A literatura pensa que está viva, “mas não está”. Palavra do Jovem Conservador de Direita
Humor e provocação fizeram de uma das últimas sessões do Livros a Oeste um ponto alto deste festival na Lourinhã. “Literatura, hoje, faz sentido?”, era a pergunta. “Não!”, respondeu o Jovem Conservador de Direita. Sem hesitar (...)

A literatura pensa que está viva, “mas não está”. Palavra do Jovem Conservador de Direita
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 | Sentimento 0.161
DATA: 2019-05-22 | Jornal Público
SUMÁRIO: Humor e provocação fizeram de uma das últimas sessões do Livros a Oeste um ponto alto deste festival na Lourinhã. “Literatura, hoje, faz sentido?”, era a pergunta. “Não!”, respondeu o Jovem Conservador de Direita. Sem hesitar
TEXTO: Personagem sinistra, engomadinha e que se faz acompanhar por um estagiário, o Jovem Conservador de Direita esteve na 8. ª edição do Festival Livros a Oeste para falar do “haraquiri da literatura”. Depois de explicar que “a literatura morreu por sua própria culpa”, já que não se “rendeu aos mercados como deveria”, sugeriu caminhos para o sucesso literário. “E nem é preciso saber escrever. ” Disse ainda que estes encontros servem para a literatura pensar que está viva, “mas não está”. Com ironia, eloquência e inteligência, o Doutor (Bruno Henriques) e o Estagiário (Sérgio Duarte), falando a uma só voz, propuseram aos “autores” começarem por ser “figuras públicas”. Depois, “basta arranjar um ghost writer [escritor-fantasma]”. Deu exemplos como “Cristina Ferreira ou Daniel Oliveira”. Sobre Miguel Sousa Tavares e a acusação de plágio, resumiu-a a um caso de “benchmarking aplicado à literatura”. Traduzindo: procura das melhores práticas em determinado domínio. José Rodrigues dos Santos também não escapou a um comentário mordaz, sendo-lhe atribuída a ideia de criar “uma fábrica no Paquistão”, em que crianças “especializadas em Dan Brown” adaptam e redigem incessantemente as obras para o escritor e jornalista português. Outras das sugestões para o êxito passaram pela alteração da latitude em que ocorrem os crimes nos livros policiais e até pela mudança do apelido dos autores. Assim, Moita Flores passaria a “Zlatan Moita Flores” e a Avenida dos Aliados a “Aliados Strasse”. Pôr “Auschwitz num título” e fazê-lo acompanhar-se “de uma profissão” também são garantias de bom desempenho. Mais ainda se forem actividades profissionais actuais, como “consultor financeiro” ou “gestor de redes sociais”, pois já se escreveu sobre uma “bibliotecária”, um “tatuador” ou uma “bailarina”. Também a literatura infantil foi analisada pelo Conservador, que até aos cães da colecção Uma Aventura tratou por “doutores”: o pastor alemão “dr. Faial” e o caniche “dr. Caracol”. Pretexto ainda para induzir os escritores a reproduzirem fórmulas em série. Descrição da colecção de Ana Maria Magalhães e Isabel Alçada: “Criogenaram cinco crianças e dois cães, que têm mais de 40 anos, mas continuam no sétimo ano porque estão sempre a resolver crimes. ”Nos clássicos, foi igualmente implacável. Resumos da Branca de Neve e os Sete Anões: “Se for bonita, pode invadir propriedade privada, desde que faça a lida da casa. ” E de A Bela e o Monstro: “Se ela não gostar de vocês, fechem-na em casa que ela aprende num instante. ” Para terminar no facto de as crianças de hoje lerem livros dos “youtubers”, ou seja, “de pessoas que são analfabetas”. E exemplificou com Experiências Loucas e Factos Bizarros, do Doutor Darkframe. O Jovem Conservador de Direita e o Estagiário falaram ainda de ficção científica, “o único mundo onde a esquerda funciona”, de livros de auto-ajuda, “que já nem acreditam nas pessoas”, e também na família de cantores Carreira, “há Carreiras para vários targets”, ou de livros como As 50 Sombras de Grey, “se forem homens de sucesso, já vale usar o chicote”. Ali se culpou os “esquerdalhos” pelo “período das trevas da literatura”. O problema foi quererem considerá-la “uma arte”. Na opinião do Conservador, dever-se-ia ter mantido a ideia primordial, na Suméria, onde a escrita terá nascido “pelo nobre princípio das finanças e da contabilidade”, através de um simples registo comercial. A subversão veio dos “esquerdalhos”, que “fumavam ganzas e se esqueciam das coisas”, e abandonaram a missão mercantilista da escrita. O “elogio” a Nuno Melo, candidato do CDS às eleições europeias e que em muitas ocasiões parece mimetizar, ficou para o final: “Anda a passar vergonha desde que me bloqueou no Facebook, mas tem um cabelo que lhe vale 70% dos votos, apesar da pouca memória. É a Dory do [À Procura de] Nemo mas com um cabelo sensual. ” Mais uma gargalhada no Auditório do Centro Cultural Dr. Afonso Rodrigues Pereira, numa plateia entre o perplexo e o bem-disposto. O programa prosseguiria com uma discussão sobre o “homem e a sua circunstância”. Como a entender, aceitar e integrar no percurso individual, mas também como a trabalhar e até fintar. Protagonistas: o ex-ministro da Justiça Álvaro Laborinho Lúcio, António Tavares (vencedor do Prémio Leya em 2015), Arlindo Oliveira (presidente do Instituto Superior Técnico), o poeta João Rasteiro e o escritor Pedro Vieira (que já havia apresentado o seu mais recente romance, Maré Alta). Nessa manhã, Sandro William Junqueira deu a conhecer aos alunos da EB1 da Lourinhã As Palavras Que Fugiram do Dicionário. Terá levado mais ideias para um próximo volume, já que, entre várias sugestões das crianças para palavras inventadas, houve duas que ficaram na memória: “bacalheiro” e “livo”. Traduções: “árvore que dá bacalhaus” e “livro vivo”. Confirmou-se assim o que escritor e actor tinha dito aos miúdos no início da sessão: “A imaginação aumenta o mundo. ”O festival Livros a Oeste realizou-se de 14 a 18 de Maio, tendo encerrado com uma conversa-concerto com Carlão. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Em dois dias do festival, houve lugar a homenagens a Sophia de Mello Breyner Andresen e a Jorge de Sena. Foram dois comoventes apontamentos musicais e poéticos pelo grupo Corações em Concerto. O encontro literário é organizado anualmente pela Câmara Municipal da Lourinhã, que conta com uma equipa de oito pessoas recrutadas entre o município e a Biblioteca Municipal. Programado pelo jornalista João Morales, Livros a Oeste teve como mote “Palavras Que nos Unem”, voltou a incluir formação de professores e educadores e chegou a 1015 alunos do concelho, de vários níveis de ensino. Criar novos públicos é um dos objectivos do encontro. Está a ser cumprido.
REFERÊNCIAS:
Francês lança-se ao mar num barril para ajudar a estudar correntes
Aventureiro de 71 anos iniciou viagem nas Canárias e quer chegas às Caraíbas nos próximos três meses. O objectivo é contribuir para o estudo das correntes oceânicas. (...)

Francês lança-se ao mar num barril para ajudar a estudar correntes
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 | Sentimento 0.0
DATA: 2018-12-28 | Jornal Público
SUMÁRIO: Aventureiro de 71 anos iniciou viagem nas Canárias e quer chegas às Caraíbas nos próximos três meses. O objectivo é contribuir para o estudo das correntes oceânicas.
TEXTO: Jean-Jacques Savin, um antigo militar francês de 71 anos, decidiu lançar-se ao mar dentro de uma cápsula laranja em forma de barril. O objectivo, disse à BBC, é chegar às Caraíbas num prazo mínimo de três meses, à boleia das correntes. A cápsula, que foi largada ao largo da ilha de El Hierro, nas Canárias, tem no seu interior um beliche, uma cozinha e espaço de arrumação. O barril, com três metros de comprimento e dois de largura, tem seis metros quadrados de espaço interior, e conta com uma janela de vidro no chão que permite ao navegador francês contemplar a vida marinha no decorrer da viagem. De acordo com a emissora britânica, a cápsula foi construída para resistir a ondas e a possíveis ataques de animais marinhos de maior dimensão. Os aparelhos de comunicações e de posicionamento GPS são alimentados por painéis solares acoplados à estrutura. Durante a viagem, Savin lançará vários sinalizadores para ajudar oceanógrafos a estudar as correntes do Atlântico. Numa entrevista telefónica concedida à AFP, o tripulante mostrou-se optimista em relação às condições climatéricas. “Estou a mover-me a dois-três quilómetros por hora. Tenho previsões de ventos favoráveis até domingo”, contou. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. O orçamento de 60 mil euros para a construção da cápsula foi quase todo conseguido através de crowdfunding. O navegador francês prevê conseguir chegar até a Barbados. Contudo, não escondeu à BBC que gostaria de atracar numa ilha francesa, como Martinica ou Guadalupe. Na dispensa, leva foie-gras e uma garrafa de vinho branco para celebrar o Ano Novo. O francês irá ainda comemorar o seu aniversário a bordo da cápsula, a 14 de Janeiro. Os sinalizadores deixados pelo caminho ajudarão os oceanógrafos do Observatório Marinho Internacional a estudarem as correntes.
REFERÊNCIAS:
Tempo Janeiro
“Gosto do Reino Unido, mas a minha terra é aqui, no Porto ou no Douro”
Depois de 40 anos de trabalho no universo das empresas da família Symington, dos quais 16 na condição de presidente do conselho de administração, Paul vai retirar-se. Com ele, os vinhos do Porto da Dow’s, da Graham’s ou da Warre chegaram à curta elite dos vinhos mundiais. Conversa com um dos britânicos mais durienses desde o tempo do barão de Forrester. (...)

“Gosto do Reino Unido, mas a minha terra é aqui, no Porto ou no Douro”
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 | Sentimento 0.0
DATA: 2018-12-31 | Jornal Público
SUMÁRIO: Depois de 40 anos de trabalho no universo das empresas da família Symington, dos quais 16 na condição de presidente do conselho de administração, Paul vai retirar-se. Com ele, os vinhos do Porto da Dow’s, da Graham’s ou da Warre chegaram à curta elite dos vinhos mundiais. Conversa com um dos britânicos mais durienses desde o tempo do barão de Forrester.
TEXTO: Paul Symington, 65 anos, fala ainda com sotaque inglês, mas a origem britânica é cada vez mais uma memória remota. Como na maioria das famílias que se instalaram no Porto para se dedicar a negócio do vinho, Paul tornou-se portuense e, talvez ainda mais, duriense. Filho da primeira geração da família “que não teve de se fardar” para participar nas grandes guerras do império britânico, Paul chegou ao Porto depois de estudar em Inglaterra em 1979, numa altura em que o vinho do Porto consolidava a recuperação da penosa travessia comercial da Segunda Guerra Mundial. Hoje, o grande vinho do vale do Douro confronta-se com outros desafios e Paul insurge-se contra o alheamento das autoridades. Crente no futuro da região, diz que é ali que a família continuará a investir até porque, acredita, um dia os vinhos tintos ou brancos do Douro terão o lugar que merecem no reconhecimento internacional. Agora que sai de funções executivas, Paul vai gastar mais tempo a andar de mota pelas vinhas, a passear com o cão e a aprender a conduzir um tractor. Como está a ver a questão do “Brexit”?É uma confusão. Ninguém sabe o que vai acontecer com o “Brexit”. A minha mãe ainda está viva, nasceu em Sintra. Os pais dela eram de Lisboa. Eram dez irmãos. Dois morreram na guerra. Um com 19 anos e outro com 18. Sabe onde é que eles estão? Um está num cemitério na Tunísia e outro está em Nápoles. Estiveram três irmãos na tropa [na Segunda Guerra Mundial] e dois morreram. A minha mãe ainda está viva. Esta é uma realidade que eu senti na minha família. Na Europa temos uma história de matarmo-nos uns aos outros. Tivemos agora meio século de paz. Eu fui a primeira geração da minha família que não teve de se fardar para ir à tropa. O meu avô esteve na Primeira Guerra, na Segunda estiveram os meus pais e os meus tios. Para mim, a União ou alguma União da Europa faz sentido. Obviamente são países completamente distintos, cada um tem as suas tradições, o seu governo, etc. Mas faz sentido, para alguém que lê sobre a História, partilhar alguma coisa. Acho o “Brexit” uma coisa triste nesse sentido. Ninguém sabe no que isto vai dar. De positivo acho que vai ser pouco. Para mim é uma fantasia esta ideia de independência total do Reino Unido. Eu sei que Bruxelas por vezes faz asneiras, que não se preocupa muito com as pessoas. Há muitas coisas com que não estou de acordo. Mas em tudo há um lado positivo e um lado negativo, e, para mim, a União Europeia tem mais coisas positivas do que negativasNesta questão, sente-me mais britânico ou português?Estou à espera do meu passaporte português…Essa era precisamente uma das perguntas que tínhamos para lhe fazer. Por que razão, tendo nascido em Portugal, não tem passaporte português?Sabe porquê? Eu sou mais velho e no meu tempo quem fizesse 18 anos ia quatro anos para a tropa. Havia a guerra em África e eu não queria ir…Mas, entretanto, deu-se o 25 de Abril e desde então já passou muito tempo…É verdade, é verdade. Tenho alguma vergonha por não ter pedido antes o passaporte português. Mas já fiz o pedido há um ano e meio. Li há dias no PÚBLICO que alteraram a lei e que há mais de 40 mil pedidos. Tirando esse lado mais pragmático, de tentar fugir à guerra, não continua a haver na vossa comunidade essa tentação de pensar primeiro no Reino Unido e só depois em Portugal?Nunca me passou pela cabeça viver em Inglaterra. Eu admiro algumas coisas na História do Reino Unido, gosto do Reino Unido, mas a minha terra é aqui. Não me passa pela cabeça viver noutro lado. Aqui no Porto ou no Douro. Mas viveu em Inglaterra?Estudei lá. Andei na escola [básica e secundária] e depois na universidade. Após a universidade trabalhei um ano e meio numa empresa e regressei. Quando eu recebi aquele prémio da Decanter [uma publicação internacional dedicada ao vinho], o prémio The Man of the Year, convenci o meu pai, que já tinha bastante idade, a ir comigo a Inglaterra. Já não ia lá há muito tempo. Teve de ir quase numa cadeira de rodas. Na ida, ainda no aeroporto, virou-se para mim e disse-me. “Ó Paul, se eu morrer em Inglaterra, não me deixes lá. ” Morreu mais tarde e está no cemitério no Porto. Eu não gosto de ser colocado numa gaveta. Sou claramente uma mistura. Um europeu, ao fim e ao cabo…Português-inglês. Voltando ao “Brexit”. A possível saída do reino Unido da UE já está a afectar as vossas vendas?Um quarto das nossas vendas é para o Reino Unido. É muita coisa. Estamos a preparar-nos e a colocar um stock maior lá, porque não sabemos o que vai acontecer nas alfândegas. Mas vai ser uma chatice, porque vamos ter de alterar os rótulos todos, porque vão ter de ter o nome do importador… Os burocratas que fazem estas regulamentações esquecem-se de que essas mudanças custam uma fortuna aos produtores. Mas as vendas estão a diminuir?O Reino Unido está a passar por um período difícil e as vendas dos vinhos têm baixado alguma coisa. As grandes cadeias estão a sofrer com a entrada das grandes cadeias low cost, o Aldi e o Lidl, e o mercado do vinho em geral está a ser afectado. Não são só os vinhos portugueses. Oxalá que isto se resolva nos próximos meses. É preocupante e está a afectar-nos, mas a nossa empresa já sobreviveu a momentos difíceis da história. A vantagem de sermos uma empresa familiar é permitir-nos olhar a longo prazo. O que é que mudou, mais radicalmente, desde o dia em que entrou na empresa até hoje?Muita coisa mudou nestes 40 anos. Nos anos 70, no Douro e no vinho do Porto, o que se vendia era vinho de volume. Estava tudo virado para a quantidade. E apostar na quantidade é a pior coisa que se pode fazer para os vinhos do Douro. Hoje estamos a produzir menos e melhor. Não somos só nós. Os grandes produtores de França, que todos nós colocamos no top, estão a produzir menos do que há 20 anos. No segmento dos vinhos super-premium, que é muito apertado, assiste-se a esta tendência. O mercado é muito exigente. O vinho do Porto nessa altura, nos anos 70, tinha uma imagem de prestígio mais alta do que tem hoje, ou não?O vinho do Porto tem hoje uma imagem reforçada ao nível dos vinhos de topo, mas nos anos 70 já tinha dois séculos de história. O vinho do Porto já estava nos livros dos grandes wine writers. A grande luta hoje é conseguir que o vinho do Porto mantenha esse estatuto. Eu acho que o sector tem feito um bom trabalho. Nessa altura, havia os ruby em grande escala, os tawny correntes e os vintage. Hoje, com os tawny reserva, os colheita, os LBV, o mercado premium está mais diversificado. Qual é a grande ameaça actual para o vinho do Porto? É o açúcar? É o álcool?O grande desafio do vinho do Porto é manter-se relevante num mercado cada vez menos interessado nos vinhos generosos. Eu fiz há pouco tempo uma grande prova de vinho do Porto com o meu primo Charles em Londres. Estava lá toda a gente de peso. Antes da prova, fiz alguma pesquisa sobre o que está a acontecer com os vinhos de Xerês, em Espanha. Toda a gente sabe que os volumes caíram de 14 milhões de caixas (de 12 garrafas) para 4 milhões, mas o que eu não sabia era que a área de vinha passou de mais de 20 mil hectares, no início dos anos 80, para menos seis mil hectares. Vejam o que acontece quando uma região não se adapta à realidade. Nós podemos estar horas a discutir se trabalhamos mal ou bem, mas o melhor é olharmos para a realidade. Quer dizer que a preservação da área de vinha no Douro é a prova do sucesso do vinho do Porto…Em parte, mas o Douro não tem uma estratégia adequada à realidade actual. Nos próximos anos vão acontecer bastantes mudanças em várias frentes. Os vinhos generosos estão a reduzir a nível mundial e estão a reduzir há 20 anos. Não é uma coisa pontual, não se deve à troika ou ao “Brexit”. E o Douro tem de se adaptar a esta realidade. Mas temos muita coisa a nosso favor. O vinho do Porto é um exemplo mundial de inovação, de adaptação e de resistência. O que o Dirk [Niepoort] conseguiu, com a venda de uma garrafa de 1863 por mais de 100 mil euros, foi muito bom para o vinho do Porto. E toda a inovação que fizemos com o LBV, os vinhos datados, os Colheitas é usado em Xerês como um exemplo daquilo que eles deviam ter feito. Podem dizer-nos que temos de fazer mais provas, mais promoção. Nós já fazemos isso. Temos um director há semanas a fazer provas na China, a ensinar como se decanta e se prova um vintage. Mas a pressão é enorme sobre os generosos. Esta é a primeira ameaça. A segunda tem que ver com a estrutura minifundiária do Douro, a falta de mão-de-obra e a média de idades dos lavradores. Não há nenhuma zona vinícola no mundo com uma estrutura igual à do Douro. E isso está a mudar. Eu passo parte da minha vida no Douro. Eu conheço aquela gente de Provesende, Celeirós, Donelo, todas aquelas aldeias à minha volta, conheço muitos lavradores e eles têm a minha idade ou mais, os filhos já não estão lá. Quem é que vai tomar conta daquilo? Não há milagres. Nos próximos anos, não vai haver gente para fazer os trabalhos no Douro. Vai aumentar o latifúndio?Nós, a Taylor's, a Sogrape, a Sogevinus e a Gran Cruz temos 80% do negócio do vinho do Porto. Somos concorrentes ferozes. É o salve-se quem puder. Mas nem nós, que temos 26 quintas, um pouco mais de mil hectares, vamos conseguir algum dia ser auto-suficientes. É impossível. As 26 quintas só nos garantem 16% das nossas necessidades. Nem o Bill Gates conseguiria ser auto-suficiente no Douro. Nós dependemos de centenas de lavradores. Mas nos próximos dez anos vai mudar muita coisa no Douro. É tão certo como o sol nascer num lado e pôr-se noutro. Dez anos?Viu a falta de mão-de-obra que houve na vindima deste ano? Foi uma coisa terrível. Nós, pela primeira vez, trouxemos trabalhadores da Roménia. Passaram um dia em Alijó, a legalizarem-se, para não termos problemas. Fizemos uma área enorme de dormitórios na Quinta do Bonfim [junto ao Pinhão], uma coisa quase de luxo, e foram esses romenos os primeiros a dormir lá. Não são bem dormitórios. Se for um casal, dorme num quarto próprio. São condições excelentes e tivemos o cuidado de garantir que o empreiteiro que os trouxe lhes paga o valor justo. Não é agradável ter de ir buscar trabalhadores fora do país, mas não há volta a dar. Nós já usamos uma máquina de vindimar em patamares há três anos. Custou meio milhão de euros. Conseguimos algum apoio. A máquina só funciona no bardo exterior. O talude não permite colher no bardo interior. Mas isto é o futuro. Deu bons resultados?Fermentámos lotes de uvas colhidas à mão e outros com uvas vindimadas com a máquina e os resultados são excelentes. Os Symington conseguem ter uma máquina dessas, mas a maioria dos produtores do Douro não consegue…Mas não é preciso comprar. É possível alugar estas máquinas. Nós comprámos esta, mas vamos alugar outras. Um lavrador com 20 hectares ou mais vai ter de ir por este caminho, porque não há gente. Nos seus primeiros tempos na empresa, algum dia ouviu alguém da família falar no aparecimento da Denominação de Origem Controlada (DOC) do Douro?Não. Eles [os Symington] compravam vinho no Dão em barricas. Depois engarrafavam e consumiam em casa durante o ano. Eram do Douro e nem sequer faziam vinho no Douro. Lembro-me bem. E esse vinho do Dão era bem bom. Eles estavam completamente focados no vinho do Porto. Nem lhes passava pela cabeça que o DOC Douro pudesse ser uma possibilidade…Não. O surgimento dos DOC Douro [no final dos anos 80] e a qualidade elevada dos vinhos foi uma das evoluções que mais me agradaram. Quando vejo um Sassicaia, um Tignanello, um Vega Sicília, eu sei que temos no Douro vinhos, no mínimo, com a mesma qualidade. Não estou a falar como vendedor, nem isto é uma fantasia. É uma evidência. Nós [através da distribuidora Portfolio] importamos grandes vinhos da Austrália, do Rhône, da Califórnia que custam centenas de euros. Eu tenho a possibilidade de provar estes vinhos, de falar com os produtores e, quando olho para o que estamos a fazer no Douro, eu sei que mais cedo ou mais tarde também vamos estar naquele nível de preço. Ou seja, só falta o reconhecimento…Sim, há um salto que é preciso dar e que ainda nenhum vinho do Douro deu: entrar no chamado “mercado secundário”. É como apanhar peixe no rio com as mãos, de tão difícil. É quando um vinho começa a entrar nos leilões, como acontece com os vinhos da Borgonha e de Bordéus ou com os supertoscanos. O vinho do Porto sempre esteve nesse mercado secundário, mas os DOC Douro ainda não chegaram lá. Quando é que acha que isso vai acontecer?Não sei. É preciso convencer aquele grupo de gente muito rica que compra esses vinhos. É preciso haver muitas coisas alinhadas para esse salto acontecer, mas temos de o dar. Já se arrependeu de ir para o Alentejo [Os Symington compraram uma propriedade de 207 hectares situada no Parque Natural da serra de São Mamede]?Não, mal seria. O que os levou a apostar no Alentejo?Uma empresa familiar como a nossa tem de ter novos projectos. Já nos foram oferecidos, em tempos, projectos na Califórnia, no Chile, em Espanha e nós recusámos. Nós queremos estar em Portugal. Estamos no Douro, agora no Alentejo, num lugar a 450 metros de altitude, que tem algumas semelhanças com o Douro, e vai levar uns anos até dar dinheiro. Não é uma aposta de retorno rápido, nem nada que se pareça. Um projecto muito importante para mim foi a Prats&Symington, do vinho Chryseia. É uma empresa com 50% do capital da família Prats [de Bordéus] e 50% nosso. Começámos em 1999, há quase 20 anos. Nos primeiros dez anos, o projecto não deu nenhum lucro. Depois comprámos a Quinta de Roriz e pedimos quase todo o dinheiro emprestado. Custou uma fortuna. Agora está a dar alguma rentabilidade, mas não é muito grande. Fazer um vinho com a qualidade do Chryseia não é fácil. A rejeição de uvas é muito grande. Depois há as barricas. O custo é enorme. Não é fácil ganhar dinheiro. Sabe onde está o lucro? Quando se vende o projecto a um milionário. É por isso que é muito importante criar valor em torno de uma vinha, de grandes vinhos, construir uma marca. Ganha-se muito dinheiro no negócio do vinho em Portugal. Se não ganhassem, não estavam no negócio. O Porto vintage 2016 é financeiramente importante para nós, é verdade. Obviamente que dá dinheiro, mas são seis meses a promover o vinho em todo o mundo. É um trabalho medonho. E temos apenas três vintage em cada década. Temos consultores que nos dizem: “Olhando para a vossa empresa, para as quintas, para os terrenos em Gaia, para os armazéns e tudo o mais, para o seu valor, e vendo os resultados anuais nos últimos dez anos, vocês deviam vender e investir o dinheiro noutro negócio que ganhavam mais. ” É verdade que temos uma empresa saudável e com bastante património. Mas, se virmos bem, são poucas as empresas a nível mundial que atingem muito bons resultados com a venda de vinho. É por ser tão difícil que vendem o Chryseia tão cedo?Nós podíamos só lançar o vinho ao fim de quatro ou cinco anos, mas seria uma alteração estratégica muito grande. Não íamos ter vinho para vender. Estar quatro anos sem vinho no mercado é perigoso. Os vendedores esquecem. Obviamente que há um meio do caminho. Eu sei que em Inglaterra, por exemplo, há uma grande resistência. Os grandes restaurantes e as grandes garrafeiras não querem o vinho tão novo. É uma questão pertinente, sem dúvida. Mas a grande tradição de Bordéus, da Borgonha e do Porto vintage é vender en primeur [vinhos vendidos imediatamente a seguir à colheita]. Vão investir nos vinhos verdes?Talvez. Não temos nada, nenhum projecto. Mas se formos um dia para o vinho verde seria do mesmo estilo da quinta que comprámos no Alentejo. Qualidade, high end. São projectos que demoram muitos anos a afirmar-se. O vinho verde, pela qualidade com que se está a fazer hoje em dia, tem interesse e fica aqui perto, mas o Douro vai claramente continuar nos próximos anos a ser o grande foco. Não querem ser uma segunda Sogrape?Não. Veja por nós. Por mim, pelo Charles, pelo Johnny, pelo Rupert ou pelo Dominic. Todos temos vinha no Douro. Eu este ano tive um prejuízo enorme. O rendimento foi 40% abaixo da média. Já disse ao Charles [o primo responsável pela enologia da empresa]: ou pagas melhor ou vou vender ao Dirk [Niepoort]. [risos]Ganham mais dinheiro no vinho do Porto ou no DOC Douro?Muito mais no vinho do Porto. Não estamos a falar em volume. Em termos de margem de lucro?No vinho do Porto, mas não nos vinhos correntes, em que a margem é horrível. Mas nos grandes vinhos do Porto, mal de nós se as margens não fossem melhores. Por que é que apostam então cada vez mais nos vinhos do Douro?Os vinhos do Douro representam 8% do nosso negócio, à volta disso. Nós achamos que todo o negócio do DOC Douro tem pés de barro. Estamos a apostar, temos um projecto para fazer uma adega na Quinta de Ataíde, no Vale da Vilariça, vamos continuar a investir fortemente nessa área, mas é uma área muito difícil. Para mim, é tão óbvio o perigo que estamos a correr em permitir vinhos tão baratos… o Douro merece outro estatuto e nós estamos a minar o futuro do Douro. Fico profundamente triste ao ver a visão curta de muita gente. É o “deixa andar”, porque mais cedo ou mais tarde os preços vão subir gradualmente, não há problema. Moralmente, não podia ser mais injusto para a lavoura. É escandaloso o que se está passar. Se pagarmos uma consultoria a uma empresa como a McKinsey para estudar o que é o Douro, eles vão dizer: “Vocês são malucos. Vocês têm este custo de produção, têm esta qualidade, mas estão a colocar nas prateleiras vinhos ao mesmo preço dos low-cost, do Chile, da África do Sul ou do Sul de Espanha. ” Os coleccionadores têm na mente o valor dos vinhos do mundo: há Bordéus, há Borgonha, há isto e aquilo e onde está o Douro na mente do dono de uma garrafeira? Não está em termos de qualidade e de preço entre os bons. Em Portugal a situação é diferente. No seu mundo e no meu. Fale com uma pessoa que trabalha numa fábrica em Guimarães que queira um Alentejo ou um Douro para o fim-de-semana. Pode escolher porque o preço é igual. Porque há excesso de produção?Mas isso é muito mau. Para o consumidor em Guimarães ou em Braga ou Portimão, é indiferente ser Alentejo ou Douro porque o preço é igual. Isso é péssimo. Mas, no estrangeiro, quando se quer comprar um vinho caro compra-se francês e em Portugal quando se compra vinho caro normalmente compra-se Douro. Estou de acordo. Há uma montanha que temos de subir e uma batalha que temos de ganhar. E vamos lá. Mas estamos a piorar o nosso argumento porque há vinhos do Douro nos supermercados demasiado baratos. Como se resolve isso?Mais cedo ou mais tarde, vai ficar resolvido. A economia funciona. Quando o lavrador não tem rendimento, abandona. Vai acontecer. Agora vai ser lento porque o benefício [sistema de distribuição dos direitos de produção de vinho do Porto, que estabelece quantidades e preços de produção] vai mantendo a situação. Portanto, o benefício é uma máscara de oxigénio que permite que o vinho do Porto seja vendido barato?Totalmente. No Alentejo fale-se com o João Portugal Ramos ou com a equipa do Esporão para se perceber. Há muitos lavradores que vendem as uvas à Cooperativa de Borba ou ao Esporão. O preço sobe e baixa consoante a natureza do ano. Há claramente um ciclo que acontece e quando há vinhos a mais há abandono. A Cooperativa ou o Esporão baixam os preços e as pessoas abandonam. No Douro, isso não acontece porque há o benefício. Mas a longo prazo vai acontecer. O beneficio, vistos os volumes de vinho do Porto, vai continuar a baixar. Depois de dizer isto tudo estou profundamente optimista sobre o futuro do Douro. Aquelas terras são únicas. Este ano estive na Austrália, no ano passado estive na Califórnia e em Fevereiro vou para a África do Sul. Eu vejo o que eles têm e comparo: o que temos no Douro é um tesouro fabuloso que está a ser muito maltratado. Há uma conjugação infeliz de gente em Lisboa que não percebe, que sabe dos vintage de 100 pontos, dos Barca Velha e vêem que 60% das exportações em valor dos vinhos portugueses vêm do Douro. Eles olham para isto e acham que fazemos coisas maravilhosas, que é tudo muito bom, que o negócio corre bem e que nós estamos sempre a reclamar; depois aquilo é complicado e não dá para se perceber bem. Há uma falta de conhecimento profundo em Lisboa e depois há interesses instalados que tendem a fazer com que uvas excelentes se vendam a 30 cêntimos o quilo. Que interesses instalados são esses?Eu não faço nenhuma crítica. Se um dia fizesse uma adega pequena na minha Quinta das Netas, na estrada Sabrosa-Pinhão, punha um pequeno reclame a dizer que comprava uvas Touriga Nacional a 40 cêntimos o quilo e teria muita gente a bater à porta para me vender essas uvas. Eu não critico ninguém por comprar uvas a preços de mercado, só um maluco é que paga o dobro. Mas o mal é mesmo o preço de mercado. O que temos de fazer é adaptar o sistema para ter um tipo de benefício para o Douro DOC. Quotas para o Douro DOC?Sim. Ou abolir o benefício para o vinho do Porto, o que não se pode fazer porque seria a ruína do Douro. Quando regressou de Inglaterra, era mais fácil administrar um grupo de empresas do vinho do Porto do que agora?Era muito mais simples. Mandava-se uma carta para o importador da Holanda a dizer que o aumento de preços para o ano ia ser de 5%. A carta ia e esperávamos um mês pela resposta. Agora o raio do holandês [risos] está ao telefone dois segundos depois a dizer que os preços são inaceitáveis. Tem saudades?Era muito mais calmo. Havia uma forte concorrência, estavam cá as multinacionais e nós tínhamos muito medo delas por causa do seu poder financeiro brutal e da sua rede de distribuição — a Seagram tinha até uma cadeia de lojas no Reino Unido. Mas, olhando para trás, estou satisfeito. A empresa tem outro estatuto em termos de imagem. Não tínhamos muita vinha, só tínhamos a Quinta do Bonfim; a geração do meu pai foi obrigada a vender a Quinta do Zimbro e a Senhora da Ribeira porque simplesmente não havia dinheiro. Quando comprámos a Graham’s, os meus pais e os meus tios tiveram de vender os Malvedos [a quinta emblemática desta empresa, junto a Foz Tua]. Poucos anos mais tarde, conseguimos comprar a quinta, mas imagine o que é comprar uma marca como a Graham’s e não ficar com a quinta… Não havia dinheiro. Aqui atrás [a entrevista decorreu nas Caves 1896 da Graham’s, em Vila Nova de Gaia], estes terrenos deste lado eram todos da Graham’s e tinham sido vendidos pelos antigos donos da Graham’s para pagar ao pessoal. Os meus pais tiveram de pedir muito dinheiro emprestado ao Banco Português do Atlântico para comprar a Graham’s em 1970. E estavam assustados. Não sabiam como iam pagar os empréstimos. Quando chega, em 1979, já tinham comprado os Malvedos?Não, comprámos pouco depois. Eu dizia: isto é impossível. Havia dois bichos a roer a empresa. Um era a falta de vinha. Outro era a imagem da empresa. Os meus tios e o meu pai eram de uma geração nascida muito antes da guerra e dedicaram-se mais de 100% a isto, mas não tinham aquela aprendizagem necessária em termos de marketing dos vinhos. Viajavam muito. Eu lembro-me do meu pai constantemente a partir. Ia com a minha mãe ao aeroporto e ele seguia durante semanas para a Dinamarca, a Holanda. Estava constantemente em viagem. Na vindima, estava no Douro, depois era viagem constante. Mas a minha geração conseguiu duas coisas: criar um património importante de vinha no Douro e criar a imagem em volta dos nossos vinhos nos mercados internacionais. Isso foi muito importante. O Paul ainda assistiu ao nascimento do fabuloso Dow’s vintage de 1980?Sim, em 1979 já cá estava e assisti ao Dow’s 80. Mas mesmo nessa época havia coisas interessantes a assinalar. Não houve lucro nenhum para nenhuma empresa desde o início dos anos 30 até aos 1963. Foram 30 anos de zero lucros. O Douro sofreu, fala-se ainda hoje dos anos de fome, durante a guerra não houve exportações nem havia consumo nacional. O meu pai ia de eléctrico para Gaia. Não tínhamos carro. As únicas férias que tivemos quando era miúdo foi em Sanxenxo, na Galiza. Havia um pequeno hotel que já não existe, de duas estrelas. Isto é só para contar a realidade do vinho do Porto daqueles anos. Não havia dinheiro, foi aí que vendemos as duas quintas. Só com o vintage de 1963 é que surgiu a luz ao fundo do túnel. Aí o meu pai disse que tinha tomado “a decisão certa de regressar depois da guerra [II Guerra Mundial]” para trabalhar com o pai dele, o meu avô. Eu nasci numa casa alugada no Pinheiro Manso [no Porto] e em 1967 é que o meu pai comprou a casa, na Maia. Foi a primeira casa dele. Havia a ideia no Douro e no Porto de que os ingleses eram todos muito ricos. Não havia margens no negócio. Só depois, nos anos 60 é que começou a recuperação. A Cockburn's lançou em 1969 o Special Reserve, a Taylor’s lançou o LBV poucos anos mais tarde e a procura da qualidade começou a despertar. Antes o vinho do Porto era ruby, e barato, e vendido com pouca margem, e depois o vintage duas ou três vezes em cada década. Não havia nada entre os dois. Depois começou-se a criar um novo mercado e correu bem. Com que idade foi para Inglaterra estudar?Com 14 anos. E regressou com quantos?Com 24. E depois de dez anos em Londres, regressar a esse Porto parado no tempo não foi um aborrecimento?Não. Senti-me sempre não muito inglês. Não me entrou na cabeça não regressar. Mas depois de estudar ainda esteve um ano a trabalhar em Londres. Porquê?Eu casei e a minha mulher não queria vir. Não falava português e ela pediu-me para ficar lá dois ou três anos depois de casarmos. Mas o meu pai estava sempre ao telefone: “Tens de vir, tens de vir. ” Foi na época do 25 de Abril, quando o país estava muito complicado. Repetiu esse modelo de educação com os seus filhos. Foram estudar para Inglaterra. . . Foi uma asneira. O meu filho ainda não me perdoou. Está cá, tem duas filhas e diz-me: “Não vou fazer o que me fizeste. ” Dois regressaram, outro quer vir para o ano e só a minha filha, que casou, duvido de que regresse. Hoje, Portugal também é um país mais avançado do que nessa altura…Olhe para a qualidade da Universidade do Porto! Estive lá quatro anos no conselho geral. A Faculdade de Engenharia está entre as 100 melhores do mundo. E há 26 mil universidades no mundo, vejam bem…Qual é a melhor recordação que leva nestes anos todo à frente da Symington?Talvez os grandes prémios. Ver o Dow’s ter 100 pontos na Wine Spectator é bom. A Wine Spectator é muito poderosa. Com todo o respeito pela Fugas ou pela Decanter ou pela Grandes Escolhas, nunca vi uma revista mexer assim com o mercado. O Dow’s de 2007 e 2011 estão a liderar os leilões internacionais de Porto vintage de há quatro anos para cá. Nós não ganhamos nada, o vinho foi vendido en primeur, mas o facto de haver gente a comprar e a vender o nosso vinho no mercado secundário fez com que o valor triplicasse. O Dow’s 2011 estava a 450 euros a caixa e hoje em dia está entre 1400 e 1500. O valor triplicou. E o 2007 passou de 450 para 780 euros. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Se tivesse de escolher um vinho do Porto especialíssimo, escolhia um tawny ou um vintage?Um vintage. Porque se está a beber história. Adoro tawnys velhos. Mas um vintage tem outra coisa. Fechou-se lá dentro com a rolha há não sei quantos anos. Sempre que abro um vintage penso no que estava a acontecer nessa altura. Penso em quem o fez, se foi o meu pai, se foi James ou o Peter, e penso nas condições do mundo nessa altura. Qual é o grande vinho do seu mandato?[silêncio longo] Acho que tem de ser o Dow’s 2007, que ainda é um miúdo. Eu tive a sorte de trabalhar estes anos com o Charles. O Peter [pai do Charles, conhecido no sector como “senhor nariz”] foi muito, muito bom. Mas eu acho que o Charles é ainda melhor. Tem de ser o 2011 ou o 2007 [já feitos por Charles]. Atirou-nos para um outro patamar. Há duas coisas que levo comigo. Uma é o respeito do pessoal. A maioria tem respeito por mim. A segunda foi ter ajudado a colocar a empresa entre as melhores. Financeiramente estou bem, tenho uma casa em Valadares, tenho uma quinta no Douro que me dá enorme gozo, onde vou passar grande parte da minha vida. Mas muito mais importante do que a situação financeira é ter o respeito do nosso pessoal. Das engarrafadeiras, do caseiro na Cavadinha, do senhor Américo, do tanoeiro. Felizmente que esse valor é muito forte nos meus primos. Se fosse só pela questão financeira, nós tínhamos feito muitas operações, de comprar e vender. Nós somos muito diferentes, há uma corrente muito forte entre nós: herdámos isto e devemos entregá-lo melhor à nova geração. Eu nunca pensei nisto como meu. Herdei do meu pai uma parte da empresa e vou entregá-la aos meus filhos e espero que eles tenham a mesma atitude. Se tivesse um primo que quisesse a todo o custo ter uma casa enorme na Quinta do Lago e um barco, era complicado. Mas o que eles querem é o que eu quero. Eles gostam realmente do Douro. Hoje [uma sexta-feira] ao fim do dia vou estar no meio da vinha com o meu cão maluco. O que vai fazer a seguir?Vou aprender a conduzir um tractor no Douro. Não sei conduzir no meio da vinha.
REFERÊNCIAS:
Se conduzires, não estejas no Facebook, no Instagram, no Snapchat, no WhatsApp
Como se não bastasse conduzir ao telefone, agora há o hábito, mortal, de conduzir enquanto se publica uma foto no Instagram ou um comentário no “Face”, sem esquecer o FaceTime, conversas e imagens no WhatsApp e as brincadeiras do “Snap”. (...)

Se conduzires, não estejas no Facebook, no Instagram, no Snapchat, no WhatsApp
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 | Sentimento 0.0
DATA: 2018-12-31 | Jornal Público
SUMÁRIO: Como se não bastasse conduzir ao telefone, agora há o hábito, mortal, de conduzir enquanto se publica uma foto no Instagram ou um comentário no “Face”, sem esquecer o FaceTime, conversas e imagens no WhatsApp e as brincadeiras do “Snap”.
TEXTO: Entretanto já morreram 14 pessoas nas estradas, 14 famílias cujo Natal ficará marcado para sempre pelas piores razões. Na RTP um oficial da GNR insiste na ausência de álcool e respeito pelos limites de velocidade durante esta época, mas não só. Este ano há uma novidade: as redes sociais. As redes sociais? Sim, ouvi bem, as redes sociais. Como se não bastasse conduzir ao telefone, agora há o hábito, mortal, de conduzir enquanto se publica uma foto no Instagram ou um comentário no “Face”, sem esquecer o FaceTime, conversas e imagens no WhatsApp e as brincadeiras do “Snap”. Conclusão, conduzir não basta, a vida é um circo e uma hora na auto-estrada uma tarefa ciclópica onde a capacidade de concentração de quem vai ao volante é zero e a necessidade de distracção uma constante imperativa, não, urgente. Os alunos com quem trabalho todos os dias têm, por norma, dificuldades de concentração. Vítimas dos telemóveis e de famílias desestruturadas onde não moram regras, relações sociais e amor, têm uma necessidade de atenção e uma incapacidade de manter a atenção crónicas. É neste estado que preenchem os dias e as noites de escolas onde, literalmente, os miúdos marinham parede acima. Os miúdos com quem trabalho são isso mesmo, miúdos, ainda não adultos, mas um dia serão adultos. E, se nada fizermos, serão incapazes das tarefas mais simples como ir ao médico e preencher uma ficha de inscrição, saber o caminho para chegar a casa de alguém ou fazer um teste, quanto mais conduzir um automóvel — tudo tarefas onde a concentração é um requisito mínimo para quem pretende fazer parte desta sociedade. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. É, portanto, com surpresa que constato ver nas estradas portuguesas condutores cuja capacidade de concentração e necessidade de atenção, disfarçadas pelo narcisismo implícito das redes sociais, acabam por estar a par e par com os alunos com quem trabalho. Este Natal já morreram 14 pessoas na estrada… e ainda falta o ano novo. Vítimas desta necessidade constante de estímulos, likes, emojis e feedback, acabamos a tirar uma selfie com uma mão enquanto a outra conduz. Sem olhar para a estrada. Os olhos estão no espelho do telemóvel no momento exacto em que o carro sai da via, entra pela valeta e capota a viatura e uma família inteira. Aturdido, antes de perder a vida e os sentidos, ainda há tempo para partilhar no “Insta”: venham os likes. . . Se conduzires não bebas, respeita os limites de velocidade, descansa de duas em duas horas e, por favor, não estejas no Facebook, no Instagram, no Snapchat, no WhatsApp, entre outras redes sociais. Pensa nos outros que pensam mais em si do que no seu perfil do Facebook. E quando te quiseres distrair, podes sempre ouvir música ou a velhinha, mas ainda actual e sempre fiel, rádio.
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Entidades GNR
Anticorpos travam aumento de peso em macacos obesos
Equipa desenvolveu um anticorpo que actua nas reservas de gordura, combatendo o aumento de peso e reduzindo o apetite. As experiências foram feitas em ratos e macacos, mas os cientistas acreditam que o método pode vir a ser útil nos humanos. (...)

Anticorpos travam aumento de peso em macacos obesos
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 | Sentimento 0.0
DATA: 2018-12-31 | Jornal Público
SUMÁRIO: Equipa desenvolveu um anticorpo que actua nas reservas de gordura, combatendo o aumento de peso e reduzindo o apetite. As experiências foram feitas em ratos e macacos, mas os cientistas acreditam que o método pode vir a ser útil nos humanos.
TEXTO: Os investigadores conseguiram aquilo que chamam um efeito “antiobesidade”, primeiro em ratinhos e depois em macacos. Nas experiências realizadas foi explorado o conhecimento adquirido em estudos genéticos que já apontavam para o papel de um receptor específico – o receptor do peptídeo inibidor gástrico (GIP), ou peptídeo insulinotrópico dependente de glicose –, que tem sido caracterizado como um promotor da obesidade. Os cientistas desenvolveram então um anticorpo dirigido a este receptor do GIP que usaram em ratos. Uma versão humana do anticorpo (denominada hGIPR-Ab) promoveu a perda de peso em macacos obesos, um efeito que foi melhorado quando foi adicionado um tratamento aprovado para diabetes de tipo 2. É toda uma elaborada receita para ajudar a combater a epidemia da obesidade, um problema de saúde pública global que afectará já mais de 650 milhões de pessoas em todo o mundo. Os ingredientes desta receita são anticorpos que têm como alvo um receptor ligado à criação de reservas de gordura. É, dizem, os autores do estudo publicado na revista Science Translational Medicine, uma potencial terapia para a obesidade. Mas, antes de “alimentar” as esperanças de quem sofre por causa do aumento do peso, é preciso dizer que os cientistas sublinham que o trabalho ainda tem várias limitações e, por isso, é preciso fazer mais estudos para confirmar a eficácia e segurança desta eventual “terapia antiobesidade”. Ainda assim, os primeiros resultados relatados no artigo são motivo para optimismo q. b. Os cientistas envolvidos neste estudo usaram os resultados obtidos em investigações anteriores que já mostravam que a hormona GIP promove a formação de gordura e desempenha um papel no desenvolvimento da obesidade. Já se tinha observado, por exemplo, que os ratos que não têm GIPR (o receptor para o GIP) são resistentes ao ganho de peso, mesmo quando alimentados com uma dieta indutora de obesidade. Agora, Elizabeth Killion, investigadora no Departamento de Distúrbios Cardiometabólicos na empresa biofarmacêutica norte-americana Amgen, coordenou o trabalho de uma equipa que desenvolveu um anticorpo contra o GIPR e investigou o seu potencial para combater a obesidade. Os cientistas “administraram este anticorpo a modelos ratos obesos e descobriram que os roedores apresentavam uma redução média na massa de gordura de 37%, assim como níveis mais baixos de glicose no sangue e triglicerídeos (frequentemente um indicador de doença hepática gordurosa)”, lê-se no resumo do artigo. A versão humana do mesmo anticorpo (a hGIPR-Ab) promoveu uma perda de peso em macacos obesos, um efeito que foi melhorado quando se adicionou nesta receita um ingrediente chamado “dulaglutida”, um tratamento aprovado para diabetes. Este ingrediente adicional é descrito no artigo como um promotor da acção do receptor de GLP-1 (que é um regulador da glicose). Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. As análises realizadas posteriormente mostraram que a versão humana do anticorpo terá conseguido produzir o efeito “anti-obesidade” porque se ligou ao receptor do GIP impedindo o peptídeo inibidor gástrico de exercer os seus efeitos pró-obesidade. No artigo refere-se ainda que a primeira fase da experiência, com a administração do anticorpo em ratos, protegeu os animais do ganho de peso corporal e também “melhorou vários parâmetros metabólicos”, tendo sido igualmente associado a uma “redução da ingestão alimentar”, ou seja, do apetite. Nos macacos a perda de peso terá sido ainda mais pronunciada. E, nos dois casos, os efeitos foram melhorados quando se adicionou o tratamento para a diabetes de tipo 2. Confirmaram também, no modelo de ratos, que este “tratamento antiobesidade” não causava danos pancreáticos. “Em conclusão, os dados fornecem uma validação pré-clínica de uma abordagem terapêutica para tratar a obesidade com anticorpos anti-GIPR. ”Porém, escrevem os autores no artigo, este estudo “tem várias limitações”. Entre outras, o facto de não ser possível concluir que a receita que junta o anticorpo ao medicamento aprovado para o tratamento de diabetes leve a uma perda de peso superior do que se usarmos apenas o tal fármaco dulaglutida. Isto porque, explicam os autores, no estudo não foram usadas as doses máximas do fármaco para “estabelecer a perda de peso máxima absoluta”. Além disso, referem, o anticorpo que actuou no receptor do GIP “não resultou em melhoria da tolerância à glicose”, ainda que “os efeitos sobre a tolerância à glicose não tenham sido agravados, o que é notável, dada a redução nas concentrações séricas de insulina em jejum e pós-prandial [após a refeição]”. Apesar de considerarem expectável que as alterações na insulina provocadas pelo anticorpo acabem por ter um efeito benéfico no metabolismo sem um impacto negativo na estabilidade da glicose, os cientistas admitem que são necessários mais estudos para esclarecer em detalhe estes possíveis efeitos. Por fim, o estudo refere ainda que foram notadas diferenças nos efeitos farmacológicos nos diferentes animais, mais concretamente “um efeito anoréxico mínimo” no rato e “um efeito mais pronunciado” nos macacos. São resultados que sugerem “diferenças específicas de espécies” na função do receptor do GIP, ficando por saber qual será (neste ponto específico) a espécie mais relevante para os humanos.
REFERÊNCIAS:
O almanaque que prevê o tempo há 85 anos
Falar do Borda d’Água é falar da tradição e do mundo rural, mas também das hortas de varanda nas cidades e dos jovens agricultores que hoje o compram. (...)

O almanaque que prevê o tempo há 85 anos
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 | Sentimento 0.0
DATA: 2018-12-31 | Jornal Público
SUMÁRIO: Falar do Borda d’Água é falar da tradição e do mundo rural, mas também das hortas de varanda nas cidades e dos jovens agricultores que hoje o compram.
TEXTO: Publicado desde 1929, o almanaque ainda é impresso numa tipografia tradicional na Rua da Alegria, em Lisboa. Chegou a vender 350 mil exemplares num ano, agora ainda vende 280 mil. Falar do Borda d’Água é falar da tradição e do mundo rural, mas também das hortas de varanda nas cidades e dos jovens agricultores que hoje o compram. Oitenta e cinco anos depois, a estrutura dos conteúdos é a mesma e uma versão digital está fora de causa. É entre o movimento das pessoas que sobem e descem a Rua Garrett, em Lisboa, que o senhor Pires, como é conhecido, vende o Borda d’Água. De vez em quando, sobe até ao Bairro Alto, à livraria da Editorial Minerva, responsável pela publicação do almanaque, e compra no máximo 15 exemplares, “para não andar muito carregado”. Cada um custa-lhe um euro e é vendido por dois. “A reforma é pouca. Vender uns quatro ou cinco dá pelo menos para uma refeição. ”Alberto Pires tem 77 anos, é reformado e começou a vender o almanaque em 1996 por sugestão de um amigo. Passou a ser a rotina de todos os dias de manhã, excepto ao domingo. “É preciso ter uma grande força de vontade e persistência”, diz. De vez em quando, troca a Rua Garrett pela estação do Rossio. “Às vezes, estou no Chiado três, quatro dias, não vendo nada e então tenho de descer. ” Melhor do que ninguém, conhece quem compra o almanaque e sabe que a agricultura é o que mais interessa aos leitores, embora as tabelas das marés também tenham interesse para os pescadores. “Os compradores são diversos. Lá em baixo, na estação do Rossio, é gente mais ligada à agricultura. Aqui no Chiado é um ambiente mais seleccionado. Pela aparência, são pessoas abastadas. Há também gente nova, tanto do sexo feminino, como masculino. Mas as pessoas andam sem dinheiro, passam com uma indiferença formidável, não olham para as montras nem nada. ”O senhor Pires é um dos dois únicos vendedores de rua na zona de Lisboa que Narcisa Fernandes, sócia-gerente da Editorial Minerva, conhece. O outro vendedor, conta, é um senhor “com a idade do Borda d’Água” que por vezes vende dentro do comboio na linha de Cascais. Muitas outras pessoas vendem o almanaque nas ruas, pelo país fora, até nos semáforos, mas praticamente todas representam o que se transformou no maior problema da editora nos últimos anos: a falsificação do Borda d’Água. “Em média, são uns 70 mil que eu estou a perder por ano, sobretudo de há quatro anos para cá, por causa da venda dos falsos. ” Não fossem os almanaques falsos vendidos, Narcisa Fernandes acredita que voltaria ao seu topo de vendas: 350 mil exemplares em 2006. “Durante uns anos seguidos, por volta de 1970 e 1980, vendíamos uns 150 mil ou 200 mil. Quando começou a subir, fiquei satisfeita. ”O Borda d’Água continua a ter algumas marcas da sua identidade. É impresso numa tipografia tradicional que conserva as mesmas máquinas e o mesmo espaço (na Rua da Alegria) desde o início da década de 1930 — o primeiro espaço da editora no Bairro Alto mantém-se mas a funcionar como livraria. Há também 85 anos que na primeira página aparece o “senhor da meteorologia”, um boneco vestido de fraque, com uma cartola na cabeça, um jornal e um guarda-chuva debaixo do braço. Aparece também a ferradura vermelha, com o “M” de Minerva, por cima da cartola e que serve para dar sorte para o ano. As páginas ainda vêm coladas em cima e de lado: a impressão é feita em folhas grandes, que são depois dobradas nas máquinas antigas. Essa foi, aliás, uma das formas de distinguir os almanaques originais dos falsificados que, por serem fotocopiados, vinham já com as folhas abertas. “Durante um tempo, os falsos eram vendidos com a ferradura preta e por aí dava para perceber. Depois passaram a fazê-los também com a ferradura vermelha”, explica a responsável da editora. Dentro das 24 páginas que o compõem, estão as “indicações das fases da lua, do calendário, das festas religiosas, dos feriados nacionais, as indicações para a agricultura, a entrada da lua nos signos do zodíaco, a astrologia, os eclipses, as feiras e mercados, as tabelas das enchentes e vazantes das marés, o início das estações e tantas outras contribuições de utilidade diária”. É com esta descrição dos conteúdos que arranca o almanaque de 2014. Publicado anualmente, há uma página dedicada a cada um dos 12 meses do ano onde é feita uma série de sugestões relativas à agricultura, à jardinagem e à criação de animais. Para Janeiro de 2014, por exemplo, o almanaque aconselha a semear alface romana, couve-repolho e rabanete. Nos jardins, aconselha a semear begónias, girassóis ou lírios e a colher violetas, amores-perfeitos ou camélias. Os conteúdos de cada almanaque começam a ser preparados em Janeiro ou Fevereiro do ano anterior. Célia Cadete, directora do Borda d’Água há cinco anos, que também é professora de Filosofia e Psicologia no ensino secundário, é a única responsável pela produção dos conteúdos. Começa por recolher os dados sobre a meteorologia e as luas junto do Observatório Astronómico de Lisboa. Depois conjuga essa informação com sugestões que ouve e recolhe dos leitores. Ao longo do ano, vai compilando a informação que recebe através de emails, telefonemas ou cartas. Chegam-lhe pequenos papéis dos leitores com dicas ligadas à agricultura, com provérbios ou com informação sobre uma feira que não apareceu no almanaque do ano anterior. Célia Cadete conta ter um dia recebido um telefonema para saber se um diospireiro devia ser podado. “Quando não sei na altura, pergunto a algumas pessoas, tanto a alguém de Agronomia como a mais idosos que estejam ligados à agricultura. Depois, volto a contactar a pessoa e transmito o que me disseram. ” E as sugestões são úteis para quem procura a melhor altura para as suas plantações ou se lança em novas experiências. “Recebo dicas como ‘não se deve semear feijão nas duas primeiras semanas de Julho porque ganha ferrugem [doença causada por um fungo]’. ”A maior parte das cartas são escritas à mão e vêm de aldeias de todo o país. “Penso que o Borda d’Água é interessante nesse sentido. Tentamos receber informação e passá-la no ano seguinte às pessoas. É uma forma de o tornar dinâmico”, acrescenta. Célia Cadete diz também incluir outras histórias que ouvia os avós contarem. “Por exemplo, quando o lodo vem acima nos lagos, é sinal de que o tempo vai mudar para chuva ou trovoada. Ou quando há formigas a aparecer em casa é sinal de que vai chover. Os meus avós iam contando essas pequenas histórias que dão para identificar algumas coisas. ”Consultar as luasIlídio Carreira procura sobretudo as referências às luas. Há 19 anos que trabalha nas sementeiras da família e assegura, juntamente com o irmão, a produção anual de 600 toneladas de nabo e 200 toneladas de beterraba. Semeiam 40 hectares de terreno por ano e vendem para todo o país. “Começámos em Ribeiradas [no concelho de Sobral de Monte Agraço], onde tínhamos um barracão. ” Ilídio conta que tudo “foi crescendo naturalmente” e o dinheiro que ganharam permitiu-lhes mudar para os terrenos onde estão hoje, perto da mesma localidade. Dificilmente se vê o limite das terras que agora lhes pertencem, compradas pouco a pouco aos filhos dos vizinhos que foram morrendo. “A malta da minha idade não liga muito a isto”, explica. Há um ponto em particular de que se orgulha. “Um dos nossos sucessos foi fazer tudo com o nosso dinheiro. Nunca pedimos à banca. ”Ilídio tem 38 anos e quatro filhos. Habituado ao campo, não hesita em lembrar o quão duro o trabalho pode ser. Os nabais a perder de vista são interrompidos pelas enormes torres eólicas instaladas nos terrenos devido ao muito vento que por ali passa. Ilídio diz que é pela liberdade que gosta tanto daquilo que faz. Mas nunca ganharam tão pouco como agora. “É por causa das margens: há mais concorrência e anda tudo espremido. Quem paga é o produtor. ” Ter de reagir à concorrência obriga a que sejam encontrados alguns truques para que as colheitas sejam feitas nas alturas certas, com mais qualidade e sobretudo nas épocas em que outros produtores não conseguem garantir tanto produto. É por isso que, para Ilídio Carreira, as fases da lua, sobretudo o quarto minguante, são tão importantes. “Antes, todos os velhotes ligavam ao minguante. Por exemplo, se a cebola for semeada no crescente apodrece”, diz. Há cerca de quatro anos, começou a comprar o Borda d’Água, onde assinala com círculos os dias em que deve semear. “É um dos meus empregados, o senhor Guilherme, que o compra todos os anos na Feira de São Martinho, no Sobral de Monte Agraço. ”Para além das luas, Ilídio pouco mais consulta. “O almanaque também fala na diária do tempo, mas isso não bate assim tão certo. ” Para alguns dias do ano, tendo em conta as mudanças da lua, o Borda d’Água aponta as suas previsões do estado do tempo: desde “vento e trovoadas” ou “nuvens e chuva”, a tempo “fresco”, “variado”, “húmido” ou “brusco”. Para a próxima quarta-feira, dia 8 de Janeiro, por exemplo, o almanaque prevê “tempo revolto”. Quanto à veracidade dessas previsões do tempo, Célia Cadete é clara. “Nós nunca erramos, as nossas previsões são sempre magníficas, por isso é que são previsões”, ironiza. “Mas habitualmente dão certo. Uma pessoa perguntava-me ontem: ‘Mas como é que tem a certeza que dá certo?’ E eu disse-lhe: ‘Dá certo, mas às vezes depende do sítio onde está’. ”Narcisa Fernandes responde de forma semelhante. “Um dia ligaram-me porque o Borda d’Água dizia que ia chover e não estava a chover. Perguntei onde é que a senhora estava e disse-me que estava em Coimbra. Respondi-lhe: ‘Sabe, o Borda d’Água é feito para o continente e para as ilhas, e pode muito bem estar a chover nos Açores’. ” A sócia-gerente da Editorial Minerva conta ainda que em 2013 teve um engano no almanaque. “Repetimos um mesmo mês. Nem sabe os telefonemas e as devoluções que tive. As pessoas ligavam chateadas porque tinham ido fazer as suas plantações, tinham gasto dinheiro e agora quem é que o pagava? Já tinham saído uns 100 mil exemplares assim. ” É essa a primeira tiragem do Borda d’Água no mês de Julho: 100 mil exemplares, que ficam prontos em 15 dias e que são todos vendidos até ao fim do mês. Mantendo a tradição, os almanaques são empilhados em pequenos montes, com uma folha por cima e uma por baixo, atados com uma fita de plástico e enviados para os vários clientes pelo país fora que depois o vendem em tabacarias, papelarias, supermercados, feiras e, até mesmo, garante Narcisa Fernandes, farmácias. Logo a seguir à primeira tiragem, há outra de 100 mil exemplares. Todos os anos, a editora encomenda 600 resmas de papel reciclado, com 500 folhas cada. Criado em 1929 por Manuel Rodrigues, que fundou a Editorial Minerva dois anos antes, o Borda d’Água começou por ser apenas uma folha. Chamavam-lhe “a folhinha”, e assim foi conhecido durante algum tempo. Nessa altura, os livros da editora consistiam também em “folhinhas”, distribuídas porta a porta. “Entregavam a folha de um romance para ver se a pessoa gostava”, conta a responsável pela editora. Se gostasse, entregava-se outra, que então já teria um custo. O fundador do almanaque foi também o primeiro director e responsável pelos conteúdos. Mais tarde, em 1948, entrou Artur Campos, a pessoa que mais marcou a história do Borda d’Água, segundo a editora. “Vivia no Bairro Alto, num quarto andar, em frente à livraria da editora. Só tinha a quarta classe. Ia para a janela e fazia uma multiplicação, a partir da lua e das estrelas, e assim previa o tempo, mas nunca contou exactamente como fazia. ” Foi director durante 40 anos, até 1988. E foi também durante esse período que ocorreu o momento mais significativo para a editora e para o destino do Borda d’Água. É preciso dar um passo atrás para o perceber. Narcisa Fernandes começou a trabalhar na Minerva com 13 anos, através da mãe, também funcionária da editora. A sua função era carimbar à mão a ferradura vermelha, na capa do almanaque, que tinha sempre de acertar em cima da cartola do boneco. Nove horas por dia, seis dias por semana, durante seis anos. Cresceu na editora, foi este o único trabalho que teve. Logo após o 25 de Abril, os patrões desistiram da editora e os funcionários chegaram-se à frente. “Foi quando entrámos em acordo e criámos uma cooperativa para pagar as dívidas que existiam. Foi uma luta. Não tínhamos o objectivo de sermos ricos. Só queríamos que a editora vivesse. São as nossas vidas que estão aqui dentro. ”O valor do papelA estrutura dos conteúdos foi sempre a mesma ao longo do tempo. “Mesmo durante o Estado Novo, o almanaque nunca fugiu à regra. Antes do 25 de Abril, não havia o juízo do ano na última página, havia apenas uma canção. Em 1975 é que começou a haver esse texto, onde fazemos a previsão do ano seguinte, porque já se podia falar no que nos apetecesse. Mas, de resto, não havia problema, o Borda d’Água não tinha nada de mal. Só falávamos no tempo, nas hortas, nas luas. ”Depois de Artur Campos, houve mais dois directores, até que, em 2008, Narcisa Fernandes quis pôr, pela primeira vez, uma mulher à frente do almanaque e escolheu a actual directora. Mais recentemente, questionaram-se sobre a evolução para uma edição digital ou para a disponibilização dos conteúdos online, mas Narcisa Fernandes é clara. “Já tentámos, mas não. Sinceramente, isto é uma coisa tão pequenina que não faz sentido”, aponta, acrescentando que isso provocaria uma queda nas vendas. Quanto aos dois euros que hoje custa o Borda d’Água, a editora diz que equivale “a uma bica e um bolo”. Há quem sublinhe a utilidade que o Borda d’Água, em papel, pode ter. Cristina Santos Silva quis fazer algumas experiências de plantações pequenas nos terrenos que tem à volta de casa, numa aldeia junto do rio, perto da Lousã, onde passa os fins-de-semana e as férias com os filhos e o marido. Aos 43 anos, começou por plantar flores, como begónias, dálias e amores-perfeitos. “Fui fazendo essas experiências, mas morria tudo. Há uns quatro ou cinco anos, a minha sogra perguntou-me: ‘Por que é que não compra o Borda d’Água’?”Um tempo depois quis plantar “alguma coisa” com os filhos e disseram-lhe que o mais fácil era cenouras. “Vi no almanaque quando devíamos plantar e, de facto, quando fomos ver, havia umas cenourinhas que apanhámos e cozemos. Sei que está tudo na Internet, mas lá não temos Internet, portanto em papel dá-me imenso jeito. ”Cristina é funcionária pública, formada em Sociologia e a trabalhar em Lisboa, mas confessa imaginar-se a dedicar-se à agricultura. “Para mim, o meio urbano já se esgotou um bocadinho. Sinto-me num compasso de espera. Neste momento, a saída era para o mundo rural. Acho que o futuro vai ser por aí. ” Para além das cenouras, decidiu plantar ervas aromáticas na varanda da casa em Lisboa. “Comprei um kit de ervas aromáticas e perguntei-me: ‘E agora quando é que planto isto?’ Consultei o Borda d’Água, plantei e já cresceram. Tenho orégãos, cidreira, salsa e manjericão. ”Seja em centros urbanos ou zonas rurais, mais de oito décadas depois de o almanaque ter saído pela primeira vez, continuam a existir leitores, sejam eles mais novos ou mais velhos. Célia Cadete acredita que a tradição de comprar o Borda d’Água se vai mantendo de geração para geração. E os pedidos de encomendas continuam a acontecer. Como quando receberam uma encomenda de 10 mil exemplares, após o deputado comunista Bruno Dias ter levado o Borda d’Água para uma comissão parlamentar de Economia, em Junho de 2013, com o ministro então responsável pela pasta, Álvaro Santos Pereira. O deputado considerou o almanaque como um “elemento central da estratégia do Governo”, numa referência às declarações do ministro das Finanças, Vítor Gaspar, que considerara “as condições meteorológicas” como uma causa do baixo investimento no primeiro trimestre do ano. “Tive de fazer 10 mil exemplares de 2013, mesmo que na altura já tivéssemos o de 2014. Depois perguntei à pessoa que os encomendou e confirmou-me que os tinha vendido todos”, conta Narcisa Fernandes. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. O mesmo Borda d’Água que há 60 anos custava dois escudos hoje sustenta uma grande parte da Editorial Minerva, refere a editora. “É um balão que nos ajuda a sobreviver. ” O senhor Pires não tem dúvidas, no entanto, de que já vendeu mais do que hoje em dia. Dezembro e Janeiro continua a ser a melhor época, mas há dias difíceis. “Agora está muito mau, as pessoas não têm dinheiro. Às vezes, até falo sozinho, não são coisas disparatadas, sei o que estou a dizer, mas é só para me distrair. ” Quanto ao futuro do almanaque, receia que a crise venha a ter um impacto maior nas vendas. Para 2014 o Borda d’Água aponta: “Inverno áspero mas pouco frio, a Primavera será húmida, o Verão quente e o Outono temperado. ” Os que nascerem neste ano “serão de estatura mediana com olhos pequenos e atractivos, testa larga e alta, mãos esbeltas e dedos compridos”. E deixa um conselho: “Os escritores que aproveitem e desenvolvam as suas inspirações; os músicos que componham; os pintores que encham as telas de cores e de emoções; os actores que interpretem os textos intemporais e os escultores que procurem dominar a pedra ou o metal com a sua criatividade. ” O objectivo, como lembra Célia Cadete, é o mesmo: “Manter e não deixar esquecer a tradição. ”PUB
REFERÊNCIAS:
Palavras-chave campo mulher ajuda doença sexo
Microplásticos detectados nas fezes de indivíduos de oito países
Investigadores apresentaram os resultados de um estudo exploratório inédito que, pela primeira vez, quantifica e caracteriza microplásticos encontrados em fezes humanas. Foram identificados até nove tipos de diferentes plásticos e a média foi de 20 partículas em cada dez gramas de fezes. (...)

Microplásticos detectados nas fezes de indivíduos de oito países
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 | Sentimento 0.0
DATA: 2018-12-31 | Jornal Público
SUMÁRIO: Investigadores apresentaram os resultados de um estudo exploratório inédito que, pela primeira vez, quantifica e caracteriza microplásticos encontrados em fezes humanas. Foram identificados até nove tipos de diferentes plásticos e a média foi de 20 partículas em cada dez gramas de fezes.
TEXTO: Uma equipa de investigadores monitorizou um restrito grupo de pessoas de várias partes do mundo e encontrou microplásticos em todas as análises de fezes realizadas. Trata-se de um estudo exploratório que envolveu apenas oito participantes de oito países (Finlândia, Itália, Japão, Holanda, Polónia, Rússia, Reino Unido e Áustria), mas, apesar da reduzida amostra, os cientistas defendem que não se pode ignorar o facto de todos os testes realizados terem sido positivos e confirmada a presença de até nove tipos de microplásticos. O estudo foi apresentado no maior congresso europeu de gastroenterologia, que decorre até esta quarta-feira em Viena, na Áustria. “Os seres humanos são expostos aos plásticos de várias maneiras. Mas, pessoalmente, não esperava que todas as amostras testadas dessem um resultado positivo”, refere Philipp Schwabl, investigador da Unidade de Gastroenterologia e Hematologia na Universidade Médica de Viena e autor do estudo exploratório. O trabalho envolveu a análise às fezes de um pequeno grupo de oito pessoas mas, ainda assim, os resultados deixam espaço para grandes preocupações. O projecto, realizado com especialistas da Agência Ambiental da Áustria, concluiu que a quantidade média de microplásticos (pequenas partículas com menos de cinco milímetros) encontrada nos participantes era de 20 partículas por dez gramas de fezes. Os oito indivíduos mantiveram um diário alimentar na semana que antecedeu a recolha de amostras e este registo mostra que todos foram expostos a plásticos consumindo alimentos embrulhados em plástico ou beberam líquidos de garrafas plásticas. Nenhum dos participantes era vegetariano e seis consumiram peixe do mar. “Os critérios de exclusão foram casos de doença gastrintestinal, tratamento odontológico recente, dietas médicas, abuso de álcool e ingestão de drogas que afectam a frequência, consistência ou reabsorção das fezes”, refere ainda o artigo. A análise dos dados consistiu na triagem de 11 tipos de plásticos. “A triagem analítica identificou plásticos de poliestireno e poliuretano em duas de cinco amostras, enquanto nas restantes amostras ainda não foram obtidos resultados definitivos devido ao alto conteúdo residual de celulose e gordura mascarando a presença de microplástico. ” Conclusão: “O aumento da poluição plástica pode causar contaminação plástica dos alimentos, que podem afectar o trato gastrointestinal. Pela primeira vez foi detectada a presença de micropartículas de poliestireno e poliuretano em amostras de fezes humanas”. Sobre as origens do plástico que estamos a ingerir há, pelo menos, fortes suspeitas. “Os plásticos são consumidos por animais marinhos e entram na cadeia alimentar onde, em última instância, são consumidos pelos seres humanos. Além disso, é altamente provável que, durante várias etapas do processamento de alimentos, ou como resultado da embalagem, os alimentos estejam contaminados com plásticos”, refere Philipp Schwabl. Neste estudo, adianta, todos as amostras doss participantes tinham partículas de polipropileno e polietileno tereftalato, que são os principais componentes de garrafas de plástico. Mas, frisa, qualquer conclusão definitiva baseada apenas nestes dados será precipitada. “Este é o primeiro estudo deste tipo e confirma o que suspeitamos há muito tempo, que os plásticos acabam por chegar aos intestinos humanos. O mais preocupante é o que isso pode significar para nós, e especialmente para os pacientes com doenças gastrointestinais”, refere Philipp Schwabl num comunicado de imprensa. Sobre os eventuais danos na saúde há já pistas importantes de estudos realizados com outros animais. “As maiores concentrações de plástico em estudos com animais foram encontradas no intestino, as menores partículas de microplástico são capazes de entrar na corrente sanguínea, no sistema linfático e até chegar ao fígado. Aqui temos as primeiras provas de microplásticos em humanos, mas precisamos de mais investigação para entender o que isso significa para a saúde humana”, diz, adiantando que, também em estudos com animais, “foi demonstrado que os microplásticos podem causar danos intestinais, alteração das vilosidades intestinais, distúrbios na absorção de ferro e stresse hepático”. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Os plásticos estão por todo o lado. A olho nu temos as imagens chocantes de oceanos sufocados com este lixo a boiar na superfície das águas e a asfixiar animais e, a nível microscópico, também já foi possível encontrar microplásticos “escondidos” na nossa cadeia alimentar em produtos como o típico sal marinho que usamos para temperar ou no popular atum, camarão ou lagosta. Na apresentação feita no congresso europeu em Viena, Philipp Schwabl começou por exibir os gráficos com a produção mundial de plástico a crescer ano após ano. Em 1950 a produção mundial era de 1, 7 milhões de toneladas e em 2012 alcançava-se 288 milhões de toneladas, recordou. A este propósito a revista Science publicou recentemente uma análise global da produção de plásticos no mundo, desde o início do seu fabrico em massa nos anos 50, que concluía que já terão sido produzidos 8300 milhões de toneladas de plástico no planeta. Num esclarecimento posterior à sessão pública, Philipp Schwabl explica que o interesse por este tema surgiu quando, confrontado com esta realidade assustadora, procurou estudos sobre a presença de microplásticos nos humanos e não conseguiu encontrar “nenhum estudo que comprovasse essa hipótese”. Agora, é preciso saber mais. Fazer um estudo alargado a mais participantes de outros países com diferentes dietas e estilos de vida, incluindo outras fontes de contaminação como os cosméticos, para podermos encontrar as esperadas correlações entre os microplásticos e um prejuízo da saúde humana. E também responder a outras questões que ficam em aberto. Para que sejam detectadas 20 partículas de microplásticos em cada dez gramas de fezes, que quantidade estaremos de facto a ingerir? Quanto fica dentro do nosso organismo? E onde?
REFERÊNCIAS:
E se a tua lista de compras fosse livre de plástico?
A luta contra o plástico está na moda. Mas, em Portugal, é possível vencê-la? O P3 falou com quem o faz há anos, com quem começou agora e foi à procura das lojas que o tornam possível. (...)

E se a tua lista de compras fosse livre de plástico?
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 | Sentimento 0.0
DATA: 2018-12-31 | Jornal Público
SUMÁRIO: A luta contra o plástico está na moda. Mas, em Portugal, é possível vencê-la? O P3 falou com quem o faz há anos, com quem começou agora e foi à procura das lojas que o tornam possível.
TEXTO: Pesar e comprar fruta e legumes sem sacos de plástico, comprar líquidos em embalagens de vidro, reutilizar esses frascos para comprar mercearia seca a granel e apostar nos produtos de higiene sólidos. Em Portugal, já é possível reduzir drasticamente o plástico na despensa lá de casa sem grande dificuldade. As lojas a granel continuam a nascer como cogumelos, os mercados e as feiras de frescos estão na moda e várias marcas portuguesas de higiene e cosmética oferecem uma panóplia de alternativas ecológicas online. Hoje, comprar sem plástico é mais uma questão de tempo e vontade do que de dinheiro. Neste mês, o Parlamento Europeu aprovou uma proposta que prevê a proibição da venda de alguns produtos de plástico de utilização única na União Europeia a partir de 2021. Mas, em Portugal, já há quem lhe feche as portas de casa há algum tempo. Corria o ano de 2016 quando Ana Milhazes começou a olhar para o lixo que produzia com mais atenção. “Era demasiado” — e isso começou a inquietá-la. Então, pesquisou soluções e deparou-se com o Zero Waste Home, o blogue da americana Bea Johnson, que pouco depois se transformou num best seller. Identificou-se com a apologia de um estilo de vida mais minimalista e começou “a seguir à risca” as dicas de Johnson. Mas não o quis fazer sozinha. Por isso, a portuense de 33 anos criou o grupo no Facebook Lixo Zero Portugal e começou a partilhar (e a receber) dicas de quem tinha o mesmo objectivo. Não tardou a mudar radicalmente os hábitos. Procurou as lojas tradicionais no Porto que vendiam a granel e passou a encomendar, como ainda hoje faz, um cabaz semanal de frutas e legumes a um casal de amigos agricultores (e produtores biológicos certificados), no Jardim Húmus. Foi também lá que começou a entregar o lixo que fazia — restos de comida, cascas e caroços —, aproveitado na horta para compostagem. Depois de criar o grupo no Facebook Lixo Zero Portugal, Ana Milhazes começou a apontar, numa folha de cálculo, os endereços das lojas a granel e o tipo de produtos que vendiam, para facilitar a vida a quem quisesse largar o plástico. Uma programadora que fazia parte do grupo pegou nessa informação e compilou-a no A Granel, um site que distribui todas as lojas a granel pelo mapa de Portugal e que está em permanente actualização — qualquer um pode acrescentar novas lojas. Rafaela Santos iniciou-se na luta contra o plástico mais recentemente, influenciada pelas notícias que lia. Segundo o Relatório do Estado do Ambiente, publicado pelo Portal do Estado do Ambiente, em 2017 cada português produziu 483 quilos de lixo, o que dá, em média, 1, 32 quilos de lixo por dia. “Esta questão é muito desvalorizada aqui, porque vivemos numa zona do mundo privilegiada e não vemos as consequências [do consumo de plástico]. O nosso mar está limpo, as nossas ruas estão limpas. Por isso, não queremos saber se no meio do Pacífico existem ilhas cobertas de lixo de plástico a poluir, a matar espécies”, argumenta. Meio ano depois de ter começado, a jovem de 21 anos que vive em Barcelos já conseguiu reduzir para mais de metade a quantidade de plástico que atira para o balde do lixo. “E sem mudar drasticamente os meus hábitos”, contou ao P3. Resumidamente, substituiu os supermercados pelas feiras e mercados locais e leva os sacos de pano e frascos de vidro para todo o lado. O que não arranja lá, compra online. Mas mesmo para quem faz compras nos supermercados convencionais, prescindir dos sacos e embalagens de plástico não tem de ser um bicho-de-sete-cabeças. Nos casos em que é possível pesar os alimentos na caixa, levar de casa um saco de pano ou rede para recolher as frutas e os legumes é uma opção viável. Quanto aos produtos de origem animal, também há solução, revela Ana Milhazes: “É possível levarmos as nossas caixas de vidro para o talho ou para a peixaria e pedir para trazer a carne ou o peixe nas nossas embalagens. O mesmo acontece com o queijo e fiambre. Pesam os produtos e depois colam a etiqueta com o preço na nossa caixa. ” A ambientalista portuense é vegetariana, mas conta que, no grupo do Facebook que criou, já há quem use esta técnica no dia-a-dia, apesar da pontual contrariedade dos funcionários. De referir que alguns supermercados, como o Jumbo e o Lidl, já vendem produtos avulso, mas continuam a impôr o uso de um saco de plástico para a pesagem. E é aí que as mais de 100 lojas a granel espalhadas pelo país se destacam. A Maria Granel foi a primeira zero waste store a nascer em Portugal. Abriu há dois anos, em Alvalade, Lisboa, e tal como o nome e o “título” indicam, tem como prioridade vender mercearia biológica a granel, tentando gerar o menor desperdício possível na cadeia comercial — quer seja no transporte dos produtos pelos fornecedores, quer seja na apresentação dos mesmos ao público. Por essa razão, incentivam os clientes a trazerem de casa os sacos de pano e frascos de vidro para se abastecerem com as sementes, cereais, frutos secos e leguminosas que estão armazenados em dispensadores individuais. Neste ano, nasceu uma nova loja em Campo de Ourique, com um piso totalmente dedicado à casa, com acessórios, detergentes e produtos de beleza a granel. Na área dedicada à casa de banho, encontram-se champôs, sabonetes e dentífricos sólidos (todos da marca portuguesa Organii Bio), mas também giletes, escovas de dentes e cotonetes em bambu, pensos higiénicos reutilizáveis e copos menstruais. Na área da cozinha, estão alguns dos produtos mais vendidos da loja, como o substituto da película de aderente — o Bee’s warp, feito em tecido de algodão biológico com cera de abelha que pode durar até um ano — e o saco de congelação reutilizável, feito de 100% silicone. Tudo isto pode também ser encontrado na loja online da marca, que já conta com 120 produtos. “Para a expedição, reutilizamos as caixas dos fornecedores e até a fita adesiva que usamos é de papel e sem solventes. Tudo é expedido sem plástico e em caixas que estão a ter uma segunda vida”, explica Eunice Maia, sócia-fundadora da Maria Granel. Sempre que precisam de comprar produtos embalados, Ana e Rafaela optam pelo cartão ou, se possível, pelo vidro — a melhor opção, visto que depois podem reutilizar os frascos para comprar granel ou até para armazenar comida no frigorífico. No entanto, a ambientalista portuense tem uma pequena lista de produtos com plástico de que ainda não se conseguiu livrar. Coisas simples como: a embalagem das lentes de contacto e a embalagem do líquido para as lentes; a ração do cão; e — por muito insólito que pareça — o arroz. No final de 2017, o Governo actualizou o decreto-lei que regula a comercialização da espécie de arroz mais comum — Oryza sativa L — e passou a proibir a venda a granel: “O arroz e a trinca de arroz destinados ao retalho são obrigatoriamente pré-embalados. ” Neste ano, a ASAE apreendeu 1200 euros de arroz, numa operação que visou a venda de alimentos a granel. Na altura, Carmen Lima, da Quercus, disse à Lusa que, quando se pretende reduzir o consumo de embalagens, principalmente de plástico, “a penalização da comercialização de produtos a granel levanta dúvidas”. Começar a beber água da torneira e optar pelas garrafas reutilizáveis pode ser um bom ponto de partida para reduzir o uso de plástico. E para quem tem dificuldades a habituar-se ao sabor da água da torneira, as barras de carvão activo, que se colocam directamente na água, podem ajudar. São baratas, duram até meio ano, e têm a função de reduzir o cloro, mineralizar a água e equilibrar o seu pH, tornando-a mais agradável. Depois, podem ainda ser reutilizadas para remover odores indesejáveis. Eunice, da Maria Granel, reforça a incoerência: “É uma situação caricata, porque o mesmo Governo que está a lutar contra o plástico e os descartáveis, em linha com a directiva europeia, impõe a pré-embalagem do arroz. ” E adianta que Portugal está “muito atrás” de países como Inglaterra e os Estados Unidos, onde até já é possível “vender azeite, vinagre, licor a granel”: “Não podemos continuar a reger-nos por uma legislação que se aplicava às antigas mercearias e à forma de exposição mais tradicional, distante da revolução que o granel está a sofrer em todo o mundo. ”A venda de farinhas de grãos ou cereais a granel também está interdita, por uma lei com 15 anos. A do café tem restrições bastante apertadas que, no entanto, a mercearia portuense Maçaroca conseguiu contornar. Para tal, compraram uma máquina para torrar e outra para moer os grãos. O tipo de café é escolhido pelo cliente e a moagem é feita na hora. E porque nem todos têm uma máquina de café tradicional em casa, a loja está, neste momento, a tentar arranjar cápsulas reutilizáveis, que podem ser enchidas com o café da Maçaroca. Mas a principal atracção da loja, que nasceu há menos de um ano em Ramalde, no Porto, é outra: tem uma máquina que faz manteiga de amendoim, de amêndoa ou de uma mistura de frutos secos na hora (1, 60 euros por cada 100 gramas) e sem qualquer aditivo. É só trazer um frasco de casa, carregar no botão e encher. De fora, a Maçaroca não aparenta a dimensão que tem. Habitualmente com várias bicicletas estacionadas à porta, a mercearia de produtos biológicos certificada vende 4000 artigos diferentes e 600 são a granel. À entrada, vemos logo uma montra recheada de fruta e legumes frescos. Lá atrás, depois de corredores recheados de produtos alimentares, de higiene e até de maquilhagem, esconde-se uma cafetaria vegan. O granel — de mercearia seca e detergentes — fica no piso de baixo. Com a abertura do espaço, os três fundadores queriam que as pessoas pudessem comprar tudo o que precisam para a despensa e restante casa sem terem de correr várias lojas diferentes, explica José Peixoto, sócio-gerente. A grande aposta foi na zona dos frescos, que “era feita muito a medo” nas lojas de produtos biológicos que José conhecia. Tal como a Maria Granel, tentam aproximar-se do desperdício zero — por exemplo, a loja oferece os frascos de vidro — já higienizados — dos produtos que utiliza na cafetaria para os clientes os reutilizarem na compra a granel. E, apesar de existirem vários embalados expostos na loja, José explicou ao P3 que está a ser feito um esforço para converter o que for possível em granel. Tanto Ana como Rafaela conseguiram eliminar praticamente todo o plástico das casas de banho, quer através de compras online, quer através de compras em lojas físicas. A Saponina, em Lisboa, oferece as duas opções. A marca vegan, biológica e zero waste foi a primeira em Portugal a ter uma linha de higiene completa em versão sólida (ou seja, sem qualquer embalagem), que incluía champô, dentífrico, desodorizante e sabonete (17, 40 euros). Hoje, também vende amaciador. A criadora é Liliana Dinis, que trabalha na área da cosmetologia há cerca de 20 anos e que tem marcas como a Clarins, a Shiseido ou a Carita no currículo. Começou a desenvolver produtos vegan e com ingredientes biológicos para tratar a pele atópica da filha, recusando as soluções químicas e corticóides que os dermatologistas lhe recomendavam e, no ano passado, em Agosto, fez disso profissão. O Instagram e o Facebook funcionam como montra do trabalho da Saponina e é através destas redes sociais, ou via e-mail, que os clientes fazem os pedidos ou pedem mais informações sobre os produtos — todos eles nascidos das mãos de Liliana. A maioria não necessita de embalagem. Mas aqueles que precisam (como bálsamos para bebé ou óleos corporais) estão guardados em pequenos frascos de vidro fechados por cortiça portuguesa. O desperdício zero é uma das prioridades, conta a fundadora da marca: “Todos os meus produtos têm apenas uma faixa de papel com a informação acerca dos ingredientes. Quando são enviados para fora, vão em pequenos pacotes de papel kraft e dentro de caixas de cartão que outras empresas iriam deitar fora. Quem me visita já traz os sacos de pano, os frascos de vidro e dispensa as embalagens. ” Apesar de trabalhar “com margens de lucro pequeninas”, Liliana diz que tem alcançado a meta do projecto — “produzir produtos com um preço justo e tornar o biológico e o zero waste acessíveis a qualquer pessoa”. Recentemente, a Renova também teve em conta a mesma preocupação e decidiu lançar uma linha de papel higiénico reciclado com um invólucro de papel, ao invés da habitual embalagem de plástico. Isto depois de Ana Milhazes e outros membros do grupo Lixo Zero terem enchido a caixa de correio da marca com pedidos. Ainda assim, adianta a jovem portuense, “não é uma alternativa viável economicamente”: o artigo já está disponível tanto na Maçaroca (quatro rolos a 1, 99 euros) como na Maria Granel. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Ana admite que, por vezes, as alternativas ao plástico são mais caras. Mas nem por isso passou a gastar mais dinheiro nestes dois anos de experiência: “De uma forma geral, aquilo que notei com as mudanças que fiz é que poupo muito mais dinheiro porque reduzi muito o consumo. Uma pessoa começa a ver que não precisa de comprar mil e um produtos diferentes, porque a maior parte dos produtos têm mais do que uma função, como é o caso do óleo de côco, que uso para cozinhar e para hidratar a minha pele. ” A longo prazo, adiante a ambientalista, “também há uma redução nas despesas da saúde”, visto que, ao deixar o plástico, “somos quase obrigados a abandonar os processados” e a ter uma alimentação mais saudável. O discurso de Rafaela é consonante: diz que começou a comprar menos e melhor. Acrescenta ainda que não acha que estar longe de uma grande cidade seja um obstáculo. Pelo contrário: “Há mais mercados locais e feiras em que os plástico não engoliu os alimentos, como nas grandes superfícies, e também não sou bombardeada com uma variedade infinita de produtos muitas vezes, desnecessários. ” Largar o plástico “não é assim tão difícil”, comenta. Mas é preciso ter vontade para dar o primeiro passo.
REFERÊNCIAS:
Morreu Júlio Pomar, “uma figura mítica da arte portuguesa”
Desde muito cedo, com um grande empenho social e político, Júlio Pomar tornou-se uma figura fundamental da arte portuguesa. Morreu aos 92 anos. (...)

Morreu Júlio Pomar, “uma figura mítica da arte portuguesa”
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 | Sentimento 0.0
DATA: 2018-12-31 | Jornal Público
SUMÁRIO: Desde muito cedo, com um grande empenho social e político, Júlio Pomar tornou-se uma figura fundamental da arte portuguesa. Morreu aos 92 anos.
TEXTO: Contava 92 anos e até há bem pouco tempo era possível vê-lo de visita ao Atelier-Museu Júlio Pomar, perto da Calçada do Combro, que fica mesmo em frente da casa onde vivia. Aqui, desde 2013, abriu as portas a inúmeros diálogos entre a sua obra e artistas e curadores de diferentes gerações, em programações de grande qualidade que contribuíram para a divulgação do seu trabalho junto de autores mais jovens. Júlio Pomar morreu esta terça-feira no Hospital da Luz, em Lisboa, confirmou ao PÚBLICO Sara Antónia Matos, directora do atelier-museu. O velório realiza-se esta quarta-feira, a partir das 18h e até às 23h, no Teatro Thalia (Estrada das Laranjeiras em Lisboa). Quinta-feira, 24 de Maio, pelas 16h terão início as exéquias fúnebres, reservadas à família. “O Júlio Pomar foi um artista com uma enorme importância nas artes portuguesas do século XX, desde o início do seu percurso. Foi de uma enorme precocidade, pois o primeiro texto que escreveu, sobre a modernidade em Portugal, fê-lo quando tinha 16 anos. Foi o início de um percurso como pintor de um realismo empenhado socialmente, que foi o neo-realismo português”, disse ao PÚBLICO Delfim Sardo, responsável pela programação de artes plásticas da Culturgest. “Foi um pintor de enorme recursos técnicos e plásticos, sobretudo depois de se interessar por Velázquez e Francis Bacon, no início da década de 50. ”Além de destacar “o seu virtuosismo”, Delfim Sardo, que sublinha o privilégio de o ter conhecido, recorda “uma pessoa apaixonante, muito inteligente, culta e um sedutor”. “Uma figura mítica da arte portuguesa da segunda metade do século XX”, foi assim que João Ribas, director do Museu de Serralves, descreveu o artista. “Durante sete décadas teve um contributo fundamental no panorama artístico português, com a sua reinvenção não só técnica mas de estilo. Sempre fundamentado numa postura que reafirma a arte como uma forma de pensamento, de reflexão sobre a sociedade, e até como forma de protesto social e resistência. ” Com um domínio de vários géneros, entre os quais o retrato — Pomar pintou Mário Soares enquanto Presidente da República —, o artista trabalhou os grandes ícones da cultura portuguesa, como Fernando Pessoa. Os 92 anos do artista que pintou de todas as maneiras from Público on Vimeo. “É um dos mais importantes artistas do século XX português”, garante Raquel Henriques da Silva, historiadora de arte e directora do Museu do Neo-Realismo. “Ficava sempre zangado quando lhe punham a etiqueta de pintor neo-realista, porque não gostava que o fechassem numa gaveta e porque a sua pintura, na realidade, foi para muitas outras direcções. ”Se é verdade que chamou a si a tarefa de criar o neo-realismo na pintura, transpondo para as artes visuais um movimento que era essencialmente literário, também é verdade que essa ligação, que também não pode dissociar-se da sua escrita nem da sua “militância política empenhadíssima”, durou menos de dez anos, explica esta professora universitária. “Essa etiqueta corresponde ao Júlio Pomar dos 20 anos, ao Júlio que se transforma num teorizador do neo-realismo na pintura, ao Júlio que é preso como outros militantes do MUD Juvenil [Movimento de Unidade Democrática, de oposição à ditadura], perdida a esperança de que o regime acabasse. O Júlio que vai para Paris corta com o neo-realismo, embora continuasse a acreditar numa arte envolvida e partilhada. ”Para a historiadora de arte, há que salientar na obra de Pomar “o trabalho de desenho absolutamente extraordinário”, a série que faz nos anos 1960 e inícios dos 70 a partir de O Banho Turco, de Ingres, os objectos “muito criativos” da década de 70, e o ciclo dos 1980/90, em que recupera “uma certa retratística dos heróis” com Pessoa ou Camões, ciclo já referido pelo director do Museu de Serralves. A sua ligação aos jovens artistas não será alheia, sem dúvida, ao comprometimento político que marcou os primeiros anos da sua carreira e que é hoje também uma norma para boa parte dos criadores mais novos. Júlio Pomar entrou muito cedo, em 1934, para a António Arroio, onde foi colega de artistas como Marcelino Vespeira, Cesariny e Cruzeiro Seixas. Aqui preparou a sua admissão às Belas-Artes de Lisboa, em 1942, que viria a frequentar apenas durante dois anos. Alvo de discriminação, como todos os alunos oriundos da António Arroio, mudou-se para as Belas-Artes do Porto em 1944, onde conhece Fernando Lanhas, de quem foi amigo, e com quem participa nas Exposições Independentes que se realizavam naquela cidade nortenha. Um ano mais tarde realiza a primeira obra neo-realista, O Gadanheiro, que, com o Almoço do Trolha, é uma das mais conhecidas deste movimento em Portugal, que reuniu também os pintores Vespeira, Querubim Lapa, Alice Jorge e outros, numa procura da forma herdada do realismo oitocentista que exprimisse o viver e o quotidiano das classes mais desfavorecidas, teorizada em Portugal por pensadores como Mário Dionísio ou Ernesto de Sousa. Ao mesmo tempo, Pomar integrava o Partido Comunista e o MUD Juvenil (que lhe valeria uns meses na prisão), e a partir de 1956 foi um dos organizadores e um dos participantes nas Exposições Gerais de Artes Plásticas, que se opunham às mostras oficiais organizadas pelo regime de Salazar. Estes tempos são de intensa actividade – é também por esta altura que Júlio Pomar começa a escrever textos teóricos e de reflexão pessoal sobre a arte, reunidos e publicados nos anos mais recentes. Com frequência, é esta a época que se associa imediatamente ao nome do pintor. Mas a sua obra, que tocou inúmeras áreas, da pintura ao desenho, da gravura à cerâmica, da assemblage ao azulejo (são dele as decorações da estação do Alto dos Moinhos do Metropolitano de Lisboa) vai muito além desta primeira fase neo-realista. Sobrevive nestes tempos de juventude graças a trabalhos vários de decoração e ilustração, vendendo raramente alguma pintura. Ao mesmo tempo, viaja regularmente, uma actividade que só abrandou nos últimos anos de vida. Madrid e Paris são as primeiras cidades visitadas, seguindo-se a Itália e Marrocos. Da primeira traz a recordação dos negros goyescos que encontraremos na sua pintura na década de 60. Em Paris, para onde se muda em 1963, estuda plasticamente a obra de Ingres e Matisse, por exemplo, e encontraremos uma revisitação dos papéis colados deste último nas colagens eróticas da década de 60/70. Pomar pinta muito, obsessivamente quase, tendo já substituído nesta época o rígido contorno neo-realista (e abandonado a sua ligação ao Partido Comunista), de inspiração sul-americana, por um traço livre e expressivo que se alia à exploração da riqueza cromática do mundo. Como Picasso, podemos dizer de Pomar que toda a arte do passado que o interessasse passava pelo seu pincel – ou pela ponta seca da gravura, ou pelo lápis de desenhar – num vaivém constante entre a obra que se fazia e os mestres de outros tempos. Tudo lhe servia para criar, quer fossem os temas populares – e recordamos há bem pouco tempo uma exposição sobre a sua cerâmica que teve lugar em Lisboa, no Atelier-Museu Júlio Pomar, comissariada por Catarina Rosendo, onde se viam reinterpretações surpreendentes dos motivos etnográficos portugueses –, quer os índios xingu (de uma série de 1988), a figura de Frida Khalo (outra série de 1999), ou mesmo o retrato oficial do Presidente da República Mário Soares, passando por retratos de pintores e escritores, ou tigres, macacos, touros, tartarugas e outros, não raro adoptando feições e traços humanos, talvez em homenagem às ilustrações que realizava quando novo. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Fez inúmeras exposições individuais e colectivas, em Portugal e no estrangeiro, entre as quais se destaca uma antológica de objectos no Museu de Serralves – A Minha Cadeia da Relação, 2008 – e uma Autobiografia em 2004, no Museu Berardo, em Sintra. Recebeu diversos prémios, entre os quais o Prémio de Gravura da I Exposição de Artes Plásticas da Fundação Calouste Gulbenkian (1957), o Grande Prémio de Pintura da II Exposição de Artes Plásticas da Fundação Calouste Gulbenkian (1961), o Prémio AICA-SEC (1995) e o Grande Prémio Amadeo de Souza Cardoso (2003). É doutor honoris causa pela Universidade de Lisboa (2013). A melhor homenagem que se pode fazer a Júlio Pomar agora, defende a historiadora de arte Raquel Henriques da Silva, é tê-lo exposto nos museus portugueses, começando pelo do Chiado, que devia dedicar-lhe uma retrospectiva “imediatamente”. “Temos de nos perguntar: onde é que amanhã podemos ver a obra de Pomar para além do Atelier-Museu? A Gulbenkian tem boas obras, mas não as expõe. E não é a única. ”Júlio Pomar era pai do pintor Vítor Pomar e do crítico de arte Alexandre Pomar, que, em 2004, publicou o catalogue raisonné da sua obra.
REFERÊNCIAS:
Partidos LIVRE
Morreu Pik Botha, cara da defesa do regime do apartheid
Chefe da diplomacia da África do Sul, Botha foi defensor do regime mas participou na transição. Tinha 86 anos. (...)

Morreu Pik Botha, cara da defesa do regime do apartheid
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 | Sentimento 0.0
DATA: 2018-12-31 | Jornal Público
SUMÁRIO: Chefe da diplomacia da África do Sul, Botha foi defensor do regime mas participou na transição. Tinha 86 anos.
TEXTO: Pik Botha morreu esta sexta-feira aos 86 anos, noticiou a cadeia de notícias eNCA citando o seu filho. Foi uma figura chave e a cara da defesa do regime do apartheid na África do Sul enquanto ministro dos Negócios Estrangeiros, cargo que ocupou durante 17 anos, até ao final do regime de segregação racial em 1994. Embora tenha defendido o sistema de separação de brancos e negros durante a sua carreira política, era visto como uma figura liberal e até reformista. Na transição, foi ministro no primeiro governo pós-apartheid liderado por Nelson Mandela, que elogiou por ser uma figura dedicada à conciliação. Em 1986, Pik Botha previu que o país poderia, um dia, ter um Presidente negro – uma hipótese na altura tão pouco considerada que levou a uma crítica do então Presidente, P. W. Botha (apesar de partilharem o apelido, os dois não tinham relação de parentesco). “Desde que consigamos concordar num modo adequado de proteger os direitos da minoria (…) então irá um dia possivelmente ser inevitável que no futuro se possa ter um Presidente negro deste país”, disse então. Botha tinha a tarefa de defender um regime cada vez mais criticado no palco internacional e um governo cada vez mais isolado e sujeito a sanções internacionais e boicotes, enquanto no plano interno impunha estado de emergência e tentava desestabilizar países vizinhos. Em pano de fundo estava ainda a Guerra Fria, com o mundo dividido entre alinhados com os EUA e com a União Soviética: vários países na região, como Angola ou Moçambique, estavam do lado de Moscovo, e a África do Sul tentava apresentar-se como um bastião de resistência à expansão comunista. Nas suas conquistas, Botha conta com a negociação de um acordo de paz que acabou o envolvimento da África do Sul em Angola, onde tropas cubanas defendiam o regime marxista. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Este desenvolvimento abriu caminho a outro acontecimento significativo, a independência da Namíbia em 1990 – o país tinha também um governo que impunha apartheid e estava há décadas sob controlo de Pretória. Em 1994, a previsão de Botha confirmou-se e Nelson Mandela tornou-se o primeiro Presidente negro da África do Sul. Botha foi então, durante dois anos, ministro dos Minerais e Energia num governo de unidade nacional liderado por Mandela. Depois de deixar o governo, resumiu o país pós-apartheid: “A África do Sul é bastante avançada graças aos esforços de tanto negros como brancos; precisam uns dos outros. Eu costumava dizer que somos como uma zebra: se atingires a parte branca, ou a negra, do animal com uma bala, ele irá morrer. ”
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