O bolsonarismo na favela
O novo Presidente do Brasil atacou verbalmente mulheres, gays, negros e pobres. Jair Bolsonaro, que toma posse no dia 1 de Janeiro, teve forte apoio da elite branca. Mas nem por isso a periferia deixou de votar nele. O que terá levado tantos moradores de favelas a escolhê-lo? O P2 esteve em algumas do Rio de Janeiro à procura de respostas. (...)

O bolsonarismo na favela
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 Africanos Pontuação: 2 Mulheres Pontuação: 9 Homossexuais Pontuação: 9 | Sentimento 0.0
DATA: 2018-12-31 | Jornal Público
SUMÁRIO: O novo Presidente do Brasil atacou verbalmente mulheres, gays, negros e pobres. Jair Bolsonaro, que toma posse no dia 1 de Janeiro, teve forte apoio da elite branca. Mas nem por isso a periferia deixou de votar nele. O que terá levado tantos moradores de favelas a escolhê-lo? O P2 esteve em algumas do Rio de Janeiro à procura de respostas.
TEXTO: Na sede do circo Crescer e Viver onde trabalha Richard Gomes Estrela, 20 anos, há uma enorme tenda de lona azul de onde sai e entra gente. Hora de almoço e a cantina serve carne, feijão, legumes grelhados. Estão a organizar um festival e a actividade é intensa. Richard acabou de ganhar um prémio na mostra competitiva de abertura do festival com um número de acrobacia e lira. Passando pelos cartazes a anunciar espectáculos, aponta orgulhoso para um deles, onde um corpo está contorcido na lira, de uma flexibilidade impressionante: “Aquele ali sou eu. ”O Crescer e Viver é um projecto que junta arte e transformação social, desde os seis anos fazendo acrobacia, contorção, aéreo, malabarismo, teatro, dança e ballet. Neste momento, Richard só se dedica mesmo ao circo, deixou de estudar. No início, o Crescer e Viver era “tudo isso aqui”, diz. Aponta para uma área onde agora há prédios altos na Praça Onze, à boca do metro. É uma zona com carências sócio-económicas e privações habitacionais, onde as casas estão visivelmente degradadas. Jair Bolsonaro (Partido Social Liberal) chegou a Presidente da República — toma posse a 1 de Janeiro — e a extrema-direita no Brasil venceu em várias frentes, com grande apoio de cidades mais ricas, incluindo o Rio de Janeiro, mas nem por isso deixou de ter votos da população mais desfavorecida e discriminada. No estado do Rio de Janeiro chegou quase aos 68% e na capital passou os 66%. Entre quem estava no escalão económico mais baixo de todos, segundo uma sondagem do Ibope, a maioria votou Fernando Haddad (Partido dos Trabalhadores, PT) mas na fatia seguinte — a de quem ganha até dois salários mínimos, 440 euros — Bolsonaro teve uma ligeira vantagem (47% contra 53%). Foi também entre os jovens dos 25 aos 34 anos que o candidato da extrema-direita conseguiu a maior aceitação, com 49%. As mulheres também preferiram Bolsonaro a Haddad. Não foi o único candidato com posições extremistas a vencer. Estando no Rio, há que acrescentar a eleição de Wilson Witzel, com quase 60% dos votos como governador, um homem que defendeu a intervenção militar nas favelas e a licença para matar quem fosse visto com armas. “O correcto é matar o bandido que está de fuzil. A polícia vai fazer o correcto: vai mirar na cabecinha e… fogo! Para não ter erro”, disse. Richard Estrela foi um dos que elegeram Bolsonaro. Leva-nos a sua casa bem no meio do bairro. Passamos por uns edifícios degradados, ele bate numa das portas de onde sai música alta. Há raparigas de biquíni a tomar “banho de lage”; usam copos de água para refrescar o corpo estendido ao sol para bronzear. A casa de Richard vai sofrer em breve remodelações. Numa das áreas da entrada, sem tecto, espalham-se latas de bebidas gaseificadas e outros objectos entre as ervas que crescem. Da cozinha saem dois gatos magros. “Estão rolando muitas críticas sobre Bolsonaro, mas a gente em casa votou nele no segundo turno”, comenta. “Pela segurança. Aqui é um bairro muito perigoso à noite por causa de traficantes e tiroteios”, diz. “Sei que ele pode acabar com projectos sociais, que ele pode liberar as armas. Mas votei mais nele para colocar respeito na sociedade, que falta. ” Como é que Bolsonaro o fará, Richard Estrela não sabe. Mas acredita que arranjará forma de colocar os bandidos na cadeia, “botar mais polícia na rua”: “Todo o momento tem assalto, alguém sendo baleado. Talvez com ele a segurança seja melhor”, responde sem grande convicção ou ideia de como, na prática, o Presidente irá resolver aquilo que ele quer que resolva. Nunca foi assaltado, mas no bairro onde vive já ouviu serem disparados muitos tiros. Jovem negro e assumidamente homossexual, Richard Estrela diz que o discurso homofóbico de um Presidente que fala em “cura gay” e fez vários comentários racistas não o impediram de votar nele. “Ofender até ofende. Eu saio à noite e tenho o maior medo de encontrar homofóbico na rua e querer me bater. Mas não acho que Bolsonaro está incentivando, não. Criaram um fake [news] em cima dos discursos dele. ”A família sempre o aceitou, tanto que chegou a apresentar o único namorado que teve. Mas Richard acha-se diferente de outros homossexuais. Não concorda “com tudo o que fazem os gays”. Por exemplo, não concorda que os casais homossexuais expressem os seus afectos como os heterossexuais, beijando-se em público em frente a crianças. Acredita, por isso, que de alguma forma Bolsonaro irá colocar ordem na “moral e bons costumes”. A dada altura, ele e o padrinho, com quem vive desde os seis anos, falaram sobre em quem votar na segunda volta. De camisa de alças, este ex-motorista que agora está reformado chega à cozinha para nos explicar que o seu voto foi para Bolsonaro por ser “uma verdadeira incógnita”. O sentimento anti-Partido Trabalhista (PT) é grande. “O Haddad sei que seria mais corrupção, uma bandalheira. ”No escritório do Crescer e Viver, o coordenador Júnior Perim, 46 anos, ex-secretário municipal de Cultura do Rio de Janeiro, comenta que Bolsonaro “falou ao imaginário popular porque a população é vítima de crime”. Continua: “Há uma certa hipocrisia que pode minar a democracia brasileira, uma incapacidade de os sectores progressistas da intelectualidade fazerem autocrítica sobre a ausência de uma agenda para a segurança pública pela esquerda. Não são apenas as operações policiais que geram danos colaterais, é também o cara que está a ser assaltado numa comunidade [favela] e que comprou o celular em dez meses. ”Segundo o Atlas da Violência, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), em 2016 houve mais de 62 mil vítimas de homicídio e 71, 5% foram negros. A taxa — que é superior a 30 mortes por 100 mil habitantes — é também 30 vezes mais alta do que a da Europa. No Rio de Janeiro, depois de uma descida entre 2003 e 2010 de 44, 6 para 29, 8, a taxa de homicídios voltou a subir para 31, 7 em 2016. Júnior Perim critica o Governo PT por ter estado 14 anos no poder sem resolver o problema da segurança, sem dar resposta aos homicídios no Brasil. Perim quer acreditar que “a dimensão litúrgica do cargo e a instituição Presidência da República vão reorganizar a fala de Bolsonaro”. A questão da segurança é central para muitos dos analistas. Atila Roque, historiador, ex-director executivo da Amnistia Internacional e actualmente director da Fundação Ford no Brasil, sublinha que a violência está concentrada nas periferias, com os jovens e negros a ser as principais vítimas: “Se compararmos as taxas de homicídio no Leblon [bairro rico do centro do Rio] são tão baixas quanto a Suíça mas se pegar na Baixada Fluminense [periferia da área metropolitana do Rio de Janeiro] vai chegar a patamares altíssimos. A violência é selectiva em termos territoriais e de perfil populacional. ”Apesar de o racismo, o machismo e os preconceitos fazerem parte da sociedade, a novidade foi existir um candidato que teve apoio de pessoas que não são necessariamente racistas e homofóbicas, mas que não encontraram opção e votaram nele, analisa. “Não devemos cometer o erro de achar que todo o mundo que votou Bolsonaro foi cooptado pelo pensamento dele. Temos de escutar com atenção o que é que o campo dos direitos humanos não foi capaz de conquistar ao longo destes últimos dez anos e perdeu para as igrejas evangélicas fundamentalistas: não tratámos da segurança pública e eles foram avançando. ”Com 23 anos, Luca Santana sai todos os dias às 10h de casa, na Vila Kennedy (uma favela na zona oeste) para demorar cerca de 1h30 ou 2h até ao emprego de vigilante num banco na zona sul (a zona abastada). Trabalha em part-time, ganha um salário de menos de mil reais (228 euros), que dá para “sobreviver, não para viver”. Ainda mora com os pais e com os irmãos. Muitos lá em casa — nem todos — votaram em Bolsonaro. Ele não deu o seu voto ao actual Presidente na primeira volta, apenas na segunda. “Não penso nele como um salvador, nem votei por gostar dele. Mas a gente não atura mais o PT. E não votei em Bolsonaro, votei nas propostas dele. ”Isto porque depois de ler as propostas dos dois candidatos concluiu que “entre Bolsonaro e Haddad era impossível votar em Haddad”. Por exemplo, o candidato do PT queria “reduzir as penas” de prisão — mais concretamente, sugeria alterar a lei para dar prioridade a pena de prisão para crimes violentos e ter penas alternativas para crimes não violentos. “O Bolsonaro é o oposto, o preso tem que permanecer na cadeia, não tem que ser solto. Acho que soltar o presidiário só ia aumentar o crime. Já dá para ver que ele [Haddad] não vive a mesma realidade, não fala a mesma língua do povo. A gente vive assassinato, estupro…”Assaltado duas vezes, ameaçado porque não tinha nada numa delas e “salvo” porque a polícia apareceu, Luca Santana considera que a questão da segurança no Brasil só se resolve com o “confronto directo”. Não é que concorde com tudo o que Bolsonaro defende, nomeadamente a posição de que “bandido bom é bandido morto” ou com a castração química para violadores em troca de redução da pena. Mas acha que “é preciso reprimir, apertar o cerco, não abrir o espaço para que os bandidos tenham acesso às armas”. As ideias de Bolsonaro são “as mesmas que o povo sente de revolta com toda esta situação”, diz. Porque “ele conhece esse espaço e as pessoas que enfrentam este tipo de situação”. Concorda “plenamente” com a solução que apresenta de reforçar a polícia federal e a polícia civil. Quanto ao radicalismo do Presidente, é algo que não o incomoda. “Sinto a raiva que ele tem por essa situação do Rio de Janeiro. A questão do racismo, da homofobia e misoginia, não vi nada disso. ”Embora não tenha ilusões de que Bolsonaro vá mudar o Brasil, acredita pelo menos que vai “melhorar”. Para chegar a Chapadão, em Pavuna, uma das favelas no Rio de Janeiro com menor índice de desenvolvimento humano, tem de se atravessar a cidade e andar quase uma hora de carro. Estamos em meados de Novembro e a viagem é suficientemente longa para perceber que chegámos bem à periferia, fora do centro do poder. Passamos por várias favelas com as suas casas de tijolo, fios eléctricos pendurados, contentores de água azuis, antenas de televisão a perder de vista. Na Pavuna, como em todas as outras favelas brasileiras, há néones de igrejas evangélicas. Numa das entradas do complexo onde vivem quase 209 mil pessoas está justamente o edifício moderno da Igreja Universal do Reino de Deus. Do terraço de casa de Sinara Rúbia, a vista não é muito diferente do que fomos vendo pelo caminho noutras favelas. Nem tudo na paisagem é homogéneo: há casas inacabadas e outras que podiam ser uma moradia em qualquer outra zona do centro da cidade. A Pavuna tem sido notícia sobretudo por causa de episódios de violência como assaltos, mortes ou fogos ateados em autocarros. A feijoada está pronta. Passam-nos uma cerveja e indicam-nos os pratos para encher com arroz, couve mineira e laranja, tudo o que compõe uma das mais conhecidas refeições brasileiras. À mesa sentam-se vários jovens que participam da Agência de Redes para a Juventude, um programa que estimula pessoas entre 15 e 29 anos — e que são moradores de favelas e periferias — a transformarem ideias em projectos de intervenção. Marcus Faustini, 47 anos, é o mentor. Cresceu em favelas diferentes, nomeadamente em Cesarão. Formado em teatro, faz cinema e usa a arte como metodologia, formando jovens que ajudam outros jovens. A agência já actuou em 40 favelas e pôs na rua projectos de cem pessoas, estando presente em vários locais do Brasil e Reino Unido. No grupo há vários evangélicos, todos moradores de favelas. Ao declarar o seu apoio a Bolsonaro, Edir Macedo, fundador da Igreja Universal do Reino de Deus e proprietário da RecordTV, facilitou-lhe um enorme apoio. Quando o candidato da extrema-direita se tornou, então, Presidente da República, algumas igrejas evangélicas fizeram festa nos seus espaços, conta Ellen Rose, 26 anos, arquitecta. “Isso é muito grave”, comenta esta jovem, uma possível futura pastora que dirige uma célula da igreja. Tem tatuado à volta do braço “nada nos poderá separar do amor de deus que está em cristo jesus nosso senhor”. Ellen Rose está muito distante do radicalismo de algumas igrejas evangélicas no Brasil, nomeadamente as neopentecostais. Tem uma atitude bastante crítica em relação ao Presidente. “Na minha igreja tem gente que votou no Bolsonaro, mas tem gente que não votou também. ” Ela confessa que conseguiu “virar o voto” de umas 20 pessoas ao falar do lado violento do Presidente: “As pessoas caíam na real. Diziam: ‘Espera aí, de facto estou votando numa pessoa horrível, que é uma pessoa inaceitável. ’ Inaceitável pelo discurso anti-democrático, de apologia à tortura, violento, racista, xenófobo, homofóbico. Nada disto é velado, é tudo muito aberto. ”Bolsonaro disse abertamente ser a favor da tortura e da ditadura militar, proferiu discursos de ódio homofóbico e racista e não teve pudor em defender posições machistas, nem afirmar que irá banir os opositores. Estão disponíveis na Internet, em vários vídeos no YouTube, as imagens. Ellen Rose diz que alguns eleitores evangélicos se identificavam porque ele foi vendido como alguém com ética. João Baptista, mais conhecido como “Big” por causa do seu porte físico, estudante de audiovisual com 20 anos, também evangélico, sublinha que entre a comunidade os argumentos para votar em Bolsonaro passavam muito por: “Não negoceio meios princípios e Bolsonaro tem princípios cristãos. ”O discurso teve aceitação porque o Brasil é conservador, acrescenta Ellen Rose. Mas não só: “Há uma onda americanizada. Ouvi demais a galera falar que o Bolsonaro é o nosso Trump. Os evangélicos norte-americanos também elegeram Trump e há pastores que fizeram a cabeça de pastores nacionais. Nós sabemos que o povo evangélico elegeu Bolsonaro. ”Os jovens evangélicos que se sentam nesta roda de conversa não são como aqueles que defendem Bolsonaro. Foram reunindo as razões pelas quais os que lhes são próximos votaram nele. Carol Du Pré, 24 anos, lembra-se de ter ouvido como explicação dos seus irmãos a promessa de Bolsonaro poder “trazer ordem e acabar com a corrupção”. No seu projecto social, acontece muitas vezes, por causa dos tiros na favela, que algumas crianças não apareçam. “A gente vive numa favela dominada pelo tráfico. Aquilo que diziam é que Bolsonaro era o candidato que mais trazia uma ‘solução’ para a guerra das drogas. Muito moleque é preso, sai da cadeia e volta a cometer os mesmos crimes, ou então roubam e matam, mas só tardiamente são punidos ou nem chegam a pagar pelos seus crimes. A justiça é tardia, falha. E o discurso do Bolsonaro fala sobre a justiça que nos atinge directamente, que é a do tráfico”, explica. Outro tema que as irmãs falavam muito lá em casa: “Criou-se uma aversão ao PT, diziam que o Haddad ia soltar o Lula. Isso deixava elas indignadas porque ele foi preso por corrupção. ”Carol du Pré dinamiza aulas de pintura na igreja, mas o objectivo não é a doutrinação. O pastor cedeu uma sala para o seu projecto com as crianças. Aqui está um exemplo de uma das razões que faz o sucesso e crescimento dos evangélicos, apontam: o facto de ocuparem um espaço deixado vazio pelo Estado nas zonas mais pobres. Como lembra Veruska Delfino, coordenadora da agência, a igreja acolhe a comunidade, tem as suas políticas de assistência local para a melhoria da vida das pessoas. E reúne um atributo importante: “É confiável. ”É confiável porque está ali, completa Marcus Faustini. “O Governo só vai às favelas com a polícia. E a esquerda também não vai lá. ”Veruska Delfino explica: “Se um líder de uma igreja fala que tem que votar no candidato X, que ele é o cara de Deus, que o outro traz um kit gay que vem com cartilha ensinando que pode beijar menino e menina e é contra os princípios da igreja, mesmo que isso seja falso, ele vota. ”Na verdade, o Brasil “é racista, homofóbico mas estava encoberto pelo politicamente correcto”, diz César Varella, 19 anos, actor que conhece de perto pessoas mais conservadoras, como o pai. Extrovertido, falador, vai acrescentando dados a conversa: “Quando chega alguém como Bolsonaro que fala isso e não é punido, as pessoas que estão caladas há muito tempo vêem ali a oportunidade de ser quem são sem terem de se moldar, sem sofrerem represálias. ”Foi determinante, acrescenta Marcus Faustini, o tema da segurança, algo que afecta a vida das pessoas mais pobres no Rio de Janeiro que “não gostam” de acordar com armas, com tráfico e violência. “A esquerda esteve muito tempo no poder, esquecendo as favelas como qualquer outro Governo. ”Acabado de ser pai e a escrever um livro sobre essa experiência, Felipe Salsa, 27 anos, dançarino, toca noutro ponto importante, que é a capacidade de comunicação de Bolsonaro. Muitos políticos “falam bonito” mas “nem toda a gente de comunidade entende”: “Você também tem que saber traduzir, explicar. ” Já “Bolsonaro falava directamente, era simples. ”Esta é uma questão central, continua Marcus Faustini, porque as causas como o feminismo ou a luta de minorias fecharam-se sobre si próprias e entraram “numa linguagem de classe média universitária”, critica: “São lutas numa estrutura de linguagem de elite, comportamental” que não chega às favelas. Veruska Delfino complementa: “Quando a esquerda radical vem comunicar com a base, traz aquilo que acha que é bom e não procura saber como a gente constrói o mundo que a gente quer. Quem cresce na periferia sem pai quer ter uma família tradicional. Bolsonaro traz uma radicalidade que é contra esses princípios da diversidade, diz que vai botar ordem na escola. Depois aparecem as notícias falsas. Fica muito difícil lutar contra a sua candidatura. . . ”Até porque é uma candidatura que vem sendo preparada há muito tempo. Juliana Carmo, 19 anos, estudante de Engenharia de Alimentos, lembra-se de ver a cara de Bolsonaro a circular na Internet há uns anos, mas como motivo de gozo entre os seus amigos. De repente, o gozo tornou-se realidade. “A campanha dele foi toda muito virtual. Entrávamos no Twitter e as pessoas acreditavam nas fake news e replicavam-nas. Ele conseguiu mexer com gente mais jovem, mas também com o pai e a avó”, analisa. O pai “superconservador” concorda quando ele diz que não quer um filho gay ou quando fala de bandidos mortos porque isso “replica o que muita gente diz há anos”. Marcus Faustini nota ainda que Bolsonaro ganhou em favelas onde os chefes do tráfico disseram para as pessoas não votarem nele. “Então foi um voto de rebeldia, um voto revolucionário, de esquerda. De alguma maneira, Bolsonaro captou uma energia de esquerda, de oposição, anti-sistema. ” Por isso também conquistou jovens. No grupo trocam-se impressões sobre a postura física de Bolsonaro, as frases bombásticas, a rapidez com que discursava e desaparecia deixando os eleitores com “bombinhas”. Sinara Rúbia acentua: a forma de ele falar, “a irritação, a energia, o tom de voz”, o “não querer ir à televisão” aproximou as pessoas. O mais grave: “Ele não precisou de explicar qual o plano de Governo, qual o projecto dele para o Brasil. ” César continua: “Ele chegava com um textinho, só o título, enquanto a esquerda falava de segurança de uma forma que as pessoas não entendem. ”Ouviu-se muitas vezes a crítica à falta de informação dos eleitores. Na verdade, são comuns entre os apoiantes de Bolsonaro atitudes negacionistas sobre as suas posições mais radicais: “Não disse, não fez, são fake news. ” Quem votou no Bolsonaro é mal informado?Veruska Delfino acha que é necessário um maior diálogo com o eleitor que não é activista mas está preocupado com a saúde, a segurança, a educação. Não é óbvio para esse eleitor que Bolsonaro viola direitos. Até porque falta formação política no Brasil, analisa. Tem-se falado muito da radicalidade do novo Presidente, catalogado como extrema-direita, mas poucos usam a palavra “fascista”. César Varella não sabe se ele tem força suficiente para ser um fascista ou se o seu discurso já o torna um fascista. “Pessoas negras, professores e educadores votaram no Bolsonaro mesmo ele falando tudo o que ele falou. ” Isto explica-se, diz Faustini, porque é errada a ideia da esquerda de “que as pessoas se reconhecem prioritariamente na sua identidade de origem”. É um retrocesso a sua eleição: aumenta os riscos de ataques a direitos fundamentais, afirma. A questão, acrescenta Carol Du Pré, é que a Constituição no Brasil proíbe a tortura e Bolsonaro defende-a. As pessoas concordam com as ideias extremistas, aprovam-nas e “já vira lei”. Juliana: “O Bolsonaro não vai chegar aqui e matar todo o mundo, quem vai fazer é o clube de fãs dele. ”Sinara Rubia, activista do movimento negro, faz uma autocrítica. “O voto de pessoas negras ou mulheres no Bolsonaro mostra o nosso distanciamento dessas pessoas enquanto activistas. A nossa produção intelectual está falando de quem para quem?” O seu medo é de que, se não forem tomadas precauções, o risco de alastramento de fascismo seja maior. “Aí o bicho vai pegar e vai ser uma era. Eu tenho muito medo. ” Juliana vai mais longe: “Tenho medo de morrer. ”Já depois da roda, com música a tocar e a festa a começar, Sinara Rubia encosta-se ao muro do terraço, com a Pavuna e os seus telhados desalinhados a estenderem-se pelo horizonte. Com o semblante preocupado, confessa: “Acho que somos um país muito mais conservador do que a gente pensava. Hoje entendo a força da palavra ‘tolerância’. Quando você trabalha a tolerância você vai trabalhando politicamente, no imaginário das pessoas, o respeito, o tolerar aquilo a que elas têm resistência. Quando um governo como o do Bolsonaro legitimiza e impulsiona a intolerância, ninguém mais vai precisar de tolerar. ”Quem sai e quem entra do Rio de Janeiro a partir do aeroporto passa necessariamente entre o complexo da Maré, um conjunto de 16 favelas que foi artificialmente unido, com 140 mil pessoas e uma autêntica cidade dentro da cidade que começou a ser ocupada na década de 1940. A carrinha onde seguimos é parada por um jovem de espingarda em punho, sem camisola, a vigiar quem entra e sai e num cerco a quem travar o tráfico de droga e de armas. Para se ter uma ideia da dimensão, mais de 96% das cidades no Brasil não têm este número de habitantes, diz Eliana Sousa e Silva, 56 anos, que chegou à Maré com sete anos. Há 20 iniciou aquilo que viria dar origem ao projecto Redes da Maré, organização para o desenvolvimento daquele território, que se divide em várias áreas, do apoio a mulheres até às crianças e segurança. Contabilizam as violações de direitos e homicídios — por exemplo, em 2017, houve 42 vítimas de homicídios na Maré em sequência de confrontos armados com a polícia ou o tráfico, as crianças tiveram menos 35 dias de aulas (ou seja, 17% dos dias lectivos) e os postos de saúde funcionaram menos 45 dias por causa disso. Se o processo continuar, aos nove anos uma criança terá menos um ano e meio de escola, afirma Eliana Sousa e Silva. Isto numa favela em que em 1997 apenas 0, 5% tinham acesso à universidade: hoje essa percentagem cresceu e 1200 moradores já entraram para a universidade. “A favela é vista como única e por isso a polícia vem em carros blindados para enfrentar o exército inimigo que somos todos nós”, diz a fundadora numa visita às várias valências do projecto, que inclui biblioteca para crianças. “O direito à segurança pública não foi estabelecido aqui. Isso foi responsável pela violência. ”Na Redes da Maré há um projecto em que se contabilizam o número de violações de direitos pela polícia, comunicam por WhatsApp com outras redes. Por exemplo, desde que Bolsonaro foi eleito que Eliana Sousa e Silva tem recebido mais imagens chocantes nos seus grupos de chat. Mostra algumas com vídeos e fotografias de operações policiais. Numa delas vemos um monte de corpos em cima uns dos outros numa carrinha, mortos. “A relação dos políticos com a favela sempre foi muito conservadora e clientelista”, afirma. “E isso faz com que as pessoas nas favelas não tenham a noção real da importância do seu voto e de que isso vai trazer uma mudança directa para a sua vida”, analisa. “É por isso que o voto é conservador. Bolsonaro pegou um discurso muito forte de que teria de haver uma mudança, atingiu intermediários que têm acesso a essas pessoas e que passaram esse discurso muito bem. ”Há anos que Eliana Sousa Silva se debate com as diferentes oposições ao seu trabalho social. Chegou a ser questionada pelos chefes de tráfico sobre as suas intenções, é questionada por outros poderes sobre a origem dos fundos — a Redes tem financiamento de organizações internacionais como a Open Society Foundation. Analisando em maior profundidade, acha que “é chocante” o facto de a favela se identificar com um discurso que contradiz a sua própria vida e as suas escolhas — “pessoas negras, homossexuais, que foram os mais atacados”. É por isso que há uma lição a estudar, afirma, pois esse voto “foi para além da sua identidade, daquilo que as representa”. Por outro lado, “muitos que vivem na favela têm a mesma visão preconceituosa e estereotipada da favela onde vivem” do que os outros. Um dos objectivos da Redes é precisamente romper com essa representação negativa: “Porque há grupos armados, violência, acção violadora da polícia e existe a visão de que todo o mundo que mora ali tem relação com esses grupos armados e com as actividades ilícitas”, diz. A Redes da Maré conseguiu a colaboração da justiça para ajudar a cumprir direitos básicos dos cidadãos durante as operações da polícia, como a obrigatoriedade de mandado nas rusgas. “E Bolsonaro diz que a polícia pode agir do jeito que achar. Imagina um policial despreparado e doido para matar. ”Nem todos ficaram surpreendidos com a eleição do Presidente de extrema-direita. Moradora da Maré, a deputada estadual Renata Souza, do PSOL — foi chefe de gabinete de Marielle Franco, assassinada este ano —, é uma delas. “Porque não foram votos apaixonados de defesa intransigente da sua agenda. O que a gente ouviu muito foi que votariam no Bolsonaro porque ele ia atacar os corruptos, que ele era ético e que essa coisa de ele falar contra os negros e as mulheres era bobeira porque ele faz muita brincadeira. Bolsonaro foi encarado como essa pessoa de fibra que tem capacidade de fazer frente contra a corrupção. ”Agora, acrescenta, vai ser preciso mobilização, trabalhar com os sectores mais vulnerabilizados, a população LGBT, negra e as mulheres. “A gente tem que estar forte e organizado a partir de debates concretos dentro e fora do Parlamento. Vamos ter que nos reorganizar na nossa sociedade para que a barbárie não vire política pública e o medo não seja o instrumento principal dessa política. ”A análise da coordenadora pedagógica da casa das mulheres da Redes da Maré, Andreza Jorge, também moradora, é um pouco diferente. Entre um percurso pelo complexo em dia de chuva, com valões onde boiam garrafas, lixo, ratos e outros animais que são portadores de doenças contagiosas, vai comentando aquilo que moradores de outras favelas repetem: a distância do poder político com estes espaços. “Dentro desses micro-universos, o voto em Bolsonaro pode ser uma forma que os eleitores encontraram de fazer justiça contra os civis armados e contra o tráfico de que eles discordam. O lance é que esses eleitores não entenderam que ele é visto como parte do pacote. ”Falta ainda outra dimensão importante, a da comunicação e das redes sociais que chegam em força à periferia. Bolsonaro é um Presidente eleito pelo WhatsApp e pelas redes sociais, dialogando directamente por estes meios com os eleitores sem passar pelo confronto político e ideológico com os adversários. Neste momento com 8, 8 milhões de seguidores na página de Facebook, Bolsonaro tinha a maior percentagem de eleitores com acesso a redes sociais, segundo uma pesquisa do Datafolha. Também era entre os seus eleitores que estava a fatia maior de pessoas que liam notícias sobre política no Facebook e WhatsApp. Dríade Aguiar, 28 anos, é gestora de comunicação da rede de colectivos Fora do Eixo e uma das fundadoras do Mídia Ninja, um projecto alternativo de informação que tem 16 milhões de seguidores. Sempre conectada às redes sociais, a especialista divide os eleitores de Bolsonaro em vários tipos. Há os que realmente acreditam naquilo que ele diz e que, apesar de serem a maioria discursiva, em termos numéricos são uma pequena percentagem: “É essa galera que faz barulho, comenta e gera ódio” Há o grosso dos votantes, pessoas “esperançosas” — a combinação de instabilidade política, crise económica e caos mediático levou a que a maior parte votasse anti-PT. E há uma terceira fatia que “se encanta pela personagem de Bolsonaro como aquele ‘pai’ que vai resolver as coisas”. Num país onde há periferias sem água canalizada, mas com Internet, Bolsonaro tirou partido da utilização das redes sociais em grande escala, inspirado por eleições como a de Donald Trump. “A grande sacada é que ele entendeu onde estão as pessoas e como chegar a elas de forma mais efectiva. Ele sabe que na política a verdade é um detalhe e conseguiu jogar com isso. A gente está falando de um homem que tem um certo apelo carismático, extremamente menosprezado e que é limitado politicamente. A grande coisa é que ele tem uma máquina e sabe o que colocar nela. Soube fazer uma matemática que vai para além da máquina e que é uma falha que a esquerda mundial não conseguiu calcular. ”Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Usou também, como nenhum outro candidato, o discurso identitário, forçando “todos os candidatos” a “navegar” com ele, considera esta mulher negra e defensora de direitos LGBT. O Brasil é estruturalmente um país conservador, analisa, com uma grande fatia da população que não concorda com as quotas para negros ou direitos homossexuais mas “que não votaria contra”. “A área progressista do Brasil é programa social e desenvolvimento económico, mas a disputa por direitos não é de todos. Sabia que essa é a nossa existência, mas não estava à espera de que um líder usasse isso como plataforma. Porque até agora os líderes ignoraram isso, até o Lula. Ele não falava sobre mulheres, sobre negros, era o avanço de classes. ” De qualquer forma, Dríade acha que este debate foi “de nicho”: na hora de votar, o que pesou ao eleitor foi educação, segurança, saúde. Quem ficou com medo agora foram pessoas que ainda “não tinham elaborado sobre os problemas que tiveram”. Os negros, a comunidade LGBT, as mulheres têm medo, mas não vem de agora. “Por muito tempo o medo era inconsciente: se você é uma pessoa negra, LGBT, de periferia e mulher nasce com medo. Depois passa a vida descobrindo que esse medo tem nomes: pode chamar racismo, machismo. O medo agora tem um nome próprio: Bolsonaro. ”Na Mídia Ninja, a “atitude mais revolucionária” que vão ter é continuar com os projectos. “Não estou a dizer que a gente não vai fazer uma frente de resistência. Mas se a gente parasse ia perder o grande trunfo que é sermos nós mesmos — e é justamente disso que ele tem medo. ”
REFERÊNCIAS:
Um ano depois do #MeToo, como vai o feminismo português?
Patrícia Martins, Luísa Barateiro, Lúcia Furtado e Patrícia Vassallo e Silva acordam e vão dormir com o activismo na cabeça, na voz e nas mãos. As quatro mulheres não poupam críticas à justiça portuguesa e relembram que a luta feminista não se faz sem o combate à precariedade, ao racismo ou à LGBT-fobia. (...)

Um ano depois do #MeToo, como vai o feminismo português?
MINORIA(S): Africanos Pontuação: 5 Mulheres Pontuação: 21 Ciganos Pontuação: 6 Homossexuais Pontuação: 9 | Sentimento 0.0
DATA: 2018-10-04 | Jornal Público
SUMÁRIO: Patrícia Martins, Luísa Barateiro, Lúcia Furtado e Patrícia Vassallo e Silva acordam e vão dormir com o activismo na cabeça, na voz e nas mãos. As quatro mulheres não poupam críticas à justiça portuguesa e relembram que a luta feminista não se faz sem o combate à precariedade, ao racismo ou à LGBT-fobia.
TEXTO: Um ano depois de Harvey Weinstein ter sido publicamente acusado de violação, abuso e assédio sexual por dezenas de mulheres e de o #MeToo ter nascido, o feminismo inundou as redes sociais, vulgarizou-se nas mensagens de t-shirts e fez-se tema (ainda mais) recorrente na cultura pop. Mas por que caminhos anda a luta feminista em Portugal? Em busca dessa resposta, o P3 foi falar com quatro feministas portuguesas que estão envolvidas na luta pela igualdade há vários anos e que acordam e vão dormir com o activismo na cabeça, na voz e nas mãos. “O movimento feminista em Portugal teve muita força na altura da despenalização do aborto — ligou associações feministas, a partidos políticos, a activistas individuais. Depois, esteve um bocadinho adormecido. Mas com esta 'Primavera Feminista', com movimentos a surgir na Argentina, nos Estados Unidos, no Brasil, começamos a assistir a um rejuvenescimento da luta, que está a juntar muitas pessoas diferentes e a chamar muitos jovens. ” Quem o diz é Patrícia Martins, activista portuense de 30 anos e militante do Bloco de Esquerda, associada à Colectiva, à Marcha de Orgulho LGBT do Porto, mas também aos Precários Inflexíveis e ao Porto não se Vende. Olhando para os últimos anos, Patrícia não tem dúvidas de que a luta feminista ganhou um novo fôlego em 2017. Relembra a Marcha das Mulheres, que aconteceu no dia seguinte à tomada de posse de Donald Trump em seis cidades de Portugal, as centenas que saíram à rua em Maio na sequência de um presumível caso de abuso sexual num autocarro no Porto, ou até os protestos de Outubro contra um acórdão judicial do Tribunal de Relação do Porto, no qual se censurava uma mulher vítima de violência doméstica e se minimizava a culpa do agressor devido à relação extraconjugal da vítima. Já em 2018, um outro acórdão do mesmo tribunal motivou mais protestos. “A justiça em Portugal não está a acompanhar uma consciência social relativamente aos crimes de violência de género”, conclui a activista. Há já uma década que Patrícia se diz feminista. Mas nunca isolou esta luta de outras paralelas: “Não é possível concretizar o feminismo sem termos outras leis laborais de protecção dos direitos dos trabalhadores ou sem outras políticas públicas de combate ao racismo em Portugal. Porque num sistema precário, de exploração e opressão, são sempre as mulheres que vão ser as mais afectadas. ”Do activismo feminista deste ano, Patrícia destaca o primeiro Encontro de Mulheres, que reuniu 200 mulheres numa escola secundária do Porto para que elas pudessem falar, na primeira pessoa, sobre as discriminações que vivem no quotidiano, mais ou menos visíveis. De lá saiu um compromisso ambicioso: organizar uma Greve Feminista a 8 de Março de 2019, semelhante à greve que aconteceu na mesma altura neste ano, em Espanha, e que contou com a adesão de mais de cinco milhões de pessoas. A activista tem dado ainda um especial apoio às marchas de orgulho LGBT no interior — “contextos onde a visibilidade e a representatividade das pessoas LGBT ainda é mais complicada” —, organizando autocarros para levar gente do Porto a cidades como Vila Real, Bragança e, pela primeira vez neste domingo, 7 de Outubro, a Viseu. Com apenas 12 anos, Luísa Barateiro passou por “uma situação grave de assédio sexual e de stalking”. Dois anos mais tarde, quis ajudar as pessoas que passaram pelo mesmo e fez-se activista. Hoje, com apenas 18 anos, a estudante de Biologia pertence à organização do Festival Feminista e está ligada ao Movimento Democrático de Mulheres e à União de Mulheres Alternativa e Resposta (UMAR). No último sábado, 29 de Setembro, foi uma das que segurou cartazes a reivindicar “Fascismo Não”, na Praça Gomes Teixeira, no Porto, na mesma altura em que, no Rio de Janeiro, milhares de mulheres saíam à rua num protesto contra Jair Bolsonaro, candidato à presidência brasileira. “Estamos num momento histórico em que podemos ter um grande retrocesso caso pessoas como esta conquistem poder”, lamenta a feminista portuense. “Aquilo que ele diz sobre as mulheres, a visão que tem da sociedade e do mundo é muito preocupante. Está a oprimir as mulheres de uma forma. . . Pensávamos que já não íamos ter de passar por isto. ”Com o #MeToo, o movimento feminista ganhou visibilidade, reconhece. Mas, ao mesmo tempo, a sociedade polarizou-se. “O machista dos dias de hoje é mais orgulhoso, está mais consciente de o ser. Se antes tínhamos um pouco de desconhecimento — com comentários como ‘Eu luto pela igualdade, mas feminismo não, não vamos exagerar’ —, agora temos pessoas completamente radicalizadas”, explica ao P3. Por outro lado, há cada vez mais divisões na luta feminista, com grupos a fazerem “reivindicações cada vez mais concretas”, afirma: “Por vezes separamo-nos um pouco e esquecemo-nos que é a nossa união que dá resistência ao movimento. ” O Festival Feminista, criado em 2015 no Porto, quer contrariá-lo e virar os holofotes para temáticas mais camufladas dentro da luta feminista e para preocupações específicas de mulheres pobres, negras, ciganas, lésbicas, trans, entre outras, adianta Luísa. Olhando para o trabalho que ainda falta fazer, a feminista não tem dúvidas: “Falta atingir a igualdade plena”. “A sociedade está muito feminizada, já há muitas mulheres em cargos políticos, muitas mulheres a conseguirem a exprimir a sua opinião. Mas falta libertar a sociedade do patriarcado, mudar a forma como ela está organizada”, acrescenta. E a justiça é um dos sectores que precisa de uma reforma dos pés à cabeça: “Afinal, como é que vamos querer que um patrão respeite a trabalhadora se a justiça não respeita a mulher?”“Em qualquer evento feminista, ainda vemos um público maioritariamente branco. Isto acontece porque o feminismo mainstream ainda tem pouco em consideração o que está fora do contexto da mulher branca de classe média-alta e acaba por não conseguir reter mulheres de outras raças e etnias. ” Estas são palavras de Lúcia Furtado, feminista e contabilista de 36 anos, que, deparada com a pouca representatividade das mulheres negras no movimento feminista português, decidiu fundar – em conjunto com outras mulheres – a FEMAFRO. Foi em 2016, após a organização do 1. º Encontro de Feministas Negras, em Lisboa, que a associação se oficializou. Mais de 100 mulheres negras, africanas e afro-descendentes juntaram-se para discutir e partilhar experiências sobre o racismo e o feminismo. Isto porque a luta feminista “não se faz sem a intersecção”, explica. “As questões de género são importantes, mas não são as únicas a afectar as mulheres. A questão da classe, da orientação sexual, da raça – todas as opressões acabam por se fundir. E, se queremos combater algo, não nos podemos centrar somente numa questão, é preciso trabalhá-las em conjunto. ”A 15 de Setembro, cerca de 2500 pessoas responderam ao apelo de mais de 60 organizações e juntaram-se no Largo de São Domingos, em Lisboa, numa mobilização contra o racismo. Lúcia esteve lá. Aliás, a lisboeta chegou mesmo a tirar férias “para estar completamente concentrada na organização da mobilização”, que partiu de reuniões de um grupo de mulheres negras “com vontade de fazer algo relativamente ao julgamento dos polícias de uma esquadra de Alfragide”, acusados de tortura e racismo a seis jovens da Cova da Moura, adianta. Ao pensar na evolução do movimento feminista no país, Lúcia — também activista da Djass – Associação de Afrodescendentes — destaca a “pluralidade de movimentos” que nasceram, mas também a “vaga de jovens que tem vindo do Brasil” nos últimos anos, para estudar ou trabalhar: “Eles têm dado tanto ao movimento negro como ao movimento feminista um boost muito grande, porque têm um longo historial de activismo e militância em várias áreas que nós não temos. ” Mas ainda há muito trabalho pela frente, ao nível da “desconstrução pessoal de preconceitos”. “Tem de haver uma maior capacidade de ouvir o outro e de se pôr no lugar do outro”, acredita. “Nem sempre a nossa função é falar. Por vezes é sentar, ouvir e apoiar. ”E isso passa também pela educação, conclui Lúcia. A pretexto da Década Internacional de Afrodescendentes (2015-2024), no último ano lectivo, a FEMAFRO, com o apoio da Comissão para a Cidadania e Igualdade de Género, esteve nas escolas Gustave Eiffel (Amadora) e Gil Vicente (Lisboa) para discutir temas como a igualdade de género, discriminação racial, xenofobia e discurso de ódio. E, ainda neste ano, será publicado um conteúdo audiovisual resultante da iniciativa, pensado e produzido pelos alunos. Patrícia Vassallo e Silva, de 33 anos, iniciou-se no mundo do feminismo quando começou “a sentir machismo na pele”. Electricista de profissão, desde a formação que começou a ter “problemas de assédio”. Foi a partir daí que começou a procurar associações, a ir a encontros. Pouco depois, em 2016, levantou-se o “Por todas elas”, um movimento brasileiro que ganhou força após a violação colectiva de uma adolescente, no Rio de Janeiro. Do outro lado do oceano, Patrícia sentiu vontade de sair à rua. Como viu que ninguém dava o primeiro passo na organização de uma manifestação, decidiu avançar. E assim se fundou o colectivo feminista “Por Todas Nós”, a que actualmente chegam “pessoas que sofreram assédio, violações e que, com a ajuda do activismo, conseguem lidar melhor com as suas experiências”, conta a feminista lisboeta. Hoje, fica feliz por ver “cada vez mais jovens a aparecerem nas reuniões” feministas. “Lembro-me de que quando comecei, só via gente dos 40 e tal anos para cima. Nessa altura pensava ‘Onde é que estão as pessoas da minha idade?’. E isso mudou imenso, tem sido uma grande conquista. As activistas mais velhas já estão muito mais ligadas às mais novas e vice-versa. ”Quando se pergunta a Patrícia onde é que o país continua a falhar, a activista traz a resposta na ponta da língua: “É na justiça. ” “A sociedade tem de mudar. E já tem mudado, ao nível da sensibilidade. Mas enquanto a justiça apoiar o violador, isto não vai para a frente. Não estamos protegidas”, comenta. E como se faz isto? “A mulher tem de mostrar que está atenta a estas situações, que não lhe são indiferentes. E se está indignada, tem de mostrar que o está. Sem medos. É ir para a rua, para o espaço público. Mas também falar dentro da sua casa. ”Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Em Janeiro deste ano, em pleno protesto das trabalhadoras da fábrica da antiga Triumph, Patrícia estava lá. O Por Todas Nós comprou mantimentos, fraldas para bebés e acompanhou as mulheres na vigília. A activista confessa que ainda “fica arrepiada” só de pensar nisso: “Nós chegávamos lá para dar apoio, mas sem respostas. E elas diziam-nos que isso era suficiente, que precisavam de pessoas que acreditassem nelas e na força delas. Diziam que aquilo até podia não dar em nada, porque iam para o desemprego, mas que ao menos passavam a mensagem às activistas. Mas as activistas eram elas. ”Desde o início do Verão que o colectivo fundado por Patrícia tem trabalhado com a Câmara Municipal de Lisboa, para discutir o que se pode mudar no município ao nível das questões LGBT. Para além disso, a feminista também está envolvida na preparação de uma marcha contra todo o tipo de violência na mulher, marcada para 25 de Novembro, em Lisboa. Sobre o #MeToo, Patrícia resume: "Foi um movimento fantástico. Mas o que eu pensei quando ele surgiu foi 'Espero mesmo que abra portas a outro tipo de mulheres também'. Quero que as mulheres de Hollywood sintam força para denunciar, mas também o quero para mulheres de classe baixa, que não têm voz na sociedade. "
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Palavras-chave aborto direitos escola violência cultura tribunal educação mulher ajuda mantimentos negro racismo adolescente social violação igualdade género sexual mulheres doméstica desemprego luto abuso feminista raça assédio discriminação agressor lgbt xenofobia feminismo
Carta ao meu irmão: você tem dois dias
Somos bonitos, fortes, e inteligentes. Representamos unidos, no entanto, aquilo que Jair Bolsonaro detesta e despreza na sociedade: a negritude, a feminilidade, a homossexualidade, a fragilidade económica, o risco social, e numa extensão de sentido da minha identidade, a imigração (...)

Carta ao meu irmão: você tem dois dias
MINORIA(S): Africanos Pontuação: 2 Mulheres Pontuação: 2 Migrantes Pontuação: 9 Homossexuais Pontuação: 9 | Sentimento 0.0
DATA: 2018-10-26 | Jornal Público
SUMÁRIO: Somos bonitos, fortes, e inteligentes. Representamos unidos, no entanto, aquilo que Jair Bolsonaro detesta e despreza na sociedade: a negritude, a feminilidade, a homossexualidade, a fragilidade económica, o risco social, e numa extensão de sentido da minha identidade, a imigração
TEXTO: A 8 de Setembro acordei em minha casa, em Lisboa, com uma notificação de mensagem vinda do WhatsApp. Com os olhos ainda embaçados, vi logo que o “zap” vinha do grupo “Irmãos”. A foto do grupo é singular, tirada em Arcos, pequena cidade do estado de Minas Gerais, Brasil profundo. Mostra os meus três irmãos homens, e eu com um lacinho vermelho na cabeça. É uma foto do meu primeiro aniversário. E também de um irmão, cinco anos mais velho, que faz anos quase no mesmo dia que eu. Na foto, está atrás de nós uma samambaia (feto em Portugal), bem frondosa e viçosa, e à nossa frente um bolo grande, bem brasileiro, cheio de açúcar. Eis a memória do início da minha vida. O presente já não é tão doce. Li o “zap”. Meu coração disparou. E senti um peso de chumbo no meu ombro direito. Desembacei os olhos. Li a mensagem outra vez. Várias imagens e memórias evocadas por aquela foto do grupo assaltaram a minha mente. Fui inundada por um sentimento de confusão. Éramos quatro irmãos, entre eles uma mulher negra e um rapaz homossexual. Éramos quatro irmãos negros, num país de profunda desigualdade racial/social e herança escravocrata. Tínhamos sobrevivido, embora tenhamos ficado órfãos na infância (para mim) e adolescência (para eles). Crescemos saudáveis. Somos bonitos, fortes, e inteligentes. Representamos unidos, no entanto, aquilo que Jair Bolsonaro detesta e despreza na sociedade: a negritude, a feminilidade, a homossexualidade, a fragilidade económica, o risco social, e numa extensão de sentido da minha identidade, a imigração. Seria apesar disto tudo um dos meus irmãos um eleitor de um candidato de extrema-direita, fascista? Por várias razões, algumas delas aqui evidenciadas, não queria acreditar. O tal zap do meu irmão consistia de uma notícia com muitas afirmações dúbias sobre a facada maldita em Bolsonaro. Não tinha fontes citadas no corpo do texto, nem sequer hyperlinks a demonstrar a proveniência daqueles três parágrafos, com 176 palavras refutáveis. Tinha todos os indícios de notícia falsa. A primeira reacção foi de uma jornalista indignada. Respondi com uma palavra: “Fonte?”. Em Portugal, a luz solar tinha acabado de aparecer. O Brasil mantinha-se submerso na escuridão da noite. Meu irmão estava provavelmente a dormir. Sem obter respostas, continuei a enviar várias perguntas desesperadas: “De onde vc tirou isto?” “Está louco?” e a dar orientações de literacia dos media: “Não partilhe texto sem indicar fontes. ”Doutorei-me, com mérito, passando por universidades em Portugal e nos Estados Unidos, países diferentes do meu país de origem. Fui uma das primeiras na família a terminar uma licenciatura, há 13 anos, e sou a primeira doutorada na família inteira, incluindo tios e primos. As minhas memórias de sucesso académico são tão frescas como as de discriminação racial. Ambas fazem de mim quem eu sou agora e abandoná-las seria um extermínio da minha identidade. No Brasil, na infância, crianças recusaram-me a dar as mãos nas brincadeiras de roda na escola primária por ser negra. Diziam-me na minha cara. Eu chorava baba e ranho. Em Portugal, o pai de um ex-namorado português loiro não falava comigo declaradamente por ser preta. Também o dizia descaradamente. Eu chorava baba e ranho. Nos Estados Unidos, no Texas, onde vivi quase cinco anos, tinha receio de correr no meu bairro de classe média alta, à noite, como os americanos brancos faziam-no. Não queria correr o risco de ser atirada por uma arma de fogo, como é uma constante no Texas. Eu aceitava, mas já não chorava. Agora escrevo contra aquilo que poderá acontecer no país, onde nasci, com um possível presidente, disparador de declarações racistas, misóginas, homofóficas e apologista do porte de armas. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Isto é para dizer que já vi e vivi o racismo ao longo da minha vida nas suas diferentes matizes e geografias, mesmo ele não sendo moralmente aceite. O que poderá acontecer, a partir de agora, sendo o racismo e outras bizarrices instigadas pelo próprio presidente do Brasil? Estive feliz por algum tempo pelo despontar de movimentos de afirmação cultural e racial pelas Américas, e pelas políticas afirmativas que se alastravam pelo Brasil. Ver o retrocesso disto causa-me dor física e emocionalmente. Dói-me ainda mais descobrir que o meu irmão, aquele que saiu do mesmo ventre que eu, é a favor deste retrocesso, é a favor de um sujeito que instiga pensamentos racistas ao ofender quilombolas (descendentes de africanos escravizados) e indígenas, ao confundir relações inter-raciais com promiscuidade, e ter como objetivo reduzir as políticas afirmativas . O meu irmão acordou do seu sono. Não soube especificar fonte nenhuma. Meu irmão explicou-me que após a facada maldita tinha decidido o seu voto dizendo: “Depois dessa loucura eu me decidi, não estão tentando matar ele à toa não, tá incomodando muitos bandidos da política pode ter certeza. ” Desde 8 de Setembro, tenho tentado dialogar com o meu irmão. No entanto, ele ignora que uma boa parte da massa intelectual e cultural no mundo, como o sociólogo Manuel Castells e a cantora Madonna, está sim extremamente incomodada com o seu candidato predilecto. E não por este ser um herói salvador ou antes um exorcista do PT, mas por ser um “canalha à porta do planalto”. Permitam-me agora os leitores dirigir-me diretamente ao meu irmão. Eu posso ter lhe agredido, irmão, com as minhas palavras desesperadas nos nossos longos debates no WhatsApp. Se lhe agredi não foi intencionalmente e não foi certamente pela dor que eu queria que você sentisse. Mas sim pela dor que tenho sentido. Pela dor que sinto também agora por ter de partilhar isto tudo num jornal internacional, do país onde agora vivo. Mas ser mulher, negra, jornalista, e pesquisadora, no século XXI é isto. É ser livre. É estar no espaço público. É questionar o status quo. É lutar pela democracia, pela igualdade e pela liberdade no mundo, mesmo que isto doa às vezes. Eu só espero que você reflicta. Você tem dois dias.
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Partidos LIVRE
Realizador retira-se da competição do Queer devido a apoio da Embaixada de Israel
A curta-metragem “Covered” não passou ontem no Queer Lisboa, Festival de Cinema Gay e Lésbico, a pedido do seu realizador, o canadiano John Greyson, que apoia um grupo palestiniano de boicote a Israel e que contesta o apoio financeiro da Embaixada de Israel ao festival. A curta documental “14.3 Seconds”, do mesmo realizador, também não vai ser exibida sábado no Queer. (...)

Realizador retira-se da competição do Queer devido a apoio da Embaixada de Israel
MINORIA(S): Africanos Pontuação: 2 Mulheres Pontuação: 2 Homossexuais Pontuação: 9 | Sentimento -0.12
DATA: 2010-09-22 | Jornal Público
SUMÁRIO: A curta-metragem “Covered” não passou ontem no Queer Lisboa, Festival de Cinema Gay e Lésbico, a pedido do seu realizador, o canadiano John Greyson, que apoia um grupo palestiniano de boicote a Israel e que contesta o apoio financeiro da Embaixada de Israel ao festival. A curta documental “14.3 Seconds”, do mesmo realizador, também não vai ser exibida sábado no Queer.
TEXTO: O PÚBLICO confirmou junto de fonte da organização que a exibição de ambos os filmes foi cancelada a pedido do seu realizador, que já após o arranque do festival, no dia 17, tinha enviado uma carta aos organizadores sugerindo formas alternativas de financiamento que evitassem contribuições da embaixada israelita, com a qual não desejava pactuar. A organização disse ao PÚBLICO que o total do contributo da Embaixada de Israel para este festival ronda os 900 euros, que pagaram a viagem de ida de volta Telavive-Lisboa do realizador israelita Tomer Heymann e sua estadia em Portugal para apresentar o seu filme "I Shot My Love" no Queer, que é apresentado quinta-feira e sábado. Nessa carta, lê-se que "este financiamento viola o apelo de 2005 da sociedade civil palestiniana, que pede aos artistas e académicos para boicotarem o Estado israelita, em protesto contra a ocupação que prossegue". O realizador canadiano pede que seja recusado "o patrocínio da Embaixada israelita e encontrar uma fonte alternativa para pagar" as despesas logísticas em que é usada a verba da representação diplomática do Estado judaico. Na mesma missiva, o realizador, cujo filme "Fig Trees" recebeu o prémio para o melhor documentário na edição de 2009 do Queer, lembra que "isto é o que Ken Loach pediu ao Festival de Edimburgo em 2007, quando soube que eles tinham aceitado 33 libras do consulado israelita. Depois da devida ponderação, o festival concordou com ele e recusou o financiamento, encontrando outras fontes para cobrir os custos e alojar os seus realizadores israelitas". John Greyson obteve resposta do director do Queer, João Ferreira, que indicou que por motivos logísticos só poderia analisar a questão após o final do festival. “Se para vocês não é possível recusarem este financiamento da embaixada, então é com grande tristeza que tenho de retirar o filme ‘Covered’ do vosso festival”. Na sequência deste processo, Greyson decidiu retirar os seus filmes do evento. A organização do festival tem reiterado que os fundos cedidos pela Embaixada de Israel são encaminhados para fins logísticos, como o financiamento das viagens de alguns dos artistas e convidados ou impressão de materiais promocionais. No site do festival lê-se apenas: "A pedido do realizador John Greyson, no contexto do seu apoio ao PACBI (The Palestinian Campaign for the Academic Boycott of Israel), serão canceladas as curtas-metragens Covered (Terça-feira, dia 21, 22h, Sala 1) e 14. 3 Seconds (Sábado, dia 25, 21h00, Sala 1). ""Covered" é um filme documental experimental, financiado por Inglaterra e Bósnia, sobre quatro mulheres que em Setembro de 2009 organizaram em Sarajevo um festival cinema gay e lésbico cuja cerimónia de abertura foi interrompida por uma multidão de contestatários que se opunham à realização do evento durante o mês do Ramadão. "14. 3 Seconds", no mesmo formato, conta a história da destruição dos arquivos de cinema do Iraque na guerra em 2003 através dos 14. 3 segundos de filme restaurados que um jornalista conseguiu recuperar dos escombros. No Queer Lisboa em curso participam três filmes israelitas: "The Traitor", "I Shot My Love" e "Hyacinthus Lullaby"O Queer Lisboa arrancou dia 17 e prolonga-se até sábado, dia 25, em que é anunciado o palmarés do evento. Duas horas antes da sessão inaugural do Queer, na sexta-feira no Cinema São Jorge, manifestantes protestaram contra o apoio da Embaixada de Israel ao festival, mobilizados por organizações como as Panteras Rosa, Comité de Solidariedade com a Palestina, SOS Racismo ou Comité de Solidariedade com a Palestina, UMAR - União Mulheres Alternativa e Resposta ou Pobreza Zero. Notícia actualizada às 12h04
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Palavras-chave guerra racismo mulheres pobreza gay
Linn da Quebrada leva ao rubro o próximo Queer Lisboa
Documentário Bixa Travesty, sobre a performer activista brasileira, encerra a edição 2018 do festival de cinema LGBT, a ter lugar em Lisboa de 14 a 22 de Setembro. Onde haverá espaço para um programa de filmes sobre a sida, entre muitas novidades. (...)

Linn da Quebrada leva ao rubro o próximo Queer Lisboa
MINORIA(S): Homossexuais Pontuação: 8 | Sentimento 0.0
DATA: 2018-06-30 | Jornal Público
SUMÁRIO: Documentário Bixa Travesty, sobre a performer activista brasileira, encerra a edição 2018 do festival de cinema LGBT, a ter lugar em Lisboa de 14 a 22 de Setembro. Onde haverá espaço para um programa de filmes sobre a sida, entre muitas novidades.
TEXTO: A imparável (e auto-denominada) “bixa travesty” Linn da Quebrada, o Diamantino que recorda Ronaldo, uma atracção lésbica na comunidade judia ortodoxa e o modo como o cinema olhou para os anos negros da epidemia da sida: aí estão as “balizas” para a edição 22 do Queer Lisboa, que vai estar de 14 a 22 de Setembro no cinema São Jorge e na Cinemateca Portuguesa, apresentadas ao fim de tarde desta quinta-feira num pequeno encontro com a imprensa. Trocando por miúdos, Bixa Travesty, o documentário da dupla brasileira Cláudia Priscilla e Kiko Goifman sobre a performer e activista brasileira (que esteve em Portugal ainda há poucos meses), vai ser o filme de encerramento deste Queer, a 22 de Setembro. A abertura, a 14, caberá a Diamantino — a primeira longa-metragem de Gabriel Abrantes e Daniel Schmidt, vencedora do prémio FIPRESCI na Semana da Crítica de Cannes e filme de abertura do Curtas Vila do Conde. O Vírus-Cinema: Cinema Queer e VIH/Sida é o título do ciclo retrospectivo que irá ser projectado na Cinemateca Portuguesa ao longo do festival — um olhar sobre o modo como o cinema filmou a sida, que tanto inclui o “diário” de Joaquim Pinto E Agora? Lembra-me, o controverso Kids de Larry Clark ou o “fenómeno” que foi Noites Bravas, do francês Cyril Collard, e curtas de Matthias Müller ou Mike Hoolboom. O ciclo será acompanhado por um livro do mesmo título, a ser lançado em simultâneo, onde se incluem ensaios de médicos, activistas, programadores ou críticos (entre os quais Augusto M. Seabra e Nuno Crespo, do PÚBLICO) sobre filmes que abordaram o tema; e por uma exposição na Galeria FOCO, comissariada pelo artista plástico Thomas Mendonça. Finalmente, o Queer apresenta um mini-ciclo de documentários sobre a moda e a cultura pop, que incluirá obras sobre o estilista Martin Margiela e o cantor George Michael; e a estreia portuguesa de Disobedience, o novo filme do chileno Sebastián Lelio (Glória, Uma Mulher Fantástica), ambientado na comunidade judia ortodoxa londrina, com Rachel Weisz e Rachel McAdams como duas amigas que a vida afastou mas cuja atracção se reacende quando se reencontram para o funeral do pai de uma delas. O programa final completo do 22. º Queer Lisboa será anunciado no início de Setembro.
REFERÊNCIAS:
Palavras-chave cultura mulher comunidade lésbica
E um brinquedo sexual para mulheres, já pode ser?
Pode o “Santo Graal” dos brinquedos eróticos conquistar um prémio na maior montra tecnológica do mundo? Sim, se for dirigido ao público masculino. (...)

E um brinquedo sexual para mulheres, já pode ser?
MINORIA(S): Mulheres Pontuação: 7 Homossexuais Pontuação: 7 | Sentimento 0.0
DATA: 2019-07-10 | Jornal Público
SUMÁRIO: Pode o “Santo Graal” dos brinquedos eróticos conquistar um prémio na maior montra tecnológica do mundo? Sim, se for dirigido ao público masculino.
TEXTO: É a maior feira tecnológica do mundo. Na edição deste ano, em Janeiro, em Las Vegas, a CES revelou os últimos avanços da indústria em campos como a robótica, as casas inteligentes e os carros autónomos. Mas também houve espaço para produtos de nicho ou para soluções que não associamos de imediato à área tecnológica, como por exemplo o hambúrguer vegan da Impossible Foods que sabe exactamente como o tradicional prato de carne picada, e que entretanto já chegou ao menu da Burger King nos Estados Unidos. Ainda assim, foi com surpresa que os fundadores da Lora DiCarlo, uma start-up tecnológica do estado norte-americano do Oregon, receberam em Outubro de 2018 a notícia de que o seu inovador produto, o Osé, iria ser premiado na edição de 2019 da CES. É que o Osé não é um hambúrguer ou carro autónomo - é um brinquedo íntimo. Não se tratando exactamente de um vibrador (não vibra, efectivamente), o produto tem sido elogiado pela tecnologia inerente, que é capaz de desencadear um orgasmo vaginal e clitoriano em simultâneo através de um mecanismo de estimulação inovador, de natureza robótica - o New York Times descreve-o como o “Santo Graal” dos brinquedos eróticos. Do ponto de vista técnico, o júri da CES considerou que o produto tinha mérito para ser distinguido com o prémio de inovação da feira na categoria de robôs e drones. Mas foi com igual surpresa que a empresa recebeu outra mensagem, poucas semanas depois da atribuição do prémio, a anunciar a retirada do galardão. A justificação, indicaram os organizadores da feira, era uma cláusula do regulamento que impedia a distinção de produtos “imorais, obscenos, indecentes e profanos”. Numa carta aberta que se tornaria viral, Lora Haddock, CEO da start-up, acusou a organização da CES de ter “dois pesos e duas medidas no que diz respeito à sexualidade e à saúde sexual”, recordando que, em edições anteriores, a feira deu palco a tecnologias eróticas como uma boneca sexual robótica ou a aplicação da realidade virtual à pornografia, distinguindo-as mesmo com prémios em pelo menos dois casos. “À sexualidade masculina permitem que seja explícita, com um robô sexual com formas femininas irrealistas e pornografia com realidade virtual em lugar de destaque. A sexualidade feminina, por outro lado, é altamente censurada ou é proibida por completo”, escreveu Haddock, uma ex-militar de 33 anos que actualmente é uma engenheira especialista em anatomia, e que desenvolveu o seu produto em colaboração com a Universidade do Oregon. A acusação juntar-se-ia a outras que sublinhavam o sexismo dos organizadores, que nas edições de 2017 e de 2018 não contaram com qualquer mulher no lote dos conferencistas principais do evento, e ao testemunho de outros inventores no campo da saúde sexual que viram as suas inovações serem vetadas pela feira, ainda que se tratassem de tecnologias eminentemente clínicas. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Debaixo de fogo durante quatro meses, a organização da CES veio este mês anunciar a restituição do prémio e expressar “um sincero pedido de desculpas” à Lori diCarlo. Citada pela CNN, a feira disse ainda que iria rever o regulamento do evento e dos seus concursos, reconhecendo que as regras estavam a ser aplicadas de forma discriminatória. Imune à polémica, ou talvez mesmo beneficiando dela (a Lori diCarlo recebeu entretanto um investimento superior a dois milhões de dólares), o Osé chega às lojas no segundo semestre de 2019, com um preço de venda estimado em cerca de 200 euros.
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Palavras-chave campo mulher carne sexual sexualidade feminina
“O que é violação? E sexo anal?” Como explicar às crianças o caso Ronaldo
As denúncias que envolvem o jogador são o tema de todas as conversas. Devemos chamar as coisas pelos nomes? Ou usar, com as crianças, termos mais “suaves”? “Não existem termos ‘suaves’”, diz psicóloga. (...)

“O que é violação? E sexo anal?” Como explicar às crianças o caso Ronaldo
MINORIA(S): Mulheres Pontuação: 2 Homossexuais Pontuação: 7 | Sentimento 0.0
DATA: 2018-10-26 | Jornal Público
SUMÁRIO: As denúncias que envolvem o jogador são o tema de todas as conversas. Devemos chamar as coisas pelos nomes? Ou usar, com as crianças, termos mais “suaves”? “Não existem termos ‘suaves’”, diz psicóloga.
TEXTO: E, de repente, os miúdos chegam a casa com perguntas que os adultos consideram embaraçosas. O alegado caso de violação que envolve Cristiano Ronaldo, um ídolo para os mais novos, não os deixará indiferentes e haverá muitas questões que podem colocar aos pais. Como responder? O PÚBLICO perguntou a alguns especialistas. Antes de mais, a calma é o melhor aliado dos pais para responder a perguntas como: "O que é violação? O que é sexo consentido? O que é sexo anal?" O ideal é “chamar as coisas pelos nomes para falarmos todos a mesma língua e minimizar os equívocos”, aconselha Rui Ferreira Carvalho, médico interno de psiquiatria da infância e adolescência do Centro Hospitalar Lisboa Norte (que inclui os hospitais de Santa Maria e Pulido Valente). O também coordenador-geral do projecto de educação sexual SexED e membro da direcção da Sociedade Portuguesa de Sexologia Clínica (SPSC) defende que se deve ensinar desde cedo os nomes científicos dos órgãos sexuais. Nisto de “chamar as coisas pelos nomes”, Ferreira Carvalho vai ao encontro da autora do livro com esse mesmo título, Vânia Beliz, licenciada em psicologia clínica, mestre em sexologia. “Não existem termos 'suaves'”, diz a psicóloga. “Quando conversamos sobre qualquer assunto, devemos ter a preocupação de perceber se estamos a ser compreendidos e devemos deixar a possibilidade de a criança perguntar, à sua maneira, ajudando-a a reflectir sobre as suas questões”, continua a especialista em educação sexual. "Se há uma pergunta, terá de haver uma resposta. "Ao falar abertamente, está a proteger o seu filho: “Crianças e adolescentes que têm informação de qualidade, ao longo de seu desenvolvimento, sobre assuntos sexuais estão seis vezes mais protegidos de abordagens sexualmente abusivas do que os seus pares que não tiveram acesso a conhecimento nessa área”, assegura a pedagoga brasileira Caroline Arcari, mestre em educação sexual e responsável por um projecto na área de prevenção da violência sexual, premiado no Brasil. “A educação sexual é fundamental para a protecção, mas também para evitar a formação de agentes de violência (abusadores). " Por isso, é importante falar sobre “consentimento, diferença entre toques de afecto e toques abusivos, autonomia corporal”, enumera. É importante ensinar aos mais novos que “ninguém pode tocar no corpo de outra pessoa sem o seu consentimento” e que “tem o direito a dizer 'não', quando não quer que outra pessoa lhe toque, ou se sinta forçado a alguma prática sexual que não quer”, aconselha Paula Pinto, coordenadora da Comissão de Educação Sexual da SPSC e do serviço Sexualidade em Linha – 800 222 003. Explique-lhe que no caso de acontecer, é crime e que deve ser denunciado. “'Não' é não. 'Não' quer sempre dizer 'não'. E um 'não' tem de ser respeitado”, sublinha o pedopsiquiatra Ferreira Carvalho para o qual “é de extrema importância perceber que a aplicabilidade do consentimento à actividade sexual (e portanto 'sexo consentido') implica a comunicação entre as partes envolvidas”. Vânia Beliz acrescenta que “as crianças sabem o que é namorar e que existem relações sexuais”, logo, continua, “é importante que saibam que as pessoas estão juntas se ambas quiserem e que devem respeitar as decisões umas das outras”. Se o seu filho perguntar se Cristiano Ronaldo é culpado, deve explicar-lhe que toda a gente tem direito à presunção da inocência até prova em contrário e não pode ser julgado na praça pública. “Devemos debater esta questão com a maior serenidade, sem tirar conclusões precipitadas”, argumenta Ferreira Carvalho. Deve, então, esclarecer que o que “está a ser discutido é algo sério e grave, que deve seguir o seu rumo dentro dos mecanismos disponíveis”, continua, aconselhando ainda a nunca criticar ou insultar potenciais vítimas de abuso sexual ou de violação porque um comportamento destes pode levar a vítima a silenciar e a guardar segredo. “A violação, o abuso, a violência sexual pode vir de qualquer lado, normalmente de alguém próximo e quase sempre envolve poder, ameaça, medo; o silêncio surge exactamente do medo e do receio da exposição da intimidade”, realça Vânia Beliz. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Já Paula Pinto prefere não abordar o caso de Ronaldo, mas diz que se um caso mediático coloca em discussão temas relacionados com práticas sexuais, “é importante que a resposta vá de encontro às necessidades [da criança ou do jovem], interesse e curiosidade, sempre, em função da sua idade”. Deve sempre perguntar ao seu filho onde é que ouviu falar, o que ouviu ou o que sabe sobre o assunto, assim pode adequar a resposta à sua fase desenvolvimento e compreensão. “A sexualidade faz parte do desenvolvimento de todas as pessoas, influencia pensamentos, sentimentos e acções. A criança começa por tomar consciência do seu sexo biológico (pénis/vagina), a identificação com o género feminino/masculino; e torna-se cada vez mais consciente do seu corpo e do corpo do outro. Aqui é importante introduzir a noção de limites, de privacidade”, defende a psicóloga clínica e terapeuta sexual. E Ronaldo pode continuar a ser um ídolo para os nossos filhos? “Devemos explicar-lhes que a situação está a ser investigada e que agora existem muitas opiniões. Devemos sensibilizar para o perigo da informação errada como as fake news e de como isso pode prejudicar a vida das pessoas”, responde Vânia Beliz. Para Caroline Arcari “é fundamental” que as crianças tenham ídolos, mas esses devem “representar valores éticos para além da fama e do sucesso”, conclui.
REFERÊNCIAS:
Palavras-chave crime violência filho educação violação criança sexo medo género sexual corpo sexualidade abuso vagina pénis
Oração aos santos da sexualidade popular
A palavra popular tem as costas largas. Mas quando uma peça evoca Santareno e Régio dum só trago, já para não falar em García Lorca e García Márquez, estamos em pleno campo da poética do povo, nem que seja aparentemente. Os autores citados são antepassados ilustres desta peça, que ganhou em 2012 o prémio luso-brasileiro de dramaturgia António José da Silva, entretanto desactivado pelas instituições que o atribuíam. Esta versão de Nossa Senhora da Açoteia, cortada — o texto original é maior — mas também enriquecida pelo actor e encenador Luís Vicente, é um retrato da pronúncia regional e das atitudes em relação ao... (etc.)

Oração aos santos da sexualidade popular
MINORIA(S): Mulheres Pontuação: 2 Homossexuais Pontuação: 7 | Sentimento 0.6
DATA: 2015-05-01 | Jornal Público
TEXTO: A palavra popular tem as costas largas. Mas quando uma peça evoca Santareno e Régio dum só trago, já para não falar em García Lorca e García Márquez, estamos em pleno campo da poética do povo, nem que seja aparentemente. Os autores citados são antepassados ilustres desta peça, que ganhou em 2012 o prémio luso-brasileiro de dramaturgia António José da Silva, entretanto desactivado pelas instituições que o atribuíam. Esta versão de Nossa Senhora da Açoteia, cortada — o texto original é maior — mas também enriquecida pelo actor e encenador Luís Vicente, é um retrato da pronúncia regional e das atitudes em relação ao sexo e ao casamento numa pequena comunidade piscatória, no caso do Algarve, nos anos 60 do século passado, que mostra, em especial, a tensão entre o desejo feminino e o desejo masculino, e o modo com cada um deles é, quando era, permitido. A história desta linhagem de mulheres foi inspirada por uma visita do autor, com a mãe e uma tia, a uma antiga fábrica de conservas transformada em museu. O texto é o relato na primeira pessoa, como se falasse sozinha, mas na presença do marido, estendido na cama, dos segredos de família de uma mulher cujas antepassadas sempre mataram, mais tarde ou mais cedo, os cônjuges. A razão principal, entre outras, era a violência iniciada por eles quando elas não lhes davam filhos varões. As mortes sangrentas são contadas com aparente descaso, como se outra coisa não pudesse ter acontecido, dada a sucessão de acontecimentos. Os atos sexuais são contados com gozo, em tom de confidência, mas sem fazer disso bicho de sete cabeças. Sem culpa nem censura, e sem pathos absolutamente nenhum, a mulher revela-se inocente, no fundo expondo uma ordem de valores que sai da esfera da moralidade burguesa — ou pelo menos a provoca. Não é todos os dias que se vê isto em cena. Mostrando-se como marioneta nas mãos do destino, ou pelo menos nas mãos da bisavó, da avó e da mãe, por sua vez vítimas dos homens do mar, esta mulher é quase santa. Depois de ganhar a nossa simpatia dessa maneira, as revelações finais — que não vamos contar — surgem como naturais, ao invés de monstruosas. Esse trabalho de desnaturalizar preconceitos é igualmente precioso. O tom é realista, e vem das fontes documentais, biográficas e/ou etnográficas, mas o que conta na peça, como no espectáculo, são as metáforas e a simbologia dos actos e das circunstâncias. O lado feminino executa o lado masculino, não tanto de acordo com a cartilha freudiana, mas sobretudo segundo uma tradição de grotesco marítimo e rural, no qual se incluem os eventos milagrosos, que vem da literatura oral, e graças ao ar desabrido da narradora, que permite conjugar erotismo e culto religioso. Também não é frequente. Devia ser mais.
REFERÊNCIAS:
Palavras-chave homens violência campo mulher comunidade sexo mulheres casamento
Quando as tragédias nos são indiferentes
Com a tragédia do voo da Malaysia Airlines, o conflito ucraniano mudou de natureza. Deixar andar tornou-se impossível. (...)

Quando as tragédias nos são indiferentes
MINORIA(S): Refugiados Pontuação: 6 Mulheres Pontuação: 2 Homossexuais Pontuação: 6 | Sentimento 0.0
DATA: 2015-05-01 | Jornal Público
SUMÁRIO: Com a tragédia do voo da Malaysia Airlines, o conflito ucraniano mudou de natureza. Deixar andar tornou-se impossível.
TEXTO: 1. O Iraque está já em estilhaços, com consequências profundas para a região. A guerra na Síria soma-se em vítimas e em refugiados, numa escala assustadora. As negociações com o Irão levaram as partes a aceitar um prolongamento de quatro meses para conseguir um acordo. O eterno conflito israelo-palestiniano, na sua versão actual, começa a ser cansativo, sobretudo porque teima em obedecer a uma lógica que perdeu qualquer razão de ser. Enquanto não acabar o macabro princípio do “dente por dente, olho por olho”, ninguém vai chegar a parte nenhuma. Ontem, como todos os dias, mais um atentado terrorista no Iraque matou algumas dezenas de pessoas. E ontem, como todos os dias, o regime sírio matou mais umas centenas. O balanço quotidiano das vítimas já deixou de ser notícia. Finalmente, com a tragédia do voo da Malaysia Airlines, o conflito ucraniano mudou de natureza. Deixar andar tornou-se impossível. O problema é que a via que Putin escolheu de confronto com o Ocidente tornou mais visível a ausência de estratégia europeia face a Moscovo, mesmo que, até agora, tenha acompanhado os Estados Unidos, mesmo que sempre um pouco mais atrás. Putin ainda não conseguiu, como esperava, dividir a aliança transatlântica. Deixou-se isolar na cena internacional, como se viu na sua recente digressão pela América Latina. Tem na mão a chave do conflito: ou uma fuga para a frente ou a abertura para negociações realmente sérias. E tudo isto se passa em território europeu. 2. A Europa está rodeada de conflitos por todos os lados. A relativa ausência americana deixa ainda mais a nu a sua dificuldade em ter uma acção externa coerente. Mesmo assim, deu-se ao luxo de fracassar na sua primeira tentativa de preencher os lugares de topo das instituições europeias na quinta-feira passada, incluindo o de chefe da Diplomacia europeia. Não é um bom sinal. Na quinta-feira, num debate organizado pelo Movimento Europeu, António Vitorino começou a sua intervenção com uma “má notícia”: o “impasse no Conselho Europeu”. E outra boa: a escolha de Juncker para presidir à Comissão. Apontou a questão fundamental: a crise mudou os equilíbrios entre as instituições e entre os Estados, criando uma “nova normalidade” europeia, que é preciso agora corrigir, recuperando o papel da Comissão. Mas também disse que a Europa se tem de reformar urgentemente e que, para sermos totalmente honestos, algumas das exigências do Reino Unido (ou da Holanda), independentemente das suas intenções políticas, fazem sentido. Por exemplo, que a Europa deve ter um conjunto de grandes prioridades para o futuro, e não uma “árvore de Natal” onde cada um é livre de colocar o seu enfeite. E que o crescimento tem de ser, necessariamente, uma delas. Pascal Lamy, o francês que dirigiu a OMC é o presidente honorário da “Notre Europe – Institut Jaques Delors”, da qual Vitorino é o presidente executivo, veio a Lisboa dizer basicamente a mesma coisa. Há ideias mas é preciso considerá-las e debatê-las. Vitorino reconhece que recuperar a influência da Comissão na definição da agenda política é o grande desafio de Juncker. O recém-eleito presidente não está a ter das capitais a cooperação necessária para conseguir levar a cabo essa tarefa, afastando o risco de fazer da Comissão uma das vítimas colaterais desta crise. O antigo comissário português anda a avisar há já muito tempo que a Comissão, se escolhida apenas segundo o critério político do PE (e não através de uma negociação com o Conselho Europeu) poderia vir a revelar-se um problema: seria uma Comissão prisioneira de um “sistema de Assembleia”, sem a margem de manobra de que precisa. 3. Na semana passada, algumas peripécias deram-lhe razão. Ter instituições europeias com um equilíbrio entre homens e mulheres é, em si mesmo, uma coisa boa. Mas não a forma como Martin Schulz, o presidente do PE, a colocou, ameaçando chumbar (ou seja, não investir) a nova Comissão se não houver pelo menos nove mulheres. O mesmo Schulz também disse que o comissário escolhido pelo Reino Unido (Lord Hill) corria o risco de ser “chumbado” pelos deputados por excesso de eurocepticismo. Alguém lhe deve ter dito que era uma declaração politicamente pouco ajuizada. No dia seguinte, corrigiu o tiro, dizendo que alguns amigos lhe tinham explicado que Lord Hill até era, afinal, uma pessoa sensata, no quadro político britânico. Não é a primeira vez que o PE age em mood “politicamente correcto”. Na primeira Comissão Barroso, os deputados vetaram o nome do Comissário Italiano, figura conservadora e respeitável (duas coisas que se podem conjugar) porque considerava a homossexualidade um crime.
REFERÊNCIAS:
Partidos LIVRE
A Eurovisão como jogo político, em directo e na TV
Para lá das canções, o Festival Eurovisão da Canção é um teste às relações entre os países que participam no concurso. Será a música mais forte do que a política? (...)

A Eurovisão como jogo político, em directo e na TV
MINORIA(S): Refugiados Pontuação: 6 Migrantes Pontuação: 6 Mulheres Pontuação: 2 Homossexuais Pontuação: 6 Animais Pontuação: 6 | Sentimento -0.08
DATA: 2018-05-28 | Jornal Público
SUMÁRIO: Para lá das canções, o Festival Eurovisão da Canção é um teste às relações entre os países que participam no concurso. Será a música mais forte do que a política?
TEXTO: No ano passado em Kiev, Ucrânia, Salvador Sobral recebeu um “puxão de orelhas” da organização do festival da Eurovisão. Nos bastidores, o músico tinha vestida uma camisola preta com a mensagem “SOS Refugees” (SOS Refugiados), algo que para a União Europeia de Radiodifusão (EBU) é visto como uma mensagem política, uma atitude banida pelo regulamento do concurso. Salvador defendeu-se dizendo que aquela camisola tinha uma “mensagem humanitária”, mas a organização não se mostrou permissiva, numa edição que tinha como assinatura “Celebrate Diversity” (Celebrar a diversidade). Numa Europa de várias sensibilidades, a única forma de chegar a todos sem gerar problemas é garantindo (ou pelo menos tentando) que o concurso fica à parte das mensagens políticas e comerciais, seja nas canções ou fora delas. Mas fugir ao regulamento pode dar a um artista ou a um país a capacidade de passar uma mensagem para um universo de mais de 200 milhões de espectadores. A história do concurso mostra que houve vários participantes a afrontar as regras, com mais ou menos sucesso. Rita Pereira, com 23 anos, é aluna de mestrado na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa e está a preparar uma tese de mestrado sobre o facto de o regulamento da Eurovisão dizer que este é um “concurso apolítico”. Rita acompanha o festival desde a edição de 2005, também na Ucrânia: “Encanta-me a combinação da música com a multiculturalidade. ” Não se considera uma enciclopédia do festival, mas diz de cor intérpretes e anos em escassos instantes. “A Eurovisão é relativamente pouco estudada”, desabafa, por isso o tema da tese acabou por ser uma “escolha natural”. A primeira questão que põe em cima da mesa equivale à abertura de uma caixa de Pandora: “O que faz com que uma canção seja considerada política?” Rita assegura que “a política existe sempre na Eurovisão”, mesmo que “existam regulamentos que digam o contrário”. “Há um concurso com canções de vários países — uma expressão artística — e sobre o que é que as pessoas falam? Falam dos contextos sociais onde vivem. Isso também não é político?”Portugal acaba por ser um “exemplo paradigmático” em várias canções que levou à Eurovisão com mensagens políticas, desde aquelas que tinham a intenção de ser entendidas “por cá”, como as críticas ao Estado Novo em Tourada de Fernando Tordo (1973) ou até à tentativa dos Homens da Luta de passar uma mensagem contra a austeridade a nível europeu (2011). Apesar dessas demonstrações mais politicamente activas ou conotadas, nunca existiu um problema em relação às participações portuguesas no concurso. “Quando as canções são políticas, mas que não criam pontos de tensão entre países, a organização não diz nada”, até porque “muitas vezes o festival não percebe os significados”. Apesar disso, Rita faz questão de dizer que, para ela, “o festival não é um concurso de canções”, mas sim “um espectáculo audiovisual” e por isso a “mensagem também se pode passar “nessa vertente visual”. Exemplo disso foi quando em 2015, na Áustria, várias bandeiras LGBT foram erguidas aquando da actuação da representante russa. Este gesto levou a que no ano seguinte fosse introduzida uma “política de utilização das bandeiras” que proibia a utilização da “bandeira arco-íris” de “forma política” durante a actuação da Rússia. A organização justificava a sua decisão dizendo que estas bandeiras “não podiam ser usadas como uma ferramenta política”. Para existir uma canção banida por razões políticas, temos de recuar a 2009. We Don’t Wanna Put In do grupo pop Stephane & 3G foi escolhido pela Geórgia para ir ao festival que se realizava em Moscovo, na Rússia. As duas palavras do título da canção faziam lembrar o nome do Presidente russo, Vladimir Putin, que combinado com “We Don’t Wanna” (nós não queremos) levou a que os intérpretes nunca chegassem a pisar o palco do Estádio Olímpico de Moscovo. A organização considerou que a canção continha uma mensagem política evidente e, para evitar um conflito com o país organizador, baniu a canção. A ex-república soviética tinha cortado as relações diplomáticas com a Rússia um ano antes, o difícil relacionamento entre as duas nações acabou por ditar o abandono da Geórgia dessa edição do festival. O (ainda instável) Leste europeu tem levado à existência de situações complicadas no festival. Lisboa recebe nesta quinta-feira a actuação da cantora russa Julia Samoylova conhecida por ter sido banida do festival que se realizou na Ucrânia o ano passado. Samoylova tinha ido em 2014 à Crimeia quando esta já se encontrava anexada pela Rússia e foi por isso impedida de ir a Kiev pelas autoridades ucranianas. Em protesto pela organização não ter resolvido o diferendo, o canal estatal da Rússia recusou-se a participar na edição do ano passado. Este ano, a canção Mercy, apresentada pela França, fala sobre refugiados. “A Eurovisão ainda não disse nada, mas isso não é político?”, questiona Rita Pereira. “Há coisas que não dá para contornar”, por isso “não é mesmo possível excluir tudo o que é político”, defende. Questionada se é mais importante a canção do que o país que a apresenta, Rita defende que “o mais importante é mesmo a canção e a actuação” e prova esse argumento dando o exemplo da participação de Salvador Sobral em Amar pelos Dois, que, no ano passado, venceu não só na classificação dos vários painéis de jurados, mas também no televoto. Rita sempre ouviu que Portugal “não podia ganhar a Eurovisão porque não tinha vizinhos”, mas a realidade mostrou o contrário. Certo é que nas votações há muito de político, e as históricas amizades entre nações revelam-se no televoto (e em certos casos nos próprios jurados). Por esse motivo quando a votação dos telespectadores era determinante para escolher o vencedor do festival (1997-2008), os países de Leste acabavam por conseguir reunir mais vitórias do que os países do Ocidente. Havia uma espécie de política de voto em bloco pelos Balcãs, que se acentua pela imigração de Leste na Europa ocidental. O que demonstra que na Eurovisão, às vezes, é preciso “ter uma boa vizinhança”. Tiago Batista, 24 anos, é o autor da tese de mestrado “A Geopolítica e a votação no Festival Eurovisão da Canção”. Na tese que realizou no ISCTE, em 2016, Tiago analisou o impacto da introdução, em 2009, do modelo misto de votação, que dava igual poder aos painéis de jurados e ao televoto dos espectadores. Antes, o festival tinha passado por um período de controvérsia em relação aos resultados apurados por televoto. Em 2007, por causa deste sistema, nenhum país ocidental que tivesse participado na semifinal se qualificou para a final, “o que obrigou a mudar o sistema”. A Áustria boicotou o festival em 2008, “diziam que assim o que estava a valer era o nome do país e não a canção”. Batista garante que “com o modelo misto o voto não é tão político”. Situações como a da primeira participação da Albânia, em 2004, deixaram de ter relevo. Nesse festival, à excepção de Sérvia, Eslovénia e Macedónia que deram os 12 pontos (a pontuação máxima) à Albânia “mais ninguém achou piada à música”. “Mas é engraçado como os vizinhos gostaram todos. ” Um dos casos de “resistência” em relação àquilo que “ainda continua a ser um voto declaradamente político” é o caso de Chipre e da Grécia. São poucas as vezes na história da Eurovisão que o país do mediterrâneo não deu a pontuação máxima à ilha vizinha, que mantém uma disputa de décadas entre a população de ascendência grega e de ascendência turca (parte norte da ilha). “É normal votarmos em países com os quais temos afinidade”, diz Tiago Batista. Por isso “é claro que Portugal vote mais em Espanha do que noutro país qualquer com o qual não tem afinidade”. Tiago Batista considera que “o Leste ainda politiza muito o festival”, e dá um exemplo relacionado com esta edição: “O Presidente da Bielorrússia disse esperar que o país recebesse os 12 pontos da Rússia e da Ucrânia. ” “Na Europa de Leste as coisas são levadas muito a sério”, de tal forma que em 2013 o Governo do Azerbaijão teve de pedir desculpa à Rússia por não lhe ter dado pontos no festival. Caso extremo foi o do Azerbaijão em 2009, quando o Governo pediu à empresa de telecomunicações do país que lhe desse o nome de todas as pessoas que votaram na canção da Arménia. Esse fãs seriam depois investigados, já que tinham revelado uma “atitude antipatriota”. Foram 43 os azeris chamados a justificarem-se. Há também registo de picardias entre os dois países no próprio espectáculo televisivo. Nesse ano, no momento de votação da Arménia, a porta-voz mostrou uma imagem de um monumento da região de Nagorno-Karabakh, que está em disputa com o Azerbaijão. “Os países usam o festival porque é muito mais fácil e mais barato do que fazer guerra”, diz o investigador. A participação da Macedónia também é um problema para a Grécia, de tal forma que quando a ex-república jugoslava aparece no festival tem de vir com o nome “F. Y. R. Macedonia”. Esta situação acabou por ser levada ao extremo quando, em 2006, o festival se realizou em Atenas e o grafismo contou com o nome do país escrito de forma integral “Former Yugoslav Republic of Macedonia” (Antiga República Jugoslava da Macedónia). Este conflito tem origem no nome em disputa entre os dois territórios e que tem condicionado a participação do país na Eurovisão. Também este litígio tem levado ao atraso na integração europeia da Macedónia, por influência da Grécia. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Apesar das apostas, ao contrário de uma grande competição desportiva onde o leque de possíveis vencedores é reduzido à partida aos ditos “favoritos”, na Eurovisão a inexistência de um padrão comum de vencedores leva a que não haja um vencedor antecipado (e já foram 27 os países a ganhar pelo menos uma edição do festival). “Não existe um modelo eurovisivo”, e “Salvador Sobral é a prova disso”, defende Tiago. O investigador também tem “dúvidas” de que a RTP tivesse querido verdadeiramente ganhar o festival até ao ano passado. Antes da vitória de Salvador Sobral, “íamos só marcar presença” e por isso “não éramos levados a sério”. O autor de A Festa da Vida (1972), Carlos Mendes, chegou a dizer que o operador público o “proibiu de promover o festival a nível europeu, porque Portugal não podia albergar o festival”. A “semana Eurovisão” está a começar agora. Não haverá cartazes políticos, porque esses são proibidos no recinto do festival. O que já não é garantido é que as mensagens políticas não possam passar de formas mais criativas ou menos explícitas. O que parece mais certo são os 12 pontos “políticos” que Chipre dará à Grécia.
REFERÊNCIAS:
Étnia Azeris