O que há em comum entre um exoesqueleto e o défice cognitivo na doença de Alzheimer?
Projecto que explora um exoesqueleto controlado pela actividade cerebral para reparar lesões vertebro-medulares e estudo sobre proteínas tóxicas no envelhecimento e na doença de Alzheimer são os dois vencedores dos Prémios Santa Casa Neurociências 2018, no valor total de 400 mil euros. (...)

O que há em comum entre um exoesqueleto e o défice cognitivo na doença de Alzheimer?
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 | Sentimento -0.3
DATA: 2018-11-30 | Jornal Público
SUMÁRIO: Projecto que explora um exoesqueleto controlado pela actividade cerebral para reparar lesões vertebro-medulares e estudo sobre proteínas tóxicas no envelhecimento e na doença de Alzheimer são os dois vencedores dos Prémios Santa Casa Neurociências 2018, no valor total de 400 mil euros.
TEXTO: A equipa liderada por Luísa Lopes, do Instituto de Medicina Molecular João Lobo Antunes (em Lisboa), quer avançar no campo da doença de Alzheimer com um passo atrás. Ou seja, o projecto que agora ganhou o Prémio Mantero Belard, no valor de 200 mil euros atribuído pela Santa Casa de Misericórdia, vai focar-se nas etapas mais precoces de uma proteína que acaba por se revelar tóxica no cérebro dos doentes com Alzheimer. O estudo de Nuno Sousa, investigador na Universidade do Minho, que ganhou 200 mil euros com o Prémio Melo e Castro, quer melhorar um exoesqueleto concebido para reabilitação de doentes com lesões vertebro-medulares somando-lhe a capacidade de sentir as variações da temperatura, além do táctil, visual e auditivo. São os dois vencedores da sexta edição dos Prémios Santa Casa Neurociências 2018. Luísa Lopes propõe uma nova abordagem para atacar a doença de Alzheimer que passa por detectar os sinais mais precoces da transformação de uma determinada proteína que, na fase de doença, adquire uma versão tóxica para os neurónios, de uma forma fatal e irreversível. Em vez de estudar a fase em que os neurónios morrem com a proteína tóxica, os investigadores vão centrar-se nas etapas anteriores, ou seja, quando funciona normalmente e quando começa a fazer “apenas” os primeiros estragos ainda ao nível das sinapses. “Os ensaios clínicos e as novas terapias para Alzheimer têm falhado, 99% das terapias têm falhado”, começa por referir Luísa Lopes, explicando que as tentativas têm estado centradas no desenvolvimento de anticorpos capazes eliminar as placas de beta-amilóide no cérebro dos doentes, para agir na fase destrutiva da proteína. Assim a equipa deu um passo atrás. “Já sabemos que estas proteínas ficam tóxicas, tem a ver com problemas de processamento nas células ao longo do envelhecimento, mas queremos perceber melhor o que acontece a essas proteínas no envelhecimento, numa fase anterior à doença. Queremos saber qual é a sua função desde o desenvolvimento embrionário até ao envelhecimento”, explica a investigadora ao PÚBLICO. O projecto começou há três anos e a equipa, que envolve também cientistas do Instituto de Farmacologia e Biologia Molecular de Valbonne (França), já sabe que esta proteína (chamada APP) e que é precursora da beta-amilóide (que depois forma os agregados ou placas nos cérebros de doentes com Alzheimer) desempenha um papel importante na regulação da comunicação neuronal. “Sabemos que ela tem funções sinápticas porque quando a tiramos há desregulação. Mas não sabemos exactamente o que faz”, diz. Mas já existem algumas suspeitas. O trabalho levanta a hipótese de que a APP terá algum tipo de interacção com uns receptores (chamados NMDAR) que funcionam como uma espécie de porta de entrada de cálcio nos neurónios. “A nossa hipótese é que esta proteína regula o NMDAR que, por sua vez, regula os níveis de cálcio. O facto de ela estar desregulada leva a alterações e a défices cognitivos, quando ela está desregulada nas áreas que são responsáveis pela memória”, diz Luísa Lopes. Assim, antes da sua fase tóxica em que mata neurónios, a proteína fornecerá alguns sinais de desregulação nas comunicações entre neurónios e, especificamente, no “circuito” de cálcio que alimenta as células. Nesse caso, há aqui um novo alvo terapêutico? Será possível agir mediante estes alertas e antes que a proteína adquira a sua forma tóxica? Esse é o plano. “O nosso objectivo é perceber quando é que acontece esta modificação, quando passamos de uma disfunção precoce para a morte do neurónio. Achamos que aqui teremos uma janela terapêutica. Se soubermos mais sobre este processo, que é precoce, obviamente conseguiremos ter melhores alvos terapêuticos. ”Mas para agir mais precocemente é preciso um diagnóstico precoce. E aí entra uma nova tecnologia (que não foi desenvolvida por esta equipa) que permitirá obter as “assinaturas sinápticas” dos neurónios a partir de uma simples amostra de células de pele. “Esta tecnologia permite transformar as células da pele em neurónios e assim podemos ter acesso às células de pacientes de uma forma não invasiva. Assim, consegue-se manter a assinatura do envelhecimento nos neurónios ao contrário da técnica das células estaminais pluripotentes induzidas que implicam um rejuvenescimento. Vamos ver se o que vamos registar nas pessoas envelhecidas é o mesmo que estamos a ver nos modelos animais”, adianta Luísa Melo. Se a equipa conseguir detectar a fase pré-tóxica desta proteína, através da desregulação nas entradas de cálcio ou outros sinais, será então necessário pensar em formas de agir e prevenir o pior. Nuno Sousa desenvolve o seu trabalho em colaboração de outras entidades como o Instituto Santos Dumont (no Brasil), o Hospital Senhora da Oliveira em Guimarães e a Universidade Católica Portuguesa. O título da proposta vencedora é “Exosqueleto controlado por actividade cerebral para reabilitação vertebro-medular”. No resumo, os investigadores explicam que em estudos anteriores a equipa conseguiu “induzir a recuperação parcial de movimentos e percepção táctil em pacientes com lesões vertebro-medulares após o treino prolongado com um exoesqueleto controlado por actividade cerebral (medida através de electroencefalografia) que incluía feedback táctil e realidade virtual”. Segundo explicam, a melhoria “sensoriomotora” deveu-se à “integração de sinais motores e percepção multissensorial” associadas à vontade do paciente. Nuno Sousa explicou ao PÚBLICO que o exoesqueleto usado no projecto foi desenvolvido por uma empresa e é utilizado em programas de reabilitação mas sobretudo para a recuperação da parte motora. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. “A ideia aqui é melhorar o exoesqueleto que pode ser controlado por sinais de EEG, dando informação térmica e táctil ao paciente e fazendo um esforço para que tenha informação sensorial, combinada com informação visual e formação auditiva e melhor controlo dos sinais electrocefalográficos. ” O peso da ajuda que o exoesqueleto pode representar na recuperação depende do tipo de lesão do doente e não vale por si só, surgindo sempre como complemento num programa mais vasto de reabilitação. Mas Nuno Sousa refere que os resultados obtidos permitem já concluir que “há alguma recuperação plástica do sistema nervoso, alguma recuperação motora e sensorial”. A equipa espera que a recuperação parcial das lesões possa ser acelerada se os sinais de feedback forem enriquecidos com informação sobre a temperatura, coerente com os restantes estímulos. “Gostávamos de melhorar a incorporação dos sinais e fazendo com que o doente se sentisse melhor e tivesse uma sensação mais integral da sua recuperação”, diz Nuno Sousa. Esta estratégia não consegue devolver ao doente os estímulos sensoriais que possa ter perdido mas contorna o défice sensorial enviando informações (sinais) para zonas do corpo acima da lesão. O upgrade vai implicar um novo esquema de treino que até agora incluía um exoesqueleto controlado por actividade cerebral (EEG), realidade virtual, e feedback táctil. Os investigadores querem, por exemplo, treinar pacientes a controlar um avatar (com a representação das suas pernas) através da modulação do sinal de EEG enquanto recebem feedback táctil, visual, auditivo e térmico. Outro dos exercícios passa por colocar doentes de pé “durante a reabilitação com marcha roboticamente assistida enquanto recebem o feedback”. Os Prémios Santa Casa Neurociências, criados em 2013, representam um investimento anual de 400 mil euros, e têm como objectivo a promoção de investigação científica em duas grandes áreas da actuação da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa: a recuperação de lesões vertebro-medulares e o tratamento de pessoas com doenças neurodegenerativas, associadas ao envelhecimento.
REFERÊNCIAS:
Decorações da Casa Branca voltam a ser alvo de chacota
As árvores encarnadas suscitaram comparações à Rua Sésamo, Handmaid's Tale e The Shining. (...)

Decorações da Casa Branca voltam a ser alvo de chacota
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 | Sentimento 0.0
DATA: 2018-11-30 | Jornal Público
SUMÁRIO: As árvores encarnadas suscitaram comparações à Rua Sésamo, Handmaid's Tale e The Shining.
TEXTO: A Casa Branca revelou esta semana imagens das decorações de Natal, voltando a suscitar uma série de piadas. Como é costume há várias décadas, a decoração é da responsabilidade da primeira-dama. Melania Trump encheu um corredor com 40 árvores altas e encarnadas e declarou "American Treasures" como tema oficial dos enfeites natalícios. A Internet respondeu com chacota. A Casa Branca apresentou as decorações aos jornalistas e lançou um vídeo de um minuto a mostrar as várias salas e corredores. Foram usados ao todo mais de seis mil metros de luzes de Natal, 12 mil laços e 14 mil ornamentos (alguns com o slogan da campanha de anti-bullying de Melania, Be Best), instalados ao longo de vários dias com a ajuda de 225 voluntários. Já a árvore oficial, na Blue Room, mede 5, 49 metros. "A escolha do encarnado é uma extensão das riscas que se encontram no selo presidencial desenhado pelos nossos fundadores. É um símbolo de valor e bravura", explica a primeira-dama, citada pelo Washington Post. Não tardaram a chegar os memes. Alguns colocavam chapéus brancos no topo das árvores, em alusão à adaptação do livro Handmaid's Tale, de Margaret Atwood, ao pequeno ecrã. Outros comparavam as árvores ao monstro Elmo, da Rua Sésamo. Houve quem lembrasse ainda o jogo fictício The Cones of Dunshire, da série Parks and Recreation. As referências ao The Shining são uma constante. Se no ano passado o corredor de árvores brancas levou muitos a considerar o cenário equiparável ao de um filme de terror e alguém a lembrar-se de sobrepor uma imagem da personagem Jack Nicholson no final do filme; este ano a escolha da cor vermelha resultou na frase "all work and no play makes Melania be best". Também não faltou o meme com as duas gémeas no corredor. Não esquecer que a Casa Branca tem uma sala chamada Red Room — que Melania decorou com coroas feitas de lápis com o logo Be Best. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Segundo o Washington Post foi Jacky Kennedy quem começou a definir temas para as decorações de Natal da Casa Branca. O primeiro, em 1961, foi "Nutcracker Suite", repleto de elementos do icónico bailado de Tchaikovsky, o Quebra Nozes. Nancy Reagan chegou a escolher o tema "A Musical Christmas". Hillary Clinton inspirou-se na oficina do Pai Natal, "Santa's Workshop". Durante o mandato de Obama, os cães da família, Sunny e Bo, apareceram várias vezes ilustrados nas decorações.
REFERÊNCIAS:
Partidos BE
Exílios da memória: progresso e nostalgia
Uma deambulação pelos rios e lagos suíços que acolheram músicos, escritores e filósofos nos seus exílios. Wagner, Sebald, Mann, St. Gall, Nietzsche. Lugares que revelam a confluência da fé no progresso com a nostalgia pela tradição. (...)

Exílios da memória: progresso e nostalgia
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 | Sentimento 0.0
DATA: 2018-11-30 | Jornal Público
SUMÁRIO: Uma deambulação pelos rios e lagos suíços que acolheram músicos, escritores e filósofos nos seus exílios. Wagner, Sebald, Mann, St. Gall, Nietzsche. Lugares que revelam a confluência da fé no progresso com a nostalgia pela tradição.
TEXTO: Na terceira parte da viagem rumamos a norte, passando pelos lagos da Suíça germânica e pelas várias paisagens que influenciaram os exílios de músicos, filósofos e escritores. Partimos do Grimselsee, exploramos a bacia hidrográfica do Reno, passando pelas abadias medievais do lago Constança, seguimos até aos sanatórios de Davos, terminando em Sils, no vale do Engadin. Este percurso permite-nos reflectir sobre o papel da arte como expressão da identidade colectiva durante o século XIX, encontrar lugares de preservação da memória cultural, de desenvolvimento tecnológico em nome da pátria e paisagens que inspiraram reflexões sobre a história e a cultura. Estes lugares revelam as tensões entre a procura de uma identidade cultural colectiva materializada nas ideias de autenticidade e tradição — kultur — e a construção de uma identidade individual — bildung. Percorremos o curso do rio Aare em direcção ao mar do Norte, passando por inúmeras barragens e reservatórios até encontrar o rio Reuss, que seguimos até às margens do lago Lucerna. Neste lago rodeado de montanhas azuladas — Rigi e Pilatus —, há uma península onde encontramos a Villa Tribschen, a casa onde Richard Wagner viveu entre 1866 e 1872, os sete anos do seu segundo exílio suíço. Foi Luís II da Baviera que financiou a estreia de Tristão e Isolda na Ópera de Munique em 1865 e patrocinou a estada em Tribschen de Wagner e Cosima — filha do compositor Franz Liszt. Foi neste momento que Wagner retomou o trabalho da tetralogia O Anel do Nibelungo, que estava suspenso desde 1857, e iniciou o último capítulo da sua carreira que culminaria em Bayreuth. Da margem do lago, subimos uma colina até à Villa Tribschen, com o perfil do monte Pilatus ao fundo. Nas salas encontramos o piano Erard — que o acompanhou desde Veneza a Bayreuth —, pautas manuscritas, aguarelas e uma lista de visitas onde constam Gottfried Semper — o arquitecto da Ópera de Dresden — e Friedrich Nietzsche. Nietzsche visitou Wagner pela primeira vez em 1869 e a partir daí desenvolveram uma amizade fundada numa admiração mútua pela obra do filósofo Arthur Schopenhauer. Foi depois de ler O Mundo como Vontade e Representação (1819) que Wagner suspendeu o trabalho em O Anel do Nibelungo e em 1858 compôs Tristão e Isolda com novas ideias sobre a música. Subimos ao segundo andar, onde estavam os quartos de Cosima e dos convidados. Nietzsche visitava tão regularmente o compositor que tinha o seu próprio quarto. Da janela aberta vimos o perfil do monte Rigi a leste, tão azul como na aguarela The Blue Rigi (1842) de J. M. W. Turner. Os diálogos de Nietzsche com Wagner conduziram à escrita de O Nascimento da Tragédia a partir do Espírito da Música (1872). Para Nietzsche, a música de Wagner dava acesso ao “arrebatamento que resulta do colapso do principium individuationis” de onde “vislumbramos a essência do Dionisíaco, que nos é revelado pela analogia da embriaguez”. Nietzsche foi voluntário na Guerra Franco-Prussiana (1870-71), apesar de ter renunciado à sua cidadania prussa no ano anterior. Como professor de Filologia em Basileia e residente na Suíça — um país neutro —, foi apenas autorizado a participar como paramédico. Passou uma semana na frente de guerra, tendo sido dispensado por doença no dia 2 de Setembro, na Batalha de Sedan — o mesmo dia em que Napoleão III se rendeu. Em Lucerna, visitámos o Bourbaki Panorama, uma pintura com 112 metros de perímetro, que representa um importante episódio da Guerra Franco-Prussiana, a rendição das tropas francesas, comandadas pelo general Charles Bourbaki, na fronteira entre a França e a Suíça. Este panorama foi pintado por uma equipa liderada por Édouard Castres — que tinha testemunhado o conflito como voluntário da Cruz Vermelha. A pintura representa o cansaço, o desânimo e as privações dos soldados, que depois de entregarem as suas armas recebem ajuda antes de serem colocados em comboios como prisioneiros de guerra. Nota-se a diferença entre o lado sombrio de França — de onde emergem as tropas — e o lado suíço — onde uma aurora clara assinala a paz e as protecções garantidas pela Convenção de Genebra. Sem oposição, as tropas alemãs cercaram Paris. Em Janeiro de 1871, o chanceler Otto von Bismarck conduziu a Proclamação do Império Alemão e do kaiser Guilherme I, na Sala dos Espelhos em Versalhes — sob o tecto que celebra as vitórias de Louis XIV no Reno — consumando a unificação dos reinos e principados que faziam parte da Confederação Germânica. A propósito desta vitória, Nietzsche reflectiu em 1872: “Das consequências que decorreram da guerra recente com França, talvez a mais grave seja um erro largamente difundido: [que para além do Exército] também a cultura alemã foi vitoriosa nesse conflito e, portanto, deve ser coroada de louros. ”É no contexto da unificação germânica que Wagner termina a composição da música dos últimos dois capítulos de O Anel e procura apoio para construir um teatro onde possa criar um festival — à semelhança dos festivais dionisíacos de Atenas — e apresentar o ciclo completo da sua tetralogia, o primeiro dos quais tem lugar em Bayreuth, em 1876. A origem de O Anel é um poema medieval — Nibelungenlied — esquecido durante vários séculos até ser recuperado em 1755. Goethe não lhe deu importância, mais tarde Friedrich Schlegel admirou-o e gradualmente transformou-se num épico nacional. Em 1848, quando um jornal de música incentivou a criação de uma ópera baseada em Nibelungenlied, Wagner respondeu com o libreto de Siegfrieds Tod, que acabou por ser utilizado para o último capítulo do ciclo. Wagner parece personificar uma descrição do seu texto Was ist Deutsch? (1865): “Na sua alta torre erguida até às nuvens (. . . ) mantém vivos os feitos dos antepassados e tece os mitos dos deuses da nação numa teia infindável de sagas. ”Durante o tempo que passou em Dresden, onde era kappelmeister (mestre de capela), Wagner já tinha composto uma ópera baseada numa narrativa medieval, Tannhäuser, estreada em 1845 no teatro projectado por Semper. A abertura e o primeiro acto mostram o fim dos sete anos que o bardo medieval Tannhäuser passou em dissolução dionisíaca na Venusberg — a montanha onde reside Vénus. Anos depois, Semper e Wagner participaram na revolta de Maio de 1849 em Dresden — o arquitecto construiu barricadas e o músico encomendou granadas —, cujo fracasso resultou no exílio de ambos. Wagner escapou para Zurique e não assistiu à estreia de Lohengrin em Weimar, dirigida por Franz Liszt, para comemorar o centésimo primeiro aniversário de Goethe. Lembramo-nos das palavras de Goethe: “A literatura nacional é agora [1828] um termo sem significado; a época da literatura do mundo aproxima-se e todos devemos apressar a sua chegada. Mas, enquanto valorizamos o que é estrangeiro, não nos devemos confinar a nenhum modelo em particular. Não devemos dar esse valor à China, à Sérvia, a Calderón [de la Barca] nem a Nibelungen. ”Saímos de Lucerna, passamos por Zurique a caminho de Reichenau, uma ilha do lago Constança que marca o início do Reno alemão. Aí houve um importante centro de produção de manuscritos e de bibliotecas entre os séculos XI e XII. A hagiografia de St. Gall foi escrita por monges beneditinos de Reichenau e conta a sua viagem desde a Irlanda subindo o Reno, passando pelo reino dos burgúndios — onde se centra a acção de Nibelungenlied —, até construir o seu eremitério nas margens do lago Constança. Deixamos Reichenau e seguimos o percurso deste monge irlandês ao longo do lago até St. Gallen. É na biblioteca da Abadia de St. Gall que está guardado o mais antigo dos raros manuscritos de Nibelungenlied — o manuscrito B. Durante a Reforma Protestante, no iconoclasmo de 1528, a abadia foi parcialmente destruída — a colecção da biblioteca foi preservada — e foi construído um muro que a separou da cidade de St. Gallen, que se tinha desenvolvido à sua volta nos últimos oito séculos. A importância das bibliotecas monásticas para a preservação da memória cultural europeia não deve ser esquecida. Foi na biblioteca da Abadia de St. Gall que Poggio Bracciolini redescobriu em 1414 o manuscrito de De Architectura, de Vitrúvio, um tratado cujo impacto cultural se fez sentir desde o Renascimento até hoje. Do espaço desta biblioteca medieval já só resta a memória, o que podemos visitar hoje é uma sala barroca com elegantes estantes de madeira. Estavam em exposição uma série de manuscritos medievais irlandeses, um dos quais os evangelhos de St. Gall, aberto numa página com uma figura de braços abertos, pintada em tons de terra de Siena e vermelho de Veneza. Visitámos a igreja da abadia, reconstruída no século XVIII, que nos lembra as igrejas barrocas de peregrinação, como a igreja de Wies, assim como o tecto da Residência de Würzburg (ambos na Alemanha), pintado por Tiepolo. Durante o seu exílio na Suíça, Wagner fez várias caminhadas pelos Alpes e nós seguimos uma das suas visitas ao Seealpsee — um pequeno lago nos Alpes Appenzell. Subimos pelo vale seguindo um rio, passamos por prados verdes com pinheiros escuros, acompanhados por uma música intermitente que ocupava todo o vale com uma sonoridade esparsa e abstracta — entre Arvo Pärt e Steve Reich —, criada pelos badalos dos animais que pastavam nas encostas e parecia marcar a entrada para um lugar mágico. O pequeno lago, enquadrado pelos cumes do Säntis e Altenalp Türm parece uma pintura romântica e evoca a cenografia das encenações da Venusberg no Tannhäuser de Wagner. Baudelaire assistiu à apresentação desta ópera em Paris em 1861 e escreveu: “A radiosa Vénus antiga, a Afrodite nascida da espuma branca, não atravessou impunemente a escuridão horrífica da Idade Média (. . . ) ela retirou-se para o fundo de uma caverna, magnífica, é certo, mas iluminada por chamas que não são as do benevolente Apolo. Os poemas de Wagner (. . . ) partilham intensamente o espírito romântico (. . . ) e assemelham-se às grandes visões que a Idade Média apresentava sobre as paredes das suas igrejas ou tecia nas suas magníficas tapeçarias. ”As árvores à beira do lago, com as suas raízes contorcidas sobre as rochas, harmonizadas com a cor da pequena igreja, transportam-nos para as florestas primevas desenhadas por Otto Hunte para a cenografia de Os Nibelungos — A Morte de Siegfried (1924), de Fritz Lang. Este filme é baseado em Nibelungenlied, e como o poema está dividido em duas partes. A primeira conta a história de Siegfried, um príncipe da região do Reno que se aventura pelo reino dos burgúndios — governado por Gunther — e onde acaba por morrer. A segunda parte conta a história da vingança de Kriemhild — a sua mulher e irmã de Gunther —, que massacra todos os responsáveis pela morte de Siegfried. Lang realizou as duas partes do épico, seguindo o argumento de Thea von Harbou, sua mulher, em cinco inebriantes horas de paisagem, morte e vingança. As peripécias narrativas são absurdas, mas a cenografia cria quadros surpreendentes, de inspiração medieval reinterpretada de um modo modernista. Recorda-nos as fantasias de Schlegel em Fundamentos da Arquitectura Gótica (1803): “O Reno é aqui mais belo, animado no seu curso por (. . . ) rochedos suspensos e castelos arruinados, parece uma pintura, a criação intencional de um génio artístico. ”Quando Lang foi a Nova Iorque apresentar a estreia de Os Nibelungos, a cidade revelou-lhe o imaginário do seu próximo filme, Metropolis (1927), em que voltou a colaborar com Von Harbou e Hunte. O filme representa uma distopia futurista e tecnológica onde máquinas voadoras atravessam os desfiladeiros criados por arranha-céus e uma sociedade que parece materializar as proféticas palavras que Jacob Burckhardt — colega de Nietzsche em Basileia — escreveu em 1870: “[A máquina militar] vai tornar-se o modelo da existência. (. . . ) De todas as classes, os trabalhadores vão sofrer as transformações mais estranhas; (. . . ) uma pobreza planeada e controlada, com promoções e uniformes, começando e acabando diariamente ao som dos tambores é o que deve logicamente seguir-se. ”Estes dois filmes de Lang revelam a tensão, que animava a república de Weimar (1919-1933), entre a alienação da vida na sociedade industrial moderna e a nostalgia que busca a autenticidade nos mitos fundadores e na tradição. Contornamos o lago Constança — Bodensee — passando por pomares de macieiras e vinhas. Chegamos a Friedrichshafen ao anoitecer, uma cidade banal na margem norte do lago, onde foi fundada a Luftschiffbau Zeppelin GmbH, um centro industrial de design e fabrico de dirigíveis. O conde Ferdinand Adolf von Zeppelin, oficial na Guerra Franco-Prussiana, começou a desenvolver a ideia deste meio de transporte em 1874, o seu primeiro dirigível LZ 1 voou sobre o lago Constança em 1900, e as ligações comerciais regulares entre Berlim, Munique e Friedrichshafen começaram em 1910 — a primeira companhia aérea comercial. Visitámos o Zeppelin Museum, que celebra a engenharia e o progresso e se situa na antiga estação ferroviária do porto de Friedrichshafen — um edifício modernista, inaugurado em 1933, com uma torre de relógio e longas varandas horizontais. Entramos numa reconstituição do interior do famoso LZ 129 Hindenburg — o “navio dos céus” —, que servia para atravessar o Atlântico luxuosamente e que acabou em chamas em 1937 numa das mais mediáticas tragédias da aviação. Durante a I Guerra Mundial, os zeppelins passaram a ser usados em bombardeamentos de várias cidades europeias, como Paris e Londres. Os primeiros bombardeamentos no Reino Unido, em 1915, atingiram Norfolk e Lowestoft — a área que W. G. Sebald explora em Os Anéis de Saturno (1995). É a pensar em Sebald que seguimos para leste até aos Alpes Algäu, na direcção de Wertach — W. em Vertigo (1990) — uma pequena vila onde o autor nasceu e é o foco do quarto capítulo de Vertigo — Ritorno in Patria, o regresso do exílio — onde descreve a sua caminhada entre o posto fronteiriço de Oberjoch, na fronteira austro-alemã, e Wertach. Quando chegamos, procuramos o Engelwirt, a estalagem onde Sebald viveu durante a sua juventude — um edifício no “estilo pseudo-alpino que se tornou o novo vernacular” —, onde almoçamos no pequeno restaurante sob uma enorme árvore. Decidimos apanhar o autocarro até Oberjoch e regressar a pé até Wertach. Na vila deserta, esperamos pelo autocarro enquanto estudamos o mapa do percurso que hoje tem o nome de Sebaldweg. Iniciamos esse caminho ao fim da tarde, passando pelos lugares que o autor descreve. Paramos debaixo das últimas árvores antes dos prados de Krummenbach, onde Sebald ficou longamente a observar “da escuridão, a neve branca acinzentada a cair e o seu silêncio extinguindo completamente a pouca cor pálida que havia nesses campos desertos”. Aproximamo-nos da pequena capela onde não cabem mais de uma dúzia de pessoas. Sebald faz uma meditação sobre as pinturas modestas desta igreja e as pinturas espectaculares de Tiepolo na residência de Würzburg, assemelhando a dedicação e o esforço de ambos os artistas apesar da diferença dos resultados: “Pensando sobre o pintor de Krummenbach que, talvez no mesmo Inverno, trabalhou tão arduamente para representar as 14 estações da Via Crucis, como Tiepolo no seu magnífico fresco. ”Continuamos o caminho passando por pequenos teleféricos abandonados até ao próximo Inverno, que pontuam a paisagem numa área principalmente agrícola, como o ar pungente indica. O processo de síntese do amoníaco, descoberto pelo químico Fritz Haber em 1908, levou à produção de fertilizantes artificiais e revolucionou a produção agrícola mundial, valendo-lhe o Prémio Nobel da Química em 1918. Durante a I Guerra Mundial, Haber liderou o desenvolvimento de armas químicas para o Exército alemão, tendo sido o oficial que conduziu o primeiro ataque com gás de cloro durante a Segunda Batalha de Ypres, na Bélgica. Milhares de soldados sofreram uma morte lenta e dolorosa, que Haber celebrou como um sucesso, pois a sua máxima era: trabalhar “em tempo de paz para a humanidade, em tempo de guerra para a pátria”. Depois da guerra, Haber continuou as suas investigações no Kaiser Wilhelm Institut, entre as quais, desenvolvendo o insecticida Zyklon A. Em 1933, abandonou as suas funções como director do instituto e foi forçado a sair da Alemanha — por ser de origem judaica. O gás usado nos campos de extermínio durante a II Guerra Mundial — Zyklon B — foi uma variante desenvolvida a partir das suas pesquisas. Ao anoitecer, chegamos finalmente à serração e ao início da Alpenstrasse, onde Sebald permaneceu “durante muito tempo na ponte de pedra a pouca distância das primeiras casas de W. , a ouvir o murmúrio constante do rio e olhando a escuridão que cobria tudo”. Chegamos a Wertach e passamos pela casa onde Sebald nasceu, com dois murais que decoram a sua fachada, numa minúscula praça sombria. No dia seguinte, partimos cedo, passamos o posto fronteiriço de Oberjoch para a Áustria, procurando o vale do rio Inn. Passamos o Fern Pass, seguimos o curso do rio até à fronteira da Suíça, entrando no cantão de Grisons. Nesta área, os nomes da cidades — Scuol, Guarda — e das montanhas — Piz Buin — têm uma sonoridade familiar, pois a língua romanche, uma das línguas oficiais, tem raízes latinas. Dirigimo-nos para Davos através do Flüella Pass, onde a paisagem se transforma, ficando mais dramática. Paramos para ver o vale de Piz Vadret, onde a beleza é terrena, mas estranha e vazia. Os cumes de Schwarzhorn e Wisshorn parecem guardar a entrada de um lugar quimérico, no entanto esta sensação dissipa-se quando chegamos a Davos, que partilha a vulgaridade opulenta de certas cidades suíças. Foi aqui que, em 1912, Thomas Mann visitou a sua mulher, Katia, no Wald Sanatorium. Nesse ano, Mann começou a trabalhar em A Montanha Mágica (1924), mas foi interrompido pela I Guerra Mundial, um período que passou a escrever Reflexões de Um Apolítico (1918) — publicado no mês em que a Alemanha se rendeu. As suas ideias são surpreendentes, inesperadas para um leitor contemporâneo. Mann afirma que “o espírito nacional fala através de [si]” quando diz que “a tradição germânica é cultura, alma, liberdade, arte e não civilização, sociedade, direito ao voto, e literatura”. Se é verdade que Mann eventualmente repudiou estes textos, eles permanecem como um testemunho da sua posição durante a guerra. Depois disso, passou seis anos a reescrever A Montanha Mágica, que foi publicado em 1924, no mesmo ano de Die Nibelungen, de Lang. No centro de Davos apanhamos o funicular para Schatzalp, um hotel que Mann descreve como “o mais alto dos sanatórios” e onde ainda se mantém o ambiente do romance. É um lugar suspenso no tempo — as salas comuns ainda mantêm a formalidade de outrora — e no espaço — só se avistam montanhas e florestas longínquas, parecendo levitar sobre Davos. A Montanha Mágica é uma obra em que se encenam uma série de debates cruciais para a definição da cultura europeia. Susan Sontag relembra um encontro com Mann em 1947, em que este lhe disse que a obra “retratava os conflitos no centro da civilização europeia”. Ao fazermos uma caminhada perto do hotel, lembramos as conversas entre Hans Castorp — o jovem engenheiro naval e personagem central — e Settembrini — o apolíneo representante dos ideais do Iluminismo. Para quem “a húbris da razão dirigida contra as forças obscuras é a mais alta forma de humanidade”, mesmo “quando um [navio] luxuoso se afunda e mergulha nas profundezas, essa é uma derrota honrada”. Mann parece lembrar-se da tragédia do Titanic em 1912 e antecipar a do LZ 129 Hindenburg, em 1937. Na sala do pequeno-almoço do Schatzalp, esperamos a qualquer momento que Clavdia Chauchat — a dionisíaca que mantém Castorp durante sete anos na Zauberberg, tal como Vénus mantém Tannhäuser na Venusberg — bata com a porta da entrada. Para Chauchat, a moralidade deve ser procurada “no abandono ao perigo, ao que nos possa magoar, destruir” e parece-lhe que “é mais moral perder-se e deixar-se arruinar do que salvar-se”. Castorp é uma figura passiva que ingenuamente se encontra no centro destas tensões. Lembramos a insistência de Settembrini para que Castorp deixasse o sanatório, evitasse Chauchat e regressasse à sociedade, algo que ele não parecia disposto a fazer. Chauchat, no capítulo Walpurgisnacht, diz a Castorp que ele é “um jovem simples (. . . ) que em breve irá regressar às planícies para esquecer completamente que alguma vez falou como num sonho [na Zauberberg] e para ajudar a grande e poderosa pátria com trabalho honesto nos estaleiros [navais]”, tal como Zeppelin e Haber. De facto, só quando o dever patriótico o chamou, no início da I Guerra Mundial, é que Castorp abandonou a montanha mágica. Mann coloca Castorp na frente de guerra, onde, “pleno de horror, um produto da ciência enlouquecida atravessa-se trinta metros à sua frente, enterra-se no solo [e] explode dentro da terra com uma força horrenda que atira ao ar um jacto de solo, fogo, ferro, chumbo e humanidade desmembrada”, entoa nervosamente a melodia de Der Lindenbaum, canção do Winterreise de Franz Schubert. Visitámos o escritório de Mann, numa sala da ETH em Zurique — Instituto Federal de Tecnologia —, cujo edifício principal foi projectado por Semper. Quando entrámos na sala, fomos transportados no tempo. Percorremos as estantes da sua biblioteca estudando os volumes sumptuosos com nomes gravados em Fraktur: Goethe, Nietzsche, Wagner. As estantes estão agrupadas de acordo com as obras às quais serviram como material de pesquisa, paramos diante daquela relativa a Doutor Fausto (1947). Há vários livros em inglês, resultado do exílio nos Estados Unidos. Pedimos para ver Rousseau and Romanticism — Rousseau e o Romantismo (1919) — de Irving Babbit. Na página 345, Mann sublinhou: “Tanto o nacionalismo emocional, como o internacionalismo emocional têm raízes em Rousseau, mas no final ele é um nacionalista emocional; isto porque viu que a ‘virtude’ patriótica é uma droga mais potente do que o amor pela humanidade. ”No centro da sua secretária, repleta de retratos e objectos exóticos, existe uma medalha com o perfil de Lev Tolstoi. Reconhecemos o sofá americano que Mann tinha em Pacific Palisades e que Sontag descreveu num texto publicado na revista The New Yorker — Pilgrimage (1987) —, onde descreve a sua visita, em 1947, quando tinha 14 anos. Sontag conta que Mann tinha acabado de escrever “um romance parcialmente baseado na vida de Nietzsche”, cujo “protagonista, contudo, não é um filósofo. É um grande compositor” — Doutor Fausto. Der Zauberberg é uma expressão emprestada de O Nascimento da Tragédia a partir do Espírito da Música, obra onde Nietzsche estabelece os conceitos de apolíneo e dionisíaco, a tensão desta dualidade no indivíduo e o papel da arte na sociedade. Deixamos Davos e regressamos ao vale do Engadin, seguimos de novo o curso do rio Inn, passando por St. Moritz até Sils, uma pequena vila no fim desse vale. Foi aqui que Nietzsche passou a maior parte dos verões a partir de 1881 — no início do seu exílio peripatético, depois de abandonar a universidade de Basileia —, ficando hospedado numa estalagem que hoje é uma casa-museu. Durante as suas estadas em Sils, Nietzsche passava os finais do dia a caminhar pelo vale Fex e a admirar a paisagem que aliviava os seus sintomas. Fizemos uma caminhada por esse vale, ao longo do rio Fedacla, passando por Fex Crasta em direcção aos glaciares. Os pequenos aglomerados de casas tradicionais do Engadin evocam tempos harmoniosos de uma beleza simples e tocante. Parece ser o lugar apropriado para as almas sensíveis se refugiarem do mundo. Nietzsche tinha uma enorme admiração pela música de Wagner como uma arte capaz de evocar o transcendente. No ano do primeiro festival de Bayreuth — com a apresentação do ciclo completo de O Anel do Nibelungo, em 1876 —, Nietzsche publicou Considerações Intempestivas. No último capítulo, Richard Wagner in Bayreuth, escreve: “N’O Anel do Nibelungo, por exemplo, quando Brunhilde é acordada por Siegfried, sinto a música mais moral que já alguma vez ouvi. Aqui Wagner atinge um tal nível de sentimento sagrado que a nossa mente inconscientemente vagueia pelos cumes nevados e brilhantes dos Alpes. ”No entanto, Nietzsche gradualmente descobriu que não admirava mais nada em Wagner e repudiou publicamente o seu entusiasmo inicial no livro Nietzsche Contra Wagner (1889). A recepção da obra de Nietzsche foi muito influenciada pela edição abusiva feita pela sua irmã Elisabeth, que controlava o seu arquivo literário. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Para Nietzsche, “o melhor livro alemão” seria Conversações com Goethe (1836), um relato dos diálogos entre este e o seu secretário, Johann Eckermann —, onde, a certa altura, Goethe reflecte sobre o ódio entre as nações, que “é sempre mais forte e mais violento onde há menos cultura”. “Há um momento em que este [ódio] desaparece, quando nos posicionamos, por assim dizer, acima das nações e sentimos a fortuna e o desastre dos povos vizinhos como se fossem nossos. ”Continuamos a nossa viagem, passamos pelo Maloja Pass, a partir daqui as águas dos rios correm na direcção do Pó e do Mediterrâneo. Antes de chegar a Itália, paramos na fronteira, em Castasegna, para ver a Villa Garbald — a antiga casa do oficial da alfândega, projectada por Gottfried Semper, em 1863. No próximo capítulo caminharemos nas montanhas que rodeiam o lago Como, passaremos pelas planícies da Lombardia e regressaremos ao Mediterrâneo.
REFERÊNCIAS:
Palavras-chave morte guerra filha cultura ataque mulher ajuda doença pobreza
Impérios inconstantes: revolucionários e futuristas
Uma campanha pelos lagos da Lombardia e planícies do Pó onde escritores, cineastas e arquitectos encenaram mundos que cristalizavam o seu imaginário revolucionário. Stendhal, Marinetti, Visconti, Rossi, Garibaldi. Lugares que revelam a tensão resultante de fronteiras e identidades constantemente negociadas. (...)

Impérios inconstantes: revolucionários e futuristas
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 | Sentimento 0.0
DATA: 2018-11-30 | Jornal Público
SUMÁRIO: Uma campanha pelos lagos da Lombardia e planícies do Pó onde escritores, cineastas e arquitectos encenaram mundos que cristalizavam o seu imaginário revolucionário. Stendhal, Marinetti, Visconti, Rossi, Garibaldi. Lugares que revelam a tensão resultante de fronteiras e identidades constantemente negociadas.
TEXTO: Na última parte desta viagem, regressamos ao Mediterrâneo, passando pelos lagos da Lombardia e pelos lugares que inspiraram narrativas de escritores, cineastas e arquitectos. Partimos de Griante, na margem do lago de Como, passando por Milão e pelas planícies do rio Pó até à Ligúria, e terminando em Nice. Este percurso permite-nos reflectir sobre o breve momento de entusiasmo republicano, no seguimento das Guerras Revolucionárias Francesas, que deu origem à República Cisalpina. Vamos encontrar marcas de conflitos num território cujas fronteiras foram constantemente negociadas, os lugares resultantes das migrações internas do pós-guerra e os monumentos que celebram a luta pela unificação de Itália. Estas paisagens revelam as tensões entre a imposição de fronteiras artificiais do Estado-nação sobre o mosaico orgânico de múltiplas identidades. Depois de entrar em Itália, seguimos o rio Mera, passando por Chiavenna. Aqui há um contraste entre a beleza das montanhas e a banalidade dos pavilhões que pontuam a strada statale. Entramos no braço norte do lago de Como, seguimos para sul pela margem oeste e ao passar por Dongo recordamos Fabrice, marchesino del Dongo, o herói de A Cartuxa de Parma (1839) de Stendhal. Continuamos até Griante à procura das “colinas de formas admiráveis que se precipitam sobre o lago com encostas tão singulares” que permitem “reter todas as ilusões das descrições de Tasso e Ariosto. Tudo é nobre e terno, tudo fala de romance, nada nos lembra a fealdade da civilização”. Foi nestas margens que Fabrice passou “o inverno melancólico” da sua infância, no castelo de Grianta — onde o seu pai professava “um ódio vigoroso pelo Iluminismo” e cujas paredes “negras e antigas eram agora os símbolos e outrora os instrumentos da tirania”. Quando recebe a notícia de que Napoleão escapou de Elba, decide atravessar os Alpes com a intenção de se juntar ao seu exército — apesar dos seus 16 anos — para “morrer ou vencer com esse homem marcado pelo destino, ” porque “ele queria dar-nos uma pátria” — il voulut nous donner une patrie. Nesse mesmo dia Fabrice passa as montanhas entre Griante e Menaggio. Procurámos recriar esse percurso explorando os caminhos entre Griante e o Sasso San Martino — o enorme rochedo que paira sobre a pequena vila. Acompanhados por borboletas cor de laranja, subimos o trilho de seixos redondos até descobrir, escondida entre a vegetação, a Capella degli Alpini. Lá dentro encontramos murais em que alpinistas enfrentam tempestades de neve, ao lado das listas de nomes que homenageiam os caduti nas duas grandes guerras. Lembramo-nos de como Fabrice chega eventualmente aos campos de batalha de Waterloo e pouco a pouco descobre que “a guerra não é, portanto, esse nobre e mútuo impulso de almas amantes da glória que ele tinha imaginado a partir das proclamações de Napoleão”. Esse é o final da sua infância, em que a única inocência que mantém é a de ainda se interrogar “se o que testemunhou era uma batalha e, além disso, se essa batalha era Waterloo?”Foi enquanto se “passeava à beira do lago, na avenida de plátanos sob a Casa Sommariva” que Fabrice decidiu partir para essa batalha. Essa casa pertencia a Gian Battista Sommariva, um dos líderes da República Cisalpina. No prefácio da sua Constituição (1797), Napoleão afirma: “Durante muitos anos não existiu república em Itália. O fogo sagrado da liberdade foi extinto e a melhor parte da Europa esteve sob o jugo de estrangeiros. Incumbe à República Cisalpina mostrar ao mundo (. . . ) que a Itália moderna não decaiu e que ainda é digna de liberdade. ”Fomos visitar a Villa Sommariva, em Tremezzo, um palácio branco à beira do lago, pousado sobre um jardim do século XVIII. No átrio, encontramos o busto de Sommariva — a sua toga pregada com uma fíbula redonda —, cuja melancolia o aproxima mais dos heróis românticos do seu século do que dos astutos senadores romanos. Quando, em 1802, não foi designado vice-presidente da República de Italiana — o novo nome da República Cisalpina —, decidiu abandonar a vida pública e dedicar-se a expandir a sua colecção de arte. Caminhando pelas salas pálidas, encontramos vestígios dessa colecção — Palamède (1808) e Terpsichore (1811) de Antonio Canova, e o friso monumental L’Entrée d’Alexandre le Grand dans Babylone (1828), de Bertel Thorvaldsen. Do jardim, olhamos as montanhas sobre a margem leste do lago, no sopé das quais uma outra villa branca espelha a Casa Sommariva. Ao atravessarmos o lago até Bellagio, essa villa branca transforma-se na Villa Melzi, rodeada pelos seus extensos jardins. Quando olhamos para trás, a Villa Sommariva dissolve-se na sombra do Sasso San Martino. Caminhamos ao longo do lago até ao jardim da Villa Melzi, passamos por grutas românticas, um gazebo oriental e uma capela neoclássica. Na orangerie, encontramos alguns despojos da República Italiana (1802-1805), da qual Francesco Melzi d’Eril era vice-presidente, como um exemplar da Constituição e uma gravura do seu perfil ao lado do de Napoleão. Esta república foi rapidamente substituída pelo Reino de Itália, sob o I Império Francês, aqui testemunhado por uma águia imperial — aigle de drapeau — que servia de estandarte aos regimentos da Grande Armée. Melzi mandou construir esta villa em 1808, para onde se retirou apesar de continuar a ser chanceler do Reino de Itália. Após a abdicação de Napoleão em 1814, o Congresso de Viena devolveu este território ao Império Austríaco, o que deu origem ao Reino Lombardo-Veneto. Para além deste reino, o mapa de Itália ficou nessa altura dividido entre o Reino de Nápoles e das Sicílias a sul, um conjunto de pequenos estados no Centro e o Reino da Sardenha-Piemonte no Norte. Em Viena, os representantes das monarquias redesenharam o mapa da Europa para tentar impedir a consolidação do republicanismo, impondo um conjunto de fronteiras geográficas arbitrárias cujo resultado foram tensões que duraram todo o século XIX até conduzirem à I Guerra Mundial, em 1914. No centro de Bellagio, passamos por lojas antigas que protegem as montras do sol com toldos escuros que evocam procissões fúnebres. Lembramo-nos que Filippo Tommaso Marinetti morreu em Bellagio. Em 1909, nas páginas de Le Figaro, publicara o Manifeste du Futurisme, apelando a uma rebelião contra os museus, bibliotecas e academias — “esses cemitérios de esforços desperdiçados” — para livrar Itália dos seus bandos de “professores, arqueólogos, cicerones e antiquários” e, em vez disso, glorificar “as marés polifónicas da revolução nas capitais modernas”, elogiando “o vibrante fervor nocturno dos arsenais e estaleiros incendiados por violentas luas eléctricas”. Esse programa artístico tinha uma componente política, que o levou a fundar o Partito Futurista Italiano em 1918. Foi no ano seguinte que Marinetti e os seus seguidores participaram numa reunião na Piazza San Sepolcro em Milão, em que fundiram o seu partido com o recém-formado Fasci Italiani di Combattimento, liderado por Benito Mussolini. Os participantes nessa reunião fundadora passaram a ser conhecidos como sansepolcristi. O Mediterraneo Futurista, publicado em Agosto de 1942, comunica a partida de Marinetti — aos 65 anos — como “voluntário para a frente Russa [cumprindo] um daqueles gestos de alto patriotismo que sempre caracterizaram a sua vida de poeta freneticamente enamorado pela pátria”. No cabeçalho, sobre um desenho de uma cidade futurista que evoca a Città Nuova de Antonio Sant’Elia, podemos ler “F. T. Marinetti Sansepolcrista — Accademico d’Italia. ”Em 1943, depois do Armistício de Cassibile, as forças alemãs invadiram o Norte de Itália, o que conduziu à instituição da Reppublica Sociale Italiana, que ocupou a metade norte do território Italiano e estabeleceu a sua capital em Salò — na margem oeste do lago de Garda. Enquanto esperamos pelo barco — traghetto — para regressar a Tremezzo, reconhecemos o lugar de uma das cenas do filme Rocco e os Seus Irmãos (1960), de Luchino Visconti. Prosseguimos até Cernobbio — no extremo sudoeste do lago de Como —, onde encontramos a Villa Erba, a casa da avó de Visconti. Foi aqui que o realizador passou os verões da sua infância e regressou para a montagem de Ludwig (1973), sobre o monarca que patrocinou a estada de Richard Wagner em Lucerna. Este foi o último filme da “trilogia alemã” que inclui Morte em Veneza (1971) — inspirado no romance de Thomas Mann — e Os Malditos (1969) — cujo título original, La Caduta degli Dei, tem origem no último capítulo da tetralogia de Wagner, O Anel do Nibelungo. Da margem do lago, em frente à Villa Erba, conseguimos ver ao longe duas estruturas na cidade de Como, o Tempio Voltiano (1927) e o Monumento ai Caduti (1930-33), que apesar de contemporâneos são muito diferentes. O primeiro é um edifício neoclássico e celebra Alessandro Volta — o inventor da bateria e membro do governo da República Cisalpina. O segundo é um projecto de Giuseppe Terragni baseado num desenho futurista de Sant’Elia. Em Como, encontramos a Casa del Fascio (1932-36), um projecto de Terragni cujo carácter escultórico e abstracto evoca as matrizes geradas pelos algoritmos geométricos de Sol Lewitt. A sua praça, que tenta recriar um espaço público romano, e a sua fachada serviam de lugar de encenação do espectáculo político fascista, de acordo com o seu programa enquanto sede administrativa local de propaganda e “educação social”. Continuamos a nossa viagem para sul em direcção a Milão, onde fomos visitar a Villa Necchi-Campiglio (1935), que durante a II Guerra Mundial foi requisitada para ser a residência de Alessandro Pavolini, que chefiava o Ministero della Cultura Popolare — Minculpop. Esta casa foi projectada por Piero Portaluppi para as irmãs Necchi — Nedda e Gigina — e Angelo Campiglio — o marido de Gigina — uma família da alta borghesia industriale lombarda que durante a guerra se refugiou no Piemonte. Entramos pelo portão da Via Mozart, percorremos o jardim que vai revelando lentamente o percurso até à entrada da casa, a partir da qual se vê a piscina, previamente camuflada pela vegetação. No interior, os espaços sociais são austeros e sumptuosos, pontuados por obras do Novecento Italiano — Sironi, Di Chirico, Morandi — e percebe-se porque foi utilizada como décor do filme Eu Sou o Amor (2009), de Luca Guadagnino. Passamos pelo jardim de Inverno que parece suspenso numa nuvem verde, com uma escultura de bronze de Adolfo Wildt, que representa Parsifal. Algumas das salas já não correspondem ao desenho original de Portaluppi, adoptando um estilo neo-barroco que tenta camuflar a austeridade modernista por vezes conotada com a estética do regime fascista. No final da guerra, Pavolini fugiu em direcção aos Alpes e foi capturado — tal como Mussolini — próximo de Dongo. No último capítulo de Vida de Henry Brulard (1890) — a autobiografia da adolescência de Stendhal —, este desenhou um mapa para explicar a sua chegada a Milão em 1800. Seguindo as suas referências, atravessamos o canal — hoje Via Senato —, passamos pelos arcos da Porta Nuova e seguimos a Via Manzoni até à Casa d’Adda — onde Stendhal ficou alojado nessa primeira estada — cuja fachada ainda não estava terminada e “mostrava os tijolos ásperos como San Lorenzo, em Florença”. Stendhal escreveu: “Esta cidade tornou-se para mim o mais belo lugar da terra. Não sinto o mesmo afecto pela minha pátria (. . . ) Milão foi para mim, entre 1800 e 1821, o lugar onde constantemente desejei habitar. ”Passamos pela Via Monte Napoleone e pela Via dei Bigli até chegar à Via Morone, uma rua estreita que invulgarmente serpenteia até revelar pouco a pouco a Piazza Belgioioso. Esta pequena praça é dominada pelo elegante Palazzo Belgioioso — cujos frescos mostram as aventuras dos heróis de “Tasso e Ariosto”. O chão da praça está totalmente coberto por seixos redondos de vários tons que formam padrões geométricos raros. Era aqui que Stendhal visitava Métilde Dembowski, que em Vertigo (1990) W. G. Sebald descreve como “uma mulher de grande beleza melancólica”. Continuamos o nosso caminho até ao teatro La Scala, é aqui que Stendhal coloca a Comtesse Pietranera — tia de Fabrice —, uma personagem baseada em Métilde: “Jovem, brilhante, leve como um pássaro (. . . ) a sua beleza era o menor dos seus encantos: onde encontrar uma alma tão sincera que nunca age com cautela, que se abandona totalmente ao ímpeto do momento. ”Terminamos em frente ao Duomo e lembramo-nos da cena inesquecível de Rocco e os Seus Irmãos, onde Rocco — Alain Delon — se encontra com Nadia — Annie Girardot — na cobertura da catedral. É a pensar no início deste filme que conduzimos para leste na direcção da periferia, em busca do Quartiere Filzi — para onde Rocco, os irmãos e a mãe vão viver quando chegam a Milão. Este é um projecto de habitação social promovido pelo Istituto Fascista Case Popolari, desenhado por Franco Albini, em 1932, e um exemplo do racionalismo italiano. Visconti escolheu este lugar para representar as habitações despojadas que alojavam os recém-chegados das migrações do Sul rural para o Norte industrializado resultantes das enormes alterações económicas provocadas pela unificação de Itália. O filme termina no lado oposto da cidade, à entrada da fábrica da Alfa Romeo em Sportello, onde Rocco — que decidiu regressar ao Sul — se despede do irmão Ciro antes de este se dissolver na massa de operários que são engolidos pelo portão da fábrica. Atravessamos toda a cidade até Gallarate na periferia oeste de Milão, passando pelo parque urbano que hoje ocupa o lugar dessa antiga fábrica. Chegamos ao conjunto de habitação colectiva Gallaratese II (1967-74), projectado por Aldo Rossi e Carlo Aymonino, como resposta à crise habitacional do pós-guerra. A intenção dos arquitectos era a de desenhar uma cidade ideal, com diferentes tipos de habitação, espaços públicos e comércio, que se percorresse a pé. Apesar de se sentirem ecos conceptuais e formais da Unidade de Habitação de Le Corbusier — que visitámos em Marselha —, as soluções encontradas aproximam-se mais da complexidade gerada pela sedimentação e sobreposição das cidades medievais — passamos por várias praças, arcadas, escadas, até a um anfiteatro ao ar livre. A visão utópica deste conjunto de habitação social não resultou — durante anos os edifícios estiveram abandonados — e hoje formam um condomínio fechado, somente acessível às famílias que ali habitam. Ao reflectir sobre o projecto de Gallatarese II, Rossi afirma que este “elucida a [sua] ideia principal sobre a cidade e os lugares onde vivemos: que devem ser vistos como parte da realidade da vida humana, [sendo] como cópias de diferentes tempos e observações: (. . . ) pátios plenos de vozes e encontros (. . . ) exerciam o mesmo fascínio que (. . . ) as casas dos monges na Certosa di Pavia”. Atravessamos a planície do Pó para visitar essas casas, organizadas em torno de um grande claustro onde 23 cartuxos viviam em reclusão e silêncio. Também a Cartuxa de Pavia foi projectada como uma cidade ideal. Foi construída durante o século XV por ordem do duque de Milão, Gian Galeazzo Visconti, tendo sido durante vários séculos o lugar de retiro espiritual dessa família. O complexo da Cartuxa é todo vermelho-terracota, com a excepção do mármore branco da fachada da igreja e dos apartamentos dos príncipes. A dualidade entre estas duas cores recorda-nos o contraste entre o bloco horizontal branco e os edifícios terracota de Gallatarese II. Rossi escreveu a sua Autobiografia Scientifica (1981) inspirado na autobiografia de Stendhal: “Precisamente porque escrevo uma autobiografia dos meus projectos que está ligada à minha história pessoal, não posso deixar de lembrar o efeito que a leitura de Vie de Henry Brulard teve em mim quando era menino. Foi talvez através dos desenhos de Stendhal e dessa estranha mistura entre autobiografia e plantas de edifícios que adquiri os primeiros conhecimentos de arquitectura. ”Pouco depois de deixarmos a Cartuxa de Pavia, cruzamos o rio Pó. Rossi, num texto a propósito do fotógrafo Luigi Ghirri, descreve estas planícies: “Se visitássemos as vilas abandonadas devastadas pelas grandes cheias do Pó, não encontraríamos sinais de morte, mas apenas alguns fragmentos miseráveis. Por vezes, penso no passado como um arqueólogo: como alguém que vive num mundo cujas aparências e mecanismos são familiares, mas que perdeu o sentido do que o rodeia. ”Isto faz-nos lembrar a visita de Stendhal a Marengo “no dia 27 de Setembro de 1801”. Nós percorremos o terreno da Batalha de Marengo, entre Castelceriolo, San Giuliano e Torre Garofoli, numa tarde sombria, onde encontrámos árvores despidas, numa paisagem marcada pelo abandono melancólico. No ano anterior Stendhal tinha atravessado os Alpes com o exército de Napoleão que marchava em direcção a essa batalha. Os seus pensamentos divagavam entre recordações literárias de “Calderòn [de la Barca] fazendo as suas campanhas em Itália” e os “devaneios baseados em Ariosto e La Nouvelle Héloïse”; considerava-se um observador que só participava para testemunhar os grandes eventos. No entanto, como Sebald descreve em Vertigo, quando Stendhal chega a Marengo, “exactamente quinze meses e quinze dias” depois da batalha que ocorreu no 25 Prairial, An VIII do calendário revolucionário, “olha para a planície e repara nas poucas árvores despidas, e vê, espalhados por uma vasta área, os ossos de talvez 16. 000 homens e 4000 cavalos que ali perderam as vidas, já brancos e brilhantes com o orvalho”. Foi este o fim da sua inocência. Continuamos para sul, deixamos a planície do rio Pó, atravessando os montes que separam a Lombardia da Ligúria. Seguimos até Quarto, na periferia leste de Génova, para visitar o lugar de onde Giuseppe Garibaldi embarcou com a Spedizione dei Mille — um milhar de voluntários — a caminho da Sicília no dia 5 de Maio de 1860, um dos momentos cruciais do processo de unificação de Itália. Chegamos ao final da tarde, o Mediterrâneo estava sombrio e as nuvens cinzentas suspensas no céu azul. Descemos até à água, onde sentadas nas rochas algumas pessoas aproveitavam o final do Verão. Dali são visíveis vários monumentos que celebram a partida de Garibaldi — a bandeira de Itália, um marco com uma estrela no topo e uma lista com os nomes dos mil revolucionários que se juntaram a Garibaldi. Lembramos o filme O Leopardo (1963), de Visconti, baseado no romance homónimo de Giuseppe Tomasi di Lampedusa, que representa os anos que se seguem ao fim da monarquia dos Bourbon no Reino de Nápoles e a fusão deste com o Reino de Itália. No filme, Tancredi, representado por Alain Delon, junta-se aos Garibaldini na luta das ruas de Palermo contra as tropas do reino de Nápoles. Ele é um jovem ambicioso que aproveita as oportunidades criadas pelas mudanças de poder dessa época conturbada — a sua lealdade mudando constantemente de acordo com a conveniência. Apenas o seu tio, Fabrizio, príncipe de Salina, se apercebe de que as coisas vão mudar para que tudo possa ficar na mesma. As nuvens adensam-se colorindo o mar de chumbo, e nós permanecemos em silêncio, pensando sobre o ímpeto ancestral de atravessar o Mediterrâneo, que desde Ulisses permanece como um desafio para as errâncias peripatéticas dos audaciosos. No dia seguinte, em Génova, caminhamos sob a arcada da Via XX Settembre até ao Largo Sandro Pertini, onde encontramos o Monumento a Garibaldi em frente ao Teatro Carlo Felice — cujo nome homenageia o rei da Sardenha, que o encomendou em 1824. Este teatro de ópera foi bombardeado durante a II Guerra Mundial, tendo ficado em ruínas durante décadas, sendo finalmente renovado, segundo o projecto de Aldo Rossi em 1991. Do teatro original só restaram as colunas do pronau e a inscrição latina coroada por um anjo. Uma figura trágica, com um braço despedaçado, erguido sobre os destroços da catástrofe, “ele gostaria de parar um momento, para ressuscitar os mortos e reconstruir o que foi destruído”. As suas asas parecem abertas pela “tempestade que sopra do Paraíso [e o empurra] irresistivelmente para o futuro, para o qual tem as costas voltadas”. Nas melancólicas palavras de Walter Benjamin, “aquilo a que chamamos o progresso é esta tempestade”. Conduzimos para oeste, na última parte da nossa viagem, ao longo da costa da Ligúria, e passamos a fronteira em direcção a Nizza, ou como é conhecida hoje, Nice. Foi o local onde nasceu Garibaldi, um território que fazia parte do Reino Sardenha-Piemonte e foi negociado com Napoleão III em troca da Lombardia após a Batalha de Solferino, em 1859. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Neste contexto de fronteiras nacionais em constante negociação, de identidades culturais em permanente conflito, relembramos as personagens que nos acompanharam ao longo desta viagem viagem — Gray, Rousseau, Sebald, Stendhal — e as palavras de Beauvoir sobre a tia de Fabrice, Sanseverina: “‘uma alma sempre sincera, que nunca age com cautela, que se entrega totalmente à impressão do momento;’ (. . . ) ela não é senão a sublime e imprudente aventura que escolheu viver”. Estes ensaios, escritos e fotográficos, são o resultado de uma investigação sobre territórios e entusiasmos partilhados desde os percursos diários passados a ler Stendhal e Mann — no comboio entre Amsterdão e Roterdão em 2001— e o final desta longa viagem.
REFERÊNCIAS:
Palavras, expressões e algumas irritações: dragar
“Dragar” é o mesmo que “rocegar”, que significa “arrastar um cabo no fundo do mar ou a certa profundidade para localizar âncoras, minas ou outros objectos perdidos”. Pena que não localize bom senso. (...)

Palavras, expressões e algumas irritações: dragar
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 | Sentimento -0.1
DATA: 2018-11-30 | Jornal Público
SUMÁRIO: “Dragar” é o mesmo que “rocegar”, que significa “arrastar um cabo no fundo do mar ou a certa profundidade para localizar âncoras, minas ou outros objectos perdidos”. Pena que não localize bom senso.
TEXTO: “Dragar” significa “limpar ou desobstruir com draga”. Por sua vez, “draga” corresponde a “aparelho que serve para escavar e remover areia, lodo, entulho, etc. do fundo dos rios, dos lagos, de canais ou do mar”. É o que está previsto acontecer no estuário do Sado. Pretende-se remover 6, 5 milhões de metros cúbicos de areia do fundo do rio para que navios de grande porte possam entrar no porto de Setúbal. Ambientalistas e cidadãos manifestaram-se no fim-de-semana passado contra esta decisão da Administração do Porto de Setúbal e Sesimbra. A “dragagem” põe em causa o equilíbrio de todo o ecossistema. Teme-se a erosão das praias da Arrábida, os efeitos na qualidade da água e nas pradarias marinhas (“berçário” de muitas espécies), assim como a perturbação da comunidade de golfinhos. Também as actividades económicas que dependem do rio se sentem ameaçadas: pesca artesanal, produção de ostras, turismo. Depois de o Clube da Arrábida ter apresentado uma providência cautelar ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada para travar as dragagens (a 14 de Setembro), a SOS Sado anunciou na quarta-feira procedimento idêntico. Antes, já tinha dado conta de que a petição “Pela defesa da Reserva Natural do Estuário do Sado” atingira as 10 mil assinaturas e seria enviada para a Assembleia da República. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. A “retirada de areia” é apoiada pelo Governo, tendo o primeiro-ministro invocado o parecer favorável da Agência Portuguesa do Ambiente. “Temos de respeitar este parecer. Se o parecer fosse negativo, por certo que o senhor deputado não gostaria que o Governo se substituísse à Agência Portuguesa do Ambiente”, disse a André Silva, do PAN. “Dragar” é o mesmo que “rocegar”, que significa “arrastar um cabo no fundo do mar ou a certa profundidade para localizar âncoras, minas ou outros objectos perdidos”. Pena que não localize bom senso. A rubrica Palavras, expressões e algumas irritações encontra-se publicada no P2, caderno de domingo do PÚBLICO
REFERÊNCIAS:
Partidos PAN
As dietas cetogénicas são mesmo úteis no tratamento do cancro?
A opção de iniciar uma dieta cetogénica numa pessoa com cancro está longe de ser descabida e de ser uma moda sem sentido. (...)

As dietas cetogénicas são mesmo úteis no tratamento do cancro?
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 | Sentimento 0.3
DATA: 2018-11-30 | Jornal Público
SUMÁRIO: A opção de iniciar uma dieta cetogénica numa pessoa com cancro está longe de ser descabida e de ser uma moda sem sentido.
TEXTO: Uma pessoa a quem foi diagnosticado um cancro vê a sua vida desabar de um momento para o outro e fica capaz de experimentar qualquer alternativa que lhe permita ter maior qualidade de vida ou probabilidade de sobrevivência. Por isso, as fake news e opiniões fundamentalistas sobre alimentação que dominam as redes sociais hoje em dia deveriam ter pelo menos uma réstia de consciência e decência, que é a de não brincar com coisas demasiado sérias, como o papel da alimentação no tratamento do cancro. Do ponto de vista da prevenção, existe um relativo consenso quanto às orientações nutricionais e alimentares a ter nestes casos (manutenção de peso e gordura visceral adequados, presença diária de alimentos como frutos vermelhos, brócolos, couve-flor, frutos gordos, sementes, leguminosas, cereais integrais e restrição de bebidas alcoólicas, fritos, enchidos, carnes processadas e partes carbonizadas de alimentos grelhados/torrados para além do tabaco). Neste artigo, vamos falar sobre a alimentação após o diagnóstico de cancro e o seu efeito no sucesso do tratamento. Uma das terapias alimentares propostas nestes casos são as dietas cetogénicas. Tratam-se de dietas com uma quantidade muito reduzida de hidratos de carbono que poderiam ser úteis, partindo da premissa de que as células tumorais utilizam principalmente glicose como fonte energia dado a falta de mitocôndrias funcionais e algumas enzimas necessárias para a oxidação de gordura. Com uma dieta cetogénica, conseguir-se-ia então limitar esta disponibilidade de glicose para as células tumorais, ficando os tecidos saudáveis a sobreviver à custa de corpos cetónicos (“combustível” alternativo produzido no fígado quando a quantidade de hidratos de carbono da alimentação é muito reduzida). Esta teoria faz sentido na prática?Começando pelo mais importante, a evidência disponível em humanos sobre o sucesso desta dieta no tratamento do cancro em humanos não é conclusiva nem permite dizer aos sete ventos a obscenidade de que é um tratamento com garantia do que quer que seja, alimentando com isso falsas esperanças. A partir deste ponto prévio, há várias considerações e ensinamentos que se podem tirar de alguns estudos de caso e trabalhos em animais, que podem, no limite, apelidar de “promissora” esta abordagem. Em modelos animais, a evidência disponível revela que a dieta cetogénica e também a restrição calórica (mais até do que o jejum intermitente) podem reduzir a incidência e crescimento tumoral e também o número de metástases. O máximo que se pode afirmar em humanos é que em alguns tipos de cancro, particularmente os cerebrais (até porque estes são aqueles mais dependentes de glicose como fonte de energia e onde a teoria atrás descrita mais se encaixa), uma dieta cetogénica pode potenciar o resultado dos tratamentos de rádio e quimioterapia. É por isso importante realçar que o potencial efeito positivo das dietas cetogénicas na diminuição da progressão e crescimento tumoral não quer dizer de forma alguma que o tratamento deva ser abandonado! O racional para a utilização das dietas cetogénicas em pacientes com cancro é mesmo o de aumentar o stress oxidativo nas células cancerígenas, tornando-as mais vulneráveis a terapias oxidativas, como a rádio e quimioterapia. Por isso, os sobreviventes a um cancro que adoptaram um regime alimentar “alternativo”, mas também fizeram os tratamentos convencionais de químio e radioterapia, fariam um excelente serviço público se não viessem atribuir o seu sucesso única e exclusivamente à alimentação. É que, por cada caso de sucesso destes, existem muitos outros que também sobreviveram sem mudanças tão drásticas na alimentação. Vai uma diferença abissal entre dizer que a dieta cetogénica pode ser uma abordagem nutricional promissora no tratamento do cancro ou dizer no típico tom “facebookiano” que a dieta cetogénica é uma “cura natural para o cancro melhor do que os tratamentos convencionais” e que esta é uma verdade inconveniente que está a ser escondida há muitos anos pelos “grandes interesses”. A restrição calórica também parece ter alguns resultados promissores no que diz respeito à redução de algumas vias que podem potenciar o crescimento tumoral, bem como a inflamação. Ainda assim, tendo em conta o elevado risco de caquexia (perda de massa muscular e massa gorda) de alguns pacientes com cancro, este tipo de abordagem pode piorar o seu estado nutricional, daí que outra hipótese para mimetizar os efeitos desta restrição calórica sem impacto no peso corporal será consumir uma quantidade de calorias adequada, mas englobando alguns períodos de jejum. De realçar que dieta cetogénica, restrição calórica e jejum são tudo entidades diferentes, embora se possam interligar. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. É possível estar em cetose sem estar em restrição calórica e sem grandes períodos de jejum, como é possível fazer jejum sem cetose e sem restrição calórica. De igual modo, uma restrição calórica não tem de ser cetogénica nem com períodos de jejum. Uma vez que quer a dieta cetogénica quer o jejum intermitente possuem vários protocolos possíveis e os poucos estudos disponíveis sobre o assunto utilizaram diferentes abordagens, é sem dúvida necessária mais investigação para se poder definir qual o protocolo que poderá originar resultados mais efectivos. A conclusão a retirar de toda esta informação é que a opção de iniciar uma dieta cetogénica numa pessoa com cancro está longe de ser descabida e de ser uma moda sem sentido. É uma abordagem que tem de ser ponderada tendo em conta o estado nutricional e também psicológico do indivíduo, uma vez que é uma dieta que provoca um forte abalo na alimentação “social” e na nossa tradição de comer, sobretudo para uma pessoa que pode sentir que cada refeição que faz pode ser das últimas (basta imaginar o que é deixar de comer diariamente fruta, pão, arroz, batata, leguminosas e até leite e iogurtes). Para além disso, alguns efeitos secundários das dietas cetogénicas são a ocorrência de náuseas e alguma falta de apetite, o que até pode ser desejável se o objectivo for emagrecer, mas não tanto em pacientes com cancro, uma vez que os próprios tratamentos já podem induzir esses sintomas. Ainda assim, se depois de pesados, os prós lhe parecerem melhores do que os contras e se as expectativas estiverem controladas, então que avance para uma dieta cetogénica com uma ligeira restrição calórica ou nessa impossibilidade, alguns períodos de jejum. O controlo da mesma por um nutricionista é fundamental para que consiga fazer a suplementação nutricional necessária nestes casos e consiga ter igualmente um consumo proteico suficiente para evitar o catabolismo muscular, mas não demasiado elevado para não correr o risco de interromper a cetose.
REFERÊNCIAS:
Palavras-chave humanos social consumo alimentos
Estudo do governo britânico antevê prejuízos para a economia em todos os cenários pós-“Brexit”
Planos de Theresa May para a saída da UE poderão ter impacto negativo até 3,9% do PIB nos próximos 15 anos. Banco de Inglaterra prevê prejuízos superiores aos da última crise financeira. (...)

Estudo do governo britânico antevê prejuízos para a economia em todos os cenários pós-“Brexit”
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 | Sentimento 0.0
DATA: 2018-11-30 | Jornal Público
SUMÁRIO: Planos de Theresa May para a saída da UE poderão ter impacto negativo até 3,9% do PIB nos próximos 15 anos. Banco de Inglaterra prevê prejuízos superiores aos da última crise financeira.
TEXTO: A economia britânica sairá prejudicada ao longo dos próximos 15 anos com a saída do Reino Unido da União Europeia (UE), revela um estudo publicado esta quarta-feira pelo governo de Theresa May, que avalia o impacto dos vários cenários do “Brexit” no desempenho económico do país. Tomando em consideração as bases do acordo que a primeira-ministra quer aprovar no Parlamento no dia 11 de Dezembro, o divórcio com a UE terá um impacto negativo até 3, 9% do PIB em 2035-2036. Um outro estudo, do Banco de Inglaterra, refere ainda que uma saída “desordeira” implicará prejuízos superiores aos da última crise financeira mundial. O cenário que reporta aos planos do governo para o “Brexit” não se baseia, no entanto, no acordo alcançado no passado domingo com Bruxelas, mas no documento apresentado por May, em Julho, que ficou conhecido por “plano Chequers”. Essa proposta – que motivou as demissões de David Davis e Boris Johnson e a fúria da ala “brexiteer” do Partido Conservador – é, ainda assim, a base do documento ratificado pelos 27 Estados-membros da UE. Implementando os princípios do “plano Chequers”, o impacto do “Brexit” no PIB poderia ser reduzido a 2, 1% ao invés de 3, 9%, mas isto só seria possível num cenário de manutenção da actual legislação em matéria migratória. Uma vez que a líder do executivo britânico assume com determinação que vai acabar com a livre circulação de pessoas entre o Reino Unido e a UE, dificilmente se pode apontar para a percentagem inferior. Analistas citados pela BBC estimam que 3, 9% do PIB equivalerá a cerca de 100 mil milhões de libras (cerca de 113 mil milhões de euros) por ano. A duas semanas de levar o acordo à Câmara dos Comuns para a votação decisiva para o futuro do divórcio, e com conservadores, trabalhistas, nacionalistas-escoceses, unionistas norte-irlandeses, liberais-democratas e verdes a admitirem que vão chumbá-lo, o governo britânico procura alertar os deputados para os riscos de um “Brexit” sem acordo. Considerando esse cenário, o estudo aponta para perdas entre os 7, 7% e os 9, 3% do PIB. Números pouco animadores que, agravados pelas conclusões do relatório do Banco de Inglaterra, colocam o Reino Unido em sérios riscos de voltar a registar prejuízos económicos similares ou superiores aos da mais recente crise financeira. Divulgado pouco depois do estudo do governo, o relatório daquela entidade prevê uma contracção da economia britânica até 8% e o aumento do desemprego até 7, 5% logo no primeiro ano após o final do período de transição – que termina em Dezembro de 2020, mas pode ser extensível até ao final de 2022 –, se o país se lançar num “Brexit” “desordeiro”. Segundo o Banco de Inglaterra, entre as ocorrências que podem empurrar o Reino Unido para essa saída desordeira destacam-se: o alinhamento com as regras da Organização Mundial de Comércio; a não-implementação de acordos de livre comércio até 2022; o fim da aplicabilidade dos acordos comerciais entre UE e países terceiros ao país; ou as perturbações nas fronteiras resultantes da reposição de controlos alfandegários. É com estes números mais significativos que o governo britânico espera convencer os membros da câmara baixa de Westminster a apoiarem o acordo de May. Mas a estratégia sofreu um abalo esta manhã, ainda antes da divulgação dos dois estudos e de mais uma presença da primeira-ministra no Parlamento para responder às perguntas dos deputados. Em entrevista à BBC, o ministro das Finanças Philip Hammond confessou que a economia do Reino Unido vai sempre sair prejudicada com o “Brexit”, quando em comparação com a manutenção do país no clube europeu. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. “De um ponto de vista puramente económico, sim, abandonar a União Europeia terá um custo, porque trará consigo obstáculos ao nosso comércio”, assumiu o chancellor à BBC, indo ainda mais longe: “A economia desacelerará ligeiramente com a estratégia da primeira-ministra para a relação futura [entre os dois blocos no pós-‘Brexit’]. Confrontada pelos deputados sobre as declarações de Hammond, May manteve a postura. “O nosso acordo é o melhor para o emprego e para a economia. Vai permitir-nos honrar o resultado do referendo e concretizar as oportunidades do ‘Brexit’”, disse a primeira-ministra, que esta quarta-feira deslocou-se à Escócia para se encontrar com líderes políticos, empresários, agricultores, pescadores e estudantes, para continuar a promover o seu acordo.
REFERÊNCIAS:
Partidos LIVRE
A Via Crucis do “Brexit” está só a começar
O “Brexit” imaginário que foi vendido aos britânicos não era só, como se gabava Boris Johnson, o Reino Unido querer ao mesmo tempo ter um bolo e comê-lo. (...)

A Via Crucis do “Brexit” está só a começar
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 | Sentimento 0.0
DATA: 2018-11-30 | Jornal Público
SUMÁRIO: O “Brexit” imaginário que foi vendido aos britânicos não era só, como se gabava Boris Johnson, o Reino Unido querer ao mesmo tempo ter um bolo e comê-lo.
TEXTO: A certa altura nas negociações para a declaração política do “Brexit” houve um comentador britânico que notou a vitória do Governo espanhol na questão de Gibraltar e se admirou pelo facto de o Governo grego ainda não ter tentado pedir de volta os mármores do Parténon que estão no Museu Britânico. A palavra-chave, aqui, é “ainda”. Neste momento, a aprovação do acordo de saída necessita, além do voto positivo do Parlamento Europeu e do Parlamento britânico, apenas de uma maioria qualificada entre os Estados-membros da União Europeia. Nesse sentido, o “veto” espanhol não era exatamente um veto — a Espanha não podia bloquear sozinha o acordo de saída do Reino Unido — e por isso se tornou ainda mais notável como vitória política. Espanha ganhou apenas o espaço necessário para que a questão de Gibraltar se torne, nos próximos anos, aquilo que a questão da Irlanda do Norte foi nos últimos: uma matéria para uma inevitável cedência britânica, caso o Governo de Londres queira um acordo. E Londres precisa de um acordo, ou melhor, de vários. Precisa deste acordo de agora, para a saída. E precisa de um próximo acordo que enquadre as relações futuras entre a UE e o Reino Unido. Nesse próximo acordo, aí sim, cada Estado-membro terá direito a veto. E é inevitável que os gregos voltem a pedir os mármores do Parténon e que os britânicos tenham de lhes dispensar a atenção que nunca lhes dignaram dar. E é inevitável que a Espanha queira reabrir o dossier de Gibraltar, tendo obtido este fim-de-semana o direito de o fazer em dois tabuleiros: no tabuleiro europeu, se necessário vetando o acordo das relações futuras como qualquer outro Estado-membro; e no tabuleiro bilateral, para onde a UE remeteu especificamente todas as questões relativas a Gibraltar, e que será tratado à parte do acordo geral para se resolver a contento de Espanha. Até Portugal terá também as suas exigências a fazer, nomeadamente no setor das pescas, onde há uma triangulação complicada: nós temos acesso às águas norueguesas porque os noruegueses têm acesso às águas da UE, incluindo as britânicas. Para que a situação se mantenha, vai haver certamente uma negociação árdua na qual a peça decisiva será esta: os britânicos vendem para o resto da União Europeia 80% do peixe que pescam nas suas águas; para continuarem a ter acesso ao mercado único, alguma coisa terão de dar em troca. E assim sucessivamente, em setor após setor da economia. Daqui a muitos muitos anos já poderá o “Brexit” ter caído no esquecimento público e lá continuarão os negociadores de ambas as partes a queimar as pestanas em cima de dossiers de milhares de páginas. O “Brexit” imaginário que foi vendido aos britânicos não era só, como se gabava Boris Johnson, o Reino Unido querer ao mesmo tempo ter um bolo e comê-lo. É querer também retirar os ovos que foram usados na confeção do bolo e recompô-los com casca e tudo, sem desfazer o bolo que se quer comer e continuar a ter. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Na raiz deste raciocínio impossível está, já o vimos, uma noção de soberania não faz qualquer sentido no século XXI, se é que alguma vez o fez. A soberania, hoje como antes, depende da relação que temos com a soberania dos outros, e o Reino Unido encontra-se agora perante 27 outros países que agregam as suas reivindicações — a Irlanda do Norte, Gibraltar, pescas e infindas outras coisas — em negociações conjuntas, nas quais sabem que do outro lado da mesa está um Reino Unido que tem uma escolha a fazer: com acordo, perde “apenas” 2% do seu PIB; sem acordo, perde 8% — e não como punição ao Reino Unido, mas como simples decorrência do que o Reino Unido fez a si mesmo, ou melhor: porque os políticos do Reino Unido fizeram isto ao seu povo em nome das suas carreiras políticas pessoais. Que isto não tem de ser sempre assim prova um voto de ontem que passou despercebido no mundo: na Suíça — país que está habituado a referendos e os sabe fazer regularmente e com toda a informação disponível —, 66% dos eleitores rejeitaram ontem uma emenda constitucional que invalidava o direito internacional na ordem interna suíça, deixando assim de reconhecer as decisões de juízes internacionais. Os suíços, de cuja soberania e independência ninguém duvida, e que vivem a seu contento fora da UE, sabem porém que se toda a gente decidisse rejeitar o direito internacional isso significaria também que a própria Suíça não poderia fazer valer os seus direitos em disputas com outros países quando isso for necessário. A soberania num mundo interdependente parte deste reconhecimento simples. Como o exemplo suíço demonstra, ver o “Brexit” por aquilo que ele é — uma diminuição de soberania cujas consequências ainda estão apenas agora a começar a revelar-se — não significa ser contra referendos nem instintivamente pró-UE. Significa ser-se objetivo e perceber que o Reino Unido tinha, sim, como tem ainda, alternativas fora da UE: sair com acordo ou sem ele. Só que uma alternativa era má e a outra é péssima.
REFERÊNCIAS:
Entidades UE
Um minucioso caminho de perda
Rui Nunes regressa com um livro que volta a interrogar o seu próprio tempo e todos os tempos. Recuar ao passado, nunca longe de mais, do horror nazi, é como um refrão imprescindível. Já não o “Lembra-te de que és mortal” dos Antigos, mas “Lembra-te do horror que és e podes gerar.” (...)

Um minucioso caminho de perda
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 | Sentimento 0.4
DATA: 2018-11-30 | Jornal Público
SUMÁRIO: Rui Nunes regressa com um livro que volta a interrogar o seu próprio tempo e todos os tempos. Recuar ao passado, nunca longe de mais, do horror nazi, é como um refrão imprescindível. Já não o “Lembra-te de que és mortal” dos Antigos, mas “Lembra-te do horror que és e podes gerar.”
TEXTO: Um dos primeiros momentos de Suíte e Fúria convoca uma memória duplamente significativa. A “arcaica máquina de morte” (p. 9) estabelece nexos de identificação com a anterior obra de Rui Nunes, mas também faz da retoma da temática bélica um instrumento novo para este seu mais recente livro. Heraclito surge desde as primeiras linhas de Suíte e Fúria como uma energia indispensável neste livro. O filósofo pré-socrático congrega em si potencialidades díspares. Desde logo, é uma emanação da História, isto é, de uma circunstância epocal. Esta cria distâncias, esboça rugosidades, antecipa atritos. O grego é tudo menos uma figura linear. Amante das formulações oraculares, obscuras, defendeu uma imparável propensão para a mudança, o conflito, a oposição, a harmonia dos contrários. Quase seguindo as pisadas inquisitivas do filósofo, o texto de Rui Nunes integra-o rodeado de interrogações, como se semeasse a dúvida, a inquietude, à sua volta — “Como escrevia Heraclito? onde? nas margens de que rio? nas praias de que mar? no alpendre de que casa? na sombra de que parreira? de que pinheiro? ou não escrevia? falava ao ouvido do adolescente sentado na caruma, enquanto lhe passava a mão pelo cabelo e as formigas lhe subiam pelo branco da túnica?” (p. 9) Heraclito é, portanto, uma hipótese de trabalho, uma noção em que o texto de Rui Nunes irá pegar. Memória de um tempo passado, exemplo matricial, que funciona como agente da perspectivação histórica. A reconstituição de uma época é feita por escassíssimos dados, sempre em estado fragmentário. Como tudo o que nos chegou desse mundo fascinante. De tal forma que, ao sair desses momento “contextuais”, que “apresentam” Heraclito, vêm agarradas às palavras do texto certas marcas inteligíveis que decorrem do contacto com a presença daquele filósofo — “a vida é um fragmento” (p. 11). Porque o humano é um espelho partido para as palavras — ou será o contrário, afinal? Seja como for, ambos são demasias, ambos são uma falha essencial — “Cada palavra é no seu isolamento uma verdade brutal, intensa como uma pedra num terreno lavrado” (p. 31)Autoria: Rui Nunes Relógio D’ÁguaA escrita prescinde de tentar sequer organizar o que a memória fornece sob a forma de pedaços, partes — restos. Aliás, é como se esta escrita gerasse a intenção de espelhar os processos pelos quais as recordações emergem. O que implica, naturalmente, repetições, a sobreposição de determinadas incidências, a presença de ecos, homologias — “não aguento: guincha a mulher ainda nova, e levanta-se, fica um instante apoiada no espaldar da cadeira, e depois corre para a porta, bolcheviques, bolcheviques, bolcheviques, o miúdo limpa os dedos à toalha, a mulher de preto ri: fizeste de propósito, o velho ri: fez. ” (p. 37) E, apesar de neste livro emergir algo como um núcleo mais distintamente narrativo, o que prevalece é a captura de momentos, de modulações, de instantes irreconciliáveis num todo harmónico. Em última instância, trata-se da reintegração da antiga mimese. Mas apenas neste sentido: a escrita de Rui Nunes “imita” o caos da existência, a incandescência do pensamento. Por isso recusa o adorno e a decoração. E, pela mesma ordem de ideias, denega a organização estrita das suas matérias. Mesmo quando lhes confere uma textura mais abertamente narrativa, as suas concretizações ficam sempre deliberadamente aquém de uma totalização. Daí que se fale aqui do “que se julgava ininterrupto” (p. 71) como de algo irremediavelmente caduco. É como se esta escrita descresse da totalidade, da unificação. Nisso — como em tudo o resto, aliás — esta escrita se afasta do romanesco e mesmo do romance enquanto género literário, “com a sua coesão de animal saciado” (p. 70) Porque se trata aqui sempre de “uma totalidade feita de cacos que não se colam uns aos outros” (p. 90). Uma criança rodeada de velhos, uma criança que descobre o mundo e se descobre perante ele. Além desse fundo mínimo, não ficaremos a saber muito mais. Não seria necessário. A presença de Heraclito, por seu turno, constitui um mecanismo de desarticulação. Permite ao texto interrogar a própria constituição de si. Que fazer com o peso da História, que fazer com a ideia de tempo, de personagens, de acção — com a noção, em última análise, de ficção? As palavras, perante estas circunstâncias, surgem como instrumento questionável, por entre aquilo que nunca deixa de ser um poder enorme: mesmo se limitado, falível — “Começamos a escrever o mundo e o mundo transforma-se numa frase com a harmonia provisória de uma eternidade qualquer” (p. 59) Porém, a única eternidade possível é proporcionada por elementos, necessariamente, finitos, passageiros na sua efemeridade, como sejam marcas cíclicas, que apenas reforçam o passar do tempo — “só os castanheiros no seu outono continuam eternos” (p. 62). Não se trata da rebusca de um paradoxo, mas da constatação do absurdo que mina a perscrutação da eternidade. Porque a memória da barbárie nazi nunca se afasta das preocupações — “Juntem mil corpos nus e terão a nudez, um substantivo abstracto, um conceito. E poderão decidir da morte, da vida ou do abandono. ” (p. 23) —, a escrita de Rui Nunes parece fazer-se sempre alheia ao optimismo de um projecto englobante e a grandiosas intenções construtivas. Porque a ruína espreita a cada passo da História, cabe a esta escrita, sobretudo, observar e registar (do modo mais impressivamente idiossincrático) o horror de que o ser humano se rodeia. Dizer, em suma, “um minucioso caminho de perda. ” (p. 86)
REFERÊNCIAS:
Palavras-chave morte mulher adolescente criança género animal
PSD e CDS acusam esquerda de manter adicional sobre os combustíveis
Ao lado do PS, PCP, BE e PEV chumbaram eliminação do imposto adicional sobre os combustíveis. (...)

PSD e CDS acusam esquerda de manter adicional sobre os combustíveis
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 | Sentimento 0.0
DATA: 2018-11-30 | Jornal Público
SUMÁRIO: Ao lado do PS, PCP, BE e PEV chumbaram eliminação do imposto adicional sobre os combustíveis.
TEXTO: Depois de PS, PCP, BE e PEV terem chumbado a proposta da direita para eliminar o adicional do Imposto sobre Produtos Petrolíferos (ISP), PSD e CDS voltaram a trazer o assunto ao plenário, esta manhã, no período das avocações de artigos do Orçamento do Estado (OE) 2019. Na votação em plenário, o resultado manteve-se mas PSD e CDS voltaram a carregar nas críticas aos parceiros do PS. O democrata-cristão Pedro Mota Soares apontou directamente ao PCP e ao BE por manterem um imposto criado pelo Governo em 2016. “Quem falhou a sua palavra foi o Governo e PCP, BE e PEV. Quando os portugueses forem à bomba de gasolina sabem que a responsabilidade é de Catarina Martins e de Jerónimo de Sousa”, disse, lembrando que os portugueses estão a pagar “mais 33 cêntimos por litro de gasóleo” dos quais “14 cêntimos são em impostos”. Na mesma linha, o social-democrata António Leitão Amaro acusou o Governo de ter falhado a promessa de manter a neutralidade fiscal. “Estão a faltar à palavra. Hoje é o dia da farsa das esquerdas. PS, PCP e BE mentem, só que o PS mente mais depressa”, acusou. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. As bancadas da maioria de esquerda mantiveram-se em silêncio, o que levou Mota Soares a uma segunda intervenção para rematar: “Não estava à espera que ficassem a zero. ”Outro ponto avocado esta manhã foi o do IVA dos espectáculos culturais, que foi reduzido para todos para 6%, fruto da votação de propostas idênticas de PSD, CDS e PCP. André Silva, do PAN, voltou a defender que o Estado não deveria financiar a indústria tauromáquica e que “o direito de divertimento não se pode sobrepor à vida e ao sofrimento de um animal”. A mesma mensagem foi sublinhada pelo PEV e pelo BE, que ficou isolado na sua proposta de subir o IVA da tauromaquia para 23%. A bloquista Mariana Mortágua congratulou-se, no entanto, com a redução do IVA para todos os espectáculos, e o mesmo saudou o centrista João Almeida, lembrando que sempre foi essa a proposta do CDS-PP.
REFERÊNCIAS:
Partidos PS PAN PSD PCP BE PEV