Treino com apenas um titular teve mais de dois mil espectadores
O avançado Danny foi o único titular no empate (0-0) entre Portugal e a Costa do Marfim a treinar hoje no regresso a Magaliesburg, numa sessão que teve mais de duas mil pessoas nas bancadas. (...)

Treino com apenas um titular teve mais de dois mil espectadores
MINORIA(S): Migrantes Pontuação: 6 Africanos Pontuação: 2 Animais Pontuação: 3 | Sentimento 0.25
DATA: 2010-06-16 | Jornal Público
SUMÁRIO: O avançado Danny foi o único titular no empate (0-0) entre Portugal e a Costa do Marfim a treinar hoje no regresso a Magaliesburg, numa sessão que teve mais de duas mil pessoas nas bancadas.
TEXTO: No dia seguinte ao nulo na estreia de Portugal no Mundial 2010, apenas estiveram no relvado da Bekker School os suplentes não utilizados em Port Elizabeth, Danny, único titular, e os suplentes utilizados Simão, Ruben Amorim e Tiago. Os restantes titulares ficaram no ginásio do hotel onde a equipa está a estagiar, na pequena localidade sul-africana. O dia é de feriado nacional na África do Sul, pelo que mais de duas mil pessoas, a grande maioria emigrantes portugueses, assistiram ao terceiro treino aberto da equipa das "quinas" em Magaliesburg. Já com o treino a decorrer e com as bancadas repletas, 200 pessoas esperavam ainda na fila para poder entrar para os campos da Bekker School. Na África do Sul, celebra-se hoje o Dia da Juventude, em memória dos confrontos de 16 de Junho de 1976, entre jovens estudantes negros e a polícia no Soweto. O segundo encontro de Portugal no Grupo G do Mundial 2010 será disputado na próxima segunda-feira frente à Coreia do Norte, enquanto o terceiro e último jogo do grupo será frente ao Brasil, no dia 25 de Junho.
REFERÊNCIAS:
Tempo Junho
BPI autonomiza actividade em África
Accionistas do BPI criam nova sociedade, que vai gerir as operações bancárias em Angola e Moçambique. Uma resposta às exigências do BCE de limitação aos riscos em Angola. (...)

BPI autonomiza actividade em África
MINORIA(S): Migrantes Pontuação: 6 Africanos Pontuação: 2 | Sentimento 0.0
DATA: 2015-10-01 | Jornal Público
SUMÁRIO: Accionistas do BPI criam nova sociedade, que vai gerir as operações bancárias em Angola e Moçambique. Uma resposta às exigências do BCE de limitação aos riscos em Angola.
TEXTO: O Banco Português de Investimento (BPI) vai avançar com um processo de separação simples, criando uma nova holding independente que concentrará as suas participações em África, e que será detida, numa fase inicial, pelos seus actuais accionistas. Trata-se ainda de um projecto apresentado pelo BPI e que terá de ser submetido à aprovação da Assembleia-Geral do banco, mas também dos reguladores nacionais, portugueses, angolanos e moçambicanos, e dos europeus. Se a proposta for aceite, os accionistas do BPI vão criar uma nova sociedade (que não é um banco), que será o chapéu que recebe 50, 1% do Banco de Fomento de Angola (BFA), 30% do Banco Comercial e de Investimentos (BCI) e a unidade de banca de investimentos BPI — as duas últimas instituições são moçambicanas. No BFA, o BPI tem uma parceria com uma empresa, a Unitel, ligada a Isabel dos Santos, mas no BCI está associado à Caixa Geral de Depósitos. A iniciativa de retirar os bancos africanos do balanço do BPI, e de os colocar numa estrutura separada, que os vais gerir, tem dois objectivos: permitir aos accionistas do BPI continuar com as operações em Angola e em Moçambique e não vender o BFA; e, sobretudo, garantir que o BPI cumpre com as exigências europeias de limite de exposição aos grandes riscos que, no caso do banco português, estão associadas à dimensão do investimento no Banco de Fomento de Angola. Na fase inicial, quer o BPI, quer a nova sociedade vão partilhar o mesmo capital e ambos ficarão cotados na bolsa de Lisboa. Hoje, o banco liderado por Fernando Ulrich é detido em 44, 6% pelo espanhol Caixabank, enquanto Isabel dos Santos, através da Santoro, possui quase 19% e a seguradora alemã Allianz detém 8%. A nova holding, designada em comunicado por Nova Sociedade, terá um capital de 46 milhões de euros, com os actuais investidores do BPI a receberem uma nova acção por cada detida no BPI. No caso de se concretizar o projecto anunciado esta quarta-feira, então o BPI ficará limitado à actividade doméstica e às operações nos mercados de emigração. O que pode constituir um problema tendo em conta que, nos últimos dez anos, que foram de crescimentos em Angola, os resultados do BPI beneficiaram do contributo do BFA em 900 milhões de euros. Em 2014, o BFA lucrou 245, 7 milhões de euros, dos quais 116, 9 milhões reverteram para o BPI. O que não impediu o banco de fechar o ano com prejuízos de 161, 1 milhões de euros. Em termos de activos, o BFA representa um quinto do BPI, ou seja, de acordo com os critérios europeus, é demasiado grande para o BPI consolidar. Uma disposição da Comissão Europeia, já em vigor, impõe que as instituições sob a alçada de Frankfurt contabilizem na totalidade (até agora, o requisito oscilava entre 0% e 20% dos activos) o impacto da sua exposição aos grandes riscos de unidades com actividade em mercados com supervisão não equiparável à europeia. No contexto do mecanismo único de supervisão bancária, Draghi declarou Angola (de um grupo de cerca de 200 Estados/territórios) com tendo um padrão de supervisão não comparável ao europeu (só aplicado em 17 países). Para Mario Draghi, o líder do BCE, o que está em causa não é tanto a qualidade do risco, mas a quantidade dos activos considerados. Ainda que os novos requisitos do BCE tenham criado um problema a Fernando Ulrich, a autonomização do BFA, numa estrutura separada do banco e cotada (podem entrar e sair accionistas), pode facilitar a resolução do diferendo aberto pela OPA lançada no início deste ano pelo Caixabank sobre 100% do capital do BPI. Uma oferta não negociada, e que contou com a oposição do segundo maior accionista. Todavia, Isabel dos Santos podia, se tivesse entendido, ter-se articulado durante a OPA com o grupo espanhol, negociando, por exemplo, a sua saída do BPI a troco do controlo do BFA, de que já é accionista. Aparentemente, este caminho não foi o seguido. Sem o contributo do banco angolano (no pressuposto de que este se manterá rentável), com a economia portuguesa sem fôlego e a manter-se a divisão no capital, o futuro do BPI é, portanto, uma incógnita.
REFERÊNCIAS:
Palavras-chave doméstica
Sem Amílcar Cabral, "ninguém tinha óculos para ver onde estava o problema"
Os sonhos que animavam os que, há 40 anos, proclamaram a independência deram lugar a desilusões. Nem os veteranos nem os que nasceram depois da guerra escondem desencanto (...)

Sem Amílcar Cabral, "ninguém tinha óculos para ver onde estava o problema"
MINORIA(S): Migrantes Pontuação: 6 Africanos Pontuação: 2 | Sentimento 0.0
DATA: 2015-12-29 | Jornal Público
SUMÁRIO: Os sonhos que animavam os que, há 40 anos, proclamaram a independência deram lugar a desilusões. Nem os veteranos nem os que nasceram depois da guerra escondem desencanto
TEXTO: A primeira pergunta a fazer quando se vai comprar um telemóvel em Bissau é se tem lanterna. Compreende-se: a capital guineense é, quando a noite cai, uma cidade mergulhada na escuridão. A electricidade falta sem aviso, sem que se saiba porquê nem quando voltará. O abastecimento de água é frequentemente afectado pela falta de energia para o bombeamento. Mesmo no centro, principalmente na estação das chuvas, algumas estradas chegam a lembrar crateras. Caminhar a pé de noite, sem luz, pode ser uma aventura acidentada. No país onde, há 40 anos, uma guerrilha bem-sucedida, militar e diplomaticamente, proclamou a independência unilateral, está longe, muito longe, do que sonhou quem lutou contra a colonização portuguesa. Uma longa sucessão de golpes de Estado, assassínios políticos e corrupção são imagens que se colaram a um país que os indicadores atiram para o grupo dos mais pobres do mundo e é ensombrado pelo tráfico de droga. Amílcar Cabral "sonhou muito mais do que isto", diz Flora Gomes, de 63 anos, que filmou a proclamação da independência, numa mata de Lugadjol, região de Boé - não Madina do Boé, como foi propagandeado. Sem ele "ninguém tinha óculos para ver onde estava o problema. Muita gente que estava com ele na guerra não estava preparada para as exigências". O modo como Cabral conduziu a luta pela independência, conjugando vertente militar com acção política, e a importância que dava ao desenvolvimento - o "programa maior", que completasse o "programa menor", que era conseguir a independência - fazia supor que a Guiné pudesse ter um percurso modelar. Mas a realidade depressa desmentiu a ideia. A história fala por si. Em 1980, João Bernardo Vieira, "Nino", derrubou Luís Cabral da presidência e pôs ponto final no projecto binacional de Amílcar. Começava o que os cabralistas vêem como "o desmoronamento de tudo o que tinha sido feito". O golpe era apenas o primeiro de muitos. Os últimos episódios da já crónica instabilidade foram o derrube do primeiro-ministro Gomes Júnior, a meio do processo eleitoral para a escolha de novo Presidente, em 2012, e posteriores actos de violência contra opositores da sublevação militar. É com a instabilidade, a violência político-militar e indicadores que colocam a Guiné-Bissau entre os países com baixíssimos índices de desenvolvimento que a maioria da população cresceu. Mais de 60% dos guineenses têm menos de 24 anos, os que nasceram já depois da independência serão 70% a 80%. Se a luta contra o colonialismo dirá hoje pouco à maioria, Cabral continua a ocupar lugar único, quer nas palavras de quem com ele conviveu, quer dos jovens que se revêem nos seus ideais. É difícil encontrar quem não se reclame da herança do líder fundador e quem não pense que com ele o país seria outro. "Estamos numa fase que não vivemos nem nos piores momentos da construção nacional. Temos conflitos que se transformam em guerras e golpes. Estávamos longe, mas longe, de pensar em qualquer coisa parecida", diz Mário Cabral, de 72 anos, que participou na proclamação de Lugadjol, a 24 de Setembro de 1973, oito meses após o assassínio de Amílcar Cabral por militantes do seu próprio partido, o PAIGC (Partido Africano da Guiné e Cabo Verde). " Não conseguimos uma verdadeira independência. Persiste um grande sentimento de frustração, de amargura e de desânimo", diz Yasmine Cabral, de anos, conselheiro de direitos humanos do Uniogbis, missão da ONU para a consolidação da paz. Rappers denunciam "traição" Letras de música rap crioula têm denunciado o que apresentam como "traição" dos dirigentes dos ideais de Amílcar Cabral. Muitos jovens, observa Miguel Barros, de 33 anos, sociólogo que estudou essas narrativas, encaram os antigos combatentes "não com dignidade e orgulho, mas como foco dos problemas". "Começaram-se a matar uns aos outros e perderam crédito juntos dos mais novos", diz o também director executivo da organização não-governamental Tiniguena - Esta Terra é Nossa. A situação foi agravada pelo envolvimento de alguns dos antigos combatentes no narcotráfico. É o caso de Bubo Na Tchuto, que se juntou à luta armada aos 14 anos e mais tarde se tornou chefe da Marinha, que foi capturado em Abril por agentes norte-americanos, em alto mar. Casos como o de Bubo ou as acusações dos EUA contra António Indjai, o líder do último golpe e actual homem forte do país, suspeito de tráfico de droga, reforçam a ideia de que a Guiné é um narco-Estado. Yasmine Cabral, ex-professor na Faculdade de Direito de Bissau, acha que há exagero neste retrato: "O Estado não é um narco-Estado, a sua fragilidade torna-o incapaz de controlar o tráfico. O Estado é vítima do narcotráfico. Mesmo que decidisse combatê-lo, não tem recursos para o fazer". O Estado forte, de partido único, que a Guiné conheceu nos primeiros anos da independência, com ambiciosos projectos de industrialização, deu lugar à incapacidade de assegurar o "mínimo necessário" à população. Após a guerra interna de 1998-1999, acentuou-se a desagregação do Estado e a insubordinação do poder militar. Algo impensável para alguns dos que combateram o colonialismo e conheceram Cabral. Amílcar "insistiu muito que não tínhamos militares, mas militantes armados", diz Mário Cabral, junto à sede do partido, na Praça dos Heróis da Independência, a que quase todos em Bissau chamam ainda Praça do Império. "O militar estava subordinado ao poder político. Nem "Nino"nem alguns dos seus colaboradores foram capazes de entender isso e também não foram capazes de manter uma liderança capaz de unir e de criar estruturas para o desenvolvimento. " Amílcar - recorda Filinto Vaz Martins - dizia aos combatentes: "Vocês não pensem que vão governar a Guiné. Vocês têm o estatuto de libertadores da nossa pátria". Mas "as pessoas não se sentiam bem só nisso, queriam ser os primeiros governantes e não tinham capacidade de gestão. Nem eu", diz este engenheiro electrotécnico, de 76 anos, formado em Lausanne que, nos anos 1970, foi subcomissário da Indústria, Energia e Hidráulica. Poucos anos após a independência, "começaram os golpes, as ambições pessoais de quem estava nas fileiras e que não tinha a dimensão para perceber quanto valia o passado", acrescenta, lamentando opções como o "grande disparate" que considera ter sido a separação de Guiné e Cabo Verde. "Se o Amílcar não morresse, não haveria isso", diz Carmen Pereira, de 77 anos, veterana da luta contra a presença colonial, comissária política na frente Sul, à data da independência, mais tarde presidente da Assembleia Nacional Popular. Dos golpes não quer falar. Mas, sentada na sua casa do centro de Bissau, recorda que antes "os militares submetiam-se ao Governo, agora é o Governo que se submete aos militares". Lúcio Soares, de 71 anos, que, na altura da proclamação da independência chefiava os guerrilheiros do PAIGC no Norte, reconhece que as coisas "não correram como estava previsto". Acredita que, com Cabral, teria sido "muito e muito diferente". "Não haveria essas histórias de golpes, golpes, golpes, golpes, ou haveria um atentado contra ele também, para tentar eliminá-lo. " "Uma Suíça em África" Nhaga Mané, enfermeira que em 1973, ainda adolescente, estava em Quitafne, no Sul, numa zona controlada pelos independentistas, é particularmente crítica do trajecto do país. "Tudo isso fez a Guiné- -Bissau voltar para trás. " Também ela, aos 56 anos, mantém "a certeza" de que com o líder fundador "teria sido muito e muito diferente". "Faltou-nos o Cabral e faltou num momento importante da luta", quando os desafios eram de desenvolvimento, considera Mário Cabral. O desencanto é verbalizado nas conversas com mais ou menos veemência. Mas ninguém o esconde. Armando Ramos, de 77 anos, militante do PAIGC desde os primeiros tempos da guerra, mais tarde ministro do Comércio, ainda se recorda do que o animava. "O ideal, a ideia do partido, era fazer da Guiné a Suíça de África", diz o ainda hoje membro do comité central. "O que correu mal foi o golpe de Estado que se deu; os valores inverteram-se e o país tornou-se incontrolável. " "A Guiné que nós sonhávamos não é esta que temos. Temos um território, mas a ideia que tínhamos não é esta, infelizmente", concorda Lúcio Soares, um dos signatários dos acordos de Argel, onde, em Agosto de 1974, foram definidos os termos da transmissão de poder no território. "As coisas não correram como estava previsto. " "Falta muita coisa do que sonhámos. Sonhámos com um país independente, próspero, de progresso, de paz e segurança", diz Carmen Pereira. "No princípio estava tudo bem. Depois começaram a aparecer problemas", reconhece a mulher que se tornou num dos símbolos da luta pela independência, lamentando - como "tragédia total" - desvios como a morte por fuzilamento, no pós-independência, de comandos africanos que tinham integrado o Exército colonial. "Sonhávamos com uma Guiné que avançasse rapidamente na senda do desenvolvimento, sobretudo da população rural, de que o PAIGC era devedor", afirma Filinto Vaz Martins, a quem Cabral, em resposta à sua disponibilidade para integrar a luta armada, lhe disse para continuar a estudar: "Fica, podes ser muito mais útil na Guiné independente". Hoje, ao falar do seu país, numa conversa no Instituto Francês de Bissau, não hesita em contar o que já ouviu em melodias como as que foram estudadas por Miguel de Barros: "Há os que cantam que, se Cabral se levantasse hoje, morria imediatamente". Filinto, que aderiu ao PAIGC na década de 1960, continua a pensar que a luta pela independência "valeu a pena no aspecto do nacionalismo", mas está desiludido. "Se se tivesse galvanizado a população para o desenvolvimento, teria valido a pena completamente. " Guerra é "muito mais leve" Amílcar Cabral, a língua crioula e o 24 de Setembro são, para Miguel Barros, "elementos de agregação" dos guineenses. Mas o desgoverno, a incapacidade do Estado em garantir serviços básicos e as privações deram lugar à decepção. O salário com que, em média, os guineenses têm de se governar varia entre os 50 mil e os 75 mil francos CFA (75 a 100 euros). Muitos recebem abaixo disso. Comer um shawarma e beber um refrigerante custa em Bissau, dependendo do local, uns dois mil francos. "A independência tal como foi concebida em Boé, que era ter não só liberdade mas também desenvolvimento, escola, pão, educação - o programa maior, o objectivo principal -, ficou pelo caminho", diz Yasmine Cabral. "Somos um povo pacífico, as cíclicas crises vividas na Guiné dariam, noutras paragens, lugar a uma guerra civil, mas continua a reinar o sentido de unidade, apesar de alguma classe política fomentar o tribalismo. " Nhaga Mané acha que "valeu a pena" ter aderido à luta anticolonial quando ainda era criança, depois de ter visto uma coisa que a chocou - os soldados portugueses entrarem na sua aldeia e "quebrarem o pote de água e espalharem o arroz". Não se arrepende, mas conclui que, afinal, a independência não acabou com os abusos, só "com os abusos dos brancos". "A guerra era muito mais leve. Trabalhar, fazer bem, é mais pesado", considera esta mulher que recebeu formação na União Soviética, admira o Cabral que conheceu e teve a primeira desilusão quando conheceu Bissau, após a independência. Imaginava uma cidade "tipo Moscovo, tipo Egipto". Maior foi a decepção com as divisões que depois ocorreram, que a levaram a emigrar para Portugal, onde viveu 24 anos. Só regressou a pedido de Malam Bacai Sanhá, o primo eleito Presidente em 2009, cuja morte, no início de 2012, deixou campo aberto ao mais recente golpe de Estado. "O mal, para mim, foi abrirem as fileiras, deixarem entrar esse pessoal", considera Nhaga, que há 40 anos estava integrada num grupo liderado por Pedro Pires, dirigente do PAIGC que veio a ser Presidente de Cabo Verde. Não identifica "esse pessoal", mas diz que "se preocupam em ter postos" e que quando não os têm "arranjam guerra". O modo desassombrado com que Nhaga Mané fala - ou as afirmações, mais contidas no tom, embora também críticas, de Carmen Pereira, Armando Ramos, Mário Cabral ou Lúcio Soares - não são a regra, considera Carlos Schwarz Silva, director executivo da organização não-governamental Acção para o Desenvolvimento. "Questionar o passado, certos aspectos da luta, e sobretudo do pós-independência, acaba por cair em cima deles próprios. Preferem remeter-se a lugares-comuns para sua própria defesa. São prisioneiros de uma conjectura em que são os protagonistas. Nunca se demarcaram nem tiveram espírito crítico. " Carlos Silva acha que declarações como as Manuel Saturnino, vice-presidente do PAIGC, que, apesar do que os separa, chegou ao ponto de defender António Indjai, que derrubou o Governo do seu partido, por ser um antigo combatente, mostram que muitos veteranos pensam ter "de se defender uns aos outros para se justificarem a si próprios". Em 1973, Indjai tinha 18 anos. Identidade versus poder No documentário sobre os 40 anos da independência que está a preparar, Flora Gomes deparou-se, ao entrevistar antigos combatentes, com o verso e o reverso dos olhares guineenses sobre o caminho percorrido desde a independência. Em Morés, no interior, encontrou uma mulher que, no tempo da guerra, cantava para animar e disfarçar a fome dos combatentes. Esquecida, sem pensão, contou-lhe que "valeu a pena porque tem bilhete de identidade, bandeira, hino e muitos sobrinhos e familiares que andam pelo mundo". A independência valeu, para ela, pela afirmação de identidade e pela abertura ao mundo. Em Bissau, outra mulher que esteve no Sul durante a guerra, e cozinhava para Amílcar Cabral quando ele ia à sua zona, não hesitou em dizer ao cineasta que "se houvesse mais luta não estaria disponível para se envolver, seria colaboradora do colonialismo, porque", explicou, "os que colaboraram estão mais bem servidos na actual Guiné". Carlos Silva, de 63 anos, estará mais de acordo com a mulher de Morés. "Há uma coisa que ninguém nos tira - é que a independência nos deu uma identidade própria e isso já a justifica", diz. Mas para muitos guineenses, reconhece, hoje "independência é igual a desemprego, fome, ensino desorganizado". "Pepito", como todos o conhecem em Bissau, vê nas primeiras decisões dos dirigentes do PAIGC, chegados a Bissau, em 1974, o prenúncio do que viria depois: "O ministro da Agricultura foi viver na casa do director de Agricultura do tempo dos portugueses, o ministro da Justiça foi ocupar a casa do juiz. . . Tinha de dar nisto. " Sem a memória nem a vivência desses primeiros anos, Yasmine Cabral tem um olhar igualmente crítico sobre o trajecto do país. "Os libertadores não conseguiram interpretar bem os objectivos da luta e começaram a instalar um Estado violento, de perseguição de adversários", afirma. "Os libertadores actuam como proprietários do Estado. " Luís Martins, de 41 anos, presidente da Liga dos Direitos Humanos, está entre os que entendem que a independência "trouxe de bom a identidade" guineense. Mas alinha no tom de críticas ao rumo tomado. "O Estado falhou redondamente e as aspirações que conduziram a luta de libertação nacional e os propósitos da luta, também", diz. Preocupa-o viver "num país onde reina a impunidade" e também o que vai ouvindo em Bissau: "Os mais ousados chegam a dizer que havia mais Estado na época colonial. Havia um regime muito duro, mas havia instituições a que se podia recorrer e não uma propensão para o recurso à justiça privada. " Declarações nostálgicas e as que atribuem aos antigos combatentes a responsabilidade pela actual situação da Guiné-Bissau são, para Lúcio Soares, que já foi chefe das Forças Armadas, "um desabafo dos jovens que, quando estão cansados, dizem: "Eh, pá, esses combatentes. . . ". Acho que é mais isso. Não há ninguém que não queira a independência. " Militares "são incitados" Quem é responsável pela situação a que o país chegou? Agnelo Regalla, de 61 anos, membro do PAIGC entre os anos 1960 e o início da década de 1990, primeiro director da rádio nacional, poeta, político, dá a sua resposta: "Somos todos. Há uma tendência para dizer que a responsabilidade cabe exclusivamente aos militares, mas eu diria que também se prende com a classe política que, em vez de pensar nos interesses globais do país, pensa nos seus interesses, o que dá origem ao clientelismo político e à corrupção". Regalla, agora líder da União para a Mudança, um partido que aspira a recuperar a representação parlamentar , não quer, "de forma alguma, branquear o papel dos militares, que desde a independência detêm um poder real". Mas, do seu ponto de vista, o que acontece é que "se usam os militares para alcançar objectivos políticos". Para ele, os sucessivos golpes e actos de violência decorrem da "incapacidade de solucionar as contradições provenientes da luta armada". Yasmine Cabral não pensa de modo diferente no que diz respeito ao papel dos militares: "Nunca houve uma intervenção meramente militar. Têm sempre por trás razões políticas. São incitados pela classe política para atingirem fins não-militares. O principal elemento de acesso ao poder não são as eleições, mas o uso indevido das Forças Armadas". Flora Gomes olha para o problema da mesma forma: "Quando as pessoas dizem que são os militares. . . Tu não sabes onde começam os militares e acabam os políticos. Esse é um grande problema. Temos uma fragilidade de ligações. " Aos 40 anos, a Guiné-Bissau vive formalmente uma fase de transição tutelada pelos militares - ou por quem os controla - com um Presidente da República e um Governo caucionados pela Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental (CEDEAO). O Parlamento, em que o PAIGC tem maioria, voltou a funcionar. No início do mês chumbou mesmo uma proposta de amnistia para os golpistas. "É a Guiné. . . ", comenta quem conhece bem a realidade e as singularidades do país. As eleições gerais continuam previstas para Novembro, como há meses foi anunciado . Só que ninguém acredita que o calendário seja mantido. Desde logo porque nem o recenseamento feito em 2008 foi ainda actualizado. "Toda a gente sabe que é uma falsa questão falar em 24 de Novembro, só agora estamos a discutir a reforma eleitoral", comenta Miguel de Barros. Mesmo com toda a turbulência, sofrimento e dor, apesar da distância entre os sonhos e a realidade, quem lutou pela independência e a protagonizou acha, como Flora Gomes, que "valeu a pena essa grande aventura". Lúcio Soares, outro dos veteranos de Lugadjol, acredita que o momento de viragem não pode estar distante. "Um dia vamos acertar, penso que falta pouco para conseguirmos endireitar a máquina", afirma no pátio da sua casa, perto do bairro militar, quando a noite começa a cair. Até esse dia, Bissau e a Guiné continuam às escuras. Mesmo durante o dia.
REFERÊNCIAS:
Entidades ONU EUA
A Líbia, próximo território do Estado Islâmico?
Governo diz saber que os novos recrutas recebem ordens para se dirigir para território líbio e já não para a Síria. (...)

A Líbia, próximo território do Estado Islâmico?
MINORIA(S): Migrantes Pontuação: 6 Africanos Pontuação: 2 | Sentimento 0.0
DATA: 2015-11-19 | Jornal Público
SUMÁRIO: Governo diz saber que os novos recrutas recebem ordens para se dirigir para território líbio e já não para a Síria.
TEXTO: Políticos e analistas estão de acordo: depois da Síria e do Iraque, a Líbia pode ser o novo terreno de expansão dos jihadistas do autoproclamado Estado Islâmico. A presença do grupo no país já é bastante considerável – e ao contrário do que acontece noutros lugares, aqui muitos combatentes integram o movimento original, não são grupos soltos que declararam aliança ao Daash (também os há) por estratégia ou conveniência. Transformado num estado falhado desde o derrube de Muammar Khadafi, em 2011, a Líbia tem dois governos concorrentes e está dividida em regiões sob controlo de diferentes grupos armados. O Estado Islâmico, que surgiu com força em Fevereiro, controla a cidade de Sirte (Norte) desde Maio e entretanto espalhou-se por uma zona de 200 quilómetros entre Sirte e Nawfaliyah, ao longo das fronteiras do chamado “Crescente Petrolífero”, onde se concentram os maiores terminais do país. Da população inicial de 70 mil habitantes, sobrarão em Sirte 10 a 15 mil pessoas. As restantes fugiram para as regiões de Misurata e Trípoli. “Temos informações fiáveis a indicar que o comando do Daash pede aos seus novos recrutas que se dirijam para a Líbia e já não para a Síria, sobretudo desde os ataques russos”, que começam a visar o grupo na Síria no fim de Setembro, diz à AFP o ministro dos Negócios Estrangeiros do governo reconhecido internacionalmente (e com sede no Leste do país), Mohamed Dayri. Dayri falou à agência francesa de passagem por Paris e na ressaca dos atentados que na sexta-feira fizeram 129 mortos na capital francesa. “Associamo-nos aos apelos franceses e outros para uma acção internacional e uma determinação real contra o Daash, na Síria e no Iraque, mas também na Líbia, que temo venha a tornar-se no próximo território seguro do grupo”, afirmou o ministro. Estimando que o número de combatentes do grupo no seu país esteja entre os quatro e os cinco mil, principalmente “tunisinos, sudaneses e iemenitas”, Dayri felicitou-se com a primeira operação aérea dos Estados Unidos contra o Daash na Líbia, no sábado. Mas ao contrário do que foi avançado por Washington, o alvo, morto nestes ataques, Abu Nabil, era chefe do grupo na região de Derna, capital da Cirenaica (Leste do país), não “o seu mais alto responsável” no país. O ministro recorda que um marroquino que saíra da Líbia em embarcações com emigrantes foi detido na Primavera em Itália e é suspeito de ser um dos autores do atentado contra o Museu Bardo de Tunes, que fez 23 mortos em Março. Um tunisino por trás do ataque num hotel de Port El Kantaoui, igualmente na Tunísia, a 26 de Junho, tinha, por seu turno, treinado na Líbia. Este ataque matou 38 turistas estrangeiros na praia do hotel. À conquista do SulSegundo Dayri, o Estado Islâmico pode estar a conquistar território na direcção do Sul da Líbia, o que pode permitir ao grupo coordenar operações com movimentos extremistas que actuam nos países do Sahel (Senegal, Mauritânia, Níger, Mali, Burkina Faso, Nigéria, Chade e Sudão). “Precisamos de uma estratégia que envolva o Exército líbio em conjunto com os países árabes e os países ocidentais”, defende o ministro. Esta foi a semana em que chegou ao fim o mandato de um emissário da ONU para a Líbia, o espanhol Bernardino Léon, e começou o de outro, o diplomata alemão Martin Kobler. O anterior conseguiu a aceitação por todos de um plano para existência de um só governo que tente unificar a Líbia partida, mas está muito por fazer. Kobler tomou posse na terça-feira, após um ano de negociações mediadas por Léon e pela Argélia. “O plano [de Léon] não era perfeito, mas era uma forma de unir os líbios, falta encontrar uma solução permanente que permita aos líbios conduzir o seu país nesta fase difícil”, disse numa entrevista ao Le Monde o ministro dos Negócios Estrangeiros argelino, Ramtane Lamamra. Uma situação que a crescente presença do Daash só vai dificultar. Junta-se agora como conselheiro a esta missão o general italiano Paolo Serra, que comandou a força das Nações Unidas no Líbano de 2012 e 2014.
REFERÊNCIAS:
Entidades ONU
Jonah Lomu nunca foi saudável, mas foi o melhor
Morreu aos 40 anos aquele que é considerado a primeira superestrela do râguebi mundial. (...)

Jonah Lomu nunca foi saudável, mas foi o melhor
MINORIA(S): Migrantes Pontuação: 6 Africanos Pontuação: 2 | Sentimento 0.375
DATA: 2015-11-19 | Jornal Público
SUMÁRIO: Morreu aos 40 anos aquele que é considerado a primeira superestrela do râguebi mundial.
TEXTO: O Mundial de râguebi em 1995 ficou para a história, porque um triunfo desportivo ajudou a reconstruir um país. Nelson Mandela queria uma Nação Arco-Íris e a selecção de râguebi foi uma arma fundamental para ajudar a África do Sul a ultrapassar o trauma do apartheid. Mas também foi neste ano que o mundo reparou num jovem com 20 anos, com 1, 96m de altura e 120kg de peso, ponta do Nova Zelândia. Ninguém sabia muito bem quem era Jonah Tali Lomu. Depois desse Mundial, nunca mais ninguém se esqueceu dele. Infelizmente para o râguebi e para ele próprio, nem a sua carreira, nem a sua vida foram muito longas. Lomu era um homem que impressionava pelo físico. Rápido, forte, imparável, mas que, aos 40 anos, seria derrotado pelo próprio corpo. O ataque cardíaco que provocou a sua morte na última terça-feira, em Auckland, na Nova Zelândia, foi, tão-só, a consequência de décadas de convivência com a síndrome nefrótica, uma doença rara nos rins que lhe foi diagnosticada aos 20 anos, que o obrigava a hemodiálise regular e que o forçou a um transplante. Quando espantou o Mundo em 1995 com a camisola dos All-Blacks, Lomu já sabia que o seu corpo não era perfeito e que se cansava mais depressa que os outros. “Agora imaginem o que eu não teria feito se fosse saudável”, contava numa entrevista recente ao Telegraph, uma das últimas que concedeu antes de morrer. Lomu foi a primeira superestrela do râguebi mundial e um dos grandes responsáveis por tornar a modalidade um dos grandes espectáculos desportivos do planeta – o Mundial de râguebi é considerado o terceiro maior evento desportivo, depois do Mundial de futebol e dos Jogos Olímpicos. Nunca foi campeão mundial com os All Blacks, ao serviço dos quais somou “apenas” 63 jogos entre 1994 e 2002, o primeiro com apenas 19 anos e 45 dias, na altura o mais novo de sempre a estrear-se na equipa principal da Nova Zelândia. Foi naquele Mundial da África do Sul que Lomu explodiu. Antes do torneio, era um jovem de quem muitos duvidavam que tivesse estofo para jogar pelos lendários All-Blacks, mas entrou a matar logo no primeiro jogo com a República da Irlanda, com dois ensaios – viria a marcar 15 durante os dois Mundiais em que participou, um recorde igualado este ano pelo sul-africano Bryan Habana. A final desse Mundial seria para a África do Sul, num triunfo difícil sobre a Nova Zelândia. Lomu não teve um grande impacto nesse jogo, ao contrário do que acontecera poucos dias antes, na meia-final com a Inglaterra. Quatro ensaios e uma demonstração de potência eram bem a prova de que Lomu estava preparado. Palavra ao inglês Mike Catt, que tentou fazer-lhe uma placagem antes de Lomu arrancar o primeiro ensaio: “Lembro-me de pensar: ‘Eu tenho 90kg, ele tem 120kg, vai ser como parar um comboio em andamento. ’ Tentei fazer o que me ensinaram, mergulhar e fazer a placagem pelo tornozelo. Depois só me lembro de cair para trás, olhar pelo ombro e vê-lo a marcar um ensaio. ”Da delinquência ao desportoLomu não teve apenas de jogar contra o seu corpo. O seu início de vida podia ter facilmente descarrilado para algo muito pior, não fosse a sua aptidão natural para o desporto. Nascido em 1975, em Auckland, filho de emigrantes do Tonga, Jonah Lomu ainda não tinha um ano de vida quando foi viver com os tios para uma das ilhas deste arquipélago da Polinésia. Aos sete anos, regressou à Nova Zelândia, mas sentia-se desenraizado e nem falar inglês sabia. E teve de lidar com um contexto familiar difícil. O pai era alcoólico e batia-lhe, e o jovem Jonah procurava passar o menor tempo possível em casa – acabaria por sair de casa aos 15 anos e não falou com o pai durante 17. Passou a alinhar com gangs dos arredores de Auckland e, durante a adolescência, conviveu bem de perto com a violência. A única coisa que tinha a seu favor era a habilidade atlética. Enquanto aluno de liceu, Lomu fazia uns excepcionais 10, 89s nos 100m e, aos 14 anos, já era indiscutível no principal XV da escola. Aos 16, já jogava nos sub-17 da Nova Zelândia, aos 18 estava na equipa de sub-21 e, aos 19, estreava-se pela equipa de sevens dos All-Blacks. Nesse mesmo ano, Lomu cumpriu os seus dois primeiros jogos contra a França, ambos derrotas para o XV neozelandês.
REFERÊNCIAS:
Étnia Africano
Portugal à espanhola
Um marco fundamental da historiografia portuguesa contemporânea, à atenção de um público alargado (...)

Portugal à espanhola
MINORIA(S): Migrantes Pontuação: 6 Africanos Pontuação: 2 | Sentimento 0.0
DATA: 2015-04-29 | Jornal Público
SUMÁRIO: Um marco fundamental da historiografia portuguesa contemporânea, à atenção de um público alargado
TEXTO: Não faltam, hoje, as Histórias de Portugal. Estão disponíveis para todos os gostos, tanto do ponto de vista ideológico, como analítico. Pressões políticas, institucionais, académicas e comerciais têm pesado na multiplicação de obras que cultivam o género. A procura de um público que tenta compreender a sua própria identidade, em tempos pós-coloniais e de viragem europeia, surge como uma das explicações para o facto de tantos universitários se dedicarem à escrita de tais obras. Por sua vez, os que se envolvem no que poderia ser denominado mercado dos bens nacionais — da sua história, memória e interpretação — não são só historiadores. Geógrafos, economistas, antropólogos, sociólogos, politólogos, ensaístas, críticos literários, filósofos e arquitectos em busca do “português suave” concorrem entre si, no interior de um campo onde a universidade passou a exercer um peso hegemónico. A este respeito, um dos casos mais sérios e persistentes da exploração académica e editorial do referido mercado dos bens nacionais veio da antropologia e concretizou-se, nos últimos 40 anos, na colecção Portugal de Perto (D. Quixote), dirigida por Joaquim Pais de Brito. É neste quadro de contributos variados que esta nova História Contemporânea de Portugal tem de ser apreciada. Quais são as suas forças e fraquezas?Primeiro ponto a destacar: a evidente passagem de testemunho por parte de uma geração de historiadores em torno dos 60 anos, todos com provas dadas em obras individuais e colectivas, relativamente a investigadores mais novos, rondando os 40 anos, com uma enorme capacidade de inovação. A este nível, uma das sequências temáticas mais arrojadas do conjunto dos volumes em causa (e outras existem!) diz respeito ao tratamento das questões culturais, entregue a uma nova geração com obra já firmada: Paulo Silveira e Sousa, Luís Trindade, Daniel Melo e João Pedro George. Porém, a mobilização de um grupo de historiadores neste projecto colectivo passou de geração, mas não passou de género. Por descuido, com certeza, nem uma única mulher foi convidada a participar. Ora, um descuido deste tipo seria considerado discriminatório e impossível de justificar, em campos universitários bem conhecidos por quem dirige o projecto. Segundo ponto, em cada um dos cinco volumes — bem escritos e revistos, suportados por dados quantitativos seleccionados de forma clara no que respeita às questões económicas cuja história progride a passos largos — existe um tratamento sério da imagem como documento e não como ilustração. Este aspecto merece ser destacado, porque, ao ter sido desenvolvido de um modo sistemático, se afigura inédito entre nós em obras do género. Tão-pouco o cuidado posto no tratamento da imagem pode ser visto como um dado isolado, pois insere-se numa preocupação geral que percorre toda a obra e que consiste em cruzar fontes, de forma rigorosa e crítica. Porém, faltam mapas, uma base cartográfica que represente, por exemplo, as assimetrias e que dê conta das questões territoriais, permitindo — no futuro próximo — pensar melhor a História não tanto nas suas determinações geográficas, mas num quadro capaz de colocar questões de ecologia e sustentatibilidade, num mundo em mutação climática. Terceiro, talvez pela primeira vez em Portugal, um grupo de cerca de 20 investigadores universitários — que trabalham, sobretudo, na Universidade Nova de Lisboa (Faculdade de Economia e Faculdade de Ciências Sociais e Humanas) e no ICS-Universidade de Lisboa — uniu esforços para escrever uma História de Portugal, bem ancorada noutras ciências sociais — economia, sociologia, ciência política, relações internacionais, etc. Esta abertura da História às ciências sociais, suscitada por quem dirige e coordena os diferentes volumes, inspira-se nos grandes projectos de inovação interdisciplinar que marcaram tanto a História como as outras ciências sociais e políticas ao longo do século XX, sobretudo na Alemanha, em França e nos Estados Unidos. Este mesmo diálogo sustenta sucessivas abordagens, organizadas por temas e problemas, orientadas para a procura de causas e consequências; no fundo, uma perspectiva analítica de fôlego, que se afasta das abordagens descritivas e narrativas em que muitas sínteses históricas derrapam por miopia ou convicção simplista. Contudo, o diálogo entre a História e as ciências sociais — ao mesmo tempo que revela a presença de um discurso académico, frio e objectivo, em que as análises são correctamente submetidas a construções tipológicas e procuram a demonstração de argumentos — parece anular qualquer tipo de envolvimento dos historiadores com os seus projectos. A crítica é delicada e os melindres são inevitáveis. Entre nós, Rui Ramos é o historiador do período contemporâneo que representa cada vez mais e melhor esse outro lado, constituído por projectos historiográficos comprometidos politicamente e desligados de um diálogo com as ciências sociais (o que não impediu que o seu volume sobre a República, na História de Portugal dita de Mattoso, ofereça estimulantes perspectivas), donde as suas interpretações revisionistas da República e do Estado Novo terem suscitado debate e polémica. Mas não é tanto esse tipo de envolvimento político que está em causa quando se escreve História em contacto com as ciências sociais. Lucien Febvre, nas suas lições do Collège de France proferidas durante a ocupação nazi, escreveu belas páginas acerca de Michelet, criador da história de França (Michelet, créateur de l’histoire de France — Cours au Collège de France, 1943-1944, Vuibert, 2014). O contexto era de luta. Michelet era mais um pretexto para fazer da História um instrumento de combate relativamente aos usos do passado no presente. Que pelo menos se libertasse a História da nação e da ideia de raça e que não se considerasse passível de justificação pelo passado o nacionalismo equiparado ao racismo. A construção da nação nada tinha que ver com a existência de uma raça pura, de eleitos. Assim argumentava, ou quase vociferava contra os nazis, um dos maiores inventores da historiografia moderna, que dirigiu essa utopia intitulada Encyclopédie Française, provavelmente uma das últimas a procurar sustentar uma ideia francesa de civilização. Claro que os tempos e o contexto em que se trabalha, hoje, em Portugal são diversos. A História e as outras disciplinas interessadas na compreensão da sociedade foram monopolizadas pelas universidades, que ditam as suas regras de rigor e neutralidade, não sendo possível escapar às rotinas quase burocráticas impostas pelo funcionamento das instituições. Paralelamente, é inegável que Portugal, tal como a Europa, sofre, segundo o historiador Mark Mazower, “de exaustão ideólogica” e que “a política se tenha tornado numa actividade desprovida de qualquer visão”. Por todas as razões aduzidas, fará sentido exigir que uma obra colectiva de História se comprometa num qualquer combate? De facto, talvez não se possa esperar que o mesmo tipo de envolvimento manifestado por Febvre seja, agora, partilhado pelos que dirigem e colaboram nestaHistória Contemporânea de Portugal. E, no entanto, quem dirige chega mesmo a declarar que a novidade da orientação, a marca de distinção deste projecto colectivo, estaria na sua orientação ibérica, atlântica e global. Um programa que, depois de anunciado, parece ter sido posto de lado, pois não serviu realmente de guião para a escrita dos cinco volumes. Porventura mais consequente ao longo da obra é a recusa em pensar qualquer tipo de nacionalismo; mas não será que com esta recusa os directores se interditam de analisar um dos objectos sem dúvida mais difíceis mas absolutamente necessários, sobretudo num quadro comparativo dos usos contemporâneos do nacionalismo posterior aos trabalhos de Benedict Anderson, Ernest Gellner e Eric Hobsbawm?O mesmo se diga da estrutura temática reproduzida geometricamente nos cinco volumes, todos divididos em “chaves do período”, política, “Portugal no mundo”, economia, “população e sociedade”, e “cultura”. Nada a opor a essa tipologia que poderá facilitar comparações de período para período, mas não será que ela supõe uma concepção do tempo a régua e esquadro que deixa escapar a percepção de uma multiplicidade de texturas temporais, em que os ritmos são diferentes segundo os vários sistemas? Ou seja, será que a economia muda ao mesmo ritmo que a política, a sociedade ou a cultura? É que bem pode Álvaro Ferreira da Silva, num dos mais brilhantes capítulos desta colecção sobre a economia, declarar que o “seu” período 1890-1930 não tem unidade, o certo é que foi nele que a sua análise teve de encaixar-se. A bem de quê? Presumo que, no seu caso, a bem de uma periodização espanhola que tem nos anos de 1890 um dos seus marcos. E o resultado é um Portugal à espanhola. . . Também passível de discussão crítica é o espaço concedido ao império colonial, que surge apenas sob o tema “Portugal no mundo”, em que inadvertidamente se reproduz uma formulação do Estado Novo que Cavaco Silva recuperou quando primeiro ministro. Umas escassas páginas por volume, que parecem emagrecer à medida que se progride no tempo, são dedicadas ao império. A responsabilidade não poderá ser atribuída aos que abordaram o tema, nos diferentes períodos, tratando o império em função das relações internacionais de Portugal. O problema está numa concepção do Portugal contemporâneo esvaziada de uma das suas dimensões essenciais — o império colonial —, ao lado das persistências de uma sociedade rural e da emigração. Quarto e último ponto, de natureza editorial, suscitador de uma série de questões: como interpretar o facto de as duas últimas histórias de Portugal lançadas no mercado terem sido promovidas por editoras ou instituições espanholas? Refiro-me à História de Portugal dirigida por Rui Ramos, em co-autoria com Bernardo Vasconcelos e Sousa e Nuno G. Monteiro (Esfera dos Livros), e, agora, à História Contemporânea de Portugal. Será esta coincidência a expressão de um genuíno interesse ibérico em conhecer o nosso país? Ou será que se trata da ocupação de um espaço deixado livre depois de uma espécie de saturação do mercado português por parte de editoras e instituições portuguesas?Em suma, as forças e fraquezas, as dúvidas e perplexidades aqui apontadas não beliscam sequer o carácter rigoroso e a capacidade de dar conta de inúmeros progressos de investigação que esta obra de síntese em si concentra. Mais: pelo seu carácter sistemático e equilibrado, fora dos luxos de campanhas publicitárias de promoção que foram possíveis algumas décadas atrás, a obra constituir-se-á num marco fundamental da historiografia portuguesa e de leitura obrigatória por parte de um público alargado.
REFERÊNCIAS:
Partidos LIVRE
Apoio a UKIP no nível mais baixo do último ano
Eurocépticos britânicos têm agora 10% das intenções de voto, contra 19% há um ano. (...)

Apoio a UKIP no nível mais baixo do último ano
MINORIA(S): Migrantes Pontuação: 6 Africanos Pontuação: 2 | Sentimento 0.0
DATA: 2015-04-29 | Jornal Público
SUMÁRIO: Eurocépticos britânicos têm agora 10% das intenções de voto, contra 19% há um ano.
TEXTO: O Partido da Independência do Reino Unido (UKIP) obteve o seu valor mais baixo na última sondagem das eleições britânicas, que acontecem a 7 de Maio: 10% contra 19% obtidos em Outubro passado. A sondagem da ComRes citada pela Reuters mostra o valor mais baixo do partido desde há um ano, e segue-se a uma série de escândalos no movimento liderado por Nigel Farage, que se distingue por uma vertente eurocéptica e uma posição dura em relação à imigração, recusando as acusações de racismo. Numa das últimas polémicas, foi este o motivo: um candidato do partido, Tim Wilson, demitiu-se depois de um deputado do Parlamento escocês ter comparado Humza Yousaf, membro do Governo escocês, a Abu Hamza, um líder religioso condenado por terrorismo. O líder do UKIP, Nigel Farage, desdramatizou “uma piada de mau gosto”. Wilson disse que os comentários racistas do partido o incomodavam, em especial a falta de crítica do líder a esta afirmação, decidindo assim afastar-se. No outro caso polémico para um partido que se apresenta como “anti-establishment” e livre dos pecadilhos dos políticos “normais”, um candidato foi afastado por ter apresentado nas suas despesas uma “conta de restaurante inflacionada”. O UKIP parece estar sobretudo a roubar eleitores aos conservadores. Nestas eleições, o primeiro-ministro conservador, David Cameron, tenta reeleger-se, e o seu partido está neste momento empatado com os trabalhistas liderados por Ed Miliband, ambos com 35% das intenções de voto. Desde Setembro de 2013 que estes dois partidos não conseguiam tão larga percentagem de votos em conjunto: 70%. A sondagem da ComRes foi conduzida antes da declaração de Cameron de que não tentaria um terceiro mandato, que lhe valeu muitas críticas por o fazer parecer contar com uma vitória que não está a parecer assim tão certa. Quanto ao UKIP, a estratégia dos tories (ou os tiros no pé do próprio UKIP) parece estar a contribuir para a descida dos eurocépticos. O Partido Conservador começou por lidar com o UKIP adoptando alguns dos seus temas – prometendo um referendo à permanência britânica na União Europeia ou cortes à imigração –, mas ignorando o partido. Nigel Farage, o seu líder, não deveria ser nomeado, assim como o partido. Mas depois de dois conservadores abandonarem o partido para se juntar ao UKIP, há cerca de seis meses os estrategas de Cameron começaram a tentar uma nova abordagem, diz o Guardian. Sublinham que, ao votar Farage, os eleitores arriscam-se a afastar Cameron do Governo e a acabar por eleger Miliband. Um dos locais interessantes para observar o UKIP nesta votação vai ser South Thanet, onde concorre o próprio Farage, que tenta pela sétima vez ser eleito deputado. Se não conseguir entrar para a Câmara dos Comuns, o líder do UKIP (desde 2006) já prometeu demitir-se. Ambos os deputados que o UKIP tem na Câmara dos Comuns foram eleitos em intercalares depois de saírem do partido de Cameron para o de Farage. Retratado como o partido que poderia definir as eleições deste ano obtendo números antecipados como vitórias históricas, o partido parece começar a diminuir o seu apoio. Nas eleições europeias de 2014, em que tipicamente os partidos de protesto têm mais votos, o UKIP fez campanha contra os imigrantes europeus que procuram trabalho no Reino Unido e que baixam os salários para os britânicos, numa série de cartazes em que foram acusados de racismo, e foi o mais votado com 26, 6%, contra 24, 4% dos trabalhistas e 23, 1% dos conservadores.
REFERÊNCIAS:
Partidos LIVRE
A França e o multiculturalismo de gueto
Está a criar-se uma sociedade explosiva em França e na Europa. Impõe-se urgentemente revertê-la. (...)

A França e o multiculturalismo de gueto
MINORIA(S): Migrantes Pontuação: 6 Africanos Pontuação: 2 | Sentimento 0.0
DATA: 2015-04-29 | Jornal Público
SUMÁRIO: Está a criar-se uma sociedade explosiva em França e na Europa. Impõe-se urgentemente revertê-la.
TEXTO: 1. Os recentes e dramáticos acontecimentos de 7/1 e de 9/1 em França trouxeram, de novo, para o centro do debate político, a discussão sobre o que deve ser uma "boa" sociedade numa democracia europeia do século XXI. No âmbito da teoria da democracia tende a ser consensual que deve ser aberta, plural e tolerar a diferença. Todavia, se isso gera um tendencial acordo, já é muito mais controverso saber qual a forma concreta como estas ideias se devem traduzir numa determinada sociedade. Mais polémico ainda é traçar o ponto até ao qual pode, ou deve, ir o grau de abertura e pluralidade de uma sociedade. Várias interrogações ocorrem aqui. A abertura ou pluralidade são um fim em si mesmos, devendo o Estado, através de políticas públicas, promover essa abertura e fomentar a diversidade cultural na sociedade? Deve antes ser neutral em relação à diversidade cultural, não interferindo nesses processos? Ou deve ainda, face à diversidade da sociedade, atuar como um elemento promotor da integração, numa certa lógica de homogeneização da cidadania?2. A discussão desta problemática está estreitamente associada ao multiculturalismo. Porém, o termo é ambíguo e susceptível de múltiplos usos. Um primeiro passo em qualquer discussão séria sobre este assunto deve ser, por isso, a clarificação do uso que se está a fazer deste. Num primeiro sentido – que é provavelmente o mais usual na linguagem comum –, o multiculturalismo descreve um facto, uma realidade da vida que é a diversidade cultural. Esta é observável, por exemplo, em qualquer uma das grandes cidades europeias – Paris é um caso óbvio –, onde circulam pessoas com diferentes aspectos étnicos, de vestuário, etc. Num segundo sentido, usado sobretudo nas discussões mais especializadas, o multiculturalismo é uma política pública de Estado (fala-se, assim, em políticas multiculturais); tem também uma dimensão ideológica, explícita ou implícita, na medida em que há um objetivo político de promover a diversidade. O pressuposto é o de que todas as culturas têm um valor idêntico e de que a construção de uma “boa” sociedade assenta na diversidade cultural, vista como um fim em si mesmo. 3. Para a discussão que aqui pretendo efetuar dois outros usos do termo são fundamentais. O multiculturalismo que designo como cosmopolita, em que pessoas e grupos minoritários oriundos de diferentes culturas se integram numa cultura maioritária e fundem os seus valores com esta, num processo fundamentalmente enriquecedor para ambas e de influencias recíprocas. E o multiculturalismo de gueto, em que a presença num mesmo país e território, normalmente suburbano, é feita através de um acantonamento em áreas específicas. Por sua vez, os contactos com a cultura maioritária da sociedade de acolhimento, as interações e a partilha de valores com o mainstream dessa sociedade são mínimos. Nos anos 1950 e 1960, quando começou o atual processo de aumento da diversidade cultural das sociedades europeias e ocidentais – essencialmente devido a fluxos migratórios ligados, ou não, à descolonização –, a expectativa era a da criação de um multiculturalismo cosmopolita. Da França à Suécia, da Itália à Holanda, da Grã-Bretanha à Alemanha, a realidade hoje mostra-nos que predomina largamente um multiculturalismo de gueto. Como se chegou a esta situação? Tipicamente, há duas lógicas explicativas que se detectam, quer nas discussões comuns, quer nas mais sofisticadas: as que colocam a culpa na sociedade de acolhimento e no grupo maioritário; e as que colocam a culpa nas populações migrantes e nas culturas minoritárias. Na primeira ótica, mais ou menos subsidiária do multiculturalismo ideológico, a explicação normalmente esgota-se num catálogo de “fobias” e “ismos” – xenofobia, racismo, islamofobia e falta de políticas sociais-multiculturais dos países de acolhimento. Na segunda ótica, próxima da extrema-direita e da direita populista, os emigrantes e/ou minorias culturais tendem a ser vistos estereotipadamente como atrasados, preguiçosos e uma fonte de despesa social para o Estado, excluindo-se, motu proprio. 4. A prevalência deste quadro mental tem criado um terreno social e político perigoso, do qual os grandes ganhadores são, por um lado, o islamismo radical – no sentido ideológico do conceito –, e, por outro, a extrema-direita e a direita populista. Vou mostrar como se tem alimentado esta engrenagem. Em primeiro lugar, importa compreender como se estratificam as nossas sociedades atualmente. Por cima, temos uma elite política, empresarial, intelectual e social que, em graus variáveis, corporiza o multiculturalismo cosmopolita atrás referido. Esta elite é sobretudo uma criação dos efeitos conjugados dos processos de integração europeia e de globalização, nas suas múltiplas dimensões. Apesar das críticas que dirige a esses processos, especialmente à globalização, sente-se, de um modo geral, confortável, ganhadora. Está mais próxima dos seus pares noutros países do que do cidadão comum do seu próprio país. Depois, na pirâmide da estratificação social, temos uma larga faixa da população, usualmente designada como classe média. Esta tem sido a mais afetada pelas transformações dos processos de integração económica e de globalização. Se isso já era verdade antes da crise de 2007/2008, agora acentuou-se drasticamente. No fundo da pirâmide social, temos as camadas baixas e populares, de dimensão mais ou menos significativa em todos os países europeus. Juntamente com a classe média e média-baixa, está aqui o núcleo duro das populações mais agarradas aos valores nacionais tradicionais. Isto ocorre devido à prevalência de uma educação mais tradicional, a níveis mais baixos de qualificações e à de falta de meios económicos. É também a faixa da população tradicionalmente destinatária das prestações sociais.
REFERÊNCIAS:
Religiões Islamismo
O ódio não dividirá Manchester, a cidade onde a música une
Ao longo dos anos, a imagem da cidade foi difundida mundialmente pela vibrante cena musical, dos Joy Division à Haçienda, projectando ideais de tolerância e de inclusão, os valores que agora parecem ter sido atacados. (...)

O ódio não dividirá Manchester, a cidade onde a música une
MINORIA(S): Migrantes Pontuação: 6 Africanos Pontuação: 2 | Sentimento -0.8
DATA: 2017-05-24 | Jornal Público
SUMÁRIO: Ao longo dos anos, a imagem da cidade foi difundida mundialmente pela vibrante cena musical, dos Joy Division à Haçienda, projectando ideais de tolerância e de inclusão, os valores que agora parecem ter sido atacados.
TEXTO: Foi há cinco anos. Estávamos na Universidade de Preston, a 20 minutos de carro do centro da cidade, na chamada "Grande Manchester", num auditório repleto ouvindo alguém especial: o músico Peter Hook, histórico baixista de Joy Division e New Order, dois emblemáticos grupos de Manchester e dos mais influentes das últimas décadas na música popular globalizada. Peter Hook discorria sobre como a segunda maior cidade inglesa se havia tornado conhecida em todo o mundo, “não só pelo Manchester United”, gracejou, mas também “por Joy Division, New Order, Fall, Smiths, Stone Roses, Happy Mondays e outros”. Às tantas, para o exemplificar, pôs a tocar Atmosphere dos Joy Division, uma das canções mais solenes alguma vez feitas, e na sala irrompeu um silêncio respeitoso. No fim, talvez para atenuar o clima emocionado, Hook disse, sorrindo: “Ao que parece é uma das canções que as pessoas mais gostam de tocar em funerais. ”É bem provável que por estes dias essa mesma canção esteja a ser ouvida em alguns dos funerais das vítimas do atentado de segunda-feira. Para ocasiões mais celebrativas os grupos da cidade têm também muito para oferecer. Talvez nenhuma outra urbe inglesa respire tanto a cultura musical, e tudo o que ela projecta, ao nível da criatividade, da tolerância, da diversidade, da inclusão e da independência, como Manchester. Nunca saberemos se esses valores estiveram na base do ataque. Mas pode dizer-se que constituem a antítese do que o Daesh, que reivindicou o atentado, representa, como foi lembrado por Tim Jonze no The Guardian. “You’ve got the wrong city if you think hate will tear us apart”, escreveu depois dos ataques Dave Haslam, um dos DJ que passaram pelo mítico clube Haçienda, numa alusão a uma outra conhecida canção dos Joy Division: Love will tear us apart. A mensagem, que tem sido repetida nas últimas horas, é clara: apesar do ataque, em Manchester, professa-se a ligação entre todos e o desejo de continuar com um estilo de vida em que a música e a cultura surgem como um dos símbolos mais fortes de celebração da existência. Ao longo dos anos, em diversas manifestações culturais pelas quais a cidade ficou conhecida, é como se a música tivesse funcionado como essa utopia e que, independentemente da origem, da idade, da cor da pele, da religião, da carteira, da classe social ou da roupa, todos pudessem unir-se e partilhar os mesmos valores. Aconteceu isso, por exemplo, com a experiência da editora Factory ou do clube Haçienda, exemplos de paixão e independência, que influenciaram gerações, apesar de a cidade, na segunda metade dos anos 1970 e início dos anos 1980, ser bastante diferente da de hoje. A meio dos anos 1970, em Londres, os Sex Pistols e os punks olhavam com raiva para o estado do mundo. Em Manchester acontecia o mesmo, mas anos mais tarde também se começou a olhar para dentro, com desespero, e sem ironia, e grupos como Joy Division, Durutti Column – que gravaria um álbum em Lisboa intitulado Amigos em Portugal – ou A Certain Ratio, todos reunidos na editora Factory de Tony Wilson, davam nas vistas. Com o fim dos Joy Division, depois do suicídio do cantor Ian Curtis, e o nascimento dos New Order, uma nova era é prenunciada, com música mais física, tecnológica e intercultural, reflectindo as diversas miscigenações culturais da cidade, abrindo caminho para a cultura acid-house e para a afirmação de grupos como Stone Roses ou Happy Mondays. É a época de ouro do Haçienda, onde todas as mesclas sociais são possíveis, como é retratado no documentário 24 Hour Party People (2002). Nos anos 1990, quando as indústrias culturais e criativas passaram a constar da agenda política, Manchester era invariavelmente referida como um exemplo de como uma cidade que anteriormente parecia fragilizada havia ganho uma nova dinâmica. Em termos urbanísticos, zonas industriais anteriormente esquecidas foram recuperadas e as actividades culturais, em particular a música, emergiram como a sua principal montra de afirmação. Apostou-se na atracção de massa crítica, através da promoção da tolerância e de políticas de imigração progressistas, ao mesmo tempo que se projectava um ambiente cultural vibrante, com um planeamento urbano capaz de proporcionar qualidade arquitectónica. Não espanta que nesses anos um dos principais directores criativos na operação de revitalização da cidade tenha sido Peter Saville, um conhecido designer que havia alcançado fama a desenhar as capas dos discos dos Joy Division e New Order, num estilo depurado, minimalista, eterno. Numa conferência realizada em 2009, no âmbito da ExperimentaDesign, dizia que o seu desafio “era perceber como Manchester podia ser única, original e moderna”. Hoje o cinzento industrial do Norte de Inglaterra ainda se sente por aquelas bandas, mas acima de tudo vislumbra-se o caleidoscópico vibrante de uma cidade cosmopolita. É ali que acontece um dos festivais multidisciplinares mais estimulantes da Europa na actualidade – o Manchester Internacional Festival, que decorre todos os anos em Junho – e é também ali que está a ser construído um novo e gigante centro de artes pelo arquitecto Rem Koolhaas. A cidade vive dias de luto – mas a música não se silenciará. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público.
REFERÊNCIAS:
Palavras-chave imigração cultura suicídio ataque social luto
Facebook deixa páginas com muitos likes ignorar regras
Celebridades, políticos e páginas com muitos seguidores seguem regras especiais no Facebook. A rede social diz que o objectivo é garantir que pontos de vista controversos não são eliminados, mas uma investigação do canal britânico Channel 4 apresenta o dinheiro como outro argumento. (...)

Facebook deixa páginas com muitos likes ignorar regras
MINORIA(S): Migrantes Pontuação: 6 Africanos Pontuação: 2 | Sentimento 0.5
DATA: 2018-07-20 | Jornal Público
SUMÁRIO: Celebridades, políticos e páginas com muitos seguidores seguem regras especiais no Facebook. A rede social diz que o objectivo é garantir que pontos de vista controversos não são eliminados, mas uma investigação do canal britânico Channel 4 apresenta o dinheiro como outro argumento.
TEXTO: O Facebook admitiu que as páginas mais populares têm direito a excepções quando partilham conteúdo problemático. Mesmo com várias publicações que violem as regras do site (por exemplo, imagens de violência), estas páginas não podem ser eliminadas directamente pelas pessoas contratadas para rever o conteúdo do site. Em vez disso, passam por aquilo que a empresa chama de shielded review (“revisão à porta fechada”). O processo é explicado num documentário do canal britânico Channel 4, que enviou um repórter para trabalhar, à paisana, na CPL Resources, em Dublin, uma empresa contratada pelo Facebook para fazer a moderação de conteúdo no Reino Unido. O objectivo era perceber o trabalho das pessoas que têm o poder de decidir sobre o que deve, e não deve, ser publicado na rede social. Durante o período de formação, um moderador da CPL Resources diz ao repórter que páginas extremistas como a organização ultranacionalista Britain First não são logo eliminadas, mesmo quando partilham várias publicações racistas, porque “têm muitos seguidores, e por isso geram uma grande receita ao Facebook”. Apesar de queixas repetidas, a página só foi removida do site em Março de 2018, depois dos líderes serem detidos por uma série de crimes de ódio contra muçulmanos. Em teoria, páginas do Facebook com cinco ou mais publicações, vídeos ou imagens apagadas por violar as regras do site são logo eliminadas. As excepções deviam ser reservadas apenas a páginas de agências noticiosas e governos que precisam de ter as publicações avaliadas por uma equipa de revisores adicional para perceber se têm mesmo conteúdo proibido (como nudez e violência) ou estão a relatar acontecimentos. Em Outubro de 2016, por exemplo, a rede social foi criticada por eliminar imagens de Kin-Phuc, a criança a correr nua para fugir de uma bomba de napalm, durante a guerra do Vietname, apesar do seu elevado relevo histórico. Porém, como o Channel 4 mostra, publicações problemáticas de páginas muito populares como celebridades ou grupos extremistas também são enviadas para uma equipa do próprio Facebook rever à porta fechada. Com 900 mil seguidores, a página ultranacionalista de Tommy Robinson, o antigo líder da organização britânica anti-islão English Defense League (EDL), é outro exemplo de uma página com regras especiais. A rede social confirma o processo, mas diz que não é uma questão de dinheiro. “Isto é sobre discurso político. As pessoas estão a debater coisas muito sensíveis no Facebook, incluindo a imigração. Não querer mais imigração em certas partes do mundo, pode ser um ponto de vista legítimo”, explica Richard Allan, o responsável pelas soluções políticas do Facebook, quando foi contactado pelo Channel 4. “Ter mais pessoas responsáveis pela revisão do conteúdo em páginas onde está a ocorrer debate faz todo o sentido, e acho que as pessoas esperam que nós sejamos cuidadosos antes de remover os seus pontos de vista políticos. ” Para Allan, a informação dada pelos moderadores do documentário resulta de rotinas de formação desactualizadas com material incorrecto. Contactado pelo PÚBLICO, a equipa da rede social remete para a transcrição completa da entrevista entre Richard Allan e o jornalista do canal de televisão. Para o Facebook, a análise apresentada pelo canal de televisão não é correcta. “Fazemos dinheiro através de anúncios na rede social. Tal como quando se vê televisão, a experiência é interrompida por um breve anúncio. Isso não está associado a qualquer tipo de conteúdo. Conteúdo chocante não nos dá mais dinheiro”, diz Richard Allan, no documento. O responsável pelas soluções políticas do Facebook explica ainda que, por vezes, são os próprios pais de crianças a serem atacadas em vídeos violentos que não querem ver as publicações fora da rede social para que mantenham como um alerta. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Em declarações ao Channel 4, Roger McNamee, um dos primeiros investidores do Facebook, argumenta, porém, que “é desejável ter pessoas a passar mais tempo no site quando se tem um negócio baseado em publicidade” e que, por isso, que “conteúdo extremista pode ser visto como uma fonte de lucro”. Apesar de discordar com essa visão, o Facebook admite que os erros com o processo de revisão apresentados no documentário são uma fraqueza. Outro dos problemas foi a forma como os moderadores eram treinados para ignorar provas de que utilizadores com menos de 13 anos usavam o site. “A pessoa tem de admitir, ela mesma, que é menor. Caso contrário, fingimos que somos cegos", disse um dos responsáveis pela formação, ao jornalista. De acordo com a rede social, desde as filmagens a equipa de moderadores da CPL Resources, em Dublin, já teve acesso a novas formações. A controvérsia com o documentário, chega numa altura em que várias redes sociais estão a ser alvo de escrutínio nos EUA sobre a forma como não impedem conteúdo problemático e ofensivo de circular nos seus sites. Esta terça-feira, executivos do Facebook, Twitter e Youtube vão prestar declarações à Comissão de Assuntos Judiciários da Câmara dos Representantes, nos EUA, sobre como estão a tentar resolver o problema.
REFERÊNCIAS:
Entidades EUA