Feira Nacional da Agricultura aposta no vinho e abre com Marcelo
Organização do evento que começa este sábado quer voltar a ultrapassar os 200 mil visitantes (...)

Feira Nacional da Agricultura aposta no vinho e abre com Marcelo
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 | Sentimento 0.7
DATA: 2019-06-18 | Jornal Público
SUMÁRIO: Organização do evento que começa este sábado quer voltar a ultrapassar os 200 mil visitantes
TEXTO: A “Vinha e o Vinho” são os temas centrais da 56ª. Feira Nacional de Agricultura (FNA), que abre na tarde deste sábado, no Centro Nacional de Exposições e Mercados Agrícolas (CNEMA) de Santarém. Marcelo Rebelo de Sousa preside à cerimónia inaugural e, ao longo dos nove dias do maior certame da agricultura portuguesa, a organização espera ultrapassar os 202 mil visitantes registados na feira do ano passado. Os responsáveis do CNEMA anunciam várias novidades para a FNA de 2019, desde logo com um alargamento na área de exposições, aproveitando a zona lateral à nave A. A presença da Comissão Europeia com um pavilhão próprio e a instalação, na entrada principal do CNEMA, de quatro talhões, representando as vinha do Douro e do Pico (Património da Humanidade), os sistemas de rega e cerca de uma centena de variedades de vinha, são outras das novidades do certame. A escolha do tema desta edição da FNA pretende “realçar o dinamismo de um sector que tem grande importância económica” na agricultura portuguesa, um peso significativo nas exportações e uma “qualidade crescente, que tem permitido a conquista de prémios internacionais, sublinha Eduardo Oliveira e Sousa, presidente da Confederação dos Agricultores de Portugal e do conselho de administração do CNEMA. Já Luís Mira, secretário-geral da CAP e administrador do CNEMA, acrescenta que, a par da apresentação dos avanços tecnológicos e dos colóquios e seminários sobre esta temática, serão proporcionadas aos visitantes experiências que permitirão saber como escolher o copo certo, o prato mais indicado ou a temperatura para cada vinho, além de cursos de iniciação à prova de vinhos e provas temáticas de vinhos. Nas “Conversas de Agricultura” falar-se-á de enoturismo e turismo rural, de turismo e património nos territórios vínicolas e de instrumentos para acrescentar valor ao sector vitivínicola. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. “O Futuro dos Jovens Agricultores” (dia 12), o “Estatuto da Agricultura Familiar” (14) e “os Desafios para os Agricultores e para a Agricultura no Futuro”, também no dia 14, com a participação do comissário europeu Phil Hogan, são outros dos temas abordados nos colóquios e conferências da Feira Nacional da Agricultura. A componente equestre será, como habitualmemnte, outro dos destaques, com realce para o novo espectáculo “O Cavalo na História”, que será apresentado no “Grande Ringue” do CNEMA nos dias 8 e 15 de Junho. Uma gala “especialmente preparada para esta edição da FNA”, que “retrata a evolução do cavalo ao longo os tempos na vida civil, no campo, na guerra e no toureio”. Nesta edição 2019, a FNA deverá, também, ultrapassar os 750 expositores do ano passado, com destaque para a área da maquinaria agrícola, para o Salão Prazer de Provar e para os mais de 500 animais em exposição. Paralelamente decorre a Feira Empresarial da Região de Santarém, com cerca de uma centena de empresas representadas. No campo da animação haverá concertos, entre outros, com José Cid, Capitão Fausto, Conan Osíris, Mariza e David Antunes.
REFERÊNCIAS:
Vamos aumentar a realidade para viver melhor
A realidade aumentada é a próxima grande novidade no campo da tecnologia. Promete muito nas áreas da informação, da comunicação e das artes e tem por objectivo melhorar a experiência de vida quotidiana. (...)

Vamos aumentar a realidade para viver melhor
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 | Sentimento 0.318
DATA: 2019-03-14 | Jornal Público
SUMÁRIO: A realidade aumentada é a próxima grande novidade no campo da tecnologia. Promete muito nas áreas da informação, da comunicação e das artes e tem por objectivo melhorar a experiência de vida quotidiana.
TEXTO: A melhor forma de explicar do que trata esta nova tecnologia é uma definição simples: a realidade aumentada é uma camada de informação digital que se sobrepõe a tudo o que rodeia o utilizador, de forma a facilitar a relação com o mundo. Essa camada de informação digital pode ser acedida através do smartphone, de óculos especiais ou de outros aparelhos que permitem interagir com o ambiente sem afastar o utilizador do espaço que o rodeia. É diferente da realidade virtual porque o objectivo desta é colocar o utilizador num ambiente diferente, com uma experiência integral que o afasta do que está à sua volta – ao contrário, o que a realidade aumentada pretende é tornar melhor a experiência com o que rodeia o utilizador. Imagine ter uns óculos que projectam nas lentes o caminho mais próximo para chegar ao seu destino ou que lhe diz qual dos restaurantes que estão na rua à sua frente têm vagas para almoçar e qual os preços dos pratos, por exemplo. Ou imagine que está a montar um móvel cujas instruções estão projectadas junto com o equipamento para facilitar a colocação das peças. Tudo isto está longe de ser ficção: aplicações como estas já são frequentes na indústria, em que se usam capacetes e óculos para colaborar na construção e reparação de equipamentos. A novidade está na chegada ao mercado de grande consumo, graças à recente evolução tecnológica nesta área. Quem experimentou o jogo Pokémon Go que há dois anos fez sucesso já tem uma ideia do que se trata: este jogo colocava criaturas virtuais nas proximidades do utilizador, criando uma camada de informação (as criaturas) no ambiente real captado pela câmara do telemóvel. Neste momento várias empresas estão a desenvolver equipamentos capazes de transmitir experiências de realidade aumentada. A Microsoft tem um equipamento em utilização, o Hololens, que tem sido pioneiro na demonstração do potencial desta tecnologia, mas muitas outras estão a chegar ao mercado com soluções viradas para o grande consumidor. Uma das que actua com maior secretismo é a Magic Leap, que promete revolucionar o meio com um equipamento de grandes capacidades mas que ainda não anunciou datas concretas para a chegada ao mercado. Em Junho, uma startup norte-americana lançou um produto que quer tornar acessível a todos a experiência de realidade aumentada e por isso apostou num produto de baixo custo. E ainda falta que empresas como a Apple, a Google e o Facebook mostrem o que andam a fazer nesta área. Há também empresas portuguesas neste meio, e nelas destaca-se a Aromni, herdeira da YDreams de António Câmara, que está a desenvolver uma plataforma integrada para o futuro desta tecnologia. Os meios de comunicação também já começaram a desenvolver experiências nesta linguagem. Este ano o destaque tem de ser dado ao New York Times, que desde Janeiro fez um investimento em realidade aumentada que oferece aos leitores formas interactivas de relacionamento com as narrativas jornalísticas inovadoras, para introduzir “um modelo mais visceral e real”. Estas experiências estão acessíveis na maioria dos modelos de telemóveis mais recentes com sistema operativo iOS e Android. A primeira grande experiência foi feita com o perfil interactivo de quatro atletas que participaram nos Jogos Olímpicos de Inverno, mas a mais recente é verdadeiramente surpreendente: uma visita à gruta na Tailândia onde se deu o salvamento dramático dos quinze jovens permite perceber a dificuldade da operação de resgate e consegue transmitir, melhor do que um texto, a experiência vivida. Helen Papagiannis é uma das maiores especialistas mundiais neste tema e autora do livro Augmented Human, acabado de publicar em inglês e em mandarim. Em entrevista ao PÚBLICO, explica que apesar de a tecnologia já existir, o que vai fazer diferença é “a experiência. A tecnologia está lá, mas o que podemos fazer com ela? Acho que essa é a questão essencial, vamos aproveitar o poder da mesma para criar experiências sem precedentes. ” No seu livro apresenta várias formas como a tecnologia vai facilitar a vida quotidiana, desde a compra de roupa ou móveis até uma viagem turística. Mas vai mais longe e afirma que esta tecnologia vai poder transmitir sensações: “Actualmente, a realidade aumentada ainda se centra em experiências visuais, mas não tem de ser assim. O mundo não é apenas o que vemos, usamos todos os nossos sentidos para viver. Por que razão haveríamos de limitar a realidade aumentada? Há experiências muito interessantes que o sabor e o cheiro podem tornar possíveis. E esse é um aspecto muito interessante, porque não estamos limitados à replicação dos nossos sentidos, experiências e realidades. O sabor e o cheiro podem ser explorados de forma sinestésica e criar possibilidades muito interessantes por exemplo ao nível das narrativas. ”Este é um aspecto crucial desta nova tecnologia, porque é encarada como um novo meio de comunicação e expressão artística cujos limites estão apenas limitados pela criatividade humana. É assim uma área em que há vários empreendedores que começam agora a explorar o que pode ser feito e isso começa a ter impacto em várias áreas. A educação, por exemplo, é uma delas. Papagiannis, que em 2010 desenvolveu um livro interactivo sobre animais com que se interagia através de um tablet, destaca precisamente as possibilidades educativas: “Por exemplo, no local de trabalho é possível replicar experiências que, de outra forma, não seriam seguras. É possível aprender a manusear equipamento dispendioso ou de grandes dimensões. E na sala de aula, podemos dar vida aos temas mais complexos abordados nas aulas de ciência e química. A realidade aumentada consegue, de muitas formas, dar visibilidade àquilo que é invisível. E compreender estes conceitos de novas formas será muito relevante. ”Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Quanto à arte, está tudo por fazer, “até porque este é um novo meio de expressão e, como tal, relaciona-se muito bem com o meio artístico. Seja a explorar os sentidos ou em experiências com múltiplos utilizadores, acredito que é uma folha em branco para artistas. E acho que isso é fundamental, porque são as experiências que os artistas criam que vão ditar o futuro deste meio e que o podem conduzir noutras direcções. Como acontece quando aparecem nos meios de comunicação, a fase inicial é a de adaptação de formatos existentes noutros meios – tal como a televisão começou por replicar os formatos de rádio até se impor com narrativas próprias, também a realidade aumentada começará por usar modelos próprios do vídeo e do áudio digital antes de criar narrativas inovadoras. Como a realidade aumentada tem um potencial de interacção com os sentidos muito poderoso, isto irá criar experiências muito intensas: “Estas histórias vão entrar no espaço do utilizador. Aliás, o corpo do utilizador torna-se parte dessa história. Será uma experiência visceral e emocionante, mais intensa que a vivida com o cinema ou a literatura. ” Mas também aqui será necessária moderação: “esta tecnologia tem o poder de criar experiências apelativas e emocionantes que irão ajudar o utilizador a criar empatia com uma personagem real ou fictícia. A capacidade de partilhar uma perspectiva é algo que se torna possível, mas acho que é muito importante pensar na interacção entre a empatia e o utilizador. Não queremos saturar o utilizador. Temos de perceber quando é que a realidade aumentada é relevante e como é que esta melhora a experiência. ”A ideia da realidade aumentada é antiga. Há décadas que cientistas e autores de ficção científica antecipam um mundo em que toda a informação flui livremente e está acessível no espaço envolvente. Para que se esteja agora a tornar uma realidade, foi necessária a conjugação de três factores: o poder de processamento computacional que todos temos nos smartphones, a evolução das tecnologias de comunicação e a ligação em rede de todos os equipamentos em constante partilha de dados. O cumprimento da promessa de facilitar a vida dos cidadãos será essencial para que a tecnologia se popularize. Mas outras questões se erguem no que toca à sua adesão. A crescente digitalização da sociedade provoca questões difíceis de responder relacionadas com a privacidade, os direitos e os deveres de cidadania. Serão problemas que também terão de ser acautelados, de forma a que se possam confirmar as virtudes da realidade aumentada.
REFERÊNCIAS:
Palavras-chave direitos educação consumo corpo deveres
Soalheiro
Vou tentar concentrar-me na tarefa que me foi pedida de tentar salvar deste mar de uso indevido, desatenção, desprezo ou esquecimento algumas palavras da língua portuguesa. (...)

Soalheiro
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 | Sentimento 0.0
DATA: 2019-03-14 | Jornal Público
SUMÁRIO: Vou tentar concentrar-me na tarefa que me foi pedida de tentar salvar deste mar de uso indevido, desatenção, desprezo ou esquecimento algumas palavras da língua portuguesa.
TEXTO: A manhã era de neblina, fresca, baça, fria, de uma luminosidade difusa, de luta. O dia ganha-se ou perde-se aí, consoante o sol consegue tornar o nevoeiro ralo, desfazendo-o em pedaços volantes, ou é obnubilado por ele até à manhã seguinte, em que, de novo, medirão forças. Se chove, é dia ganho na horta, nos campos de batatas, nos pomares, mas nas almas dos tristes, é perdido. Não só o dia, mas o mundo todo, cujo trânsito fica suspenso, cristalizado, já que, no caso particular do céu, o azul ou o cinzento não são só cores, são vidas: umas que correm, outras que param: as que podem voar no tom sem limites e as que chocam contra o tecto escuro e constrangedor (a história do cinzento é não ter futuro nem esperança. É a cor da cinza. E cinza é um processo concluído, extinto, de que não fomos partes, testemunhas ou beneficiários. É uma pena de prisão para inocentes). Mas não precisam de se preocupar com isso agora, que o sol venceu as nuvens altas e as rasteiras, trespassando-as e vindo ter connosco a esta cozinha rústica, antiga, escura, que eu observo agora. No chão, uma lareira com grandes panelas de ferro com três pés, pesadas, pretas. Umas réstias de cavacos, carvões e cinzas. A meio, um forno que subjaz à enorme panela metálica embebida nos tijolos refractários, para aquecer água; ao lado, o forno de lenha de assar cabritos e pão, com uma porta que, a seu tempo, se tapa e destapa. A luz entra pela porta de duas jambas, de que só uma se abre, a não ser em dias em que tem de se tirar a masseira para lavar e secar no quintal. Mas quando o sol bate nos dois postigos da cozinha protegidos por grades feitas à mão no ferreiro, à antiga, e se coa para dentro, e acontece de se estar o começar um lume com palhinhas secas, pauzinhos, raminhos e galhos, que se há-de pegar aos cavacos, o fumozinho dali resultante sobe e materializa os raios de luz que, antes, sem alvo, não víamos. Aquelas barras de sol tornam-se tão sólidas e concretas como as dos ferros das grades; tão reais que o cão, o gato ou a criança mais espertos tentam apanhá-las com patas e mãozinhas, reconhecendo a transcendência daquela aparição de além-mundo. Tal como quando a electricidade se vê numa faísca de curto-circuito, num arco voltaico que salta de um eléctrodo de carvão para outro, ou, muito mais majestaticamente, com grandiosidade fenomenal, nos raios dançantes de estalos ameaçadores das colossais bobinas que esse génio esquecido Nicola Tesla concebeu. Só ele nos poderia ter deixado também um dispositivo que tornasse as almas fluorescentes ou, mais importante ainda, que fizesse um olhar de devoção riscar a noite mais escura. Isso sim. E quando estou embalado neste fervor poético, entra-me o Galhardo na sala (o meu mordomo Galhardo, como saberão os fiéis seguidores destas homilias) e, depois de anunciar o almoço que vai ser servido, chama-me à parte e pergunta-me – como que adivinhando o tema em que eu mentalmente discorria – se pôr do Sol tem hífen (neste caso, hífenes), para resolver uma divergência de pontos de vista com a recém-contratada governanta que veio substituir a que – como se recordarão – veio a ser presa em antipático episódio nesta rubrica aludido. “Sentemo-nos”, digo, indicando-lhe o sofá de couro bem polido naquele estilo que sugere múltiplos umbigos, com botões a distâncias regulares, metidos para dentro. Mas ele, por deformação profissional, habituado a estar de pé e com pouca prática de estar sentado, escorregou no couro com a parte menos gasta das calças, até dar por si no chão, em queda em boa hora amortecida pelo velho tapete de Arraiolos que me acompanha desde o meu quarto de criança. “Atentemos às particularidades do problema”, disse eu, muito retoricamente, do fundo da minha poltrona de veludo amarelo, a condizer com os reposteiros que os meus leitores bem conhecem, desde a origem, com os olhos postos no tecto, para dar tempo ao bom Galhardo de disfarçar aquele passo em falso e recuperar a compostura digna de um servidor do castelo centenário – milenário – em que, pela força do destino, habito, medro e governo. E, já agora, aos que, vencidos pelo monstro de olhos verdes que se chama inveja, estão mortinhos por me chamarem burguês, a coberto do seu anonimato, peço-lhes que, em vez disso, me chamem nobre. É mais rigoroso e contextualiza. Voltando ao Sol:“Meu bom Galhardo” – levantei-me e chamei-o para o meu lado, entrando na galeria dos quadros, actualizando a minha forma de preleccionar pelo que de mais moderno se faz nos EUA, que é ter reuniões e até resolver casos policiais enquanto se anda ao longo de corredores, em grupo, atendendo ao que se vê na série “CSI” e quejandos – “o Sol é o nosso astro-rei, tal como o nosso bolo-rei é o nosso bolo-rei. Mas os nomes dos astros escrevem-se com inicial maiúscula. Ora, tanto o nascer do Sol como o pôr do Sol são momentos de um movimento aparente em arco que faz aparecer e desaparecer do nosso campo de visão, em cada dia, essa fonte de vida e de melanomas, a estrela em si. De modo diferente, quando o sentido é o da luz que a estrela emite, a claridade, o dia, então a palavra escreve-se com letra minúscula: ‘de sol a sol’, ‘estar ao sol’, ‘um lugar ao sol’. ”AluviãoA propósito de Ceilão ser uma palavra neutra e não masculina (em Ceilão), diferentemente do que parece, tal como Chipre (em Chipre), ocorreu-me a palavra aluvião, que tenho visto utilizada como se fosse masculina, mas que, na realidade, é um substantivo (nome) feminino, a aluvião. Significa materiais geológicos transportados por águas correntes por vezes formando jazigos (ou jazidas) de minérios. Em compensação, Haia, na Holanda, ao contrário do que é maioritariamente visto ou ouvido, é um topónimo feminino – a cidade da Haia, na Haia. “Mas, sr. Procurador, a D. Guiomar, que é uma governanta moderna e entendida nessas coisas de computadores e telefones com muita inteligência, diz-me que há uns correctores automáticos de palavras que dizem que tanto está certo escrever pôr do Sol como pôr-do-sol. . . ”“Por favor”, irrompi. “Não falemos de correctores ortográficos automáticos antes de almoço, que fico já cloridricamente acidulado e deveras impreparado para acolher no seio digestivo as meigas vitualhas que saem daquelas mãos de fada da nossa cozinheira, sr. ª Deolinda. Simplifiquemos: existe pôr do Sol, como contrário de nascer do Sol, e existe pôr-do-sol, mas com um significado completamente diferente: o de uma refeição dos cristãos primitivos tomada ao pôr do Sol, sendo sinónimo, nesta acepção, de ágape. Portanto, peço encarecidamente: nada de confusões!”A refeição correu muito bem. Tão bem, de facto, que me coibirei de a descrever em pormenores que poderiam ser dolorosos para aqueles que imaginam que é em restaurantes caros que se come bem. Levantarei apenas o embargo em relação à sobremesa, que encontrei sob a forma de um pudim abade de Priscos de uma macieza tão rara que o fazia escorregar pelas goelas do comensal sem necessidade de qualquer concurso consciente por parte do próprio. No meu caso, com o grato acrescento de selar tão completamente a minha já ancilosada úlcera duodenal que, finalmente aliviado desta dor crónica, ganho espaço para comportar um pouco melhor as dores do coração. Evito o café “expresso” e o meu fígado agradece. O comprimento da galeria dos quadros que no sentido inverso me tinha trazido à sala de jantar permite-me fazer meia digestão enquanto ao longo da mesma sigo, na companhia do meu amigo Nestor, para regressar ao santuário dos livros. É entre estes que tomo o reconfortante e digestivo chá de Ceilão, já que Ceilão, apesar da forma enganadora, não é masculino, mas neutro. Olho através das portas de vidros encaixilhados e admiro as dezenas de tons de verde da relva aparada e lisa como um tapete. O amarelo-vivo dos limões do velho limoeiro cai bem neste conjunto, assim como os reflexos avermelhados das ameixas que se vão pintando. Tudo ensolarado, tudo soalheiro, tudo exposto ao sol, mas sem a conotação de soalheiro (com a variante solheiro) de espaço em que tanto nas aldeias como nas cidades se sentam pessoas a falar da vida alheia. Nada disso. Ali, na biblioteca, só se lia sobre a vida alheia, mas em recolhimento. Com os mesmos acrescentos de imaginação, mas em recolhimento e pacatez. Que privilégios!. . . Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. De Anastácio Somoza, lugar de Tornaleites, freguesia de Espinhal, concelho de Penela:“Exmo Senhor, boa tarde. Gostaria de saber qual a diferença entre percursor, precursor e percussor, pois sou percussionista amador e queijeiro profissional e pode-me dar jeito nas minhas funções”Poderia responder pois não, mas prefiro pois sim. De facto, tem-se assistido a alguma confusão na aplicação prática dos três termos que indica, com especial incidência sobre os dois primeiros. “Percursor” designa aquele que percorre, aquele que faz um determinado percurso previamente aberto por alguém; já “precursor” é aquele que abre caminho, o pioneiro, o que inicia um percurso exploratório, seja na selva ou nas artes (uma outra forma de selva). Relacionando-os, poderíamos dizer, com alguma graça, que o precursor abre caminho aos percursores. Quanto a “percussor” (ou “percutor”, ou “percutidor”) é aquele ou aquilo que percute, que bate contra uma superfície um toque seco, tal como a baqueta na pele esticada do tambor ou no metal do prato de choque ou do gongo (instrumentos musicais de percussão), mas também a peça móvel da pistola ou revólver que bate contra o fulminante da bala. Quando o pica-pau bate no tronco da árvore onde tenciona fazer o ninho, também percute. Até o ritmo cadenciado de uma conversa inoportuna e interminável ou um gargalhar alarve, pelos seus efeitos enjoativamente repetitivos, percutem na paciência dos circunstantes. Ou então são os circunstantes que precisam urgentemente de gozar férias. . .
REFERÊNCIAS:
A hora do tudo ou nada no “Brexit”
A frágil mas resiliente liderança de Theresa May e o Acordo de 14/11, são provavelmente, a melhor (leia-se, a menos má) solução para britânicos e europeus. (...)

A hora do tudo ou nada no “Brexit”
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 | Sentimento 0.0
DATA: 2018-11-29 | Jornal Público
SUMÁRIO: A frágil mas resiliente liderança de Theresa May e o Acordo de 14/11, são provavelmente, a melhor (leia-se, a menos má) solução para britânicos e europeus.
TEXTO: 1. Está a aproximar-se a hora do tudo ou nada no “Brexit”. A data de 29 de Março de 2019, onde ocorrerá automaticamente a saída britânica da União Europeia, caso nada seja feito que a impeça, está cada vez mais próxima. A 14 de Novembro último o governo do Reino Unido e a União Europeia chegaram, ao nível das equipas negociais, a um entendimento sobre os termos da saída britânica da União Europeia — o Acordo de 14/11. (Ver “Draft Agreement on the withdrawal of the United Kingdom of Great Britain and Northern Ireland from the European Union and the European Atomic Energy Community”). Para os que estão descontentes com o rumo dos acontecimentos, o espaço para a acção política é cada vez mais curto. Isso ocorre, desde logo, com os partidários da permanência na União Europeia (remainers), mas ocorre, também, com os partidários de uma saída “limpa” (os Brexiteers mais radicais), ou seja, sem qualquer acordo. 2. Como é normal numa negociação deste tipo, o texto do Acordo de 14/11 é longo e complexo. Está cheio de detalhes técnico-jurídicos sendo uma leitura difícil na assimilação plena das suas implicações para ambas as partes. O texto principal envolve 300 páginas (Parte I - Disposições Comuns; Parte II - Os Direitos dos Cidadãos, europeus e britânicos; Parte III - Disposições de Separação; Parte IV - Transição; Parte V - Disposições Financeiras; Parte VI - Disposições Institucionais e Finais. Em seguida, as restantes 285 páginas do Acordo incluem três protocolos: o Protocolo sobre a Irlanda/Irlanda no Norte (os anexos 1 a 10 fazem parte integrante desse protocolo nos termos do artigo 21. º); O Protocolo relativo às áreas das Bases Soberanas do Reino Unido em Chipre; e o Protocolo sobre Gibraltar. O Acordo termina com um outro conjunto de 9 anexos sobre diversas matérias. Note-se que é fundamentalmente um entendimento sobre aspectos transitórios da relação entre ambas as partes. Pressupõe, assim, que decorram novas negociações para o estabelecimento de uma futura relação definitiva do Reino Unido com a União Europeia, a partir de 31 de Dezembro 2020 (isto, se tal prazo não for prorrogado por consenso entre ambas as partes, até 1 de Julho de 2020). Assim, transitoriamente, o Reino Unido continuará estreitamente ligado à união aduaneira e ao mercado interno da União Europeia, embora sem participar nos processos decisórios desta após 29 de Março de 2019, pois deixará de ser membro nessa altura. 3. A situação política no Reino Unido é conturbada. Na semana onde foi anunciado o Acordo de 14/11, envolvendo os termos em que decorrerá a saída britânica da União Europeia, vários ministros entre os quais, Dominic Raab, que chefiava a equipa negocial — o mesmo tinha já acontecido ao responsável anterior, David Davis —, abandonaram o governo em ruptura com Theresa May, devido a discordâncias com rumo das negociações. A questão da Irlanda do Norte tem-se mostrado uma das mais espinhosas. Aí, a ideia de manter a fronteira com a República da Irlanda aberta, sem quaisquer entraves fronteiriços, colide com a pretensão de voltar a ter um controlo pleno sobre a política aduaneira e comercial, algo que motivou muitos britânicos a votarem a favor da saída da União Europeia. Neste contexto, o governo de Theresa May é frágil. É algo que se acentuou em 2017, após terem convocado eleições legislativas antecipadas que levaram, ao contrário da expectativa de Theresa May, a que o Partido Conservador perdesse a maioria absoluta de deputados no parlamento. Ficou dependente de um pequeno partido unionista da Irlanda do Norte, o Democratic Unionist Party (DUP). Ao mesmo tempo, Theresa May enfrenta nos últimos meses uma forte contestação da ala mais radicalmente pró-“Brexit” do seu partido (como Boris Johnson e Jacob Rees-Mogg). Os seus membros vêem nela alguém demasiado soft com a União Europeia, alguém que faz demasiadas concessões em matérias de soberania nas negociações de saída. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. 4. Paradoxalmente, a fragilidade política de Theresa May pode ser também um trunfo importante. Esta tem mostrado uma enorme resiliência — surpreendente para muitos —, face às grandes dificuldades do processo negocial e à contestação em vários sectores da sociedade britânica, desde logo dentro do seu próprio partido, como já evidenciado. No caso da oposição, acontece que o Partido Trabalhista e o seu líder, Jeremy Corbyn, também estão numa situação política particularmente difícil quanto ao “Brexit”. Desde logo, há uma divisão entre os que pretendem ficar na União Europeia (em princípio, a maioria do partido), e os que, de alguma forma, consideram preferível a saída, embora os motivos para isso possam ser muito diferentes das razões dos conservadores. Jeremy Corbyn não tem grande simpatia pela União Europeia. Tudo indica que vê até a saída como uma oportunidade para aumentar a sua margem de manobra interna, para prosseguir políticas económicas e sociais mais à esquerda, não constrangidas pelas regras mais liberais europeias. (Ver “Interview with Labour Leader Jeremy Corbyn ‘We Can't Stop Brexit’” in Spiegel Online International, 9/11/2018). Assim, mais do que não poder parar o “Brexit”, Jeremy Corbyn não tem é vontade política de o fazer. Importa notar que vários outros membros influentes do Partido Trabalhista, como o ex-Primeiro Ministro, Tony Blair (ver “Tony Blair urges MPs to vote down any Brexit deal and push for people’s vote” in Guardian, 4/11/2018), têm feito apelos no sentido de parar o processo de saída e fazer um novo referendo. 5. Até agora, entre os Estados-Membros da União Europeia, tem existido uma notável coesão em torno das negociações do “Brexit”. Todavia, com o texto do Acordo final já anunciado, começaram a surgir divergências de maior ou menor relevo. (Ver “Las reticencias de un grupo de países agitan la recta final del Brexit” in El País, 21/11/2018). No caso da Espanha é o problema de Gibraltar que levanta oposição ao Acordo de 14/11, mais concretamente do do artigo 184. º que dispõe sobre as negociações sobre a futura relação entre o Reino Unido e a União Europeia. O governo espanhol entende que não ficou claramente explícito, no texto desse artigo, que o futuro estatuto de Gibraltar dependerá sempre de uma negociação directa entre o Reino Unido e a Espanha. (Ou seja, na prática, que o governo espanhol terá sempre a última palavra nessa questão e não a União Europeia). Um outro aspecto que levantou contestação de vários Estados-Membros como a França, a Holanda e também a Espanha, é a questão do acesso à zona territorial marítima britânica para efeitos de pescas, após a sua saída da União Europeia. Essa possibilidade não ficou prevista no Acordo de 14/11, por oposição britânica. Há, assim, sinais que a unidade europeia em torno das negociações pode desaparecer, dando lugar a soluções bilaterais se o Acordo de 14/11 não for assinado e aprovado por ambas as partes. Sintomático é caso da Holanda, um dos países mais ligados economicamente ao Reino Unido. Já tem um plano de contingência bastante elaborado aprovado, para poder lidar com essa eventualidade. (Ver “This is how the Netherlands could save Britain from the pain of Brexit” in The Independent, 21/11/2019). Abrange, por exemplo, áreas como o reconhecimento das qualificações profissionais e as licenças de condução britânicas, a segurança social incluindo acordos sobre cuidados de saúde para os cidadãos, e as ligações energéticas partilhadas. Mas tudo isto numa lógica bilateral que ultrapassa a União Europeia. 6. Chegou a hora do tudo ao nada no “Brexit” — uma saída sem acordo, ou uma reversão total do processo, permanecendo o Reino Unido na União Europeia. Mas os britânicos que se opõem ao Acordo de 14/11, ainda que por razões diametralmente opostas, como ocorre com os remainers e os Brexiteers mais radicais, incorrem, também, em riscos muito elevados se este não for aprovado. Ao não aprová-lo podem estar a abrir caminho ao que mais receiam: a saída sem qualquer acordo (o cenário de pesadelo para os remainers); e a reversão do processo saída com permanência na União Europeia (o cenário de pesadelo para os Brexiteers). Ao mesmo tempo, também do lado da União Europeia, há riscos elevados. Isto é sobretudo evidente se os Estados-Membros criarem obstáculos significativos à aprovação do Acordo de 14/11, tal como foi negociado, pretendendo incluir outras exigências neste. Desde logo isso irá alimentar, do lado britânico a dinâmica de uma rejeição do Acordo, fortalecendo os Brexiteers mais radicais e a sua possível chegada ao governo, substituído Theresa May por um dos seus. Se os desenvolvimentos forem por aí, a União Europeia poderá começar a abrir brechas e a equipa negocial chefiada por Michel Barnier tenderá a ser contornada pelos interesses nacionais dos Estados-Membros. Cada um, por si, procurará encontrar convenientes soluções bilaterais com os britânicos. Assim, paradoxalmente, apesar da contestação e das suas imperfeições, neste quadro extraordinariamente complexo da política europeia e britânica, que inclui grandes riscos para ambos os lados, a frágil mas resiliente liderança de Theresa May e o Acordo de 14/11, são provavelmente, a melhor (leia-se, a menos má) solução para britânicos e europeus. Veremos o que Conselho Europeu do próximo 25/11, bem como a batalha épica que depois decorrerá no parlamento britânico para a sua aprovação, apontarão nesse sentido.
REFERÊNCIAS:
Palavras-chave direitos social
Justiça e Corrupção (III)
O contribuinte provavelmente terá já entrado com mais de 20 mil milhões de euros para ajudar a banca. Porquê? Ninguém sabe. (...)

Justiça e Corrupção (III)
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 | Sentimento 0.0
DATA: 2019-03-14 | Jornal Público
SUMÁRIO: O contribuinte provavelmente terá já entrado com mais de 20 mil milhões de euros para ajudar a banca. Porquê? Ninguém sabe.
TEXTO: Com esta terceira crónica termino a minha reflexão sobre o estado atual da justiça portuguesa e do combate à corrupção. E acrescento um curto apontamento sobre a regulação da comunicação social. 1. Uma notícia com o título “Tribunal Judicial de Braga condenou nesta segunda-feira a um ano e meio de prisão efetiva um homem que roubou seis euros” animou as redes sociais na semana passada. A frase é uma inverdade, pois a condenação não foi especificamente pelos seis euros roubados. Contudo, na minha perspetiva, a questão mais interessante não é essa, mas a frase seguinte: “O arguido vai ter de devolver os seis euros à vítima e pagar uma indemnização de 250 euros por danos não patrimoniais. ” Por outras palavras, neste caso particular, a reposição do património adquirido ilicitamente obedece a uma taxa de 100%. E os danos não patrimoniais são calculados como cerca de 40 vezes os danos patrimoniais. Ora, nos casos mediáticos a que vamos assistindo – lembremos o BPN ou o BPP –, a dita taxa de reposição é cerca de 1%. E danos não patrimoniais nem entram na conversa (supostamente porque não houve violência, nem perdas morais ou emocionais pelas vítimas, nomeadamente os contribuintes). Consequentemente, podemos dizer que, no ordenamento jurídico português, a taxa de recuperação de ativos pode ser qualquer número entre 1% e 100%. E quanto a danos não patrimoniais, simplesmente não há qualquer princípio multiplicador consistente e coerente; a própria doutrina exibe com orgulho o casuísmo da conversão monetária de valores não económicos (porque, felizmente, o direito português não foi contaminado pelo economicismo que abunda nas outras jurisdições). Infelizmente, a obsessão mediática com as penas de prisão esconde uma realidade bem mais preocupante – a completa aleatoriedade da compensação dos danos patrimoniais e não patrimoniais. 2. Pensemos nos dez anos do caso BPN. Cerca de quatro mil milhões de euros depois, desaparecidos ou esfumados (bem acima dos 800 milhões que o então ministro Teixeira dos Santos anunciou; um erro de previsão na ordem dos 500%, absolutamente coerente com a merecida condecoração pelo Presidente Cavaco). Pagos pelo contribuinte. A recuperação de património anda nas centenas de milhares de euros. Espantoso? Se tivermos em conta a tal reforma da justiça que o PSD e o PS, mais o CDS, insistem estar em curso, não tanto. Não se conhece uma única preocupação partidária com o tema. Por conseguinte, não há uma única proposta para remediar o assunto. Ou abundam as desculpas – o património evapora-se porque são atividades de risco; a globalização impede o arresto dos bens que possam responder por tamanhas quantidades; num Estado de direito democrático, não se pode evitar a realocação fraudulenta de património; o importante é a reinserção social dos delinquentes (em estabelecimentos prisionais para doutores, pois claro); a remoção total dos ganhos ilícitos só é preocupação de ordenamentos jurídicos atrasados (Portugal tem o melhor direito processual penal da Europa). Ou aposta-se nos bodes expiatórios – a falta de preparação e meios do Ministério Público (situação que o poder político, desgraçadamente, não conseguiu resolver nos últimos 40 anos); a jurisprudência garantista do poder judicial (por contraste com o caso espanhol, onde curiosamente a acusação habitual é que os magistrados judiciais se comportam como contribuintes ofendidos e desrespeitam as garantias constitucionais dos arguidos banqueiros); o populismo judiciário de alguma opinião publicada. 3. O contribuinte provavelmente terá já entrado com mais de 20 mil milhões de euros para ajudar a banca. Por má regulação e supervisão durante décadas? Por roubo e burla? Por gestão danosa? Por inevitabilidade da globalização? Por corrupção? Ninguém sabe. Opiniões e palpites não faltam, aliás até abundam. Mas um livro branco que explique ao contribuinte porque lhe foi exigido este esforço, isso nem nos sonhos mais criativos do poder político. O circo de comissões de inquérito, inócuas e inconsequentes, vale bem mais que uma investigação técnica e rigorosa, neutra e isenta. 4. E, nesse contexto de transparência e rigor, faz sentido lembrar o recente apelo reiterado do Presidente da República sobre a comunicação social. Não é preciso regular o lobbying (não há forma dos partidos se entenderem no tema). Não é preciso reformar profundamente a ERC. Não é preciso acabar com as portas giratórias, talvez até mais portas escancaradas – dos jornalistas que circulam fluidamente entre a comunicação social e os gabinetes ministeriais, as sinecuras do regime e os gabinetes de imagem das empresas públicas e dos políticos que asseguram 90% do comentário televisivo, radiofónico e da opinião publicada. Não assusta que escrutinados e escrutinadores se confundam sistematicamente num emaranhado de dependências funcionais complexas (se a indústria da comunicação social remunera a classe política, como pode a mesma classe política usar depois recursos públicos para financiar a dita indústria?). Não é preciso disciplinar a promiscuidade. Não é preciso instaurar uma cultura cívica de combate efetivo aos conflitos de interesse. Urgente, mesmo, é estudar como o Estado pode financiar a comunicação social. E com imaginação.
REFERÊNCIAS:
Partidos PS PSD
Startups dedicadas às ciências da vida duplicaram em cinco anos
A bioindústria portuguesa andou em contraciclo na última década. Quando tudo estava em crise no país, o sector das pequenas empresas que tentam transformar o conhecimento saído das universidades num negócio exibia uma saúde invejável. (...)

Startups dedicadas às ciências da vida duplicaram em cinco anos
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 | Sentimento 0.0
DATA: 2017-06-22 | Jornal Público
SUMÁRIO: A bioindústria portuguesa andou em contraciclo na última década. Quando tudo estava em crise no país, o sector das pequenas empresas que tentam transformar o conhecimento saído das universidades num negócio exibia uma saúde invejável.
TEXTO: Nos últimos anos, muitos cientistas arregaçaram as mangas da bata de laboratório e criaram pequenas empresas para tentar inventar algo que, um dia, pode ser um produto. Debaixo do imenso chapéu da área das ciências da vida, cabem projectos que vão desde novas moléculas para medicamentos até ferramentas de software para gestão clínica, passando por testes genéticos e muito mais. Entre 2009 e 2014 o número de pequenas empresas na área da saúde e biotecnologia mais que duplicou, segundo um levantamento feito pela Portugal Ventures, sociedade de capital de risco pública. No final de 2015, tinham sido criadas 72 startups desde 1989 nesta área e, apesar dos riscos envolvidos, 68 mantinham-se activas. Por vezes, são criadas só para formalizar um registo de uma patente de um projecto que foi desenvolvido antes mas muitas vezes são planos que começam ali, numa pequena empresa onde se vai tentar criar algo novo a partir de uma ideia que geralmente nasce do trabalho nas universidades. Ricardo Perdigão, analista de investimentos da Portugal Ventures, quis ter uma “visão do ecossistema das ciências da vida” em Portugal, analisou os dados, e concluiu que, apesar dos riscos envolvidos, esta comunidade está a crescer de forma evidente. O relatório do levantamento refere que, até ao final de 2015, tinham sido criadas 72 startups em Portugal na área das ciências da vida. “Hoje já serão mais de 80”, estima Ricardo Perdigão, arriscando que 2016 “foi um ano bom”. Os grandes “saltos” aconteceram sempre que surgiu um programa de apoio financeiro a estas iniciativas. “Em 2013, por exemplo, quando surgiu a Portugal Ventures houve 14 novas empresas, nem todas directamente financiadas por esta sociedade de capital de risco, mas as pessoas perceberam que havia um novo organismo público a financiar este tipo de projectos e ficaram mais motivadas”, constata o analista. Entre 2009 e 2014 o número de startups nesta área passou de 29 para 66. “Nos últimos dez anos, Portugal demonstrou uma grande imunidade à crise neste sector, que aumentou postos de trabalho e andou em contraciclo com tudo o que se estava a passar no país”, acrescenta Filipe Assoreira, presidente da Associação Portuguesa de Bioindústrias (P-Bio). Esta associação também fez um estudo em 2016 sobre esta área (que deixou de fora só as empresas que se dedicam ao desenvolvimento de software para gestão clínica) e, entre outros indicadores da boa saúde do sector, conclui que as 65 empresas em actividade em 2014 empregavam 478 pessoas, registando-se ainda que o volume de negócios deste sector nesse ano foi de 30, 5 milhões de euros (quatro vezes mais do que em 2006). Este é um negócio de risco. Há o risco financeiro que pode “matar” um bom projecto só por falta de dinheiro, sobretudo quando falamos de investigações complexas que exigem experiências com animais e muito tempo numa área ligada à saúde pública que é altamente regulada. E há também o risco tecnológico que se esconde atrás da “invenção” de alguma coisa que pode simplesmente não resultar. “Segundo os dados internacionais, nesta área das ciências da vida só uma em cada grupo de dez empresas é que se torna um sucesso grande. Depois temos duas ou três que sobrevivem e o resto fecha”, refere Ricardo Perdigão. “O que se faz nesta área é desafiar o impossível com o possível e com o que sabemos”, diz Filipe Assoreira, que acrescenta que “a probabilidade de falhar é de 99%”. O grande sucesso é o resultado de um longo caminho com várias vitórias e chegam os dedos de uma mão para contar os projectos que realmente têm um êxito comprovado no mercado mundial. A Portugal Ventures não é a única sociedade de capital de risco a investir nas ciências da saúde, mas será uma das que têm mais peso, juntamente com a Caixa Capital da Caixa Geral de Depósitos, apostando actualmente em 19 empresas desta área num investimento de cerca de 40 milhões de euros no total e que empregam um total de 60 doutorados. A lista feita pela Portugal Ventures sobre o actual “ecossistema das ciências da vida”, nas palavras de Ricardo Perdigão, inclui 72 projectos diferentes que se “arrumam” em quatro áreas: as empresas que desenvolvem produtos terapêuticos, as que apostam na saúde digital, outras que inovam nos dispositivos médicos e, por fim, as que se dedicam ao campo dos diagnósticos. A BSIM2, por exemplo, está a desenvolver o primeiro medicamento português feito por computador. Foi fundada em 2011 por Carlos Simões e Rui Brito, dois investigadores de Coimbra, e este ano conseguiu o apoio da Portugal Ventures para desenvolver uma nova família de produtos contra a paramiloidose. Juntando as pontas dos equipamentos, diagnóstico e oncologia a PETsys Electronics criou um dispositivo que é integrado nas máquinas de PET (tomografias por emissão de positrões) e que promete uma resolução dez vezes maior do que a das actuais PET, permitindo detectar tumores com um milímetro num exame com níveis de radiação bastante inferiores aos actuais. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Já a Immunethep é uma spin-off da Universidade do Porto que já foi notícia por causa do seu primeiro produto que tem por trás mais de 30 anos de investigação: uma vacina para proteger recém-nascidos de infecções bacterianas. Depois há pequenas empresas que começam sozinhas e acabam por ser integradas num projecto maior, como foi o caso recente da Alfama, que inventou moléculas libertadoras de monóxido de carbono para terapias de doenças crónicas e agudas, que se fundiu com a Proterris, uma grande empresa de Boston (EUA). “Esse também é o motor desta nova indústria. Os grandes, com muito dinheiro, adquirem os mais pequenos”, nota o analista da Portugal Ventures. São apenas alguns exemplos de um diversificado pequeno novo mundo de sucesso. O que falta agora? Experiência, responde Ricardo Perdigão. “Aqui todos os empreendedores são de primeira geração. À medida que for maturando, a eficácia do ecossistema melhora. ” Sobre a receita para conseguir o apoio de capital, Ricardo Perdigão simplifica: “Basta uma boa ideia. ”Já Filipe Assoreira avisa que “uma boa ideia não chega”. “É preciso um conceito bem desenvolvido que convença o investidor, um financiamento ajustado ao projecto e uma boa equipa que o execute. ” Sobre o futuro após este exuberante crescimento do sector, o presidente da P-Bio está optimista. “O que não falta é espaço para crescer ainda mais. ”
REFERÊNCIAS:
Entidades EUA
Há uma nova versão de seda de aranha artificial
Cientistas imitaram o método usado pela aranha e conseguiram um fio de seda artificial mais forte do que os produzidos em laboratório até agora. Porém, as imitações ainda estão muito longe da poderosa versão da natureza. (...)

Há uma nova versão de seda de aranha artificial
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 | Sentimento -0.23
DATA: 2017-06-22 | Jornal Público
SUMÁRIO: Cientistas imitaram o método usado pela aranha e conseguiram um fio de seda artificial mais forte do que os produzidos em laboratório até agora. Porém, as imitações ainda estão muito longe da poderosa versão da natureza.
TEXTO: A força dos fios lançados pelo Homem-Aranha é pura ficção mas se alguém fosse realmente capaz de produzir as verdadeiras teias, tal como as aranhas o fazem, a realidade é que elas seriam mesmo capazes de travar um comboio. Há já alguns anos que os cientistas tentam imitar a extraordinária capacidade das aranhas e produzir artificialmente os seus fios de seda para as mais diversas aplicações, desde o têxtil à biomedicina. Ainda estamos longe da versão da natureza mas há avanços. Desta vez, um grupo de investigadores apresentou, num artigo na revista Nature Chemical Biology um novo método para produzir seda de aranha artificial mais forte. A seda da aranha é um material com características únicas, sendo frequentemente descrita como forte como o aço e leve como o algodão. É também biocompatível, biodegradável, flexível, resistente, reunindo num fio múltiplas vantagens que são atractivas para muitas áreas. Não é possível usar aranhas para produzir esta seda natural a um nível industrial e, por isso, em várias partes do mundo há grupos de investigação que tentam imitar este produto da natureza para aplicações na medicina ou na indústria. Porém, a tarefa não é fácil. A seda da aranha é composta de longas cadeias de moléculas de proteínas ligadas. E o seu método de produção é complexo envolvendo algo como uma máquina de fiar localizada no abdómen do animal, que transforma uma solução líquida num fio de seda. Um dos aspectos mais críticos da produção da seda passa por manter as proteínas solúveis em água até ao momento em que são transformadas numa fibra. Inspirada na forma como as aranhas fiam a seda, uma equipa de cientistas concebeu um dispositivo de fiação que imita o percurso das proteínas da seda na aranha e que envolve, por exemplo, alterações nos níveis de pH. Usando este dispositivo numa proteína especial que conceberam – um híbrido de duas proteínas da seda natural de diferentes espécies de aranha –, os investigadores conseguiram produzir seda artificial mais forte do que outras sedas artificiais, mas ainda longe da versão natural. Segundo a unidade pascal (de medida de pressão e tensão do Sistema Internacional de Unidades), a força de um fio de seda natural de aranha será na ordem dos 890 megapascal. Esta versão artificial fica-se pelos 162 megapascal. Numa resposta por email ao PÚBLICO, a investigadora do Departamento de Bioquímica da Universidade de Ciências Agrícolas, em Uppsala, na Suécia, e uma das autoras do artigo, Anna Rising, admite que os resultados ainda estão longe do pretendido e que o objectivo é produzir fibras que igualem a força natural. Porém, nota que a força de um tendão humano estará entre os 50 a 150 megapascal. Nos últimos anos, outras equipas de investigação publicaram resultados de experiências com animais transgénicos, desde o bicho-da-seda até à cabra, para fazer seda de aranha artificial e que passaram pela introdução dos genes da aranha responsáveis pela produção de seda (que no caso das cabras a fabricavam no leite). Mas uma grande parte dos projectos recorre a bactérias capazes de produzir as proteínas da seda natural. Neste caso, a equipa recorreu à bactéria Escherichia coli para produzir grandes quantidades de proteínas tão solúveis como as da aranha. “Pela primeira vez, foi possível produzir fios de seda de aranha artificiais sem usar substâncias químicas e as grandes quantidades de proteína produzidas nas bactérias permitiram que fosse possível produzir um quilómetro de fibra artificial com apenas um litro de cultura de Escherichia coli”, explicou Anna Rising. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Além de possibilitar o fabrico de grandes quantidades de seda, a produção deste material artificial biodegradável por este método também será mais barata, argumentam os autores do artigo. Falta agora tornar estas fibras ainda mais fortes, admite a investigadora, que acrescenta que também que a equipa de cientistas está a trabalhar na criação de estruturas tridimensionais da seda de aranha. “Estas estruturas podem ser usadas para têxteis de alto desempenho ou para aplicações médicas”, nota, referindo a possibilidade de recorrer a este material para, por exemplo, reparar lesões na espinal medula. Mas os fios de seda da aranha podem chegar a outros destinos. A ciência parece determinada em conseguir réplicas com os super-poderes desta seda e usá-la em todo o lado. No campo da medicina, há projectos que ligam a seda da aranha artificial a próteses, implantes no cérebro, suturas, antibióticos e enxertos de pele. Por outro lado, há empresas que já estão a tentar fazer casacos com fios artificiais de seda da aranha a uma escala industrial, outras já colocaram no mercado uma edição limitada de ténis para desporto feito com este material ultra-resistente, outras ainda incorporam-no no fabrico de fibras de vidro ou, simplesmente, cordas para instrumentos musicais como o violino. Porém, e apesar de todos estes esforços, ainda não há um fio de seda artificial que iguale aquele que a aranha é capaz de fazer.
REFERÊNCIAS:
Da “drèche”, um subproduto da cerveja, nasceu este “snack”
Não tem corantes nem conservantes, é rico em nutrientes e protege o ambiente. O Salt&Dreche é um "snack" que utiliza a "drèche" como matéria-prima. Ficou em 3.º lugar no Prémio Ecotrophelia Portugal (...)

Da “drèche”, um subproduto da cerveja, nasceu este “snack”
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 | Sentimento 0.0
DATA: 2018-11-08 | Jornal Público
URL: https://arquivo.pt/wayback/20181108190546/https://www.publico.pt/n1834957
SUMÁRIO: Não tem corantes nem conservantes, é rico em nutrientes e protege o ambiente. O Salt&Dreche é um "snack" que utiliza a "drèche" como matéria-prima. Ficou em 3.º lugar no Prémio Ecotrophelia Portugal
TEXTO: A ideia partiu de um grupo de cinco alunos do mestrado em Tecnologia e Ciência Alimentar, iniciativa conjunta entre a Universidade do Porto e a Universidade do Minho. Depois de descobrirem a drèche numa aula de Biotecnologia Alimentar, uma questão nunca mais lhes saiu da cabeça: por que razão é que o principal subproduto da indústria cervejeira não seria aproveitado? Como não encontraram resposta, decidiram pôr mãos à obra e criaram o Salt&Dreche, que na sexta-feira, 25 de Maio, conquistou o terceiro lugar no concurso Ecotrophelia Portugal, que distingue os produtos alimentares ecológicos mais inovadores criados por estudantes universitários. É provável que o nome não te soe familiar. A drèche é um subproduto da indústria cervejeira, constituído por resíduos de cereais, como a cevada, o trigo ou a aveia, geralmente utilizado na alimentação animal. "É um produto bastante desperdiçado e que maioritariamente vai para a ração animal, mas tem propriedades benéficas para a dieta humana, [por isso] porque não utilizá-lo?", questiona Maria Dias, porta-voz da equipa. Além disso, é um produto de baixo custo e possui um elevado valor nutritivo. Depois de alguma pesquisa, os estudantes descobriram que algumas marcas já tinham testado aplicações da drèche, combinando, por exemplo, farinha de drèche, em maior quantidade, com a de trigo. "Mas apenas isso", sublinha a jovem. A equipa quis ser pioneira e três meses depois nasceu o Salt&Dreche, um snack salgado feito a partir desta matéria-prima incomum, à qual os estudantes juntaram uma série de especiarias "para conferir sabor ao produto". E sem corantes, nem conservantes. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Os Drechies, nome pelo qual se intitulam, confessam que, um dia, gostariam de comercializar a sua criação. Afinal, transformaram um produto que até à data não era utilizado na alimentação humana, com pouco ou nenhum valor comercial, num alimento pronto a ser degustado, "com resultados a nível de sabor, de aroma e de textura bastante bons e com bastante aceitabilidade", acrescenta Rui Ferraz, da mesma equipa. O projecto acabou por ser escolhido para concorrer ao prémio. Todos os alunos de Biotecnologia Alimentar desenvolveram ideias, que foram depois apresentadas ao resto da turma. "No final, seleccionámos os que teriam mais potencialidade a nível de inovação 'eco', não tanto pelos sabores ou conceitos, mas sobretudo pelo aproveitamento, já que é disso que se trata o Ecotrophelia", explica Maria Dias. Correu bem. Para além do terceiro lugar do concurso, e que lhes valeu um prémio de 500 euros, o Salt&Dreche venceu ainda a distinção Born From Knowledge, um programa de valorização do conhecimento científico e tecnológico promovido pela Agência Nacional de Inovação, que lhes dará acompanhamento durante 12 meses. Dos dez finalistas ao Ecotrophelia Portugal, prémio promovido pela PortugalFoods e pela Federação das Indústrias Portuguesas Agro-Alimentares, a grande vencedora foi a feijoada vegetariana pronta-a-comer Bean Ready. A equipa distinguida vai agora representar Portugal na competição europeia do prémio, que se realiza no Salão Internacional de Alimentação (SIAL), em Paris. Em segundo lugar ficou a Legutê, que se dedica à produção de patés de leguminosas, levando para casa 1000 euros. Às três premiadas foi ainda atribuído pela Patentree um serviço de diagnóstico e consultoria de propriedade industrial aos projectos.
REFERÊNCIAS:
Palavras-chave animal
Destino de metade das lamas das ETAR sem rastreio
Dados dizem respeito ao primeiro semestre deste ano. Governo e quem trabalha no sector desvalorizam alerta da Zero, mas admitem problemas no encaminhamento destes resíduos que podem ser valorizados para uso agrícola mas, nalguns casos, são depositados em terrenos sem descontaminação. (...)

Destino de metade das lamas das ETAR sem rastreio
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 | Sentimento -0.16
DATA: 2018-11-26 | Jornal Público
SUMÁRIO: Dados dizem respeito ao primeiro semestre deste ano. Governo e quem trabalha no sector desvalorizam alerta da Zero, mas admitem problemas no encaminhamento destes resíduos que podem ser valorizados para uso agrícola mas, nalguns casos, são depositados em terrenos sem descontaminação.
TEXTO: O cenário é o de um terreno algures no interior do país, pejado de lamas escuras. A fotografia, que um ex-funcionário de uma empresa de gestão de resíduos nos mostra, é a de uma descarga ilegal de lamas resultantes da depuração dos efluentes de uma estação de tratamento de águas residuais (ETAR) domésticas, sem qualquer descontaminação. Situações destas, ilegais, dão origem, por vezes, a denúncias. Mas ninguém conhece a dimensão do problema. Em muitas situações, as descargas são feitas “com a conivência, e até a pedido”, dos proprietários dos terrenos. Portugal tem um registo electrónico do fluxo deste tipo de resíduo, mas na primeira metade deste ano os números indicam que não há informação sobre o destino dado a metade das quase 262 mil toneladas de lamas produzidas. Em causa está um tipo de resíduo contaminado, em quantidades variáveis, por alguns metais pesados, compostos orgânicos e organismos patogénicos, mas que, se correctamente descontaminado, pode ter como destino principal a valorização agrícola — seja por deposição directa no solo, obedecendo a um plano de gestão de lamas, seja por incorporação em processos de compostagem, de que resulta um correctivo orgânico, para venda a qualquer agricultor. Estes processos estão sujeitos a legislação específica “de forma a evitar efeitos nocivos para o homem, para a água, para os solos, para a vegetação e para os animais”, como se lê num relatório da Agência Portuguesa do Ambiente (APA), referente ao período de 2010-2013. O relatório confirma uma queixa antiga dos ambientalistas, mostrando discrepâncias, que chegam a ser de 27%, num dos anos, entre o valor declarado por entidades produtoras — a maioria das quais ligadas ao grupo público Águas de Portugal (AdP), que gere quase mil ETAR — e os valores contabilizados nos vários destinos previstos. Há anos que Rui Berkemeier, antigo porta-voz da Quercus para a área dos resíduos e actual responsável, na associação ambientalista Zero, por este sector, vem alertando para estas disparidade, mas a sua preocupação perante o destino incerto de um pouco mais de metade das quase 262 mil toneladas produzidas só no primeiro semestre deste ano não é acompanhada pela secretaria de Estado do Ambiente, tutelada por Carlos Martins, que tem também uma experiência anterior no sector das águas. A Zero pediu à APA os valores da primeira metade do ano, resultantes do preenchimento, obrigatório, desde 1 de Janeiro, das guias electrónicas de acompanhamento de resíduos. As e-GAR foram instituídas com o objectivo de garantirem a possibilidade de uma monitorização online, imediata, dos fluxos dos vários tipos de resíduos produzidos no nosso país, permitindo uma melhor acção de fiscalização e punição de infracções. No caso das lamas, os primeiros seis meses do ano mostram que as entidades que gerem as ETAR enviaram pouco mais de 130 mil toneladas para os designados “destinos finais” — entre os quais se destaca a incorporação em processos de compostagem, que geram um fertilizante agrícola —, mas que, no caso das 147 mil toneladas de sedimentos entregues a outras empresas licenciadas para lhes dar um destino final, falta informação sobre o destino de 89% dessas lamas. Estas empresas apenas registaram o encaminhamento de cerca de 16, 5 mil toneladas para destinos previstos na lei. Ninguém duvida de que uma parte destes resíduos vai parar a terrenos agrícolas ou florestais, sem qualquer tratamento prévio. Só não se sabe é quanto. A APA assume no relatório citado que as discrepâncias podem ter origem em usos à margem da lei e afirma que o Serviço de Protecção da Natureza e do Ambiente (Sepna), da GNR, actuam perante situações flagrantes, ou denúncias. E, perante isso, o secretário de Estado do Ambiente considera que, como “todas as descargas ilegais reportadas” são objecto de intervenção de fiscalização, “se essas ocorrências tivessem a expressão referida pela Zero seriam seguramente muito significativos os processos de reclamação”. O que não acontece, é um facto. Aliás, Carlos Martins, que nestas como noutras questões polemizadas pela associação, acusa a Zero de fazer “leituras simplistas dos números”, argumenta que a associação não leva em devida conta que a operação de armazenagem conduz a uma perda de peso [das lamas] na ordem dos 30%, coincidindo, neste aspecto, com o que foi explicado ao PÚBLICO por fonte de uma empresa do sector. O secretário de Estado acrescenta também que “a compostagem determina a perda do estatuto de resíduo e que, por essa via, as e-GAR deixam de constituir fonte de informação para monitorização do fluxo”. Mas este argumento “não faz qualquer sentido”, nota Rui Berkemeier, insistindo que a e-GAR é feita previamente, e que não há guias monitorizando a entrega destes resíduos para unidades de compostagem, ao contrário do que aconteceu com as lamas enviadas para este destino directamente pelos produtores. As regras para as e-Gar, podem estar a mascarar o destino dado a estes resíduos, o que leva Rui Berkemeier a pedir uma clarificação do seu uso, por parte da APA, sob pena de o seu efeito, positivo, de rastreamento, se perder. A mesma empresa que descreveu ao PÚBLICO a importância das perdas resultantes por evaporação, explica que, quando as firmas que gerem as lamas têm os armazéns nas mesmas instalações das unidades de compostagem, não passam guia da transferência dos sedimentos para essas unidades. E relata outra questão: “Há concursos específicos para valorização agrícola em que, na realidade, as lamas, por falta de higienização”, não podem ser depositadas no solo, “e têm de ser estabilizadas ou encaminhadas para outros destinos à responsabilidade do operador que ganhou o concurso para um destino diferente daquele que terá de dar posteriormente ao resíduo”. Ou seja, apesar das boas intenções, as e-GAR “nem sempre fecham o ciclo de operações associadas a este resíduo”. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. A Zero não desarma, e pede mais fiscalização a estas discrepâncias dado que, com as guias electrónicas, é possível ver, rapidamente, quem possa estar em incumprimento. Já o secretário de Estado deixa claro que as “preocupações” do Ministério do Ambiente e Transição Energética em relação a esta matéria passam pela “diversificação de formas de valorização mais do que no rastreamento das quantidades”. Sobre isso, no sector, há queixas de demora excessiva, que pode chegar aos dois anos, para emissão de um Plano de Gestão de Lamas, que implica a intervenção de entidades do Ambiente e da Agricultura, e sem o qual qualquer deposição directa, num terreno, é ilegal. E Carlos Martins responde a essa preocupação prometendo dar “prioridade” à articulação com o Ministério da Agricultura para “fomento da valorização agrícola e para a celeridade nos processos de licenciamento”. Mesmo que factores como a evaporação, ou encaminhamento para outros usos não reportados, mas conformes, possam explicar parte do desvio nos números, entre os ambientalistas e no sector não há dúvidas sobre a existência de actividade à margem da lei, potenciada, até, pela própria concorrência existente, que gera um esmagamento dos preços: o factor determinante na escolha dos seus prestadores de serviço, assume a AdP. A empresa contactada pelo PÚBLICO queixa-se precisamente deste problema, assumindo haver “empresas que ganham contratos abaixo do valor de mercado”, pedindo valores “que na maioria das vezes nem pagam os custos de transporte”. Algo que associa aos concursos públicos “com preços base demasiado baixos e períodos contratuais demasiado curtos (maioria de 1 a 3 anos) que não permitem às empresas do sector estabilidade financeira para grandes investimentos”.
REFERÊNCIAS:
Entidades GNR
Há uma vila no Beato que vai ser recuperada por privados mas as rendas mantêm-se
Privados vão investir cinco milhões de euros na reabilitação da Vila Dias, em Lisboa. E fica uma promessa: as rendas mantêm-se e os novos contratos, a pensar em estudantes, não vão além dos 300 euros por casa. "Investir neste projecto é mais seguro do que ter o dinheiro no banco", dizem. (...)

Há uma vila no Beato que vai ser recuperada por privados mas as rendas mantêm-se
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 | Sentimento 0.0
DATA: 2017-05-31 | Jornal Público
SUMÁRIO: Privados vão investir cinco milhões de euros na reabilitação da Vila Dias, em Lisboa. E fica uma promessa: as rendas mantêm-se e os novos contratos, a pensar em estudantes, não vão além dos 300 euros por casa. "Investir neste projecto é mais seguro do que ter o dinheiro no banco", dizem.
TEXTO: A Vila Dias já tinha perdido a conta aos senhorios. Ora era um procurador, ora era outro. Ora pagavam a renda em mãos, ora faziam depósito no banco. Lucinda (que pede para deixar o apelido fora da conversa) mora naquela vila do Beato, em Lisboa, há mais de 50 anos e nunca viu a cara de quem paga ao final do mês. “Nem vi os novos nem os velhos”. Os novos senhorios fizeram-se anunciar na semana passada. Através de uma carta, Lucinda ficou a saber que a vila vai ser reabilitada: uma sociedade privada tem, desde Abril, a posse dos terrenos e destinou cinco milhões de euros para a reabilitação das 160 casas da centenária vila operária. Vão ser pintadas de branco, substituídos os telhados, cuidadas por dentro e por fora. Dos promotores da obra, há uma promessa: “Jamais vamos destruir seja o que for”. José Morais Rocha, à frente da Sociedade Vila Dias (SVD), diz que o objectivo é “tornar a vila num espaço agradável de convivência entre jovens e os mais velhos”. Não espera tirar dali lucro imediato. “Não queremos explorar as pessoas. Sabemos as condições económicas em que vivem e vamos respeitar isso”, garantiu o engenheiro ao PÚBLICO. Os valores das rendas já existentes vão ser mantidos e os novos contratos vão ser feitos à luz daquilo que são os preços praticados pelo programa de Renda Acessível da Câmara de Lisboa, até 300 euros por habitação. Os promotores – entre os quais Paula Castro Alves, familiar dos antigos proprietários – estimam que, das 160 casas da vila, 40 estão devolutas. São estas últimas que vão receber novos inquilinos e novos contratos. A sociedade quer atrair jovens, com casas e preços “à medida do estudantes”. Mas na óptica dos moradores os números não são tão optimistas. No Café Ângelo, na esquina de acesso à vila, diz-se que já se perdeu a conta ao número de portas arrombadas, de casas tomadas ilegalmente. “Ainda anteontem foi mais uma. Isto não se vê em mais lado nenhum”, está Catarina a comentar, “são despejados de um lado, ocupam o outro”. Diz-se que os antigos senhorios só recebiam 65 rendas. Catarina pede para ser identificada por este nome fictício – sabe que o ambiente entre moradores já viu melhores dias. As discussões e os insultos tornaram-se frequentes. De um lado quem cumpre, do outro quem escapa ao pagamento da renda. Não é só a ocupação que a preocupa: “São os cães abandonados nas traseiras, o barulho, o lixo. E chamar a polícia é a mesma coisa que não fazer nada”. Pensar que Maria Fernanda Neves costumava deixar a chave de casa na porta, dia e noite, faz todas as vizinhas rirem. “Antes isto era uma família. Agora só há dois ou três que se entendem”, diz. Vive ali há 56 anos. Viu as ocupações intensificarem-se há 20. “Todo o mundo manda, mas ninguém paga”. Quantas vezes já pensou fazer o mesmo. Sente-se gozada: “Olha aquela parva que paga luz, água e renda”. Os novos proprietários da Vila Dias destacaram duas pessoas para “consultar essas pessoas e tentar legalizá-las”. José Morais Rocha adianta que a SVD quer avançar com “planos de entendimento” com estes moradores para que sejam pagas as rendas em atraso. “Sabemos que algumas pessoas não vão conseguir pagar tudo de uma vez, mas queremos tornar estas contas transparentes”, explicou o promotor. A Vila Dias começou a ser construída em 1888 para alojar os operários das fábricas têxteis e do tabaco de Xabregas. A degradação desde cedo se tornou a principal característica. Maria Fernanda Neves trabalhava na Fábrica do Sabão de dia, dormia num quarto com percevejos de noite. Durante estes tempos de “casas em que só lhe faltava o colmo”, foi “o ambiente e a amizade” que a mantiveram na vila. Com o tempo, cada um foi fazendo as suas “obritas”. Mas hoje, “se pudesse”, Maria já cá não vivia. A vila é uma estrada de uma via, onde se serpenteiam os carros estacionados em frente às portas e, nas paredes, há uma antena parabólica ao lado de cada janela. O projecto prossupõe uma “reabilitação total do bairro, sem demolição, com a preocupação de manter a traça histórica” dos edifícios, garantiu Morais Rocha. A fibra óptica vai substituir as antenas e o branco volta às paredes sucessivamente interrompidas por diferentes cores. Antes do projecto dar entrada na câmara, os promotores querem avançar “com as pequenas reparações mais urgentes”. A sociedade privada estima um retorno demorado do investimento. “Afinal há rendas de 40 e 50 euros”, recordou Morais Rocha. Por agora, importa aos sócios ter o dinheiro investido em imóveis: "Investir neste projecto é mais seguro do que ter o dinheiro no banco". Estimam uma rentabilidade (remuneração do capital investido) entre 3 e 4% ao mês. O projecto tem a aprovação dos vizinhos à mesa do café. As “casinhas branquinhas, tão bonitas”, convenceram Maria Fernanda. Só lhe faltava um jardim à porta. Augusta, ao balcão, mal pode esperar pela esplanada. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Idalina espera para ver. “Se vão fazer ou não, eu só acredito quando vir”. A vida já lhe ensinara a “não esperar muito de promessas alheias” e já muitos lhe prometeram obras. Há 28 anos naquela morada, viu uma vez a rua “a ser uma vez sarapintada”. “As obras de minha casa, que está toda arranjadinha, graças a Deus, fui eu que as fiz”. Antes dos “dois mil contos” que a irmã investiu, “aquilo não era uma casa”. Os antigos donos faziam fogueiras no chão. Tinha a sanita na cozinha. Esses tempos já lá vão, mas os moradores antecipam obras difíceis. Ainda “há casas a cair de maduras, com os esgotos a ir para a linha, sem chão nem nada”, descreve Lucinda. Com muitas mudanças, o seu medo é perder o espaço onde tem os cães. Morais Rocha quer sossegar estas preocupações: “Vamos respeitar as hortas e os espaços que têm. Não vamos destruir um património que já não se faz”.
REFERÊNCIAS:
Palavras-chave medo cães