Aventuras de Chicago em Guimarães, terra de Mucho Flow
A 3 de Outubro, os Bitchin Bajas montam a sua máquina de sonhos no Centro para os Assuntos da Arte e Arquitectura de Guimarães. (...)

Aventuras de Chicago em Guimarães, terra de Mucho Flow
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 | Sentimento 0.0
DATA: 2015-05-01 | Jornal Público
SUMÁRIO: A 3 de Outubro, os Bitchin Bajas montam a sua máquina de sonhos no Centro para os Assuntos da Arte e Arquitectura de Guimarães.
TEXTO: Robert Fripp tinha as Fripptonics, eles, os Bitchin Bajas, inventaram as Bitchitronics. É mais do que piada: como Fripp, sobem aos céus por via da tecnologia, moldando o som às suas ambições ascéticas. Bitchitronics é o nome do álbum que os músicos de Chicago lançaram em 2013 na Drag City, música sem estrutura feita de diálogos de loops (a parte maquinal) e manipulação zen (a parte humana). No final de Agosto último, lançaram um disco homónimo onde ouvem-se cordas plácidas, padrões de percussão sonhadora, flautas panteístas e mantos de som hipnótico – só coisas boas. A 3 de Outubro, os Bitchin Bajas montam a sua máquina de sonhos no Centro para os Assuntos da Arte e Arquitectura (CAAA) de Guimarães. É a segunda edição do festival Mucho Flow, organizada pela promotora local Revolve, que leva cinco anos de vida. O minifestival terá também o krautrock dos Cave, conterrâneos e colegas de editora (a Drag City) dos Bitchin Bajas. Deles já se disse que mostram o quão vital o riff ainda é. Fazem-no recuperando as frases repetitivas da parte mais excitante do rock alemão dos anos 1970: repetição na bateria metronómica na motorik; repetição no velho órgão que enche o som; repetição no baixo que bombeia energia e impõe o mergulho de quem escuta. O krautrock está vivo e mora em Chicago. O Mucho Flow terá ainda as magníficas canções de Love, o magnífico álbum que Amen Dunes lançou este ano. Damon McMahon quis fazer “um disco de escritor de canções produzido por uma banda de jazz espiritual, como se Elvis tivesse Pharoah Sanders a apoiá-lo” – seja lá o que isso for. Em vez disso, fez um conjunto de deliciosos lamentos acústicos e eléctricos. A ZDB também o receberá, a 4 de Outubro. Os norte-americanos The Vacant Lots, duo rock’n’roll que deve tanto aos Gun Club como aos Jesus and Mary Chain (o álbum de estreia, Departure, saiu em Julho), Sculpture (outro duo, que cruza a música – ruidosa e hiperactiva, como a dos Black Dice – com a animação), os vimaranenses Toulouse e Movimento Perpétuo e DJ Lynce preenchem o cartaz do Mucho Flow, que promete música das 19h30 às 4h.
REFERÊNCIAS:
Tempo Outubro Julho Agosto
Por que razão surge a arte?
O aparecimento da representação simbólica em suporte material só foi possível porque o Homo sapiens dispunha de uma notável capacidade inexplorada de pensamento simbólico. (...)

Por que razão surge a arte?
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 | Sentimento 0.0
DATA: 2015-05-01 | Jornal Público
SUMÁRIO: O aparecimento da representação simbólica em suporte material só foi possível porque o Homo sapiens dispunha de uma notável capacidade inexplorada de pensamento simbólico.
TEXTO: No último verão, tive uma experiência inesquecível no Sul de França, na região dos Pirenéus, ao visitar a gruta de Niaux, no vale de Vicdessos. Feita uma reserva com grande antecedência, cheguei na hora e dia combinados e, na imensa entrada natural da gruta decorada por uma bela escultura metálica do arquiteto Massimiliano Fuksas, formou-se um grupo de cerca de vinte pessoas munidas de lanternas portáteis. Penetrámos na completa escuridão da caverna e caminhámos lentamente num solo pedregoso e encharcado com poças de água, uma distância de cerca de 800 metros. Apontei diversas vezes a lanterna para as paredes daquelas vastas abóbadas cobertas de estalactites, na busca de algum sinal humano, mas em vão. Quando o cansaço começava a ganhar o grupo, o chão ficou enxuto, começámos a andar sobre areia, cascalho e rochas cristalinas e chegámos a uma sala vasta, mas de teto baixo. À entrada, à direita, a parede angulosa estava coberta de variados sinais e figuras geométricas de cor vermelha, incluindo os claviformes que provavelmente caracterizam uma cultura, ao surgir repetidos desde as grutas do Cantábrico, em Espanha, até aos Pirenéus franceses. Mais adiante, virámos para uma galeria larga em que o terreno arenoso sobe até se atingir uma sala circular de proporções majestosas e de paredes onduladas que o arqueólogo Émile Cartailhac, em 1906, designou por Salão Negro. É nas paredes desta sala que se encontram desde há cerca de 13. 000 anos desenhos magníficos de bisontes, cavalos e cabras (Capra ibex). Curiosamente, não há representações de renas, que constituíam a principal fonte alimentar destes nossos antepassados. São frisos sucessivos de desenhos feitos com uma mistura de carvão vegetal, dióxido de manganés e gordura animal a servir de ligante, subtis, expressivos e que nos permitem “ver” os animais, por vezes em alto-relevo, aproveitando as formas das paredes. Picasso, quando viu pela primeira vez as gravuras de Altamira, pertencentes à mesma cultura magdaleniana que floresceu entre 17. 000 e 12. 000 anos atrás, exclamou: “Después de Altamira todo el arte parece decadente”. Há mais desenhos nas paredes das imensas galerias de Niaux, mas a maior parte está no Salão Negro. Porquê?É impossível responder à maioria das perguntas que nos ocorrem quando apreciamos a arte rupestre do Paleolítico Superior. Contudo, o Salão Negro é magnífico na sua forma, na proporção das suas dimensões, no seu isolamento e posição recuada no interior da gruta. Muito provavelmente os Homo sapiens que o decoraram pensariam algo semelhante. Não há vestígios de a gruta de Niaux ter sido habitada pelos humanos, mas sabe-se que era visitada por adultos e também por crianças, cujas pegadas na lama se fossilizaram e são ainda visíveis. Note-se que, apesar da entrada da gruta estar relativamente elevada na encosta da montanha, é possível concluir que, há cerca de 20. 000 anos, em pleno período glacial, quando a temperatura média global atingiu um mínimo, o vale de Vicdessos estava coberto por um glaciar que bloqueava a entrada da gruta. Só mais tarde, há cerca de 14. 000 anos, quando o clima aqueceu, a entrada da gruta ficou liberta, permitindo que os caçadores-recolectores madgalenianos a descobrissem, explorassem e desenhassem nas suas paredes. Para entrar na gruta era preciso caminhar na encosta íngreme ao lado de um grande glaciar. A entrada da gruta ficava no limite da imensa região de glaciares e campos de gelo que cobriam os Pirenéus no último período glacial. Era a fronteira mais avançada sobre uma barreira de gelo, fatal e intransponível, e também o ponto de passagem da caça que no Outono descia das montanhas para os vales. Perante este cenário e o pouco que se consegue reconstruir sobre essa época, surgem as perguntas: qual a origem e a razão da arte rupestre pré-histórica? Qual a origem da representação simbólica em suporte material?Há muitos sistemas de explicações para responder a estas perguntas, tais como a magia da caça, os rituais de fecundidade, os “mitogramas” de André Leroi-Gourhan, o “diálogo com a gruta” de Michel Lorblanchet e, mais recentemente, o xamanismo de Jean Clottes. Todas estas conceções são esclarecedoras e importantes para procurar compreender a arte do Paleolítico Superior, mas necessariamente parciais. Em lugar de as aplicar e debater detalhadamente, procuremos traçar uma visão evolutiva mais abrangente. O Homo sapiens surgiu em África há cerca de 200. 000 anos, saiu desse continente através do Médio Oriente há cerca de 70. 000 anos e começou a colonizar a Eurásia e em particular a Europa Ocidental há aproximadamente 50. 000 anos, onde ficou conhecido por Cro-Magnon, nome da gruta em Les Eyzies, no Sudoeste de França, onde os primeiros fósseis foram descobertos, em 1868. Durante aquele longo período de tempo até há 50. 000 anos a representação simbólica foi pouco expressiva e limitou-se a pinturas corporais, tatuagens, objetos de adorno, tais como colares de dentes ou de conchas furadas. Os registos gráficos mais antigos são sinais gravados nas paredes rochosas ou em pequenas placas, pontos alinhados, traços paralelos, círculos, cruzes, retângulos e também desenhos de mãos e de vaginas. Há cerca de 40. 000 anos na Europa, no período da cultura do aurignaciano, as formas de representação simbólica dos Cro-Magnon diversificaram-se de forma extraordinária. Surgem novas técnicas de caçar e de produzir artefactos talhados na pedra, no osso e no marfim de mamute. Há uma grande variedade de imagens de humanos e de animais, desenhadas, gravadas, pintadas, esculpidas e também de objetos de adorno. Entre as esculturas mais antigas e notáveis está a Vénus de Hole Felds, descoberta em 2008, com uma idade compreendida entre 40. 000 e 35. 000 anos, e a mulher-leoa da gruta de Stadel, com cerca de 40. 000 anos. Qual a razão desta aceleração do desenvolvimento cultural? Não sabemos ao certo, mas há várias conjeturas. Poderá ter resultado do encontro do Homo sapiens, adaptado fisiologicamente aos climas de África, com populações de Homo neanderthalensis, adaptado aos climas mais frios da Europa, onde se encontravam há mais de 300. 000 anos, e com as quais competiam por recursos naturais escassos e aleatórios. Outra hipótese, porventura mais provável, é ter origem numa evolução social resultante de uma maior densidade demográfica das populações de Homo sapiens. A maior proximidade promoveu uma interação social mais complexa, propiciadora do desenvolvimento de aptidões e manifestações culturais transmissíveis de geração em geração. Desde o seu aparecimento, o Homo sapiens tinha uma capacidade potencial para o pensamento simbólico, conferida pela sua configuração biológica, especialmente no que respeita ao cérebro, mas só mais tarde esta capacidade foi usada e desenvolvida com estímulos exteriores. Os humanos utilizavam certamente formas de representação sem suporte material, a mais importante das quais terá sido a linguagem. Mas as representações verbais são insuficientes para manter a coesão de sistemas sociais com comportamentos e identidades de complexidade crescente. As representações em suporte material completam e valorizam a linguagem. Devido à sua durabilidade, podem ser partilhadas por várias gerações, o que, além de lhes conferir uma autoridade acrescida, permite-lhes transmitir as mensagens que transportam muito para além da vida dos seus autores. Conseguir reproduzir, no fundo de uma gruta, a visão de bisontes e cavalos por meio de simples traços e manchas feitas com misturas de pós minerais e gordura deveria ser algo extraordinário, misterioso e deslumbrante para os que viam as obras, fossem contemporâneos dos autores ou seus descendentes. Hoje em dia, quando vemos as pinturas de Altamira, Lascaux, Chauvet, Niaux e de muitas outras grutas, o nosso deslumbramento é diferente e resulta do mistério da origem da representação simbólica e da beleza daquelas imagens primordiais no contexto da história da arte, um conceito que é um produto das sociedades ocidentais modernas. O aparecimento da representação simbólica em suporte material, ou representação plástica, só foi possível porque o Homo sapiens dispunha de uma notável capacidade inexplorada de pensamento simbólico que os seus antepassados e o Homo neanderthalensis não possuíam ou não chegaram a usar. Nas condições específicas que o Homo sapiens encontrou na Europa, onde coabitaram pela última vez duas espécies do género Homo, a representação simbólica por meio de gravuras, pinturas e esculturas antropomórficas e de animais foi provavelmente uma forma de adaptação de natureza cultural. A representação plástica não floresceu apenas na Europa, mas em todos os continentes e regiões habitadas pelo Homo sapiens, o que revela ter sido uma inovação cultural progressivamente selecionada à escala global devido às vantagens que trouxe para os grupos que a adotaram e desenvolveram. As representações plásticas através do mundo e da história adquiriram um valor e uma diversidade notáveis, fruto das suas funções específicas no contexto social, religioso, político, económico e ambiental em que se inseriram e da criatividade dos seus autores. Hoje em dia, integramos estas representações na história da arte, mas importa não esquecer que o conceito de arte pela arte surgiu apenas no princípio de século XIX.
REFERÊNCIAS:
Palavras-chave humanos cultura mulher negro social género animal marfim
Fascismo é quando um homem quiser
O texto de José Rodrigues dos Santos representa um lamentável exemplo de como uma amálgama confusa de referências e factos históricos pode conduzir a conclusões erradas. (...)

Fascismo é quando um homem quiser
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 | Sentimento 0.2
DATA: 2016-06-12 | Jornal Público
SUMÁRIO: O texto de José Rodrigues dos Santos representa um lamentável exemplo de como uma amálgama confusa de referências e factos históricos pode conduzir a conclusões erradas.
TEXTO: Em 2016, o panorama editorial português fica marcado pela publicação de dois best-sellers altamente tóxicos: O Pavilhão Púrpura, de José Rodrigues dos Santos, e A Minha Luta, de Adolf Hitler. Em O Pavilhão Púrpura, Rodrigues dos Santos sustenta que o "fascismo alemão" se chamava "nacional-socialismo" por uma razão muito simples: o sufixo "socialismo" significa que o nazismo é um movimento de origem marxista. Em A Minha Luta, logo no segundo capítulo, Adolf Hitler descreve os seus tempos em Viena, e diz: "Foi nessa altura que os meus olhos se abriram para dois perigos que eu mal conhecia e cuja assustadora importância para a existência do povo alemão eu estava longe de suspeitar: o marxismo e o judaísmo". Um pouco mais à frente, Hitler confessa: "Fiz um esforço sobre mim próprio e tentei ler as produções da imprensa marxista, mas a repulsa que elas me inspiraram acabou por tornar-se tão forte que procurei conhecer melhor os que urdiam estas canalhices". Eram os judeus, obviamente. "Contudo, dos milhões de palavras proferidas por Hitler de que há registo, nenhuma indicia que se debruçou sobre os escritos teóricos do marxismo, que tenha estudado Marx ou Engels, ou Lenine (que esteve em Munique não muito antes dele), ou Trotsky (seu contemporâneo em Viena). Fosse em Munique ou em Viena, Hitler não lia para se cultivar ou aprender, mas para confirmar os seus preconceitos", escreve Kershaw na sua monumental biografia do líder nazi (cf. Ian Kershaw, Hitler, Vol. 1 – 1889-1936: Hubris, Londres, 1998, pág. 84). Adolf Hitler, portanto, nem sequer leu Karl Marx antes de se proclamar anti-marxista. E José Rodrigues dos Santos, pelos vistos, nem sequer leu Adolf Hitler antes de proclamar que o nacional-socialismo tem origem no marxismo. Quanto ao fascismo em termos mais genéricos, recomenda-se-lhe a leitura de um livro saído entre nós em 2011. Logo nas primeiras páginas de Fascistas, Michael Mann tem um capítulo chamado Para uma definição de fascismo (pp. 34ss). Aí, passa-se em revista a abundante literatura académica que tem sido produzida pelos maiores especialistas mundiais sobre o tema. Certamente por lapso ou lamentável distracção, não se menciona o nome do doutor Rodrigues dos Santos, nem os seus recentes trabalhos de filosofia política, como As Flores de Lótus e O Pavilhão Púrpura, ambos demonstrativos da tese de que o fascismo tem origem no marxismo. Mas Michael Mann cita, por exemplo, o insuspeito Ernst Nolte, que, num clássico de 1963 (Der Fascismus in seiner Epoche), identificou um "mínimo fascista", o qual combina três "antis" ideológicos: o antiliberalismo, o anticonservadorismo e… o antimarxismo. No esmagador History of Fascism (1995), Stanley Payne considera a definição de Nolte insuficiente, mas adere à sua ideia de que o antimarxismo constitui uma das características essenciais do fascismo. O texto de Rodrigues dos Santos publicado neste jornal representa um lamentável exemplo de como uma amálgama confusa de referências e factos históricos pode conduzir a conclusões erradas, sobretudo quando se pretende, com pontinha de imodéstia, apresentar um sound bite provocatório, estratagema promocional que, de resto, já fora usado pelo autor no lançamento de outros títulos da sua pavorosa bibliografia. Concedendo-lhe um piedoso benefício da dúvida, podemos até pensar que o autor acredita mesmo naquilo que diz, julgando ter feito descobertas revolucionárias, assombrosas, como os heróis dos seus romances. Nesse caso, o problema será de outro foro, mais grave, surgindo geralmente diagnosticado com o epíteto de mitomania. Metendo-se por caminhos sinuosos e veredas que não conhece, o autor de O Pavilhão Púrpura julga que descobriu uma "verdade" onde afinal só existia uma ignorância – a sua. Como se estivesse perante um júri académico ou numa sala de audiências, convoca as "provas que apresento nos meus romances". Infelizmente, nada apresenta de novo. O socialismo juvenil de Mussolini, por exemplo, foi minuciosamente descrito por Renzo de Felice em Mussolini il revoluzionario, 1883-1920 (Turim, 1965, pp. 1-200), por Luciano Dalla Tana em Mussolini massimalista (1964), por Emilio Gentile em Mussolini e "La Voce" (1976) ou por Gerhardo Bozetti em Mussolini direttore dell’Avanti (1979). A esta excelsa bibliografia deveremos juntar, a partir de agora, dois romances de José Rodrigues dos Santos, que, ao contrário da presunção do autor, nada acrescentam ao que já consta de publicações respeitáveis como a Wikipedia, quer sobre a influência de Sorel e de Michels, quer sobre as metamorfoses do sindicalismo revolucionário em Itália. A complexa e turbulenta evolução dos movimentos políticos italianos, aliás, passa completamente ao lado do nosso romancista de sucesso. Não se tem presente, por exemplo, que na fundação, em 1919, na Piazza Santo Sepolcro de Milão, dos Fasci Italiani di Combatimento, é já bem notório o predomínio do sindicalismo nacionalista sobre o sindicalismo revolucionário. Dizer que "o fascismo tem origem no marxismo" estará correcto, num certo sentido, mas é o mesmo que dizer nada, absolutamente nada, do ponto de vista historiográfico e politológico. Como observa Ernst Nolte, é óbvio que sem o marxismo não existiriam o fascismo e o nazismo, justamente porque estes se afirmaram como anti-marxistas (e, para ser coerente, entre as "provas" que revela nos seus romances Rodrigues dos Santos deveria ter apresentado declarações a favor do ideário marxista feitas por Mussolini na sua fase fascista pós-1920 ou por Adolf Hitler nas páginas de Mein Kampf). Em suma, para o ponto que interessa – a classificação tipológica dos regimes políticos – qualificar o fascismo como um movimento de origem marxista é um erro, pois as supostas "raízes marxistas" do fascio não caracterizam a essência do seu perfil. Pegando no texto de Rodrigues dos Santos, também poderemos dizer, se quisermos, que o fascismo tem origem no evolucionismo de Darwin ou que o nazismo se inspirou nas leis de Newton. Entra-se no vale-tudo, pois, de facto, isto anda mesmo tudo ligado. Com jeito e audácia, poderemos até sustentar que o Benfica foi campeão de futebol este ano porque o Beira-Mar falhou aquele penálti decisivo contra o Leixões nas semifinais da Taça de 1967. Já agora, e porque nestes últimos livros se aventurou por terras do Oriente, Rodrigues dos Santos deveria ter referido o "fascismo japonês", de que os soviéticos começaram a falar em 1934. A esse propósito, poderia até ter citado o nome do jornalista nipónico Motoyuki Takabatake (1886-1928), antigo anarquista que traduzira O Capital em 1924 e, pouco depois, abraçava a causa nazi – mais uma prova irrefutável de que "o fascismo tem origem no marxismo". À defesa, Rodrigues dos Santos vem agora dizer que o pensamento dos fascistas "continuou a evoluir", o que é próprio dos seres humanos e doutros animais. Todavia, não esclarece os leitores que, na sua etapa plenamente fascista, Mussolini já havia rompido com o socialismo de juventude. Rodrigues dos Santos afirma, por último, que os fascistas se declararam como antimarxistas, "o que, a partir de certo ponto, realmente aconteceu". É nesse ponto que bate o ponto. Foi precisamente a partir daí que o fascismo se afirmou, cresceu e alcançou o poder, florescendo como um movimento que não só não era marxista como se manifestava, na teoria e na prática, como militante e combativamente antimarxista. Como nota Stanley Payne, só no Outono de 1920 o termo "fascismo" se tornou uma expressão corrente, servindo para designar os cada vez mais violentos Fasci di Combatimento, que se afirmavam nas ruas como vanguarda agressiva e nacionalista de uma "guerra contra o bolchevismo". O número de filiados passou de 20. 000, em finais de 1920, para 100. 000, em Abril de 1921, quase duplicando esta cifra no mês seguinte. Em Novembro, os Fasci tinham já 320. 000 aderentes. Eram agora um movimento de massas, com muitos membros que, sobretudo nas zonas rurais do Norte de Itália, passaram directamente da CGL socialista para o fascismo. As eleições de 1921 foram um triunfo pessoal de Mussolini, tendo os socialistas descido de 32% para 24% e o novo partido comunista obtido uns ínfimos 2, 8%. A campanha eleitoral foi de enorme violência: de acordo com um relatório policial, nos primeiros quatros meses de 1921 houve, no mínimo, 206 assassinatos políticos. A violência era tanta que Mussolini foi instado a controlar as suas hostes, expulsando do movimento criminosos de delito comum e outros militantes particularmente agressivos. No dia a seguir às eleições, foram mortos 10 socialistas. Estes reagiram com igual violência, matando 18 "camisas negras" em Génova, em Julho de 1921. De vendetta em vendetta, foi impossível alcançar a paz; e Mussolini percebeu que era melhor organizar a violência a seu favor do que tentar controlá-la. Transformados os Fasci no Partito Nazionale Fascista, este configura-se como uma organização paramilitar e, em Outubro de 1922, marcha sobre Roma, sendo dispensável contar o resto da história. De há muito que os socialistas eram os alvos principais da violência dos fascistas (e vice-versa, note-se), pelo que dizer que o "fascismo tem origem no marxismo" é não perceber nada da sequência temporal dos factos. Numa síntese arriscada, quando o fascismo verdadeiramente surge, quando emerge como autêntico fascismo, de há muito tinha abandonado as suas origens sindicalistas-revolucionárias; e, mais ainda, agora perseguia a tiro e a golpes de navalha os socialistas e os membros de outros grupos de esquerda. De permeio, é certo, muitos dirigentes fascistas das zonas rurais gritaram "a terra a quem a trabalha". Talvez num próximo romance José Rodrigues dos Santos nos traga a revelação sensacional de que as ocupações no Alentejo em 1975 tiveram origem em Mussolini e nos seus adeptos. Que Deus lhe perdoe. Jurista e historiador
REFERÊNCIAS:
Religiões Judaísmo
Até sempre, engenheiro Belmiro
Sendo jornalista do PÚBLICO desde a sua fundação, há um lado de Belmiro de Azevedo pelo qual tenho um particular interesse, admiração e gratidão. (...)

Até sempre, engenheiro Belmiro
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 | Sentimento 0.0
DATA: 2017-12-04 | Jornal Público
SUMÁRIO: Sendo jornalista do PÚBLICO desde a sua fundação, há um lado de Belmiro de Azevedo pelo qual tenho um particular interesse, admiração e gratidão.
TEXTO: Belmiro de Azevedo foi um grande empresário, não só em Portugal. Foi-o à escala global. Construiu o seu percurso e o seu império empresarial sabendo investir e sabendo gerir, dois conceitos que parecem ter caído em desuso num país em que o amiguismo e o tráfico de influências (“cunha”, em linguagem popular) se tornaram as armas para construir carreiras de gestores e empresas, além, claro, para conseguir crédito bancário. Belmiro de Azevedo era um grande empresário e, como tal, era determinado. Ao ponto de não se calar. Ao ponto de, por diversas vezes, ter lançado comentários violentos, sobre o país ou sobre a classe política. Ao ponto de ter entrado em polémicas com o poder institucional. Aconteceu há uma década com o Governo de José Sócrates a propósito da compra da Portugal Telecom, em que o Estado usou a golden share para impedir a Sonae de lançar uma OPA sobre esta empresa de comunicações. Mas aconteceu também antes com Cavaco Silva a propósito do Banco Português do Atlântico (BPA). E com António Guterres novamente em relação ao BPA. Belmiro de Azevedo não se coibia de ser provocador. Um dos exemplos ficou nos anais da história parlamentar, quando foi chamado a uma comissão de inquérito ao suposto favorecimento da Sonae pelo Governo de Guterres pedido pelo PSD de Marcelo Rebelo de Sousa. Fazendo saber que começava a trabalhar cedo, exigiu ser ouvido às 8h da manhã, obrigando os deputados a antecipar a reunião. Belmiro de Azevedo tinha três características que prezo particularmente. Sabia apostar nos outros, confiava e promovia aqueles em quem via capacidades e mérito. Preparava-se intelectual e tecnicamente, sempre, para enfrentar os riscos dos negócios em que se metia. E, last but not the least, não tinha medo de correr riscos. E correu-os. Belmiro de Azevedo era um homem desassombrado. Mas Belmiro de Azevedo era igualmente um homem simples. Mais: não era deslumbrado. O dinheiro nunca lhe subiu à cabeça. Percebi a sua frugalidade e despojamento quando, em 1999 — naquela que foi a primeira das grandes entrevistas que deu ao PÚBLICO —, acompanhei a Teresa de Sousa e o Pedro Camacho ao Algarve, para o entrevistarmos, estava ele de férias num resort da Sonae. Deliciei-me não só com a frontalidade e até ironia das respostas mas também com a gestualidade e os hábitos de pessoa comum, de pessoa que era o que era, sem armações, sem pseudobetices, sem “ceninhas postiças”. Senti mesmo um prazer íntimo ao ver o à-vontade com que nos recebeu de calções e bebia goles de Água das Pedras pela garrafa. Como é normal, sendo jornalista do PÚBLICO desde a sua fundação e tendo entrado nesta redacção em Setembro de 1989 como estagiária — ainda o jornal ia começar a treinar os “números zero” —, há um lado de Belmiro de Azevedo pelo qual tenho um particular interesse, admiração e gratidão: a forma como soube perceber o projecto jornalístico que lhe foi apresentado no final dos anos 80 do século passado por Vicente Jorge Silva, Augusto Seabra, Jorge Wemans, José Manuel Fernandes e Nuno Pacheco. Fê-lo com desprendimento, com distanciamento, com frieza de cálculo de gestão e com visão estratégica. Percebeu que podia revolucionar a comunicação social em Portugal e arriscou. Fez um jornal que marcou e marca o panorama da comunicação social portuguesa. É certo que o PÚBLICO foi um investimento financeiro que raramente deu lucro. É certo que várias vezes Belmiro de Azevedo deu um murro na mesa. Chegou a dar um prazo de vida ao jornal. Mais de uma vez, o PÚBLICO sofreu convulsões, cortes e constrangimentos por razões financeiras. O que me parece legítimo como acto de gestão do ponto de vista do empresário, já que, sendo também um investimento, não era nem deve ser para perder dinheiro, ou pelo menos não perder muito. Creio, contudo, que Belmiro de Azevedo sempre aceitou perder dinheiro com o jornal porque sabia que o PÚBLICO era e é muito mais do que isso. É um projecto que tem uma função social. É um agente de uma sociedade democrática. E creio estar certa quando penso que Belmiro de Azevedo sempre se orgulhou de fundar e de ser dono do PÚBLICO. É preciso dizer, porém, que Belmiro de Azevedo nunca se serviu do jornal. Não interferiu na linha editorial nem no trabalho da redacção. E manteve sempre a devida distância. Visitou duas vezes a redacção, uma no início, outra quando o jornal se mudou, em 2013, para as actuais instalações em Lisboa. E, dentro dos constrangimentos financeiros a que esteve e está sujeito, o PÚBLICO sempre viveu em total liberdade e independência editoriais. O espírito de liberdade, a marca-d’água do PÚBLICO, permitiu à redacção manter viva a chama do jornalismo independente. Uma liberdade que foi e é acompanhada, quase sempre, mesmo em momentos de crise interna, por um clima de informalidade e de frontalidade só possível numa redacção livre. Há uma história do início do jornal que demonstra de forma quase caricatural este espírito aberto. Nas instalações da Quinta do Lambert, em Lisboa, o jornal adoptou dois cães vadios: o Sonae, que depois ganhou uma namorada, a Belmira. Acredito que Belmiro de Azevedo, se soube, terá achado graça. Quando, no início de 1990, fazíamos mais um “número zero”, a editora da Política, Áurea Sampaio, mandou-me ao aeroporto de Lisboa para pedir um comentário de Alberto João Jardim sobre um assunto que se perdeu na minha memória. O que não esqueci nunca foi a cena em si. Apresentei-me como jornalista do PÚBLICO e fiz a pergunta. O presidente do Governo da Madeira respondeu-me: “Não falo a jornais do continente. ”Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Na minha ingenuidade de então e desconhecendo ainda o léxico de Jardim, achei que ele estava a dizer que não falava ao PÚBLICO porque era o jornal do supermercado Continente. Até porque, à época do lançamento do PÚBLICO, era comum ouvirem-se comentários jocosos sobre o jornal ser de um homem conhecido pela sua cadeia de supermercados. Ouvi mesmo por várias vezes o comentário de ser paga pelo “lucro da venda de alfaces e de amendoins”. Sempre foi motivo de orgulho, para mim, ser paga com dinheiro “da venda de alfaces e de amendoins”. É bom saber que não sou paga pelo lucro de negócios escusos, de investimentos em offshores ou que as pessoas suspeitem até de que a origem do financiamento do PÚBLICO esteja ligada a cartéis de droga. Por isso, e por tudo o resto que o PÚBLICO representou e representa, tenho um enorme orgulho e uma imensa honra de trabalhar há quase 30 anos para Belmiro de Azevedo e para a sua Sonae. Obrigada, senhor engenheiro.
REFERÊNCIAS:
Partidos PSD LIVRE
O homem que viveu a fazer até ao fim
Belmiro Mendes de Azevedo morreu nesta quarta-feira no Porto aos 79 anos de idade. O seu legado concreto mede-se facilmente no universo empresarial que criou. O seu exemplo como gestor permanece alvo de devoções. Mas a voz dura do empresário inconformado, exigente e rebelde parece ter-se perdido. (...)

O homem que viveu a fazer até ao fim
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 | Sentimento 0.0
DATA: 2017-12-04 | Jornal Público
SUMÁRIO: Belmiro Mendes de Azevedo morreu nesta quarta-feira no Porto aos 79 anos de idade. O seu legado concreto mede-se facilmente no universo empresarial que criou. O seu exemplo como gestor permanece alvo de devoções. Mas a voz dura do empresário inconformado, exigente e rebelde parece ter-se perdido.
TEXTO: “O problema de morrer tem mais que ver com quem fica e não com quem vai. Com a morte não se tem relação, nem se procura. ” Em 2004, quando proferiu esta declaração desprendida, Belmiro Mendes de Azevedo tinha mais três anos de líder destacado da Sonae e mais 13 anos de vida. Nesta quarta-feira, o “problema” aconteceu. Depois de poucos dias de internamento, Belmiro faleceu, no Porto. Tinha 79 anos vividos quase sempre numa espiral interminável de actos de inconformismo e rebeldia. Contra a situação, contra o imobilismo, contra o comodismo, contra a inércia, contra os favores de uma sociedade cristalizada, que “se verga cedo de mais” como se a memória dos “reis” permanecesse incólume, contra uma maneira de fazer negócios previsível, conformada e subserviente aos poderes. Mais do que um empresário, Belmiro foi um exemplo de exigência permanente, um homem livre e corajoso, amigo do risco, da disciplina interior, da educação pela vida fora, da “ética rigorosa”. Foi um apologista de uma necessidade íntima de fazer e desfazer para voltar a fazer de novo, como se a realização pessoal dependesse dessa permanente contradição. “Morre o maior empresário depois do 25 de Abril, a classe empresarial portuguesa estará de acordo com isto. Morre uma figura inspiradora para milhares de quadros. E morre uma voz que nunca baixou a cerviz”, diz Daniel Bessa, que trabalhou pela primeira vez com Belmiro “há mais de 40 anos”. Olhando o seu percurso de vida, todas essas características acabam por obedecer a um traço de temperamento que desde sempre marcou Belmiro. Foi a sua coragem física, a liberdade de dizer o que pensava e agir de acordo com o risco dessa atitude que o levou de uma pequena empresa industrial nos anos 60 do século passado à construção de um dos maiores grupos privados nacionais. Foi a sua permanente disponibilidade para o risco que o levou a definir as visões sobre os novos hábitos de consumo nos hipermercados ou a antecipação de um mundo onde as pessoas estariam permanentemente ligadas por um aparelho sem fios – o telemóvel. Foi a introdução da exigência na gestão e a aposta numa cultura meritocrática, cristalizada nos famosos dez mandamentos do “Homem Sonae”, que levaram centenas de jovens a entrar na Sonae ou a enveredar por carreiras de gestão. O movimento yuppie dos anos 90 deve-se a ele. Belmiro Mendes de Azevedo nasceu em Tuías, nas imediações do Marco de Canavezes, no dia 17 de Fevereiro de 1938. Para ele, a origem sempre foi um privilégio e uma ponte. “Eu sou um homem do Marco, freguesia de Tuías. Depois, estou dentro de todos os outros universos: sou do Norte, sou de Portugal, sou da Europa e sou do mundo”, diria. Pela vida fora, o empresário gostaria sempre de sublinhar a sua origem humilde, embora nesse tempo de extremas privações os Azevedo fossem uma família de classe média. A mãe, Adelina, que o fascinará pelo rigor e pela devoção ao trabalho, era costureira e o pai, Manuel, carpinteiro. Mas as heranças tinham-lhes garantido ao menos terrenos de cultivo que nessa época eram capazes de separar uma vida de penúria de uma situação remediada. Sempre havia milho para panificar, vinho, leite e carne quando possível. Belmiro é o primeiro filho do casal e jamais abdicará desse estatuto. Sempre assumiu um papel complementar ao dos pais na educação dos seus irmãos. Nada na sua primeira experiência escolar permitiria adivinhar o seu percurso académico. No primeiro ano, reprovou. Não por culpa dele, diria sempre, mas pelo laxismo e incompetência do seu professor, por sinal um amigo de caça do seu pai. Quando muda de professor e de escola, Belmiro muda também. Torna-se um aluno exemplar. O mérito, dirá, foi do seu professor, Carlos da Silva Andrade. “Ele era rigoroso, exigente e disciplinador e teve um grande impacto no meu carácter. Por sua influência fui sempre (e ainda sou) um leitor ávido e interessado nas grandes questões materiais e espirituais sobre a condição humana. Foi, na verdade, graças a ele que saí da província e me lancei no mundo. Sem esse impulso, seguramente não estaria aqui hoje”, diria Belmiro de Azevedo num discurso de reconhecimento à homenagem que a Ordem dos Engenheiros lhe fez há dois anos. Seria, de resto, o professor do ensino básico a influenciar os pais para a necessidade de o primogénito continuar os estudos. Aos 11 anos, Belmiro parte para o Porto, para estudar no liceu. Por falta de condições, tem de ficar hospedado na casa do tio Belmiro da Mota, na altura fiscal nas obras de construção do Observatório da Serra do Pilar, em Gaia. Nesse encontro com o tio, Belmiro colherá a segunda experiência de vida que marcará indelevelmente outra das facetas marcantes da sua personalidade: um certo espírito libertário e irreverente. Belmiro da Mota era um velho republicano carbonário que guardara armas em casa, conhecera a perseguição da PIDE e a prisão no Aljube. Para o jovem vindo de Tuías, a sua cultura política, a sua dedicação aos livros e às ideias políticas tornaram-se uma revelação. “Era muito meu amigo. Vivemos juntos durante muito tempo. Era um filósofo, ateu. Ou agnóstico. Para ele, Jesus Cristo não era um líder religioso, mas um grande filósofo. Lia muito sobre aquilo, não tinha educação superior e passava a vida a explicar-me isso. Morreu com um enfarte violentíssimo, à uma da manhã, estávamos os dois em casa. Foi a primeira pessoa que vi morrer”, diria, em 2010, numa entrevista à Visão. Após a morte do tio, Belmiro de Azevedo, com 15 anos, muda de novo de vida. Aluga um quarto na Rua do Bonfim, no Porto, perto do liceu Alexandre Herculano que frequentava ao lado de, entre outras figuras conhecidas, Rui Vilar, o chairman da Caixa Geral de Depósitos. As suas notas garantem-lhe mais tarde uma bolsa de estudos da Fundação Calouste Gulbenkian. Mas tem de dar explicações para garantir a sua sobrevivência. “O maior investimento que fiz na minha vida foi quando aos 17 anos decidi ser empreendedor e comecei a dar explicações para financiar o meu curso. ‘Ginasticou-me o caco’ e o retorno do investimento tem sido infinito. Por isso, a formação é o melhor investimento que qualquer pessoa pode fazer”, explicou em 2001 ao Expresso. Estava na hora de ir para a universidade. Os pais viriam em 1958 para o Porto, e Belmiro encontrou aí estabilidade e previsão. Entre explicações e noitadas a jogar cartas com os amigos, Belmiro de Azevedo licenciar-se-ia em Engenharia Química, com 16 valores. Houve anos em que arriscou em excesso e quase não fazia exames. Mas acabou com média suficiente para ser convidado para ser docente na Faculdade de Engenharia do Porto. Não era, no entanto, esse o caminho que queria seguir. Mal acaba o curso, em 1963, aceita um emprego num dos gigantes nortenhos da fiação, a Efanor. O mundo pareceu-lhe aí muito cristalizado. “Mandava toda a gente”, diria. Desse primeiro emprego ficaria uma ligação simbólica. Efanor é ainda a holding pessoal da família Azevedo. Em 1965, Correia da Silva, o administrador delegado da Sonae, uma empresa do universo do banqueiro Afonso Pinto de Magalhães que se dedicava a produzir um aglomerado a partir do bagaço de uva, lança-lhe um desafio: mudar o sistema de produção da fábrica. Belmiro chegou como um vendaval. “A minha primeira tarefa como jovem engenheiro foi ter de mandar para a sucata metade dos equipamentos e mudar substancialmente as pessoas que lá estavam. Durante muito tempo trabalhava durante 24, 48, 72 horas seguidas de modo a cumprir a completa transformação”, explicaria numa memória para uma edição interna da Sonae. Mas essa transformação não se ficou pelas máquinas e pelos trabalhadores. Abrangeu o próprio produto. Em vez de estratifite, a Sonae passou a produzir laminite e saiu da crise grave em que se encontrava. Logo no princípio da carreira Belmiro mostrara o traço fundamental do seu perfil de gestor. Para ele, não podia haver barreiras ao que entendesse como necessário para cumprir uma missão. À sua chegada à Sonae instalou o “caos organizado” que defenderia vida fora. Numa entrevista ao PÚBLICO em 1995 explicaria esse conceito inaugural do seu percurso: “Costumo dizer — e acredito nisso — que só funciono bem no caos organizado. É preciso saber gerir o caos. Uma empresa, para ter criatividade e competitividade interna, tem de, permanentemente, ser capaz de gerir num certo ambiente de desordem, o que significa mudanças permanentes. A nossa maneira de estar, a nossa estabilidade é sermos instáveis. ”Entre as tarefas na gestão da Sonae, Belmiro dedica-se a uma das paixões que conservará até ao limite da sua resistência física: o desporto. Quando era adolescente, causava espanto aos moradores de Tuías ao dedicar-se a longas corridas pela aldeia. Na universidade pratica, com reconhecido talento, andebol. Primeiro no clube desportivo da universidade, depois no seu clube de paixão, o FC. Porto. Aos 18 anos, na praia de Leça, conhece entretanto Maria Margarida Teixeira, que tinha à época 15. Nas suas primeiras saídas românticas, Belmiro recordaria um dia de 1958, ano da campanha de Humberto Delgado para as eleições presidenciais, quando, ao subirem a Rua 31 de Janeiro, teve de lhe pegar ao colo para a proteger do tumulto gerado num confronto com a polícia. Margarida e Belmiro de Azevedo casar-se-iam em 1963, quando ela era ainda estudante de Ciências Farmacêuticas – Belmiro ganhava 5600 escudos na Efanor. Margarida foi talvez a pessoa mais influente na sua vida. Foi, pelo menos, a pessoa que desde sempre teve mais poder para controlar o lado mais impulsivo e tempestuoso do engenheiro. O filho que lhe sucedeu nos negócios da Sonae, Paulo, diria mais tarde numa reunião internacional com quadros do grupo que a Sonae tinha um CEO (chief executive office) – Belmiro – e uma CEO (chief emocional officer) – Margarida. Nunca ninguém teve o mesmo poder de dizer não ao gestor que a sua mulher. Belmiro reconheceria um dia numa entrevista à Visão, com humor e embevecimento, esse poder de influência. “[Margarida Azevedo é] a única que lhe diz não?”, perguntou a jornalista Cesaltina Pinto. Belmiro respondeu: “Ela?! É muito pior do que isso. Nem me deixa assinar os cheques da farmácia. ”Em 1971, Belmiro de Azevedo é já pai de três filhos. Nuno, o primeiro, nascera em 1963. Duarte Paulo, o segundo, em 1965. E Cláudia em 1970. Pouco antes de entrar numa fase de aceleração, ao adquirir a Novopan em 1971, e de se ter iniciado na produção das resinas industriais necessárias à produção de aglomerados após um conflito de preços com a poderosa Hoecht, a Sonae consolida-se como uma indústria de futuro na economia nortenha. Tem produto próprio, métodos inovadores, mercados externos e solidez financeira. A empresa entra na turbulência do 25 de Abril numa situação confortável. Isso seria reconhecido quando os trabalhadores fazem “uma greve ao contrário” – em defesa dos seus accionistas e da sua administração. Em 1978, na sequência de uma nacionalização parcial após o 11 de Março de 1975, o Estado tenta mudar a administração. Os trabalhadores paralisam e colocam-se ao lado de Belmiro. Durante quatro meses de instabilidade monta-se uma rede de cooperação entre trabalhadores e gestores que garante a actividade da empresa. Nesse período, todos os salários foram iguais. Belmiro venceria o conflito. E torna-se o senhor Sonae, mesmo quando as acções da empresa ainda estão parqueadas no IPE, uma sociedade de capitais públicos em que ficou a titularidade das empresas nacionalizadas. Três anos depois, quando o Governo da AD descongela os anos da revolução, chegaria o momento de se saber quem mandava e quem detinha, de facto, a Sonae, na época uma apetecível empresa industrial que ocupava 45 mil metros quadrados. Belmiro e a equipa de gestão, em que se incluíam velhos companheiros de rumo como Jaime Teixeira, Romão de Sousa ou Fernando Carvalho? Ou o accionista, o banqueiro Afonso Pinto de Magalhães, que depois do 25 de Abril se exilara no Brasil?Quando regressa a Portugal, em 1982, o banqueiro ensaia uma solução de compromisso. Faz um pacto com Belmiro, que na época considera a hipótese de regressar à universidade – falava-se também numa proposta para gerir um grupo brasileiro: ele ficaria, na condição de ser accionista e gestor. “Quando o senhor Pinto de Magalhães regressou do Brasil (eu tinha ficado aqui como ‘feitor’ a tomar conta da ‘quinta’ deles), eu quis voltar à universidade. Como ainda estavam bastante assustados e eu lhes tinha tratado bem dos negócios, ofereceram-me 20% das acções a um preço simbólico. Eu comprei, com um financiamento do Lloyds Bank, e depois fui comprando mais, com o pêlo do cão, como se costuma dizer”, recordaria o empresário. No ano seguinte, com a abertura do mercado de capitais, a Sonae entra na bolsa e Belmiro aproveita a onda. No final de 1984 era já o principal accionista, o que gerará uma vaga de ressentimento dos herdeiros de Pinto de Magalhães, falecido em 1983. Com as rédeas na mão de Belmiro, a Sonae aceleraria a sua espiral de crescimento. Se os anos de 1960, com a integração de Portugal no espaço da EFTA, tinham sido propícios aos investimentos na indústria exportadora, nos anos de 1980 a liberalização da economia e as perspectivas da integração europeia abriam um novo mundo às empresas nacionais. Belmiro compreendeu-o como poucos. Em 1984 faz uma parceria com os franceses da Promodés para lançar o primeiro hipermercado em Portugal. A inauguração do Continente de Matosinhos foi uma revolução que atraía multidões de curiosos para conhecer uma loja onde se podia comprar tudo. Pelo meio, a Sonae adquiriu a Agloma, estreou o Porto Sheraton e lançou-se em Inglaterra com a Sonae UK para garantir a distribuição dos seus produtos industriais. Estava na hora de criar uma cultura de grupo capaz de encaixar as vagas de crescimento que se antecipavam. Num tom meio apologético, meio influenciado pelo misticismo da auto-ajuda, Belmiro de Azevedo redige os dez princípios da “cultura Sonae” e os dez mandamentos do “homem Sonae”. Aí, aplica os seus próprios ensinamentos de vida e ajusta-os a uma estratégia de gestão de recursos na qual há espaço para o risco e para o fracasso, mas nunca para a indecisão, para o estatuto ou para a indiferença. “As elites verdadeiras não têm privilégios. Privilégio está conotado com favoritismo, nepotismo, favores de heranças, etc. (. . . ) Os verdadeiros líderes são-no naturalmente. Não são impostos, impõem-se”, escreveria. Para depois afirmar, numa frase célebre, que “O ‘homem Sonae’ ou é líder ou candidato a líder. ” Mas não o será a qualquer custo: “Deve ter um código ético e deontológico rigoroso”, e “tem de ser adulto no pensamento, firme, sem ser duro, na decisão, corajoso, sem ser aventureiro, na acção”. Belmiro começava já a ser uma figura de projecção nacional. Não apenas pelas suas realizações empresariais, mas pela determinação e pela capacidade de enfrentar dificuldades. Tornara-se um bulldozer. “Sou heterodoxo e o grupo é motivado nesse sentido. Com ortodoxias não se vai a lado nenhum, apenas se faz mais do mesmo”, dizia. Ele não era assim. “Sempre gostei de fazer coisas diferentes. Portanto, quando uma área está consolidada e o método de trabalho está bem concebido, vou pregar para outra freguesia”, acrescentava anos mais tarde. Nortenho assumido, com costela de Tuías, preferia a realização pessoal do self made man à herança nobiliárquica. Quando, num congresso do PCP, Álvaro Cunhal se pronuncia contra a tríade dos capitalistas exportadores (os Mello, os Espírito Santo e Belmiro), o empresário protesta: “Sem querer estar aqui a insinuar que eu é que sou um gajo porreiro, eles formaram grupos em regime de benesses decorrentes do condicionamento industrial. Ora a posição da Sonae foi toda conquistada no mercado. ”O mercado, por essa época, era generoso. A economia crescia rapidamente na segunda metade dos vertiginosos anos 80. A euforia da Bolsa atraía como nunca mais se viu as poupanças dos portugueses. O “gato por lebre” que o então primeiro-ministro Cavaco Silva sinalizara ainda não estava no horizonte. O Governo, com Miguel Cadilhe nas Finanças, estimulava com mecanismos fiscais as famosas OPV (ofertas públicas de venda). Nesta euforia, Belmiro lança em 1987 não uma, mas sete OPV ao mesmo tempo – as da Agloma, Ibersol, Modelo Continente, Publimeios, Robótica, Selfrio e Viacentro. Miguel Cadilhe suspeita de “falta de transparência” no processo. O próprio Belmiro reconhece que as operações foram lançadas no limiar da legalidade, mas recusa qualquer irregularidade. “É verdade que nós jogámos com a lei”, admitiria Belmiro num depoimento a Magalhães Pinto, autor da sua biografia. Mais tarde os tribunais dariam razão à Sonae. As sete OPV, mesmo tendo implicado mecanismos financeiros que exploravam buracos na lei, não eram ilegais. O processo acabaria arquivado. E a Sonae tinha arrecadado quatro milhões de contos na venda de acções ao mercado. Estava na hora de dar novos saltos. Enquanto a área da distribuição crescia, a Sonae investia no imobiliário, no turismo e na comunicação social. Em 1990, o PÚBLICO nascia. Belmiro tornara-se um personagem incontornável da vida nacional. “A Sonae tem, de vez em quando, de fazer algumas coisas que não têm ligação directa com a rentabilidade. E entendi, há dez anos, que fazia falta um diário de referência, que dignificasse o jornalismo, com meios, qualidade e independência – era um bom contributo para a sociedade portuguesa. O jornal nunca favoreceu a Sonae, nunca interferi na sua linha editorial, sempre me distanciei dele senão estava lixado”, explicaria em 2001 numa entrevista a José Carlos Vasconcelos, em 2001. O primeiro director do jornal, Vicente Jorge Silva, diria que o PÚBLICO era “a peninha” no chapéu de Belmiro. Leu-o diariamente até ao final da sua vida. O que mais o preocupava era a sua falta de rentabilidade – embora por vezes o apresentasse como um projecto de responsabilidade social. Não se conhecem vestígios de que alguma vez interviesse na sua linha editorial. Os anos 90 foram fulgurantes para a economia e para a Sonae. O seu crescimento foi imparável: 200 milhões de contos de volume de negócios em 1991, 357 milhões em 1995, 615 milhões em 1998. Nem tudo correu, no entanto, de modo a justificar esta explosão nos resultados. Nessa década, Belmiro conheceu alguns dos seus principais problemas e teve de se confrontar com vários dissabores. A começar, um conflito com a família Pinto de Magalhães. Ao lançar um aumento de capital de 15 para 40 milhões de contos na Sonae, em 1992, Belmiro ameaçava reduzir a posição da família para níveis próximos dos 10% do capital da empresa – os Pinto de Magalhães não tinham forma de acompanhar o aumento de capital. As reacções não se fizeram esperar. O Tribunal Cível suspende o aumento de capital ao longo de 18 meses. O diferendo instala-se como uma novela na praça pública. “Se hoje a família tem dinheiro, deve-o aos trabalhadores da Sonae”, dizia Belmiro, lamentando “que só tenham sabido delapidá-lo”. Carolina Magalhães, viúva do banqueiro, responderia em declarações ao PÚBLICO: “Não gosto das atitudes dele e estou muito sentida. Acho que a família Pinto de Magalhães não merecia tanto aquilo que ele tem feito e procura fazer. É uma pessoa dura, não tem coração. ”Mas o desgaste com a família Pinto de Magalhães (e com outros accionistas minoritários que se queixavam da forma autocrática como geria os negócios) seria apenas uma ponta do icebergue dos problemas que viriam a seguir. Belmiro tenta controlar o processo de privatização do BPA e acaba por perder para o BCP de Jardim Gonçalves. Tenta o controlo do Totta e volta a perder, desta vez para José Roquette. O desfecho destes negócios intermediados pelo Estado leva-o a aumentar a sua suspeição sobre a isenção da política. Perder, para ele, não era uma tragédia – até porque no caso do BCP retirou-se com uma mais-valia estimada em três milhões de contos. “Isto tem muito que ver com a minha formação desportiva: ganhar, perder, receber e dar caneladas”, dizia. Mas a cada passo queixava-se da sua condição de outsider nortenho, distante do poder. “O Governo tem um discurso afirmando que não é de Lisboa, mas na prática verificamos que as decisões finais têm favorecido os grupos de Lisboa. Quanto a mim, em muitos casos, injustamente”, dizia em 1995. O conflito com os políticos tornou-se então frequente. Belmiro mostra nesse atrito constante a sua aura temerária que lhe mereceu um boneco no Contra-Informação – “Belmiro Mete Medo”. “Tenho a cara um bocado vincada, marcada, do Mete-Medo, mas eu não meto medo a ninguém”, ironizaria. Mas, instado a prestar declarações no Parlamento, obrigou os deputados a ouvi-lo às oito da manhã. E ao longo do tempo foi distribuindo farpas. Marques Mendes? “Não dava nem para porteiro da Sonae. ” Ministros da Economia? “O Pina Moura era como Estaline e o Carlos Tavares como o Brejnev e quase tivemos o António Mexia na Economia. Tivemos ainda o Fernando Castro e o Jorge Armindo, estilo Tchernenko e Gromiko. ” A ida de Durão Barroso para Bruxelas? “Não há nenhum cargo internacional mais importante para um cidadão português que defender no seu país as suas ideias (…). A minha convicção é de campónio: quem foge ao combate é cobarde. ” Santana Lopes? “É incompetente. ” Cavaco Silva? “É um ditador. Mandou quatro amigos meus, dos melhores ministros, para a rua, assim de mão directa. ” Referia-se a Álvaro Barreto, Teresa Patrício Gouveia, Miguel Cadilhe e Eurico de Melo. Mas a maior animosidade era com Marcelo Rebelo de Sousa. “É um entertainer político que se diverte à custa dos desprazeres que provoca”, dizia. “O Marcelo é pluri-pluri. Tem dez respostas, todas boas, para a mesma pergunta. Não sofre de pensamento único”, ironizava. Marcelo tinha sido o principal instigador, em 1997, de um inquérito parlamentar ao alegado favorecimento de grupos económicos privados pelo Estado e o então líder do PSD avisara Belmiro de que “Portugal não é o faroeste nem é dominado por máfias”. Belmiro responderia com contundência: “Tenho seguramente o direito de exprimir um juízo sobre um líder político que, desafiando todas as probabilidades, acalenta o desejo de chegar a primeiro-ministro: no meu critério, não serve para tal lugar, como não serve para qualquer outro que recomende um mínimo de carácter e de sentido público. Di-lo-ei sempre que for necessário lembrá-lo. (…) Aqui tem, professor Marcelo Rebelo de Sousa. Por mim, escusamos de ficar por aqui: não me calo nem que Cristo desça à terra. E desengane-se: dito por mim, isto quer dizer realmente isso mesmo. ”Nesta animosidade contra a classe política, só Mário Soares parecia escapar. “A única pessoa que eventualmente pus no poder foi o Mário Soares. Foi a única vez em que declarei por antecipação em quem votava. Nunca mais fiz isso”, dizia. Mas não se vislumbra que Belmiro o tivesse feito por convicções ideológicas. Ao menos, Soares partilhava da sua rebeldia. De resto, Belmiro confessaria que o PSD fora o partido em que mais vezes votara, pelo menos até 1992. Definia-se como “um liberal com preocupações sociais” ou como “um social-democrata moderno” que desprezava a ideia de solidariedade “no sentido de dar” e gostava da ideia de criar emprego no quadro mais favorável do capitalismo para “dignificar a pessoa”. Entre avanços e recuos, a Sonae continua a consolidar os seus focos de negócios com investimentos solenes como o Colombo, em Lisboa, alarga o retalho à moda ou aos electrodomésticos, torna-se o maior fabricante mundial de aglomerados de madeira depois de comprar a alemã Glunz e em 1998 lança a Optimus – os estudos de mercado derrotaram a escolha de Belmiro de Azevedo, que preferia o nome Amigo. Pelo meio, acalentava a ideia de se tornar “maior no Brasil do que em Portugal”. Em 2000 o universo Sonae dividia-se por cinco pólos: indústria, com 39 unidades industriais; turismo, com a Star, a Solplay e já com a Torralta; imobiliário, com os shoppings; telecomunicações com 17% quota de mercado com a Optimus a Novis e a Clix; distribuição: 350 lojas em Portugal e no Brasil, onde era o terceiro maior operador, com vendas acima dos 850 milhões de contos. Tinha já 60 mil trabalhadores. Não era essa escala de sucesso que, porém, o levava a acomodar-se. Por essa altura, quando o país entrava no entorpecimento que o levaria a registar um dos piores crescimentos económicos do mundo, Belmiro lamentava que os portugueses fossem sedentários, viajassem pouco e se fixassem nas actividades tradicionais sem abrir novos horizontes. “As pessoas nascem, fazem xixi e morrem no mesmo lugar. Do ponto de vista da ginástica intelectual é mau”, notava. Ele, entretanto, cumpria na acção o que prometia por palavras. Nem os problemas de saúde que teve (uma úlcera calosa e uma pancreatite “daquelas que nunca se sabe como acaba”) lhe detiveram a marcha – embora nessa época tenha pela primeira vez reflectido sobre o problema da morte. “Tinha a minha vida toda organizada. É preciso estar sempre preparado para qualquer eventualidade, um acidente de viação, um acidente vascular”, diria mais tarde. Nesse momento, deixou cartas à família que permanecem secretas. Belmiro recuperou em força. Na década passada, a Sonae evoluiu, sempre nos eixos da destruição criativa que o gestor lhe impusera desde que lá chegara. Em 2006 Belmiro, com o filho Paulo ao lado, anuncia ao país uma estratégia que ninguém ousara sequer imaginar: uma oferta pública de aquisição sobre a PT. A sorte dessa operação é conhecida. A sorte da PT e do seu principal usufrutuário, o BES, também. Os seus estilhaços judiciais andam ainda no ar a perturbar a vida pública. Como diria Belmiro: “É verdade que às vezes erramos e ‘estampamo-nos’ contra a parede. Mas não há nada que um bocado de tinta e uma ida ao bate-chapas não resolva. É melhor errar do que não decidir. Pelo menos aprende-se. ” No caso da PT, mais evidente do que um eventual erro foi a aprendizagem. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Após a OPA, o fantasma da sucessão foi-se tornando nítido no grupo com o avanço da idade do “engenheiro”. Em 2001, ele avisara que esse não era um problema. “Falam-me muitas vezes do problema da minha sucessão. Não há problema nenhum. As coisas estão de tal modo organizadas, que só pode haver candidatos a mais”, dizia. Em 2007, numa célebre cerimónia de apresentação de contas, deu a notícia: o seu sucessor seria o seu filho Paulo Azevedo. Não houve dramas. Para muitos analistas avisados sobre os dramas com as passagens de testemunho nas empresas de raiz familiar, a transmissão do poder na Sonae foi exemplar. Paulo mudaria o estilo e refinaria o rumo do grupo, mas sem perder o esteio do crescimento. No ano passado, a Sonae facturou 5, 1 mil milhões de euros. Belmiro de Azevedo continuou a estar perto da gestão do filho pelo menos até 2015, quando se retirou em definitivo. Ocupava o seu velho gabinete na Maia, ao lado da fábrica que ainda conserva as máquinas que instalou há mais de meio século. Lia os jornais, analisava relatórios de gestão, continuava a dar trabalho às secretárias, esforçava-se a fundo por seguir. Empenhava-se em acompanhar a Porto Business School, um dos seus projectos mais empenhados. Mas não se ficava por aí. “Tendo saúde, vou-me ocupar sobretudo do sector primário em Portugal, onde há falta de gestão e sobretudo de investimento na floresta, agricultura e na pesca”, dizia. Na prática, continuava imparável entre visitas aos campos de nectarinas no vale da Vilariça ou ao armazém de kiwis no Marco. Fazer era para ele uma forma de viver. E viveu fazendo até aos limites.
REFERÊNCIAS:
Agatha Christie conseguiu recuperar do divórcio nas Canárias? Este livro diz que sim
A separação deixara a criadora de Poirrot e Miss Marple deprimida e numa situação económica mais instável do que a que lhe era habitual. Em Las Palmas conheceu um médico que a terá ajudado. Um novo livro acompanha-a no seu refúgio, quando ainda lamentava ter perdido o seu primeiro e grande amor. (...)

Agatha Christie conseguiu recuperar do divórcio nas Canárias? Este livro diz que sim
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 | Sentimento 0.0
DATA: 2017-12-04 | Jornal Público
SUMÁRIO: A separação deixara a criadora de Poirrot e Miss Marple deprimida e numa situação económica mais instável do que a que lhe era habitual. Em Las Palmas conheceu um médico que a terá ajudado. Um novo livro acompanha-a no seu refúgio, quando ainda lamentava ter perdido o seu primeiro e grande amor.
TEXTO: O ano de 1926 foi terrível para Agatha Christie. Perdeu a mãe e o seu casamento. Archibald (Archie) Christie, o elegante piloto britânico com quem casara na véspera de Natal de 1914, pediu-lhe o divórcio depois de admitir um romance com outra mulher, Nancy Neele. O casal Christie tinha-se apaixonado depressa, depois de um baile, e tinha vivido intensamente até ali, com a Primeira Guerra Mundial pelo meio. A escritora tivera já vários namorados e até outra proposta de casamento, mas nunca se deixara encantar. Archie, que terá sido o seu primeiro e grande amor, estava entre as pessoas que mais a tinham encorajado a escrever e nada parecia prever uma separação. Talvez por isso, a mais popular autora de policiais de sempre tenha sofrido tamanho choque. Um choque que chegou à primeira página do diário norte-americano The New York Times quando, na sequência de uma discussão com o ainda seu marido, Agatha Christie desapareceu durante dias, sem que ninguém soubesse onde estava. O seu desaparecimento impressionou a opinião pública e levou o então secretário do Interior a pressionar as autoridades para que intensificassem as buscas, que chegaram a envolver centenas de agentes e milhares de voluntários que percorreram ruas e campos quando o seu carro, um Morris Cowley, foi encontrado numa pedreira, com algumas roupas e uma carta de condução expirada. Outro grande autor do romance policial – o Arthur Conan Doyle de Sherlock Holmes – chegou até a pagar a um médium para que descobrisse onde ela estava. Agatha Christie (1890-1976) acabou por ser encontrada dez dias depois, num hotel do Yorkshire, registada sob um nome falso – não sem ironia, escolhera o apelido da amante do Marido, Neele, e fazia-se passar por uma mulher acabada de chegar da África do Sul. Se o choque da infidelidade do marido fora grande, o da repercussão do seu desaparecimento não foi menor. Devastada com a morte da mãe e com a separação, que também a afectou economicamente, Agatha Christie refugiou-se nas ilhas espanholas. Passou uns dias em Tenerife e depois foi para a Gran Canaria. É precisamente na sua estadia em Las Palmas, em 1927, que se concentra a obra agora lançada pela editora madrilena Adarve. Crimen en El Confital by Agatha Christie é um livro ensaio em que o historiador Javier Campos procura reconstituir essa temporada em que a escritora que criou Hercule Poirrot e Miss Marple, dois dos mais célebres detectives de papel, se refugiou na ilha com a sua filha, Rosalind, e a secretária em quem muito confiava. Nele Javier Campos quer aproximar-se dos mistérios reais que ainda rodeiam a vida desta mulher que acabaria por se tornar um dos escritores mais populares de sempre, com 90 livros publicados, milhares de milhões de cópias vendidas em todo o mundo (as estimativas mais correntes andam entre os dois e os quatro mil milhões), traduzidos em mais de 40 idiomas e frequentemente adaptados ao cinema, ao teatro e à televisão, como o comprova o filme Um Crime no Expresso do Oriente, de Kenneth Branagh, que acaba de estrear. Segundo o diário La Provincia, de Las Palmas, o novo livro do historiador Javier Campos está organizado em quatro grandes blocos: o primeiro é uma ficção sobre um crime na Playa del Confital (também conhecida como El Confital), em que o autor parte de factos verídicos e procura emular o estilo de Agatha Christie; o segundo tem muitos dados biográficos sobre a passagem da autora pela Gran Canaria; o terceiro debruça-se sobre quem poderá ter sido o Dr. Lucas, o médico que a tratou na ilha; e o quarto é um ensaio sobre as semelhanças entre a obra da escritora de policiais britânica e o crime de El Confital, relativo a uma morte violenta ali ocorrida quando a autora estava em Las Palmas e que, diz o historiador, inspirou um dos seus contos. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Cruzando dados da autobiografia da escritora, publicada em 1977, com outros saídos da imprensa regional da época, Javier Campos faz um retrato do enigmático médico que até aqui era conhecido apenas como Dr. Lucas, o clínico que até chegou a tratar-lhe da garganta mas que, sobretudo, a ajudou a recuperar de uma profunda fase de desânimo. É este médico que tira do “poço em que caiu a partir do momento em que o marido, Archibald Christie, lhe pede o divórcio, em finais de 1926, algo que, naquela sociedade britânica com reminiscências vitorianas, empurrava a mulher para um limbo social e económico, que não tinha direito a qualquer pensão de alimentos e que se via como uma fracassada”, disse o autor de Crimen en El Confital by Agatha Christie ao diário espanhol La Vanguardia, sem levantar a ponta do véu que cobre a figura. Quem quiser ir mais além, terá de ler o livro. O que se sabe sobre a sua vida depois da passagem pela Gran Canaria é que a autora de O Cão da Morte ou de Jogo Macabro acabou por recuperar da sua eventual depressão para reafirmar, uma e outra vez, o seu talento para o romance de crime e mistério, dando corpo a personagens que são hoje eternos. Em 1930, ano em que lançou o livro que apresentou Miss Marple aos leitores (Crime no Vicariato), voltou a casar-se, desta vez com um professor de arqueologia chamado Max Mallowan, um grande conhecedor das cidades antigas da Síria e do Iraque com quem participou em diversas expedições, uma experiência que relatou em 1946 no livro de memórias Come, Tell Me How You Live (que em Portugal está traduzido pela Tinta-da-China, sob o título Na Síria). Com este arqueólogo Agatha Christie tornou-se Lady Mallowan e a história dos dois foi mesmo “para sempre”. Estiveram juntos até à morte da escritora, em 1976.
REFERÊNCIAS:
As metamorfoses de um poeta
A obra poética de Armando Silva Carvalho, construída ao logo de mais de meio século, impõe-se hoje com uma força extraordinária que levou algum tempo a reconhecer. (...)

As metamorfoses de um poeta
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 | Sentimento 0.0
DATA: 2017-06-02 | Jornal Público
SUMÁRIO: A obra poética de Armando Silva Carvalho, construída ao logo de mais de meio século, impõe-se hoje com uma força extraordinária que levou algum tempo a reconhecer.
TEXTO: Armando Silva Carvalho foi um poeta fora de todas as constelações. Nas histórias parciais e visões panorâmicas da poesia portuguesa do último meio século, o reconhecimento que lhe coube não foi exuberante, mas também não foi propriamente exíguo. Porém, faltou quase sempre verificar e salientar que a sua grandeza permaneceu um pouco retraída e o seu espaço soberano não era apreensível imediatamente. Foi já neste século, com os seus últimos livros, que a grandeza da poesia de Armando Silva Carvalho (a sua prosa, os seus romances, situam-se num plano muito menos elevado) ganhou uma enorme evidência. Eis um poeta que não só nunca enfraqueceu, mas ainda foi ganhando tempo, no sentido em que a sua poesia, tão livre das contingências epocais e geracionais, pareceu ter chegado agora ao momento de uma mais justa e efectiva legibilidade. O seu livro de estreia é de 1965 e chama-se Lírica Consumível. É um título que anuncia o ethos mais característico deste poeta e que, com diferentes inflexões, sobreviveu até ao fim. Trata-se da atitude irónica e hostil face à afectação “poética” do esteta e do literato. A aversão à autocontemplação literária e à expressão enfática atravessam toda a sua poesia. A arma cruel da sátira e da irrisão é usada sem condescendências e não poupa sequer aquele que tão bem a sabe usar. Terminava assim o poema Fragmentos de uma Ideia Burguesa, desse primeiro livro: “Andando Armando a rima zune/ e o pensamento afasta prejuízos/ e só sorrisos são/ a morte natural do entendimento”. Começaram aqui a delinear-se o tom e a configuração temática presentes em toda a sua poesia: o mal-estar e a distância face à comédia da vida e dos costumes. Essa distância não se manifesta apenas de maneira satírica ou irónica, pode ser muito menos lúdica e adquirir mesmo um lado negro, quase sinistro, como acontecia num livro de 1995, Canis Dei, cujos poemas eram exercícios que tinham no centro a palavra “cão” e todas as suas variações e irradiações semânticas. "Canis dei", cão de deus, é a versão elevada, sublimada, de uma “vida de cão”. E é nessa direcção de uma vida canina, rebaixada na sua condição, que se dirigem todos os poemas deste livro, promovendo uma indistinção entre o alto e o baixo, entre a sublimidade e a vulgaridade. E, mais uma vez, a arma é apontada contra aquilo que num poema deste livro é designado por “aura poética”: “Ninguém é filho do poema universal. / Nem pai/ do seu rebanho de versos. / O que eu busco é um lar. / Um lar mais natural nas palavras/ da terra/ com os lábios invisíveis sobre o livro/ dos mortos”. Se neste livro, assim como noutros lugares da obra de Armando Silva Carvalho, nos aproximamos de algo próximo de uma visão trágica, trata-se porém de um trágico moderno que admite o ludismo irónico e satírico. Um dos grandes feitos da sua poesia consiste precisamente em juntar e tornar compatível o que geralmente é mutuamente exclusivo: o lirismo e a crítica, o ludismo e a crueldade, a sátira e a adesão jubilante ao mundo da vida, o social e o privado, a política e o erotismo. Lembremos que um dos filões fundamentais da poesia de Armando Silva Carvalho é precisamente o da crítica social e política, através de uma objectivação satírica, e às vezes jocosa, da realidade nacional. É uma poesia altamente corrosiva, na sua mordacidade: Leia-se o início deste poema intitulado W. C (do livro de 1981, Sentimento de um Acidental): “Neste país onde ninguém sabe/ como obram as musas, / já dizia o outro, / fazer versos realmente versos, / que sigam o espasmo do ânus provecto/ dessas criaturas fúteis, decantadas, / ainda é e será muito difícil”. Esta poesia, livre de todos os puritanismos (sejam eles formais ou temáticos), torna-se assim uma força crítica para enfrentar o mundo. Mas é também uma força crítica do Eu em relação a si próprio e uma via de acesso às regiões mais privadas e pessoais, como acontece com mais frequência nos seus últimos livros, onde são bem visíveis algumas inflexões mais confessionais e intimistas. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Por outro lado, Armando Silva Carvalho deixou na sua obra manifestações explícitas de homenagem a alguns dos seus contemporâneos, por exemplo Herberto Helder, Fiama Hasse Pais Brandão e Alexandre O’Neill (talvez a afinidade com este último, pelo menos na veia satírica, seja mais visível; mas, em muitos outros aspectos, há um mundo imenso que os separa). Mas não devemos ver nessas evocações a prova de uma relação de influência ou uma afinidade electiva. A sua poesia atravessa o tempo com uma enorme singularidade e não permite aproximações imediatas. No entanto, ela desenvolve-se no horizonte de um grande diálogo com a poesia portuguesa, não apenas a contemporânea. Sentimento de um Acidental era obviamente uma evocação de Cesário Verde. E há ainda a prosa, certamente menos importante do que a poesia. Mas, ainda assim, destaque-se um livro tão iconoclasta como Portuguex (1977) e uma experiência interessantíssima, a quatro mãos, com Maria Velho da Costa, que tem por título O Livro do Meio (2006), um romance epistolar (à maneira do século XVIII), divertido, cheio de disputas e divergências entre dois amigos. E há também as traduções, de autores franceses e italianos. Armando Silva Carvalho moveu-se sempre entre géneros e entre línguas, com uma grande maleabilidade. Foi, no mais alto grau, um escritor ecléctico e capaz de usar as armas da crítica e do desencanto sem cair no niilismo nem no cinismo.
REFERÊNCIAS:
O fim-de-semana mais longo de Serralves já está em movimento
O Serralves em Festa chegou à Baixa do Porto com as espirais hipnóticas de Ola Maciejewska e do seu vestido vindo dos primórdios da dança moderna. Seguem-se 50 horas sem parar — e o habitual banho de multidão. (...)

O fim-de-semana mais longo de Serralves já está em movimento
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 | Sentimento 0.0
DATA: 2017-06-02 | Jornal Público
SUMÁRIO: O Serralves em Festa chegou à Baixa do Porto com as espirais hipnóticas de Ola Maciejewska e do seu vestido vindo dos primórdios da dança moderna. Seguem-se 50 horas sem parar — e o habitual banho de multidão.
TEXTO: Ola Maciejewska atravessa a Praça Carlos Alberto com um dancing dress em cada mão, sol do meio-dia a bater em cheio na calçada portuguesa e a fazer ricochete na pele por bronzear do casal de turistas alemães que se senta na beira do canteiro para assistir ao início do Serralves em Festa (e folhear o programa, disponível apenas em inglês, para que não haja dúvidas de que esta é uma cidade definitivamente turistificada). Em teoria, é só às 20h desta sexta-feira que o grande portão dos jardins da fundação na Avenida Marechal Gomes da Costa se abre de par em par para dar início às 50 horas de festa non-stop – e totalmente grátis – com que a instituição espera bater até à meia-noite de domingo mais um recorde (no ano passado, ficou para trás a fasquia dos 160 mil visitantes). Na prática, o Serralves em Festa já está em movimento na Baixa do Porto, onde Ola Maciejewska e os dois hipnóticos dancing dresses que foi buscar aos primórdios da dança moderna começaram esta quinta-feira a ganhar embalo para o provável banho de multidão que terão à sua espera este domingo. Criada na sequência de uma investigação em torno de uma figura pioneira – a americana Loïe Fuller (1862-1928), cuja extraordinária silhueta em espiral é uma das imagens mais icónicas da dança moderna –, a peça que a bailarina e coreógrafa polaca trouxe esta quinta-feira até à Praça Carlos Alberto e aos Jardins da Cordoaria, e que repetirá no último dia do Serralves em Festa, procura reequacionar o lugar do corpo na história da dança, uma história em que este sempre figurou como única fonte possível de movimento. “Interesso-me por propostas em que o movimento é modificado pelo objecto e em que o objecto é modificado pelo movimento – e Loïe Fuller é um exemplo paradigmático desse tipo de pesquisa”, explicou Ola Maciejewska à revista Inferno. Propulsionado pelo fulgurante aerodinamismo dos dancing dresses que ela própria inventou, e pela potência da recém-descoberta luz eléctrica, o hipnótico corpo de Fuller deu início a uma linhagem coreográfica que Ola Maciejewska lamenta ter-se perdido pelo caminho, esmagada pelo “antropocentrismo” dominante nas artes performativas. Retomar essa linhagem é a missão a que esta artista associada do Centre Coreográfico Nacional de Caen se dedica desde que em 2011 publicou o ensaio Extending the notion of movement in dance to non-humans, things and objects, a que se seguiram as duas peças que agora traz ao Serralves em Festa: Loïe Fuller: Research (2011), o solo que repete às 20h30 de domingo no foyer do museu, e Bombyx Mori (2015), a versão expandida e sonorizada da primeira peça, agora à escala de três bailarinos, que apresentará sábado (18h e 22h) e domingo (17h) no auditório. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Por muitos vídeos de Loïe Fuller que tenha visto no YouTube, nenhuma destas peças pretende entrar no terreno escorregadio da homenagem ou da reconstituição histórica, onde Ola Maciejewska diz já ter visto muitos artistas contemporâneos “a enterrarem-se vivos”. O que a atrai na prática de Fuller, e quer voltar a colocar como hipótese em cima do palco, é “o potencial do corpo para se tornar objecto e da matéria para se tornar sujeito”. Olhando para a maneira como o corpo dela desaparece no vestido para se tornar uma escultura, enquanto a espectadora acidental que acaba de entrar na praça se sobressalta ao perceber que a escultura está em movimento, diríamos que a missão de Ola Maciejewska parece estar a ser cumprida. 21H José Ramos-HortaÉ uma boa discussão para se ter enquanto a Coreia do Norte sobressalta o Ocidente com os seus ensaios balísticos: a Ásia vai ser (ou já é?) o centro do mundo? O Nobel da Paz e ex-presidente e primeiro ministro de Timor-Leste vem a Serralves discutir o assunto. 22H Grupo Acrobático de TângerAno após ano, o espectáculo de circo do horário nobre é um dos blockbusters de Serralves. Halka, que retoma uma prática ancestral da praça pública marroquina, deve repetir a proeza. 23H Sensible SoccersAbrindo a maratona de concertos no Prado, os Sensible Soccers sobem ao palco para apresentar, faixa por faixa, o magnífico Villa Soledade num espectáculo especial em que terão consigo a artista visual Laetitia Morais. 0H30 Niño de ElcheSe existe uma coisa a que se possa chamar “novo flamenco”, ela está neste cantaor. “Um revolucionário”, chamou-lhe o El País. 2H D?WNA febre de sexta à noite (ou de sábado de madrugada) fica a cargo desta americana (na foto) que nasceu numa girl band e depois não se conteve dentro das fronteiras do R&B — um diamante mais brilhante do que Rihanna. 11H30 Colecção de Serralves 1960-1980A recém-inaugurada exposição permanente do museu numa visita guiada pela contadora de histórias e ilustradora Sónia Borges — um programa para toda a família. 1H30 Los PirañasMadrugada no Prado, segundo round: vindo da Colômbia, o trio Los Pirañas promete trazer “a diversão que fazia falta” a este país (título pilhado ao seu último álbum, de 2015). A América do Sul descontruída e reconstruída. 11H Serralves em battleOito dos melhores b-boys ibéricos em acção no Prado: Found Kid, Titas, Douglas, Luis, Serlli, Marcos, Gracy e Artur disputam o primeiro lugar deste concurso de danças urbanas presidido por um júri de nível internacional. 20H Terry Riley & Gyan RileyQuase no fim das 50 horas, um músico lendário, o minimalista Terry Riley, contemporâneo de La Monte Young ou Steve Reich, junta-se ao seu filho, o guitarrista Gyan Riley, para um concerto na Clareira das Azinheiras que percorrerá a história da música do século XX — e mais além.
REFERÊNCIAS:
Palavras-chave filho corpo circo
Sgt. Pepper: é lendário, é um marco, é só um disco
Foi o álbum que marcou o início de uma era, um “momento decisivo na história da civilização ocidental”, escreveu-se então. Foi editado dia 1 de Junho de 1967. Exactamente 50 anos depois, talvez devamos tentar ouvi-lo como um disco. Apenas isso. Continua magnífico. (...)

Sgt. Pepper: é lendário, é um marco, é só um disco
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 | Sentimento 1.0
DATA: 2017-06-02 | Jornal Público
SUMÁRIO: Foi o álbum que marcou o início de uma era, um “momento decisivo na história da civilização ocidental”, escreveu-se então. Foi editado dia 1 de Junho de 1967. Exactamente 50 anos depois, talvez devamos tentar ouvi-lo como um disco. Apenas isso. Continua magnífico.
TEXTO: Certa noite de Maio de 1967, os Beatles foram a casa de Cass Elliot, no bairro londrino de Chelsea onde vivia a vocalista dos californianos The Mamas & The Papas. John, George, Paul e Ringo levavam consigo uma preciosidade, um acetato do seu novo disco. Entretanto, a noite já não era noite, era jovem manhã do dia seguinte. Abriram-se as janelas da casa, dispuseram-se colunas viradas para o exterior, pôs-se o volume da aparelhagem no máximo. Eram seis da manhã quando a vizinhança foi surpreendida com a não anunciada pré-escuta de Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band, edição oficial marcada para 1 de Junho seguinte. Diz quem presenciou que nem uma reclamação se ouviu dos vizinhos. Reclamar com o quê, afinal? Com o privilégio de ouvir pela primeira vez, antes de toda a gente, o álbum que marca um antes de um depois na história da música popular urbana? Infinitamente ingrato seria quem o fizesse. Autoria:The Beatles Universal MusicPoucas semanas depois, o escritor Langdon Winner conduzia o seu automóvel em viagem pelos Estados Unidos. Sgt. Pepper já fora editado, já estava nas lojas, já era ouvido nas rádios e criticado nos jornais. Em todas as rádios, em todos os jornais. Em todo o lado. “Em cada cidade em que parei para comer ou pôr gasolina – Laramie, Ogallala, Moline, South Bend –, as melodias flutuavam desde um rádio ou gira-discos portátil longínquo … Por um curto período de tempo, a irreparavelmente fragmentada consciência do Ocidente foi unificada, pelo menos na mente dos jovens”, escreveu Winner. A reverência com que a nova música dos Beatles foi recebida a umas incómodas seis da manhã num bairro em Chelsea, e a sua omnipresença nas terriolas americanas pelas quais passou Langdon Winner, são apontamentos anedóticos, mas reveladores de um impacto bem real. Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band não era simplesmente o oitavo álbum dos Beatles, não era só aquele que cristalizou até hoje, na capa e nas famosas fardas coloridas, uma das mais fortes marcas iconográficas da banda. Não era apenas o disco que, anunciava-se, daria ao rock respeitabilidade de alta cultura. No ano absurdamente fértil que nos ofereceu o primeiro álbum dos The Doors, dos Velvet Underground, de Jimi Hendrix ou dos Pink Floyd, Sgt. Pepper foi o farol que iluminou mais do que que qualquer outro. “Um feito espantoso para o qual ninguém poderia estar completamente preparado”, escrevia Richard Poirier, peso-pesado da crítica literária, na Partisan Review. Uma “metamorfose miraculosa de dúzias de ideias musicais do Oriente e do Ocidente”, elogiava o Washington Post. Sgt. Pepper era, anunciava o crítico de teatro britânico Kenneth Tynan, sustenhamos a respiração, “um momento decisivo na história da civilização ocidental”. Até uma voz desavinda, a do então jovem crítico de rock do New York Times, Richard Goldstein, que escrevera que o álbum “tresandava a efeitos especiais” e lhe apunha o adjectivo “fraudulento”, ressalvou que, apesar de todos os defeitos, “é melhor que 80% da música que se ouve por aí”. Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band era, era, era… Sgt. Pepper? “É só um álbum”. Di-lo Paul McCartney em 2017. Descemos à terra. Em entrevista recente à Mojo, Macca fala: “É um álbum tão ‘importante’ que, por vezes, as pessoas ouvem a reputação em vez de ouvirem o disco”. Acontece que, em relação a Sgt. Pepper, o mito parece difícil de separar da música. Exactas cinco décadas passadas, a data é assinalada com a pompa devida. Em Liverpool, terra natal dos Beatles, decorre desde o passado 26 de Maio o festival Sgt. Pepper At 50. Encerrará a 16 de Junho e inclui concertos, espectáculos de dança, instalações artísticas, gigantescos fogos-de-artifício ou a exibição de um novo documentário sobre o álbum, It Was Fifty Years Ago Today! Sgt. Pepper & Beyond, realizado por Alan G. Parker. Em Portugal, sobe esta sexta-feira a palco do GNRation, em Braga, Getting Better All The Time, concerto comemorativo criado em conjunto por músicos amadores e os alunos do Conservatório de Música Calouste Gulbenkian da cidade – o espectáculo será levado, em Outubro, à Casa da Música, no Porto. A celebração no GNRation começa já esta quinta-feira, com um espectáculo infantil, Beatle-Battle, e encerra sábado com uma sessão de escuta que será também tertúlia e em que participa, por exemplo, Adolfo Luxúria Canibal, dos Mão Morta. Como é inevitável, Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band recebe tratamento deluxe e ressurge em nova edição, com mistura estéreo da autoria de Giles Martin, filho do eterno produtor dos Beatles, George Martin, falecido em 2016 aos 90 anos. Como é habitual nestas ocasiões, será distribuído em vários formatos: um disco único com a nova mistura (vinil e CD); um álbum duplo em que, ao original, se acrescenta um disco de extras; uma edição de luxo composta de seis discos (o original, três de extras, um DVD com The Making of Sgt. Pepper e um Blu-Ray em Surround 5. 1). A nova mistura estéreo surge para repor uma incorrecção histórica. Na altura em que Sgt. Pepper foi editado, ditava lei o mono. O estéreo era uma relativa novidade, um item de luxo. Em 1967, foram dedicados três meses a encontrar a mistura perfeita do álbum – em mono. Tarefa concluída, a banda desapareceu de cena e entregou a versão estéreo a George Martin. Ficou tudo despachado em três dias. Acontece que é precisamente a apressada versão estéreo que tem circulado nas últimas décadas. “Tecnicamente, o objectivo era capturar o espírito da música, o que é a coisa menos técnica que podemos dizer”, ri-se desde Londres Giles Martin, em curta entrevista telefónica com o Ípsilon. “Temos que ser muito cuidadosos, porque ao tentar dar à música um som mais hi-fi, podemos torná-la mais fria e perder o espírito das canções”, alerta. Recorrendo ao mesmo material usado originalmente pelos Beatles e usando como referência as misturas mono originais, Giles Martin concentrou-se em eliminar as escolhas peculiares da primeira versão estéreo, em que, por exemplo, se ouvia a bateria de Ringo deslocada para um dos canais. Não ouvimos Sgt. Pepper como nunca ouvimos, mas recebemo-la com uma renovada claridade, com o jogo de guitarras do tema título a fazer-se ouvir com vivacidade, com os timbalões de Ringo a ressoarem com outra profundidade, com a onírica massa sonora de Being for the benefit of Mr. Kyte a envolver-nos ainda mais. Quanto aos extras, foram escolhidos, explica Giles Martin, para destacar o muito humano trabalho de artesão envolvido. “As pessoas pensam que o Sgt. Pepper foi entregue por um unicórnio que desceu de uma nuvem até Abbey Road, mas tudo se resume, na verdade, a pessoas a tocarem em instrumentos e em botões no estúdio. É muito simples e, na minha opinião, ainda melhor. A beleza e simplicidade do espírito humano são mais mágicas que tudo o resto. ”Parte considerável são curiosidades que pouco acrescentam ou iluminam em relação à obra acabada. Há, contudo, excepções. A mais primorosa será Strawberry fields forever, canção que, juntamente com Penny Lane, foi editada como duplo single em Fevereiro de 1967. Nas primeiras versões, a voz doce de Lennon recorda aquele lugar da sua infância, apoiado por coros angelicais, uma guitarra acústica que se destaca, uma guitarra slide que faz cair sobre o refrão um travo de melancolia. Quase um Requiem pela infância perdida. Take após take (existem quatro na versão Super Deluxe), a canção transforma-se. Assiste-se à chegada do órgão Mellotron que fará a introdução, a bateria ganha corpo e densidade – num dos takes até acelera em tumulto inesperado – e Lennon perde em doçura o que ganha em autoridade. Quando chegamos à versão final, tudo se transformou. Strawberry fields já não é um apelo à nostalgia. É a voz de alguém que nos puxa para um novo mundo, agitado, intrigante, atraente pela estranha beleza das formas que desenha. “Os Beatles transformaram as reflexões de Lennon num ‘sonho psicadélico, de forma a que Strawberry fields fosse o lugar mágico de infância de toda a gente, em vez de apenas o nosso'”, escrevia há alguns anos o jornalista Phil Sutcliffe, citando Paul McCartney. Em 2006, quando da edição de Love, George Martin recordou ao Ípsilon, nos estúdios de Abbey Road, o momento em que John Lennon lhe mostrou Strawberry Fields Forever pela primeira vez. “Cantou-a na sua guitarra acústica e foi um dos momentos mais emotivos que já vivi. É tão maravilhosa. Ainda hoje me comovo com ela. ‘John, é uma canção fantástica’, disse-lhe. ‘O que vais fazer com ela?’. Ele fez-me logo descer à terra. ‘Bem, esse é o teu trabalho, não é?’”. Nem um unicórnio à vista. Com Revolver, editado em Agosto de 1966, como acontecera antes com Rubber Soul, a música dos Beatles ganhara novas dimensões: a experiência proto-electrónica de Tomorrow never knows, a soul moderna de Got to get you into my life, o Oriente entreaberto por Harrison em Love you to, a desolação existencial de Eleanor Rigby, registada em voz e duplo quarteto de cordas, o rock psicadélico aplicado a questões muito mundanas de Taxman. No estúdio evoluíam e galgavam patamares criativos a uma velocidade estonteante. No exterior, a Beatlemania continuava a rugir. Mas mais perigosa. Entre Junho e Julho, partem em digressão para a Alemanha, Japão e Filipinas. No Japão, recebem ameaças de morte por parte de tradicionalistas que consideram uma afronta um concerto rock no sagrado Budokan e são obrigados a deslocarem-se em carros blindados. Nas Filipinas, recusam participar num jantar de gala servido pela Primeira Dama, Imelda Marcos. Resultado: depois do concerto, sob ameaça de prisão, protagonizam uma fuga digna de filme de acção, perseguidos até ao aeroporto pela polícia e pela população enfurecida. No regresso a Inglaterra, George Harrison comentaria à imprensa: “Vamos tirar um par de semanas para descansar, antes de ir levar tareia dos americanos”. Não era só humor. Aterraram nos Estados Unidos na sequência das famosas declarações de John Lennon ao London Evening Standard, – “Neste momento somos mais populares que Jesus Cristo, e não sei o que desaparecerá primeiro, o rock'n'roll ou o Cristianismo”. No país, promoviam-se autos-de-fé com os discos da banda e boicotes à sua música. A digressão congregaria menos público que as visitas anteriores e ficou marcada pela consciência de que era impossível, naquelas condições, os Beatles serem em palco a banda que haviam sido. Já em Inglaterra, George Harrison ameaça abandonar os Beatles. Recua na condição de as digressões terminarem definitivamente. O resto da banda acompanha-o nesse desejo. Sgt. Pepper começa a nascer. Quando se reúnem novamente, três meses depois, McCartney tinha uma ideia. Inventara uma personagem, Sgt. Pepper, líder de uma banda do início do século XX. Paul, John, George e Ringo seriam a sua banda, forma de se libertarem do peso que carregavam enquanto Beatles e, no processo, de descobrirem novos rumos para a sua música. Era esse o projecto a cumprir quando, em Novembro de 1966, entraram em Abbey Road para as primeiras sessões de Sgt. Pepper. Na cabeça McCartney levava, além do Sargento, o visionário trabalho de Brian Wilson e dos Beach Boys em Pet Sounds. Em Abril de 1967, finalizadas as 700 horas de produção do álbum (quatro anos antes, Please, Please Me, o primeiro, demorara treze horas a gravar), pouco restava do conceito original. Havia Sgt. Pepper's Lonely Hearts Club Band, a canção de abertura, cujo final introduzia a única personagem, Billy Shears (e Ringo aparecia a cantar With a little help from my friends), bem como a respectiva Reprise. Havia a capa, criada por Peter Brown, em que os Beatles, enquanto Sgt. Pepper's Lonely Hearts Clube Band, surgiam à frente de uma galeria de personagens: Fred Astaire, Bob Dylan, Edgar Allan Poe, Lewis Carrol, Oscar Wilde, Marlon Brando, Marylin Monroe, Carl Jung, Stockhausen ou gurus indicados por George Harrison. Uma outra coisa nascera. “Foi com Sgt. Pepper que o meu pai teve tempo ilimitado com eles no estúdio”, conta Giles Martin. “Sentia que, pela primeira vez, estavam a trabalhar juntos da forma adequada”. Libertos dos constrangimentos impostos pela vida pública da Beatlemania, viraram-se para dentro. Exploraram memórias de infância em Penny Lane e Strawberry fields forever, puseram em canção a nova consciência trazida pelo psicadelismo e pelas experiências com LSD - Fixing a hole, Lucy in the sky with diamonds. Viraram-se para a Inglaterra de ontem e transformaram um velho cartaz de circo do século XIX no carnaval surrealista da admirável Being for the benefit of Mr. Kyte. Viraram-se para a Inglaterra do seu tempo e nasceu a excitação rock'n'roll fundada em tédio urbano de Good morning (“I've got nothing to say, but it's ok”, canta Lennon). Nasceu esse portento, ainda hoje inacreditável pelo génio da produção e composição, que é A day in the life (versos inspirados na leitura do Daily Mail). Nem todos os Beatles, assinale-se, viveram as gravações com o mesmo entusiasmo. “A experiência mais marcante das gravações foi ter aprendido a jogar xadrez”, recordou Ringo. George, incomodado com a posição subalterna na banda, reduziu a sua contribuição, em grande parte, à influência indiana. Sgt. Pepper's Lonely Hearts Club Band foi elogiado e reverenciado pelas engenhosas técnicas de estúdio e pela forma como conjugava diferentes expressões musicais – rock'n'roll, pop music-hall, psicadelismo, música concreta, música indiana, pop. Impôs o álbum como unidade, não como conjunto de canções sem ligação óbvia entre si, e deu respeitabilidade às palavras cantadas – as letras surgiram imprimidas pela primeira vez. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Enquanto marco musical e cultural, manteve-se incontestado durante longos anos, surgindo uma vez após outra no topo das listas de melhores discos de sempre. Com o tempo, porém, começaram a surgir as fissuras no seu estatuto. Tão cedo quanto 1981, o crítico musical Lester Bangs escrevia que exalava dele uma seriedade emproada que permitia equivaler a data da sua edição à da morte do rock'n'roll. “Datado”, começou a ver-se escrito, enquanto Revolver e Abbey Road, já neste século, lhe ganhavam vantagem como álbuns superiores. Ainda assim, em 2017, o seu simbolismo mantém-se incontestável. Mas, seguindo o que disse McCartney, tentemos ouvi-lo simplesmente. Teremos perante nós o álbum de uma banda que conjugou de forma admirável o pulsar do presente com uma profunda nostalgia. Uma banda que afirmava uma britishness excêntrica, ora vibrante, ora melancólica, equiparável à do Kinks Ray Davies. Numa época em que se usava como slogan contracultural “não confiem em ninguém com mais de 30 anos”, os Beatles gravavam She's leaving home, desarmante por tão dura quanto comovente, com tanta empatia pela filha que foge quanto pelos pais destroçados que ficam para trás. Ouvimo-lo simplesmente 50 anos depois. Sgt. Pepper's Lonely Hearts Club Band, esse “momento decisivo na história da cultura ocidental”, pode ser simplesmente um disco. Não nos parece que tenha perdido com isso. É magnífico.
REFERÊNCIAS:
Religiões Cristianismo
Câmara de Matosinhos vai demolir casa ilegal em zona de domínio público marítimo
A destruição da habitação, onde vivia uma família que já foi realojada, permitirá a renaturalização dos terrenos em área dunar e a requalificação futura da área envolvente, nomeadamente com a criação de um pequeno parque de estacionamento. (...)

Câmara de Matosinhos vai demolir casa ilegal em zona de domínio público marítimo
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 | Sentimento -0.25
DATA: 2017-06-02 | Jornal Público
SUMÁRIO: A destruição da habitação, onde vivia uma família que já foi realojada, permitirá a renaturalização dos terrenos em área dunar e a requalificação futura da área envolvente, nomeadamente com a criação de um pequeno parque de estacionamento.
TEXTO: A Câmara Municipal de Matosinhos vai demolir, na próxima segunda-feira, uma habitação ilegal em área de domínio público marítimo, na Avenida da Praia de Angeiras, tendo a família já sido realojada, referiu esta sexta-feira a autarquia. "A demolição, a última das operações previstas em área de domínio público marítimo no Norte do concelho, cumpre mais uma etapa na execução do Plano de Ordenamento da Orla Costeira (POOC) Caminha-Espinho, no âmbito do qual cerca de uma dezena de imóveis construídos ilegalmente foram já removidos", salientou, em comunicado enviado à agência Lusa. A destruição da habitação, onde vivia uma família que já foi realojada, permitirá a renaturalização dos terrenos em área dunar e a requalificação futura da área envolvente, nomeadamente com a criação de um pequeno parque de estacionamento de apoio à nova concessão prevista no futuro POOC, que continua em revisão, salientou. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. O projecto de requalificação da orla costeira de Matosinhos implicou, até ao momento, um investimento de 50 milhões de euros, o maior a nível nacional nesta área, acrescentou este município do Distrito do Porto. A demolição da casa, agendada para as 12h de segunda-feira, é uma intervenção de valorização ambiental, incluída no projecto de requalificação da frente marítima e marca o início do Mês do Ambiente de Matosinhos, no âmbito do qual, e até 8 de Julho, estão previstas várias iniciativas. No âmbito do Mês do Ambiente de Matosinhos estão previstas cerca de 30 actividades de promoção e educação ambiental, entre as quais operações de limpeza das margens do rio Leça, oficinas de culinária sustentável e de agricultura biológica, apresentação de um parque para cães, repovoamento de espécies terrestres e marítimas, campanhas de promoção de adopção animal, apresentação do Corredor Verde do Leça, cerimónia de hastear das bandeiras azuis nas praias do concelho e inauguração de uma casa inteligente.
REFERÊNCIAS:
Palavras-chave educação cães animal ilegal