Pinho recusa responder a deputados sobre as suas offshores. Só fala sobre política energética.
O antigo ministro criticou a cobrança de taxa para a RTP, defendeu que a conta da luz não pode ser uma "vaca leiteira" e atira culpas ao PSD, que foi o "pai dos CMEC e mãe das barragens" (...)

Pinho recusa responder a deputados sobre as suas offshores. Só fala sobre política energética.
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 | Sentimento 0.0
DATA: 2018-07-19 | Jornal Público
SUMÁRIO: O antigo ministro criticou a cobrança de taxa para a RTP, defendeu que a conta da luz não pode ser uma "vaca leiteira" e atira culpas ao PSD, que foi o "pai dos CMEC e mãe das barragens"
TEXTO: Depois de ter feito uma intervenção inicial de 35 minutos sobre energia, o antigo ministro da Economia Manuel Pinho recusou responder a qualquer pergunta do PSD sobre a sua ligação a empresas offshore ou a pagamentos feitos pelo BES/GES quando era ministro. E argumentou que só falará sobre política energética, que foi aquilo que já tinha dito ao presidente da Comissão de Economia e Obras Públicas, o centrista Helder Amaral, quando foi convocado para a audição. A cada pergunta do PSD, do Bloco, do CDS-PP e do PCP sobre as suas ligações ao GES ou sobre o seu património, Manuel Pinho foi dizendo que não respondia, alegando sempre que não era esse o objecto da sua audição. “Quando convido alguém para ir ver futebol a minha casa não o ponho a esfregar o chão”, ironizou por duas vezes e usou amiúde essa imagem do convite para uma coisa e ser questionado sobre outra. Ouvido durante três horas na comissão, Manuel Pinho fez uma intervenção inicial durante a qual deu aquilo que descreveu como a sua proposta para a redução dos preços da energia, em que inclui, entre outras medidas, a redução do IVA da energia para a média praticada na União Europeia (que é de 18%), o fim da cobrança da taxa para o audiovisual que financia a RTP – que fazer parte do acordo da “geringonça” (na verdade foi aprovado pelo PSD). “Em Portugal o IVA da energia é o mesmo das jóias, casacos de pele e barcos de recreio”, disse, acrescentando, que podia lembrar declarações de socialistas que “diziam sobre o aumento do IVA da electricidade o que nem Maomé dizia do toucinho”. Sobre a RTP vincou não perceber “que raio de justiça pode haver para ir buscar 200 milhões de euros aos consumidores para pagar a RTP” e lembrando que esse valor “é mais do que o orçamento do IPO”. “A factura da electricidade é uma autêntica vaca leiteira. Não posso estar de acordo. Estou de acordo com preços o mais baixos possível e com energia limpa. ”Sobre a composição das facturas de electricidade, explicou que os impostos contam 25%, a energia 28%, o acesso às redes 16% e os custos de políticas 31%. Ora os CMEC são 18% dos custos de políticas, o que representa um custo para o consumidor relativo aos CMEC de dois euros numa factura mensal de 40 euros. Manuel Pinho descreveu o percurso histórico dos contratos da energia desde 1995, passando pela transformação dos CAE (contratos de aquisição de energia) em CMEC a partir de 2003/2004, remetendo para o PSD a responsabilidade pelas rendas excessivas do sector energético, os chamados CMEC. Era a direita que estava no poder em 2004 quando estes foram criados no Parlamento por proposta do Governo. Até recorda a votação: PSD e CDS a favor, PS absteve-se, PCP e Bloco votaram contra. “O grosso da legislação é de 2004/05. Eu fui ministro de José Sócrates na parte final da sua aplicação. A concepção e aprovação foram feitas por governos anteriores”, argumentou. A dada altura haveria mesmo de dizer que “o PSD foi o pai dos CMEC e mãe das barragens”, alegando que foi em 2004, no Executivo de Durão Barroso e depois de Santana Lopes, que foram criados os CMEC (custos de manutenção do equilíbrio contratual) com a EDP para compensar o fim dos CAE com a empresa. A si, como ministro a partir de 2005, coube a tarefa de acabar de implementar o resto desse processo, justificou. Recusou que as condições dos CMEC possam ser consideradas “rendas excessivas” para o Estado e defendeu que as medidas do Governo de José Sócrates foram de “salvaguarda do interesse nacional”. Diz que foi por isso que se apostou nas renováveis em vez de outras soluções como o nuclear ou as centrais a carvão. Manuel Pinho vincou por três vezes partilhar “da opinião da maioria dos portugueses” de que a energia em Portugal “é cara, muito cara”, que “há um trânsito enorme entre a política e as empresas” e que “a venda de empresas estratégicas causa polémica”. Sentado ao lado do seu advogado, Ricardo Sá Fernandes, quando começou a ronda de perguntas e o PSD o questionou logo sobre é dono (de forma directa ou indirecta) de offshores e se alguma vez recebeu dinheiro através delas, nomeadamente proveniente do BES/GES, Manuel Pinho argumentou que não falará sobre mais nada a não ser política energética. E insistiu nessa resposta de cada uma das outras quatro vezes que o social-democrata Paulo Rios de Oliveira lhe colocou perguntas sobre conduta ética, dizendo sempre que só veio a esta comissão na condição de não responder a outras questões além da energia. “Convidaram-me para uma coisa e querem agora discutir outra. ”O antigo ministro leu então uma declaração onde afirma que não aceitaria “responder” a questões que estão a ser “alvo de investigação judiciária” e que têm a ver com o seu “relacionamento com o Grupo Espírito Santo” e com os quais, alega, nunca foi “confrontado”. E realça que nem sequer é “arguido”. Só aceita falar no Parlamento sobre o GES depois de o fazer na Justiça. "Não sou político e não tenho cartão nenhum em nenhum partido. Mas não é por não ter cartão político que tenho menos direitos que os senhores”, atirou. O PS preferiu não entrar em confronto com Pinho, e até defendeu que o PSD sabia quais eram as condições da audição. "O PS não fará qualquer questão sobre offshores. Aguardaremos", prometeu o deputado Luís Moreira Testa, coordenador do grupo parlamentar socialista na comissão, referindo-se ao processo judicial e à comissão de inquérito às rendas da energia. Luís Testa quis então saber a opinião do ex-ministro sobre as opções políticas na energia, em especial sobre as renováveis, e sobre medidas para baixar o preço (como o mix de fontes energéticas). Pinho aproveitou o empurrão e defendeu a subsidiação das renováveis. “São totalmente merecidos [os apoios]. O gás natural é apoiado, o carvão também. As renováveis não porquê? Ou há moralidade ou comem todos!”A bloquista Mariana Mortágua (que não faz parte da comissão mas veio substituir outros deputados) mudou ligeiramente de táctica em relação ao PSD — começou por perguntas sobre a chegada de Pinho ao Governo — mas foi parar ao mesmo ponto, o da ética. Foi apresentado a Sócrates por Costa à saída de um jogo do Euro 2004, elaborou o programa eleitoral na área económica e foi "sem surpresa" convidado para ministro — mas a mulher nunca lho desculpou. A deputada quis depois saber como foi a negociação da sua saída do BES em especial sobre a "reforma milionária" que combinou. Pinho respondeu "não estar a ver" o que tem isso que ver com a política da energia. E não respondeu. Questionado sobre a sua prestação como governante, garantiu ter decidido, como ministro, sempre com "isenção relativamente a qualquer interesse" e prometeu: "Espere pela minha vinda à comissão das rendas e falaremos sobre a minha resolução de gravíssimos casos empresariais no sector da energia. Tenho informação muito interessante", aliciou, prometendo ir mais atrás do que 2004. O resto —? leia-se, as acusações que lhe fazem — até o faz "rir" e "é conversa de café. O que eu gosto é de pôr nomes e moradas. "Sem respostas sobre o património de Pinho — como os 490 mil euros de salários em 2005 por dois meses de trabalho no BES —, Mortágua vincou que com este caso Portugal enfrenta o seu "esquema Mensalão", em que Pinho tem "muito para explicar" e passou a palavra ao deputado Jorge Costa, que lidera o Bloco na comissão de inquérito às rendas. E a quem, no final, Pinho haveria de se dirigir pessoalmente para oferecer ajuda "se precisar de alguma coisa, se puder ser útil" na preparação dos trabalhos da comissão. Nas perguntas do bloquista, Pinho até defendeu que a EDP fora prejudicada num dos contratos. Esta atitude de diplomacia de Manuel Pinho foi, aliás, notada durante a audição. O antigo ministro distribuiu elogios (alguns rasgados) ao Bloco e sobretudo ao PCP (e às suas propostas para baixar o IVA da energia) e até ao seu eurodeputado João Ferreira, que questionou a Comissão Europeia sobre as rendas da energia — e que esta respondeu não existirem problemas. Já em relação ao PS houve alguns puxões de orelhas — tal como os esperados ao PSD e ao CDS. Ao comunista Bruno Dias, que o questionou sobre a elaboração do diploma sobre os CMEC em 2007, em que alegadamente terá participado a própria EDP, Manuel Pinho diz não saber de nada. E a Jorge Costa diria depois desconhecer uma troca de mensagens entre os seus secretários de Estado e a empresa sobre a decisão do Conselho de Ministros acerca do mesmo assunto. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Ao deputado centrista Pedro Mota Soares que o questionou sobre que "especial competência" tinha para ser ministro da Economia, Manuel Pinho respondeu com luva branca. Lembrou que o ministro da Economia espanhol era oftalmologista, que se pode sempre aprender o métier da política e devolveu a pergunta sobre a experiência ao deputado centrista. Mota Soares, antigo ministro do Trabalho e da Segurança Social, viu-se obrigado a explicar que é licenciado em direito, com especialização na área laboral. Na única questão sobre energia — acerca de um estudo encomendado pelo anterior Governo que dizia que as rendas eram excessivas, Manuel Pinho exaltou-se e disse ser uma "burrice haver a mínima das dúvidas" sobre os CMEC. Pediu logo "desculpa por usar o termo", mas insistiu: "Quem diz isso [que há rendas excessivas], sente o rabinho e estude; não comece a mandar bocas. "Insatisfeitos com a falta de respostas, na ronda final os deputados avisaram Manuel Pinho que a comissão de inquérito terá outras "competências e poderes", como lhe disse o socialista Luís Testa, que acusou o PSD de fazer "insinuações". "Haverá mais oportunidades", ouvia-se na sala.
REFERÊNCIAS:
Partidos PS PSD PCP
Concelho de Castro Verde classificado como Reserva da Biosfera da UNESCO
Já há 11 reservas destes género em Portugal. Esta é a primeira a Sul do Tejo. (...)

Concelho de Castro Verde classificado como Reserva da Biosfera da UNESCO
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 | Sentimento 0.0
DATA: 2017-06-15 | Jornal Público
SUMÁRIO: Já há 11 reservas destes género em Portugal. Esta é a primeira a Sul do Tejo.
TEXTO: O concelho de Castro Verde, "um ecossistema humanizado de alto valor natural" situado no Alentejo, foi nesta quarta-feira classificado como Reserva da Biosfera da UNESCO, anunciou o município. Com a classificação agora conseguida, o concelho de Castro Verde torna-se a 11. ª Reserva da Biosfera e a primeira a sul do rio Tejo, em Portugal, a ser inscrita na Rede Mundial de Reservas da Biosfera da Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (UNESCO), refere a Câmara de Castro Verde, num comunicado enviado à agência Lusa. A candidatura de Castro Verde, no distrito de Beja, a Reserva da Biosfera foi aprovada hoje, em Paris, França, pelo Conselho Internacional de Coordenação do Programa O Homem e a Biosfera (Man and the Biosphere — MaB) da UNESCO e que visa classificar áreas territoriais de protecção dos recursos naturais. A decisão foi tomada e anunciada hoje de manhã pelo Conselho Internacional de Coordenação do Programa Mab, que está reunido esta semana na sede da UNESCO, em Paris, na sua 29. ª sessão. Segundo a Câmara de Castro Verde, "o galardão da UNESCO é sinónimo de diferenciação pela qualidade e pela excelência e confere todo um potencial de divulgação e visibilidade mundial" ao concelho. A candidatura, promovida pelo município de Castro Verde, pela Associação de Agricultores do Campo Branco e pela Liga para a Protecção da Natureza (LPN), tinha sido entregue na UNESCO em Setembro de 2016, após ter merecido o parecer positivo do Comité Nacional do programa MaB e a subscrição do Estado Português. De acordo com a autarquia, a candidatura teve por base o facto de o concelho de Castro Verde ser "um ecossistema humanizado de alto valor natural, fruto de um trabalho contínuo de há várias décadas". O trabalho, que envolveu a comunidade e entidades locais, mas também regionais e nacionais com intervenção no território, permitiu obter "resultados ao nível da preservação da biodiversidade e dos valores naturais, culturais e paisagísticos, que conferem ao concelho uma diversidade única e específica" e tem "visado encontrar formas de valorizar, incrementar e divulgar o território, contribuindo para o desenvolvimento local". Castro Verde é um ecossistema "onde a compatibilização da atividade agrícola com a conservação da paisagem e da natureza se tem traduzido na manutenção da maior área da estepe cerealífera, criada por práticas centenárias de uma agricultura extensiva, que levou à formação de um riquíssimo mosaico de habitat", onde existem, entre outras espécies, aves como a abetarda, o sisão e o peneireiro-das-torres, frisa o município. "Esta simbiose entre o homem e o meio que o envolve tem definido aquilo que é a maneira de ser e de estar e afirma uma identidade que é uma marca de Castro Verde", refere a autarquia. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. O processo de candidatura começou em 2013 e contou com "um forte envolvimento da comunidade e entidades do território", lembra o município, sublinhado que a classificação do concelho como Reserva da Biosfera da UNESCO "trará novos desafios e potenciará uma dinâmica local e de trabalho em rede", tendo por base o plano de acção definido e que assenta em seis eixos. Agroecossistema sustentável, soluções locais para a desertificação e o clima, natureza e cultura: desafios e oportunidades, conhecimento e transferência do saber, redes de cooperação e participação comunitária e identidade e promoção são os eixos do plano. Na Rede Mundial de Reservas da Biosfera da UNESCO já estão inscritas 11 reservas portuguesas: Paul do Boquilobo, ilhas do Corvo, da Graciosa e das Flores e Fajãs de S. Jorge (Açores), Berlengas (Peniche), Santana (Madeira), as reservas transfronteiriças do Gerês - Xurés, da Meseta Ibérica e do Tejo/Tajo Internacional (Portugal/Espanha) e Castro Verde.
REFERÊNCIAS:
Os interfaces entre a tecnologia e o território: uma segunda ruralidade?
Os novos interfaces entre a tecnologia e o território, serão eles a grande oportunidade para o grande país do interior? (...)

Os interfaces entre a tecnologia e o território: uma segunda ruralidade?
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 | Sentimento 0.0
DATA: 2017-07-16 | Jornal Público
SUMÁRIO: Os novos interfaces entre a tecnologia e o território, serão eles a grande oportunidade para o grande país do interior?
TEXTO: Os incêndios de há um mês na região Centro chamaram, mais uma vez, a nossa atenção para a dura realidade do nosso “grande país do interior”. São bem conhecidos os nossos pecados capitais em matéria de coesão do território. Trinta anos depois da adesão de Portugal às Comunidades Europeias, a política de coesão territorial é cada vez mais imaginativa, mas, não obstante, os problemas estruturais de longa data permanecem e, sobretudo, não resistem à descontinuação das políticas públicas sobre um longo período. Após alguns anos de austeridade, eis que a esperança renasce mais uma vez. Desta vez, a revolução tecnológica e digital é de tal modo exponencial que podemos estar à beira de decretar a abolição do espaço e da distância. A mobilidade, a velocidade, a universalidade, a ubiquidade, seriam uma medida dessa aceleração tecnológica. Num país tão pequeno e tão bem servido de vias de transporte e com o acesso generalizado das gerações mais novas às tecnologias digitais, o problema da “valorização do interior” tem necessariamente de ser pensado e equacionado em outros parâmetros. Estaremos nós equivocados ao pensar problemas novos com conceitos velhos? E os novos interfaces entre a tecnologia e o território, serão eles a grande oportunidade para o grande país do interior, trarão eles mais inteligência coletiva, mais equidade territorial e mais gente para o interior do país? Vejamos alguns ângulos de observação do problema. A constelação tecnológica formada pelas nanotecnologias (N), as biotecnologias (B), as indústrias informáticas (I) e as ciências cognitivas (C) terá um impacto devastador sobre as ciências da vida e a saúde humana, as indústrias da alimentação e o mundo natural. O aumento dos interfaces eletrónicos e digitais com a comunicação humana irá transportar-nos até mundos desconhecidos, ao universo da robótica e do pós-humanismo. Com as NIBC seremos “cidadãos aumentados”, pós-humanos, seremos o homo connexus, conectados “e-qualquer coisa”, “tele-qualquer coisa” ou “on-qualquer coisa”. Em qualquer lugar, independentemente do “não-lugar” onde estejamos. E quanto a estes novos “territórios NBIC”, como se apresentarão? De um lado, teremos “seres aumentados”, plenos de microchips, viajando constantemente no ciberespaço; de outro, territórios rodeados de sensores por todos os lados, permanentemente vigiados e vigiando-nos a todo o tempo. Nesta vertigem, é muito provável que a velocidade elimine a distância mas contribua, também, para o definhamento dos territórios do interior pela simples razão de que não atingem um urbanismo crítico que lhes permita contrariar os movimentos em direção ao litoral. Seja como for, importará dizer que estas NBIC serão, ainda, “redes digitais centralizadas” e que, “no seu interior”, num país tão pequeno, os territórios do litoral e do interior serão, antes e apenas, diferentes funcionalidades do mesmo território, de acordo com uma outra tipologia de territórios cada vez mais funcionalmente e tecnologicamente encaixados. As “redes digitais distribuídas” serão a promessa da grande ilusão isotrópica. Ao contrário das redes centralizadas que reproduzem o poder hierárquico e vertical, as redes digitais distribuídas são “relações sem poder”, laterais e colaborativas, sem centro ordenador. As RDD fazem parte da chamada “internet primordial” ou internet dos cidadãos, através da qual se praticará a economia dos bens comuns colaborativos, uma economia simples e sem intermediários, em que os produtores são também consumidores e vice-versa. As empresas start-ups que criarem plataformas tecnológicas e respetivas aplicações serão o agente principal destas redes digitais distribuídas e aqui a imaginação não tem limites. Os espaços de coworking, os fablab, as incubadoras, os centros de investigação, serão os locais privilegiados para fazer nascer estas RDD mas a grande maioria encontra-se numa fase rudimentar e artesanal a necessitar de uma nova geração de investimento público e/ou privado. Hoje, porém, à “nova economia imaterial” não bastam as comunidades online criadas de geração espontânea em espaços de coworking ou fablab municipais. Esta é a versão fashion do problema que temos entre mãos e que as políticas públicas de coesão alimentam amiúde, com incentivos de ocasião, sem sucesso visível ou aparente. Também não bastam as start-ups geradas em incubadoras e aceleradoras, quais corredores solitários em busca de uma pista segura que lhes garanta um mínimo de sustentabilidade. De facto, há uma diferença abissal entre o conforto de uma rede digital gerida por uma comunidade online e o desconforto de um problema real gerido por uma comunidade offline, já para não falar da qualidade do actor-rede que administra a rede digital distribuída. Nestes termos, a RDD não será distribuída, será apenas mais um vendedor de ilusões sem impacto real sobre os problemas existentes. É inevitável, o deslumbramento tecnológico é de tal ordem que vamos ter de transitar pelo “interior virtual” antes de perceber que é muito complexo e até, por vezes, doloroso todo o processo de conversão das comunidades online em comunidades offline. Quer dizer, vamos ter de fazer um processo de aprendizagem para finalmente compreender qual é a melhor combinação de “virtualidade e realidade”. E quanto à agricultura e a valorização do interior, eis alguns exemplos retirados das tecnologias de precisão da empresa agrícola 4. 0: a gestão remota da rega, a monitorização das culturas a partir de imagens aéreas obtidas com drones, as câmaras de vigilância nos estábulos e vacarias, os robots de ordenha e alimentação, os chips nos animais para acompanhamento do seu ciclo de vida, os robots para realizar os trabalhos na vinha, os veículos autónomos como maquinas agrícolas e tratores, a sensorização da floresta (os olhos e os ouvidos das árvores), as câmaras térmicas (os olhos nocturnos dos bombeiros), as imagens por drone das zonas com maior acumulação de matos, os robots para fazer o ataque a incêndios, a recolha e tratamento da informação bruta, farming data e cloud computing, os modelos computacionais para a elaboração de cenários de intervenção, a criação de aplicações em smartphones para uso de agricultores e bombeiros, finalmente, a inteligência artificial (machine learning) para diversas simulações. Estes exemplos mostram que na “próxima incarnação” o mundo rural estará irreconhecível, pois a “internet das coisas” estará presente desde a agricultura de precisão até à silvicultura preventiva. Mas a agricultura de precisão 4. 0 será apenas um dos vetores, porventura o mais exuberante, presentes no mundo rural. Num país tão pequeno como Portugal, servido por boas infraestruturas de transporte e comunicação, o problema principal não é o “repovoamento e o stock populacional” de zonas de baixa densidade, mas, antes, a organização virtuosa da mobilidade e do fluxo de população, isto é, a montagem imaginativa e eficiente de uma economia de rede e visitação no território, concebido como território-rede e baseado em serviços itinerantes e polivalentes que a tecnologia das redes sociais pode muito bem imaginar e montar. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Creio que, no próximo futuro, naquilo que eu designo como a “2. ª ruralidade”, a novidade mais importante será a emergência de uma grande variedade de redes e plataformas tecnológicas e sociais. Na 2. ª ruralidade teremos de resolver os problemas da agricultura de precisão, da silvicultura preventiva, do urbanismo reticular das pequenas cidades do interior, da economia rural dos parques e reservas naturais, da biodiversidade local e serviços ecossistémicos, da economia de recreação e visitação das amenidades e paisagens rurais, dos serviços itinerantes às populações perdidas do interior, etc. Na 2. ª ruralidade, “os neorurais vindouros” terão aí um papel fundamental e tornarão o campo quase irreconhecível tal como o conhecemos hoje. A agricultura acompanhada pela comunidade (AAC) e a gestão comunitária e agrupada de aldeias e vilas serão uma realidade, a economia da partilha e as boas práticas da economia circular serão, igualmente, uma realidade face aos recursos ociosos, sub-empregados e esquecidos; finalmente, a patrimonialização dos recursos arqueológicos e históricos e a sua moderada turistificação serão, também, uma realidade. Não será o melhor dos mundos, mas será seguramente um mundo melhor. O autor escreve segundo as normas do novo Acordo Ortográfico
REFERÊNCIAS:
Palavras-chave humanos campo ataque comunidade
2019 é o ano de Leonardo da Vinci e em Florença já se vê a água como ele a via
O 500.º aniversário da morte deste mestre do Renascimento começa a ser assinalado com exposição rara do Códice Leicester nos Uffizi. “O verdadeiro Leonardo da Vinci está nos códices e não na sua pintura”, diz, provocador, o seu comissário. (...)

2019 é o ano de Leonardo da Vinci e em Florença já se vê a água como ele a via
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 | Sentimento 0.0
DATA: 2018-11-16 | Jornal Público
SUMÁRIO: O 500.º aniversário da morte deste mestre do Renascimento começa a ser assinalado com exposição rara do Códice Leicester nos Uffizi. “O verdadeiro Leonardo da Vinci está nos códices e não na sua pintura”, diz, provocador, o seu comissário.
TEXTO: Cinquenta mil pessoas já viram a exposição que voltou a mostrar ao mundo uma das jóias de Leonardo da Vinci. Não se trata de uma pintura, nem sequer de um desenho. Os Uffizi, a galeria florentina que guarda uma das melhores pinacotecas do mundo e várias obras deste mestre indiscutível do Renascimento, tem desde o início do mês nas suas salas o Códice Leicester, mostrado pela primeira vez em 36 anos na cidade onde o pintor e cientista italiano redigiu estas importantes reflexões sobre a água. Não sem uma boa dose de provocação, o especialista Paolo Galluzzi, comissário desta exposição que inaugura o que serão as férteis comemorações dos 500 anos da morte de Leonardo em 2019, põe tudo em perspectiva: “O verdadeiro Leonardo está nos códices que deixou e não na sua pintura. ”Até 20 de Janeiro de 2019, A Água Como Microscópio da Natureza: O Códice Leicester de Leonardo da Vinci está nos Uffizi para mostrar um manuscrito raramente visto em público. A sua presença é fruto de uma negociação de quase três anos com Bill Gates, que o comprou em 1994 por 27, 1 milhões de euros, soma que, durante décadas, fez dele o livro e manuscrito mais caro de sempre. A obra chegou agora a Florença e ao museu que tem uma das mais importantes colecções de obras do Renascimento para mostrar um lado menos conhecido de um dos mais conhecidos artistas de sempre e para lembrar como vai ser difícil ter exposições monumentais e absolutas para este 500. º aniversário. “O Códice Leicester é produto de Leonardo como artista maduro e extremamente sofisticado, sendo um observador preciso da natureza, um engenheiro capaz de abordar projectos audaciosos e um intérprete dos fenómenos mais significativos, tanto no microcosmos quanto no macrocosmos”, disse em comunicado Paolo Galluzzi, director do Museu Galileu de Florença e curador da exposição. O manuscrito de 72 páginas — um caderno com observações científicas do artista redigido entre 1504 e 1508, em Florença e Milão — versa sobre a água e o seu movimento. Leonardo, que quando escreveu o Códice teria 55 anos, passava grande parte do seu tempo a observar o Arno, o rio que atravessa Florença, e a escrever e a desenhar diagramas. Tem o nome que tem porque durante mais de 250 anos os seus proprietários foram os condes de Leicester — Thomas Coke comprou-o em 1719 e receberia depois o título nobiliárquico. Este códice, tal como outros escritos de Leonardo, está redigido da direita para a esquerda e de maneira a que só seja possível lê-lo usando um espelho. Fala das inundações descritas na Bíblia, dos fósseis como provas de vida pré-histórica ou em instruções para criar diques e barragens em rios. Contém também notas para si mesmo que antecipam a invenção de importantes instrumentos científicos: “Fazer lentes para ver a lua maior”, escreve, isto um século antes da criação do telescópio. A exposição enriquece-se com o Codescope, patrocinado pelos milionários tornados filantropos Bill e Melinda Gates, que permite uma experiência interactiva com o Códice Leicester e ver animações digitais dos seus desenhos ou ter acesso às suas traduções em italiano e inglês. Na investigação para a exposição, escreve o Wall Street Journal, foram recuperadas 70 placas fotográficas que datam do final do século XIX e do início do século XX e que revelam pedaços do texto já consumidos pelo tempo. Está ainda acompanhado por algumas páginas de outros códices do mestre, todas por empréstimo — Código Atlanticus, Código Arundel e Código sobre o Voo dos Pássaros. É uma exposição que “oferece ao visitante o prazer de se perder na mente de um génio”, segundo o New York Times, e que mostra, disse Paolo Galluzzi ao diário espanhol El País, o momento em que “se converteu num humanista”. Trata-se do “mais notável dos manuscritos científicos [de Leonardo]” e contém ideias “radicais, inquietantes”, escreve no catálogo da exposição Martin Kemp, autor de Living with Leonardo e um dos maiores especialistas mundiais na sua obra. “Há uma hierarquia de conhecimento que o torna muito famoso pela sua obra gráfica. Para mim, o verdadeiro Leonardo está nos códices que deixou e não na sua pintura. Faz todo o sentido que este ano se expliquem estes tesouros quase ilegíveis”, disse ainda Galluzzi. Leonardo da Vinci morreu a 2 de Maio de 1519 e, sendo um dos nomes centrais da História da Arte e do pensamento, motor do Renascimento, não tem assim tantas obras plásticas unanimemente reconhecidas como suas. Tal faz com que a tentativa de programar exposições para assinalar a data incontornável dos 500 anos da sua morte tenha sido tanto uma corrida ao empréstimo, quanto um desafio de conservação para museus e outras instituições. “Seria impossível e errado” fazer uma exposição com base em empréstimos de obras, disse Eike Schmidt, director dos Uffizi, ao Art Newspaper na apresentação à imprensa de A Água Como Microscópio da Natureza. “Não podemos ser eticamente responsáveis por um acto que ponha em risco obras únicas que têm de ser salvaguardadas para gerações futuras”, diz sobre a sensível preservação das três pinturas que o museu tem no seu acervo, por exemplo, e que moram agora numa galeria renovada, com um sofisticado sistema de climatização. Inquilinas dessa nova sala, Baptismo de Cristo, Anunciação e Adoração dos Magos podem ser vistas também, contextualizou Eike Schmidt ao New York Times, como exemplos do pensamento científico do mestre. “Leonardo não podia ter pintado como pintou sem a sua observação científica da natureza. ” Estas pinturas estão agora bem perto de A Água Como Microscópio da Natureza para contemplação conjunta. Apesar de tudo, nos próximos meses haverá alguma circulação, ainda que controlada, de Leonardos para várias exposições que assinalam os 500 anos da morte do génio. Leonardo da Vinci será organizada pelo Louvre, em Paris, entre 24 de Outubro de 2019 e 24 de Fevereiro de 2020, com as principais obras de Leonardo do museu francês — Mona Lisa, A Virgem dos Rochedos, A Virgem e o Menino e Santa Ana — e talvez, estima o Art Newspaper, Salvator Mundi, que se juntou ao rol de pinturas que se crê serem de Leonardo mas cuja autoria está ainda em discussão. Depois de extensamente restaurada, Salvator Mundi foi comprada em 2017 pelo príncipe Bin Salman, da Arábia Saudita, por 396 milhões de euros para depósito no Louvre de Abu Dhabi, mas ainda não foi exposta, o que tem dado força aos que põem em causa à atribuição ao mestre florentino. Em Londres haverá Leonardo da Vinci: A Life in Drawing, com mais de 200 desenhos da Royal Collection a preencher a Queen’s Gallery do Palácio de Buckingham entre 24 de Maio e 13 de Outubro do próximo ano. Antes disso, a mesma exposição vai estar em itinerância por 12 cidades britânicas, entre 1 de Fevereiro e 6 de Maio de 2019. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Em Itália, no Castelo Sforza, em Milão, a sala decorada por Leonardo em 1498 em honra do seu mecenas, o duque Ludovico, vai ser reaberta a 2 de Maio depois de ter sido restaurada. Esta reabertura será acompanhada de duas exposições, uma de desenhos para a Sala delle Asse e outra sobre a Milão de Leonardo. Também nesta cidade estão já expostos Dez Desenhos d’A Última Ceia, no Museo del Cenacolo Vinciano. No Museu Leonardino de Vinci, onde nasceu, estará uma mostra que o associa à geografia da cidade e que inclui o seu desenho mais antigo das montanhas de Montalbano, emprestado pelos Uffizi. Florença recebe ainda uma mostra no Museu Galileu sobre Leonardo e seus Livros. Nos próximos dias devem ser anunciados mais detalhes sobre o amplo programa de comemorações em Itália.
REFERÊNCIAS:
Palavras-chave morte
Em Santa Catarina, Lisboa enfrenta os seus monstros
Turismo massificado e repentino, vida nocturna vibrante, mercado imobiliário a ferver. Em Santa Catarina (e não só), a cidade é posta à prova. Como reage? (...)

Em Santa Catarina, Lisboa enfrenta os seus monstros
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 | Sentimento 0.0
DATA: 2019-07-10 | Jornal Público
SUMÁRIO: Turismo massificado e repentino, vida nocturna vibrante, mercado imobiliário a ferver. Em Santa Catarina (e não só), a cidade é posta à prova. Como reage?
TEXTO: Numa quarta-feira de Outubro, ao cair da noite, duas faces da mesma cidade chocaram de frente junto ao Miradouro de Santa Catarina. Como tem acontecido todas as semanas, um grupo de pessoas protestava perto da vedação provisória ali colocada pela câmara municipal, pedindo que ela desapareça. Outro grupo, este de moradores da zona, estava lá para defender exactamente o oposto. Ambos se manifestavam pela mesma coisa: o direito à cidade. Quem é contra a vedação e a imposição de horários no miradouro diz que esta é uma forma de roubarem parte da cidade aos cidadãos. Os moradores, os que não se foram embora, argumentam que a cidade já lhes foi roubada. Gerou-se um animado debate. “Eu venho aqui desde miúdo, venho todos os dias, e nunca vi ninguém ser assaltado. Nunca vi aqui nada de realmente grave”, dizia um homem. “Aqui tudo se agrava. Não é ano a ano, nem mês a mês, é dia a dia. É a bandalheira completa”, contrapunha outro. No fim de Julho, para surpresa de muita gente, a câmara de Lisboa anunciou que ia fazer obras no miradouro, também conhecido por Adamastor, para recuperar o espaço verde e o espaço público, melhorar a higiene urbana e a segurança. Anunciou igualmente que o local passaria a ter uma vedação e horários de abertura e fecho, com o objectivo, segundo o vice-presidente Duarte Cordeiro, de “estabelecer momentos de descanso” para o miradouro. Logo no dia seguinte ao anúncio foi montado o gradeamento verde que agora lá está. Pouco depois era colocada uma sarapilheira em toda a volta, que impede a fruição de vistas. Entretanto, por pressão política de toda a oposição, o executivo parou todo o processo e disse que ia promover um debate público sobre o tema. “Este assunto apareceu como um cavalo de Tróia. É um exemplo flagrante de gentrificação: as pessoas são postas fora de suas casas e depois fora da cidade”, comenta Manuel Pessôa-Lopes, curador artístico e um dos impulsionadores do movimento “Make Adamastor Public Again”, que entretanto mudou de nome para “Libertem o Adamastor!” e conseguiu reunir mais de 4000 assinaturas numa petição. “Vamos levar uma petição à Assembleia Municipal de Lisboa que já tinha as assinaturas necessárias para ir à Assembleia da República”, brinca. Para ele e para os peticionários, “não é o vedar que resolve” os problemas de Santa Catarina, que não se confinam ao miradouro. Neste como noutros pontos, a associação de moradores A Voz do Bairro concorda. “Todos os dias lidamos com situações muito graves, que põem em causa a vida das pessoas, e ninguém quer saber. Estamos abandonados”, desabafa Sérgio Sanbento, que vive numa rua onde já só há oito residentes permanentes. As restantes casas são alojamento local. É frequente ouvir os moradores do centro histórico queixarem-se de que foram deixados à sua sorte perante os fenómenos que põem Lisboa à prova: o turismo massificado e repentino, a vida nocturna vibrante, um mercado imobiliário a ferver. Em Santa Catarina, como no Bairro Alto, como no Cais do Sodré, a habitação, a higiene urbana, o ruído e a segurança tornaram-se questões políticas de primeira grandeza. “Se os moradores são cada vez menos, a marginalidade ganha espaço”, concorda Manuel Pessôa-Lopes. “Mas a câmara serve-se dos problemas que existem e não resolve. O problema não está aqui. O deixar arrastar, o não resolver, serve como desculpa. ”O Adamastor já há muito que não é o sítio romântico onde Chico declarou o seu amor a Tatão (n’O Pai Tirano, 1941), até porque as obras de 2013 lhe alteraram significativamente a fisionomia. “Foi-nos imposto um equipamento, projectado da forma como está, para receber mais gente. A procura começou a crescer aí. Não temos capacidade para receber esta quantidade de pessoas. Criámos ali um rooftop dos pobres”, critica Nuno Santos, da associação A Voz do Bairro, que lançou duas petições. Uma defende “um gradeamento e horários de funcionamento” no miradouro e tem cerca de 300 assinaturas. A outra, com quase mil, pede a resolução de problemas em toda a freguesia da Misericórdia, que precisamente abarca os três bairros mencionados acima. “Em Fevereiro dei-me ao trabalho de contar e daqui da esquina [entre a Calçada do Combro e a Rua Marechal Saldanha] até ao Adamastor eram 48 traficantes de droga”, conta Sérgio Sanbento. O assédio a quem passa, relata este morador, é uma constante. “Metem-se com as pessoas, atacam as pessoas. Na última assembleia de freguesia foi lá um senhor contar que disse ‘não’ a dois dealers e foi agredido à porta de casa”, relata Nuno Santos. “Na nossa rua pegaram fogo a um carro. Já vi pessoas a fazer sexo, nuas, no meio da rua às duas da manhã”, afirma Catarina Teixeira, outra moradora. Discute-se, por isso, muito mais do que uma vedação. “Isso não é nada, é um começo. Acreditamos que é um bom começo para regrar o local, porque o local precisa de ser regrado”, defende Nuno Santos, que afirma também que, naquela zona, o número de traficantes de droga e o barulho diminuíram nas últimas semanas, depois de colocado o gradeamento provisório. A junta de freguesia diz o mesmo. “Recentemente tem-se sentido, e através de relatos de moradores, uma vaga de abordagens mais violentas por parte dos vendedores de droga no local, nomeadamente quando os transeuntes negam essa abordagem. Não possuímos dados relativos ao aumento ou diminuição deste tipo de situações desde que a vedação foi colocada, no entanto, visitando o local, pode verificar-se que a presença destas pessoas é bastante menor. ”Junta de freguesia, moradores e opositores à vedação coincidem em várias considerações, sobretudo nestas: o bairro é mal iluminado e tem pouco policiamento. “O problema de segurança aqui sempre existiu. Eu trabalhei num projecto, em 2006, em que se trabalharam precisamente soluções para o problema”, diz Manuel Pessôa-Lopes, que associa esta decisão da câmara à recente abertura de um hotel de cinco estrelas perto do miradouro (uma acusação que Fernando Medina rejeita). “Não é vedar que resolve nada. O que resolve é policiamento, vigilância, programas de intervenção e habitantes. O primeiro instinto das pessoas é ‘Vedando, isto fica bom’. No Jardim de Santos havia má frequência à noite, agora não há porque puseram grades, mas há nas ruas à volta. ”Pessôa-Lopes diz que não se pode comparar Santa Catarina a locais como o Jardim da Estrela ou mesmo o Jardim de Santos, pois esses “têm um acervo botânico que justifica o seu descanso”. E dá o exemplo do Jardim e Miradouro do Torel, “que está vedado e não é por isso que está mais cuidado”. Além disso, argumenta: “Os namorados que quiserem vir aqui às três da manhã têm todo o direito. Quem quiser ver o sol nascer, porque não pode vir?”“O miradouro é um espaço a fechar à noite. Fechar mesmo. Eu presenciei pessoas a fazer fogueiras às cinco da manhã, a atirarem achas para a rua de baixo. Há tambores à meia-noite, à uma, às duas, três da manhã. Tenho vizinhos que já saíram à rua para dar um robe a miúdas que foram violadas e estão com as roupas todas rasgadas. Há aqui agressões diariamente, às vezes mais do que uma por dia. O fecho do miradouro suaviza a situação. Mas não a resolve”, descreve Sérgio Sanbento. Além de querer videovigilância no bairro, a junta da Misericórdia defende “a proibição de venda de álcool para a via pública” e “a criação de uma plataforma à semelhança do Portal Na Minha Rua, na qual os munícipes possam dar os seus contributos e denunciar situações de risco sem terem de ser identificados pelas autoridades”. A câmara de Lisboa está a estudar as propostas. Para o urbanista João Seixas, “a cidade é, por natureza, um palco e um resultado de visões e interesses distintos”, mas o Miradouro de Santa Catarina “é particularmente sensível, porque é um lugar com forte marca identitária, simbolismo e centralidade”. Ou seja, “o que se fizer deve ser feito com pinças”, defende, revelando ser contra a vedação e a imposição de horários. “Os espaços públicos devem ser de coexistência, ter diferentes usos e visões. É muito redutor que um espaço público fique muito especializado”, diz. E isso, acrescenta, é válido tanto para uma utilização mais informal, como acontecia até há pouco, como para uma putativa ‘privatização’ por via da mudança dos donos do quiosque que ali existe. “A cidade terá sempre espaços de maior transgressão”, mas isso “nunca deve ser argumento para uma diminuição do direito ao espaço público”, afirma João Seixas, alertando que o que se passar em Santa Catarina será “uma mensagem para toda a cidade”. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Uma mensagem de respeito, ainda que tardio, pelos moradores, na visão destes; uma porta aberta ao encerramento de outros sítios da cidade, na visão do grupo “Libertem o Adamastor”. E se ambos tiverem razão?“Se há um momento para demonstrar uma actuação urbana democrática e responsável, este é um bom exemplo”, diz ainda João Seixas. “Isto ia a bom porto se a câmara e a junta debatessem com as pessoas. Têm essa responsabilidade e outra, que é a de defender o espaço público”, afirma o urbanista. Seixas propõe uma “monitorização mais atenta” do bairro através do policiamento e, por exemplo, uma co-responsabilização das várias partes – e se moradores, frequentadores, autoridades e turistas fossem todos chamados a cuidar daquele espaço? “O caminho tem de ser este, nunca pode ser o de bloquear o acesso. ”A 7 de Novembro, a câmara reúne-se para ouvir a população das freguesias de Santa Maria Maior, Santo António e Misericórdia. O assunto Santa Catarina vai certamente entrar no debate.
REFERÊNCIAS:
Antárctida perdeu três biliões de toneladas de gelo desde 1992
Num estudo na revista Nature, mais de 80 cientistas alertam que, nos últimos 25 anos, a perda de gelo na Antárctida contribuiu para uma subida do nível médio do mar de 7,6 milímetros. (...)

Antárctida perdeu três biliões de toneladas de gelo desde 1992
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 | Sentimento 0.0
DATA: 2018-08-06 | Jornal Público
SUMÁRIO: Num estudo na revista Nature, mais de 80 cientistas alertam que, nos últimos 25 anos, a perda de gelo na Antárctida contribuiu para uma subida do nível médio do mar de 7,6 milímetros.
TEXTO: Se quisermos perceber o efeito das alterações climáticas no planeta, a camada de gelo na Antárctida é um indicador crucial. Esta quinta-feira num artigo científico na revista Nature surgem novos números sobre esse indicador: a Antárctida perdeu cerca de três biliões de toneladas de gelo entre 1992 e 2017, o que corresponde a uma subida do nível médio do mar de cerca de oito milímetros. Além disso, esta edição da Nature traz mais quatro artigos que exploram diferentes aspectos do passado, do presente e do futuro desta região. Num deles, uma equipa de cientistas – na qual participa o português José Xavier – traça dois cenários (um mais pessimista e outro mais optimista) para o continente e oceano Antárctico em 2070. Por que é que a Antárctida é um bom indicador para o estudo das alterações climáticas e da subida do nível do mar? A resposta surge logo no início do artigo sobre a perda de gelo: “As camadas de gelo da Antárctida têm água suficiente para aumentar o nível global do mar em 58 metros. ” Por isso, compreender o balanço da massa de gelo – o saldo líquido de ganhos e perdas – é fundamental para estimar as mudanças nessa região. Só desde 1989, já se fizeram mais de 150 análises às perdas da massa de gelo no continente. Agora, a equipa do projecto Exercício de Intercomparação do Balanço da Massa da Camada de Gelo (IMBIE) – que contou com 84 cientistas de 44 instituições – analisou 24 estimativas da camada de gelo baseadas em observações de satélite entre 1992 e 2017. Depois, combinou esses dados com modelações do balanço da massa de gelo superficial. Na Antárctida Ocidental (que ocupa cerca de 1, 8 milhões de quilómetros quadrados) registou-se a maior perda de gelo. Se nos anos 90 o gelo diminuía 53 mil milhões de toneladas por ano, desde 2012 perderam-se 159 mil milhões. “A maioria [das perdas] surge na enorme ilha de Pine e no glaciar de Thwaites, que estão rapidamente a recuar devido ao degelo”, lê-se num comunicado da Universidade de Leeds (Reino Unido). Na Península da Antárctida (que se estende por cerca de 228 mil quilómetros quadrados), o maior responsável pela redução de gelo foi o colapso de plataformas de gelo, o que levou a um aumento de sete mil milhões para 33 mil milhões de toneladas de gelo perdidas por ano entre 1992 e 2017. Quanto à Antárctida Oriental, que é muito grande, com cerca de 9, 9 milhões de quilómetros quadrados, os resultados são mais “incertos” e praticamente “indistinguíveis de zero”, segundo um resumo sobre o trabalho, e até ganhou cerca de cinco mil milhões de toneladas de gelo por ano. No total, a Antárctida perdeu cerca de três biliões de toneladas de gelo desde 1992. “É a medição mais fiável da subida do nível do mar devido à perda de gelo na Antárctida – um aumento de 7, 6 milímetros desde 1992”, frisa Andrew Shepherd, da Universidade de Leeds e um dos cientistas que liderou o estudo. Mas há um aspecto ainda mais preocupante: “Podemos dizer com confiança que a perda de gelo triplicou desde 2012. ” Antes de 2012, a perda era de 76 mil milhões de toneladas por ano, ou seja, o nível do mar aumentou 0, 2 milímetros por ano. Já entre 2012 e 2017 houve uma diminuição de 219 mil milhões de toneladas de gelo por ano, havendo assim uma subida no nível do mar de 0, 6 milímetros por ano. “O aumento [da perda de gelo] deve-se ao degelo e ao colapso das plataformas de gelo ”, diz Andrew Shepherd. “Se o oceano arrefecer e as plataformas de gelo voltarem a aumentar, então o degelo poderá desacelerar. Mas é preciso que o oceano arrefeça, e isso poderá não acontecer imediatamente. ”Questionado se Portugal será um dos países mais afectados por estas perdas de gelo, Andrew Shepherd responde que é difícil dizer quais serão os mais prejudicados. A equipa frisa ainda que as análises ao balanço da massa de gelo poderão ser melhoradas, nomeadamente através de reavaliações dos levantamentos de satélites nos anos 90. Mas esta edição da Nature não se resume aos resultados deste estudo. Em três artigos de revisão, diferentes equipas de cientistas percorrem a história do clima do planeta e da Antárctida através dos seus núcleos de gelo, analisam a influência global das dinâmicas locais do oceano Antárctico e constatam como as observações por satélite transformaram a nossa visão sobre a criosfera na Antárctida. Por fim, há um artigo que nos deixa outro alerta: se não tomarmos as decisões certas na próxima década para preservar a Antárctida, as consequências serão sentidas em todo o mundo. Para mostrar como o futuro pode ser diferente consoante as nossas acções, uma equipa de cientistas, que inclui o biólogo José Xavier, da Universidade de Coimbra e do British Antarctic Survey (Reino Unido), traçou dois cenários opostos (e extremos, mas plausíveis) desta região em 2070. Esses cenários foram baseados em modelos do Painel Intergovernamental para as Alterações Climáticas da ONU. Vejamos o cenário mais gravoso (RCP8. 5). Chegámos a 2070 e, nos últimos 50 anos, as emissões de gases com efeito de estufa não pararam de aumentar, houve falta de acção para as diminuir, a população mundial chegou aos dez mil milhões e há mais de um milhão de turistas por ano na Antárctida. “Neste cenário, as temperaturas em 2070 poderão ser mais 3, 5 graus Celsius do que o observado no século XIX, bem superior ao discutido no Acordo de Paris”, diz José Xavier, que já esteve em nove expedições na Antárctida desde 1999. “As consequências serão enormes, por exemplo, com a contribuição da Antárctida para o aumento do nível do mar em mais 25 centímetros, o processo de acidificação dos oceanos mais evidente e um aumento significativo da exploração dos seus recursos, como as pescas. ”O biólogo vê com grande preocupação a governação da Antárctida, que, neste cenário, passou a ser focada na exploração dos recursos, em vez da sua conservação. “Mais, assim que estes processos físicos e biológicos se iniciem a larga escala (exemplo do degelo e consequente aumento do nível do mar), a tendência será para aumentar e poderão ser irreversíveis. ”Entremos num cenário mais optimista (RCP 2. 6) em 2070. A cooperação internacional e medidas eficazes fizeram reduzir as emissões de gases com efeito de estufa, a perda de gelo na Antárctida abrandou e houve uma gestão equilibrada da presença humana lá. “É de realçar que todos os factores preocupantes salientados no artigo (exemplo do aumento no nível do mar, aquecimento global, degelo e acidificação do oceano) são apenas atenuados e reduzidos (e não necessariamente invertidos)”, frisa José Xavier. “No entanto, a boa gestão dos recursos (por exemplo, junto da Comissão para a Conservação de Recursos Marinhos Vivos da Antárctida) poderá ser fundamental para tentar suster estas mudanças. ”Quanto ao trabalho de investigação, José Xavier e a sua equipa da Universidade de Coimbra têm estudado como é que animais da Antárctida – pinguins, focas ou albatrozes – se adaptarão às alterações climáticas, assim como o que poderá aprender-se com eles sobre o que acontecerá noutras partes do planeta. Como sobreviverão num cenário mais gravoso? “Através dos nossos estudos científicos e ligações a políticas da Antárctida, evidenciámos que os ecossistemas marinhos se alterarão bastante em predadores de topo com o declínio de populações de pinguins. O mesmo poderá acontecer a algumas espécies de albatrozes, que até tentam mudar de dieta, mas sem sucesso, e irão exibir problemas de sobrevivência num contexto de emissões altas”, indica o biólogo. “O mesmo irá acontecer no cenário de baixas emissões, mas os efeitos serão atenuados. ”Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. E quanto ao Tratado da Antárctida, que determinou que o continente só deverá ser usado para fins pacíficos e científicos até 2041? “No cenário das emissões altas, estima-se que haverá pressões para que se possa explorar os recursos mineiros”, aponta José Xavier, chefe da delegação de Portugal nas reuniões do tratado, que o país ratificou em 2010. E acrescenta que, embora haja mais países interessados em explorar os recursos da Antárctida, o protocolo ambiental do tratado prevalecerá. Já no cenário mais optimista, o biólogo diz que se prevê uma melhor relação entre o tratado e as Nações Unidas nas questões dos programas ambientais. “As decisões tomadas na próxima década irão determinar qual destes cenários irá ocorrer, pois as emissões terão de começar a decrescer para realisticamente seguirmos o cenário de baixas emissões”, considera o biólogo. “No caso particular da Antárctida, é necessário compreender que as mudanças lá vão ter consequências no resto do planeta (como o nível do mar) e só com fortes colaborações internacionais e interdisciplinares e com fortes provas científicas será possível estabelecer políticas para uma gestão satisfatória da região Antárctida e ajudar a gerir o resto do planeta. ” Ainda vamos a tempo de salvar este continente longínquo.
REFERÊNCIAS:
Entidades ONU
Éolo, o guardião dos ventos, está pronto para ir para o espaço
O lançamento do satélite Éolo está marcado para 21 de Agosto na Guiana Francesa. Depois de mais de dez anos de espera, ficará no espaço durante três anos a recolher informações dos ventos de todo o planeta. (...)

Éolo, o guardião dos ventos, está pronto para ir para o espaço
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 | Sentimento 0.2
DATA: 2018-08-06 | Jornal Público
SUMÁRIO: O lançamento do satélite Éolo está marcado para 21 de Agosto na Guiana Francesa. Depois de mais de dez anos de espera, ficará no espaço durante três anos a recolher informações dos ventos de todo o planeta.
TEXTO: Vestimos as batas brancas, colocamos uma touca na cabeça, protecções nos pés e o telemóvel no modo de voo. Estamos numa das instalações da Airbus Defence and Space, em Toulouse (França), e a nossa missão é encontrar o Éolo (Aeolus, em inglês), o primeiro satélite que observará o perfil dos ventos à escala global. Pelo caminho, vemos o desenvolvimento de outros projectos. “Nada de fotos”, indicam-nos alguns dos funcionários. As fotografias só são permitidas quando chegamos à sala limpa onde está o Éolo – da Agência Espacial Europeia (ESA) –, que já está (praticamente) preparado para viajar para o espaço a 21 de Agosto. Deparamo-nos com um satélite de quatro metros de comprimento, com painéis solares de lado e um telescópio na frente revestido com material dourado. Mesmo ao lado, sorridente e emocionado, está Anders Elfving, o coordenador do projecto. “Uau!”, é a sua reacção quando lhe perguntamos o que sente ao observar o Éolo e que, na mitologia grega, é o “guardião dos ventos”. “É o nosso Sol!” A sua reacção de veneração deve-se, sobretudo, ao tempo que o projecto demorou a ficar pronto. Tudo começou em 1999 (com a aprovação da missão pela ESA) e a primeira data de lançamento estava prevista para 2007. Houve atrasos e erros de percurso e o projecto – que já vai em 481 milhões de euros (sem o custo de operação) – foi-se prolongando. Anders Elfving juntou-se à equipa do Éolo há oito anos e revela que, quando assumiu a responsabilidade do projecto, encontrou uma equipa desmotivada. “Trabalhava há muito tempo e não via resultados. Então, renovámos a equipa que trouxe ideias novas. ”É a observar o satélite que Anders Elfving relata entusiasticamente o que o estimulou. “Trabalhar para o espaço já é por si especial. Já trabalho há 17 anos com instrumentos científicos que investigam o Universo, a sua origem e para onde vamos. ” Quando se juntou à equipa de observação da Terra da ESA, viu logo que seria interessante: “Achei tão bonito investigar o ambiente. O que é que está a acontecer na atmosfera? E à nossa Terra? Esta missão irá contar-nos muita coisa sobre a nossa atmosfera e será crucial para a humanidade. ”Com 1450 quilos, o Éolo ficará a 320 quilómetros de altitude, viajará a 27 mil quilómetros por hora e completará cerca de 16 órbitas por dia. Nos próximos três anos, monitorizará os ventos a nível global, medindo a sua velocidade e direcção em diferentes alturas. Será a primeira missão a medir a velocidade dos ventos em todo o planeta. Em frente ao satélite, entre outros responsáveis e cientistas, está Wolfgang Lengert, coordenador da missão. Também ele nos conta as dificuldades do projecto nos últimos anos e frisa como foi complicado preparar o instrumento científico que o Éolo levará consigo, o Aladin (Atmospheric Laser Doppler Instrument). “Não é visível. ” E aponta: “Está por trás do painel solar e à frente do telescópio que irá emitir um laser. ”O Aladin é um instrumento que tem uma tecnologia de detecção e localização que funciona através de ondas de luz e se designa por Lidar (Light Detection And Ranging). Usa ainda o efeito Doppler para determinar a velocidade do vento em diferentes alturas. Quando estiver no espaço, o Aladin emitirá um laser de luz ultravioleta para a Terra através da atmosfera. Depois, recolherá essa luz reflectida de volta para o telescópio de 1, 5 metros de diâmetro. “É este laser ultravioleta que faz o Éolo tão especial”, destaca Wolfgang Lengert. Pela primeira vez, um instrumento Lidar estará no espaço. Wolfgang Lengert explica que o Éolo será um complemento dos sistemas meteorológicos que já existem em terra e no espaço e mostra-se entusiasmado com os futuros dados recolhidos pelo satélite. Afinal, trabalha na ESA em Itália, onde os dados serão processados e distribuídos (que passarão antes por outras estações da ESA). Para que servirão? Para melhorar a qualidade das previsões meteorológicas e da qualidade do ar, para compreendermos melhor o papel do vento na temperatura e no clima ou ainda para o estudo das alterações climáticas, do transporte transfronteiriço de poluentes ou de cinzas vulcânicas. Também medirá o vento em zonas menos observadas como os trópicos, os oceanos ou as áreas polares. Espera-se ainda que dê uma ajuda à produção de energia eólica, à protecção de culturas, pescas e ao planeamento de construções. “O problema da meteorologia é que só cobre uma certa área e o Éolo cobre todo o planeta. Logo, podemos ver o caminho de uma tempestade [ou de um ciclone] e de onde vem. Veremos a origem e as circunstâncias em que o vento foi fornecido”, explica Wolfgang Lengert, adiantando que, no futuro, os dados serão disponibilizados para os cientistas e para quem estiver interessado. Durante a missão, prevê-se que sejam feitos cerca de 64 mil perfis de ventos por dia e um processamento e distribuição dos dados para os utilizadores de três em três horas. Espera-se que os dados estejam disponíveis entre o final de Janeiro e Fevereiro do próximo ano. “[A meteorologia] é uma área muito próxima das pessoas. Até na rua, sem se conhecerem, falam no tempo. Agora ficarão com mais para falar ainda”, diz Anders Elfving a rir. Assim que lhe perguntamos se houve cientistas portugueses envolvidos no projecto, diz-nos de imediato e em bom português um nome: “Suzana da Mota Silva. ” A cientista da ESA dá apoio técnico do ponto de vista da qualidade ao Éolo e ao satélite MetOp-C (que será lançado a 20 de Setembro de 2018 na Guiana Francesa). A portuguesa juntou-se ao projecto em Janeiro de 2016 e faz parte da equipa de engenheiros que planeia e executa actividades e processos que garantem o sucesso da missão. “Do ponto de vista tecnológico, é um projecto extremamente interessante”, conta-nos a investigadora por email. “Foi intenso e gratificante ao mesmo tempo!” E até destaca: “O Éolo vai permitir medir o perfil vertical de ventos em torno do globo, que é actualmente uma das grandes incógnitas nesses modelos [meteorológicos]. ”Mas também relata alguns obstáculos: “A maior dificuldade esteve relacionada com toda a tecnologia associada ao desenvolvimento e teste do laser usado para medir a velocidade do vento e, sobretudo, ao seu funcionamento em vácuo (ambiente no espaço) devido à contaminação das superfícies ópticas pela vaporização dos materiais induzida pelo laser. ”Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Além de Suzana da Mota Silva, há outras participações portuguesas. Os magnetómetros usados para navegação do satélite foram desenvolvidos pela empresa portuguesa Lusospace. Já a empresa Omnidea produziu e testou as válvulas que asseguram a limpeza da componente óptica do Aladin, o principal instrumento do satélite, adiantou à Lusa o seu director-geral, Nuno Fernandes. E Wolfgang Lengert acrescenta mesmo que o satélite é de todos os portugueses. Afinal, Portugal é um dos membros da ESA. Na sala limpa, ao lado do satélite, há um contentor branco. É onde o Éolo será transportado na próxima semana para Kourou, na Guiana Francesa. Vai atravessar o Atlântico na embarcação da Airbus Ciudad de Cadiz. Como é um instrumento sensível, podia danificar-se devido à diminuição da pressão se fosse num avião. Quanto à sua viagem para o espaço a bordo de um foguetão Vega, em Agosto, Anders Elfving estará, de certeza, a ver partir este guardião dos ventos. O PÚBLICO viajou a convite da Agência Espacial Europeia
REFERÊNCIAS:
Palavras-chave ajuda estudo
A dor da gente não sai no jornal
Nenhum jornal português deu a notícia ou, pelo menos, nenhum alerta me chegou ao telemóvel como no caso de Bourdain. Ao ouvir a história de Jordi fiquei com um enorme nó na garganta. (...)

A dor da gente não sai no jornal
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 | Sentimento 0.0
DATA: 2018-11-30 | Jornal Público
SUMÁRIO: Nenhum jornal português deu a notícia ou, pelo menos, nenhum alerta me chegou ao telemóvel como no caso de Bourdain. Ao ouvir a história de Jordi fiquei com um enorme nó na garganta.
TEXTO: Um daqueles sítios de notícias que nos mandam mensagens pelo Google decidiu que numa noite de S. João eu haveria de querer saber que não havia álcool ou drogas no sangue de Anthony Bourdain quando se suicidou. Gostava muito do chef-viajante-jornalista não só pelos programas que fazia, e para lá da inveja positiva do seu ofício, mas também pelo que deixava transparecer da sua personalidade, desapegado, algo intransigente, preocupado, verdadeiro. Por isso, por muito que o admirasse e gostasse dos seus programas e dos seus livros (o esgotado Osso na Garganta foi um dos policiais que mais prazer me deu ler), não fiquei necessariamente com vontade de saber mais sobre a sua morte, para ser honesto nem sequer fiquei muito surpreendido com o suicídio — fartou-se do absurdo da vida, pensei, tentou combatê-lo à sua maneira e perdeu. Não o respeito menos por isso e devolvo-lhe a mesma humanidade que ele tinha quando falava com as pessoas à volta do mundo — os programas dele eram sobre pessoas, a comida era o berloque — e não quero que o tratem como uma estrela e lhe autopsiem a vida, basta o corpo. E do corpo, do corpo de um famoso apresentador que escolheu suicidar-se aos 61 anos, no topo da fama como figura televisiva e aparentemente bem na vida pessoal e profissional, do chef. Não me interessa se tinha vestígios de álcool ou drogas no sangue, nem me interessa se se desentendera com a mulher que amava, nem se o… não me interessa. Uma semana depois de Bourdain se ter enforcado no hotel de cinco estrelas na Alsácia, tocou a campainha de um décimo andar do Edifício 7 de um bairro de Cornellá, Barcelona. Não sei se lhe posso chamar bairro operário, como até meados do século passado, ou se o posso localizar nos “Mares do Sul”, por não saber quantos fãs de Montalbán ainda há, mas sei que Bourdain poderia ter lá ido, fazer um programa. E quando toca a campainha de casa, uma boa parte de nós pensa em coisas boas como a surpresa de uma visita de amigos ou do nosso amor, de um familiar com o jantar e umas fotos antigas, um vizinho que quer falar dos cigarros que andam a deitar pela janela ou do pão que o velhote do 4. º direito atira às pombas. No caso de Jordi, era o banco que tocava à campainha do 10. º, casa 2. ª do edifício 7 do bairro Saint Ildefons. Ninguém o conhecia fora da vizinhança, fazia pela vida como podia desde que perdeu o emprego fixo, e já só andava de bicicleta e com ela percorria os Mares do Sul à procura de um qualquer trabalho, de electricista a… ao que fosse. Há 14 meses que não pagava a renda ao (ai que nome orwellianamente negrobranco) Banco Popular, dono do andar, e eles acabaram por vir, para o despejar. E então Jordi deparou-se com o absurdo, o absurdo de um banco apoiado pelo Estado, pelo Estado que não lhe garante um emprego, o vir despejar com o manu militari que existe para o defender a ele como cidadão, o absurdo de não poder pagar a sua existência, da companheira e do cão, o absurdo de no final do semestre a dona do Banco Santander, que comprou o Popular, poder dizer que recuperou xis milhões de créditos, sem dizer que recuperou a casa 2. ª, do 10. º andar do edifício 7 do bairro Saint Ildefons, em Cornellá. E então, na vertigem de tudo, pensando certamente em nada disto, esqueceu as vertigens e atirou-se. Do 10. º andar daquele bloco, amaldiçoado segundo alguns porque “es el tercero que se suicida tirándose de la ventana. Tercero que yo recuerde”. A reportagem do El Español não conta se tinha álcool no sangue, ou droga. Nenhum jornal português deu a notícia ou, pelo menos, nenhum alerta me chegou ao telemóvel como no caso de Bourdain. Ao ouvir a história de Jordi fiquei (não com um osso como no livro do chef mas) com um enorme nó na garganta.
REFERÊNCIAS:
Na mercearia da Rita cada produto tem uma história
Durante um ano, Rita Santos pesquisou e percorreu o país à procura dos melhores produtos e das pessoas mais apaixonadas pelo que fazem. Agora abriu, em Lisboa, a mercearia Comida Independente com “grandes produtos de pequenos produtores”. (...)

Na mercearia da Rita cada produto tem uma história
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 | Sentimento 0.0
DATA: 2018-05-28 | Jornal Público
SUMÁRIO: Durante um ano, Rita Santos pesquisou e percorreu o país à procura dos melhores produtos e das pessoas mais apaixonadas pelo que fazem. Agora abriu, em Lisboa, a mercearia Comida Independente com “grandes produtos de pequenos produtores”.
TEXTO: Espreitamos o Instagram da Comida Independente, a nova mercearia que abriu em Lisboa há um mês. Numa das fotos surge Rita Santos, a fundadora da loja, com duas queijeiras na Feira do Queijo da Serra da Estrela: “Quem chega a Oliveira do Hospital, venha de onde venha, atravessa muitos quilómetros de terra queimada. Morreram mais de 3000 ovelhas só neste concelho. As que sobreviveram estão a palha e, inevitavelmente, ração. Hoje, […] a Mariana Vaz Patto, da queijaria Dos Lobos, disse-me: ‘É preciso que as pessoas conheçam o impacto que isto teve’. Damos o nosso pequeno contributo. Obrigada Mariana e Patrícia. Força a todos os produtores de Queijo da Serra da Estrela. ”A foto e a respectiva legenda dizem muito do que é o espírito desta loja de toldo azul na Rua Cais do Tojo, perto da Avenida D. Carlos. Aqui cada produto tem uma história e Rita (e Inês e Olavo, que com ela trabalham) conhecem-na e gostam de a contar aos clientes. Até porque, depois de muitos anos a trabalhar em multinacionais, Rita decidiu lançar-se neste projecto por acreditar que fazia falta um espaço como este em Lisboa. Mas antes de abrir portas passou um ano a estudar o que havia no país, a seleccionar os produtos que aqui tem, a perceber o que está por trás de cada um deles. Meteu-se no carro, levando algumas pistas e cada uma delas conduziu a muitas outras. Reaprendeu os ritmos da natureza (contava abrir com muitos cogumelos, mas a seca alterou-lhe os planos), percebeu que há alturas em que só terá tomate de conserva, mas sabe que “quando chegar a época do tomate vai ser uma alegria”. Foi também um exercício de procurar responder a perguntas como “o que é português?” ou “o que é autêntico tem que ser antigo ou uma coisa recente pode também ser autêntica?”. “O critério da escolha tem a ver com serem produtores apaixonados pelo que fazem e preocupados com a sustentabilidade na forma como trabalham”, explica. “Foi assim que chegámos à frase ‘Grandes produtos, pequenos produtores’. Os rótulos existentes pareceram-nos um bocado esgotados. O biológico, por exemplo, se percorrer metade do mundo para cá chegar pode ser saudável para quem o consome, mas tem uma pegada ecológica. ”A próxima prova de vinhos da Comida Independente acontece no dia 19 às 19h30 e tem como tema “Variações sobre oxidação”. Vão ser provados vários vinhos, numa harmonização com queijos. O preço é de 25 euros e as inscrições podem ser feitas em geral@comidaindependente. ptE quem vai à Comida Independente procura exactamente isso, produtos com uma identidade. “Uma das coisas engraçadas deste projecto é que as pessoas querem conversar sobre comida. Essa relação tinha deixado de existir quando se passou a consumir em grandes superfícies, num comércio mais organizado. Mas agora começa a voltar essa vontade de conhecer a origem dos produtos”, garante Rita. Os clientes não só fazem perguntas como, muitas vezes, deixam também sugestões. “Dão-nos dicas, dizem ‘Tem que ter aqui um enchido que é da minha terra’. Nós tomamos nota e agradecemos. ” Colocaram até, na parede, um mapa de Portugal para que todos possam identificar os locais onde existem determinados produtos que gostariam de ver na loja. “Queremos que este seja um projecto participado. ”Percorremos a zona da entrada, o balcão do lado direito com um montra de enchidos e queijos (portugueses e alguns de outros países, mas igualmente de pequenos produtores). Rita detém-se para dar uma explicação: “Fizemos uma espécie de balizas, estabelecendo que 80% dos produtos seriam portugueses, 15% de regiões vizinhas e 5% de outras zonas do mundo. Isso ajuda-nos a manter a coerência mas, ao mesmo tempo, a ter coisas complementares às nossas. ”No caso dos queijos, a impressão com que partiu para as suas explorações pelo país foi a de que “os queijos portugueses eram uma imensa ovelha, com pouca diferença entre si”. Mas descobriu coisas diferentes, teve algumas boas surpresas e percebeu que aprofundando o diálogo com os produtores podia desenvolver um trabalho interessante. “Com o Queijo Serra da Estrela, por exemplo, estamos a pedir para ver cinco momentos diferentes de cura, para que não seja só amanteigado, como o comemos aqui em Lisboa, nem só velho, como eles comem na serra. Achámos importante, depois dos incêndios e percebendo a dificuldade em ter queijo novo, promover essa apreciação de um queijo mais velho. ”Continuamos o nosso percurso, com Rita a apontar para os frigoríficos que ficam do nosso lado esquerdo, mostrando a Marmelada Branca de Odivelas (aproveita para nos explicar o truque de confecção que permite que fique branca), o delicioso Pudim Abade de Priscos de Miguel Oliveira, os iogurtes artesanais vindos de São Brás de Alportel, as manteigas dos Açores, a salicórnia, e, mais à frente, depois dos frescos (o fornecedor é o produtor biológico Vasco Correia, da Moita e os legumes chegam à sexta-feira), o frigorífico da carne, de raça barrosã. Há também pão, vindo da Maçussa, do produtor de queijos Adolfo Henriques. Não é fácil ter raças autóctones portuguesas, como Rita tinha sonhado. “É uma dificuldade enorme encontrar carne em unidades que as pessoas possam facilmente levar para casa. No caso da Carne Barrosã, definimos os cortes já imaginando como a peça pode vir a ser confeccionada. Mas com as outras carnes é difícil, apesar de termos contactado produtores de ovelha churra, do porco malhado de Alcobaça, das cabras serpentinas. Ter aqui um capão de Freamunde, por exemplo, é um desafio. ”No outro corredor da loja, há produtos da Herdade do Freixo do Meio, chocolates da Feitoria do Cacao, bolachas, frutos secos, e uma variedade de outros produtos, além de aventais e algumas louças. No meio, junto à garrafeira, uma grande mesa onde nos sentamos a conversar com Rita, com um copo de vinho branco Ermita, do produtor Mateus Nicolau de Almeida (um trabalho em torno da mesma casta, Rabigato, mas proveniente de diferentes parcelas), e uma tábua de queijos, enchidos e delícias como a papada de porco da marca Feito no Zambujal ou o chouriço azedo de Vinhais. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. É altura de falarmos dos vinhos, que, tal como os queijos, também incluem alguns estrangeiros. No mês de vida da Comida Independente houve já uma prova de vinhos e estão planeadas mais três. “Na primeira, apresentámos cinco vinhos, numa lógica de continentalidade”, explica Rita. “Os vinhos estrangeiros podem fazer sentido aqui em complemento com os portugueses, para mostrar como se relacionam, como é que, por exemplo, de um vinho mais atlântico passamos a um mais continental e, para conseguir essa maior continentalidade, se calhar precisamos de ir até Espanha ou França. ”Telf: 92 540 4510Horário: de terça a domingo das 10h às 20h (encerra às 2ªs)As provas são descontraídas, não há regras. Aqui, as regras vão-se fazendo à medida dos interesses e das descobertas. “O que é bom num negócio destes é que podemos ir criando. ” Afinal, este é uma casa de comida — e de espírito — independente.
REFERÊNCIAS:
O Outro Casal, a outra Helena
Somos todos voyeurs na nova exposição do Museu Arpad Szenes – Vieira da Silva. Nela se vê parte da obra de Helena Almeida, aquela em que o marido, o arquitecto Artur Rosa, aparece. Um casal que, na intimidade, nos faz pensar noutro(s). (...)

O Outro Casal, a outra Helena
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 | Sentimento -0.12
DATA: 2018-08-02 | Jornal Público
SUMÁRIO: Somos todos voyeurs na nova exposição do Museu Arpad Szenes – Vieira da Silva. Nela se vê parte da obra de Helena Almeida, aquela em que o marido, o arquitecto Artur Rosa, aparece. Um casal que, na intimidade, nos faz pensar noutro(s).
TEXTO: Foi há 40 anos que Artur Rosa, arquitecto e escultor, apareceu pela primeira vez na obra da mulher, a artista plástica Helena Almeida. Ele, que estava sempre lá mas por detrás da câmara fotográfica que registava aquelas performances feitas na intimidade do atelier, deixou-se ver. Em 2006 voltou a fazê-lo e dessa vez ficou. Artur Rosa (n. 1926) entra no jogo da auto-representação a que Helena Almeida (n. 1934) nos habituou exactamente como ela quer, submetendo-se a todas as indicações de cena, à coreografia precisa e ao cenário minimal mas rigoroso que a artista constrói para os seus vídeos e fotografias. Por regra, faz questão de dizer nas raras entrevistas que dá, tudo começa no desenho, suporte primeiro das ideias que lhe servem de ponto de partida e que lhe chegam a toda a hora, de repente ou devagarinho. O desenho antes de quase tudo, portanto, no trabalho de alguém que cedo se cansou da pintura. Entre a “primeira vez” de Artur Rosa com Ouve-me (1979), obra com oito fotografias em que ambos se olham frente-a-frente (à excepção da última), tendo pelo meio um corpo estranho (um saco semitransparente, uma vezes insuflado, outras não), e 2006, ano em que o arquitecto e escultor reaparece em O abraço, concebida para a exposição antológica que Helena Almeida inaugurou no ano seguinte, na Fundação Telefónica, em Madrid, houve um longo período. “Nesse espaço de tempo o desenvolvimento plástico do trabalho da Helena passou pela representação do seu próprio corpo. O Artur só volta a entrar quando há uma espécie de exaustão dessa auto-representação solitária”, explica Isabel Carlos, comissária da exposição O Outro Casal, que reúne uma série de obras de Helena Almeida em que o seu marido está dos dois lados da objectiva e que até 9 de Setembro pode ser vista no Museu Arpad Szenes – Vieira da Silva, em Lisboa. O Outro Casal, naturalmente, porque se trata de introduzir um outro corpo duplo – chamemos assim a esta terceira entidade que nasce de uma cumplicidade de mais de 60 anos como a de Helena Almeida e Artur Rosa – num território que pertence a Arpad Szenes e a Maria Helena Vieira da Silva, evocados numa nova exposição (Un couple) que reúne cerca de 40 pinturas, desenhos e esboços em que o pintor húngaro que durante mais de meio século partilhou a vida com a artista portuguesa se retrata com a mulher. “Quando a Marina [Bairrão Ruivo, directora do museu da Praça das Amoreiras] me convidou a fazer aqui uma exposição da Helena Almeida, depois de já ter mostrado a Paula Rego e a Lourdes Castro, tornou-se evidente que teria de passar pelo casal e veio-me logo à ideia O abraço, essa fusão de dois corpos que é tão bonita, tão emotiva”, diz Isabel Carlos, que conhece a produção da artista em profundidade. O abraço, obra ocomposta por sete fotografias de grande formato que pertence à colecção da galerista espanhola Helga de Alvear, é agora mostrada pela primeira vez em Portugal, ao lado de obras como Looking back (2007) e S/título (Ref. #9), de 2010, ligada a um vídeo que também faz parte de O Outro Casal. Nestas duas últimas obras – fotografia e vídeo – Helena Almeida e Artur Rosa aparecem com uma perna ligada à do outro por fios eléctricos, caminhando em sintonia e sem que consigamos ver-lhes os rostos. São fios grossos, duros, com uma presença escultórica, diz Isabel Carlos, que remetem para as obras dos anos 1970 em que a artista trabalhou com crina de cavalo. No vídeo, o som torna ainda mais graves as imagens – sente-se o peso dos pés a arrastarem-se no chão do atelier que pertenceu ao pai da artista, o escultor Leopoldo de Almeida; sente-se o esforço de sintonia que implica caminhar lado a lado quando se abdicou da liberdade de movimentos. “Os dois atados um ao outro – é a Helena que os ata, note-se, porque é dela a obra, é ela que dirige sempre – são como uma sintonia forçada e lembram-nos uma verdade universal da vida em casal: há que abdicar permanentemente de alguma coisa, há que forçar um bocadinho para que duas pessoas possam partilhar uma vida, uma história. Porque, no fundo, são sempre dois seres que podem ver a vida de maneira diferente, que nem sempre querem a mesma coisa. ” Por mais que pareçam um só, como em O abraço. Nela Helena Almeida e Artur Rosa estão sentados num banco de madeira alto, abraçados e num equilíbrio instável. De fotografia para fotografia cresce a urgência daquele abraço, como se cada corpo fosse a garantia de salvação do outro, como se de cada corpo dependesse o outro. “Também nesta obra se pode falar de auto-representação porque estes dois corpos pertencem-se. ” Confundem-se e confundem-nos. “O espectador é sempre um voyeur na obra da Helena porque fica sempre com aquela sensação de estar a violar a intimidade e, no caso desta exposição, a intimidade de um casal. ” Uma intimidade que é condição inegociável para a existência da obra e que passa pelo atelier, um espaço que é muito mais do que o lugar onde as coisas acontecem. É assim que a artista explica por que razão é o marido a fotografá-la: “É sempre ele porque é importante que as fotografias aconteçam no lugar físico em que eu as pensei e projectei. E como tal tem de ser alguém próximo de mim. ”Nunca houve, de facto, outra pessoa por trás da câmara fotográfica ou do vídeo em décadas de carreira, sublinha a comissária. E só uma vez foi dada autorização para que alguém exterior entrasse mais demoradamente no atelier para conversar sobre o processo de trabalho. Foi Joana Ascensão, e dessa “visita” nasceu Pintura Habitada (2006), o documentário de 50 minutos que se pode ver agora no museu. Também nele é a voz de Helena Almeida que se ouve, também nele Artur Rosa prefere os bastidores. É nesse filme que mostra os cavaletes, escadotes, mesas, bancos e vestidos com que costuma trabalhar no atelier que a vemos a folhear os seus arquivos, a recordar exposições e artigos de jornal, a conversar com o bailarino e coreógrafo João Fiadeiro, que fez uma peça a partir do seu trabalho (I am here), em que começava por dançar na escuridão. "Os nossos trabalhos são muito físicos", diz-lhe Helena Almeida ao assistir em vídeo a um momento da coreografia em que Fiadeiro lhe parece particularmente cansado, no limite. A sua obra, afinal, também lida com os limites, reconhecerá mais à frente neste Pintura Habitada: os da auto-representação, os do corpo. Não há aqui nenhuma confusão em relação à autoria, nem nunca houve, sublinha Isabel Carlos. A obra é de Helena Almeida, não é produto de uma dupla. Artur Rosa tem a sua própria carreira como arquitecto, sobretudo – é o autor da estação de metro do Terreiro do Paço, em Lisboa, e da escultura que sai pela janela no átrio do Grande Auditório da Gulbenkian, por exemplo. É um “cúmplice”, costuma dizer ela. Ou o “primeiro espectador”, diz ele. Mais uma vez impõe-se referir a obra do outro casal, o “primeiro”, quando se trata do Museu Arpad Szenes – Vieira da Silva. “Nestes dois casais ambos trabalham sem necessidade de interferir na obra do outro, mas estão sempre lá. Acompanham-se, vigiam-se”, diz Marina Bairrão Ruivo, a directora do museu. “O Arpad pinta a Vieira obsessivamente ao longo da vida, mas também faz muitos registos do casal. Quando olho para estas pinturas e desenhos que o Arpad faz dos dois fundindo-se com uma mesa ou uma cadeira, não há como não pensar na obra da Helena Almeida em que ela e o Artur Rosa aparecem abraçados num banco alto. ”Se no caso de Arpad Szenes e Vieira da Silva as emoções chegam com o traço, com a pintura, com Helena Almeida e Artur Rosa elas estão, para usar a expressão feliz de Isabel Carlos, “em estado fotográfico”. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. "Há um lado muito performático nestes dois corpos que formam um só, sem conseguirmos perceber onde começa um e acaba o outro. Mas há também um lado de reinvenção de uma artista que começou a trabalhar nos anos 60 e que está longe de se acomodar ao que já fez até aqui", acrescenta a comissária, lembrando que Helena Almeida experimenta muito até chegar exactamente à imagem que quer. "Para encontrar duas fotografias faz 20. E é importante que seja Artur Rosa a ouvi-la e a seguir as suas indicações porque, para além de seu marido, é também escultor. Ele parece saber sempre onde ela quer chegar. "Dentro de dois meses Helena Almeida, que continua a trabalhar, deverá apresentar uma nova obra na galeria de Helga de Alvear, em Madrid. Isabel Carlos já fez perguntas sobre ela, mas a artista, que "não é uma mulher da palavra", foi vaga na resposta: "Tem muitas Helenas, muitas Helenas", disse. Por onde andará desta vez Artur Rosa?
REFERÊNCIAS: