O rebranding da coroa
A secular e conservadora coroa britânica está a mudar e curiosamente, ao contrário do povo, que votou pelo Brexit, não quer isolar-se do mundo. (...)

O rebranding da coroa
MINORIA(S): Migrantes Pontuação: 6 Africanos Pontuação: 2 | Sentimento 0.0
DATA: 2018-05-28 | Jornal Público
SUMÁRIO: A secular e conservadora coroa britânica está a mudar e curiosamente, ao contrário do povo, que votou pelo Brexit, não quer isolar-se do mundo.
TEXTO: Uma criança que cresça num agregado familiar chefiado por alguém pertencente a uma minoria étnica tem 41, 9% de probabilidades de viver em pobreza contra 24, 5% das crianças que vivem com uma família branca. O incêndio numa torre de apartamentos, maioritariamente habitado por imigrantes, em junho do ano passado, fez 71 mortos e a primeira-ministra demorou mais de 24 horas a deslocar-se ao local e evitou falar com algum dos sobreviventes. A ministra do Interior, provável sucessora de Theresa May, demitiu-se depois de admitir ter "inadvertidamente enganado" uma comissão parlamentar sobre "quotas de deportação de imigrantes clandestinos". Isto tudo se passou (e passa) no Reino Unido, país que hoje estará nos holofotes mediáticos por causa de um casamento real. E é por isso que é importante falar-se do casamento de Harry, o sexto na sucessão ao trono britânico, com Meghan Markle, uma atriz norte-americana de 32 anos. A noiva do príncipe será a primeira afro-descendente a entrar na família real, a homilía vai ser feita conjuntamente pelo reverendo Michael Bruce Curry, o primeiro afro-americano a presidir a um bispado, e Meghan vai ser levada ao altar pelo braço do (talvez) futuro rei de Inglaterra. Apesar de todas as críticas que se podem fazer à coroa britânica, esta dá um exemplo de abertura e inclusão (e quer sublinhá-lo muito claramente) numa sociedade que agradece bons exemplos. “Os Windsors vão misturar o seu fino sangue azul e os Spencer a sua pele pálida e cabelo ruivo com um DNA rico e exótico”. É normal ler isto na imprensa britânica em pleno séc. XXI? Não, não pode ser. Numa altura em que 68% dos britânicos ainda preferem a monarquia, este casamento representa também um rebranding da coroa ou talvez a sua continuidade. Como Richard Fitzwilliams, especialista na monarquia britânica, explica ao PÚBLICO, “não há dúvida que, no futuro, o círculo interno da família real será [constituído por] William e Kate, Harry e Meghan e, claro, os filhos. ” O objetivo é “adelgaçar” a Casa Real e concentrá-la na jovem geração que quer ser o mais igual possível aos jovens da sua idade. A secular e conservadora coroa britânica está a mudar e curiosamente, ao contrário do povo, que votou pelo Brexit, não quer isolar-se do mundo.
REFERÊNCIAS:
Palavras-chave criança minoria pobreza casamento deportação
Morreu Stan Lee (1922-2018), o humano que criou a teia de super-heróis da Marvel
Ao longo dos seus 95 anos de vida, Lee foi a mão e mente criadora de alguns dos nomes mais memoráveis das bandas desenhadas da Marvel, como o Homem-Aranha, os X-Men ou Hulk. (...)

Morreu Stan Lee (1922-2018), o humano que criou a teia de super-heróis da Marvel
MINORIA(S): Migrantes Pontuação: 6 Africanos Pontuação: 2 | Sentimento 0.0
DATA: 2018-12-31 | Jornal Público
SUMÁRIO: Ao longo dos seus 95 anos de vida, Lee foi a mão e mente criadora de alguns dos nomes mais memoráveis das bandas desenhadas da Marvel, como o Homem-Aranha, os X-Men ou Hulk.
TEXTO: O criador de super-heróis dos quadradinhos da Marvel, Stan Lee, morreu nesta segunda-feira aos 95 anos. Lee dava um toque humano aos seus super-heróis e embebia-os das causas em que acreditava, como a luta pelos direitos humanos e a tolerância — foi um dos nomes mais influentes na empresa Marvel Comics, que acabaria por se tornar uma gigante do mercado de entretenimento, permeando das bandas desenhadas para o cinema, para a animação e para as séries. Pelas mãos de Lee (e com a ajuda dos artistas Jack Kirby e Steve Ditko, que morreu em Julho), a Marvel foi catapultada para o sucesso e deu vida ao Homem-Aranha, ao Incrível Hulk e aos X-Men, heróis que perduraram em gerações de leitores. Mas a lista não fica por aí: a eles juntam-se o Demolidor, o Homem de Ferro, Thor, Pantera Negra, Doutor Estranho, Os Vingadores ou o Quarteto Fantástico. Stan Lee tentava deixar de lado a ideia de que os super-heróis são seres imaculados e dava-lhes um lado humano – tanto na complexidade entrançada das emoções quanto na propensão a errar. Lee primava por criar “personagens de carne e osso, com personalidade”, como dizia ao jornal The Washington Post, corria o ano de 1992. “É isso que qualquer história deve ter, mas as bandas desenhadas não o tinham. Eram bonecos de cartão. ”Ainda assim, os super-heróis não eram novidade no quotidiano americano, em grande parte por causa do Super-Homem, lançado em 1938 pela arqui-rival da Marvel, a DC Comics (antes conhecida como Detective Comics) — que escreveu no Twitter que Lee "mudou a forma como olhamos para os super-heróis". De nome completo Stanley Martin Lieber, o escritor nasceu no estado norte-americano de Nova Iorque, a 28 de Dezembro de 1922. Stan Lee era o mais velho de dois irmãos, filhos de Jack Lieber e Celia Solomon — ambos imigrantes vindos da Roménia. Na década de 1970, o norte-americano alterou legalmente o seu nome e o “Leiber” passou ao memorável “Lee”. Homem de múltiplos ofícios (escritor, editor, actor, publicitário, produtor), foi casado com a modelo Joan Lee durante quase 70 anos: desde 1947 até à sua morte, em Julho de 2017. O criador norte-americano viria a morrer nesta segunda-feira no hospital de Cedars-Sinai (para onde foi transportado de ambulância), em Los Angeles. Não são ainda conhecidas as causas da morte. A notícia do óbito foi avançada pela filha do escritor norte-americano, citada pelo TMZ, site especializado em celebridades. “Ele sentia uma obrigação de continuar a criar para os seus fãs”, afirmou a filha, J. C. Lee, à agência Reuters. “Ele amava a sua vida, e amava o que fazia na sua vida. A sua família e fãs também o amavam. Era insubstituível. ”A morte de Stan Lee foi também lamentada por dezenas de figuras que com ele trabalharam: “Devo-lhe tudo”, comentou o actor Robert Downey Jr. , que interpretou o Homem de Ferro; “Perdemos um génio criativo”, escreveu por sua vez o actor Hugh Jackman, que deu vida à personagem Wolverine. Também a actriz Scarlett Johansson, o actor Chris Evans, Ryan Reynolds, ou o astrofísico Neil deGrasse Tyson (que refere que Lee criou “um universo em expansão por si mesmo”) partilharam mensagens de luto. “Costumava pensar que o que eu fazia não era importante”, dizia em 2014 ao jornal Chicago Tribune o autor que chegou a trabalhar na comunicação do Exército norte-americano durante a II Guerra Mundial. “Há quem crie pontes e inove na investigação médica, e eu estava ali a escrever histórias sobre pessoas fictícias que faziam coisas extraordinárias e alucinantes, e vestiam fatos de super-heróis. Mas acho que acabei por perceber que o entretenimento é uma das coisas mais importantes na vida das pessoas”, contava. Quando os mutantes de Lee foram transportados para o cinema, com dezenas de filmes em que eram eles os protagonistas, o sucesso foi claro – ao todo, foram arrecadados mais de 20 mil milhões de dólares (cerca de 18 mil milhões de euros). Mas muito desse lucro inesperado não foi parar às mãos de Lee, o que levou o criador a lançar-se num sem-fim de batalhas judiciais relacionadas com direitos de autor. Ainda que a relação de Lee com a Marvel se tenha deteriorado após a adaptação de inúmeros super-heróis aos ecrãs de Hollywood, Stan Lee – que se dirigia aos fãs utilizando o mote “Excelsior!” – tinha por hábito fazer cameos (curtas aparições) nos filmes e nas séries da Marvel. Se Stan Lee foi “uma personalidade importantíssima” da BD, deve-o sobretudo ao modo como “soube captar o espírito da época, criando um tipo de super-herói com um lado mais humano, que ia muito ao encontro do público mais jovem” nos anos 60, defende o crítico de arte João Miguel Lameiras. “Ele trata muito bem o modo como os superpoderes mudam as personagens, e aborda, por exemplo, questões como o racismo”, acrescenta o crítico. “Era um autor que estava muito dentro do seu tempo”. Sem pôr em causa o contributo do autor para a criação de alguns dos principais heróis da Marvel, João Miguel Lameiras lembra que Stan Lee “vendia muito bem a sua própria imagem: trabalhava com grandes desenhadores, como Jack Kirby, e outros, mas era o seu nome que sobressaía”. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Um “caso emblemático” do insuficiente reconhecimento atribuído a Kirby é o da personagem do Surfista Prateado, ilustra o crítico, que o desenhador inventou como possível figura secundária ao desenhar uma série de páginas para outra figura que Lee inventara, Galactus. E um dos trabalhos de Stan Lee que Lameiras considera mais importante é uma colaboração com Moebius, no final dos anos 80, que tem justamente como protagonista o Surfista Prateado. O crítico de BD Pedro Moura está, no essencial, de acordo com Lameiras. “Apesar de ser uma figura que gostava muito de reinventar o seu próprio papel, é inegável o contributo que deu, nos anos 60, para a reinvenção da figura do super-herói, e da própria Marvel”, diz. “Com Jack Kirby, Steve Ditko e outros, humanizou o super-herói e trouxe o quotidiano e a vida de todos os dias para dentro das grandes epopeias desse tipo de personagens”. com Luís Miguel Queirós
REFERÊNCIAS:
My vovó, my vovô: uma crónica de Natal luso-americana
Esta crónica poderia ter lugar numa lavandaria, numa estação de caminhos-de-ferro ou num restaurante. (...)

My vovó, my vovô: uma crónica de Natal luso-americana
MINORIA(S): Migrantes Pontuação: 6 Africanos Pontuação: 2 | Sentimento 0.0
DATA: 2018-12-31 | Jornal Público
SUMÁRIO: Esta crónica poderia ter lugar numa lavandaria, numa estação de caminhos-de-ferro ou num restaurante.
TEXTO: Esta crónica poderia iniciar-se em East Providence, Providence, Pawtucket ou mesmo Newport, no estado de Rhode Island, EUA. Em New Bedford, Fall River, Taunton, no Sul do Massachusetts, Provincetown, no extremo ocidental do mesmo estado, ou mesmo Lowell, na fronteira norte. Esta crónica poderia ter lugar numa lavandaria, numa estação de caminhos-de-ferro ou num restaurante. Mas esta crónica só poderia ter como título “my vovó, my vovô”, porque essas eram as palavras que quase sempre apareciam nas conversas com os portugueses destas terras. E foram muitas conversas, porque há portugueses — e cabo-verdianos —por todo o lado nesta região. E agora que regressei a Portugal, não poderia deixar de escrever sobre esse outro Portugal surpreendente que se descobre na “América de Baixo”, como os açorianos lhe chamaram (a “América de Cima” é a Califórnia). Em Portugal continental, quando se ouve falar de portugueses nos EUA é de Newark (New Jersey, mas praticamente em frente a Nova Iorque) que se fala. Mas depois de se descobrir a comunidade portuguesa e lusófona da Nova Inglaterra (como se chama aos seis estados do Nordeste dos EUA, incluindo Rhode Island e Massachusetts), a escala é outra. Aqui estamos a falar de cerca de 400 mil pessoas, em dezenas de cidades, numa extensão de centenas de quilómetros de cidades costeiras e algumas do interior, onde a indústria da caça à baleia, primeiro, e a indústria têxtil, depois, trouxeram a estas bandas muitos milhares de portugueses há mais de um século. É portanto uma comunidade mais numerosa e mais antiga, feita de várias comunidades (açorianos de várias ilhas, cabo-verdianos que chegaram como portugueses ou já depois da independência do seu país, portugueses continentais e até alguma antigas comunidades madeirenses) e de várias gerações, do século XIX (pelo menos, embora tenha havido aqui também uma diáspora de judeus portugueses) até ao século XXI. Os portugueses têm aqui um canal de televisão próprio, além de terem lutado com sucesso pelas transmissões da RTPi nos anos 90 — uma manifestação encheu uma praça de Taunton, Massachusetts, com milhares de portugueses que vieram até do Hawai. Uma noite na estrada encontro de repente na telefonia o canal de língua portuguesa, o único não anglófono na região onde me encontrava: nele, um programa dedicado à comunidade cabo-verdiana debatia racismo, pedagogia e a infância cabo-verdiana nos EUA. A qualidade era grande, e grande era também a relevância daquelas redes de comunicação e sociabilidade. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Nos liceus há aulas de Português — deveria haver mais, naturalmente, mas o que importa é que existe a infra-estrutura arduamente construída durante décadas para que mais se possa fazer. A Brown University, onde dei aulas este semestre (no programa financiado pela Fundação Luso-Americana para o Desenvolvimento e generosamente liderado na Brown por Onésimo Teotónio de Almeida), tem um departamento de estudos portugueses e brasileiros de altíssima qualidade. Talvez menos conhecido em Portugal é o excelente departamento de estudos portugueses da Universidade de Massachusetts em Dartmouth, agora dirigido pela lusitanista Anna Klobucka, não só muito bom do ponto de vista académico como dotado de excelente equipamento, a começar por um notável arquivo da imigração portuguesa nos EUA. Até no Norte do mesmo estado, em Lowell, a Universidade de Massachusetts tem agora um programa de estudos dirigido por Frank Sousa, que esteve à frente de Dartmouth e veio agora com ambição de construir um novo pólo nos estudos portugueses numa comunidade historicamente madeirense e mais recentemente oriunda da ilha da Graciosa, nos Açores. E há potencial para mais, dependendo da capacidade política que a comunidade portuguesa e lusófona mantiver e ganhar aqui (há vários autarcas e deputados lusófonos e lusodescendentes aqui, mas ainda falta haver congressistas federais portugueses). Também Portugal deveria olhar para esta comunidade com um sentido estratégico ambicioso: em Rhode Island, o menor dos estados federados, os portugueses são em proporção tantos como no Luxemburgo; no Massachusetts, predominam em todo o Sul do estado. Está bastante já feito em termos da importância cultural e política dos portugueses da Nova Inglaterra, principalmente pela própria capacidade de realização que a comunidade tem tido. Mas com ajuda do governo português muito mais se pode fazer, com vantagem para ambos os lados do Atlântico. Os portugueses daqui lembram-se dos avós e falam deles com carinho num inglês misturado de expressões portuguesas — my vovô, my vovó, quase sempre dito num sotaque açoriano —, receitas de caldo verde e mal-assadas, que são os fritos de Natal açorianos. No caso das gerações mais antigas, muitos já não falam português ou nunca visitaram os Açores. Mas os aviões que levam centenas ou milhares de outros açorianos às festas do Santo Cristo em São Miguel começam agora a levar muitos americanos, de ascendência portuguesa ou não, que descobrem a Europa a poucas horas de voo do continente americano — e não uma Europa qualquer, mas os Açores. Não é incomum encontrar na mesma rua açorianos que nunca foram às ilhas e americanos apaixonados pelo arquipélago. É uma América e um Portugal ainda desconhecidos da maior parte de nós, cheios de história e de possibilidades futuras.
REFERÊNCIAS:
Herdade da Comporta: um paraíso às portas de Lisboa
Considerada a maior propriedade privada do país, destino de férias do núcleo-duro dos Espírito Santo durante anos, a Herdade da Comporta, de extensos e férteis arrozais, gera cobiça. O sinal dado pela venda de cerca de 10% da herdade levou o P2 a percorrer parte do terreno. Os pouco mais de 200 rendeiros estão “obviamente preocupados”, mas também há quem veja neste passo uma oportunidade de valorizar "algo que ficou a meio". (...)

Herdade da Comporta: um paraíso às portas de Lisboa
MINORIA(S): Migrantes Pontuação: 6 Africanos Pontuação: 2 | Sentimento 0.0
DATA: 2018-12-31 | Jornal Público
SUMÁRIO: Considerada a maior propriedade privada do país, destino de férias do núcleo-duro dos Espírito Santo durante anos, a Herdade da Comporta, de extensos e férteis arrozais, gera cobiça. O sinal dado pela venda de cerca de 10% da herdade levou o P2 a percorrer parte do terreno. Os pouco mais de 200 rendeiros estão “obviamente preocupados”, mas também há quem veja neste passo uma oportunidade de valorizar "algo que ficou a meio".
TEXTO: As mensagens e as imagens que promovem a Comporta fazem apelo ao que de mais genuíno tem o território com 12. 500 hectares: o meio natural que ainda prevalece quase intacto, o mar, o extenso areal, o sol. O sossego. O mercado já não aceita um modelo turístico baseado nos activos imobiliários dos anos 90. A biodiversidade passou a ser um activo incontornável. Chega-se ao areal que bordeja a Comporta ao longo de 12 quilómetros, por uma das poucas entradas que o permitem: o apoio de praia Pôr-do-Sol, que o seu proprietário, Juvenal Albino Alfredo, disputou na barra do tribunal, provando que, por vezes, o Direito escreve por linhas tortas. A empresa Herdade da Comporta alegava que a estrutura ocupava terreno que era sua propriedade, mas as sentenças lavradas no Tribunal de Grândola e na Relação de Évora dizem que não, e agora Juvenal vive um período de acalmia na sua relação com a empresa proprietária de uma das maiores herdades de Portugal. Este conflito prova que a Comporta (nome que deriva da comporta que impede a entrada da água do estuário do Sado para os campos de arroz) não é, afinal, apenas sol e praia, natureza quase intacta e sossego. Juvenal Alfredo tinha a “loja” fechada quando o P2 visitou o local. A sazonalidade continua a ser o que sempre foi: amealhar no Verão para ter como viver no Inverno. Aproveita o interregno na actividade, para as reparações na estrutura de madeira que no Verão parece uma colmeia pelo fervilhar de banhistas em busca do peixe grelhado, fresco, do dia. Parece que o mar que enrola na areia fina e branca está cada vez mais próximo do Pôr-do-Sol, ou é apenas impressão! “Não, não é”, responde quem passa as tardes junto ao restaurante a contemplar o horizonte. O lugar do apoio de praia já esteve dezenas de metros mais adiante, no lugar que o espraiar das ondas agora ocupa. Um detalhe que estimula o receio do que possa vir a acontecer no futuro. Com efeito, a faixa arenosa de baixa altitude e o progressivo recuo da linha de costa apresentam uma significativa vulnerabilidade a “um tsunami”, por exemplo, explicou ao P2 Miguel Vieira, que neste momento está a ultimar a formação da ProDuna — Associação de Defesa e Recuperação Ambiental do Litoral e Zonas Estuarinas. Mesmo assim, o receio do futuro não é tão forte como a indefinição que continua a pairar sobre a Herdade da Comporta, sobretudo para os cerca de 3000 residentes das sete aldeias descendentes dos primeiros moradores da Herdade da Comporta no século XVI. Era o tempo dos “pretos de Alcácer” e posteriormente dos “carapinhas do Sado”. A presença de naturais africanos pretendia demonstrar que resistiam melhor ao paludismo nas terras pantanosas cobertas de mosquitos do estuário do Sado. Mais tarde, já no final do século XIX, chegaram à Comporta as famílias vindas de outros pontos de Portugal continental para trabalhar nos arrozais. Foi com gente de diferentes origens que se formaram as aldeias da Comporta, Carrasqueira, Torre e Carvalhal. Ergueram mais de 20 quilómetros de um muro de terra e pedra que retém a maré, para que a água do mar não galgue as culturas do arroz. Ao mesmo tempo, retiraram ao estuário do Sado cerca de 800 hectares do sapal entre 1925 e meados dos anos 50, quando a família Espírito Santo tomou posse da Herdade da Comporta, que era da empresa inglesa Atlantic Company. A dimensão da obra realizada pelos ingleses hipotecou a exploração que foi vendida aos ascendentes do ex-patrão do BES, Ricardo Salgado. Hoje não se sabe ao certo a quem deve ser atribuída a propriedade do espaço ocupado pelo sapal norte da Carrasqueira, no estuário do Sado. O Domínio Público Marítimo (DPM) nunca foi delimitado, nem o Estado o reclamou nem a empresa Herdade da Comporta assumiu que os cerca de 800 hectares eram propriedade sua, embora cobre as rendas das terras de arroz cultivadas no sapal. A legislação em vigor define que o território considerado DPM estabelecido em 1864 determina que a faixa em terra da zona costeira “é propriedade inalienável do Estado”, pelo que os privados “só podem dispor do direito de utilização ou exploração dessa área, e nunca da sua propriedade. ” Actualmente, o DPM abrange uma faixa de território de cerca de 50 metros, a contar da linha média da baixa-mar para o interior. Quem consiga provar, com documentos, que são “legítimos proprietários de áreas marítimas em data anterior a 1864, o Estado reconhece a propriedade, mas não os exclui do cumprimento das normas que aplica no âmbito do DPM. Foi sob a gestão da família Espírito Santo que as drenagens no estuário do Sado prosseguiram para aumentar a área destinada aos arrozais, e os terrenos arenosos da herdade foram arborizados com extensas manchas de pinheiro. No início da década de 60 ocorre o fenómeno da migração interna para a área metropolitana de Lisboa e a emigração sobretudo para França. A fuga da força de trabalho reduziu substancialmente a mão-de-obra na Comporta. A família Espírito Santo tenta manter as pessoas na herdade estabelecendo o arrendamento com a entrega de dez hectares a cada família, uma tentativa para garantir a exploração agrícola dos sapais do Sado. Com a emergência do 25 de Abril de 1974, a Herdade da Comporta é nacionalizada e, no ano seguinte, o arrendamento dos arrozais aprofunda-se e alarga-se a mais trabalhadores. Entre 1989 e 1991 a propriedade é devolvida à família Espírito Santo, quando a quase totalidade das terras férteis estava nas mãos dos pequenos rendeiros, onde ainda se mantêm pouco mais de 200. Em conversa com o P2, Avelino Antunes, membro da Confederação Nacional de Agricultura (CNA), reconhece que os rendeiros que trabalham a terra — sobretudo na cultura do arroz — estão “obviamente preocupados” com a venda de parte da Herdade da Comporta. “Esperamos que a componente turística não colida com os interesses de quem trabalha a produção de arroz”, observa. Neste momento estão a ser negociados os contratos de arrendamento e foram prorrogados por seis anos, o mesmo tempo dos anteriores. “Estamos a conseguir, o que nos deixa animados quanto ao futuro”, confia o dirigente da CNA, frisando que os rendeiros “não estão contra a actividade turística, mas também não querem que venham a ser sacrificados em função da venda de parte da herdade”. As populações das sete aldeias “reclamam apenas que os direitos adquiridos ao longo de séculos sejam respeitados”. No entanto, a venda ao consórcio Vanguard Properties/Amorim Luxury das áreas de desenvolvimento turístico (ADT2 e a ADT3), com 365 hectares e 551 hectares, respectivamente é, à partida, “benéfica” refere Juvenal Alfredo, que fica a aguardar pela “valorização de algo que ficou a meio de construção”. O proprietário do Restaurante Pôr-do-Sol considera a recente aquisição das ADT 2 e 3 “uma boa notícia”, acreditando que “trará desenvolvimento e consequentemente emprego”, criando condições para que os filhos da terra “fiquem”. Ao mesmo tempo, acredita que o período da sazonalidade possa sofrer uma redução. “Não temos condições para aguentar os trabalhadores no período crítico que vai de Outubro a Março”, mas com a instalação dos aldeamentos turísticos, dos projectos de 2. ª residência, e das unidades hoteleiras previstas para as ADT, “poderá ser um contributo” para reduzir a sazonalidade. Juvenal Alfredo receia, contudo, que possa haver novas tentativas para “correrem” com ele do restaurante que ocupa. A colocação de marcos para delimitar o Domínio Público Marítimo (DPM) em Outubro do ano passado deixou-o “preocupado”. Alfredo foi confrontado com delimitação do DPM quando funcionários da empresa Herdade da Comporta colocaram marcos bem à frente do seu restaurante, quase dentro de água, numa tentativa para comprovar que o Pôr-do-Sol, afinal, estava dentro da Comporta e que a exploração do apoio de praia competia aos proprietários da herdade. O empresário considerou esta acção “uma afronta” e recorreu para as instâncias judiciais, onde comprovou que paga 4 mil euros mensais para explorar o apoio de praia no local onde se encontra, que é espaço público. Tem licença passada pela Agência Portuguesa do Ambiente para exercer ali a sua actividade. Tanto o Tribunal de Grândola como o Tribunal de Relação de Évora anularam a colocação dos marcos. Entretanto, alguns desses marcos foram levados para a tenda de colmo que Ricardo Salgado mandou erguer na praia do Pego e os restantes foram levados pela força das ondas. Mais aliviado e seguro, Juvenal Alfredo prepara a próxima época balnear, fazendo pequenas reparações no apoio de praia. E que as ameaças para o tirar de onde está não regressem. O sinal dado pela venda de cerca de 10% da Comporta levou o P2 a percorrer parte da herdade para observar como se encontravam as áreas de desenvolvimento turístico cuja construção está parada desde 2014. No Comporta Links, projecto localizado no concelho de Alcácer do Sal, com uma área total de ocupação de 365 hectares de terreno, que inclui a construção de um campo de golfe com 18 buracos, dois hotéis, dois hotéis-apartamento, três aldeamentos turísticos e 22 loteamentos residenciais observa-se a imagem que o abandono transmite. Para além das áreas construídas que surgem no meio de um extenso pinhal, é o campo de golfe que mais atenção suscita. Está parcialmente construído e integrava a candidatura nacional à competição mundial de Ryder Cup de 2018. A relva verde que deveria cobrir o enorme espaço secou, por ausência de manutenção. A Câmara de Alcácer do Sal concedeu em 2016 o terceiro aditamento ao alvará de construção da urbanização da Comporta Links, e estabeleceu o prazo suplementar de um ano para início da construção da obra que deveria terminar em Abril de 2017. Face à impossibilidade de obter prorrogação adicional do prazo, houve necessidade de efectuar as obras de urbanização durante o primeiro trimestre de 2017. Contudo, as obras foram suspensas em Outubro de 2017. Por sua vez, o Comporta Dunes, em Grândola, promete ocupar uma área de 551 hectares de pinhal perto da praia: quatro hotéis, um hotel-apartamento, vários lotes para moradias, unidades turísticas e um campo de golfe também com 18 buracos que se estende por uma área com cerca de 100 hectares. Tudo projectos à espera de melhores dias. O alvará de loteamento para este projecto estabelecia o prazo de 84 meses para a conclusão das obras de urbanização, prazo que terminou em Maio de 2017. A Câmara de Grândola concedeu a prorrogação do referido prazo por mais 42 meses, até Novembro de 2020. Entre a praia do Pego e Pinheiro da Cruz, os terrenos junto à praia estão vedados e só é possível chegar ao areal através de portões com abertura automática por quem dispõe de cartão de acesso limitado para esse efeito, ou nas zonas onde se encontram os apoios de praia. Ao todo, são quatro. Na prática, observa-se a privatização da zona balnear, em parte da herdade, ao serem reduzidos os acessos e os espaços de estacionamento. Fica a aguardar-se pela concretização da componente turística projectada para a Herdade da Comporta para que se compreenda o rumo que aquela zona vai tomar. Miguel Vieira diz que “o mercado de hoje não quer um modelo turístico que existia há duas ou três décadas”, salientando que as opções de hoje têm de respeitar a “sustentabilidade” que, por sua vez, “preserve a biodiversidade local”, fazendo um paralelismo com os erros que foram cometidos no Algarve e na zona Cascais-Sintra. A experiência profissional que já colheu de muitos anos como defensor do meio ambiente comprovam que “quando se destrói o equilíbrio ambiental, a situação não se reverte para o cenário inicial”. E a Herdade da Comporta “não é caso único”, é apenas “uma gota num oceano de situações anómalas” que se observam no litoral alentejano, analisa o fundador da ProDuna. Vieira lembra ainda as consequências que poderão advir da redução da área de Reserva Ecológica Nacional (REN) efectuada em 2013 e 2014, que rondou “os 68%, no caso de Alcácer do Sal, e de 75%, no caso de Grândola”. A organização ambientalista Zero acusou a Comissão de Coordenação da Região do Alentejo de “retirar áreas muito significativas da REN para dar toda a liberdade ao município de poder construir ou modificar o uso do solo de acordo com interesses que não os vitais e fundamentais da protecção dos recursos”. Com a redução efectuada na área da REN, acelerou a colocação de pedidos à Câmara de Alcácer do Sal para instalar o que já é considerada a extensão do modelo agrícola que o empresário francês Thierry Roussel instalou no Brejão, no concelho de Odemira. A REN estende a sua área de intervenção à protecção das zonas dunares, zonas de recarga de aquíferos e zonas chamadas de grande infiltração, como acontece com os aquíferos da Comporta, que, por serem “muito produtivos, alimentam a tentação de abrir furos”, reconhece Miguel Vieira. A instalação de projectos de produção agrícola intensiva “em cima das zonas de recarga dos aquíferos” suscitam-lhe muitas reservas, por ser “grave” em termos de saúde pública. A afectação de recursos hídricos subterrâneos para a rega de culturas hortícolas é apontada como o factor que pode estar a contribuir para a degradação de importantes reservas de água na bacia do Sado. O Estudo de Impacte Ambiental (EIA) elaborado para a Herdade da Comporta e apresentado em 2015, identifica as consequências para a qualidade das águas a rega de milhares de hectares de agricultura intensiva: “O desenvolvimento das actividades agrícolas (na região) acaba por contaminar a massa de água no subsolo numa escala entre o valor médio a elevado”, realça o EIA. Acresce ainda que a redução da disponibilidade dos recursos hídricos subterrâneos, devido ao elevado consumo de água para rega, é outro dos impactos apontados. Na Herdade da Comporta já se exploram cerca de 1000 hectares de hortícolas e viveiros para a plantação de relvados, dinamizados por empresários espanhóis. Um modelo agrícola baseado em culturas intensivas que exige o recurso a elevadas percentagens de fitofármacos e fertilizantes retirados, nalguns casos, de lamas de ETAR, quando se está perante um solo arenoso, muito pobre, neutro em matéria orgânica, dificilmente será uma actividade que se possa harmonizar com o modelo turístico que se pretende instalar na Herdade da Comporta. A invasão de moscas tem sido uma das consequências. Miguel Vieira salienta que o território é uma zona com “ecossistemas muito sensíveis”, advertindo para a necessidade de travar a proliferação de espécies invasoras em “detrimento da paisagem histórica”. Na Comporta “ainda não aconteceu como na Costa do Sol”, mas “não faltam sítios paradisíacos que foram destruídos”, argumenta aquele especialista, defendendo a necessidade de se fazer a “reavaliação” dos projectos programados para a Herdade da Comporta, porque a realidade de hoje é “diferente” daquela que existia há duas ou três décadas. A venda dos activos turísticos da Herdade da Comporta não suscita reservas ao fundador da ProDuna: “Espero que os investidores de hoje tenham uma visão que preserve os ecossistemas”, embora reconheça que os processos de investimento “são como os comboios que não fazem marcha atrás”. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. “[A defesa do meio ambiente tornou-se uma tarefa] muito mais complexa do que no passado, mas a nossa capacidade de intervir também se reforçou”, revela o fundador da associação ambientalista ProDuna, frisando que o “novo alvo” das intervenções na defesa do ambiente “são os decisores públicos e privados”, defendendo um tipo de intervenção mais pragmática que no passado. Um relatório elaborado pelo Tribunal de Contas Europeu em 2017 reconhece que “são necessárias melhorias na gestão, no financiamento e no acompanhamento da rede Natura 2000”, o programa emblemático da União Europeia em matéria de biodiversidade. O P2 teve acesso a um contrato do Instituto de Conservação da Natureza e Florestas, assinado em Junho de 2017, para a elaboração de 20 planos de gestão de habitats naturais, da fauna e flora selvagens, em sítios de importância comunitária, entre eles os que encontram na Comporta/Galé e Costa Sudoeste. Deveriam estar concluídos há quase duas décadas.
REFERÊNCIAS:
Palavras-chave direitos cultura campo tribunal consumo estudo
Cidade em tempo de muros
Construir uma barreira é a melhor maneira de se criar a ilusão que se está a fazer algo quando não se está verdadeiramente. Quase toda a gente o sabe. E, no entanto, continuamos a querer construir muros. (...)

Cidade em tempo de muros
MINORIA(S): Migrantes Pontuação: 6 Africanos Pontuação: 2 | Sentimento 0.0
DATA: 2018-12-31 | Jornal Público
SUMÁRIO: Construir uma barreira é a melhor maneira de se criar a ilusão que se está a fazer algo quando não se está verdadeiramente. Quase toda a gente o sabe. E, no entanto, continuamos a querer construir muros.
TEXTO: Muros há muitos. Sempre houve. E continua a haver. É uma aspiração com saída nos dias que correm. E não é apenas Donald Trump que sonha deixar obra feita na zona fronteiriça com o México. Ainda há dias, o partido da extrema-direita espanhola Vox propôs a edificação de um na fronteira de Ceuta e Melilla — onde já existe uma vala —, de forma a conter a entrada de imigrantes oriundos de África. Há-os, aliás, para todos os gostos e bolsas. Na Arábia Saudita, desde 2007, existe um modernaço dotado de sistema de vigia por radar, ao largo da fronteira com o Iraque. Consta que a barreira electrificada de Caxemira na Índia também é requintada. O que separa Israel da Palestina não é para todas as carteiras, custando cerca de um milhão de dólares por quilómetro ao governo israelita. Mas não tem que ser assim. No interior de Pádua, Itália, existe um mais em conta, para isolar um bairro de imigrantes africanos, e em Belfast, na Irlanda do Norte, o que divide protestantes e católicos também tem um ar mais modesto. Em Lima, no Peru, existe um que personifica muitos outros espalhados pelo mundo fora. Começou a ser construído em 1980 e hoje já tem mais de 10 quilómetros, separando um dos bairros mais ricos de um dos mais pobres da capital peruana. Quem habita na margem pobre chama-lhe “muro da vergonha” olhando-o como exemplo supremo de discriminação. Para quem mora do lado rico trata-se apenas de uma questão de segurança. Houve um tempo em que se achou, romanticamente, que Berlim era o fim da indústria dos muros. Mas eles foram germinando. Símbolos da impotência, do fracasso do diálogo, da dificuldade em pensar-se com o “outro”. Vive-se na era de globalização, mas há cada vez mais barreiras. O pretexto é sempre a protecção perante os que não conhecemos bem, os “diferentes”, os que criam “mau ambiente”, e a receita também: muros, estados policiais ou políticas públicas a favor de interesses específicos. No interior das cidades tendem a ser mais refinados. Podem ser menos ou mais visíveis, materiais ou imateriais, mas estão sempre presentes. O propósito é dividir ou apartar. O que não é fácil no mundo de hoje. Até se pode habitar num luxuoso condomínio privado, mas ainda assim o contacto com desconhecidos, de origens, credos, classes, idades, etnias, opções e estilos de vida diversos, é inevitável. Estamos obrigados a coexistir. E, no entanto, passamos o tempo a procurar refúgios de semelhança. E ao fazê-lo privamo-nos de entender, negociar e experimentar, pondo-nos em contacto com a nossa diferença e dos outros, como é inevitável que aconteça num espaço de diversidade como é uma cidade. Quanto mais tempo existirmos num meio uniforme, apenas na companhia de iguais, sem nos expormos às tensões, não nos esforçando por traduzir outras formas de estar, maior será a dificuldade em alcançar modelos de coabitação, seja entre países, cidades ou bairros. Nas últimas semanas muito se falou disso em Lisboa a propósito da vedação projectada para o miradouro do Adamastor ou do possível gradeamento à volta da praça do Martim Moniz. Sim, são fenómenos localizados. Mas os princípios norteadores são os mesmos em quase todo o lado. Expressão de desistência perante problemas de difícil resolução. Lei do simplismo. Proibir em vez de analisar. Demonizar em vez de agregar. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Nada de novo. Basta perceber a estratégia dos populismos hoje em dia que é construir a imagem clara de um inimigo. Podem ser imigrantes, estrangeiros, os “drogados”, um clube de futebol ou um país. A partir de determinado momento tudo o que acontece se deve a essa entidade hostil. Dessa forma ocultam-se as debilidades próprias e simplifica-se grosseiramente uma realidade complexa. Passa a existir só um foco que encobre tudo o que acontece à volta. No Brasil votou-se em Jair Bolsonaro na expectativa de que resolva os problemas de corrupção e violência urbana, que se associou a um partido, sem se ter em atenção que não só dificilmente isso ocorrerá, como é a própria democracia que se está a pôr em causa. No Adamastor, quem defende a vedação e a estetização do lugar fá-lo na expectativa de erradicar dali os que são considerados indesejáveis, numa visão parcelar da realidade, que não se detém sobre o conjunto de questões que ali se projectam e como se relacionam entre si. E sem essa reflexão nunca se chegará a perceber que tipo de intervenção poderá ser mais satisfatória para uma maioria de pessoas. É aí que surgem os muros. São sempre a solução casuística, nunca a definitiva, porque se intervém sobre os sintomas e não sobre as causas, acabando por se criar a médio e longo prazo mais problemas do que aqueles que se tenta resolver. Construir uma barreira é a melhor maneira de se criar a ilusão que se está a fazer algo quando não se está verdadeiramente. Quase toda a gente o sabe. E, no entanto, continuamos a querer construir muros. É caso para dizer que os piores estão em algumas cabeças mais duras do que betão.
REFERÊNCIAS:
Palavras-chave lei violência vergonha discriminação
Donald Trump chama "Pocahontas" a Elizabeth Warren, possível vice de Hillary
Insultos em campanha eleitoral, depois de a senadora ter dito que estaria disponível para ser a número dois de Clinton. (...)

Donald Trump chama "Pocahontas" a Elizabeth Warren, possível vice de Hillary
MINORIA(S): Migrantes Pontuação: 6 Africanos Pontuação: 2 | Sentimento 0.0
DATA: 2018-12-31 | Jornal Público
SUMÁRIO: Insultos em campanha eleitoral, depois de a senadora ter dito que estaria disponível para ser a número dois de Clinton.
TEXTO: Depois de a senadora democrata Elizabeth Warren se ter mostrado disponível para ser a “vice” de Hillary Clinton, Donald Trump chamou-lhe “Pocahontas”, repetindo a piada que já tinha feito na sexta-feira de manhã no Twitter. “Não estou a ser justo… com a Pocahontas”, disse o candidato republicano às presidenciais. Não é a primeira vez que Trump chama Pocahontas a Warren - fá-lo porque a senadora diz ter antepassados nativos-americanos, embora haja cepticismo sobre isso. Trump e Warren digladiam-se frequentemente nas redes sociais ou nos media, note-se. Trump tem tentado mostrar-se mais presidenciável nas últimas semanas, e tem-se esforçado por seguir o teleponto nos discursos que faz. Mas no discurso que fez na sexta-feira à noite na Virginia, para cerca de 6000 pessoas - uma sala que estaria meio cheia, diz o Washington Post -, abandonou-o para fazer a piada sobre a senadora Warren. A plateia reagiu com gritos de guerra de índios e gritou “USA, USA” e “constrói o muro”. Trump garantiu que o muro que quer construir, se for Presidente, para travar a imigração vinda da América Latina, será “um muro muito bonito, tão bonito quanto um muro pode ser”. Este regresso aos discursos improvisados, num momento em que o candidato republicano pretendia mostrar-se mais convencional e abrangente, e depois de ter sido acusado de racismo por causa de declarações a propósito de um juiz hispânico, parece ser uma reacção irritada contra a possibilidade de Elizabeth Warren, senadora do Massachusetts e uma popular figura da esquerda do Partido Democrata, vir a tornar-se escolhida por Clinton para concorrer ao seu lado como candidata a vice-presidente. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Warren, que já tinha sido apontada como uma possível candidata à presidência, manteve-se fora da corrida democrata, mas na sexta-feira declarou o seu apoio a Clinton, dizendo-se disponível para ser a sua "número dois", numa entrevista à NBC. No mesmo dia, Clinton e Warren encontraram-se, na residência em Washington da candidata democrata – embora nenhuma das partes tenha feito declarações após o encontro. Desconhece-se ainda se na convenção democrata, entre 25 e 28 de Julho, haverá um ticket exclusivamente feminino – mas há muita especulação. Se Clinton escolher Warren, seria uma forma de agradar aos partidários de Bernie Sanders, que se recusa a sair da corrida, embora não tenha já hipóteses de ser nomeado o candidato dos democratas. A senadora do Massachusetts navega mesmas águas mais à esquerda que Sanders, pelo que tê-la como candidata a vice seria uma espécie de oferta de Clinton aos partidários do seu adversário nas primárias.
REFERÊNCIAS:
Palavras-chave guerra imigração racismo espécie
Novo relatório revela maior dimensão da interferência russa nos EUA
Documento da Universidade de Oxford entregue ao Senado norte-americano diz que houve uma campanha de desinformação para além do Facebook e do Twitter e critica resposta "tardia e descoordenada" das empresas. (...)

Novo relatório revela maior dimensão da interferência russa nos EUA
MINORIA(S): Migrantes Pontuação: 6 Africanos Pontuação: 2 | Sentimento 0.212
DATA: 2018-12-31 | Jornal Público
SUMÁRIO: Documento da Universidade de Oxford entregue ao Senado norte-americano diz que houve uma campanha de desinformação para além do Facebook e do Twitter e critica resposta "tardia e descoordenada" das empresas.
TEXTO: Um novo relatório feito a pedido do Senado norte-americano diz que a campanha de interferência russa antes, durante e depois das eleições presidenciais nos EUA, em 2016, foi mais abrangente do que se pensava. Segundo os autores do estudo, os responsáveis pela campanha de desinformação criaram contas e páginas em todas as principais redes sociais, e não só no Facebook e no Twitter, "para beneficiarem o Partido Republicano – e especificamente Donald Trump". O relatório, feito pelo Projecto de Propaganda Computacional da Universidade de Oxford e pela empresa de análise de redes sociais Graphika, vai ser divulgado até ao final da semana pela Comissão de Serviços Secretos do Senado, em conjunto com outro estudo cujo conteúdo não é ainda conhecido do grande público. As conclusões do relatório da Universidade de Oxford e da Graphika foram avançados esta segunda-feira pelo jornal Washington Post. No centro da campanha de interferência, segundo o relatório, está a empresa russa Internet Research Agency, com sede em São Petersburgo. Esta empresa e 13 cidadãos russos foram acusados formalmente pelo Departamento de Justiça norte-americano, em Fevereiro passado, de interferirem de forma criminosa nas eleições de 2016. O estudo da Universidade de Oxford e da Graphika foi feito a partir de milhões de mensagens, vídeos e fotografias publicados até meados de 2017 e enviados ao Senado pelo Facebook, Twitter e Google. A partir daí, os investigadores puderam também avaliar o alcance da campanha de desinformação em serviços como o Instagram (detido pelo Facebook), o Youtube e o Google+ (da Google), mas também no Tumblr e no Pinterest, por exemplo. "O que é evidente é que as mensagens procuraram beneficiar o Partido Republicano – e especificamente Donald Trump", dizem os autores do relatório, segundo o Washington Post. "Trump é referido na maioria das campanhas direccionadas a eleitores conservadores e da direita, com as mensagens a encorajarem estes grupos a apoiarem a sua campanha. Os grupos que poderiam opor-se a Trump recebiam mensagens destinadas a confundi-los, distraí-los e, em última análise, a desencorajá-los de votarem. "Segundo o Washington Post, o relatório diz que as mensagens direccionadas aos eleitores conservadores centravam-se em temas como o controlo das armas e a imigração, enquanto as mensagens direccionadas ao eleitorado afro-americano, por exemplo, tinham como objectivo "minar a sua fé no processo eleitoral e disseminar informação enganosa sobre como votar". O relatório acusa também as gigantes norte-americanas de tecnologia de terem dado uma resposta "tardia e descoordenada" quando já havia sinais de que estava em curso uma campanha de desinformação nas redes sociais. Os autores do relatório dizem que a informação entregue ao Senado pelas empresas, em meados de 2017, contêm provas de "descuido" por parte dos russos, incluindo o uso de rublos para a compra de anúncios e números de telefone e moradas na Rússia – informações que, segundo o relatório, seriam suficientes para fazer soar os alarmes nas empresas norte-americanas antes e durante as eleições de 2016. Os autores do estudo dizem que as 20 páginas de Facebook mais populares geridas pela empresa russa ("Being Patriotic", "Heart of Texas", "Blacktivist" e "Army of Jesus", entre outras) geraram 39 milhões de "likes", 31 milhões de partilhas e 3, 4 milhões de comentários. No Instagram a empresa russa chegou a gerir 133 contas. Apesar de ser responsável pela divulgação do relatório, a Comissão de Serviços Secretos ainda não disse se concorda com as conclusões. Tal como qualquer outra comissão do Senado ou da Câmara dos Representantes, a Comissão de Serviços Secretos é constituída por senadores do Partido Republicano e do Partido Democrata, e é liderada por um senador republicano porque é este o partido que está em maioria no Senado. A investigação desta comissão é apenas uma de muitas que foram abertas no ano passado sobre as suspeitas de interferência russa nas eleições de 2016 nos EUA – também a Câmara dos Representantes e o Departamento de Justiça, através da equipa do procurador especial Robert Mueller, estão a investigar essas suspeitas. Mas a comissão do Senado tem actuado com mais colaboração entre os membros dos dois partidos do que a comissão da Câmara dos Representantes. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Em Março, a Comissão de Serviços Secretos da câmara baixa do Congresso norte-americano, liderada pelo republicano luso-descendente Devin Nunes, deu por terminada a sua investigação, concluindo que houve interferência russa, mas que essa interferência teve como objectivo semear a divisão, e que não há indícios de conluio entre as duas partes. Por seu lado, a comissão do Senado não só se mantém aberta, como os seus membros disseram, em Julho, que as agências de serviços secretos do país têm razão quando acusam a Rússia de interferir em benefício de Trump. Uma das consequências negativas para a Casa Branca da vitória do Partido Democrata nas eleições para a Câmara dos Representantes, no mês passado, é que vários congressistas já prometeram reabrir a investigação que foi dada como concluída pela maioria republicana em Março passado.
REFERÊNCIAS:
Entidades EUA
Descobrimentos, radicalismos e museu
Pretende-se agora que a mera palavra “descobrimentos” faz de quem a usa cripto-colonialista ou “luso-tropicalista”. (...)

Descobrimentos, radicalismos e museu
MINORIA(S): Migrantes Pontuação: 6 Africanos Pontuação: 2 | Sentimento 0.0
DATA: 2018-08-20 | Jornal Público
SUMÁRIO: Pretende-se agora que a mera palavra “descobrimentos” faz de quem a usa cripto-colonialista ou “luso-tropicalista”.
TEXTO: Referi-me antes neste jornal ao que penso sobre um futuro “Museu das Descobertas”, que preferiria chamar “Museu da Viagem”, não por mera questão de nome, mas por verdadeiro programa alternativo de conteúdos (v. Um museu, muitos nomes: a narrativa de Portugal e o mundo, PÚBLICO, 18. 4. 2018). Não pensaria voltar ao assunto, até porque estou convencido que nada acabará por ser feito. A sucessiva troca de argumentos sobre o assunto faz-me porém voltar ao assunto, sobretudo pela crescente dimensão ética e geracional que se pretende existir, distinguindo entre “novos” (sem ideologia, quimicamente puros, porque académicos de raiz anglo-saxónica), sensíveis à denúncia do colonialismo, observado distantemente pela óptica “pós-colonial”, e “velhos” (de esquerda ou de direita, tanto faz), agentes activos da luta anticolonial em muitos casos, mas presos, quais títeres, aos mitos do colonialismo ou aos seus sucedâneos. Voltando ao assunto, tenho necessariamente de começar pelo princípio. No meu tempo de Instrução Primária aprendíamos que tínhamos em Portugal uma “história de santos e heróis”, acrescentando o livro de textos logo de seguida que era “a mais bela história do mundo”. E tudo se fazia para nos inculcar, desde crianças, a ideia de que tivemos uma “idade de ouro”, a dos Descobrimentos, fautora de um Império (ainda hoje a praça fronteira aos Jerónimos leva esse nome), de que nos devíamos orgulhar, pois seríamos um País pluricontinental, “do Minho a Timor”. Todo o meu crescimento, desde que pude começar a pensar por cabeça própria, foi feito contra esses mitos, nacionalistas e coloniais. Aquele não era de todo o meu País, nem o País dos que me rodeavam ou mais admirava. Estes eram, antes de tudo, os “ventres ao sol” ou os “famélicos da terra”, ou seja, era o País dos pobres e da injustiça social que via grassar à volta. Também era o País dos muitos que, mesmo ricos, faziam naquele presente, como tinham feito em passados seculares e milenares, a opção pelo progresso social, dentro dos limites epistemológicos de cada época e das vinculações de classe que naturalmente os condicionavam. Era o País da nobreza patriótica, mas terra-tenente e déspota, da Revolução de 1383-85; era o País da burguesia democrática, mas colonial, da Revolução Republicana (saudada por exemplo por Lenine como o primeiro e melhor exemplo de revolução burguesa patriótica do século XX); era até o País do “general coca-cola”, no seu arrastão popular contra a Ditadura. Sentia portanto que tinha, e continuo a sentir que tenho, um País, uma Pátria, onde se conjugam plataformas interclassistas de defesa do nosso modo de vida, da nossa independência contra o domínio estrangeiro, seja este representado por políticos e exércitos, seja por capitalistas e multinacionais. Declarava-me, e declaro-me hoje também, patriota – e uso a palavra sem temores. Pretende-se agora que a mera palavra “descobrimentos” faz de quem a usa cripto-colonialista ou “luso-tropicalista”. Até os vereadores comunistas da Câmara Municipal de Lisboa são disso acusados porque propuseram festival literário que tivesse os “descobrimentos” como tema agregador em algum ano futuro. Dir-se-á que não se trata do mesmo Partido que lutou consequentemente contra a Ditadura, considerando a sua queda indissociável do fim do colonialismo. Extraordinária ironia, quando todos sabemos bem onde param hoje a maior parte dos que no imediatamente pós-25 de Abril de 1974 clamavam “nem mais um soldado para as colónias” (palavra de ordem do MRPP, especialmente dirigida contra os partidos da esquerda e o MFA). E o ponto é mesmo este: o do regresso despudorado desse “radicalismo pequeno-burguês de fachada socialista” que então combatíamos activa e até fisicamente. Ora, sendo certo que se trata de fenómeno antigo (“esquerdismo, doença infantil do comunismo”), nem por isso ele é menos irritante quando resvala para acusações de ordem moral ou ética. Claro que o valor semântico das palavras evolui com o tempo e é substancialmente diverso no espaço (“nigro/negro”, “black/preto”, “collaborateur/colaborador”. . . ). E neste sentido admito que o termo “descobrimentos”, e bem assim o seu sucedâneo “descobertas”, deva ser usado criticamente. Trata-se, além do mais, de termo polissémico. Alberga-se nele a chamada “epopeia dos descobrimentos”, grandíloqua e de “projecto nacional”, tal como contada pelo Estado Novo, quando na verdade os “descobrimentos” foram antes do mais um processo de desenvolvimento do capitalismo mercantil, transportado então para a escala mundial. Mas, sendo isto, foram também condição de desenvolvimento científico e de efectiva “descoberta” recíproca. E se os “descobrimentos” conduziram à exploração e até escravização dos povos colonizados, sobretudo onde (ou a partir de onde) tal era também já praticado pelos poderes dominantes locais, a verdade é que não se traduziram em factor de enriquecimento do povo português. Bem pelo contrário: acentuou-se a pobreza congénita, secular, senão milenar, dos portugueses ou de quem neste território viveu e vivia. E foi a pobreza talvez o mais original traço da nossa colonização, aquele que obrigou a promover na prática, e depois por decreto real, o cruzamento com os povos colonizados. Feios, porcos e maus éramos – tanto como quaisquer outros. Em certos casos até mais em qualquer destas dimensões. Mas éramos também mais pobres – e isso fez, fazia e faz toda a diferença, até no plano da moral e dos costumes. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Todavia, mais do que patriota, como me afirmei acima, sinto-me tributário da terra. E estou convicto que esta é a mais fecunda aproximação do passado, especialmente no caso do espaço que veio a ser fixado como País/Estado/Nação a que chamamos Portugal. Somos aquilo que a nossa posição geográfica de Fim de Mundo fez de nós; somos o produto de uma espessa acumulação de presentes, de hibridizações constantes, desde a mais remota antiguidade até ao presente. Faz hoje sentido contar esta história de trajectos e naufrágios, no sentido literal e no sentido metafórico? Creio que sim, porque todos os exercícios de memória merecem sempre a pena, desde que feitos de forma pluralista, com o maior número possível de pontos de vista (incluindo, portanto, dimensões como a da denúncia dos mitos fascistas sobre os “descobrimentos” e de acentuação da exploração e escravatura dos povos colonizados). Mas creio sobretudo que tal narrativa e projecto de museu vale a pena, tal como tenho dito e redito, dentro de uma óptica mais ampla, a da “Viagem” (subsumindo dimensões como as da Emigração e da Língua), a do permanente dar e receber de quem se constitui precisamente pela acumulação e cruzamento de “desvairadas gentes”, sejam elas selvagens próximo-orientais e norte-africanos, bárbaros do setentrião europeu, civilizados árabes, escravos africanos. . . ou eslavos de olhos azuis, imigrantes do Leste europeu. Entendo finalmente que o projecto que fica enunciado não se encontra, nem poderá vir a encontrar, em nenhum museu já existente e por isso faz falta um novo. E de museu se deve tratar, não de arquivo/centro de estudos ou então de luna-parque comercial. Desde que existem, os museus têm sido combatidos e a sua morte foi já inúmeras vezes anunciada. Foram, na origem, combatidos pela aristocracia do Antigo Regime, quando a Revolução Francesa inventou o conceito de cidadania e colecções outrora fechadas passaram a ser de acesso livre; são hoje combatidos por muitos capitalistas como impedimento ao desenvolvimento do mercado, por se reclamarem ser entidades sem fins-lucrativos, postas ao serviço da emancipação cidadã. O combate que lhe fazem constitui a melhor garantia da sua utilidade e perenidade.
REFERÊNCIAS:
Partidos LIVRE
Orbán visita Netanyahu: a estranha aliança entre radicais europeus e Israel
A Hungria apoia Israel dentro da União Europeia, mas isso obriga o primeiro-ministro israelita a ignorar o antisemitismo no país. (...)

Orbán visita Netanyahu: a estranha aliança entre radicais europeus e Israel
MINORIA(S): Migrantes Pontuação: 6 Africanos Pontuação: 2 | Sentimento -0.02
DATA: 2018-07-19 | Jornal Público
SUMÁRIO: A Hungria apoia Israel dentro da União Europeia, mas isso obriga o primeiro-ministro israelita a ignorar o antisemitismo no país.
TEXTO: Israel recebeu nesta quarta-feira o primeiro-ministro húngaro, Viktor Orbán, que visita o país durante dois dias. Mas a imprensa israelita tem publicado artigos sobre o Governo de Orbán e as suas decisões cada vez mais anti-democráticas e, pior, anti-semitas. Mas há também artigos a defender que Israel tem o direito de fazer alianças tácticas, como os outros países, ainda por cima quando tem um ambiente hostil da parte dos seus vizinhos. As vozes críticas usam sobretudo dois argumentos: que a Hungria de Orbán é cada vez menos democrática, e que este usou uma campanha anti-semita para ganhar as últimas eleições. “As circunstâncias únicas de Israel, incluindo de segurança, levam a que procure desenvolver a maior rede de apoios possível”, disse o antigo embaixador americano em Israel Daniel Shapiro, citado pela revista americana Foreign Policy. “Mas penso que seria bom evitar manchar a sua identidade democrática ao aliar-se menos com o clube das democracias e mais com esta coligação muito diferente. ”Outra questão é o crescente anti-semitismo da Hungria, a que Orbán não tem sido alheio. O primeiro-ministro elogiou o líder húngaro aliado da Alemanha nazi Miklós Horthy (“um estadista excepcional”); uma sondagem diz que dois terços dos judeus húngaros reconhecem que há um problema de anti-semitismo no país; Orbán fez uma campanha apresentando o sobrevivente do Holocausto George Soros como alguém que quer destruir a Hungria e os seus valores cristãos, usando imagens como a do banqueiro judeu que quer dominar o mundo – um clássico dos ataques anti-semitas. Num episódio revelador, o embaixador israelita em Budapeste fez um apelo a Orbán para parar a campanha contra Soros, a pedido da liderança da comunidade judaica da Hungria, incomodada pelo tom anti-semita da campanha. Mas o Ministério dos Negócios Estrangeiros de Israel não demorou a desautorizar o diplomata, clarificando num comunicado que Israel também critica Soros. Soros "põe em perigo os governos eleitos de forma democrático em Israel ao dar verbas a organizações que difamam o Estado judaico e tentam negar o seu direito a defender-se a si próprio”, diz a declaração. Soros financia organizações da sociedade civil que lutam por mais abertura e respeito dos direitos dos palestinianos e árabes israelitas. Há quem veja aqui um padrão: desvalorizar um certo anti-semitismo em troca de apoio ao Estado de Israel, aponta a Economist. Netanyahu também permitiu uma cláusula numa declaração conjunta com a Polónia (que terminou a polémica sobre uma lei que criminalizava o uso da expressão “campos polacos”) sobre o papel dos polacos no Holocausto que é, segundo o museu Yad Vashem de Jerusalém, “factualmente incorrecta”. A declaração dos líderes polaco e israelita diz que o governo polaco no exílio na altura da ocupação alemã da Polónia tinha “criado um mecanismo de ajuda sistemática e apoio ao povo judaico”. Os historiadores israelitas dizem não só que o governo no exílio fez pouco pelos judeus, e que a resistência polaca não só não ajudou os judeus, mas por vezes perseguiu-os. O primeiro-ministro israelita “tomou nota”, mas não alterou a declaração. “Algo que parece estranho para Netanyahu”, nota a revista britânica The Economist, já que ele é “filho de um historiador”. Mas Netanyahu tem um interesse especial em manter boas relações com a Polónia – e com a Hungria também. Numa União Europeia muitas vezes crítica de Israel (que chama a atenção para a existência de colonatos judaicos em território ocupado, etc. ), estes países não partilham estas posições. Netanyahu, diz a Economist, vê o chamado Grupo de Visegrado – Polónia, Hungria, República Checa e Eslováquia – como os seus principais aliados na Europa. A Hungria tem ajudado a evitar decisões contra Israel na União Europeia (o maior parceiro comercial do Estado hebraico), por exemplo na discussão sobre se os produtos importados vindos dos colonatos têm de mencionar a sua origem. Na ONU absteve-se na resolução criticando Trump por reconhecer Jerusalém como a capital de Israel, e também no pedido da Comissão de Direitos Humanos para ser formada uma comissão de inquérito à violência nos protestos de Gaza, em que militares israelitas mataram mais de 130 pessoas acusando-as de tentar passar para Israel para levar a cabo ataques (nenhuma conseguiu passar). Responsáveis e comentadores defendem o direito de Israel ter alianças baseadas em partilhas de valores e outras alianças partilhadas em interesses comuns ou tácticas. “Israel não tem muitas vezes escolha a não ser manter ligações com regimes desagradáveis ou autoritários”, disse Jonathan Schanzer, vice-presidente da Fundação para a Defesa das Democracias, à agência noticiosa JTA (Jewish Telegraphic Agency). “Este tipo de alianças não devem ser confundidas com a que existe com os EUA, assente em valores. ”Críticos desta política do Estado hebraico – como o jornalista do Ha’aretz Chemi Shalev – notam algumas semelhanças entre a Hungria de Orbán e Israel de Netanyahu. “Ambos desejam um iliberalismo etnocêntrico. Ambos partilham um desdém em relação a valores liberais, especialmente os admirados pela grande maioria dos judeus americanos. Ambos agitam contra imigrantes. Ambos são inimigos figadais da imprensa livre. Ambos têm uma afinidade com Putin e ambos têm ligado o destino dos seus países a Donald Trump”. Esta tendência de aliança entre partidos populistas europeus já começou há muitos anos, quando em 2008 o político anti-islão holandês Geert Wilders visitou Israel meses depois de ter provocado polémica com o seu filme Fitna. A relação teve os seus altos e baixos, mas Wilders foi apenas um de vários líderes a mostrar anti-semitismo tendo ao mesmo tempo uma posição pró-Israel, justificada pelo que consideram ser uma ameaça comum: o islão. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Outros líderes de partidos de direita racista, xenófoba, anti-imigração ou populista da Europa têm visitado Israel, embora nem sempre tenham sido recebidos pelo Governo – em 2011, Filip Dewinter, antigo líder do partido belga Vlaams Belang, que questionou a extensão do Holocausto e glorificou os nazis; em 2016, Heinz-Christian Strache do austríaco FPÖ, partido que não tem conseguido negar convincentemente acusações de glorificação do nazismo e anti-semitismo; no mesmo ano, o líder da italiana Liga, Matteo Salvini. Tanto Strache como Salvini fazem hoje parte das coligações no Governo na Áustria e em Itália. O contexto hoje é diferente do de 2008, quando Wilders fez a sua visita, sublinha o antigo embaixador Shapiro: “Uma onde de iliberalismo ameaça o mundo democrático, da América à Europa passando também por Israel – e assim, pode haver tentações de alinhar com aqueles que parecem estar a subir: Trump, Putin, Orbán, Duterte” (o Presidente das Filipinas também vai visitar Israel). “O próprio distanciamento de Trump dos seus aliados democráticos e as expressões de apoio a autocratas encorajam, sem dúvida, esta tendência. ”O jornalista do Ha’aretz Anshel Pfeffer, que esteve na Hungria para uma série de artigos sobre Orbán, conta o que um rabino lhe disse: “O mundo está a tornar-se um lugar menos liberal, um lugar onde os que não são judeus estão a esquecer o Holocausto. Os judeus precisam de uma estratégia, para não acabarmos outra vez por ser vítimas. Isso quer dizer ser uma nação forte alinhada com outras nações fortes. Não com as vítimas. ”
REFERÊNCIAS:
Partidos LIVRE
"Não é um papel. Quero ser o tipo. Vou com ele”
Entre jouer la comédie e encarnar personagens, Vincent Lindon não brinca: escolhe “encarnar”. (...)

"Não é um papel. Quero ser o tipo. Vou com ele”
MINORIA(S): Migrantes Pontuação: 6 Africanos Pontuação: 2 | Sentimento 0.0
DATA: 2018-11-02 | Jornal Público
SUMÁRIO: Entre jouer la comédie e encarnar personagens, Vincent Lindon não brinca: escolhe “encarnar”.
TEXTO: Telefonema de um amigo a Vincent Lindon, antes de almoçarem, tal como contado em Paris num dia de Janeiro:“ —Tudo bem?— Sim, porquê?— Porque é que és sempre esses tipos, porquê sempre esses filmes? Tem cuidado, ocupa-te de ti. ”E depois, aos jornalistas, Vincent — que já recebera o prémio de interpretação de Cannes, por A Lei do Mercado, e estava à beira de ser distinguido com os Césares, os prémios da indústria cinematográfica francesa, pelo mesmo filme — rematava: “É verdade, fico com dez por cento de cada personagem em mim. Quando alguém testemunha um ambiente terrível, isso ficará para sempre no seu inconsciente. É como o big bang. Mesmo se somos actores e estamos a interpretar, é com os nossos olhos que vemos, é com os nossos ouvidos que ouvimos. E quando regresso a casa tudo fica na minha memória para sempre. ”Isto, por outras palavras, e referindo-se a Thierry, a personagem do desempregado de A Lei do Mercado, o belíssimo filme de Stéphane Brizé: “Não foi difícil interpretar um tipo que sofre. O que é difícil é tudo em volta, carregar o problema do desemprego, o que é difícil é mesmo os lugares onde filmámos, as pessoas que conhecemos — porque é difícil perceber que se é privilegiado. ”Uma coincidência reveladora: nesse dia de Janeiro em que falava à imprensa em Paris, Vincent, 58 anos, promovia na TV francesa o seu último filme, Les Chevaliers Blancs, de Joachim Lafosse — história de associações humanitárias e de adopção de crianças africanas vítimas da guerra. Num telejornal nacional, era recebido como herói moral do cinema francês. A sê-lo, é o heroísmo do homem normal, melancólico e a vencer amargas vitórias — se se recordarem de Welcome (2009), de Philippe Lioret (professor de natação, ajudava um imigrante curdo a atravessar o canal de França para Inglaterra), ou Les Salauds, de Claire Denis (marinheiro, vinha de longe, como um vingador, para resolver os problemas da família, que era o verdadeiro problema). Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. O heroísmo de Lindon — Brizé fala dele como representando a rectidão do homem normal, e é por isso também que tanto evoca, como intérprete, uma tradição extinta dos actores que eram blocos unos de tensão e valores, tudo isso sem palavras — é angustiado. Quase que se diria: banhado por um sentimento de culpa, porque antecipa o mal-estar do regresso a casa. “Em todo o mundo é o mesmo problema. A diferença entre ricos e pobres é cada vez maior. Quando chegamos ao fim do nosso trabalho e regressamos a casa, regressamos ao nosso mundo, é complicado para a nossa consciência. Somos como voyeurs. Aproveitamo-nos do mundo. Por isso é importante deixar uma memória de como os nossos contemporâneos vivem. Daqui a 20 anos alguém vai dizer depois de ver A Lei do Mercado: “Assim era a França. ” A minha história é pequena, é ficção. Mas a grande História é o que está atrás: a vida em França. Todos os bons filmes são aqueles que fazem a transição entre as páginas da cultura e as páginas da sociedade. ”Entre jouer la comédie e encarnar personagens, Vincent não brinca: escolhe “encarnar”. “Não sou actor suficientemente bom para interpretar. Entre personagem e actor deve haver um acordo: ‘Eu dou-te o meu corpo e o meu melhor para te encarnar. O que é que me dás? O que é que eu tiro de ti que me dá um pouco a tua vida?’ É uma troca. É um instrumento pessoal. Temos de estar em harmonia com a personagem. Não é um papel. Quero ser o tipo. Vou com ele. ”
REFERÊNCIAS:
Palavras-chave guerra lei cultura homem corpo desemprego imigrante