, do Norte de África e do Médio Oriente, que propiciou as al Qaedas e os Estados Islâmicos. De amálgama em amálgama, o mesmo terrorismo (dito) islâmico que foi (ou é) aliado militar do Ocidente em tantos cenários de guerra passou a ser tido como representação de um só e único “Islão”; dezenas de milhões de muçulmanos que há gerações (e, em muitos casos, há séculos) são europeus, viram-se percecionados como potenciais terroristas; e, por último, milhões de migrantes, de todas as origens, passaram a ser parte da categoria de “outros povos” com os quais, afinal, “a Europa está em guerra”, e entre os quais se escondem “terroristas” que querem ameaçar “o modo de vida europeu”. Na Europa do desemprego juvenil, da precarização do trabalho e da exploração dos imigrantes, é de “invasores” e “guerra” que o CDS quer falar. Está percebido.
REFERÊNCIAS:
Partidos PSD Partido Popular Europeu
Declaração conjunta do Conselho para as Migrações
No 70.º aniversário da Declaração Universal dos Direitos Humanos e dos 40 anos da ratificação de Portugal da Convenção Europeia dos Direitos Humanos, por ocasião do dia 18 de dezembro, Dia Internacional das Pessoas Migrantes. (...)

Declaração conjunta do Conselho para as Migrações
MINORIA(S): Migrantes Pontuação: 6 Africanos Pontuação: 2 Refugiados Pontuação: 11 | Sentimento 0.0
DATA: 2018-12-19 | Jornal Público
SUMÁRIO: No 70.º aniversário da Declaração Universal dos Direitos Humanos e dos 40 anos da ratificação de Portugal da Convenção Europeia dos Direitos Humanos, por ocasião do dia 18 de dezembro, Dia Internacional das Pessoas Migrantes.
TEXTO: Segundo as Nações Unidas, há atualmente 244 milhões de migrantes internacionais e mais de 22 milhões de refugiados, dos quais quase metade com idade inferior a 18 anos. Guerras, terrorismo, alterações climáticas e crises financeiras registadas nas últimas décadas determinaram a intensidade dos fluxos migratórios e provocaram a maior crise internacional de pessoas refugiadas desde a II Guerra Mundial. O racismo, a xenofobia e o ódio religioso dirigido às comunidades migrantes estão a ser evidenciados no tecido social e no discurso político de democracias ocidentais, nomeadamente europeias. Se há menos de três décadas caía o Muro de Berlim, entre 2014 e 2015 foram construídos muros nas fronteiras de vários países da União Europeia para conter a entrada de novos fluxos migratórios. No auge da crise humanitária de 2015, Estados-membros da União Europeia houve que recusavam receber pessoas refugiadas vindas de África e do Médio Oriente que diariamente chegavam à Europa para fugir da violência e da miséria e muitas morreram no Mar Mediterrâneo. Setenta anos após a aprovação da Declaração Universal dos Direitos Humanos na Assembleia-Geral das Nações Unidas, hoje, mais do que nunca, o Mundo continua a demonstrar a importância de instrumentos políticos como o do ato firmado no dia 10 de dezembro de 1948 e a atualidade do seu texto. Nesta ocasião, no âmbito da celebração dos 70 anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos, o Conselho para as Migrações lembra que:A imigração é fundamental para o enriquecimento e desenvolvimento do País, em diferentes domínios: económico; qualificação; emprego; empreendedorismo; diversidade cultural e religiosa;Portugal deve continuar a afirmar-se numa política aberta à migração legal e atenta a novos fluxos migratórios, criando novas respostas para recentes desafios;O Estado e a Sociedade Civil devem continuar a pugnar pela constante melhoria das boas práticas no acolhimento e integração de migrantes e refugiados que vivem e trabalham em Portugal;É dever de todos e de todas reforçar a prevenção e luta contra a discriminação racial e o tráfico de seres humanos, bem como a utilização perversa das migrações para fins de exploração laboral, sexual, mendicidade, entre outros. Deve promover-se a igualdade de oportunidades e o reforço da coesão social como princípios norteadores para uma efetiva, transversal e intersetorial política de integração. Assim, na reunião plenária do dia 3 de dezembro, o Conselho para as Migrações deliberou:Aprovado por unanimidade em Sintra, no dia 3 de dezembro de 2018O Conselho para as MigraçõesOs autores escrevem segundo o novo Acordo Ortográfico
REFERÊNCIAS:
Palavras-chave direitos guerra humanos violência imigração racismo social igualdade sexual humanitária discriminação xenofobia
Twitter enche-se de mensagens de apoio à senadora que os republicanos calaram
Elizabeth Warren foi impedida de criticar o candidato de Trump ao cargo de procurador-geral, entretanto aprovado pelo Congresso, e mulheres de todo o país responderam com uma nova hashtag viral: #shepersisted (...)

Twitter enche-se de mensagens de apoio à senadora que os republicanos calaram
MINORIA(S): Migrantes Pontuação: 6 Africanos Pontuação: 2 Mulheres Pontuação: 9 | Sentimento 0.4
DATA: 2018-12-31 | Jornal Público
SUMÁRIO: Elizabeth Warren foi impedida de criticar o candidato de Trump ao cargo de procurador-geral, entretanto aprovado pelo Congresso, e mulheres de todo o país responderam com uma nova hashtag viral: #shepersisted
TEXTO: Quando o líder da maioria republicana no Senado norte-americano, Mitch McConnell, impediu que a senadora democrata Elizabeth Warren lesse uma carta escrita pela viúva de Martin Luther King, Coretta Scott King, não imaginou que estava a dar azo a que as redes sociais se enchessem com milhares de mensagens de apoio à representante do Massachusetts. Na quarta-feira, quando Warren começou a ler a carta de 1986 em que Coretta tece duras críticas à nomeação para o lugar de juiz federal daquele que é hoje o candidato de Donald Trump ao cargo de procurador-geral do Estado, o senador republicano do Alabama Jeff Sessions (entretanto eleito), o líder dos republicanos interrompeu-a e acusou-a de quebrar todas as regras ao afrontar outro senador. “Ela foi avisada. Recebeu uma explicação e, mesmo assim, persistiu [na leitura da carta]”, afirmou McConnell, para justificar a votação com que os republicanos conseguiram, depois, impedir que Elizabeth Warren voltasse a tomar a palavra. E foi precisamente o facto de persistir que é agora sublinhado nas redes sociais. Rapidamente, a hashtag #ShePersisted multiplicou-se pelo Twitter, a par de outra, #LetLizSpeak, enquanto mulheres de todo o país partilhavam fotos das suas heroínas, entre activistas como Harriet Tubman (que lutou pelo fim da escravatura) e Susan B. Anthony (activista dos direitos das mulheres, nomeadamente do direito ao voto), ou mesmo a candidata democrata derrotada por Trump nas presidenciais, Hillary Clinton. Há mesmo já quem se interrogue se estes não serão os novos gritos de ordem de liberais e feministas. A votação para impedir Warren de falar aconteceu durante um dos debates no Senado sobre a indicação de Sessions para o cargo de procurador-geral do Estado, o equivalente norte-americano do ministro da justiça português. Segundo a agência Efe, na carta escrita há 30 anos, a viúva de Luther King acusa o candidato de ter usado os seus poderes políticos no Alabama “para intimidar e assustar os eleitores negros de idade avançada” e tomar medidas de carácter racista. Ao longo da campanha de Trump, Sessions tornou-se um dos seus conselheiros mais próximos, partilhando com o novo Presidente ideias como a deportação em massa de imigrantes ilegais. Com a votação dos conservadores, a senadora do Massachusetts não pôde voltar a intervir no debate que antecedeu a confirmação de Sessions, recorrendo ao Twitter para prometer que passará a ter o novo procurador-geral debaixo de olho: "Considerem isto o meu aviso. Não seremos silenciados. Vamos continuar a denunciar. E persistiremos". There’s no Rule 19 to silence me from talking about Jeff Sessions anymore. So let me say loudly & clearly: This is just the beginning. If Jeff Sessions turns a blind eye while @realDonaldTrump violates the Constitution or breaks the law, he'll hear from all of us. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. If Jeff Sessions makes even the tiniest attempt to bring his racism, sexism & bigotry into @TheJusticeDept, he'll hear from all of us. And you better believe every Senator who voted to put Jeff Sessions’s radical hatred into @TheJusticeDept will hear from all of us, too. Consider this MY warning: We won’t be silent. We will speak out. And we WILL persist.
REFERÊNCIAS:
Partidos BE
Porque é que não comemos cães?
“Comum a todas as ideologias violentas é o fenómeno do saber sem saber”. Quem o diz é a activista vegan norte-americana Melanie Joy, para quem comer carne é uma dessas ideologias violentas – ela chama-lhe "carnismo". (...)

Porque é que não comemos cães?
MINORIA(S): Migrantes Pontuação: 6 Africanos Pontuação: 2 Mulheres Pontuação: 6 Homossexuais Pontuação: 6 Animais Pontuação: 13 | Sentimento 0.0
DATA: 2018-11-30 | Jornal Público
SUMÁRIO: “Comum a todas as ideologias violentas é o fenómeno do saber sem saber”. Quem o diz é a activista vegan norte-americana Melanie Joy, para quem comer carne é uma dessas ideologias violentas – ela chama-lhe "carnismo".
TEXTO: Comer carne não é apenas uma opção — é uma ideologia. Melanie Joy, professora de Psicologia e Sociologia na Universidade de Massachusetts e autora do livro Porque Gostamos de Cães, Comemos Porcos e Vestimos Vacas (Bertrand Editora), defende que, para encararmos de frente a questão, temos de a poder nomear: ela chama-lhe “carnismo”, palavra que, diz, “já está na Wikipédia e em diferentes dicionários”. O argumento é simples: se não lhe dermos um nome, não a veremos como ideologia, é apenas o “normal”. E para Melanie, que é também fundadora da associação Beyond Carnism e co-fundadora da ProVeg International, não há nada de normal na relação que hoje mantemos com os animais. “Quando um comportamento — neste caso, comer animais — se torna uma escolha e não já uma necessidade, assume uma dimensão ética que não tinha antes. ”É pela psicologia que tenta provar aquilo que vê como uma profunda contradição, a dualidade com que nos relacionamos com o mundo animal, criando uma enorme empatia com algumas espécies e massacrando milhares de milhões de outras para as comer. “A maior parte das pessoas pensa que é cruel massacrar um golden retriever perfeitamente saudável só porque gostamos do sabor das pernas dele”, explica numa conversa com o P2 durante a sua recente visita a Portugal para fazer uma palestra no festival VeggieWorld. É precisamente com o exemplo do cão (noutro país, não ocidental, poderia ser uma espécie diferente) que começa o seu livro. Descreve um jantar de amigos, ambiente acolhedor, uma “travessa fumegante de um apetitoso guisado”. Todos estão deliciados com a carne e alguém pede a receita, ao que o anfitrião responde: “Começamos com 2, 5 quilos de carne de golden retriever. ” A frase é o suficiente para congelar o gesto de levar o garfo à boca. “Se formos como a maior parte dos norte-americanos, ao sabermos que estávamos a comer um cão, as nossas sensações vão passar automaticamente de prazer a um certo grau de repulsa”, escreve a autora. Porque é que não temos o mesmo tipo de empatia com outros animais?O cenário de produção de carne a nível industrial que Melanie Joy descreve no livro — no qual refuta também argumentos como o de que os animais não sofrem, não sentem dor ou medo — é impressionante. Destinados exclusivamente a serem transformados em alimento, os animais criados para este fim têm vidas muito curtas, durante as quais sofrem continuamente. Um artigo do The Washington Post de 2011, assinado por Joby Warrick e citado no livro, incluiu a entrevista a um trabalhador de um matadouro que explicava que, embora o gado devesse chegar já morto à sala de corte, frequentemente isso não acontecia. “Eles pestanejam. Fazem barulhos, mexem a cabeça, arregalam os olhos e olham em volta”, descrevia o funcionário, que continuava a cortá-los. “Eles morrem pedaço a pedaço. ”Esqueçamos as vacas por um momento e vejamos o que se passa em algumas produções onde se amontoam milhões de galinhas: “Como as galinhas têm sido geneticamente modificadas para porem dez vezes mais ovos do que as suas antepassadas, os seus frágeis ossos partem-se com frequência, visto o cálcio do esqueleto ser desproporcionalmente desviado para a formação das cascas dos ovos. Uma outra consequência desta selecção artificial para a produção de quantidades antinaturais de ovos é o prolapso uterino. Quando um ovo fica agarrado à parede uterina, pode trazer o útero com ele ao sair. A não ser que seja recolocado no corpo da galinha, o útero será alvo das bicadas das outras galinhas, levando-a a sangrar até à morte ou a perecer devido às infecções; em ambos os casos, a galinha costuma morrer ao fim de dois dias. ”Um exemplo de algo que pode horrorizar um leitor ocidental é a descrição dos restaurantes sul-coreanos onde se come carne de cão, retirada de uma reportagem de 2002 do jornal britânico The Telegraph: “A morte dos cães é tão desumana como a sua criação. Quase todos são espancados até à morte, pois acredita-se que tal estimula a produção de adrenalina, vista pelos homens coreanos como estimulante para a sua virilidade. Uma vez mortos ou quase mortos, os cães são atirados para água a ferver, esfolados e pendurados pela mandíbula num gancho de carne. Muitos cozinheiros usam então um maçarico para lustrar a carcaça. ”E, para quem não estiver já profundamente perturbado, Melanie acrescenta ainda descrições sobre a vida dos trabalhadores da indústria da carne (muitos deles imigrantes ilegais), que classifica como “o emprego fabril mais perigoso nos EUA, sendo também o mais violento”. Para além do desgaste emocional provocado pelo facto de se trabalhar num ambiente em que animais estão permanentemente a ser massacrados, existem muitos riscos físicos, das quedas aos cortes e amputações. “Em 2005, pela primeira vez, a Human Rights Watch publicou um relatório em que criticava um sector específico dos EUA — o sector da carne — por nele vigorarem condições de trabalho tão chocantes que violavam os direitos humanos básicos. ”Por fim, a questão da higiene (e mais uma vez as referências no livro são sobretudo relativas aos EUA, embora a autora diga que, com algumas diferenças na legislação e nas regras, a situação na Europa é também grave). Se a carne pudesse ter avisos na embalagem semelhantes aos do tabaco, segundo Melanie seriam algo como isto: “O animal convertido neste produto pode ter sido alimentado com gatos e cães mortos para o efeito; com penas, cascos, pêlos, pele, sangue e intestinos processados; com animais mortos por atropelamento, com estrume, com granulados de plástico extraídos dos estômagos de vacas mortas; com carcaças de animais da sua própria espécie. ”“Sabemos que a produção de carne é um negócio sujo”, escreve. “Mas preferimos não saber quão sujo é. (. . . ) Comum a todas as ideologias violentas é o fenómeno do saber sem saber. ” Esta realidade é, de vez em quando, denunciada numa reportagem ou num filme, mas a maior parte das pessoas, ainda que suspeitando que ela existe, prefere ignorá-la, afirma Melanie. Ela própria começou por ser “a rapariga da pizza apaixonada por carne”. Pedia sempre pizza com todo o tipo de carnes e ainda extra queijo. Só mais tarde começou a aperceber-se de uma contradição. “Eu era ao mesmo tempo uma consumidora de carne e uma pessoa que se preocupava com os animais”, explica ao P2. “Não fazia a ligação entre as duas coisas e quando finalmente a fiz fiquei tão chocada que quis contar a toda a gente o que tinha aprendido sobre a produção industrial de carne. ” Foi então que se lhe deparou “uma terrível resistência em relação ao que [lhe] parecia ser uma informação verdadeiramente importante”. As pessoas pareciam não querer ver, nem ouvir. Esta descoberta levou-a a estudar mais profundamente a psicologia da violência e da não-violência. “Queria saber porque é que pessoas boas voltam as costas a problemas sérios, permitindo que eles continuem a existir e a proliferar. ”Se pensarmos nesta questão em termos mais alargados, podemos questionarmo-nos sobre até que ponto esta vontade de não ver nos pode levar a assumir certos posicionamentos políticos — e Melanie não tem problemas em usar neste livro a palavra “holocausto” para se referir ao que está a acontecer a milhões de animais todos os dias. “Entrevistei talhantes, cortadores de carne, comedores de carne, pessoas que criavam e matavam os seus próprios animais para alimentação. Todas tinham os mesmos comportamentos contraditórios, preocupavam-se com eles, mas massacravam-nos e comiam-nos. ” Percebeu, então, que “algo maior devia estar a acontecer”: “A única explicação para este paradoxo generalizado tinha de ser um sistema de crença espalhado, ou seja, uma ideologia. ”Mas, questionamos, comer carne não foi algo que fizemos desde sempre? Se é uma ideologia, como é que começou e quem a propagou? “As ideologias não têm de nos ser vendidas. Podem simplesmente desenvolver-se ao longo do tempo, baseadas na forma como nos relacionamos com o poder. Se pensarmos no sistema patriarcal ou no sexismo como uma ideologia, não houve alguém a vender a ideia de superioridade masculina”, argumenta. “É um conjunto de ideias que começou há muito tempo e foi crescendo, porque um grupo de pessoas, neste caso os homens, tinha poder e agarrou-se a esse poder. ”O que aconteceu depois, segundo Melanie, foi que todo o sistema passou a assentar num mecanismo quase invisível, uma “indústria de milhares de milhões de dólares” que tem todo o interesse em manter o mundo a consumir enormes quantidades de carne. E o grande trunfo deste sistema é a sua invisibilidade. A máquina trituradora de animais é mantida longe dos olhares de quem os vai comer. No entanto, mesmo quando a morte acontece à nossa frente, não nos mostramos tão chocados como seria expectável — basta pensarmos na matança do porco, tradicional em países como Portugal, ou na forma como os animais mortos, inteiros, são apresentados nos talhos. “Para algumas pessoas, a questão é não ver fisicamente, com os olhos”, argumenta. “Para outras, é não ver com o coração. A visibilidade é física, mas também emocional. E as pessoas têm uma capacidade extraordinária para se tornarem insensíveis. No passado, viam a matança de humanos, o tempo todo, à frente delas. Eram insensíveis a isso. Usamos mecanismos de defesa psicológicos. ”As pessoas que lidam directamente com o negócio da carne, que trabalham nos matadouros, por exemplo, são das que mais usam esses mecanismos de defesa. “Os carniceiros que entrevistei têm como trabalho transformar os animais mortos em pedaços de carne, mas quando recebiam os animais, eles nunca tinham cabeças. Eles estavam completamente habituados àquele trabalho, não os incomodava nada, excepto quando, ocasionalmente, um animal chegava ainda com a cabeça. Isso era muito perturbador, porque viam os olhos dele e estabeleciam uma relação emocional que tornava mais difícil manter a distância. ”Quando perguntamos a alguém porque é que, sabendo as condições em que os animais vivem e morrem e conhecendo o impacto que a produção industrial de carne tem no ambiente, continua a comê-la, muitas das respostas assentam em duas ideias principais: porque é “natural” e porque é “cultural”. E estes argumentos parecem ser mais fortes do que os primeiros. Porquê?“É aquilo que aprendemos. É uma ideia, um mito que herdámos, geração após geração. Lemos sobre isso, vemos na televisão, a nossa família diz-nos isso, a religião diz-nos isso, ouvimos a mensagem, uma e outra vez, repetidamente. Por isso, nem questionamos até que ponto é racional. ”Todavia, há na natureza animais que são herbívoros e outros que são carnívoros, contrapomos. O aparelho digestivo humano tem capacidade para digerir carne e derivados, portanto será “natural” fazê-lo. “Sim, os nossos aparelhos digestivos permitem isso, mas também sabemos que dietas com excesso desses ingredientes podem fazer-nos adoecer. ” Dá outros exemplos de adaptação do organismo humano: “Os nossos corpos não foram feitos para viver em climas nórdicos, onde temos de acender aquecedores, ou em climas muito quentes, onde temos de ligar o ar condicionado. Há muitas coisas que fazemos hoje que não fazíamos na natureza, e isso não as torna boas nem más. Não somos os mesmos seres que éramos, quando tínhamos de caçar a nossa comida. ”Melanie defende, por outro lado, que o argumento da tradição — por exemplo, comer peru no Natal ou no Dia de Acção de Graças — é facilmente contornável. “A tradição tem que ver sobretudo com a família estar junta, celebrando, ouvindo as histórias uns dos outros. O que comem não é assim tão importante. ”Quanto à identidade nacional e gastronómica, que em muitos países está profundamente ligada à carne, acredita que “a cultura é dinâmica, não é estática”. “Tal como um casamento, a cultura não fica igual o tempo todo, cresce, desenvolve-se. É, no fundo, uma relação entre milhões de pessoas. Se pensarmos nisso à escala mais pequena, como a do casamento, percebemos que a relação muda, as coisas que eram normais no passado deixam de ser normais. Há tantas coisas que deixámos de fazer — nos EUA enforcavam pessoas, na Roma antiga celebravam os assassinatos públicos. Evoluímos. ”Outro argumento que contesta é o utilizado por quem critica a indústria alimentar para apresentar uma versão romantizada da morte de animais selvagens (a caça) ou que vivem em condições aceitáveis (aqueles que a indústria, e não só, apelida de “felizes”). Para Melanie, isso é uma falácia. “De certa forma, é ainda pior matar um animal feliz, que quer continuar a viver e que estabeleceu laços com outros. Não é racional. Mais uma vez, se nesse raciocínio substituirmos a vaca, o porco ou a galinha por outro animal, vemos que não é racional. Não é respeitável matar um ser vivo só porque queremos comer as pernas dele, mesmo não precisando disso para sobreviver. ”A activista vê, contudo, sinais de mudança. E alguns deles vindos até da indústria. O marido de Melanie, que, tal como ela, está ligado à ProVegg International, deu uma conferência para produtores de carne na Europa e detectou alguns desses sinais. “Disseram-lhe que o objectivo deles não é necessariamente vender proteína animal, querem vender produtos de proteína, seja vegan ou animal. Muitas dessas empresas começaram já a vender produtos vegan. ” Na Alemanha, onde vive, “o mais antigo produtor de salsichas do país começou a fazer salsichas vegetarianas”, depois de ter concluído que “as salsichas são o cigarro do futuro”. Há já muitas pessoas a reduzir o consumo de carne, ou a abandoná-lo definitivamente, mesmo que o façam com motivações diferentes, algumas pela preocupação com o bem-estar dos animais, outras pelo ambiente e outras ainda pela saúde. “Mas”, sublinha, “no fundo são tudo questões éticas. ” “A forma como tratamos os nossos corpos também é uma questão ética. Não temos de fazer uma escolha entre o nosso corpo e os animais ou entre o nosso corpo e o ambiente. ”Sabe que “o mundo não vai tornar-se vegan de um dia para o outro”, até porque estamos a falar de “uma profundíssima transformação social na forma como nos relacionamos com os animais e com a nossa comida”. Mas o movimento está aí, mesmo que “ainda não tenhamos todas as respostas”. Uma das respostas que não temos é para esta pergunta: se não precisarmos de criar certas espécies de animais para a nossa alimentação, será que elas vão continuar a existir? Melanie confessa que não sabe. Questionamo-la também sobre os desequilíbrios que existem no planeta relativamente a esta questão. Se no mundo ocidental é possível haver um número crescente de pessoas a afastar-se da carne, em países como a Índia e a China, com todo o impacto que têm pela força dos números, o consumo de carne está a aumentar à medida que as condições de vida o permitem. Tal como aconteceu na Europa no passado (e ainda acontece em grande medida hoje), a carne é vista como um sinal de riqueza e de estatuto. Sim, reconhece, mas “mesmo a China está a tentar reduzir o seu consumo de carne”. O problema, segundo Melanie, é que a grande indústria alimentar “está a exportar os seus problemas para as nações em desenvolvimento, ou seja, o carnismo está a exportar os seus problemas”. O que lhe dá esperança é que tanto na China como na Índia já existem “grupos activistas que estão a tentar despertar as consciências para que os seus países não sofram os mesmos problemas de diabetes, doenças cardíacas e de ambiente que os nossos enfrentam há tanto tempo”. Estão também a surgir alternativas para substituir o consumo de carne, tal como existe hoje. Uma delas é a carne feita em laboratório, a partir de células retiradas aos animais. Por enquanto, este processo ainda está no início e o primeiro hambúrguer feito a partir de células de bovinos custava uma fortuna. Mas, com o desenvolvimento da técnica, os seus promotores acreditam que um pedaço desta carne, que não implica a morte de um animal, poderá atingir um preço bastante razoável. Melanie, que se apresenta como uma “grande foodie”, considera-a “interessante como alternativa”, mas por enquanto está mais entusiasmada com os produtos semelhantes à carne mas feitos à base de vegetais. “A comida é a minha paixão e descobri que a dieta vegan me permitiu apreciar o que como a um nível completamente diferente. ”A mudança pode não ser tão rápida como ela desejaria; para isso talvez seja preciso uma nova geração. “É geralmente assim que a mudança progressiva acontece. Com cada geração as coisas tornam-se mais fáceis e mais normais. Vemos isso com o feminismo, o anti-racismo, os temas LGBT. ” No entanto, mesmo pessoas mais velhas mudam de hábitos e de ideias — ela acredita que quando envelhecemos nos tornamos mais aquilo que já éramos e que se sempre fomos abertos à mudança, seremos ainda mais. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Até lá, porém, continuaremos a ver muitas reacções. “Uma forma de defender o carnismo é criar uma série de mitos sobre os vegans, estereótipos negativos, para desacreditar a mensagem, apresentando-os como militantes que querem limitar a liberdade de escolha de cada um. ”Apesar disso, as coisas estão a melhorar entre os vegan e não-vegan e uma certa tensão que existia no passado tende a esbater-se — até porque há cada vez mais quem se aproxime desse tipo de alimentação sem ter de abandonar completamente a outra. “Muitas vezes pensamos que ou somos vegan e parte da solução ou não somos vegan e fazemos parte do problema. É importante ver o carnismo e o vegetarianismo num espectro e o lugar que ocupamos nesse espectro é menos importante do que a direcção em que estamos a caminhar. Eu encorajo as pessoas a serem tão vegan quanto possível, de uma forma que encaixe com elas. ”Tudo isto leva-a a ter uma convicção: a alimentação no futuro será diferente do que é hoje. “Para mim isso é muito claro, quando olho a trajectória do veganismo. O carnismo está a seguir outros ismos, como o sexismo. Acredito que um dia o veganismo vai substituir o carnismo como ideologia dominante. E nessa altura nem será uma ideologia, será simplesmente a forma como as pessoas comem. ”
REFERÊNCIAS:
Porque não temos extrema-direita? Uma palavra
A ausência da extrema-direita no nosso país é um facto político precioso. Deveríamos todos esforçar-nos para o manter assim. A sorte ganha-se. (...)

Porque não temos extrema-direita? Uma palavra
MINORIA(S): Migrantes Pontuação: 6 Africanos Pontuação: 2 Mulheres Pontuação: 6 | Sentimento 0.080
DATA: 2018-12-31 | Jornal Público
SUMÁRIO: A ausência da extrema-direita no nosso país é um facto político precioso. Deveríamos todos esforçar-nos para o manter assim. A sorte ganha-se.
TEXTO: Ontem nestas páginas Teresa de Sousa dava conta de uma pergunta recorrente: “todos os europeus que encontro me pedem a explicação” para o facto de em Portugal “não termos um partido de extrema-direita”. É uma experiência partilhada. Com a recente eleição de uma dúzia de deputados de extrema-direita no parlamento regional da Andaluzia, caiu a “exceção ibérica” à emergência da extrema-direita no continente europeu e ficou só uma “exceção lusitana”. Além de Portugal, só a Irlanda regista também uma completa ausência da extrema-direita no seu panorama político. Por isso a frequência com que estrangeiros perguntam a portugueses como se explica tal fenómeno só vai aumentar. Infelizmente, não é fácil dar-lhe uma resposta. Tal como Teresa de Sousa, também eu costumo começar a minha tentativa de explicação pelo que ela chama de “a vacina do fascismo”, ou seja, o facto de 48 anos de ditadura nacionalista e ultra-conservadora ainda estarem na nossa memória recente. O problema é que essa era também a explicação que se costumava dar para a ausência da extrema-direita na Espanha, que tem uma memória igualmente recente da ditadura, e aparentemente essa memória não protegeu os espanhóis. A partir daqui, divirjo dos restantes argumentos aduzidos por Teresa de Sousa, não por discordar forçosamente deles, mas mais por favorecer outros argumentos. Onde ela vê como possível explicação a “moderação dos socialistas portugueses” e o “instinto de sobrevivência dos partidos à sua esquerda”, eu costumo antes relevar a dimensão e homogeneidade cultural do país, onde é relativamente fácil criar e manter linhas de comunicação abertas entre campos políticos diferentes (mas não foi sempre assim) e o facto de Portugal ter uma bem sucedida experiência de integração de centenas de milhar de retornados de África, que por sua vez antecedeu um também relativamente harmonioso acolhimento de imigrantes a partir dos anos 80/90. Uma das coisas que me surpreendeu quando comecei a ir à Hungria reportar sobre a regressão do estado de direito sobre o governo Orbán foi a facilidade com que se fazia presente a memória da Iª Guerra Mundial e sobretudo do Tratado de Trianon, que em 1919 retirou à metade húngara do Império Austro-Húngaro muitos territórios hoje romenos, croatas e eslovacos. “Fomos traídos”, diziam de políticos a jornalistas, “roubaram-nos dois terços do país”, acrescentam, esquecendo que antes disso já a monarquia imperial habsburga tinha oferecido à sua coroa húngara territórios que não eram dela. A gestão cuidadosa do esquecimento e da exacerbação da memória na Hungria criou o caldo de vitimização e ressentimento que ajudou a propulsionar Orbán e levá-lo ao poder. Boa parte dos carros na Hungria andam com autocolantes nos quais aparece o mapa da Grande Hungria, incluindo capitais de três estados vizinhos. Em Portugal não temos nada disso, apesar do nosso “fim de império” ser bem mais recente. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Outra justificação possível faz parte daquilo a que gosto de chamar “mitos que funcionam”. O principal “mito que funciona” em Portugal é o do “país de brandos costumes”. Se olharmos para a nossa história, desde a forma como o Gama chegou à Ásia, aos séculos de Inquisição, à repressão pombalista, ao estado de guerra civil oficial ou larvar no século XIX, à confusão frequentemente violenta da Iª República e à medonha noite salazarista terminando numa guerra colonial em três países africanos, veremos que o mito do “país de brandos costumes” é mesmo isso: um mito. Mas se suficiente gente acreditar nele, passa a ser um mito que funciona. E apesar de em muitas casas a violência doméstica ser um flagelo, e de na rua se ouvir dizer coisas terríveis sobre os políticos, continua a ser verdade que os portugueses sentem em geral uma verdadeira repulsa pela violência e especificamente pela violência política. Foi talvez isso que nos evitou uma guerra civil após a revolução e que nos encaminhou para uma constituição que — ao contrário do que se passa em Espanha — é unanimemente respeitada. O pior é que quando chego ao fim destas explicações não consigo evitar uma conclusão que parece pouco “técnica” do ponto de vista historiográfico. A grande razão que nos tem protegido, até agora, da extrema-direita resume-se numa palavra: sorte. Não vale a pena embandeirar em arco com a ideia de que temos um caráter especial ou diferente dos outros. Temos tido, também e sobretudo, bastante sorte. Os putativos líderes de extrema-direita que têm aparecido são em geral patéticos e muitas vezes criminosos de meia-tigela, ou ambas as coisas. Outros políticos que namoraram com a retórica xenófoba acabaram por casar com a respeitabilidade que dá o poder. E o misto de denúncia com ignorância seletiva por parte de comentadores e jornalistas tem até agora funcionado. Não quer dizer que a nossa sorte continue, porque o que está a acontecer na Europa e no resto do mundo tem excitado as imaginações de certos oportunistas na confluência entre a baixa política e a imprensa tablóide. Mas a lição mais importante é que a sorte trabalha-se. Se os políticos deixarem de tentar dar soluções reais para problemas reais, é bem possível que os demagogos das soluções irreais para problemas muitas vezes também irreais acabem por conseguir lograr aquilo em que até agora têm falhado em Portugal. A ausência da extrema-direita no nosso país é um facto político precioso. Deveríamos todos esforçar-nos para o manter assim. A sorte ganha-se.
REFERÊNCIAS:
Palavras-chave guerra violência doméstica
Reportagem: Milhares de estrangeiros tentam deixar a Líbia de barco
Uma fila interminável serpenteia junto ao navio. "Não sei para onde vamos", diz uma rapariga de 19 anos, Mary Rose. Está há várias horas à espera para entrar no paquete Alger, que vai zarpar para Alexandria, no Egipto, com dois mil refugiados a bordo. "A agência mandou-nos vir para aqui, não sabemos para onde vamos". Mary Rose é indiana e, desde há um ano, trabalha como baby-sitter em Bengasi. "Vamos todos embora, por causa dos problemas. Não sei se voltaremos." (...)

Reportagem: Milhares de estrangeiros tentam deixar a Líbia de barco
MINORIA(S): Migrantes Pontuação: 6 Africanos Pontuação: 2 Mulheres Pontuação: 5 Refugiados Pontuação: 3 | Sentimento 0.0
DATA: 2011-03-01 | Jornal Público
SUMÁRIO: Uma fila interminável serpenteia junto ao navio. "Não sei para onde vamos", diz uma rapariga de 19 anos, Mary Rose. Está há várias horas à espera para entrar no paquete Alger, que vai zarpar para Alexandria, no Egipto, com dois mil refugiados a bordo. "A agência mandou-nos vir para aqui, não sabemos para onde vamos". Mary Rose é indiana e, desde há um ano, trabalha como baby-sitter em Bengasi. "Vamos todos embora, por causa dos problemas. Não sei se voltaremos."
TEXTO: Os "problemas" terminaram por agora em Bengasi, desde que as forças leais a Muammar Khadafi foram vencidas pelos rebeldes, mas Mary Rose e os milhares de imigrantes que tentam embarcar não vêem assim a questão. "Isto está muito mau. É uma guerra, ninguém pode ficar aqui". Mohamed, 20 anos, argelino que veio para a Líbia estudar, observa da janela do seu carro os milhares de indianos, argelinos e sírios que chegam em camiões de caixa aberta, com malas e sacos às costas e o pânico nos olhos. "São paranóicos", diz ele. "Não há problemas com os líbios. Nenhum me fez mal, eu apoio a revolução deles, e quero ficar cá. " Rafiq, que trabalha para o comité dos revolucionários, pergunta a vários indianos se algum líbio lhes fez mal. "Não, não. Os líbios são nossos amigos", responde Santokh Kumar, 30 anos, imigrante do Punjab. "Eu vou-me embora por causa da guerra. Mas quando tudo acalmar, volto". Santokh trabalha numa fábrica de transformação de madeira e vive num campo de operários, com outros imigrantes da Índia e alguns do Gana. Ganha 600 dólares por mês, que envia na totalidade para a Índia. Vive dos 75 dinares mensais do subsídio de alimentação. "O nosso patrocinador é líbio. Chama-se Amar Ali. A empresa fechou e ele mandou-nos regressar. Não temos nenhuma razão de queixa dele. E são os líbios que estão a ajudar-nos a vir para aqui. Pessoas que emprestam camiões e vão buscar os indianos, por várias povoações". Rafiq fica satisfeito com as respostas. "Dizem que nós perseguimos os estrangeiros. Não é verdade. Podem trabalhar, fazer a sua vida. Só fazemos mal aos mercenários, de países africanos, que Khadafi contratou". Atrás do Alger está outro navio, o Europe Palace, e noutro terminal do porto atracou um navio militar sírio. Tem capacidade para mil pessoas, provavelmente menos do que os homens, mulheres e crianças que se empurram para conseguir chegar aos dois funcionários que, sentados em cadeiras de plástico, carimbam os passaportes. Um deles é Mustafa Ahbara, 33 anos, que trabalha no aeroporto, o outro Mahmoud, 24 anos, do Crescente Vermelho. Trouxeram dois carimbos da sede dos serviços de imigração e estão a autenticar a saída dos sírios. Colaboram com o comité. Mortos por todo o lado"Eu não vou regressar mais à Líbia", diz Sfr, sírio de 23 anos. "Não é por mim, mas pela minha família. Têm muito medo. Viram coisas que uma pessoa não devia ver nunca. " A mãe, Safira, o irmão, Mustafa, de 17 anos, e a irmã, Fátima, de 13, não conseguem dizer nada. Vivem em puro terror desde que começou a revolução. "Houve combates em frente do local onde trabalhamos", explica. "Mortos por todo o lado, carros a arder. Tenho de levar a minha família para fora deste país. "A revolução líbia começou em Bengasi no dia 17 de Fevereiro, de forma pacífica, tal como na Tunísia e no Egipto. Mas o que aconteceu a seguir foi muito diferente. As forças de Khadafi dispararam sobre os manifestantes. Usaram metralhadoras e armas pesadas, como baterias antiaéreas. Os buracos das balas são ainda visíveis. Mas a seguir os rebeldes reagiram. Vários comandantes do Exército passaram para o lado dos revoltosos e deram luta às forças especiais do Presidente. Contaram com o apoio de centenas de soldados, e distribuíram armas à população. Os combates decorreram durante três dias, centrados na praça Berka, onde se situa a sede das forças de Khadafi, a Katiba. É um complexo militar cercado por muros altos. No interior, há vários edifícios onde se aquartelavam as forças especiais, um palco onde o Presidente, quando vinha à cidade, fazia os seus discursos ao povo, e vários luxuosos palácios onde ele e os seus apaniguados se hospedavam.
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