Uma granita e um resort empoleirado nos penhascos de Cefalù
Cefalù tem um dos portos “mais charmosos” e um dos “pores do sol mais inesquecíveis” da Sicília. Palavras de um pescador e de uma música de rua siciliana que encontramos pelo caminho, numa visita aquando da reabertura do mais recente resort Club Med. Sempre com o Tirreno a alongar a vista para a frente e as montanhas Madonias a taparem-na, atrás. (...)

Uma granita e um resort empoleirado nos penhascos de Cefalù
MINORIA(S): Mulheres Pontuação: 2 Animais Pontuação: 5 | Sentimento 0.0
DATA: 2018-07-21 | Jornal Público
SUMÁRIO: Cefalù tem um dos portos “mais charmosos” e um dos “pores do sol mais inesquecíveis” da Sicília. Palavras de um pescador e de uma música de rua siciliana que encontramos pelo caminho, numa visita aquando da reabertura do mais recente resort Club Med. Sempre com o Tirreno a alongar a vista para a frente e as montanhas Madonias a taparem-na, atrás.
TEXTO: Maria Foglietto sai do mar Tirreno desnorteada. A culpa é do cabelo molhado que lhe tapa os olhos, cai pelo nariz e arranja maneira de se enfiar na boca. E ela, sem conseguir ver por onde vai, continua ofegante a desenvencilhar-se dos caracóis. Começa por afastá-los da cara com a ajuda dos cotovelos. Sem sucesso, volta a tentar com os pulsos. Desiste. Não pode fazer mais nada — as mãos, a escolha mais óbvia, estão ocupadas com o plástico que acabou de pescar da costa de Cefalù, um dos portos de pesca mais pitorescos no Norte de Sicília. Num último esforço, Maria dá um salto para fugir do alcance das ondas. É só quando pisa areia seca que deixa cair o lixo resgatado daquela parte do mar Mediterrâneo, a oeste de Itália. Com um único gesto, enxota finalmente o cabelo todo da cara, abanando a cabeça como se estivesse a dizer “não” a tudo no mundo. Quando pára e abre os olhos, começa a rir-se, aliviada. Os sicilianos preferem sempre o riso aberto ao sorriso. E Maria, de gargalhada infantil, não é excepção. Conhecemo-la na praia de Cefalù, uma cidade portuária apenas a 70 quilómetros do centro de Palermo e, por isso, a escapadela de um dia perfeita para quem aterra na capital da ilha italiana. O outro aeroporto mais próximo fica a 180 quilómetros, em Catânia. É no meio de mergulhos, com a água límpida do Tirreno pela cintura, que se pode ter uma das melhores vistas para a cidade. Junto do pontão antigo (mollo vechchio), os barcos coloridos dos pescadores desalinham-se pela areia pontuada de guarda-sóis. À frente, o areal é interrompido por construções altas, em pedra, que se encavalitam umas sobre as outras na linha da praia e dão sombra a quem descansa na toalha. Do mar, não se vêem as portas das casas e dos restaurantes castanhos, só varandas e janelas de vários tamanhos, que parecem ter sido dispersas ao acaso nas paredes desgastadas pela erosão. Tinham tudo para ser feias, mas inseridas naquele cenário são só charmosas. Se o olhar se aborrecer, basta levantar mais a cabeça e perder-se pelos altos e baixos das montanhas que rodeiam toda a praia e só desaparecem engolidas pelo horizonte. Quase em cada vale das Madonias floresce uma aldeia (a pacata Castelbuono, a 20 quilómetros, pode merecer a sua atenção). E é quase já a desaparecer, no meio de todo esse verde, que salta o cor-de-rosa pálido da igreja de Santa Lucia. Reconhecemo-la de imediato. Já a tínhamos visto enquanto passeávamos pelo novo Club Med Cefalù, o resort que reabriu em Junho, totalmente renovado, e que tem outro dos melhores miradouros para a cidade. Mas já lá iremos. Por agora, continuamos de molho. A água tem a temperatura agradável, a tonalidade azul-turquesa, quase transparente, a calma do Mediterrâneo — e, em alguns dias, os mesmos problemas. Antes de Maria mergulhar, também nós chegávamos à toalha com uma garrafa de tomate vazia na mão. Estava a boiar no mesmo mar que corre o risco de se transformar numa sopa de plástico, alerta a World Wide Fund for Nature (WWFN), mesmo a tempo do início do Verão. Segundo o relatório desta organização não-governamental pelo ambiente, divulgado a 8 de Junho, Dia Mundial dos Oceanos, quem visita Itália, como é o caso, mas também a Turquia, Espanha, Egipto e França, contribui para um aumento da poluição marinha em cerca de 40%. Todos os Verões. Entre os resíduos que flutuam no Mediterrâneo, 95% são compostos por plásticos. O nosso achado entra no grupo dos outros 5%. É feita de vidro. Num impulso para juntar esforços, pegamos nela e dirigimo-nos à rapariga siciliana que vimos antes a apanhar lixo. Uma estranha forma de começar conversa: presentear o outro com uma garrafa de tomatada vazia. “Origem 100% siciliana?”, lê ela no rótulo, divertida. “Meu Deus, a ironia. ” Maria conta-nos que em criança apanhava conchas e búzios. Não se baixava por causa do lixo. Aos 29 anos, não o consegue ignorar. “Está por toda a parte, não posso não me baixar. ” “Quem iria querer sujar sítios tão lindos?”, pergunta-se, sem querer saber da resposta. Ainda assim, aquela praia, comenta, “é das mais limpas” que viu nos últimos tempos. Foglietto é música de rua e por isso muda de cidade várias vezes ao ano. Quase sempre para sítios com mar. E sempre para sítios com turistas. Actua em bares à noite e na rua durante o dia. Ou ao contrário. Não tem muitas regras, diz-nos, num inglês cantado, que às vezes é interrompido por uma frase em siciliano, sem pronúncia noutra língua. Em Cefalù, tem apostado na Via Vittorio Emanuele, paralela à praia e apenas a quatro minutos a pé da praça central (Piazza Del Duomo). Se pudesse, tenta explicar-se, vivia com um pé no Norte da Grécia e outro na Sicília. E, apesar de todas as noites tocar guitarra e cantar músicas tradicionais sicilianas (nada de Bella Ciao, no entanto, ri-se), tem uma banda com nome grego. Piskelia. O que significa? “Pois, significa ‘alma siciliana’”, sorri, “como a minha”. Maria não nasceu longe da antiga vila de pescadores que se pensa também ter o nome derivado da palavra grega kephalee, que pode ser traduzida para “cabeça”. Cresceu em Catanissetta, a duas horas de carro no sentido contrário ao do mar, e depois viveu por toda a Europa. “É muito bonita a minha cidade”, garante, recordando uma cidade que ainda não entra nos principais roteiros de quem visita a ilha italiana. “Mas Cefalù é…” Procura a palavra certa. “Olha, é mágico. ” Volta atrás. “Não, não é isso! Quer dizer, é mágico, mas isso é um cliché. ”Pensa mais um segundo, a olhar para o mar que lhe traz tudo, “até inspiração”. “Parece que foi pintado para estar num filme. ” E desata a rir à gargalhada. “Por ainda mais cliché que isto seja. ”Não é, no entanto, mentira. Em Cefalù, a palavra “magia” é atirada sem medo que o feitiço se vire contra os feiticeiros. Não há qualquer ilusão: está à vista de todos que a visitam. Ouvimo-la nos restaurantes (onde se começou há pouco tempo a falar também em francês e inglês); nas lojas que enchem ruas inteiras; das bocas orgulhosas, mas sensatas, dos pescadores que ainda restam e que não são tímidos a meter conversa. Um deles conta-nos que alguns dos barcos atracados em frente à Porta Marina do porto velho já foram lançados numa noite à água, não para apanhar peixe, mas para entrar num filme. “O meu barco não foi, mas só porque eu não quis”, graceja o homem de pele profundamente morena e olhos ainda mais profundamente azuis que nos mostra, com as mãos, como se fosse uma criança, que tem oitenta anos. “Não me lembra agora é o nome do filme…” Avivámos-lhe a memória: Nuovo Cinema Paradiso (1988). “Uau, eu podia ter sido assim tão famoso?”, atira, sarcástico. Podia, pelo menos, ter sido um dos actores figurantes no filme realizado por Giuseppe Tornatore, que recebeu o Grande prémio do Júri no Festival de Cannes, em 1989 e, dois anos depois, o Óscar de Melhor Filme Estrangeiro. Uma das cenas foi gravada entre o mar e o pontão antigo da cidade. “Nessas imagens, a beleza deste lugar funde-se com o esplendor de uma obra que deu ao mundo o espírito poético de sicilianità”, ficou escrito, numa placa que foi colocada no pontão em 2014, aquando das comemorações de 25 anos do lançamento da longa-metragem. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Cinema Paradiso deambula pela “nostalgia e paixão sicilianas”, mas passeia-se pouco pelas ruas estreitas da cidade, ainda com influências árabes e gregas, até nas lojas de recordações. O filme não mostra, por exemplo, o Lavatoio, um lavatório medieval, escondido entre prédios na Via Vittorio Emanuele, que ainda tem água, oriunda do rio Cefalino. Ou a catedral, a principal marca da passagem dos normandos que, com as quatro torres simétricas a formar um quadrado, faz lembrar uma fortaleza. É lá que se esconde um dos “mais bonitos complexos de azulejos bizantinos de Itália”, lê-se, num guia, à entrada. Conta a lenda que foi mandada construir pelo rei Rogério II, no século XII, em honra de São Salvador por este o ter salvado durante uma tempestade no mar. Nós também ali chegamos numa manhã de segunda-feira, em que deixamos o céu cinzento no Porto transformar-se em azul, para cumprir uma promessa. Estão quase 30 graus. São quase dez horas — e, na Sicília, isto significa uma coisa: a janela de tempo para provar, ao pequeno-almoço, “uma granita acabada de fazer” está quase a fechar-se. A Fugas viajou a convite do Club Med
REFERÊNCIAS:
Étnia Árabes
Homenagem ao desequilíbrio, ao medo e à superação
Celui Qui Tombe, de Yoann Bourgeois, é uma reformulação das disciplinas do circo tradicional, a partir do ideal de transcendência da dança clássica. (...)

Homenagem ao desequilíbrio, ao medo e à superação
MINORIA(S): Mulheres Pontuação: 2 Animais Pontuação: 5 | Sentimento 0.0
DATA: 2017-09-24 | Jornal Público
SUMÁRIO: Celui Qui Tombe, de Yoann Bourgeois, é uma reformulação das disciplinas do circo tradicional, a partir do ideal de transcendência da dança clássica.
TEXTO: O novo circo tem vindo a apropriar-se do capital de transcendência e superação que foi o da dança clássica, e ao qual a contemporânea, mais interessada noutras questões, se tende a esquivar. Investe na colaboração artística e na poética dramatúrgica, descarta o adestramento de animais, retém o maravilhamento pelo performático aliado ao saber-fazer artesanal, e a dimensão do espectáculo popular transgeracional. A peça do actor circense e bailarino Yoann Bourgeois (França, 1987; dirige desde o ano passado o centro coreográfico de Grenoble) é um pouco súmula desta sintomatologia. Uma enorme plataforma de madeira suspensa desce, oscilante, desde a teia do palco para a penumbra da cena. Há seis corpos caídos, e o piso inclinado e instável parece fazê-los despertar de um torpor. Procuram resistir como podem, num afinco aflito, ao peso e à gravidade que os fazem deslizar da rampa, como dejectos despejados num contentor. A 7. ª Sinfonia de Beethoven empresta uma solenidade trágica ao modo como os corpos escorregam, tentam reerguer-se, vacilam e resvalam, ou se entreajudam para ensaiar nova subida esforçada. Este poderoso início, um dos pontos altos da peça, é a imagem de uma humanidade esperançada mas indefesa: seres sós e desamparados, por vezes cúmplices e solidários, obstinados em sobreviver. Coreografia: Yoann BougeoisEm aparente queda livre, a plataforma ameaça abater-se sobre o grupo; ou gira como um carrossel vertiginoso, e os intérpretes arriscam uma passada estugada em sentido inverso, como se contrariando a força centrífuga impedissem o inexorável ciclo da rotação do planeta. Até restar uma mulher, a correr em círculo, saltando perigosamente sobre os corpos entretanto derrubados no chão. Num colossal movimento pendular, a plataforma quase abalroa os corpos que se esquivam no último segundo, como crianças imprudentes num jogo atrevido com um baloiço gigante, ou a desafiar o vaivém de alterosas ondas oceânicas. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Associar um registo metafórico ao alto risco físico e ao impacto visual, devedores de um frisson circense depurado, faz de Celui qui Tombe uma fábula existencial. As sucessivas cenas servem com maior ou menor fluência o temário, mas a sua legibilidade permite patamares de fruição para públicos e faixas etárias distintos. As silhuetas dos três homens e mulheres, de calças, camisas e saias casuais discretamente coloridas, são as de pessoas em trânsito numa cidade qualquer, ou tão só uma abstracção de seres humanos. O ranger estrepitoso das quedas da plataforma, como se na iminência de se desconjuntar, produz acréscimos de empolgamento; o reconhecimento de vozes célebres (Maria Callas, em Casta Diva, de Bellini; ou Frank Sinatra, My way, a dança a aproximar-se aqui do ilustrativo) facilita a adesão emotiva. Ocasionalmente, Bourgeois cede à pura acrobacia, os nexos dramatúrgicos esmorecem e ponderamos a relação entre o aparato performativo e os fins que serve. O encandear das cenas tende a repetir-se (alternam obscuridade/luz geral a expor maquinaria de palco, silêncio/estampidos naturais amplificados e música. . . ). Há certa quebra energética quando, segundos antes do final, os intérpretes pendurados pelos braços à plataforma se deixam cair, à vez, exaustos e vencidos. Com a herança da dança e do teatro físico a trazer contenção poética e depuração à acrobacia e ao léxico sincrético da peça, Bourgeois realiza uma estimulante reformulação das disciplinas do circo tradicional.
REFERÊNCIAS:
Partidos LIVRE
Aquário Vasco da Gama, Lisboa: O rei que trouxe até nós o fundo do mar
D. Carlos era apaixonado pelo mar. Nas suas 12 campanhas oceanográficas estudou o plâncton, a rota dos atuns e tubarões e trouxe animais exóticos das profundezas do oceano. (...)

Aquário Vasco da Gama, Lisboa: O rei que trouxe até nós o fundo do mar
MINORIA(S): Mulheres Pontuação: 2 Animais Pontuação: 5 | Sentimento 0.0
DATA: 2017-09-24 | Jornal Público
SUMÁRIO: D. Carlos era apaixonado pelo mar. Nas suas 12 campanhas oceanográficas estudou o plâncton, a rota dos atuns e tubarões e trouxe animais exóticos das profundezas do oceano.
TEXTO: D. Carlos queria saber o que se passava no fundo do oceano. Desde muito jovem que sonhava com isso. Dizia-se na altura — estamos ainda no final do século XIX — que quando o mar se tornava muito escuro e muito frio, bem lá para baixo, a vida deixava de existir. Mas o futuro rei de Portugal desconfiava que não era assim. Um dia, o príncipe Alberto do Mónaco passou por Lisboa no seu iate, e Carlos, então com 15 anos, conheceu-o. Ficou fascinado com o barco do príncipe e com as histórias das campanhas oceanográficas que este já iniciara. Estava decidido: Carlos — que já se dedicava à observação de aves e que aos 13 anos enviara para o museu da Escola Politécnica o primeiro espécime por ele capturado — iria explorar o fundo do mar. Vem toda esta história a propósito de uma visita ao Aquário Vasco da Gama. Sempre ali fui ver os animais que vivem no aquário e pouca atenção prestei à extraordinária colecção de seres marinhos recolhidos pelo rei D. Carlos nas suas campanhas oceanográficas. Das 12 que fez, a primeira, de 1896, foi a mais importante. O relatório dessa aventura no Yacht Amélia (o rei teve quatro iates, mas baptizou-os a todos com o nome da rainha), tal como toda a biblioteca científica de D. Carlos e alguns desenhos do seu diário náutico, estão, desde 1935, à guarda do Aquário. O rei queria, como escreveu no seu relatório, “dar a conhecer, por meio de um estudo regular, não só a fauna do nosso plan’alto continental, mas também a dos abysmos que, exemplo quasi único na Europa, se encontram em certos pontos a poucas milhas da costa”. Delimitou a zona junto a Cascais, Sesimbra e Setúbal e fez-se ao mar com o apoio fundamental de um engenheiro civil que se tornou o seu braço direito neste estudo dos oceanos, Albert Girard, e de dois fiéis cães-de-água, o Tejo e o Sado. Para conseguir resultados, procurou informação junto daqueles que mais sabiam destas coisas do mar: os pescadores. Inspirou-se no espinhel, uma linha com vários anzóis e adaptou-a para a pesca em águas profundas — a perto de 2000 metros, quando ainda poucas décadas antes se pensava que a vida acabava aos 500 metros. O aquário guarda muitos destes instrumentos usados nas campanhas oceanográficas: por exemplo, uma garrafa metálica para colheita de amostras do mar em profundidade (outra coisa que interessava muito a D. Carlos era o estudo do plâncton e, combinando o gosto pela fotografia com a paixão pelo mar, devem-se a ele as primeiras fotografias de zooplâncton, com larvas de crustáceos por exemplo, tiradas em Portugal). O entusiasmo era tanto que, conta-se, o rei chegou a atirar-se à água quando apareceu junto ao barco um animal estranho que veio a descobrir-se ser um cachalote anão. Depois de conseguirem apanhar à mão o animal, D. Carlos desenhou-o e enviou o desenho numa carta ao seu amigo Alberto do Mónaco. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Hoje, carta, desenho e cachalote estão expostos na sala de museu no primeiro andar do aquário, ao lado de muitos outros animais extraordinários capturados nas campanhas do rei: muitos tipos de crustáceos, já totalmente brancos e guardados em belíssimos frascos antigos de vidro, esponjas de várias formas, aranhas-do-mar, raias, um belo peixe-lua, um peixe-anjo, duas tartarugas gigantes e muitos tubarões, entre os quais um baptizado “tubarão-demónio” que D. Carlos acreditou inicialmente tratar-se de uma espécie nova (afinal tinha já sido localizado no Pacífico, mas nunca no Atlântico). A rota dos atuns, por exemplo, foi um dos assuntos que lhe despertaram especial interesse e que melhor estudou, porque acreditava que era um tema com importância económica para o país. E, para perceber melhor o funcionamento das correntes, foram, durante estas campanhas, lançadas ao mar garrafas com um bilhete postal e um selo para que pudesse ser enviado sem mais encargos. Assim se saberia para onde a corrente tinha levado cada garrafa. Depois dessa primeira recolha — minuciosamente descrita por D. Carlos no relatório — o rei quis fazer uma exposição na Sociedade de Geografia, para mostrar aos portugueses o que existia no mar. Poucos anos depois, em 1898, para as comemorações dos 400 anos da descoberta do caminho marítimo para a Índia, decide construir o Aquário Vasco da Gama. E hoje é aqui que podemos ver, naturalizados (uma técnica de conservação diferente do empalhamento), todos os animais que D. Carlos trouxe do mar, alguns deles dos profundos abismos desconhecidos, onde, afinal, havia vida.
REFERÊNCIAS:
Em Berlim, a comida (vegan) é a nova festa
A cidade da música electrónica, dos clubes e da noite apresenta-se agora como a capital vegan da Europa. Berlim não deixou de fazer a festa, mas fá-lo também através da comida – e cada vez mais sem proteína animal. (...)

Em Berlim, a comida (vegan) é a nova festa
MINORIA(S): Mulheres Pontuação: 2 Animais Pontuação: 5 | Sentimento 0.136
DATA: 2018-10-26 | Jornal Público
SUMÁRIO: A cidade da música electrónica, dos clubes e da noite apresenta-se agora como a capital vegan da Europa. Berlim não deixou de fazer a festa, mas fá-lo também através da comida – e cada vez mais sem proteína animal.
TEXTO: Sophia Hoffmann é elegante e risonha, cabelos loiros, olhos claros e os braços cobertos de tatuagens – um tigre, uma sereia, um flamingo, uns tomates, uma cebola. “Trabalhei na noite durante dez anos, como DJ e promotora de festas”, conta. Mas, a certa altura, começou a sentir-se cansada do que andava a fazer e decidiu dedicar-se à comida. “Trabalhava com outra amiga DJ, a NiDe Cusco a Machu Picchuna [Kransel, do restaurante Let It Be], temos até a mesma tatuagem de um tigre nos braços, mas também ela está hoje no negócio dos restaurantes”, continua. “É engraçado como as coisas evoluem. Hoje estamos ambas a cozinhar e somos ambas vegan. A ideia de que em Berlim a comida se tornou a nova festa encaixa muito bem na minha história. ”Estamos sentados no Cookies Cream, o restaurante vegetariano de Berlim, no bairro de Mitte, que em 2017 conquistou uma estrela Michelin. A sala está cheia e animada, este é um ambiente Michelin diferente, e nem poderia ser de outra maneira num espaço meio escondido por trás do hotel Westin Grand, ao qual se acede por umas traseiras de ar industrial, como quem está a chegar a uma festa clandestina. Pintada na parede da sala, uma palavra: “Ficken” (“Fuck”). “How bad do you want it?I’ll fuck you on your desk and in the toilet of an airplane. We share a fag together until the smoke alarm goes off. You talk of love. I talk of freedom. Until… the next one comes around. Let’s not overthink things!Hell, yes! Baby, I want to eat you. “O texto, no site do Cookies, mesmo antes de começarmos a ler o menu, não deixa grande margem para dúvidas. Sim, estamos em Berlim e a festa pode ter mudado, mas certamente não acabou. Aqui funcionou no passado um cinema onde passavam filmes franceses, depois transformou-se num clube nocturno pela mão de Heinz Gindullis, mais conhecido como Cookie, nascido em Londres e que chegou a Berlim com 18 anos, em 1992, três anos depois da queda do Muro e numa altura em que a cidade era muito diferente do que é hoje. Cookie começou por abrir um bar que ao longo dos anos foi mudando de lugar e crescendo em popularidade, e foi sempre sabendo ler o ar dos tempos. De tal maneira que, quando ainda ninguém falava em comida vegetariana ou vegan, ele, que era vegetariano desde os oito anos, pensou em criar um restaurante onde não se servisse carne ou peixe – foi em 2007 que abriu o Cookies Cream, tendo já como chef Stephan Hentschel, na altura com 25 anos. Stephan fora um cliente do bar de Cookie mas oferecera-se para trabalhar e, apesar de não ser vegetariano, revelou um entusiasmo enorme, criando a cozinha que o guia Michelin veio a reconhecer. Passou-se mais de uma década e, hoje, Berlim apresenta-se como a “capital vegan da Europa” (embora no site Happy Cow esteja neste momento no segundo lugar, depois de ter sido ultrapassada por Londres) com um número impressionante, e crescente, de espaços onde não entra proteína animal – segundo o Happy Cow, são 65 restaurantes vegan e 320 vegetarianos/ou com opções vegetarianas. Sophia Hoffman, que lançou o livro Vegan Queens, sobre mulheres que se dedicam à cozinha vegan, só começaria a ligar-se à comida de forma mais profissional a partir de 2011. “Os blogues de comida estavam a começar nessa altura, uma amiga deu-me a ideia de fazer um e isso levou-me a mergulhar mais no tema. As pessoas liam, perguntavam onde podiam comer aquelas coisas e, em 2012, eu comecei a fazer pop-ups. Já era vegetariana, mas tornei-me vegan muito rapidamente a partir daí. ”Christian Tänzler, responsável pela comunicação do Turismo de Berlim, que nos acompanha no jantar do Cookies Cream, diz que só há uns cinco ou seis anos é que as coisas começaram a mudar de forma mais evidente. “Antes disso ninguém dizia que vinha a Berlim para comer”. Recorda que um dos pontos de viragem foi um artigo assinado em 2012 pelo crítico gastronómico norte-americano Frank Bruni no The New York Times, que tinha como título “Sorry to Disappoint, but I Ate Well in Berlin” (Desculpem desiludir-vos, mas comi bem em Berlim). “Tudo o que acontece nesta cidade tem uma relação com a história”, prossegue Christian. “Como o Muro as limitava, as pessoas tinham que ser mais criativas. No Leste não havia infraestruturas de restaurantes e [depois da queda do Muro] as pessoas olhavam para a zona como um diamante em bruto. ” Heinz Gindullis é um desses casos, tendo aberto os primeiros bares ilegalmente (assim como o primeiro restaurante) na zona de Mitte, que pertenceu a Berlim Leste. Estava-se numa altura em que tudo era possível em Berlim. Ainda hoje, apesar das profundas mudanças (e do aumento das rendas) na cidade, há muita liberdade porque “não é aqui que está o dinheiro a sério”, afirma Christian. “As grandes empresas saíram depois da II Guerra Mundial porque Berlim era uma ilha. " E a cidade habituou-se a viver ao seu ritmo próprio e diferente do das outras cidades alemãs, e isso tanto pode significar bares e clubes que se mantêm em festa dia e noite ou, mais recentemente, restaurantes, street food, mercados, e preocupações com a sustentabilidade. “As pessoas ligadas à música electrónica e aos clubes têm hoje 60 anos”, explica Christian, “temos já uma mudança demográfica e essa é uma das vantagens desta cidade, que está sempre a desenvolver-se e onde ainda nem tudo está explorado. ” A esta mudança demográfica juntaram-se os escândalos relacionados com a qualidade da comida, sobretudo da carne, no final da década de 1990. “Aí, muita gente mudou de comportamento. E isso começou sobretudo em Berlim, que sempre teve um estilo de vida alternativo. As pessoas, que aqui têm uma forma de pensar muito política, começaram a querer saber de onde vinha o que comiam e se estavam ou não a destruir o planeta com o que consumiam. ”Encontramo-nos com Dov Selby no bairro de Prenzlauer Berg. Estamos na parte norte da cidade, numa zona que também fez parte da antiga Berlim Leste. “Nessa altura, esta era uma das áreas com mais prédios ocupados de toda a Europa”, conta o responsável pelas tours gastronómicas Fork & Walk (que incluem também uma ligada aos espaços vegetarianos/vegan). “Muitos dos apartamentos estavam decadentes, não tinham água corrente nem electricidade, as famílias a quem o Estado [da antiga República Democrática Alemã] os tinha dado decidiram partir e os squatters vieram instalar-se. ”Olhando para os bonitos edifícios, muitos deles do início do século XX, de tectos altos, chão de madeira, varandas, é difícil imaginar esta zona cinzenta e abandonada, com tinta a cair e janelas partidas, como Dov a descreve. Hoje, Prenzlauer Berg é um dos bairros mais gentrificados de Berlim e também aquele onde se vêem mais casais jovens com filhos pequenos. O ambiente é ideal para nascerem por aqui projectos como o Friedl, um espaço de barista hipster no qual os donos torram o próprio café, comprado em comércio justo, e que propõe uma escolha entre grãos vindos de diferentes países, com a correspondente descrição de aromas e sabores. É essa a nossa primeira paragem, enquanto Dov, australiano que se mudou para Berlim em 2006 e se confessa um apaixonado por Portugal (e por pastéis de nata), vai explicando o que é o Fork & Walk: “Ligamos a comida com a história da cidade. Provando, vamos percebendo por que é que comemos assim, sobretudo em Berlim, que neste momento tem um conceito tão vanguardista sobre para onde vamos, com tudo o que é vegan, vegetariano, sustentável, desperdício zero. E Prenzlauer Berg foi o início desse movimento vegan. ”Percorremos o bairro e as suas histórias enquanto vamos conhecendo outros projectos. Dov comenta a certa altura que, se o número de restaurantes vegan é crescente, é ainda incomparável com o de restaurantes vietnamitas, que servem também muitos pratos vegetarianos e são perto de 15 mil em toda a cidade. Quando chegou a Berlim, há 12 anos, “a comida não era fantástica” e o restaurante vegan que existia era uma espécie de “nave espacial”. As coisas, confirma, “começaram a mudar nos últimos cinco anos, mas foi sobretudo nos últimos três que houve uma mudança maciça”. E se, no início, ser vegan tinha o peso de implicar uma mudança de vida, hoje, com a ideia da flexibilidade, tudo é mais fácil. “Há muitas pessoas que dizem que não querem necessariamente ser vegan, mas querem comer menos carne e de forma mais sustentável. ”Patricia Weil não optou pela flexibilidade. Tornou-se vegan e está totalmente convertida a essa forma de viver, a tal ponto que decidiu, com duas amigas artistas, abrir um restaurante com esse tipo de comida, o Wilde Küche, em Kreuzberg. “Quando me tornei vegan, fi-lo como um teste, queria saber como me sentia e depois apercebi-me de quanta carne e produtos derivados dos animais andava a comer. Nunca tinha pensado muito nisso. E foi incrível a forma como o meu corpo mudou, sentia-me leve, tornei-me uma pessoa muito mais feliz. Percebi que não podia continuar a comprar num supermercado normal porque está tudo cheio de açúcar e de produtos animais. ”Experimentou por seis meses e no final decidiu continuar por mais seis. “Demorou cerca de um ano para o meu sistema mudar completamente, a minha pele mudou, livrei-me de gorduras desnecessárias. Sinto-me muito mais calma, já não tenho instintos agressivos”, diz, visivelmente entusiasmada. O Wilde Küche, que abriu há cerca de um ano, tem como base a ideia de que “somos alimentados pela luz” porque “é pela luz que a planta cresce e quanto mais curto for o caminho entre o momento em que se corta a planta e o momento em que é comida, e quanto menos a cozinharmos, mais luz ela tem dentro”. Mas o restaurante quer chegar a um público não exclusivamente vegetariano ou vegan. “Agora as coisas estão melhores, mas houve um tempo em que eram vegan contra carnívoros… eu acredito que podemos todos aprender uns com os outros. Por isso, pensámos que queríamos um restaurante ao qual as pessoas que comem carne pudessem vir e comessem os vegetais, que aqui se tornam as estrelas do prato. ”Para atrair essa clientela habituada a comer carne, trabalham, por exemplo, com um “talhante” holandês que lhes fornece produtos semelhantes à carne: galinha feita a partir de proteína de soja, “que tem a textura e o sabor de galinha”; “atum” feito de tremoceiro e alga nori “que lhe dá o sabor a peixe”. Há, explica Patricia, “pessoas que dizem que querem comer menos carne, mas não conseguem comer apenas um prato de vegetais, por isso criámos este tipo de opções. ”Sophia Hoffmann, que se tornou vegetariana inicialmente por não suportar a ideia do sofrimento dos animais, tem uma visão diferente de um prato vegetariano. “Quando comecei, fazia mais aquilo a que chamamos comidas de substituição”, explica. “Somos criaturas de hábitos, crescemos com pratos que tinham carne, hidratos de carbono e alguma salada e tentamos recriar isso. Usava produtos de soja, seitan, mas tentava dar a minha assinatura porque gosto de comida colorida e divertida, gosto de brincar com cores naturais, por isso coloria o pão, a massa. ” A certa altura compreendeu, contudo, que não era esse o caminho que queria seguir e fugiu “da ideia de termos um pedaço de ‘carne’ e acompanhamentos num prato”. Nos últimos tempos começou também a explorar o não desperdício (zero waste) e hoje faz workshops para ensinar as pessoas a aproveitar tudo dos alimentos, assim como os restos que têm no frigorífico – as receitas que entretanto criou serão o tema do próximo livro. Patricia Weil acredita que o veganismo “não é uma tendência, está aqui para ficar”. De todas as pessoas que conhece que mudaram a dieta, deixando a carne e os produtos de origem animal, “nenhuma voltou atrás e estão a descobrir uma qualidade de vida tão maior que não há razão para mudar de novo”. Por isso, hoje em Berlim “o movimento está a crescer a todo o momento e amigos que vêm da América dizem ‘meu deus, é extraordinário, em todo o lado é vegan, vegan, vegan”. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Também ela está convencida de que não é por acaso que isto acontece em Berlim. “Aquilo que a cidade sempre representou foi arte e liberdade, a música foi sempre muito importante, houve sempre espaço para artistas, era possível viver aqui com pouco dinheiro e é bom para os conceitos vegan porque ainda é barato comparado com outras cidades. Por isso há tanta gente a fazê-lo e a dizer ‘eu quero mudar o mundo’”. Esta é a grande festa – e está apenas a começar. A Fugas viajou a convite de Visit BerlinApetece-lhe um pequeno-almoço às quatro da manhã? Sim, é possível. Quem está hospedado no hotel Max Brown Ku’Damm e tiver uma fome súbita a meio da noite, só tem que vestir alguma coisa, descer até ao restaurante e escolher um dos vários pequenos-almoços da carta (incluindo uma opção vegan), sempre com a possibilidade de o acompanhar com uma Mimosa. O restaurante que serve este “24 hours breakfast” chama-se Benedict, nasceu em Telavive e está – literalmente sempre – aberto não só para clientes do hotel como para qualquer pessoa. É extremamente popular a partir das 9h da manhã, altura em que começa a haver filas de espera. A filosofia? “Acreditamos que o pequeno-almoço não é apenas uma questão de hora, mas uma forma de ver o mundo e no mundo Benedict o pequeno-almoço nunca acaba. ”Foi também em Telavive que nasceu outro restaurante muito popular em Berlim: o Neni. Comida do Médio Oriente – mezze, falafel, húmus, sakuska –, ambiente descontraído e cosmopolita como se encontra em Telavive, muitas opções vegetarianas porque é assim que se come em Israel. O Neni, que existe também em Viena, Zurique, Hamburgo e Munique, fica, no caso de Berlim, no topo do 25 Hours Hotel Bikini Berlim, com uma vista extraordinária sobre a cidade e, sobretudo, sobre o Jardim Zoológico, situado ao lado. A cozinha é da família Molcho, Haya Molcho e os seus filhos, Nuriel, Elior, Nadiv e Ilan, e cruza influências do Médio Oriente com as raízes romenas e espanholas da família. Max Brown Ku’DammUhlandstrs, 49Tel. : +49(0)3021782639Benedict (mesma morada)Tel. : +49(0)30994040997Email: [email protected]Neni BerlimBudapester Strastr, 40Tel: +49(0)30120221200[email protected] hours-hotels. com
REFERÊNCIAS:
Culatra tem um médico da "velha guarda" que não quer computador nem telemóvel
Ao princípio da manhã, Sérgio Vito chega a um dos cafés da ilha da Culatra e não segue o ritual de tomar a "bica", no despertar para mais um dia. O que pede é uma "cervejinha" para "limpar o sal da garganta", porque já carrega muitas horas de trabalho a mariscar e sente a necessidade de um gole de frescura. O pescador, de 53 anos, afirma que foi apanhado por uma doença que dizem ser de "gente rica", mas que pelos vistos toca a todos. "Não aguento as dores nos pés, doem-me as articulações", queixa-se a quem o quer ouvir. (...)

Culatra tem um médico da "velha guarda" que não quer computador nem telemóvel
MINORIA(S): Mulheres Pontuação: 2 Animais Pontuação: 5 | Sentimento 0.1
DATA: 2011-08-01 | Jornal Público
SUMÁRIO: Ao princípio da manhã, Sérgio Vito chega a um dos cafés da ilha da Culatra e não segue o ritual de tomar a "bica", no despertar para mais um dia. O que pede é uma "cervejinha" para "limpar o sal da garganta", porque já carrega muitas horas de trabalho a mariscar e sente a necessidade de um gole de frescura. O pescador, de 53 anos, afirma que foi apanhado por uma doença que dizem ser de "gente rica", mas que pelos vistos toca a todos. "Não aguento as dores nos pés, doem-me as articulações", queixa-se a quem o quer ouvir.
TEXTO: Após ter passado duas noites sem dormir, foi às urgências do Hospital de Faro, e nem foi preciso médico para que lhe fosse feito o diagnóstico. "Quando disse que era da Culatra, uma enfermeira virou-se para mim e apontou - pois claro! marisco e cerveja em excesso dá nisso, ácido úrico elevado. "Na verdade, Sérgio Vito não ficou surpreendido, visto que a sua doença é "natural" nesta ilha, onde há marisco em abundância e a bebida também não falta. Jogadores de foraNa extensão da Culatra do Centro de Saúde de Faro, o enfermeiro Abrantes, enquanto o pescador aguarda pela consulta, comenta: "Esta é a terra onde se bebe mais cerveja em Portugal. " Sérgio Vito contra-ataca: "Olhe que vêem muitos jogadores [bebedores] de fora. O enfermeiro ri, e deixa cair uma confidência. "No ano passado, em Setembro, também andei à rasca com o ácido úrico", acrescentando que, também ele, é um apreciador dos muitos petiscos da ria Formosa. A funcionária administrativa da extensão do centro de saúde Maria Suzel, (tratada pelos doentes por Suzi) revela um segredo da ilha. "As mulheres, quando os homens se queixam com dores nas articulações, aproveitam para apelar à moderação no consumo de bebidas - quer dizer da cerveja. " Eles, é claro, "não ligam". O médico, de 62 anos, que só está a espera da publicação em Diário da República para passar à reforma, faz outra revelação. "Quando lhes falo da doença da próstata, que pode surgir a partir dos 50 anos, e dos medicamentos para evitar a cirurgia, perguntam - e isso não faz perder a potência [sexual]?" Os homens, diz, "têm muito medo de perder a potência. . . " João Mata Artur assume-se como um médico da "velha guarda", que não usa telemóvel. "Ainda faço a auscultação aos pulmões por ouvido, porque os aparelhos do Serviço Nacional de Saúde [SNS] são um pouco rascas. " Uma vez por semana dá consultas na extensão de saúde da Culatra e nos restantes dias presta serviço no Centro de Saúde de Olhão, onde possui uma lista de mais de 1800 doentes. Na passada sexta-feira, deu 18 consultas na ilha. Já passava das 13h00 quando terminou, mas o serviço continuou, sem interrupção para almoço. A funcionária administrativa chegou com um monte de papéis, 37 pedidos de renovação de medicação e exames complementares. Uma hora depois, ainda se encontrava a preencher papelada. "Quando chegar o computador, isto ainda vai ser mais demorado, acredito que a malta nova se possa desembaraçar melhor pela via electrónica, mas eu prefiro escrever à mão, é mais rápido", observa. Oficialmente, é hoje mesmo que isso acontece. O Ministério da Saúde exige que, a partir do dia 1 de Agosto, os medicamentos, para serem comparticipados pelo Estado, terão que ser receitados através do computador. Falta saber se Mata Artur se encaixa nas quatro excepções que a lei prevê para a obrigatoriedade de o fazer e se poderá continuar a prescrever os medicamentos à mão. No futebol foi guarda-redes"D. Verónica?", O médico sai do consultório a chamar pela paciente, que se encontra na sala, de braços caídos sobre os joelhos e olhar pregado no chão da sala. "Sofro de uma depressão há seis anos, devido a problemas familiares", justifica, a propósito do motivo da consulta. "Venho cá para que o médico me mande fazer uns exames à cabeça, ando com grandes dores de cabeça. " No final das consultas, Mata Artur admite que também ele fica deprimido por lidar com tantos problemas. "Fico muitas noites sem dormir a pensar nos doentes, tenho medo de falhar", nota o médico, com 36 anos de carreira profissional.
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Palavras-chave homens lei consumo doença medo sexual mulheres
Reportagem: Beja não tem memória de um crime tão hediondo como este
Pai da família é hoje ouvido pelo juiz como principal suspeito da matança de mulher, filha e neta. Nem animais domésticos escaparam à fúria do homicida. (...)

Reportagem: Beja não tem memória de um crime tão hediondo como este
MINORIA(S): Mulheres Pontuação: 2 Animais Pontuação: 5 | Sentimento 0.0
DATA: 2012-02-15 | Jornal Público
SUMÁRIO: Pai da família é hoje ouvido pelo juiz como principal suspeito da matança de mulher, filha e neta. Nem animais domésticos escaparam à fúria do homicida.
TEXTO: Vestido de negro da cabeça aos pés, entra no snack-bar de paredes garridas do casal ucraniano e pede um bitoque para almoço. Meia dose, que não está com muito apetite. Por esta altura já os corpos de Benvinda, a mulher, Cátia, a filha de 28 anos, e Maria, a neta de cinco, jazem há vários dias sem vida na vivenda que lhes tem servido de casa nos últimos anos. Como não o conhecem por aqui, ninguém lhe estranha a cor da farpela. Francisco Esperança insiste em comer ao balcão em vez de se sentar à mesa e vai emborcando cervejas umas atrás das outras. Um cliente habitual da tasca, Carlos Paquete, conta seis. Um dia depois ainda lhe martelam na cabeça as palavras do outro: "Sabe quanto tempo tenho de vida? Três meses. Tenho um cancro nos intestinos que alastrou aos pulmões. É por isso que estou a beber. Prefiro viver dois meses à minha maneira que os três que os médicos me deram de vida". Não fala nunca na família. "Teve um comportamento normal, simpático", recorda Carlos. Só quando vê as imagens televisivas de Francisco a sair de casa em tronco nu, algemado pela polícia, Carlos Paquete descobre que o desconhecido que meteu conversa com ele escassas horas antes é o principal suspeito do crime mais macabro de que Beja tem memória. Os corpos das duas mulheres e da menina de cinco anos foram desfeitos com uma catana. Nem os animais domésticos, o cão e um gatito, escaparam à fúria do homicida. Só quando vê as imagens Carlos percebe que as calças, as camisas e o blazer negro do antigo funcionário bancário eram, afinal, de luto. Família problemáticaÀ porta do tribunal de Beja, algumas dezenas de pessoas esperam a chegada de Francisco, que passou a noite nos calabouços depois da descoberta dos três cadáveres. A cidade está em estado de choque - não se fala noutra coisa. Toda a gente viu o homem de 59 anos a cirandar por ali nos últimos dias, a fazer as coisas que sempre tinha feito. A beber demais como nunca tinha conseguido parar de fazer, por muito que tivesse tentado. Era o seu pecado - até agora só lhe conheciam esse e mais o do desfalque, e esse tinha passado tanto tempo que até quase já se havia tornado motivo de galhofa. Há 20 anos, quando trabalhava no Crédito Predial Português, fugira com 35 mil contos (175 mil euros). Acabou por se entregar depois de andar anos escondido, e até o curso de Direito conseguiu tirar na cadeia. Quando o libertam, a filha já se tornou adolescente. Bonita e namoradeira, acaba por ser mandada estudar para Lisboa. Anda cá e lá. Também viaja com o pai até ao Algarve, onde a família tem uma loja. Engravida. A família resguarda-se, não dá confiança a ninguém, mas os testes de paternidade acabam por ser motivo de falatório: "Deram todos negativo". Homem de poucas falas, excepto quando bebia, Francisco não era tido como mau pai de família. Uma sobrinha sua que mora na Amadora, em casa de quem ficou várias vezes quando ia fazer tratamentos ao Instituto Português de Oncologia, dá uma resposta enigmática quando se lhe pergunta sobre o tio: "Toda a vida tem sido uma peste. Era bom marido e bom avô". Quando lhe nasceu a menina de paternidade incerta, Cátia voltou a morar com os pais na pacata vivenda da Rua de Moçambique, onde todos se recordam de ver Francisco a passear com a neta no ameno jardim pegado às moradias. "Sempre apoiou a filha solteira", recorda um vizinho, Ricardo Maio. Também por isso, a vizinhança nunca soube as razões de a rapariga se ter atirado da janela do segundo andar abaixo, vai para pouco mais de um ano. "O pai embebedava-se, a filha tentava matar-se. Era uma família um pouco problemática. Mas nunca notámos nenhuns sinais de violência", diz o mesmo vizinho. Uma vida (quase) normal
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Paraty, a festa em que os escritores "acontecem"
Cidade grande na época do ouro e da escravatura, refúgio de artistas, intelectuais e opositores no tempo da ditadura, esquecida pelo resto do Brasil durante décadas, Paraty renasceu há 12 anos com uma festa literária. Os maiores escritores do mundo bebem cachaça e percorrem as ruas de pedras irregulares ao lado dos seus leitores. Fomos perceber como é que uma cidade — que continua a ter profundos problemas sociais — se reinventa. E como é que a festa de escritores que na próxima quarta-feira recomeça se relaciona com uma população herdeira de escravos e pescadores. (...)

Paraty, a festa em que os escritores "acontecem"
MINORIA(S): Mulheres Pontuação: 2 Animais Pontuação: 5 | Sentimento 0.0
DATA: 2014-07-25 | Jornal Público
SUMÁRIO: Cidade grande na época do ouro e da escravatura, refúgio de artistas, intelectuais e opositores no tempo da ditadura, esquecida pelo resto do Brasil durante décadas, Paraty renasceu há 12 anos com uma festa literária. Os maiores escritores do mundo bebem cachaça e percorrem as ruas de pedras irregulares ao lado dos seus leitores. Fomos perceber como é que uma cidade — que continua a ter profundos problemas sociais — se reinventa. E como é que a festa de escritores que na próxima quarta-feira recomeça se relaciona com uma população herdeira de escravos e pescadores.
TEXTO: A Festa Literária Internacional de Paraty (FLIP) estava a acontecer e um rapaz que sonhava ser escritor percorria as ruas da cidade brasileira numa “motoca velha”, entregando comida. Fazia sempre de forma a passar perto da grande tenda onde alguns dos seus autores preferidos falavam para o público que enchia todo o espaço. O rapaz chamava-se Flávio de Araújo, era filho de pescadores da Praia do Sono, e sentia-se totalmente frustrado. “A maior festa literária da América Latina estava acontecendo no quintal de minha casa e eu não podia participar. ” Distraído a pensar nisso, quase atropelou aquele que era “um dos grandes nomes dessa edição”: o escritor e poeta britânico Benjamin Zephaniah. “Fiquei transtornado. Pensei: ‘pôxa, não posso ficar atropelando escritores com acebolados e parmiggianas’. ” Percebeu que não dava mais para adiar. Decidiu “abrir mão da motoca velha” e mostrar os seus textos a alguém. Na verdade, Flávio até já tinha mostrado os textos — com algumas atrapalhações pelo meio, é certo. Depois de ter começado a sua relação com os livros “de forma criminosa” — “Roubava-os da banca de um amigo meu, e um dia a directora da escola foi-me buscar debaixo da cama por eu ter roubado 16 livros” —, lançou-se na escrita. O único sítio onde poderia publicar era o jornal local de Paraty e, por isso, quando alguém lhe indicou o edifício, começou a deixar envelopes com textos debaixo do portão. “Esperei uma semana para ver o meu texto impresso, mas não saiu. Peguei em mais textos e voltei a enfiar por baixo da porta, esperei a semana seguinte e não saiu. O que está acontecendo? Peguei em mais um e, quando ia enfiar debaixo da porta, uma velhinha com mais de 15 cachorros e gatos abriu e falou: ‘Meu amor, é você que está deixando estes textos aqui?’”. Quando finalmente acertou com a porta do jornal, Flávio começou a ver os seus poemas publicados. Mas faltava-lhe o livro. E era nisso que pensava nesse ano, enquanto decorria a FLIP e ele tentava não atropelar escritores. Foi então que conheceu Ovídio Poli Junior. Mostrou-lhe os poemas — “Com muita reserva, ele puxando de um lado, eu segurando do outro” — e Ovídio disse-lhe ‘o livro está aqui, cara!’”. Flávio de Araújo e Ovídio Poli Junior chegam de manhã cedo à Pousada do Ouro, na zona histórica de Paraty, para contar como, desde esse encontro em 2006, muita coisa mudou para ambos. Hoje, Flávio tem um livro publicado (Zangareio), Ovídio tem uma editora, a OffFlip (e também o seu próprio livro editado, O Caso do Cavalo Probo) e os dois organizam a programação literária da OffFlip, um evento paralelo à FLIP, com música, teatro, cinema, e que, só nas actividades ligadas à literatura, leva à cidade mais de 100 autores por ano. E tem até um prémio. Se a FLIP tem, como pretende, um impacto duradouro em Paraty, são histórias como a de Flávio que melhor o revelam. Foi para isso que viemos até à cidade quase dois meses antes do início da festa – para perceber como nasceu a FLIP e como é que ela se envolve com Paraty antes e depois de, no final de Julho, a onda de escritores de todo o mundo invadir as ruas empedradas e encher as pousadas e as praças. O primeiro ano foi 2003. “Tinha tudo para dar errado, ou pelo menos muita coisa”, resume o escritor Zuenir Ventura no livro Paraty é uma festa: dez anos de FLIP. A ideia inicial partiu da editora inglesa Liz Calder, que nos anos 90 se tinha apaixonado por Paraty, construindo aí uma casa, e sonhando criar um festival literário à semelhança do que existe em Hay-on-Wye, no País de Gales. Teve como cúmplices o brasileiro Luiz Schwarcz, editor da Companhia das Letras, e o arquitecto Mauro Munhoz, que, além de ter projectado a casa dela em Paraty, tomou a seu cargo a organização da festa. E, apesar de “ter tudo para dar errado”, a primeira FLIP aconteceu, e levou até Paraty nomes como Millôr Fernandes, Luís Fernando Veríssimo, Luiz Ruffato, Ferreira Gullar, Milton Hatoum, Bernardo Carvalho, Caetano Veloso, ou Chico Buarque. E ainda aquele que foi uma das grandes estrelas da edição, o historiador britânico Eric Hobsbawm, que no livro de comemoração dos dez anos da festa aparece numa fotografia a comprar doces rodeado de frascos coloridos de rebuçados e chupa-chupas. A primeira festa tornou-se mítica, recorda Zuenir Ventura no seu texto. “‘Como ela, nunca mais’, passou-se a dizer. Tempos depois, o escritor Sérgio Rodrigues fez a crónica nostálgica de um ausente. ‘Eric Hobsbawm foi visto correndo atrás de borboletas utópicas, bois passavam voando, e a água benta das igrejas era puro Paraty. De tanto ouvir os relatos de quem esteve lá – pessoas saudosas que talvez exagerem um pouco –, eu acredito que era exactamente assim’. ”Antes e depois da estradaHá, de facto, alguma coisa de mágico em Paraty. Sempre houve, desde o tempo “antes da chegada da estrada” – a rodovia Rio-Santos chegou no início dos anos 70 –, em que, depois da queda do comércio do ouro e dos escravos, esta era uma cidade esquecida do mundo, refúgio paradisíaco de intelectuais, artistas, e opositores políticos da ditadura. Filho de uma família de Minas Gerais que migrou para aqui no final da década de 50, o músico Luís Perequê nasceu nessa Paraty, que “era quase uma ilha, onde você chegava de barco vindo de Angra dos Reis ou pelas trilhas vindo do estado de São Paulo”. Muitos migrantes, como a família de Perequê, vieram nessa altura para ocupar as terras das fazendas que tinham sido abandonadas no final do período da escravatura. “Todo o mundo foi embora, e as fazendas ficaram caindo aos pedaços”, conta o músico. “Nesse lugar onde nasci, me lembro das ruínas de uma fazenda e eu, criança, brincava nelas. " Os novos habitantes procuraram formas de sobreviver. “O meu pai trouxe de Minas os hábitos de tropeiro. Quando chega aqui, o que vê como oportunidade de negócio é ainda o transporte, e então tinha uma tropa que fazia o transporte pelas trilhas, levava cachaça de Paraty para Ubatuba, uma semana, 15 dias, viajando, e voltava trazendo peixe seco que as comunidades produziam mas não tinham onde vender. "Com a construção da Rio-Santos, tudo mudou. “Começa a era turística, que põe a gente de volta no cenário brasileiro”, diz Perequê. Os antigos proprietários que tinham abandonado as terras viram-nas valorizar-se e quiseram recuperá-las, houve gente expulsa e nasceram então problemas sociais como os que ainda hoje se vêem num bairro como a Ilha das Cobras – não por acaso o escolhido pela Associação Casa Azul, organizadora da FLIP, para se instalar, com a sua biblioteca e o seu centro, base de onde parte um trabalho mais profundo com as comunidades locais. Já iremos conhecer a Casa Azul, e a Belita, que a dirige, mas primeiro é preciso conhecer um pouco mais da história de como Paraty chegou até aqui. E Luís Perequê conta-a melhor do que ninguém. Para além dos migrantes mais antigos, expulsos para bairros periféricos da cidade, há também “os milhares de homens de tudo quanto é canto do país” que, terminada a construção da auto-estrada, ficam por aqui e criam outros bairros, como o da Mangueira. Estas realidades juntam-se com os tais artistas e fugitivos do regime militar. “Em plena ditadura, aqui tem uma vida cultural, os cineastas, os poetas, o movimento hippie estava no auge, e havia muita música, muita festa nas praças. Isso foi a minha adolescência. ”Na altura em que o Ipsílon passou por Paraty, uma exposição na Casa da Cultura mostrava bem o que foi esse momento único. Esta é a vida que eu quis, da fotógrafa Nair Benedicto, reúne uma série de retratos de figuras da Paraty dos anos 70, numa espécie de último registo de um mundo em desaparecimento. Aí conhecemos desde a Tia Geralda, “descendente dos Alvarenga e Corrêa, fabricantes de cachaça, [que] recebia em sua casa todos os que a procuravam”, ao Gabriel Arcanjo, cabelo aos caracóis, chapéu de cowboy, mala de cabedal, “o James Dean rebelde de Paraty”, passando por Diuner Mello, “conhecido pelas suas túnicas indianas e bolsa a tiracolo”, por Nair Fernandes, vestida de noiva, “eterna virgem, candidata a um casório”, ou por Júlio Paraty, “pintor primitivo”, fotografado nu, semi-escondido pela folhagem. Começava então a haver algum turismo, mas ainda tímido. Só que, de tímido, este passa a agressivo, e a cidade adapta-se a ele – demasiado, segundo Perequê. “Começou a fazer-se tudo para trazer os turistas, para nos tornarmos um lugar visitado. " E isto preocupa-o. “O turismo pode ser a indústria do nada, as pessoas páram de fazer as coisas porque o lugar vira turístico. Paraty é hoje uma cidade que não produz nada, quando antes era uma produtora de farinha, de cana, de banana. Não houve uma política de valorização do fazer, ninguém disse ‘se você faz doce de banana, continua a fazer, porque o turista vai querer ver o seu doce de banana, não vai vir só para você o levar para onde antes existia um bananal’. "Vontade de fazer coisasPassa (também) por ideias como esta uma reflexão mais profunda sobre para onde vai Paraty. Reflexão que é feita (também) durante a FLIP porque, tal como Luís Perequê, Mauro Munhoz, o director da festa, preocupa-se com a relação entre esta e o território. “Frequento Paraty desde os anos 70”, conta. “Era um lugar de difícil acesso, e marcou em mim essa impressão de cidade perdida no tempo. Como ficou isolada 130 anos, desde a década de 50 do século XIX até aos anos 70 do século XX, ficou muito preservada, mantendo saberes e fazeres. E mantendo-se distante do que estava acontecendo, principalmente na época da ditadura, criou uma circunstância muito especial de resistência, de lugar de liberdade e de ligação entre diferentes, com os locais e as pessoas de fora misturados. ” O artista Júlio Paraty é um exemplo disso. “A Djanira [da Motta e Silva] é uma das pintoras importantes do movimento modernista, da Semana da Arte Moderna, de 1922, em São Paulo. O irmão tinha problemas sérios com a ditadura e ela tem depoimentos dizendo como era importante essa casinha que tinha em Paraty, como era um espaço vital para sair daquela situação de pressão. O Júlio Paraty, filho de um artesão local que um dia foi fazer uma obra a casa da Djanira, aprendeu a pintar com ela nos anos 60. ”Mais tarde, já nos anos 90, a ligação de Mauro com a cidade tornou-se mais profissional. “Fui chamado, enquanto arquitecto, para fazer um projecto, mas surgiram dificuldades e ele não avançou. " Tinham ficado, no entanto, os contactos com os responsáveis locais e a vontade de fazer algo. A ideia de que nem tudo tinha que depender do Estado e de que a sociedade podia organizar-se e assumir algumas responsabilidades começou a crescer nesses anos de muitos debates e alguns confrontos. Mauro foi compreendendo melhor os problemas dessa cidade da qual os turistas só conhecem o centro histórico, as casas de portas coloridas, as pousadas de pacatos jardins interiores, a água que regularmente invade as ruas empedradas numa convivência antiga, e pacífica, com os moradores, como se estivéssemos numa Veneza deslocada no espaço. Mas quando se sai desse centro histórico encontra-se outra cidade, feita de bairros como a Ilha das Cobras, que ficam para lá da zona à qual o arquitecto chama “o nosso Muro de Berlim”, e a que outros chamam pomposamente “o aeroporto”. Trata-se, na verdade, de um campo aberto para os aviões privados poderem pousar. Essa faixa de terreno divide Paraty ao meio, e mantém o centro histórico longe dos problemas de droga e violência – recentemente houve registo de seis assassinatos numa única semana. Não pensar a cidade com todos os seus problemas e contradições era algo que não fazia sentido para Mauro. “Era preciso pensar de uma maneira inteligente essa evolução do território em constante mutação. " Paraty estava a tornar-se uma cidade de veraneio, e essas são geralmente “cidades que durante umas décadas se sustentam e depois acabam naufragando numa espécie de entropia económica”. Além disso, “Paraty vivia um problema de sazonalidade muito grande: só entrava dinheiro no Verão, e a certa altura a gente percebeu que não adiantava mais falar de teoria, era preciso que alguma coisa mudasse”. Perceberam que era a cultura que fazia falta "nesse contínuo processo de transformação do território”. A festa literária nasceu aí. Isabel Costa Cermelli, mais conhecida como Belita, esteve lá desde o início. Na época em que tudo começou, era casada com Mauro, e desde esse ano inaugural de 2003 tornou-se a directora executiva da Casa Azul, a associação criada para organizar a FLIP, mas sempre em ligação com a cidade. É na sede da Casa Azul, desde o final de 2012 na Ilha das Cobras, que a vamos encontrar. É mesmo uma casa pintada de azul, e de várias outras cores, com uma biblioteca cheia de livros, sobretudo dos autores que já passaram pela FLIP e, no dia em que o Ipsílon por lá passou, com algumas crianças do bairro a brincar. “Quando pensámos o festival literário foi já com uma estratégia – tinha de ser algo que a população entendesse”, recorda Belita. A primeira edição foi o tal furacão, em que tudo foi muito maior do que inicialmente se tinha imaginado. “A gente fala que foi um bebé que nasceu de barba e bigode”, diz, sorrindo. Esse sucesso inicial obrigou a que os outros projectos ficassem “estacionados” por alguns anos. A primeira biblioteca foi montada em 2005, mas desde a edição inicial começou o trabalho de envolvimento das escolas e dos professores. Hoje, essa é uma das principais apostas da FLIP. Belita tem em cima da mesa o Manual Flipinha 2014, feito para apresentar os autores que vêm à festa, explicar os livros de cada um e ajudar os professores a trabalhá-los da melhor forma com as crianças. Para que tudo culmine na Flipinha, altura em que os alunos saem também para as ruas de Paraty, pondo em prática o que aprenderam e, em muitos casos, tendo a oportunidade de conhecer pessoalmente os escritores que andaram a descobrir nos meses anteriores. “Queríamos usar este programa educativo, que se transformou na Flipinha, numa ferramenta de mobilização para a comunidade paraense se relacionar com a FLIP. Já passaram aqui cerca de 700 professores para trabalhar os autores que virão este ano”, explica, sentada no pátio exterior no cimo da Casa Azul. “Quando aconteceu a primeira FLIP havia três bibliotecas públicas em Paraty; hoje há 30, entre bibliotecas escolares e comunitárias. A gente trouxe quase 30 mil livros para a cidade. ” E que impacto tem tudo isto na população? “O livro virou algo que para o paraense hoje é familiar, querido. Até as lojas de brinquedos começam a ter livros. " E há uma geração que cresceu com a FLIP – crianças que participaram na Flipinha e que hoje, já jovens, fazem parte da Flipzona, mais ligada ao trabalho com as redes sociais, o audiovisual, a produção cultural, incluindo a cobertura mediática da FLIP. Belita acredita que há uma influência real. “Aqui no bairro há problemas de tráfico, de prostituição. Mas os meninos que frequentam a biblioteca, não há nem chance de irem por aí. ” Para além da leitura, há oficinas que as crianças podem frequentar quando não têm aulas, com temas como filosofia, música, artes, criação. E também, para os mais velhos, preparação para o exame nacional do ensino médio. A mudança da Casa Azul da zona do centro histórico para a Ilha das Cobras foi muito importante. “Quando viemos para cá, pensámos ‘como vamos ganhar a confiança das pessoas?’”, conta Belita. “A gente ficou bem atenta. Passamos na rua com um sorriso, perguntamos ‘já foi lá conhecer a biblioteca? Leva lá os seus filhos’. ”Numa mesa junto às estantes de livros está Clélia Botelho, lendo com um menino. Tal como Flávio Araújo, o motoboy-escritor, Clélia viu a sua vida mudar por causa da FLIP. Fazia limpeza na Casa Azul e às vezes ficava a espreitar um livro ou outro. Quando lhe perguntaram se gostava de ler, respondeu: “Pôxa, sou apaixonada por livro. " Perguntavam-lhe então porque não tirava um curso. “E eu dizia ‘passei da idade’. " Mas a actual patroa na casa onde trabalha insistiu: “O que é que você quer da vida? Quer ser sempre faxineira?”. E foi assim que Clélia – que tinha estudado patologia clínica e que decidira trabalhar a dias por não aguentar a vida no hospital, onde se ligava demasiado aos doentes e sofria demasiado – decidiu, já com os filhos criados, voltar a estudar. Com a ajuda do curso da Casa Azul, conseguiu entrar na Faculdade de Pedagogia e, melhor do que tudo, todas as terças e sextas vai ao hospital municipal para visitar as crianças que estão internadas e ler para elas. “Da primeira vez que chego e falo de livros ninguém quer ler, aí eu começo a brincar, a perguntar onde é que a criança mora, e vou abrindo um espaço. Sou a tia da biblioteca, a tia da leitura, quer que eu leia? E eles falam que não. Mas tenho sempre um truque na manga, levo aqueles livros-brinquedo, que têm paisagens, abro e elas já se interessam. Aí, se eu levo 30 livros, elas querem os 30, e às vezes passa da hora”, conta Clélia. Fala numa voz doce, suave, e quase se comove quando lembra o dia em que tinha outro compromisso e não podia ir ao hospital, mas havia um menino que não lhe saía da cabeça e, mesmo fora de hora, acabou por ir. “Quando cheguei na esquina, ele estava debruçado da janela, esperando, e falou ‘Tia! Você veio!’. Não tem nada que pague isso. " Por isso ela vai sempre, segura a mão do menino que tem medo de levar soro (“ele, apertando a minha mão, nem lembrou de gritar”), visita a menina que foi operada, substitui a mãe quando esta sai do quarto para chorar. E à noite, de volta a casa, estuda para terminar o seu curso e, talvez, depois, seguir para a pós-graduação. Beber a água todaA FLIP está mais uma vez a chegar, e muito do trabalho que se faz durante o ano vai culminar em mais uma festa, que, durante alguns dias, transforma Paraty. Mas o sucesso da FLIP não significa – antes pelo contrário – que os seus organizadores não continuem a pensar a cidade. Foi precisamente numa das mesas redondas da festa, na edição de 2008, que o músico Luís Perequê lançou uma ideia provocadora: e se se instituísse um período de defeso cultural?Ele explica: “Com a festa literária, você resolveu com uma classe incrível o problema da baixa temporada. Mas aí entra a ganância e a cidade começa a querer mais, mais, mais. Todos os outros eventos nasceram depois. Até um festival de rodeo se tentou fazer aqui, imagina, numa cidade que só mexe com peixe. A gente descobriu a nascente e ninguém falou que era preciso fazer fila para tomar a água, e que se saltasse todo o mundo dentro da nascente a água ia ficar suja e mais ninguém ia poder beber. Foi isso que nós fizemos. Pulámos dentro da fonte para beber toda a água. ”A proposta do defeso cultural é inspirada no defeso, o período de pausa que os pescadores respeitam para dar tempo a que o peixe se reproduza novamente e evitar a extinção. “Toda a gente gostou muito da ideia. Sabe qual é a maior dificuldade de Paraty hoje? É arranjar um fim-de-semana livre para você fazer um evento. O capital tem pressa e a cultura tem o seu tempo, e não se encontram de jeito nenhum. "O que Perequê argumenta é que se uma cidade não tiver tempo para viver as suas próprias tradições culturais, ela irá transformar-se apenas num bilhete-postal, um cenário para os eventos que vêm, ficam um fim-de-semana, desmontam a tenda e vão embora. “E não venham dar oficinas em troca, é um engano de contrapartida. É o mesmo que você dizer ‘vou fazer um evento na sua casa e lá no final vou fazer uma oficina de lavar a louça’. É isso que os outros eventos fazem. O que eu digo é ‘se envolva com a vida da cidade, não chegue na véspera, me contrata e vai embora’. ”A FLIP encontrou um modelo. É, explica Ovídio Poli Junior, o editor, uma festa mais centrada nos escritores do que nos livros. “Eles mudaram o foco da literatura e do livro para o autor. Tem muita gente que critica essa coisa do espectáculo, mas transformar a literatura em espectáculo num país onde a maioria da população não lê é muito importante. E o mais importante é o potencial que a FLIP gerou no Brasil; ao longo dos anos eu vi várias festas serem pensadas aqui em Paraty. " “Há de facto um culto da personalidade”, concorda Flávio de Araújo. “Quando o escritor é uma figura pública, isso é inevitável, mas, se chama a atenção para a literatura, é bom”. No caso dos escritores (e também arquitectos) portugueses que ao longo dos anos têm passado pela FLIP, “a conexão com o público é extremamente forte”, conta Mauro Munhoz. “Foram sempre momentos extremamente ricos e de muita envolvência com o público”, de Lobo Antunes a Valter Hugo Mãe, passando pelo arquitecto Eduardo Souto de Moura, que, no ano passado, “gerou uma enorme empatia”. O jornalista cultural Paulo Werneck, curador da edição deste ano da FLIP (os curadores mudam todos os dois anos), explica a sua perspectiva: “Ninguém está exigindo que sejam entertainers, que façam comédia stand-up. Mas é um palco, tem a ver com performance, e isso não é motivo de vergonha. Existe uma curiosidade dos leitores por conhecerem os escritores, a presença física é em si, em muitos casos, uma coisa deslumbrante. ” Mas, reconhece, nem todos têm esse feitio. “O [J. M. ] Coetzee apenas leu um conto e dirigiu duas palavras ao público fora dessa leitura, que foram ‘boa noite’. Mas a presença dele basta. A gente convida os escritores para que eles aconteçam, para que cheguem aos leitores deles. Os que são reclusos são reclusos. Eu adoraria que o Herberto Helder viesse à FLIP, mas sei que não virá, como acontece com vários outros, que recusam a dimensão performática da literatura. ”Este ano, tal como já foi em parte o ano passado, a festa será marcada por uma certa convulsão política que tem agitado o Brasil. Werneck, que não quer fazer uma “curadoria personalista”, pretende contudo reforçar o lado do debate de ideias, através de discussões ligadas a problemas do quotidiano, da privacidade na Internet à comida ética e saudável, passando pelo amor e pela paixão. “O Brasil vive um momento de muita politização, mas não trazemos para aqui uma política partidária, e sim uma política do século XXI. Seria impossível fazer a FLIP sem política, não seria uma festa digna do nome de festa literária. "Para o escritor Flávio de Araújo, a FLIP foi um mundo que se abriu para um rapaz nascido numa comunidade local de pescadores e ligado à cultura caiçara, que caracteriza estas comunidades. Hoje, acredita que por tudo isto as novas gerações podem vir a ter outra relação com a leitura, mas acha também que “há uma cobrança muito grande sobre a FLIP para a criação de leitores”, quando essa cobrança “deve ser requerida é às políticas públicas para a leitura”. O mesmo diz Ovídio: “A FLIP é uma ONG. O grande problema é que não existe uma política pública para a cultura na cidade, existe uma política de eventos, patrocinados pelo Estado e que são na sua maioria para os turistas. ”Mauro Munhoz diz também que a Casa Azul “está fazendo a sua parte”, mas isso não dispensa a necessidade de políticas públicas. “Você imagina o que é para cada criança de Paraty que passa pelos programas de incentivo à leitura ver o Amos Oz ir à Flipinha falar sobre literatura? Imagina o potencial transformador disso? Paraty é hoje uma cidade diferente por ter tido essa experiência. ”Por isso, se passar por Paraty entre a próxima quarta-feira, dia 30, e 3 de Agosto, espreite nas tendas à beira da água para ver os escritores a falar, veja se algum deles sai a correr atrás de borboletas utópicas, se passam bois a voar e se a água benta das igrejas se transforma em cachaça. Mas, sobretudo, tenha cuidado ao atravessar as ruas de grandes pedras irregulares. Olhe sempre para os dois lados, não vá dar-se o caso de ser atropelado por algum rapaz carregado de pizzas, de cabeça no ar, sonhando um dia ser escritor.
REFERÊNCIAS:
Dez anos depois do tsunami no Índico, jovem reencontra a família
Então com quatro anos, Raudhatul Jannah foi dada como morta. Desde 2004 que vivia com uma família de pescadores. (...)

Dez anos depois do tsunami no Índico, jovem reencontra a família
MINORIA(S): Mulheres Pontuação: 2 Animais Pontuação: 5 | Sentimento 0.05
DATA: 2014-08-08 | Jornal Público
SUMÁRIO: Então com quatro anos, Raudhatul Jannah foi dada como morta. Desde 2004 que vivia com uma família de pescadores.
TEXTO: Em 2004, um dos maiores tsunamis registados no Oceano Índico devastou grande parte das zonas costeiras de 12 países. A Indonésia foi um dos fortemente afectados, nomeadamente a sua província de Aceh, na ilha de Sumatra, onde dezenas de milhares de pessoas morreram e tantas outras foram dadas como desaparecidas. Raudhatul Jannah tinha quatro anos quando ocorreu a tragédia a 26 de Dezembro de 2004. Foi dada como desaparecida e depois como morta. Quase dez anos depois, os pais receberam informações sobre uma adolescente de 14 anos. A sua filha tinha sido encontrada. Jamaliah, 42 anos, e o marido Septi Rangkuti, 52, sobreviveram ao tsunami, mas os seus dois filhos foram arrastados pela força das águas que invadiram centenas de metros de terra em Aceh e destruíram a sua casa. Raudhatul Jannah, na altura com quatro anos, e o irmão Arif Pratama Rangkuti, de sete, nunca mais foram vistos. Apesar das operações que se sucederam à tragédia para encontrar desaparecidos e reunir as famílias separadas pelo tsunami, Jamaliah e o marido não conseguiram descobrir onde estariam os dois filhos. Após várias tentativas de busca pelas crianças, foi dito ao casal que provavelmente estas estavam entre as 170 mil vítimas mortais na Indonésia. Em Junho deste ano, quase dez anos depois do tsunami, um irmão de Jamaliah disse que viu uma rapariga numa aldeia vizinha que era demasiado parecida com a sobrinha. O homem perguntou na zona se alguém conhecia a adolescente e foi-lhe dito que esta era uma das sobreviventes do tsunami de 2004. Tinha sido encontrada em Banyak, uma ilha remota a cerca de 40 quilómetros a sudoeste de Aceh, onde foi salva por um pescador que a trouxe de volta à província. A mãe do pescador cuidou da então criança até aos dias de hoje e chamou-lhe Wenni. Entusiasmados com a hipótese da rapariga ser a sua filha, o casal visitou-a. Raudhatul Jannah estava viva e tinha 14 anos. “Deus deu-nos um milagre”, desabafou Jamaliah aos jornalistas na última quarta-feira. “Eu e o meu marido estamos muito felizes”, continuou, em declarações à AFP. “Abracei-a e ela fez o mesmo e ela sentiu-se tão confortável nos meus braços”, descreveu a mulher. Raudhatul Jannah disse também estar “muito feliz” por estar de novo junto dos pais. A jovem contou aos pais que o irmão terá também sobrevivido, já que também esteve com ele na ilha de Banyak, mas não foi adoptado pela família que recebeu Raudhatul Jannah, por não ter capacidade económica para cuidar de duas crianças. “Vamos procurá-lo na ilha, porque acreditamos que ele ainda está vivo”, assegurou Jamaliah, que indicou que já foi pedida ajuda às autoridades para encontrar o seu filho.
REFERÊNCIAS:
Palavras-chave filha filho mulher ajuda homem adolescente criança rapariga morta
PJ investiga indivíduo que filmava crianças nuas em Quarteira
Um homem está a ser investigado pela PJ de Faro, por suspeita da prática de crimes de pedofilia. O indivíduo foi detido pela GNR de Quarteira, ao fim de uma fuga de cerca de dois quilómetros entre as praias do Cavalo Preto e Forte Novo. A máquina de filmar que usava para captar imagens de crianças na praia registava vários miúdos nus. O indivíduo, natural da zona do Porto, desempregado, declarou às autoridades que se encontrava no Algarve "de passagem, à procura de trabalho". (...)

PJ investiga indivíduo que filmava crianças nuas em Quarteira
MINORIA(S): Mulheres Pontuação: 2 Animais Pontuação: 5 | Sentimento 0.0
DATA: 2010-08-14 | Jornal Público
SUMÁRIO: Um homem está a ser investigado pela PJ de Faro, por suspeita da prática de crimes de pedofilia. O indivíduo foi detido pela GNR de Quarteira, ao fim de uma fuga de cerca de dois quilómetros entre as praias do Cavalo Preto e Forte Novo. A máquina de filmar que usava para captar imagens de crianças na praia registava vários miúdos nus. O indivíduo, natural da zona do Porto, desempregado, declarou às autoridades que se encontrava no Algarve "de passagem, à procura de trabalho".
TEXTO: O acto teria passado despercebido não se desse o caso de o indivíduo usar uma câmara, debaixo de um jornal, para filmar as crianças que brincavam na lagoa da foz da Almargem, junto à praia do Cavalo Preto. Quatro banhistas aperceberam-se do interesse inusitado pela captação da imagem de um miúdo de dois anos, filho de um casal luso-francês: "Olha ali aquele!", exclamaram. O pai da criança dirigiu-se ao veraneante, que simulava estar a ler o jornal, questionando, em francês: "O que pretende dos meus filhos?". Junto ao rapaz encontrava-se uma menina de cinco anos, vestida com uma tanga. Não obteve resposta. Mais quatro ou cinco pessoas aproximaram-se, a pedir explicações. O homem negou que estivesse a filmar, arrumou o guarda-sol e abandonou a praia. A partir deste momento, dava um filme o que se passou no passado dia 8 de Agosto pelo meio-dia, em Quarteira. O nadador-salvador é alertado para o que teria ocorrido, liga para o 112. A autoridade policial não tem resposta imediata. Quatro banhistas correm atrás do presumível pedófilo até ao pinhal junto à praia, onde se dá o confronto. O homem perseguido é atingido com um pontapé por um dos veraneantes. Puxa pelo varão do guarda-sol para se defender e consegue manter afastados os agressores. "O ambiente era de raiva", diz Guerreiro, o nadador-salvador, ao descrever uma situação que exigia a presença da autoridade marítima. "Quando lhe iam atirar com um pedra consegui que fosse desviada, caiu ao lado". O momento foi aproveitado pelo homem para desatar a correr, descalço, pela crista da arriba junto à praia. "Sou casado e tenho dois filhos", exclamou. O nadador-salvador, de chinelos, corre atrás dele: "Porque foge? Espere!". A fuga continua. "Eu não fiz nada, agrediram-me". "Então espere, chamo a polícia e diz quem lhe bateu". Não teve receptividade. Ao fim de mais de um quilómetro de corrida, junto ao restaurante Forte Novo, desaparece pelas traseiras do apoio de praia. Reaparece ao fim de algum tempo e mostra uma mochila: "Não tenho nada". A câmara já lá não estava. Neste instante, um veraneante que tinha assistido às filmagens na lagoa vem dizer ao nadador-salvador que a máquina de filmar tinha sido encontrada no chão, dentro de umas palhas, junto a uns caixotes do lixo. Segue-se nova corrida em direcção ao centro da cidade - Calçadão. Perseguição e fugaO nadador-salvador, estudante de Biologia na Universidade do Algarve, recebe o apoio ocasional de um ciclista, que se oferece para ajudar na captura do homem, cinquentão, mas ágil. A autoridade marítima tardava em chegar. O veraneante da bicicleta acelera a pedalada, agarra-o pela T-shirt: "Vamos acabar com isto, prendemo-lo", diz para o nadador-salvador. O fugitivo responde: "Eu não fiz nada, querem-me agredir". Pedem-lhe que aguarde pela chegada da autoridade. "Não quero problemas", justifica. O desfecho dá-se quando o estudante, já ao telefone com a GNR, pergunta: "Posso prendê-lo? Não tenho problemas com isso?". Deram-lhe o sim, quando já quase o ia agarrar: "Estava a saltar um muro, com cerca de metro e meio de altura, prendi-o pelo calções, sem resistência". À chegada dos guardas, acusou: "Estes senhores [ciclista e nadador-salvador] agrediram-me". A mochila, que tinha atirado para debaixo de uma autocaravana, foi recuperada. De regresso à praia do Cavalo Preto, as autoridades (GNR e Polícia Marítima) resgataram a câmara de filmar que estava na posse das pessoas que tinham feito a denúncia. Na altura que procuraram confirmar o registo da imagem do casal das duas crianças a brincar na lagoa, afirmou o nadador-salvador, os populares acabariam por ver outros retratos de rapazes nus, com idades compreendidas entre os cinco e os sete anos.
REFERÊNCIAS:
Youtube, a emitir desde 2005
O mundo começou a mudar no dia 15 de Fevereiro de 2005, após a activação do nome de domínio YouTube.com. De lá para cá, a Internet nunca mais foi a mesma. Animais domésticos, bebés, guitarristas amadores, skaters desastrados, actores, humoristas, freaks e geeks... Eles estão todos num ecrã perto de si. (...)

Youtube, a emitir desde 2005
MINORIA(S): Mulheres Pontuação: 2 Animais Pontuação: 5 | Sentimento 0.0
DATA: 2011-02-16 | Jornal Público
SUMÁRIO: O mundo começou a mudar no dia 15 de Fevereiro de 2005, após a activação do nome de domínio YouTube.com. De lá para cá, a Internet nunca mais foi a mesma. Animais domésticos, bebés, guitarristas amadores, skaters desastrados, actores, humoristas, freaks e geeks... Eles estão todos num ecrã perto de si.
TEXTO: Se um extraterrestre descesse à Terra e, qual investigação sociológica, passasse os olhos pelo YouTube, espantar-se-ia com a bizarria de tudo aquilo. Numa mesma plataforma, podem ver-se alguns dos melhores e dos piores momentos do desempenho humano. Por um lado o derrube de ditaduras e, por outro, mulheres a deitarem gatos para contentores do lixo. Discursos históricos e cenas de tortura. A ida à Lua e o Holocausto. O Youtube transformou-se num espelho da própria Humanidade, capaz do melhor e do pior. O mais frequente, porém, é ser um espelho do quotidiano. Banalidades como cães a perseguirem aspiradores, uma criança a queixar-se que o irmão mais novo lhe trincou o dedo e experiências com Coca-Cola e Mentos são alguns dos exemplos. E não esquecer as pop stars. 2010 foi o ano do Justin Bieber e da Rihanna, da Lady Gaga e da Shakira e seu Waka Waka. Mas foi também o ano em que os dez vídeos mais populares do YouTube acumularam 250 milhões de visionamentos. Neste saco dos mais populares coube, por exemplo, uma miúda de três anos a chorar pelo cantor adolescente Justin Bieber e um cidadão norte-americano chamado Antoine Dodson cujo depoimento após a entrada de intruso em sua casa deu origem um remix musical viral: a Bed Intruder Song. Parece estranho que o mundo saiba quem é Dodson, mas os números não mentem: graças ao YouTube, o vídeo por si protagonizado foi visto mais de 53 milhões de vezes. Esta espécie de rap vendeu-se aos milhares no iTunes e deu entrada na lista Billboard Hot 100. Este é um dos encantos do YouTube. Qualquer um pode transformar-se numa estrela do dia para a noite. Aconteceu precisamente com Bieber. Um dia comia cereais e bebia leite achocolatado no Canadá e no outro era afilhado do Usher e deslumbrava todas as pré-adolescentes acima do Trópico de Capricórnio. Em Portugal tivemos a Ana Free, que saltou do Youtube para as bandas sonoras das telenovelas da SIC. RevolucionárioO nome de domínio YouTube. com foi activado a 15 de Fevereiro de 2005. Foi uma criação de três funcionários da empresa de pagamentos online PayPal: Chad Hurley, Steve Chen e Jawed Karim. O momento exacto em que estes três jovens decidiram avançar com a ideia de um site de vídeos é ainda uma nebulosa. Vários media têm noticiado que o conceito surgiu quando perceberam que era difícil partilharem online vídeos feitos num jantar em casa de Chad Hurley, mas esta versão dos acontecimentos já foi desmentida pelos próprios criadores. O vídeo inaugural colocado na plataforma chama-se “Me at the Zoo” [Eu no Zoo] e é protagonizado por um dos três criadores do site: Jawed Karim. No clip - que dura escassos 19 segundos e que foi colocado online a 23 de Abril de 2005 - Karim relata como são “fixes” as longas trombas dos elefantes numa visita ao zoo de San Diego. Em Maio de 2005 o site entrou em fase beta de experimentação e seis meses depois, em Novembro de 2005, o YouTube foi oficialmente lançado. O sucesso foi explosivo. Em Julho de 2006, a empresa anunciou que mais de 65 mil vídeos eram colocados online todos os dias e que o site registava uma média de 100 milhões de visitas diárias. O sucesso foi planetário e, em finais de 2006, o gigante Google comprou-o por 1, 65 mil milhões de dólares (cerca de 1, 3 milhões de euros, no câmbio da altura). Actualmente, os números são esmagadores: o YouTube diz que são colocadas no site 35 horas de material novo a cada minuto que passa e que cerca de três quartos desse material chega de fora dos EUA. A seguir ao motor de busca Google e à rede social Facebook, o YouTube é o terceiro site mais consultado em todo o mundo. Nestes seis anos, esta plataforma não potenciou apenas a revolução de nos mostrar o mundo. Ou pelo menos de abrir milhões de janelas sobre ele. Desde 2005 que o YouTube potenciou revoluções reais, a mais recente das quais no Egipto.
REFERÊNCIAS:
Entidades EUA