E se Donald Trump fosse Donna Trump? A piada “transfóbica” do Daily Show
O programa humorístico está a ser a acusado de reduzir as pessoas transgénero a um dichote. A publicação no Twitter foi apagada. (...)

E se Donald Trump fosse Donna Trump? A piada “transfóbica” do Daily Show
MINORIA(S): Mulheres Pontuação: 6 Homossexuais Pontuação: 6 | Sentimento 0.0
DATA: 2017-06-02 | Jornal Público
SUMÁRIO: O programa humorístico está a ser a acusado de reduzir as pessoas transgénero a um dichote. A publicação no Twitter foi apagada.
TEXTO: O The Daily Show está a ser acusado de ter feito uma piada transfóbica para atingir Donald Trump. A publicação foi feita a 17 de Maio, data em que se celebra o Dia Internacional contra a Homofobia, no Twitter — e entretanto apagada, após a chuva de críticas. Na conta do programa humorístico no Twitter, transmitido no canal norte-americano Comedy Central, foi publicada uma pergunta com resposta múltipla. “Que notícias serão reveladas na quinta-feira entre as 17h e as 18h?”, perguntava-se, com as seguintes opções de resposta: “Trump usa a Constituição como um guardanapo no KFC”; “Comey lança um ‘álbum visual’”; “Ivanka pede imunidade”; e, por fim, “Donald Trump anuncia que agora é Donna Trump”. Foi esta última opção que gerou alguma controvérsia, sobretudo na comunidade LGBT, por dar a entender que a mudança de sexo é uma condição degradante e, portanto, que pode ser usada enquanto piada. O tweet foi entretanto apagado mas houve quem o registasse e voltasse a divulgar pelas redes sociais. Vários utilizadores do Twitter consideraram a piada ofensiva e transfóbica. Since they, like the people they make fun of, are deleting tweets now: The Daily Show making a joke at the expense of trans people. pic. twitter. com/73S3MuLl5M“Isto teve piada até que acabou à custa de um grupo marginalizado”, escreveu um utilizador do Twitter. “Ponham-me à frente do Daily Show. Qualificações: nenhumas, mas pelo menos não vou fazer piadas más à custa das pessoas transgénero”, publicou outra pessoa. “Uma piada sobre transgéneros? A sério? Em 2017? O que raio aconteceu ao Daily Show?”, questiona outro utilizador do Twitter. @TheDailyShow Do better Daily Show. Trans people are not punch lines. ??Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. @TheDailyShow Haha you're right daily show. Someone transitioning is definitely as crazy as the other things on this list@TheDailyShow This was funny until it ended at the expense of a marginalized group. #DroppedTheBallAinda assim, o actual apresentador Trevor Noah – que sucedeu, em 2015, a Jon Stewart e que não estará obrigatoriamente relacionado com a gestão das redes sociais – já tem sido elogiado por ter entrevistado, no decorrer do último ano, a actriz Laverne Cox e a vocalista Laura Jane Grace, ambas trangénero. De qualquer modo, esta não é a primeira vez que o programa recebe reacções negativas às suas piadas (sobre o aborto, por exemplo) e o próprio Trevor Noah foi acusado de ter tweets antigos que faziam troça de situações que envolviam mulheres, judeus ou violência doméstica.
REFERÊNCIAS:
Palavras-chave aborto violência comunidade sexo mulheres doméstica lgbt homofobia
Uma geração a tentar sair de Gaza para dizer: "Sou de Gaza"
O quotidiano de Gaza é definido pelos limites do território. Mas no meio da destruição e da densidade urbana, a Internet funciona. A ligação ao exterior traz possibilidade de trabalho, e há startups a sair do grupo dos “empreendedores mais duros” do mundo. (...)

Uma geração a tentar sair de Gaza para dizer: "Sou de Gaza"
MINORIA(S): Mulheres Pontuação: 6 Homossexuais Pontuação: 6 | Sentimento 0.0
DATA: 2018-06-21 | Jornal Público
SUMÁRIO: O quotidiano de Gaza é definido pelos limites do território. Mas no meio da destruição e da densidade urbana, a Internet funciona. A ligação ao exterior traz possibilidade de trabalho, e há startups a sair do grupo dos “empreendedores mais duros” do mundo.
TEXTO: Hala Olwan e Iyad Altahrawi são jovens e ambiciosos num lugar de enormes dificuldades para quem é jovem e ambicioso: a Faixa de Gaza, um pequeno território cercado, de onde é difícil (alguns dirão: quase impossível) sair, onde os bens que entram são restritos e rigorosamente revistos, onde há electricidade apenas quatro horas por dia, onde quem governa é o movimento islamista Hamas. Hala sente que a sua vida é ainda mais complicada por ser mulher. Mas tem um plano e está a segui-lo com rigor. Vai fazer “tudo o que conseguir, e ainda “mais um pouco” para tentar “realizar um sonho quase impossível”: sair de Gaza e conseguir um emprego fora. Já Iayd fez o percurso de sonho de Hala e regressou: saiu para estudar nos EUA e na Alemanha, trabalhou em Frankfurt, mas largou um emprego para voltar, ajudar e trabalhar com os “empreendedores mais duros do mundo”. Iyad Altahrawi está no espaço dos Gaza Sky Geeks, uma incubadora de startups, academia de código, aconselhamento a freelancers e espaço de coworking, um oásis de electricidade, energia e optimismo no meio de Gaza. A decisão que tomou é sempre questionada — a maioria das pessoas está a tentar fazer o oposto. Iyad não desvaloriza as dificuldades, nem para si próprio — “É verdade que às vezes estou encurralado em Gaza e não consigo sair” — nem para o trabalho. “Trabalhamos num ambiente muito incerto”. Mas desde que regressou, há mais de um ano, nunca se arrependeu, garante. “Gosto de acordar e ir para o trabalho todos os dias”, sublinha. “As pessoas são muito activas e ambiciosas. Toda a gente está a tentar conseguir chegar a qualquer lado”, diz. Nos Gaza Sky Geeks tem possibilidade de ajudar e fazer mesmo a diferença. “Este é um local de esperança e ambição. ”A um sábado às 9h30 da manhã (é o segundo dia do fim-de-semana na região) já há uma série de pessoas sentadas na sala comum de coworking, de café e computador à frente. O espaço tem quadros com frases motivadoras de figuras inspiradoras de Harry Potter a Rocky Balboa (“Não é uma questão de quão forte consegues bater, é quão bem consegues aguentar ser atingido e continuar em frente”). O caos de Gaza, as buzinas e burros, o pó e os checkpoints do Hamas ficam lá fora. Aqui há um bulício, mas mais organizado: “Não trabalhes duro, trabalha de forma inteligente”, diz outro cartaz. O inglês é a língua franca, mas há também informação em árabe. Iyad Altahrawi é responsável pelo programa de incubação e aceleração nos Gaza Sky Geeks e trabalha de perto com as equipas de startups e mentores. Está prestes a começar um programa de aceleração de 16 semanas com workshops, metas semanais, e um dia de demonstração para apresentação a investidores. A Internet é uma das infraestruturas boas de Gaza, o território tem muitos jovens qualificados. O programa Gaza Sky Geeks (GSG) começou em 2011, com financiamento da organização de ajuda dos EUA Mercy Corps e da Google, para aumentar o conhecimento de tecnologia, e foi tendo cada vez mais ofertas e programas, para aproveitar o potencial do trabalho em software. Iyad explica que Gaza tem potencial, por ter grande “talento tecnológico”, de se tornar um exportador de trabalho na área como é a Índia. A dificuldade em trabalhar com hardware (quase nada entra em Gaza; apesar disso, há uma série de pessoas a trabalhar com impressoras 3D, contornando a falta de materiais com peças antigas e vídeos de instruções do YouTube) também leva a que a maior parte das pessoas da área se dediquem antes ao software. E com os GSG a conseguirem ter pessoas a participar em competições internacionais e ganhar prémios, Iyad garante: “Tenho a certeza que lá fora somos conhecidos pelo nosso trabalho. ”Mas nem tudo o que é virtual funciona só em meio virtual. Se é possível contrariar o não ter matérias primas oferecendo serviços, a dificuldade em viajar afecta muito as hipóteses de crescimento. É que os donos do dinheiro “não investem em ideias”, diz Iyad, querem sim “conhecer as pessoas, ver como trabalham”. Existe o Skype, mas neste caso não funciona. Muitas vezes há oportunidades fora, mas o ritmo das autorizações de Israel é incomparavelmente mais lento do que o ritmo das oportunidades. E do Egipto é ainda mais incerto. Os dois países bloqueiam o território invocando razões de segurança; organizações de defesa dos direitos humanos dizem que o bloqueio é ilegal e que serve como “castigo colectivo”. Face a tudo isto, importa “nunca desistir”, diz Sara Alafifi, do programa de mentores e comunicação. Mesmo que a taxa de saída dos empreendedores para mostrar trabalho, ou de formandos para estágios em empresas internacionais, seja “de 5%”, eles vão tentar sempre aumentá-la. Mesmo que não haja lógica aparente nas decisões, e que a saída de uma pessoa possa ser aceite numa vez e rejeitada na seguinte, “vamos aprendendo”. A aposta é na maior antecedência possível, e na flexibilidade de todos — “nem que seja preciso adiar”. Por exemplo, recentemente a Google aceitou adiar seis meses um estágio de um formando dos GSG até chegar a autorização para a viagem. Acabado o estágio, novo problema — o regresso também teve de ser adiado (as entradas são quase tão incertas quanto as saídas). Mas o estágio foi feito. Outro problema é a falta de opções de pagamentos: o PayPal, sistema quase universal, não opera na Palestina. Por isto e por tudo o resto, explica Sara Alafifi, é que aqui estão “os empreendedores mais duros” do mundo. Porque estão habituados a trabalhar num local onde tudo pode acontecer, a contornar todos os imprevistos, a encontrar uma solução para todos os problemas. O chavão de não haver dificuldades e sim desafios a superar é verdadeiro aqui, todos os dias. Mas também porque é possível trabalhar arduamente, ser óptimo, e perder uma ou várias oportunidades. É preciso saber lidar com a incerteza, com a frustração. “Fazes o mesmo que pessoas em todo o mundo estão a fazer — e devia estar a resultar. Mas estás em Gaza, por isso tens de trabalhar mais. E ter paciência”, explica Sara Alafifi. Sara nota que em todo o mundo as mulheres trabalham mais e em Gaza trabalham ainda mais. Mas aqui nos Gaza Sky Geeks, “se há coisa que não há, é falta de ajuda para mulheres”, sublinha. Elas são 53% em todos os programas, e a percentagem sobe na parte das startups: 58% são fundadoras ou parte das equipas. Os casos de maior sucesso saído dos GSG são startups de mulheres — Nour Abuzaher é uma delas, a sua empresa MomyHelper, de ajuda a mães árabes, que obteve um segundo lugar numa competição de startups em Istambul (para onde teve autorização de Israel para ir — já para outro concurso na Califórnia não conseguiu) e financiamento de uma business angel (como são chamados investidores relativamente pequenos) do Dubai. Nour teve a ideia para um serviço de aconselhamento de mães árabes depois de ser mãe. “Na altura estava fora de Gaza, não estava perto da família, e não sabia lidar com o meu bebé — queria fazer tudo o possível para dar tudo ao meu pequenino”, conta. Começou a partilhar no Facebook algumas das ideias para o seu “pequenino”, como chama sempre ao filho (hoje com três anos). Recebeu muitos comentários e mensagens privadas de mães que não conhecia a pedir a sua opinião para dificuldades e problemas. “Eu não podia responder, não sou especialista”, nota. Percebeu que havia ali uma necessidade. Leu que as mães árabes têm uma percentagem de depressão comparativamente alta. E que apesar de haver rede e de apoio familiar, o mundo já não é o mesmo do da sua mãe e avó. Assim começou a trabalhar numa aplicação para aconselhamento profissional fácil e discreto para mães árabes — telefónico, sem imagem, o que é importante sobretudo se o especialista for um homem. A empresa foca-se no mercado do Médio Oriente e Norte de África, mas Nour conta que mesmo sem ter esse mercado como target, tem utilizadoras da Alemanha ou Áustria. Nour sublinha que muitas mulheres sempre trabalharam em Gaza — embora as profissões mais típicas fossem como professoras ou enfermeiras. Mas “a situação mudou muito nos últimos cinco anos”, explica. As dificuldades económicas fizeram com que muitas famílias já não vejam com maus olhos que as mulheres trabalhem e ganhem dinheiro. “Cada vez há mais mulheres a sair, trabalhar, fazer voluntariado — há uma percentagem que não pode, é verdade, mas é cada vez mais pequena. ”Voltando a Sara al-Afifi e à sua tour algo acelerada de tudo o que os Gaza Sky Geeks têm para oferecer, ela sublinha a parte direccionada para as mulheres: clubes de código para mulheres (“a maioria não é encorajada na universidade a seguir esta via), reuniões regulares com mulheres que têm startups, brunch às segundas-feiras com mulheres inspiradoras e sempre que há mentoras internacionais também é organizado um encontro. “Algumas das visitantes internacionais ficam espantadas e dizem que aqui é melhor para as mulheres do que em Silicon Valley”, diz Sara. “Os homens é que às vezes acham que estão a ser discriminados. ”A Internet é o trabalho de uns, mas é também uma linha de ligação ao exterior. A pouca distância da sede dos Gaza Sky Geeks está o café Al-Baqa. É uma curtíssima viagem de carro, que pode ser chamado com uma app, que permite partilhar viagens com amigos. “O seu capitão chegou”, anuncia a app — desenvolvida por uma startup saída dos Gaza Sky Geeks. Da janela do carro vêem-se os muros cheios de graffiti, a cúpula dourada da mesquita de al-Aqsa, em Jerusalém, desenhos alertando para o perigo de colisões nos cruzamentos, onde se amontoam carros e carroças e se buzina para passar. O café é uma grande esplanada sobre o mar e vai enchendo à medida que a tarde passa com grupos de amigos que se encontram. Hoje, a estudante Mais Abu Shawish tem um sorriso especial quando anuncia: “Tive o meu último exame: finalmente acabei e posso fazer o que quiser!”, diz. “Estava mesmo stressada”, acrescenta, deixando-se cair na cadeira e pedindo um sumo cor-de-rosa, que condiz com o seu hijab florido. Mais (lê-se Maiz) tem 23 anos e está a acabar o curso de inglês e francês na Universidade al-Azhar — a cerimónia de fim de curso, à americana, ainda está para vir: centenas de alunos vestirão o seu fato com um pormenor de padrão de lenço palestiniano, e chapéu e tudo, para receber os diplomas. O contraste entre a cerimónia e o muro da Universidade é grande: lá foram sendo pintados os retratos dos manifestantes mortos por atiradores furtivos israelitas nos protestos da Marcha do Retorno, que começaram a 30 de Março. O muro só teve espaço para os primeiros — acabaram por morrer 110 manifestantes, a maioria dos tiros (o Exército disse que atingiria quem quer que se aproximasse da barreira que divide Gaza de Israel). Mesmo antes de ter o diploma na mão, a prioridade de Mais é trabalhar. “Preciso de ser independente financeiramente — explica —, porque já tive uma oportunidade de estudar fora e os meus pais não me deixaram”. Nem todas as famílias aceitam que as jovens mulheres viajem sozinhas. Se vai resultar ou não, não faz ideia. Ela oscila entre o pessimismo (“não sei como vai ser, parece que as portas estão todas fechadas”) e o optimismo (“talvez um dia consiga fazer muita coisa!”). O futuro, Mais sabe que vai ser diferente do que é hoje. “Nada fica igual. Não quer dizer que vá ficar melhor, mas igual, não fica”, garante. Esta estudante é “apaixonada por tudo o que é diferente” e por isso tem amigos, que fez online, em todo o mundo. “Os meus amigos mais próximos são os que vivem mais longe”. Um budista, um homossexual, em Gaza não conhece ninguém assim (pessoas de outras religiões há apenas cristãs, uma pequena minoria, “homossexuais talvez haja, sim, mas escondidos”). Estas amizades surgiram num grupo para poliglotas de que Mais fez parte. Fez, no passado, porque a dada altura houve um encontro na Califórnia e ela não foi porque não conseguiu autorização, apesar da pressão de responsáveis do grupo. A ausência foi o motivo para a sua saída. “Um problema das ligações externas de Gaza é que muitas pessoas não percebem o que passamos aqui. ”Tais como: a falta de electricidade; ter electricidade em períodos de quatro horas que não são sempre os mesmos; não saber quando há ou não; não saber, desde há cerca de dez anos, o que é um fornecimento de electricidade normal. As implicações mais óbvias: não se pode ter nada no frigorífico que se estrague em mais do que um dia; ter problemas caso se precise de medicamentos que necessitam de frio; ter a casa às escuras à noite durante longos períodos; ou ter luz eléctrica só de madrugada; ficar frequentemente com o telefone ou o computador sem bateria; a roupa por lavar, ou por passar; ter os elevadores parados (e há muitos prédios altos em Gaza); ler ou estudar à luz de velas ou lanternas. Não ter alívio para o calor no Verão. Estar em casa sem electricidade “é como estar num filme de terror”, diz Tarek, 21 anos, estudante de Engenharia, especialização em Metalomecânica, que se junta mais tarde ao grupo de Mais no café à beira-mar. Estar fechado, à noite, horas a fio, no escuro. . . “é horrível, não consigo explicar. ” “Se é para falar de electricidade, então vamos falar do efeito psicológico”, diz por seu lado a advogada Fatima, 25 anos, que entra na conversa. Fatima é uma das sortudas: tem um contrato de seis meses — “O que é o melhor que se consegue arranjar aqui. ” Mas recusa-se a viver de acordo com o horário aleatório da electricidade. Se há pessoas que deixam todos os interruptores em casa ligados para terem a certeza que acordam quando regressa a luz, e que assim conseguem não falhar as quatro horas quando estas calham a meio da noite, ela faz o contrário. “Já não consigo lidar com isto, então, vivo sempre na escuridão”. “Já estou habituada, foram sete anos a estudar sem luz” — às vezes fora de casa, às vezes com uma lanterna, ou mesmo à luz de velas. Mas isto não quer dizer que não tenha um desejo profundo de ter algumas horas mais de electricidade: “Penso muito que as coisas podem mudar. Sobretudo nos dias de calor, penso em como seria bom ter uma ventoinha”. Mas há dez anos que a situação não muda. Fatima fez uma única concessão à electricidade: tem um carregador de bateria para o telefone; mesmo assim, às vezes fica sem bateria. Por isso muitos jovens estão cada vez mais tempo fora de casa, na universidade, ou no café, onde geradores vão carburando a combustível e com uma ou outra interrupção, asseguram uma quase normalidade. Estar num destes cafés ao pé do mar, então, é a maior escapatória possível, ter um horizonte além do emaranhado de prédios da cidade. É uma sensação, imaginária, porque a Marinha israelita assegura o cerco no mar e nunca seria possível sair por ali. E como a electricidade não chega para tudo, também não chega para tratar os esgotos, e assim, muitas vezes estes são descarregados sem tratamento directamente no mar. Mas num sítio onde não há quase nada para fazer, não ir ao mar, não deixar as crianças nadar, está fora de questão. O máximo é evitar as zonas de descarga directa. Da esplanada do Al-Baqa vêem-se os miúdos, gritos entusiasmados, a lutar com as ondas, a brincar com o vaivém do mar. Ao longe parece tudo bem; ao perto vê-se que a espuma não é branca. Muitos destes jovens falam inglês como se tivessem saído de um intercâmbio nos Estados Unidos — mesmo que a maioria nunca tenha ido a nenhum lugar a mais de 20 quilómetros de onde estão. A fluência que têm espelha o seu esforço — é a chave para a tão ansiada saída. Hala Olwan é o exemplo máximo disto: tem 21 anos, estuda Literatura Inglesa na Universidade Al-Azhar, nunca saiu de Gaza, mas fala como se estivesse numa série de televisão americana, velocidade, entoação, ritmo, entusiasmos e tudo. Hala está na sala da casa da sua família, onde hoje estão também a mãe, os quatro irmãos (“os macaquinhos”), e uma amiga. É num terceiro andar e foi possível subir de elevador porque estamos numa hora em que há electricidade. Enquanto falamos, a mãe serve Coca-Cola já fresca de uma hora no frigorífico, e vai supervisionando o carregar de uma bateria que parece de automóvel, e depois outra. Estas vão guardar alguma electricidade, que depois é usada, com um conversor, para ver televisão, carregar um telefone, ter luz para ler à noite. Isto diminui a vida útil dos aparelhos, mas é melhor do que só os puder usar às horas de fornecimento. É impossível escapar a este tema em Gaza. Mas não é só a electricidade, e ter de planear toda a vida à volta daquelas quatro horas de energia — é ter de “lidar com as expectativas sociais em relação às mulheres”, o que é, sublinha Hala, “uma questão de cultura e não de religião” (ela usa o véu islâmico). Feminista, lança-se num desabafo sobre o poder dos homens sobre as mulheres, o facto de os maridos serem quem decide tudo, de haver violência doméstica. Ela não quer valer menos, não quer submeter-se, não quer ser “uma mulher em Gaza”. “Sou muito ambiciosa”, diz, “tenho um plano, e vou fazer tudo o que puder para conseguir este sonho quase impossível” — sair de Gaza. O plano inclui esmero no estudo — tem de ser excelente porque quer concorrer a uma bolsa e tem de estar entre os melhores para a ganhar. Vai procurar tudo o que é preciso saber sobre as bolsas disponíveis, cruzar toda a informação que conseguir, e vai fazer uma candidatura que lhe dê as melhores hipóteses. Não quer pôr a hipótese de não resultar. “Nós fazemos tudo e até mais qualquer coisa”, diz, falando de si — e de repente, está a falar também dos habitantes de Gaza em geral. “Passámos por três guerras e estamos a sobreviver. ” Olha para a amiga, que está ao lado, toca-lhe no braço, e sai-lhe uma exclamação sentida: “Oh-my-God! Tenho tanto orgulho de ser palestiniana!”Mas quer ser uma palestiniana fora. Às vezes demora muito tempo a ter uma ideia do que isto poderá ser. Abier Almasri, por exemplo, saiu de Gaza pela primeira vez aos 31 anos. Foi há dois meses. Sentada num pátio de um antigo e clássico restaurante da cidade, Abier, que trabalha em pesquisa na organização de defesa de direitos humanos Human Rights Watch, ainda se emociona ao falar disso. Contar esta história é um misturar de relatos de restrições práticas, suspenses burocráticos e sentimentos tão fortes que a fizeram rir e a seguir chorar e tudo ao mesmo tempo. As restrições são a parte mais fácil de contar, embora leve tempo: nunca se sabe se a autorização dada por Israel se vai manter até ao momento em que se passa realmente para o lado de lá; quem sai pode levar pouco mais do que roupas (muitas pessoas optam por levar sacos de plástico transparente com roupa). Pasta de dentes, champô, maquilhagem: nada disto pode passar. Pior, para quem trabalha: não é possível levar computadores portáteis. No caso de Abier, como a viagem era para uma reunião da Human Rights Watch em Nova Iorque, ainda havia o visto para os EUA — que tinha de ser pedido em Amã (Jordânia) e nem acreditou quando conseguiu. Depois vem a parte mais difícil de relatar. “Viajar mudou-me”, diz Abier, gestos calmos interrompidos por entusiasmos repentinos. “Porque se és daqui e viajas para outro sítio, percebes que mereces uma vida melhor”. Porque em Gaza “as pessoas estão com tanta falta de empregos, de salários, de seis ou oito horas de electricidade — já nem sequer pensamos em 24. . . estamos tão preocupados em ter os cuidados de saúde de que precisamos se ficarmos doentes”, diz. “Estamos tão ocupados com isto que nem pensamos no futuro. Mas nós merecemos esta vida melhor e este futuro”. Sair é “respirar um ar de liberdade”, diz Abeir. “Só me apetecia dizer a toda a gente: ‘eu sou de Gaza! Sou de Gaza!’ “, conta, a sorrir. “Gravei vídeos para me lembrar da sensação. Não consigo descrever, é impossível pôr em palavras. ”Sair “é mágico”, dizia na esplanada Tarek, o estudante de engenharia. “É como se flutuasses no ar”, gesticula, com saudades. Sair é achar estranho que lugares estejam todos iluminados durante a noite “só porque é bonito”, que não haja barulho de geradores para suprir a falta de energia, nem haver um balão do exército israelita a recolher imagens, é andar por um aeroporto e comentar que este é — “de certeza, pessoal!” — maior do que Gaza. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. “Apesar de tudo isto”, dizia ainda Tarek, “Gaza não é um inferno como as pessoas possam pensar — também é bonito”. Aponta para o mar. E olhando depois as pessoas em volta no café, em conversas animadas em grupo ou em família, ou a dois, mais recatadas, termina: “O mais importante é o espírito. ”
REFERÊNCIAS:
Rapper XXXTentacion, um jovem fenómeno, morre após aparente assalto
O rapper tinha 20 anos e a sua curta carreira deu-lhe o número 1 de vendas nos EUA e alguma polémica. (...)

Rapper XXXTentacion, um jovem fenómeno, morre após aparente assalto
MINORIA(S): Mulheres Pontuação: 6 Homossexuais Pontuação: 6 | Sentimento 0.075
DATA: 2018-06-21 | Jornal Público
SUMÁRIO: O rapper tinha 20 anos e a sua curta carreira deu-lhe o número 1 de vendas nos EUA e alguma polémica.
TEXTO: O rapper norte-americano XXXTentacion morreu nesta segunda-feira, em Miami, depois de ter sido atingido por vários tiros à queima-roupa, avançou o site norte-americano TMZ. Teve uma vida conturbada, marcada pela violência e pela história de rápida ascensão de um jovem talento musical. O rapper de 20 anos estaria a comprar uma mota, em Miami, no estado norte-americano da Florida, quando dois homens armados saíram de um carro e pelo menos um deles começou a disparar na sua direcção, segundo detalhes entretanto dados pelo xerife de Broward, o condado onde ocorreu o tiroteio. "Os dois suspeitos fugiram num carro SUV preto. Os investigadores dizem que parece ser um possível roubo. "O músico ainda foi assistido no hospital, mas não resistiu aos ferimentos. XXXTentacion, nome artístico de Jahseh Onfroy, apresentava-se como uma jovem promessa no rap e o seu segundo álbum, ?, entrou directamente para número 1 no top de vendas da Billboard - o primeiro, 17, tinha chegado a número 2. No total, vendeu mais de 2 milhões de discos na sua curta carreira. Forjou o sucesso na plataforma de música SoundCloud com o seu primeiro tema, Vice City, e desde então foi lá lançando, e depois através do circuito tradicional, vários EP e temas que iam tocando vários estilos musicais. O SoundCloud, de onde saiu uma vaga de rap recente, foi onde teve outro êxito, como assinala o New York Times, Look at Me!. Na sua vida privada, aguardava julgamento por agressão agravada e violência doméstica por alegadamente ter atacado a namorada grávida. Em tribunal, tinha-se declarado inocente da violência que a sua ex-namorada dizia ser constante e que culminou nesse ataque em Outubro de 2016. Depois disso, doou 100 mil dólares a instituições que se dedicam à prevenção da violência doméstica. Morreu sem ir a julgamento. Como recorda o Washington Post, a sua construção pública enquanto rapper embebia-se também dos relatos de violência - como a alegadamente cometida sobre um colega de cela pela sua homossexualidade ou pelas escaramuças regulares com os próprios fãs nos concertos. A sua conduta voltaria a estar sob análise em 2017 quando foi atacado e acusou os rappers Migos desse acto, mas imagens do ataque comprovariam que não se tratava dos músicos da Geórgia, igualmente bem sucedidos. Na juventude esteve num reformatório por posse de arma e foi detido já em adulto em 2016 roubo e violência armada. Na sequência dessas acusações, o músico foi um dos rappers que a plataforma de streaming musical Spotify retirou do seu serviço (outro deles foi R. Kelly, acusado de abuso sexual de menores) em Maio, por considerar que a vida particular de alguns músicos seria "de ódio". Mas a indústria musical revoltou-se contra a decisão e os temas de XXXTentacion voltaram ao Spotify, um dos actuais principais pontos de consumo musical. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. A sua morte levou vários músicos às redes sociais para lamentar o sucedido, com Kanye West a escrever: "Nunca te disse enquanto cá estavas quanto me inspiraste". O músico Questlove, dos Roots, partilhou uma fotografia do jovem Jahseh Onfroy com a legenda "A América devora os seus jovens". No ano passado, sobre a crueza das rimas de Onfroy, o respeitado Kendrick Lamar recomendava via Twitter: "Ouçam este álbum se sentirem alguma coisa". O contexto de vida do rapper, criado sobretudo pela avó, foi resumido em parte numa entrevista ao Miami New Times, citada esta terça-feira pelo Guardian, em que dizia ter na violência uma forma de chamar a atenção. "Costumava bater nos miúdos na escola para conseguir que ela simplesmente falasse comigo, que gritasse", referindo-se à mãe. Um dos cronistas do actual momento musical no rap e nesse boom do SoundCloud como plataforma de divulgação e criação nessa área musical, Roger Gengo, disse ao New York Times que a sua visão sobre XXXTentacion era sempre dividida. "Tendo em conta aquilo de que foi acusado, a sua música ainda assim era incrivelmente autêntica. O seu verdadeiro eu sangra para a sua música e as suas letras. "
REFERÊNCIAS:
Palavras-chave morte homens escola violência tribunal ataque consumo sexual doméstica abuso
As palavras duras de Chelsea Clinton sobre a amiga Ivanka
Há anos que é conhecida a amizade entre as filhas do ex-Presidente Bill Clinton e do actual Presidente dos Estados Unidos. Mas Chelsea levanta dúvidas sobre as escolhas mais recentes de Ivanka Trump. (...)

As palavras duras de Chelsea Clinton sobre a amiga Ivanka
MINORIA(S): Mulheres Pontuação: 6 Homossexuais Pontuação: 6 | Sentimento -0.2
DATA: 2018-05-31 | Jornal Público
SUMÁRIO: Há anos que é conhecida a amizade entre as filhas do ex-Presidente Bill Clinton e do actual Presidente dos Estados Unidos. Mas Chelsea levanta dúvidas sobre as escolhas mais recentes de Ivanka Trump.
TEXTO: A campanha eleitoral para a presidência dos Estados Unidos não foi capaz de quebrar a amizade entre Ivanka Trump e Chelsea Clinton. Mas, como conta a filha do ex-Presidente Bill Clinton ao Guardian, o mesmo não se pode dizer da presidência de Donald Trump – ou, mas concretamente, da conduta de Ivanka como sua conselheira. Não é que tenha existido concretamente um conflito entre as duas, mas estas não se falam "há muito tempo". Chelsea Clinton, que acaba de lançar o seu terceiro livro de crianças com um tom feminista, She Persisted Around the World: 13 Women Who Changed History, questiona o facto de Ivanka – tal como os seus irmãos – ter aceitado fazer parte da administração de Trump. "[A Ivanka] é uma adulta. Pode fazer as suas próprias escolhas. Quer dizer, ela tem 36 anos. Nós somos responsáveis pelas nossas escolhas", comenta. "Em 2008, tive muito orgulho em apoiar a minha mãe [quando esta se tornou secretária de Estado de Barack Obama] – mas eu discordava dela fundamentalmente em algumas coisas, concretamente a sua oposição, na altura, aos direitos de igualdade de casamento dos americanos LGBTQ. Nunca defendi essa posição, porque não considerava a coisa certa a fazer". Chelsea diz que nunca teria aceitado trabalhar para a mãe, caso esta tivesse ganho as eleições de 2016, e não tolera a escolhas dos filhos de Donald Trump. A excepção, ressalva, é Barron: "Ele tem 12 anos; deixem-no em paz, por favor". Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Quando no ano passado Ivanka Trump ocupou o lugar do pai à mesa dos líderes mundiais, durante a cimeira do G20, o Presidente defendeu a decisão, escrevendo no Twitter se a mesma situação acontecesse com Chelsea e Hillary Clinton "as fake news diriam Chelsea a Presidente!". A resposta de Chelsea veio pouco depois, pela mesma rede social: "Bom dia, senhor Presidente. Nunca ocorreria à minha mãe ou ao meu pai pedir-me [para os representar como Presidente]". E se Ivanka decidisse suceder ao seu pai, a eleição da primeira mulher seria uma vitória para o feminismo? "Bem, não apoiei Sarah Palin quando ela foi candidata a vice-presidente em 2008. E espero que o meu filho seja tão feminista quanto a minha filha. Acho que tem mais a ver com aquilo que nós defendemos e como o fazemos do que o género da pessoa que lá está", responde Clinton ao jornal britânico. Quando falava em 2015 sobre Ivanka Trump à revista americana Vogue, Chelsea só tinha coisas positivas a apontar: "Ela está sempre com atenção a toda a gente à sua volta e a garantir que todos estão a desfrutar do momento. Não há nada de superficial na Ivanka".
REFERÊNCIAS:
Palavras-chave direitos filha filho mulher social igualdade género casamento feminista feminismo
Se um Bolsonaro conquista muita gente, quatro conquistam muito mais
Não foi só Jair Bolsonaro, candidato favorito à vitória nas presidenciais brasileiras do próximo domingo, que saiu das franjas para ameaçar dominar a política brasileira. Os seus filhos foram também catapultados à boleia do fenómeno do pai. O clã Bolsonaro está perto de se tornar o mais poderoso do Brasil. (...)

Se um Bolsonaro conquista muita gente, quatro conquistam muito mais
MINORIA(S): Mulheres Pontuação: 6 Homossexuais Pontuação: 6 | Sentimento 0.533
DATA: 2018-11-30 | Jornal Público
SUMÁRIO: Não foi só Jair Bolsonaro, candidato favorito à vitória nas presidenciais brasileiras do próximo domingo, que saiu das franjas para ameaçar dominar a política brasileira. Os seus filhos foram também catapultados à boleia do fenómeno do pai. O clã Bolsonaro está perto de se tornar o mais poderoso do Brasil.
TEXTO: O apelido Bolsonaro saiu das franjas da política brasileira. Jair, o candidato presidencial do Partido Social Liberal (PSL), está com um pé no Palácio do Planalto. Mas com ele emergiram também os seus filhos, que estão na política há alguns anos. Ao todo, os três Bolsonaros que foram à primeira volta das eleições brasileiras no dia 7 de Outubro arrecadaram 55, 5 milhões de votos. Este clã deixou de ser politicamente periférico e está perto de se tornar o mais influente do Brasil. Flávio, Carlos e Eduardo Bolsonaro são nomes que se tornaram conhecidos no Brasil à boleia do pai, Jair, deputado federal há 27 anos. São muito poucas as diferenças entre as visões políticas, sociais e económicas deste quarteto. Se o patriarca chegar à presidência, o clã Bolsonaro vai estar espalhado um pouco por todas as esferas do poder. E o potencial Presidente contará com poderosos aliados. O mais velho, Flávio, de 37 anos, era até aqui deputado no Rio e foi eleito para o senado. Carlos, de 35 anos, foi o único dos três que não foi a votos este ano, tendo sido eleito para o quinto mandato como vereador do Rio em 2016. Eduardo, de 34 anos, foi reeleito deputado federal na primeira volta com um recorde de votos a nível nacional. À semelhança do pai, todos têm um historial de polémicas. As dinastias políticas não são novas no Brasil. Por exemplo, nas eleições de 2014, segundo um estudo da organização independente Transparência Brasil, 49% dos 523 deputados federais eleitos tinham relações familiares como outros políticos. Mais concretamente, entre os deputados com menos de 35 anos, supostamente a faixa etária que representaria uma renovação, 85% eram familiares de políticos. Na primeira volta das eleições deste ano, até houve um crescimento na chamada “bancada de parentes”. De acordo com os dados do órgão de assessoria parlamentar, o Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar, em 2014, eram 113 os deputados e senadores com parentesco político. Neste momento, o número é de 138. As raízes desta tradição do chamado “poder de pai para filho” remontam, segundo alguns especialistas, à colonização portuguesa do Brasil. Foi a partir daqui que as famílias mais poderosas começaram a dominar as lideranças políticas e sociais no Brasil. A administração territorial da então colónia portuguesa foi feita através do sistema capitanias que eram hereditárias, no qual o território brasileiro era distribuído pelos chamados “capitães donatários”, que eram nobres, grandes proprietários e pessoas próximas à coroa. Estes passavam a administrar grandes extensões de território que iam sendo, depois, transmitidas de pai para filho. Já depois da instauração da Primeira República, estas dinastias familiares alinharam-se de forma mais latente com o poder político, formando o fenómeno conhecido como “coronelismo”, que designa o controlo da política por parte de um pequeno grupo de privilegiados. Há outros especialistas, no entanto, que destacam o facto de as dinastias políticas serem normais em vários países, principalmente na América Latina (os Kirchner na Argentina ou os Fujimori no Peru) e nos Estados Unidos (como as famílias Kennedy, Bush ou Clinton). Danielle Cunha, filha do antigo presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha, que se encontra preso no âmbito da Lava-Jato, candidatou-se a deputada federal mas não foi eleita; Fernando James, filho do ex-Presidente Fernando Collor de Melo, também entrou nas eleições mas não conseguiu ser eleito deputado; Marcelo Crivella Filho, cujo pai, também Marcelo, é o actual presidente da Câmara do Rio de Janeiro, também não teve sucesso na sua candidatura ao cargo de deputado. Estes são apenas alguns exemplos de herdeiros políticos que, com maior ou menor sucesso, se apresentaram a estas eleições. Os nomes que já sejam de alguma forma familiares aos eleitores brasileiros tendem a ser beneficiados em eleições onde estão em competição milhares de candidatos para vários cargos. Com a ascensão do “fenómeno” Jair Bolsonaro, os seus filhos conseguiram ser catapultados. “É irmão do deputado federal Eduardo Bolsonaro e do vereador Carlos Bolsonaro, com os quais comunga os ideais e os valores apreendidos de seu pai, deputado federal Jair Bolsonaro, resumidamente representados pela defesa da família; dos valores cristãos; do valor e importância do trabalho e do mérito como mais justos critérios de progresso social e distribuição de renda; da ética; e do direito à propriedade e à posse e porte de armas por cidadãos cumpridores das leis. ” É assim que Flávio é descrito no seu site. Flávio Bolsonaro entrou na política em 2003, quando foi eleito deputado estadual no Rio de Janeiro, cargo que ocupou até ao dia 7 de Outubro deste ano. Foi eleito à primeira volta para o Senado brasileiro, tendo sido o candidato mais votado do estado carioca. Em 2016, ainda tentou subir mais uns degraus candidatando-se pelo PSL à Câmara do Rio, mas ficou num modesto 4. º lugar. No lançamento da campanha autárquica, Flávio já expunha as bases que sustentam o discurso político do clã: “A nossa candidatura é de protesto contra tudo o que está aí. Governar é eleger prioridades. E o grande ponto de interrogação é o que vai ser o Rio de Janeiro depois das Olimpíadas. Somente uma pessoa independente, de fora desse esquema corrupto da velha política, é que vai ter a liberdade de fazer as verdadeiras mudanças”, disse, na altura, no evento que contou com a presença do pai. No prazo de dois anos, Flávio passou de pouco mais de 420 mil votos no eleitorado carioca para mais de quatro milhões, representando também o crescimento “bolsonarista” nos últimos tempos. Caracterizado igualmente pelo radicalismo no discurso, o filho mais velho de Jair foi acumulando polémicas ao longo da carreira política. A última das quais no início de Outubro, ao defender os seus dois colegas de partido que destruíram, no Rio de Janeiro, uma placa que homenageava a vereadora do PSOL, Marielle Franco, que foi assassinada este ano. “O PSOL acha que está acima da lei e pode mudar nome de rua. Eles só tiraram a placa que estava lá ilegalmente. Se o PSOL quer homenagear a Marielle, apresente um projecto de lei, proposta na prefeitura, para pôr a placa, mas não pode cometer um acto ilegal como esse”, disse. Ao longo do seu trajecto político, teve como principais bandeiras a redução da maioridade penal ou o livre acesso às armas por parte da população. Ele próprio esteve, em 2016, envolvido num tiroteio juntamente com o seu segurança, contra dois homens que tentavam roubar um carro no Rio de Janeiro. Um dos assaltantes ficou ferido e o outro conseguiu fugir. Numa entrevista ao portal da Globo, G1, em 2016, defendeu também a militarização das escolas mais indisciplinadas: “Um dos maiores problemas da educação é a indisciplina, então eu vou buscar o governo do estado para ver onde é possível fazer parcerias para militarizar algumas escolas. ”É também a favor da pena de morte e um defensor da ditadura militar brasileira. “Naquele tempo havia segurança, saúde, educação de qualidade, respeito. Hoje em dia a pessoa tem direito a quê? A votar. E ainda vota mal”, dizia em 2011, numa entrevista ao Estadão, reproduzindo quase ipsis verbis o que defende o pai. As declarações sobre homossexuais também não fogem muito àquilo que já foi dito por Jair, tendo afirmando que duvida de que “algum pai tenha orgulho em ter um filho gay”. Durante a campanha presidencial deste ano, teve direito a ainda mais protagonismo, pois foi cabeça de cartaz em vários comícios e serviu de porta-voz do pai, juntamente com o irmão Eduardo, depois de Jair ter sido esfaqueado e ter estado várias semanas internado. Há poucas diferenças nos discursos dos Bolsonaros. Aquilo que é defendido por Flávio e Jair também o é por Eduardo, de 35 anos. Foi reeleito nestas eleições como deputado federal por São Paulo, tendo sido o deputado mais votado de sempre no país, conquistando quase dois milhões de votos. Foi eleito pela primeira vez para a Câmara dos Deputados em 2014, com mais de 80 mil votos, tendo sido colega do pai desde então. A sua votação este ano no estado paulista foi 22, 5 vezes maior. Nas funções de deputado, apresentou várias propostas de projectos de lei, tais como elevar o piloto de Fórmula 1, Ayrton Senna, a estatuto de herói nacional ou a proibição do comunismo. Ao todo, apresentou 37 projectos de lei e duas propostas de emendas à Constituição, sendo um terço destas feito em co-autoria com o pai. Conseguiu aprovar uma. Sendo também polícia federal, Eduardo ganhou destaque em 2014 por ter aparecido numa manifestação de apoio à destituição da Presidente Dilma Rousseff armado com uma pistola. “O que quer que eu faça? Eu sou policial 24 horas por dia, não deixo de ser para ir a um protesto discursar”, justificou ao El País Brasil. Também teve voz na campanha presidencial depois da facada sofrida pelo pai. A revista Isto É descreveu-o como o “pitbull da família Bolsonaro”: “Enquanto o candidato do PSL à Presidência da República, Jair Bolsonaro, trabalha para amenizar seu discurso, procurando ampliar seu eleitorado, seu filho, o deputado Eduardo Bolsonaro, faz o caminho contrário: radicaliza as suas palavras como forma de manter a parcela cativa de extrema-direita que os garantiu no jogo da sucessão, pelo menos até aqui. ” Ou seja, uma estratégia do género “polícia bom, polícia mau”. Eduardo publicou no seu Instagram uma fotografia com Steve Bannon, antigo conselheiro do Presidente norte-americano, Donald Trump, e estratega político que tem tentando catapultar os movimentos populistas e de extrema-direita na Europa. “Sr. Bannon afirmou ser um entusiasta da campanha de Jair Bolsonaro e certamente estamos em contacto para somar forças, principalmente contra o marxismo cultural”, escreveu em Agosto a acompanhar a imagem. Mais tarde, Jair negou que Bannon o estivesse a ajudar na campanha. Aos 34 anos, Carlos Bolsonaro está no seu quinto mandato como vereador do Rio de Janeiro. Foi reeleito para o cargo nas eleições locais de 2016, pelo que não entrou nas deste ano. Conta também no seu currículo com um recorde: ao ter sido eleito pela primeira vez em 2000, com 17 anos, tornou-se o vereador mais novo de sempre no Rio. Nessas primeiras eleições venceu a própria mãe, Rogéria, primeira mulher de Jair. Segundo foi noticiado, foi o próprio patriarca que lançou o filho para concorrer contra a mãe, depois de um divórcio litigioso. “Nas questões polémicas, ela deveria falar comigo para decidir o voto dela. Mas começou a frequentar o plenário e passou a ser influenciada pelos outros vereadores. Eu elegi-a. Ela tinha de seguir as minhas ideias. Acho que sempre fui muito paciente, mas ela não soube respeitar o poder e a liberdade que lhe dei”, explicava na altura o agora candidato presidencial. Na campanha deste ano, Rogéria utilizou as redes sociais para defender e apoiar o ex-marido. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Jair foi ainda casado com Ana Cristina Valle, com quem teve o seu quarto filho, Renan. Este, com 19 anos, está a estudar Direito e já admitiu gostar de política e de querer seguir as pisadas do pai. Durante a campanha, criou uma página de Facebook para promover Jair. “Filho de Jair Messias Bolsonaro. De direita, estudante de Direito e parte do futuro da nação. Brasil acima de tudo, Deus acima de todos. ”Do seu terceiro casamento, com Michelle de Paula Firmo Reinaldo, Jair teve a única filha, Laura, com sete anos. Durante a campanha, Jair falou em algumas ocasiões da sua única filha, tendo-se emocionado numa entrevista. Mas, em 2017, ironizou com o facto de o seu quinto filho ter sido a primeira rapariga: “Eu tenho cinco filhos. Foram quatro homens, aí no quinto eu dei uma fraquejada e veio uma mulher. ”
REFERÊNCIAS:
Partidos LIVRE
Antes do apagar das luzes
Acordemos antes que as luzes se apaguem no Brasil. A normalização de Bolsonaro é uma ilusão, como aprendemos com Trump. (...)

Antes do apagar das luzes
MINORIA(S): Mulheres Pontuação: 6 Homossexuais Pontuação: 6 | Sentimento 0.0
DATA: 2018-12-12 | Jornal Público
SUMÁRIO: Acordemos antes que as luzes se apaguem no Brasil. A normalização de Bolsonaro é uma ilusão, como aprendemos com Trump.
TEXTO: Na semana anterior a Bolsonaro ser eleito, atravessei o Atlântico, em direção a São Paulo. Foi em 1987 que pela primeira vez rumei ao Brasil, em plena transição, quando decorriam os trabalhos da constituinte que promulgaria a constituição democrática de 1988. A Constituição do Brasil enuncia com detalhe único os direitos políticos e sociais que deveriam abrir um longo caminho para garantir os “valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos“. Sabiam os autores da constituição que era preciso defender a democracia e as liberdades dos seus inimigos, do regresso à noite da ditadura, da violação dos direitos humanos do coronel Ustra, celebrado como herói por Bolsonaro, responsável direto pela tortura e morte de opositores. Serão as ameaças à liberdade uma singularidade brasileira ou estará o Brasil a ser contaminado pela mesma peste da política de ódio e mentira que atacou uma boa parte do mundo? Será a consciência de que o futuro do Brasil é o nosso futuro que explica a paixão que tantos democratas, um pouco por todo o lado, dedicaram às eleições brasileiras? Em Portugal, a essa consciência alia-se uma relação íntima que faz da eleição brasileira uma tragédia muito nossa. Em São Paulo, no abastado Itaim Bibi, bairro de uma classe média que vê uma ameaça nos pobres do Brasil, os restaurantes transbordavam para as ruas. Entre risos e brindes, reinava a despreocupação, a par com a constante consulta das redes sociais: no WhatsApp caíam as fake news que alimentavam o ódio e confirmavam a crença no “mito” salvador do “comunismo”. É esta mesma classe média que, paradoxalmente, valoriza, a sua liberdade individual. Nos meus interlocutores, nos dias de suspense que se seguiram, sobressaía a consciência aguda de que o império da razão e do pensamento humanista estava em perigo, a urgência de pensar a regressão civilizacional. Celso Lafer republicou Hannah Arendt: Pensamento, Persuasão e Poder, lembrando que para a filósofa da banalidade do mal “a política determina o destino”, ou seja, são as opções dos homens que moldam o mundo, sem determinismos históricos ou atavismos próprios a um povo (como já se começa a ouvir, em Portugal, em relação à regressão brasileira). Renato Janine Ribeiro, filósofo, acaba de publicar A Pátria Educadora em Colapso, título de mau presságio, sobre a sua experiência como Ministro da Educação. Para ele, a desigualdade extrema do Brasil, construída durante 500 anos, deve ser a prioridade da política e, como diz no livro, a etapa final do “combate à miséria é capacitar as pessoas pela educação”. Mas para já é preciso, diz angustiado, salvar a liberdade de ensinar do obscurantismo da caça às bruxas da “escola sem partido” e das propostas dos fundamentalistas evangélicos de ensinar o criacionismo e banir a influência do grande pedagogo humanista Paulo Freire. No MASP e no Instituto Tomi Ohtake, a monumental exposição Histórias Afro-Atlânticas, que marca os 130 anos da abolição da escravatura, que fez do Brasil o segundo maior país negro do Mundo. No Miotaki, uma exposição sobre os anos mais duros da ditadura militar, num diálogo trágico com sentido. Como se fosse urgente afirmar, antes que fosse tarde, os valores da humanidade comum e da liberdade, lembrando quão dolorosa e incompleta foi a sua afirmação. . . No dia 24, a 4 dias das eleições, com Renato Janine Ribeiro, o escritor Milton Hatoum e a politóloga Mara Telles, participei no seminário “As democracias perante a emergência da extrema-direita: que resposta?”Milton Hatoum, autor da A Noite da Espera (sobre os anos da ditadura) relembraria como Bolsonaro era o despertar dos fantasmas e as mazelas que assombram de há muito o Brasil, com referências à literatura brasileira, como a personagem Brás Cubas, o falso liberal, esclavagista e corrupto, do romance de Machado de Assis – referência clara aos falsos liberais de hoje, no Brasil e entre nós, que perante a extrema-direita esquecem os princípios que dizem defender. Na USP, debatemos os 25 anos dos Acordos de Oslo para a Palestina, revoltados com a afirmação de Bolsonaro de que, como Trump, iria reconhecer Jerusalém como capital de Israel. Bolsonaro foi o candidato dos fundamentalistas evangélicos, que acreditam na profecia que Jesus só voltará à terra, para o juízo final, quando Israel anexar Jerusalém. A influência do fundamentalismo religioso no Congresso dá dimensão política à demonização dos direitos humanos, do feminismo, do combate à homofobia e da ecologia. No dia do meu regresso, no longo caminho para Guarulhos, enquanto o taxista me dizia que Haddad tinha sido um grande prefeito de São Paulo, telefonou-me Geraldo Campos, professor universitário, que me relata a invasão da universidade pela polícia para retirar a propaganda eleitoral do PT, e a tentativa de prisão de um professor (denunciado por um aluno), por ter explicado o que era o fascismo, mesmo sem mencionar Bolsonaro. Para Geraldo, tal é sinistro presságio dos tempos que aí vêm. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Contei-lhe o que me tinha dito Pedro Dallari, presidente da Comissão da Verdade: que a ameaça aos direitos humanos era real, mas que o Brasil não cairia facilmente no iliberalismo, pois qualquer violação da Constituição enfrentaria a séria oposição das instituições do Estado de direito (nomeadamente do judicial) e da sociedade civil. A consciência de que pesa uma ameaça grave sobre todos, nomeadamente os intelectuais humanistas, é angústia comum a todos com quem falei. Portugal é para muitos país refúgio, ilha de democracia e de direitos numa Europa minada pelo mesmo mal que o Brasil: de nós, esperam solidariedade. Como disse Milton Hatoum, recorrendo a Grande Sertão: Veredas, obra-prima de Guimarães Rosa: “Todo o caminho da gente é resvaloso… tenho medo? Não. Estou dando batalha. ”
REFERÊNCIAS:
Palavras-chave direitos morte homens escola humanos educação prisão negro violação medo escravatura feminismo homofobia
Luzes da ribalta
Parque Mayer é uma fantasia sobre uma fantasia, um olhar para o Portugal salazarista com a revista à portuguesa como pretexto — um filme com mais ambição que resultados mas que é o nosso APV preferido em anos. (...)

Luzes da ribalta
MINORIA(S): Mulheres Pontuação: 6 Homossexuais Pontuação: 6 | Sentimento 0.0
DATA: 2018-12-18 | Jornal Público
URL: https://arquivo.pt/wayback/20181218204840/https://www.publico.pt/1853414
SUMÁRIO: Parque Mayer é uma fantasia sobre uma fantasia, um olhar para o Portugal salazarista com a revista à portuguesa como pretexto — um filme com mais ambição que resultados mas que é o nosso APV preferido em anos.
TEXTO: Talvez a melhor maneira de olharmos para Parque Mayer seja descartando a “ganga” que rodeia, desde há muito tempo, as declarações públicas de António-Pedro Vasconcelos e tomando o filme por aquilo que ele é, apenas: um filme. Em nosso entender, pelo menos, o melhor filme de Vasconcelos em muito tempo, certamente desde Os Imortais — o que não faz dele nem um grande filme, nem o isenta de ter problemas estruturais recorrentes nas últimas obras do cineasta. Que vão de uma duração algo excessiva a uma utilização aterradora da banda-sonora, que carrega a traço grosso em vez de apenas colorir, passando pela queda pontual no maniqueísmo telenovelesco (sobretudo na relação entre Deolinda, a aspirante a vedeta, e o seu namorado, vilão de opereta ao qual nem falta ser PIDE). Realização: António-Pedro Vasconcelos Actor(es): Francisco Froes, Daniela Melchior, Diogo Morgado, Miguel Guilherme, Alexandra LencastreO que Parque Mayer transpira, sobretudo — e é isso que nos seduz nele — é a assumida cinefilia do seu realizador, a vontade de fazer um panorama dos bastidores do teatro popular como os franceses em tempos fizeram, como se fosse um Becker ou um Carné (Vasconcelos fala de Renoir, de French Cancan ou A Comédia e a Vida — mas nenhum deles precisou de 134 minutos para contar as suas histórias. . . ). Que essa vontade de adaptar a ideia à revista à portuguesa não possa ser cumprida — porque a revista é um cadáver adiado que já não pode voltar a ser o que foi; porque a produção nacional não tem um orçamento ilimitado nem um decorador como Alexander Trauner para lhe dar a volta — acaba por cair bem a Parque Mayer. O que foi a revista, no fundo, senão um teatro desenrascado, fazendo das fraquezas forças, parente pobre do palhaço rico? Que Parque Mayer seja “o muito que se pode fazer com o pouco que se tem” é perfeito para falar da revista — e de um período em que era um espaço não inteiramente seguro de crítica social e protesto contra o regime, em que um par de horas num teatro funcionava como escape do cinzento da vida. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Se a revista eram duas horas de fantasia, então Parque Mayer quer ser uma fantasia sobre uma fantasia: o encontro de três “tipos” característicos (a “ingénua” Daniela Melchior, o “mariola” Diogo Morgado, o “senhor doutor” Francisco Froes) numa história que fala de Portugal, onde aquilo que é dito meio a rir no palco é vivido sem sorrisos na vida real, com os actores de televisão e da telenovela a substituirem as vedetas da revista (afinal, sempre são o mais próximo que temos hoje, quer da revista, quer da indústria e do mercado audiovisual que Portugal nunca teve). É uma clara e justa ideia de mise en scène, que o filme carrega — e, a espaços, sobrecarrega — de relevância contemporânea (violência doméstica, resistência política, homossexualidade, prostituição, corrupção), numa salada que escorrega para o didáctico ou para o redundante mas que Vasconcelos vai gerindo com eficácia. E, sobretudo, dando aos actores espaço para emprestarem densidade e vida às personagens de arquétipo, consubstanciado na maneira como Alexandra Lencastre e Miguel Guilherme emprestam personalidade a papéis secundários, e como Froes e Daniela são absolutamente credíveis enquanto par (falsamente) romântico. Claro que, depois, tal como a revista quando as luzes do palco se apagam, o que resta de Parque Mayer é muito pouco: um olhar sobre a pobreza de um país e de uma época que nada traz de novo, um filme escorreito e correcto que confirma APV como um cineasta fora de tempo e fora de moda, Dom Quixote que teima em fazer “cinéma de papa” num país polarizado entre a lógica da televisão em grande écrã e o artesanato de autor. Parque Mayer não é nem um nem outro, mas, como a revista que é o centro do filme (e que, em última instância, não passa de pano de fundo), finge bem ser o que não é.
REFERÊNCIAS:
Palavras-chave violência social prostituição doméstica pobreza
Bolsonaro desce entre os evangélicos e diz que vai acabar com "coitadismos"
Sondagem Ibope dá 57% dos votos válidos ao candidato da extrema-direita e 43% ao petista na segunda volta de domingo. (...)

Bolsonaro desce entre os evangélicos e diz que vai acabar com "coitadismos"
MINORIA(S): Mulheres Pontuação: 6 Homossexuais Pontuação: 6 | Sentimento 0.0
DATA: 2018-12-20 | Jornal Público
URL: https://arquivo.pt/wayback/20181220202910/https://www.publico.pt/1848704
SUMÁRIO: Sondagem Ibope dá 57% dos votos válidos ao candidato da extrema-direita e 43% ao petista na segunda volta de domingo.
TEXTO: Pela primeira vez desde que Fernando Haddad e Jair Bolsonaro passaram à segunda volta das presidenciais no Brasil, aumentou a rejeição ao candidato de extrema-direita, que desceu ligeiramente nas intenções de voto, segundo a mais recente sondagem Ibope, embora continue a liderar, destacado, tudo indicando que vá ganhar as eleições de domingo. A descida deve-se, sobretudo, a um movimento negativo num dos segmentos eleitorais em que Jair Bolsonaro mais apostou – o dos evangélicos. Segundo uma sondagem do instituto Datafolha da semana passada, 71% dos evangélicos brasileiros declarava que ia votar em Bolsonaro na segunda volta. O candidato conseguiu o apoio das mais importantes igrejas evangélicas e dos seus líderes, incluindo de Edir Macedo, chefe da Igreja Universal do Reino de Deus, e um dos proprietários da TV Record. Os resultados da sondagem Ibope, divulgados pelo site G1 da Globo, apontam para uma queda de sete pontos nas intenções de voto neste segmento, em relação ao último inquérito - de 66% para 59%. Fernando Haddad teve um ligeiro crescimento, de 25% para 27%. É verdade que o candidato do Partido dos Trabalhadores (PT) fez campanha esta semana junto de pastores evangélicos, mas esta mudança não deverá já ser um reflexo dessa acção. Houve um aumento de indecisos, ou de intenções de votar branco ou nulo entre os ex-eleitores de Bolsonaro que se definem como evangélicos – o que indica uma decepção com o candidato. Os eleitores de outras religiões, incluindo a católica, mantêm-se estáveis, diz a revista Veja. Eleitores evangélicos ouvidos pela BBC Brasil dizem associar o candidato Bolsonaro à perspectiva de “resposta” a algumas mudanças de comportamento na sociedade nos últimos anos, como o crescimento do movimento LGBT, a visibilidade do feminismo, as discussões sobre a identidade de género e as novas famílias, como os casais homossexuais. Outro argumentos recorrente é a esperança de que o ex-capitão do Exército – e deputado há 27 anos – possa ser realmente um político diferente, pois não tem nenhum processo por corrupção. É “ficha limpa”, ao contrário de muitos eleitos do PT e de outros partidos. Religião à parte, os valores absolutos das intenções de voto para a segunda volta das presidenciais brasileiras, que se realizam já no próximo domingo, dão 57% dos votos válidos (ou seja, a sondagem geral, descontando nulos e abstenção) para Bolsonaro) e 43% para Haddad. Na semana passada, a sondagem Ibope dava 59% a Bolsonaro e 41% a Haddad. A campanha do PT fala muito numa “virada” – a ideia de que Fernando Haddad vai conseguir ainda dar a volta às eleições. O caminho a percorrer para que tal aconteça, no entanto, é muito longo. Por outro lado, o estudo do Ibope aponta para um aumento na rejeição dos eleitores a Bolsonaro - pessoas que nunca votarão nele. Nesta semana, 40% dizem que jamais lhe darão o seu voto, quando 35% diziam o mesmo na semana anterior. E o número de eleitores determinados a votar em Bolsonaro diminuiu de 41% para 37%, A campanha tem estado acesa. Apesar de recusar participar em debates com Haddad, Bolsonaro foi posto em cheque na semana que passou por causa do uso de quantidades maciças de notícias falsas nas redes sociais. A Folha de São Paulo indicou que empresários favoráveis a Bolsonaro pagariam a difusão maciça de mensagens no WhatsApp , o que motivou uma queixa na justiça eleitoral do PT, e o Facebook suspendeu contas de sites difusores de notícias falsas favoráveis a Bolsonaro detidos por uma grupo empresarial. Tanto ele como o filho Eduardo, que é deputado, fizeram declarações preocupantes. O filho pôs em causa a continuação do Supremo Tribunal Federal, e Jair Bolsonaro ameaçou prender "marginais vermelhos", referindo-se ao PT, e na terça-feira, em entrevista a uma rádio, disse que se for eleito, acabará com o que classificou como "coitadismos" de negros, gays, mulheres e nordestinos e que acabará com sistemas de quotas para a entrada na universidade. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. “Tudo é coitadismo. Coitado do negro, coitado da mulher, coitado do gay, coitado do nordestino, coitado do piauiense. Tudo é coitadismo no Brasil, vamos acabar com isso”, disse Bolsonaro, citado pela Reuters Brasil. A perda de votos do candidato de extrema-direita foi mais sentida entre eleitores brancos (de 60% para 56%), na faixa etária dos 45-54 anos (de 52% para 46%), com formação até o ensino médio (de 56% para 52%), com rendimentos entre dois a cinco salários mínimos (de 62% para 57%), no Norte e Centro-Oeste (de 59% para 55%) e no Sudeste (de 58% para 54%), sublinha a Veja. Curiosamente, Fernando Haddad caiu no Nordeste – a única região em que ganhou na primeira volta (caiu de 57% para 53%) e Bolsonaro teve uma subida mínima, de 33% para 34%. Isto reflecte o investimento da campanha do candidato de extrema-direita na região, mas não deixa descansado o petista.
REFERÊNCIAS:
Palavras-chave filho tribunal mulher negro género estudo mulheres gay lgbt feminismo
Muito mais que Weinstein: um ano de MeToo é passar de “me” para todos
O momento MeToo começou há um ano, quando foi exposto um alegado predador em Hollywood e isso permitiu depois milhões de denúncias de cidadãs e cidadãos comuns. Desde então houve botões de pânico, novas leis, greves e uma cultura abalada. Agora, o movimento deve voltar a focar-se nos sobreviventes, defende a sua fundadora. (...)

Muito mais que Weinstein: um ano de MeToo é passar de “me” para todos
MINORIA(S): Mulheres Pontuação: 6 Homossexuais Pontuação: 6 | Sentimento 0.5
DATA: 2018-11-24 | Jornal Público
URL: https://arquivo.pt/wayback/20181124191937/https://www.publico.pt/1845989
SUMÁRIO: O momento MeToo começou há um ano, quando foi exposto um alegado predador em Hollywood e isso permitiu depois milhões de denúncias de cidadãs e cidadãos comuns. Desde então houve botões de pânico, novas leis, greves e uma cultura abalada. Agora, o movimento deve voltar a focar-se nos sobreviventes, defende a sua fundadora.
TEXTO: “Foi um ano de libertação e de empoderamento. Todos os dias conheço pessoas que passaram de vítimas a sobreviventes simplesmente por acrescentarem o seu ‘Me Too’ ao coro” que em Outubro de 2017 começou em Hollywood e se espalhou pelo mundo, recorda a activista Tarana Burke. Um ano de casos de assédio e violência sexual que começaram com nomes famosos e que quer ser o princípio de uma mudança de paradigma que ponha fim à cultura de assédio sexual que afecta milhões de anónimos. Mas é preciso “mudar o foco”, diz Burke, que há 13 anos diz “me too”, do “me” para todos. Tarana Burke é uma activista negra, do Bronx, e há 13 anos tinha criado uma campanha que usava a expressão "me too" - "eu também" - para ouvir sobreviventes de violência sexual e combater o assédio. Lidava com um problema que sabia ser sistémico, mas para o qual o mainstream não tinha despertado - hoje, ele é “mais um campo de batalha nas guerras culturais da América”, como proclamava há dias a revista Economist, em pleno potencial de poder catalisador de mudança. No dia 15 de Outubro de 2017, Burke viu a expressão ser usada como hashtag por uma actriz conhecida, Alyssa Milano, pedindo que quem tivesse sido alvo de assédio ou agressão sexual lhe respondesse “me too” no Twitter. Dez dias antes, tinha sido um conjunto de actrizes como Ashley Judd e Rose McGowan, mas também trabalhadoras sem fama como Lauren O’Connor, a denunciar o assédio, violência e discriminação sexual do poderoso produtor Harvey Weinstein numa investigação do New York Times. Foi há precisamente um ano, e o mundo começou a ouvir. Depois, Ronan Farrow escrevia na New Yorker outra reportagem em que novos nomes, como os de Asia Argento, se juntavam ao retrato. Ao longo desses febris dias de Outubro, mais nomes se juntavam - Gwyneth Paltrow, Angelina Jolie - e se misturavam com os de trabalhadoras desconhecidas do grande público. As duas investigações ganhariam o prémio Pulitzer de Jornalismo de 2017. Muitas outras se seguiriam. Falava-se numa onda, em ajuste de contas. A indignação pela eleição de Donald Trump apesar de 19 acusações de assédio e de uma gravação em que se gabava de, sendo famoso perante mulheres bonitas, poder “agarrá-las pela rata”, a suspeita de actos repetidos de violação (então) sem castigo como os de Bill Cosby ou do assédio dos conservadores dos média Bill O’Reilly e Roger Ailes, da Fox, eram a sua antecâmara. As celebridades davam a visibilidade da sociedade do espectáculo a uma nova forma de encarar a credibilidade da vítima. “Ser ouvido é metade da cura”, disse há dias à revista Variety a actriz Chantal Cousineau, uma de cerca de 400 mulheres que acusa o realizador James Toback de violação. Falava disso há 20 anos e não era levada a sério. “Em Outubro disse ‘Alguém está disponível para falar sobre James Toback?’. Numa semana, éramos 38. Parámos de contar às 395. ”No mundo da política, nas empresas, em Silicon Valley, na Nike ou no McDonald’s, o apelo “me too” tornou-se #MeToo e o momento tornava-se num movimento. “De uma vez só desde Outubro passado, milhões de pessoas ergueram as mãos e as vozes como parte das muitas pessoas que experienciaram o assédio, a agressão e o abuso sexual. Mais de 12 milhões em 24 horas no Facebook. Meio milhão em 12 horas no Twitter. E o número continuou a aumentar”, recorda Tarana Burke num texto de opinião na Variety. “Vejo o MeToo como o mais recente de uma série de movimentos activistas progressistas que têm cativado o povo americano e perturbado o statu quo na última década. Movimentos como Occupy Wall Street, Black Lives Matter”, elenca Cassandra Smolcic, designer gráfica que denunciou pela primeira vez a má conduta de John Lasseter na Pixar. Mas apesar das suas conquistas, o movimento tem as suas limitações. “Se não mudarmos o foco e olharmos de facto para as pessoas que dizem ‘me too’, vamos desperdiçar uma oportunidade verdadeiramente valiosa de mudar a natureza do nosso pensamento sobre a violência sexual”, diz Burke sobre a necessidade de não limitar o problema a Hollywood e à queda de homens poderosos. Este despertar maciço germinava em anos de popularização dos estudos de género e de luta no terreno contra o assédio sexual. “Antes deste ano havia mulheres que vinham ter connosco e nos contavam o que acontecera mas não queriam dizer nada publicamente porque sentiam vergonha”, explica à Time Mily Treviño-Sauceda, co-fundadora da Alianza Nacional de Campesinas, que reúne mais de 700 mil trabalhadoras rurais e que há 25 anos trabalha sobre o assédio. “Mas quando as mulheres da nossa comunidade começaram a ver as mulheres de Los Angeles e de diferentes indústrias a quebrar o silêncio, quiseram dar voz ao assunto. ” Uniram-se às estrelas no #MeToo com cartas e nas ruas. O que conseguiu um ano de MeToo na América real - e também na América aspiracional? Em Julho, Chicago promulgou a portaria “Hands Off Pants On” para dar às empregadas dos hotéis “botões de pânico” que lhes permitam dar alerta se forem atacadas por hóspedes - grandes cadeias, como Hilton, Hyatt ou Marriott, vão aderir depois de anos de denúncias de ataques; os trabalhadores do McDonald’s fizeram o primeiro protesto nacional contra o assédio sexual a 18 de Setembro porque a empresa nada mudou depois de 10 queixas de assédio. No último ano, o número de pessoas a pedir aconselhamento legal por casos de assédio à National Domestic Workers Alliance em Nova Iorque aumentou por causa do MeToo, escreve a Economist. Aumentou o número de processos contra empresas por questões de género, da discriminação aos custos de casos de assédio, e gigantes como a Google e a Fox estão nesse rol. Os acordos de confidencialidade, uma das ferramentas de silenciamento das alegadas vítimas que o caso Weinstein deu a conhecer ao grande público, são agora proibidos às empresas em Washington e a Califórnia deve aprovar em breve uma lei que acabará com as cláusulas que impedem os funcionários de processar os empregadores, revela a revista. A Time’s Up, a organização de apoio às vítimas de assédio nascida com rostos como Reese Witherspoon, Oprah Winfrey ou Ava DuVernay, tem sido sobretudo uma operação de comunicação, mas a acção está a começar, prometem. Tem um fundo de defesa judicial onde trabalha Tina Tchen, ex-chefe de gabinete de Michelle Obama, cujos primeiros 13 milhões de dólares vieram sobretudo de donativos das agências de talentos de Hollywood, e actualmente conta com 21 milhões de dólares - segundo a Economist candidataram-se já a apoio legal 3500 pessoas, dois terços das quais trabalhadores de baixos rendimentos, homens e mulheres vindos da construção, da polícia ou das prisões, como detalhou Tina Tchen à BBC. Estão a trabalhar com os sindicatos para criarem novos códigos de conduta que responsabilizem os empregadores e não só os perpetradores, pelo assédio. Já a organização MeToo lança este Outubro um site e um fundo em parceria com a New York Women’s Foundation para angariar 25 milhões de dólares para trabalhar ao longo de cinco anos para o fim da violência sexual. “Queremos paridade, igualdade salarial, igualdade racial. Estes movimentos intersectam-se”, defende Chantal Cousineau na Variety. O discurso dos activistas não esquece o aspecto sistémico do problema. E também não esquece o poder das grandes promessas vazias que se ficam pelos gabinetes de relações públicas, nem o muito que falta fazer. Publicamente as empresas do entretenimento dizem que estão a adoptar “políticas de tolerância zero” para o assédio, por exemplo. Nasceram várias organizações para aumentar a diversidade, e a presença de mulheres em particular, na imprensa ou nos bastidores dos média e cinema, e contactos com os sindicatos para aumentar a segurança no local de trabalho. “Mas em privado, há uma reacção a fermentar, com muitos executivos, realizadores e estrelas a queixar-se de que o #MeToo foi longe demais”, avisa a crítica de TV Caroline Framke. “Não trabalhei um único dia desde o artigo do Los Angeles Times”, diz Cousineau sobre ter dado a cara na investigação sobre James Toback. “É um sinal de um sistema estragado. ”Outras vítimas sexuais sentem-se excluídas do MeToo, que nos média focou quase tudo nas mulheres e nas celebridades e esqueceu outras comunidades. “Não sou uma actriz bonita e branca. Sou uma pessoa jovem, queer, negra e não-binária com um trabalho de escritório”, escreveu Ebony Miranda, descrevendo ter sido alvo de uma agressão sexual no meio do frenesim de hashtags #AskHerMore, #TimesUp, #WhyIStayed, #WhyIDidntReport sem sentir que eles poderiam incluí-la. “Tem sido uma experiência incrivelmente solitária”, escreveu numa carta enviada ao New York Times. No último ano, figuras queridas do público distorciam-se sob o peso da suspeita e a produção cultural e eram afectadas de forma temporária ou permanente. Os actores Kevin Spacey e Louis C. K. , respeitados pelo público, tornavam-se tóxicos depois de serem acusados em novas investigações jornalísticas de assédio sobre homens e mulheres, respectivamente. Os espectáculos de Louis C. K. eram eliminados do Netflix e a sua série no FX era cancelada; a nova temporada da série House of Cards vai estrear-se daqui a um mês sem Kevin Spacey, actor que foi apagado do filme Todo o Dinheiro do Mundo por Ridley Scott; a série Transparent ficou sem o protagonista Jeffrey Tambor. O Nobel da Literatura fica por entregar este ano por um caso de assédio na órbita da Academia Sueca. Há ainda Dustin Hoffman ou Morgan Freeman, os realizadores Bryan Singer, Luc Besson ou John Lasseter, os jornalistas Matt Lauer e Charlie Rose, o escritor Junot Díaz, a suspeita sobre Woody Allen, a queda do presidente da TV CBS Les Moonves, a condenação do treinador Larry Nassar a 360 anos de prisão. O português Cristiano Ronaldo, cuja alegada violação em 2009 volta agora a público por a sua acusadora sentir que as vítimas de crimes sexuais são encaradas de outra forma - é-lhes dado o benefício da dúvida, da credibilidade. E há Asia Argento. A alegada vítima de Harvey Weinstein primeiro negou, mas admitiu esta semana ter tido relações sexuais com um actor menor, Jimmy Bennett, que se queixa de ter sido vítima de “agressão sexual”. Em Agosto, soube-se ainda que assinou um acordo que limita as suas possibilidades de a processar. O caso Argento foi, em Agosto, um desafio tão grande ao movimento #MeToo quanto a carta aberta de Catherine Deneuve e outras actrizes francesas ou a opinião da escritora Daphne Merkin no New York Times contra a restrição sexual que temem que resulte do actual momento. Discute-se hoje sobre políticas sexuais e os limites e nuances do consentimento, há muitas críticas sobre o julgamento no tribunal da opinião pública e os ditos excessos do momento - que são denunciados, numa peculiar dupla, tanto pelo actor de esquerda Sean Penn quanto pelo Presidente Trump. “É um padrão muito perigoso para o país”, disse recentemente sobre as acusações de agressão e tentativa de violação que pendem sobre o seu nomeado para o Supremo Tribunal, Brett Kavanaugh, protagonista de um momento-chave MeToo e em curso. A audição da queixosa Christine Blasey Ford foi vista em directo por milhões de pessoas e no local duas sobreviventes de violência sexual, Ana Maria Archila e Maria Gallagher, que depois encurralaram o senador conservador Jeff Flake num elevador: “Eu fui sexualmente atacada e ninguém acreditou em mim”, gritou-lhe Gallagher. Horas depois, ele mudava o sentido do seu voto e condicionava a aprovação de Kavanaugh, protagonista de audições que têm testado os limites do movimento #MeToo, a uma investigação federal. O MeToo saldou-se até agora na demissão ou saídas de um senador democrata, Al Franken, oito membros da Casa Branca e três candidatos ao Congresso, bem como um juiz federal. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. “Precisamos de aplicar um sistema justo do devido processo legal”, defende Lauren Sivan, a jornalista que diz ter sido agarrada e beijada à força por Weinstein num restaurante, numa cena em que ele acabou a masturbar-se. Até agora, só Bill Cosby, cujas violações antecedem o MeToo, foi condenado no pós-MeToo; Harvey Weinstein começa a ser julgado em Novembro; há investigações policiais locais em torno dos casos de Spacey, ou de Argento, e a maioria dos nomes conhecidos acusados de assédio nega os actos. Louis C. K. assumiu os seus actos - masturbação em público, frente a colegas - e pediu desculpas às mulheres que assediou. Voltou aparecer em público, de surpresa, para um curto espectáculo de stand-up em Agosto. No domingo passado fê-lo novamente na Commedy Cellar em Nova Iorque, gerando apupos, saídas mas também muitos aplausos. A comediante Alli Breen escreveu no Twitter: “Parece que ele não tem estado a ver as audições de Kavanaugh durante o seu ‘castigo’”. “Não há um sobrevivente-modelo”, avisou Tarana Burke sobre Asia Argento como voz tutelar de um fenómeno complexo. A activista ganhou uma fama que não procurava e tornou-se o rosto mais real do movimento. Burke acolheu as actrizes glamorosas como aliadas. Os Óscares, os Globos de Ouro foram Time’s Up e MeToo, protestos na passadeira vermelha e discursos inflamados, com ela e outras activistas de braço dado com as estrelas. A "pessoa do ano" da Time, em 2017, foram as denunciantes. Mas os Emmys, há duas semanas, já passaram quase sem pins nem discursos. Também não há percursos-modelo para um movimento com tanta gente dentro de um hastag. “O objectivo [do MeToo] é fornecer um mecanismo de apoio aos sobreviventes e levar as pessoas à acção”, escreveu Burke sobre a sua organização, pedindo mais conversa sobre responsabilidade e mudança e menos sobre crime e castigo. “Este movimento ainda tem de ser alimentado por pessoas comuns que votam, que têm voz, que são activas, que estão atentas e cientes de que ele é muito maior do que Hollywood, e maior do que a política. ”
REFERÊNCIAS:
Palavras-chave crime homens lei violência cultura campo tribunal prisão comunidade violação igualdade género sexual mulheres abuso negra vergonha assédio discriminação pânico
Downton Abbey "não é de direita nem é de esquerda", nem "conservadora", e está a chegar ao fim
A saga dos Crawleys e de Downton entra esta terça-feira na recta final em Portugal. Em hora de balanço, autor, produtor e actores reconhecem que foi um sucesso inesperado e rejeitam que se lhe cole o rótulo de “conservadora”. (...)

Downton Abbey "não é de direita nem é de esquerda", nem "conservadora", e está a chegar ao fim
MINORIA(S): Mulheres Pontuação: 6 Homossexuais Pontuação: 6 | Sentimento 0.0
DATA: 2018-12-19 | Jornal Público
SUMÁRIO: A saga dos Crawleys e de Downton entra esta terça-feira na recta final em Portugal. Em hora de balanço, autor, produtor e actores reconhecem que foi um sucesso inesperado e rejeitam que se lhe cole o rótulo de “conservadora”.
TEXTO: Há um sentido de fim nesta nova temporada de Downton Abbey e não é só porque sabemos que é a última. É do fim de uma época que se trata. Do fim de um mundo, mesmo que haja quem insista em contrariá-lo. Não é, por isso, de estranhar que no episódio que esta terça-feira estreia em Portugal (FoxLife, 22h20), e que inclui discussões à volta da fusão de dois hospitais, considerações sobre a ascensão da classe média e o leilão do recheio de uma grande propriedade no campo, se ouça o conde de Grantham dizer a Carson, o mordomo, qualquer coisa como: “Se pudesse parar a história parava. . . Mas nem tu nem eu podemos parar o tempo. ”Estreada em Outubro de 2010, esta produção que é esta terça-feira exibida em mais de 100 países, está já na recta final (no Reino Unido o último episódio irá para o ar no dia de Natal) e, para muitos, mudou a relação do mercado americano com a ficção britânica. Foi já a pensar num balanço que dezenas de jornalistas assistiram em Agosto à antestreia londrina do primeiro episódio desta sexta temporada, com o autor e o produtor executivo da série sentados na plateia e grande parte do elenco numa sala ao lado. Aqui chegados – e depois de sete anos de trabalho, cinco deles com os actores - Gareth Neame, o produtor executivo, e Julian Fellowes, o autor que com Downton Abbey regressou à ficção numa época que já lhe valera um Óscar pelo argumento de Gosford Park (2001), não têm dúvidas de que está na hora de pôr um ponto final nesta história – ou histórias – que tem por centro uma grande propriedade agrícola da aristocracia no começo do século XX e as relações que se estabelecem entre a família dos donos, os Crawleys, e os seus empregados, uma legião de criadas de quarto, motoristas e camareiros, liderada por um mordomo reaccionário. “O ideal é saíres da festa quando toda a gente ainda tem pena que te vás embora”, diz Fellowes, 66 anos, o actor, escritor e membro da Câmara dos Lordes que, desde 2011, responde também pelo título de barão de West Stafford. Sem revelar quaisquer pormenores sobre o destino das personagens nem da casa à volta da qual tudo gravita - Downton é, na realidade, o Castelo de Highclere, a 50 minutos de comboio de Londres -, Neame e Fellowes admitem que nunca esperaram que a série durasse tanto e que fosse um sucesso global de audiências. É feita na melhor tradição britânica, com cenários sumptuosos, um guarda-roupa primoroso e uma grande atenção em todos os detalhes de produção, mas ao contrário das que nascem de romances, cujo fim já é conhecido, Downton Abbey está toda nas mãos - e na cabeça - do seu autor. Mas, para Fellowes, o segredo do sucesso da série não está na qualidade da sua produção, está na densidade da intriga, capaz de criar uma teia de histórias em que as audiências se envolvem. Os ingredientes do costume, garante o autor, estão todos lá, mas aqui e ali a linha narrativa é brindada com um “choque” – uma morte, uma violação, um homicídio – que vem lembrar que Downton não é apenas uma comédia de costumes. “É verdade que consigo ser um snob, mas isso não é o que me define. Todos os rótulos são perigosos – muitos críticos partem do princípio de que eu, como sou um tory, não posso ter imaginação. Porquê? As pessoas de direita não têm imaginação?”, pergunta Julian Fellowes, o autor“Com as tradicionais adaptações televisivas de clássicos de Jane Austen ou Charles Dickens o espectador ficava preso a uma narrativa. Agora, as narrativas são múltiplas, as histórias partem em muitas direcções”, explica Gareth Neame, o homem que desafiou Fellowes a criar os Crawleys. Na resposta ao repto do produtor executivo, o autor pegou numa ideia para aquilo que poderia vir a ser um drama tradicional e, segundo explicou aos jornalistas no Verão, deu-lhe uma estrutura mais dinâmica, próxima da ficção norte-americana para televisão. “A América reinventou a narrativa televisiva nos anos 80 e, desde aí, continuou a acrescentar novidade. A estrutura que procurámos é uma espécie de cruzamento entre Serviço de Urgência, Mad Men e Os Homens do Presidente. Há sempre coisas a acontecer, as histórias multiplicam-se, apoiadas em personagens que todos querem seguir. ”Muitas delas, como a criada de quarto de Lady Mary (Michelle Dockery), a aparentemente frágil Anna Bates (Joanne Frogatt), surpreenderam a dupla autor/produtor. “Sabíamos que Mary seria sempre uma protagonista, uma das linhas de força de Downton, mas Anna foi-se revelando a partir da prisão do marido [John Bates é acusado de matar a primeira mulher]. Ela passa a ser o centro de uma das linhas narrativas quando é violada – não é apenas a criada confidente e leal, ganha um lugar de destaque, impõe a discussão de uma série de temas”, explica o autor. Nem de esquerda, nem de direitaNo seu blazer escuro impecável e com uma gravata colorida, rodeado de jornalistas que o bombardeiam com perguntas, Fellowes está no seu ambiente e isso nota-se. Habituado a ser o centro das atenções, distribui comentários sarcásticos e responde muitas vezes aos desafios de forma a desconcertar quem os lançou. A auto-ironia, mesmo quando se trata de assumir que não ouve bem e que o melhor mesmo é que Neame funcione como seu “intérprete”, é algo que lhe é natural: “Como sou surdo, toda a gente sabe, e a sua pergunta não me interessa, vou fingir que não ouvi está bem?”. A sexta temporada começa em 1925 – passaram 13 anos desde a de estreia – e produtor e autor prometem algumas situações inesperadas. O que não os surpreenderá, certamente, são as críticas que, desde 2012 os acompanham a par de um inequívoco sucesso de públicos no Reino Unido e noutros países, sobretudo nos Estados Unidos, onde é exibida pelo canal público PBS e onde as audiências chegaram aos quatro milhões logo na segunda temporada, ultrapassando em popularidade produções domésticas (e da televisão por subscrição) como Mad Men e A Guerra dos Tronos. “Ficção é ficção e, quando ela é muito boa, as pessoas ficam zangadas porque tudo aquilo, afinal, podia não ser bem assim. Downton Abbey não é a verdade, é só boa – muito boa – televisão”, diz Jim Carter, o Carson de DowntonApesar da aposta no rigor histórico, há quem lhe aponte falhas e, sobretudo, quem, como Viv Groskop, colunista do jornal The Guardian, a acuse de reduzir a sociedade britânica a um punhado de estereótipos para exportação. Também o historiador Simon Schama, professor na Universidade de Columbia, apontou a mira aos clichés de Downton e, embora reconhecesse que é um produto bem feito, capaz de agradar sobretudo nos Estados Unidos (o artigo era para a revista norte-americana Newsweek), fez questão de dizer que gostaria que fosse mais dura, mais perto da história, com uma Sibyl sufragista a sério e Matthew (marido de Lady Mary e herdeiro de Downton e do título de conde de Grantham) entre os 750 mil que morreram na Grande Guerra. Seria demasiado deprimente?, pergunta: “Talvez, mas é suposto a história ser deprimente e não um passeio pelo passado”, escreveu, admitindo que, tendo crescido nos anos 1950 e 60, desenvolveu aquilo a que chama uma “raiva jacobina pela arrogância decrépita dos aristocratazinhos”. Fellowes rejeita, é claro, este olhar sobre a série, contestando os rótulos de “conservadora” que lhe vão sendo colados aqui e ali. “Downton não é de direita nem é de esquerda. Não é de coisa nenhuma. Não é por ter pessoas bem vestidas a interagir com os seus criados que é obrigatoriamente uma série conservadora. Mostramos os privilégios e as injustiças desse mundo e não temos uma agenda política – o que queremos é fazer boa televisão”, diz ao PÚBLICO, admitindo que a leitura que se faz deste drama de época depende sempre do lugar de onde cada um parte. “Para perceber Downton é preciso levar o mundo britânico para casa, perceber que relação temos com a história, que tradição é esta. Se me dizem que Downton não vende a Cool Britannia de que tanto gostava o Sr. [Tony] Blair, pois terei de concordar. E de acrescentar: ‘Ainda bem. ’”E para mostrar que há nas narrativas de Downton Abbey muitos temas e personagens que fogem a uma abordagem convencional lembra Thomas Barrow (Rob-James Collier), o segundo mordomo da casa, homossexual numa Inglaterra em que a homossexualidade é crime; a relação de Lady Rose (Lily James) com um cantor negro; a violação de Anna Bates; e, sobretudo, Charles Carson, o mordomo intransigentemente agarrado a todas as tradições por oposição a um patrão bem mais liberal, que vive entre uma mãe rígida e conservadora – a tantas vezes desconcertante condessa-viúva, interpretada por Maggie Smith, também ela dama do império britânico – e a sua mulher progressista, Cora, uma norte-americana com muito dinheiro. Pelo meio há até a filha mais nova dos Crawleys, Sybil (Jessica Brown Findlay), a casar com o motorista da família, Tom Branson (Allen Leech), “um liberal que já foi esquerda-esquerda”, e a do meio, Edith (Laura Carmichael), a ser mãe solteira e editora de um jornal. Gareth Neame garante que a originalidade de Downton se baseia sobretudo no argumento e na relação, tantas vezes classificada como “irreal” e “romantizada” pelos detractores da série, entre a família e os seus empregados, que nesta última temporada são cada vez menos porque, como lembra o conde de Grantham, é preciso cortar nas despesas da propriedade. “A série tem personagens conservadoras, é verdade, como Carson e a condessa-mãe, mas mesmo essas são capazes de surpreender”, diz o produtor executivo. E se é certo que há quem resista à mudança, mesmo que ela se apresente sob a forma de um gramofone, de um secador-de cabelo ou de um frigorífico, também é certo que há outras que são “absolutamente progressistas”. Isto porque, sublinha Fellowes, liberais há em toda a parte e em todos os tempos. “É verdade que consigo ser um snob, embora hoje seja muito menos do que já fui, mas isso não é o que me define. Todos os rótulos são perigosos – muitos críticos partem do princípio de que eu, como sou um tory [membro do partido conservador], não posso ter imaginação. Porquê? As pessoas de direita não têm imaginação?” Em Downton, como na vida real, o que é importante mistura-se com o que é trivial. “Não é porque agora falamos da ameaça da Rússia ou discutimos as posições do Sr. [David] Cameron sobre a nossa permanência na União Europeia que daqui a cinco minutos não posso estar a comentar a camisa nova que alguém traz. Entre os Crawleys passa-se o mesmo – a vida no começo do século também não era só feita de coisas sérias. ”Isto é uma ficçãoUma das “coisas sérias” que, para muitos, fica afastada deste drama, é a luta de classes, a outra é relativa às duras condições em que vivia todo o staff de uma casa como Downton no início do século XX. Apesar da aposta no rigor histórico, há quem lhe aponte falhas e, sobretudo, quem, como Viv Groskop, colunista do jornal The Guardian, a acuse de reduzir a sociedade britânica a um punhado de estereótipos para exportação. “As pessoas têm de se lembrar que isto é ficção televisiva, não é documentário. Há toda uma liberdade para criar”, diz Michelle Dockery (Lady Mary), elogiando Fellowes por lhe ter oferecido a possibilidade de interpretar uma mulher complexa, cheia de contradições. “Percebo que Downton possa irritar alguns críticos e comentadores porque ela vende uma certa nostalgia de um passado que os incomoda, mas que existiu. E se o sucesso da série parece mostrar que muita gente ainda gosta de olhar para ele, isso diz muito mais sobre o presente do que sobre esse passado. ”Hugh Boneville também não aceita que se possa chamar “conservadora” a uma ficção televisiva, muito menos quando se trata de uma que, como Downton Abbey, tem uma casa por protagonista e vive num tempo atravessado pela mudança, em que toda a tradição está a ser posta em causa. “Não é porque humaniza os aristocratas que a série deixa de ter um olhar crítico sobre aquele mundo e isso vai ver-se bem nesta última temporada”, diz Elizabeth McGovern, a condessa de Grantham. Penelope Wilton – Isobel Crawley, uma mulher de classe média, viúva de um médico e mãe de Matthew (Dan Stevens) – tem outra opinião. Personagem progressista no ecrã, com um profundo sentido de justiça, não tem dúvidas de que Downton é um produto conservador. “Foi Julian [Fellowes] quem a escreveu – não podia ser de outra maneira. Este é um meio que ele conhece bem. O seu meio”, defende a actriz. “Agora, uma série conservadora pode ser também muitas outras coisas, como uma boa história, baseada em personagens extraordinárias que saltam do guião como pessoas que podíamos ter conhecido antes ou depois da Grande Guerra. ”São também as personagens – e o que o elenco fez com elas – que mais interessam ao intransigente Carson. “Todas estas figuras são muito credíveis porque Julian e nós as fizemos assim, desafiando muitas vezes os planos que ele tinha para as personagens”, diz Jim Carter na sua voz grave. Quanto à luta de classes “branqueada” de que tantos falam, e que já mereceu até um artigo na prestigiada revista de relações internacionais Foreign Affairs, o actor diz apenas: “Ficção é ficção e, quando ela é muito boa, as pessoas ficam zangadas porque tudo aquilo, afinal, podia não ser bem assim. Downton Abbey não é a verdade, é só boa – muito boa – televisão. ”Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. E deve-se em grande parte a Fellowes, o homem que escreveu cada episódio das seis temporadas, dispensando as equipas de argumentistas habituais da maior parte das séries. O homem que diz haver hoje menos mobilidade social do que havia na Inglaterra dos anos 1960 e que reconhece, sem esforço, que há muito do seu mundo neste argumento: “É claro que esta série há-de dizer coisas sobre mim, sobre quem eu sou, com o meu background privilegiado, as boas escolas, as boas companhias, os bons livros. Até sobre a minha tia-avó Isie, a quem fui buscar muito de Violet, que não fazia ideia do que era um fim-de-semana. ”Downton Abbey, defende, não foi escrita para mudar a vida das pessoas, mas se as divertir, se as puser a conversar, até sobre política, terá valido a pena. Pelo menos uma vida influenciou, a de Rob James Collier, o complexo Thomas, personagem que faz uma das maiores viagens emocionais da série. Depois de anos mergulhado no arranque do século XX, de tabuleiro na mão e a abrir portas, Downton já lhe alterou alguns hábitos domésticos. Agora o chá que se bebe na sua casa já não vem em saquetas. “Só folhas”, diz, “um coador cheio de folhinhas”. O PÚBLICO viajou a convite da Fox
REFERÊNCIAS:
Palavras-chave crime morte homens guerra filha homicídio campo mulher prisão negro homem social violação espécie homossexual