Dentro da cabeça de Carlos Silvino
Os peritos que em 2008 analisaram o ex-motorista da Casa Pia deram logo com a sua dificuldade em lidar com sentimentos e emoções. Falam numa certa "aridez" que o impede de desenvolver relações íntimas. E de uma depressão que podia levar a pensamentos bizarros. (...)

Dentro da cabeça de Carlos Silvino
MINORIA(S): Mulheres Pontuação: 2 Homossexuais Pontuação: 6 | Sentimento 0.0
DATA: 2011-02-05 | Jornal Público
SUMÁRIO: Os peritos que em 2008 analisaram o ex-motorista da Casa Pia deram logo com a sua dificuldade em lidar com sentimentos e emoções. Falam numa certa "aridez" que o impede de desenvolver relações íntimas. E de uma depressão que podia levar a pensamentos bizarros.
TEXTO: Não admite que lhe chamem pedófilo. Nem homossexual. Sequer bissexual. Carlos Silvino diz que gosta de mulheres. Crescidas. Aos peritos que traçaram o seu perfil, desdobrou-se em informações sobre uma ex-namorada. "Era só à quinta-feira que fazia amor com ela, porque a religião dela não permitia. [. . . ] Para me satisfazer, ia duas ou três vezes a Monsanto, à prostituição. "Chamava-se Isaura. E o então motorista da Casa Pia não compreendia aquela restrição semanal que ela lhe impunha: "Só soube que ela era da religião Maná quando ela me levantou dinheiro da conta. "Só este namoro seria consistente no discurso sobre a heterossexualidade de Silvino. No resto, hesitava. "Com frequência", dava "informações diferentes em momentos diferentes. " Os peritos ficaram com a sensação que procurava uma resposta a cada pergunta, a avaliar pelo relatório que escreveram. Não era assim quando falava na sua "colaboração" com os rapazes que terão prestado serviços sexuais fora da Casa Pia - uma "colaboração" que acabou por negar numa entrevista publicada no dia 26 na Focus. Não se contradizia ao referir "quando, onde, como, para junto de quem" os terá transportado. Reproduzia "quase o mesmo em momentos diferentes". E tendia a ser "minucioso". Distendia-se "amplo, escorreito, seguro de si e das suas afirmações". Com o sexo feminino era diferente. Com o sexo feminino era de uma incoerência que os peritos classificam de "exuberante". Foi ouvido em 2008 por peritos da Unidade Funcional de Psiquiatria e Psicologia Forense do Hospital Magalhães Lemos, na fronteira do Porto com Matosinhos, a 2 e a 15 de Abril, a 7 e a 12 de Maio, a 2 de Junho - a pedido das Varas Criminais de Lisboa, a que cabia avaliar o depoimento do acusado de 634 crimes. Numa primeira conversa, revelou ter tido relações sexuais com uma rapariga pela primeira vez em Braga. Namorara "um ano e tal" com ela. Teria passado "dois ou três fins-de-semana" em casa dela. A distância falara mais alto. E ela trocara-o por "um rapaz da aldeia". Nesse mesmo dia, contou 24 namoradas. E falou na tal da Igreja Maná com quem estivera três anos. Noutra sessão, assegurou ter vivido com 12 mulheres. Disse o nome delas todas. Enumerou 12 portuguesas e uma francesa, que não entraria na estatística por ter sido um amor de férias. Ainda naquele dia, corrigiu o tiro. Namorara com 13 e vivera "com duas ou três". Numa terceira ocasião, declarou ter tido relações sexuais pela primeira vez com uma rapariga em Viseu. Afinal, tivera 12 namoradas. E só morara com uma por volta dos seus 42-44 anos, a tal da Igreja Maná, porque "queria avançar, ter família, ter filhos". Ela nunca quis. Talvez o homem de 53 anos confunda homossexualidade com pedofilia. Ainda agora, com o jornalista da Focus, falou como se acreditasse que praticar sexo com mulheres o ilibasse de abusar de crianças: "Disse em tribunal e digo outra vez. Não sou pedófilo, não sou homossexual, nem predador sexual. Sou heterossexual e algumas raparigas com quem tive relações foram ao tribunal para confirmar isso, mas nem sequer foram ouvidas. Não sei porquê. "Violado na infânciaQuem é o homem que a Polícia Judiciária deteve a 25 de Novembro de 2002, sob suspeita de servir uma rede de prostituição infanto-juvenil, e que o país conheceu de cabelo rente e blusão vermelho? Há alguma resposta precisa, após os mais de 20 testes de avaliação psicológica a que foi sujeito? Silvino identificou o seu advogado, a mãe adoptiva, os ex-colegas da Casa Pia, o psiquiatra, o médico de família e três amigos como as pessoas que mais lhe davam apoio. E os peritos perceberam que lhe custava estabelecer "relações personalizadas, íntimas, de conhecimento aprofundado".
REFERÊNCIAS:
Palavras-chave tribunal homem prostituição sexo sexual mulheres homossexual rapariga bissexual
Teólogos admitem discutir fim do celibato
O manifesto de teólogos alemães por uma renovação na Igreja Católica, que defende o fim do celibato obrigatório, continua a somar apoiantes. Em Portugal defende-se que a discussão dos assuntos pode ser feita, mas, ressalvam os teólogos, sem uma mudança obrigatória. (...)

Teólogos admitem discutir fim do celibato
MINORIA(S): Mulheres Pontuação: 2 Homossexuais Pontuação: 6 | Sentimento 0.0
DATA: 2011-04-03 | Jornal Público
SUMÁRIO: O manifesto de teólogos alemães por uma renovação na Igreja Católica, que defende o fim do celibato obrigatório, continua a somar apoiantes. Em Portugal defende-se que a discussão dos assuntos pode ser feita, mas, ressalvam os teólogos, sem uma mudança obrigatória.
TEXTO: O manifesto Igreja 2011: Uma renovação indispensável foi divulgado por teólogos alemães no início de Fevereiro e suscitou uma grande discussão em todo o mundo. O documento fala da "crise profunda" que atravessa a Igreja Católica e pede o fim do celibato obrigatório, "mulheres em serviço eclesial" e a "não exclusão das pessoas que vivem responsavelmente o amor numa relação homossexual". À Lusa, o padre Jacinto Farias apontou que "estes manifestos têm o valor que têm" e lembrou que "a posição da Igreja é muita clara" em relação ao celibato. Assume que não assinaria o manifesto, mas não se mostra contra que a Igreja Católica discuta a obrigatoriedade do celibato dos sacerdotes nas mais altas instâncias. "Que se continue a discutir, tudo bem, o que não significa que o pensar da Igreja se vá alterar só porque grupos de cristãos são contra qualquer coisa. A igreja tem um pensamento que foi criando ao longo dos séculos em conformidade com aquilo que é o Evangelho e é constante". Já o padre Peter Stilwell lembra que a ordenação de homens casados poderá ajudar a garantir o funcionamento da Igreja do ponto de vista dos sacramentos. "A maior parte dos sacramentos só pode ser celebrada por bispos ou padres e a redução do número de padres nalguns países significa que algumas comunidades se vêem limitadas na celebração dos seus sacramentos e a argumentação teológica vai no sentido de saber até que ponto uma questão de disciplina se deve sobrepor ao direito que as comunidades têm de viver e celebrar os sacramentos", defendeu. Para o teólogo João Duque, a crise do Cristianismo não é uma crise de vocações, mas de crentes. Por isso, a questão do celibato "não traria grande acrescento à questão do entusiasmo maior ou menor dos europeus em relação à Igreja Católica". Na sua opinião, qualquer mudança nesta matéria implica "um consenso muito alargado, porque se vai alterar uma disciplina de séculos".
REFERÊNCIAS:
Religiões Cristianismo
Médicos querem rever as leis do aborto e da PMA
Está na hora de rever as leis da interrupção voluntária da gravidez (IVG) e da procriação medicamente assistida (PMA) "no sentido de as aperfeiçoar e melhorar", defende o presidente do Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida (CNECV), Miguel Oliveira da Silva. (...)

Médicos querem rever as leis do aborto e da PMA
MINORIA(S): Mulheres Pontuação: 2 Homossexuais Pontuação: 6 | Sentimento 0.0
DATA: 2011-05-16 | Jornal Público
SUMÁRIO: Está na hora de rever as leis da interrupção voluntária da gravidez (IVG) e da procriação medicamente assistida (PMA) "no sentido de as aperfeiçoar e melhorar", defende o presidente do Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida (CNECV), Miguel Oliveira da Silva.
TEXTO: Devem as mulheres que interrompem a gravidez passar a pagar taxas moderadoras? Até onde deve ir a prioridade e apoio do SNS na afectação de recursos à PMA? Não faria sentido que tudo fosse pensado em simultâneo com uma campanha de esclarecimento sobre as vantagens da maternidade antes dos 30 anos? Devem as mulheres sozinhas ou homossexuais ter acesso a consultas de PMA? São questões destas, necessariamente polémicas, que estarão em debate amanhã numa conferência organizada pelo CNECV, na Ordem dos Médicos, no Porto. Sobre as taxas moderadoras, Oliveira da Silva "não acha mal" que as mulheres que interrompem a gravidez passem a pagá-las. "Também pagam quando vão a uma urgência", lembra. Este será o primeiro balanço bioético feito por médicos e investigadores de diversos quadrantes e com diferentes perspectivas, um debate que pretende ser "esclarecido e plural" sobre as leis da IVG e da PMA - que têm já quatro e cinco anos, respectivamente. "Nenhuma destas leis é um dogma inatacável", justifica Miguel Oliveira da Silva. Em vários países, lembra, as legislações estipulam a revisão obrigatória após um tempo (em França, são cinco anos). "Muitas têm sido e são as vozes que pretendem reflectir" sobre estas leis e debatê-las não significa "voltar atrás", argumenta o ginecologista e professor da Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa. "Ninguém é dono da verdade, e há gente boa em ambos os lados da barricada. " Acentuando que ambas as leis têm "custos", o presidente do CNECV pergunta: "Conhecemo-los na sua totalidade?" Questiona, por exemplo: "Qual o verdadeiro custo da efectividade [da PMA] se as nossas estatísticas não nos revelam quantas mulheres e casais ficaram pelo caminho, quantos ciclos foram medicados, quantas transferências de embriões falharam, quantos abortos espontâneos e partos pré-termo ocorreram?". Na IVG, sublinhando embora que o número de 20 mil abortos anunciado "não tem que ser visto como uma fatalidade", diz que há áreas em que é necessário intervir "mais e melhor", como a prevenção efectiva da repetição de abortos, através das consultas de planeamento familiar. Já há quem diga que será uma reunião do "não" por contar com especialistas contra a IVG. Miguel Oliveira da Silva garante que não. Participam também médicos que fazem IVG e os contributos são abrangentes. Uma especialista da OMS vai falar sobre doação de gâmetas e maternidade de substituição e conferencistas portugueses debaterão problemas como o do conhecimento dos pais biológicos e o da criopreservação de embriões.
REFERÊNCIAS:
Entidades OMS
Vaticano esclarece que declarações do Papa não são “revolucionárias”
O Vaticano sublinhou este domingo o carácter “excepcional” do uso do preservativo, depois de o Papa Bento XVI ter afirmado que “em alguns casos” o uso deste método contraceptivo pode justificar-se. (...)

Vaticano esclarece que declarações do Papa não são “revolucionárias”
MINORIA(S): Mulheres Pontuação: 2 Homossexuais Pontuação: 6 | Sentimento 0.0
DATA: 2010-11-21 | Jornal Público
SUMÁRIO: O Vaticano sublinhou este domingo o carácter “excepcional” do uso do preservativo, depois de o Papa Bento XVI ter afirmado que “em alguns casos” o uso deste método contraceptivo pode justificar-se.
TEXTO: A Santa Sé salienta que Bento XVI quis reiterar que o problema da sida “não pode ser resolvido através da distribuição de preservativos”, mas para activistas do combate à sida e para a ONU estas declarações são “um passo significativo e positivo”. As declarações de Bento XVI, que desde sexta-feira têm causado reacções em todo o mundo, vão ser publicadas no livro "Luz do Mundo", da autoria do jornalista alemão Peter Seewald, que será publicado amanhã em Itália e vários outros países e chega a Portugal a 2 de Dezembro. E a frase do livro que tem sido mais citada é aquela em que o Papa defende que, em alguns casos, o uso de preservativo “pode ser o primeiro passo para a moralização” da sexualidade, “um primeiro acto de responsabilidade”. Como exemplo referiu-se ao caso da prostituição. O porta-voz do Vaticano, Frederico Lombardi, salientou que o Papa “não quis tomar posição sobre a questão do uso do preservativo em geral”, mas antes “sublinhar que o problema da sida não pode ser resolvido através da distribuição de preservativos”, adiantou a AFP. Lombardi reconheceu, no entanto, que apesar de outros teólogos e eclesiásticos terem já defendido posições semelhantes, “até agora nunca tínhamos ouvido isto com tanta clareza vindo da boca de um Papa, ainda que de forma informal e não oficial”. Para o porta-voz do Vaticano, no entanto, não se podem considerar as afirmações de Bento XVI “revolucionárias”, mas sim um contributo “corajoso e original” para um debate sobre a sexualidade responsável. As declarações de Bento XVI foram saudadas por católicos liberais, activistas no combate à sida e organizações internacionais. O secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, considerou que Bento XVI foi “pragmático e realista” (ver entrevista na página 2) e também o director executivo da agência das Nações Unidas para o combate à sida, ONUSIDA, Michel Sidibé, disse que esta posição é “um passo significativo e positivo” e que “vai ajudar a acelerar a revolução para a prevenção da sida, ao promover um enfoque baseado nos direitos humanos para alcançar o acesso universal à prevenção e tratamento”. Este organismo da ONU tem defendido o uso do preservativo como parte fundamental para a contenção de uma doença que atinge 7000 pessoas por dia em todo o mundo. “A grande surpresa do novo livro não é o facto de Bento XVI acreditar que a Igreja Católica pode permitir o uso de preservativo para prevenir a disseminação da sida em algumas circunstâncias, mas o facto de ter demorado tanto tempo a dizê-lo”, escreveu Tom Heneghan, editor de questões religiosas da Reuters. Alguns analistas sublinharam que o Papa estaria a referir-se a excepções como os casos de prostituição masculina, onde não estaria em causa a questão da procriação. Janet Smith, conselheira do Vaticano e professora de ética no Seminário do Sagrado Coração, em Detroit, EUA, disse à Reuters que “o Santo Padre observou simplesmente que para alguns prostitutos homossexuais, o uso de preservativo pode indicar um despertar da moralidade, um reconhecimento de que o prazer sexual não é o valor mais elevado. ”Os activistas da luta contra a sida interpretaram as declarações de Bento XVI como “uma mudança significativa na tradição da linha dura do Vaticano”, como lhe chamou Peter Tatchell, militante pelos direitos dos homossexuais no Reino Unido, ou “uma porta que se abre”, como disse ao "El Mundo" Gérard Guérin, responsável da organização francesa de cristãos contra a sida para quem esta posição “permitirá a libertação de muitas pessoas que actualmente se confrontam com um mar de dúvidas”.
REFERÊNCIAS:
Entidades ONU EUA
Mr. Bean” e Ian “torpedo” Thorpe no casamento de William e de Kate
Vão ser muitas as caras conhecidas no casamento do príncipe William e de Kate Middleton. O actor Rowan Atkinson, conhecido por “Mr. Bean”, o casal Beckham e o nadador australiano Ian “torpedo” Thorpe, são apenas algumas das “estrelas” presentes. (...)

Mr. Bean” e Ian “torpedo” Thorpe no casamento de William e de Kate
MINORIA(S): Mulheres Pontuação: 2 Homossexuais Pontuação: 6 | Sentimento 0.0
DATA: 2011-04-24 | Jornal Público
SUMÁRIO: Vão ser muitas as caras conhecidas no casamento do príncipe William e de Kate Middleton. O actor Rowan Atkinson, conhecido por “Mr. Bean”, o casal Beckham e o nadador australiano Ian “torpedo” Thorpe, são apenas algumas das “estrelas” presentes.
TEXTO: A lista de convidados da cerimónia marcada para o próximo dia 29 na Abadia de Westminster, em Londres, foi hoje divulgada. Nela consta também o nome de Guy Ritchie, cineasta, ex-companheiro de Madonna e amigo pessoal dos noivos. Entre os desportistas está também o jogador de râguebi Gareth Thomas, ex-capitão de selecção galesa e que há dois anos revelou publicamente ser homossexual. Presença já esperada é a do cantor Sir Elton John e da cantora Joss Stone. Segundo uma nota divulgada pelo gabinete do Príncipe de Gales, as pessoas que aparecem listadas individualmente e “que sejam casados ou vivam em união civil” podem fazer-se acompanhar pelos seus companheiros. Entre os convidados encontram-se 46 membros de famílias reais, de países como Espanha, Dinamarca, Marrocos e Bahrein. Ficam de fora chefes de estado que não pertençam à realeza, como Barack Obama e Nicolas Sarkozy. Detalhe importante: a família real proibiu os convidados de usar o Twitter e de colocar fotos e textos nas redes sociais durante a cerimónia. Não será mesmo permitida a entrada de aparelhos electrónicos na Abadia de Westminster. Notícia corrigida às 17h02
REFERÊNCIAS:
Palavras-chave homossexual cantora
Os Guermantes, apogeu e queda Marcel Proust
Os Guermantes começam por ser um modelo em que se projectam todas as aspirações sociais do jovem Marcel, para se tornarem, no final do romance, numa caricatura do tempo que passou. Segundo texto do escritor António Mega Ferreira sobre Em Busca do Tempo Perdido, obra que em Novembro faz 100 anosSobre a cabeça febril e sonhadora de Marcel, o Narrador, quando criança, pairam duas nuvens propícias, por entre as quais refulgem os raios redentores de todas as revelações: de um lado, a de Charles Swann, que é um semideus refinado, mas humano, demasiado humano, visita frequente da vilegiatura dos avós de Marcel; do outro... (etc.)

Os Guermantes, apogeu e queda Marcel Proust
MINORIA(S): Mulheres Pontuação: 2 Homossexuais Pontuação: 6 | Sentimento 0.0
DATA: 2015-05-01 | Jornal Público
TEXTO: Os Guermantes começam por ser um modelo em que se projectam todas as aspirações sociais do jovem Marcel, para se tornarem, no final do romance, numa caricatura do tempo que passou. Segundo texto do escritor António Mega Ferreira sobre Em Busca do Tempo Perdido, obra que em Novembro faz 100 anosSobre a cabeça febril e sonhadora de Marcel, o Narrador, quando criança, pairam duas nuvens propícias, por entre as quais refulgem os raios redentores de todas as revelações: de um lado, a de Charles Swann, que é um semideus refinado, mas humano, demasiado humano, visita frequente da vilegiatura dos avós de Marcel; do outro, os Guermantes, que começam por ser um Nome que identifica numerosos sinais dispersos pelo território de Combray, as ruínas de um castelo, um vitral na igreja da vila, ou o eco da sua existência na conversação mundana, suave e elegante, de Swann. Swann não se presta à construção de uma mitologia, é demasiado físico e humano para isso - um mensageiro dos Guermantes, um facilitador do acesso do Narrador às antecâmaras do mito; os Guermantes são um paradigma, o horizonte de projecção de todas as aspirações sociais do jovem Marcel, para se tornarem mais tarde, no final do romance, uma caricatura do tempo passado, o emblema da decadência e morte de uma certa França que a Primeira Guerra tinha feito perecer. Tudo começa no Nome, cuja ressonância se alimenta das elucubrações fantásticas do jovem Marcel. Como sempre acontece em Proust, o conhecimento do sujeito ou lugar portador desse Nome idealizado e mitificado constitui uma cruel decepção: é assim, por exemplo, que Bergotte, cuja obra idolatrava, se torna o mais fastidioso dos interlocutores, durante um almoço em casa de Odette Swann. Em O Lado de Guermantes, o Narrador, favorecido pelo facto de a sua família ter ido viver para um apartamento contíguo à mansão parisiense dos duques de Guermantes, começa por desenvolver uma paixão exacerbada pela figura da duquesa Oriana, na qual imagina concentradas todas as virtudes de uma linhagem ilustre que remonta aos primeiros tempos da História de França. Swann, que dela falara pela primeira vez quando Oriana era ainda apenas princesa de Laumes, permitira a Marcel elaborar uma espécie de teogonia pagã dos Guermantes, cuja estirpe teria como origem "a fecundação mitológica de uma ninfa por um pássaro divino". A primeira parte do volume descreve o sistema mundano que se estrutura em torno do Nome de Guermantes: o Narrador observa o apertado círculo numa sessão na Ópera, e, mais tarde, quando é finalmente recebido para jantar em casa dos duques; e estes episódios proporcionam, pela pena afiada de Proust, algumas das mais brilhantes e humorísticas páginas do romance. É que enquanto o primeiro episódio é tratado em registo pretensamente panegírico (mas o leitor notará que o excesso de "ornamentação" da soirée na Ópera é um efeito de demarcação de Proust em relação ao objecto da narração), o segundo é claramente elaborado em registo irónico, todos os gestos, ditos e intrigas da bonne société passados a pente fino pelo acerado sentido de observação de Marcel. De facto, o Narrador parte de um estado próximo da admiração beatífica para uma surda irritação em relação à hipocrisia e vacuidade dominantes na corte dos Guermantes. É que, progressivamente, uma vez admitido à intimidade da duquesa, por observar os tiques de snobismo e as limitações culturais de Oriana, Marcel desencanta-se dela: era uma fada, como o seu nome sugere, mas "a fada definha à medida que nos aproximarmos da pessoa real a que o seu nome corresponde, porque o nome dessa pessoa começa então a reflecti-la, e ela nada contém da fada". A gota de água será o juízo depreciativo que a duquesa pronuncia sobre a pintura de Elstir, que o Narrador idolatra. Porém, através dela ou com ela relacionadas, emergem duas personagens que vão ganhar papel preponderante na sequência do romance: uma delas é o barão de Charlus, tio da duquesa, que funciona simultaneamente como quintessência dos Guermantes e prenúncio da obsolescência e corrupção do mundo que eles representam; a segunda é um sobrinho deste, Robert de Saint-Loup, que o Narrador conhecera em Balbec (À Sombra das Raparigas em Flor), e com quem estabelece uma intensa amizade baseada na dependência, talvez por sentir, em relação a Saint-Loup, "um enternecimento confuso em sentir-se apoiado em situações exteriores". Enfim, reaparece Albertine, uma das "raparigas em flor" de Balbec, que será chamada, nos volumes posteriores, a ganhar ascendente na vida do Narrador. O Lado de Guermantes termina em tom elegíaco, quando Swann, muito envelhecido, anuncia aos convidados da duquesa de Guermantes que só tem três ou quatro meses de vida, pondo termo ao primeiro ciclo do romance, que se estrutura em função dos "dois lados" de Combray: o de Swann e o de Guermantes. Mas, na edição inicial do volume, em finais de 1920, o fecho era assegurado pela primeira parte de Sodoma e Gomorra, aquela que, em edições posteriores, virá a figurar como abertura da secção do romance mais directamente relacionada com a homossexualidade. A circularidade do espaço de representação do romance ficava assim assegurada: o volume começara com a mudança da família do Narrador para uma dependência da mansão parisiense dos duques de Guermantes; e terminava com uma cena reveladora sobre a "verdadeira natureza" do barão de Charlus, passada no pátio dessa mesma casa. Essa "revelação", proporcionada ao Narrador pela sua irresistível tendência para o voyeurismo (que atingirá o auge em O Tempo Reencontrado), constitui, com a sua colocação actual, uma brutal abertura desta secção do romance, a que é dedicada a Sodoma e Gomorra. O tema do "vício" homossexual, introduzido no primeiro volume pela narração da cena em que, através de uma janela, o Narrador se apercebe da intimidade da filha do compositor Vinteuil com uma amiga mais velha, explode aqui com a descrição do "bailado" com que o barão de Charlus, de saída da casa dos seus parentes Guermantes, ensaia uma parada amorosa, plenamente retribuída, tendo como objecto o alfaiate Jupien, que se tornará, depois, o seu factotum para a programação de aventuras amorosas. Mas a cena, interpretada com recurso a uma sofisticada metáfora vegetal (a da fecundação das plantas pelos insectos), abre caminho para uma reflexão sobre a "raça maldita", já anunciada em escritos anteriores, e crucial para o entendimento de um dos nexos temáticos fundamentais de Em Busca do Tempo Perdido: "Raça sobre a qual pesa uma maldição e que tem de viver o seu desejo na mentira e no perjúrio, visto que o sabe ser considerado punível e vergonhoso, inconfessável; (. . . ) excluídos até, salvo nos dias de grande infortúnio em que a grande maioria se une em torno da vítima, como os Judeus em torno de Dreyfus, da simpatia - e às vezes do convívio - dos seus semelhantes, aos quais causam repugnância de verem o que são pintado num espelho. . . "A homologia da situação e comportamentos entre os homossexuais e os Judeus, realçada por Proust, não surpreende. Proust, que tivera por mais de uma vez que se defender das acusações de "inversão", vivera também intensamente os episódios dramáticos do "caso Dreyfus", adoptando resolutamente a defesa do militar de origem judaica, na esteira do manifesto de Émile Zola. Pudera então aperceber-se de como um caso de alegada "alta traição" fora manipulado pelos sectores mais conservadores, de forma a libertar os tradicionais sentimentos antissemitas adormecidos numa parte da população francesa. Em O Lado de Guermantes, o faubourg Saint-Germain divide-se entre dreyfusistas e antidreyfusistas e Marcel compreendera, com indignação, que esta divisão, mais do que a justiça ou injustiça da condenação de Dreyfus, é que mobilizava as vontades e animosidades das personagens, polarizadas em torno do dreyfusismo de Swann, que era judeu de ascendência. Tanto como o seu casamento incompreensível com Odette, é o dreyfusismo de Swann que precipita o seu declínio na apreciação da aristocracia parisiense, que outrora o recebia como se fosse um dos seus. Em Sodoma e Gomorra, Proust constrói o "outro lado" da personalidade do barão de Charlus, a partir da descoberta da sua "verdadeira natureza". Se Charlus se revelara até então como um ser viril, arrogante, insolente e truculento, embora fascinante, aparece-lhe agora, exposto pelo episódio da conquista de Jupien, parecido com uma mulher. A descoberta deixa o Narrador assombrado. Esta revelação do lado de Sodoma vai encontrar o complemento obrigatório na inclinação para Gomorra que o Narrador tentará constantemente descobrir em Albertine. O volume desenvolve--se assim em duas narrativas paralelas (mas em Proust nada é absolutamente paralelo, as linhas em algum ponto hão-de cruzar-se), a do amor de Charlus pelo jovem violinista Morel, que encontra pela primeira vez na estação ferroviária de Doncières, e a do Narrador por Albertine, um e outro lavrados num registo de posse e ciúme, de arrebatamentos e separações, de prodigalidade e de fingida submissão (as célebres "intermitências do coração"). Ora, com o correr do tempo, Charlus perde a antiga discrição e não esconde a sua predilecção "viciosa" por Morel, numa euforia que o faz perder todo o sentido das conveniências e que acabará por precipitar a sua queda no conceito da bonne société a que pertencia, sem que ele se aperceba disso. O "golpe de misericórdia" na mitologia dos Guermantes é dado no último volume do romance, quando, vinte anos depois dos acontecimentos acima relatados, o Narrador regressa a Paris. Duplo assassínio literário: primeiro, o de Charlus, que Marcel encontra a caminho de uma recepção em casa da princesa de Guermantes, muito diminuído, hemiplégico, afásico - mas, ainda e sempre, prisioneiro do seu "vício". O segundo, mais elaborado e cruel (se possível), é a descrição da matinée Guermantes, na qual quase todos os figurantes da comédie humaine que vivera duas décadas antes lhe aparecem "como bonecos mergulhados nas cores imateriais dos anos, como bonecos que exteriorizavam o Tempo, o Tempo que habitualmente não é visível e que, para o ser, procura corpos e, onde quer que os encontre, se apodera deles para neles projetar a sua lanterna-mágica". E há as ausências (a de Saint-Loup, que morrera na guerra, em primeiro lugar), a encenação grotesca de uma antiga glória, a decrepitude generalizada que antecipa o fim, porque "a morte multiplicava-se e tornava-se mais incerta naquelas regiões idosas". A morte envolve o Narrador, ao mesmo tempo que se cola à máscara de Proust.
REFERÊNCIAS:
Étnia Judeu
Marcel Proust: Um romance em forma de vida
Este ano comemora-se o centenário da publicação de Em Busca do Tempo Perdido, de Marcel Proust (1871-1922). Pedimos ao escritor António Mega Ferreira, que conhece bem a obra e a biografia do autor, que voltasse a elas. Este é o primeiro de três textos. Em Novembro de 1913, acabou de se imprimir em Paris com a chancela do jovem editor Bernard Grasset um romance estranho, diferente de tudo o que então se publicava: chamava-se Du côté de chez Swann (Do Lado de Swann), tinha como autor Marcel Proust, nascido em 1871, e apresentava-se como a primeira parte de uma trilogia intitulada A la recherche du temps perdu (Em B... (etc.)

Marcel Proust: Um romance em forma de vida
MINORIA(S): Mulheres Pontuação: 2 Homossexuais Pontuação: 6 | Sentimento 0.0
DATA: 2015-05-01 | Jornal Público
TEXTO: Este ano comemora-se o centenário da publicação de Em Busca do Tempo Perdido, de Marcel Proust (1871-1922). Pedimos ao escritor António Mega Ferreira, que conhece bem a obra e a biografia do autor, que voltasse a elas. Este é o primeiro de três textos. Em Novembro de 1913, acabou de se imprimir em Paris com a chancela do jovem editor Bernard Grasset um romance estranho, diferente de tudo o que então se publicava: chamava-se Du côté de chez Swann (Do Lado de Swann), tinha como autor Marcel Proust, nascido em 1871, e apresentava-se como a primeira parte de uma trilogia intitulada A la recherche du temps perdu (Em Busca do Tempo Perdido). Proust publicara, ainda no século anterior, um volumezinho pouco lido, prefaciado por Anatole France, Les plaisirs et les jours; e, nos primeiros anos do século, duas traduções de John Ruskin e alguns artigos em revistas de circulação restrita e no Le Figaro, jornal literariamente muito ligado aos meios académicos. A maior parte do que escrevera dormitava na gaveta: mil páginas de um romance, laboriosamente arquitectado entre 1894 e 1904, que nunca adquiriu forma definitiva e que viria a ser publicado muito depois da sua morte, com o título Jean Santeuil. O primeiro volume do romance de Proust tivera uma génese editorial atribulada, como atribulada havia de ser a sua continuidade, até à publicação do último volume da obra, em 1927, cinco anos depois da morte do autor. Tal como hoje o conhecemos, Em Busca do Tempo Perdido desdobra-se em sete volumes, mais quatro do que o seu projecto original. São eles: Do Lado de Swann, À Sombra das Raparigas em Flor, O Lado de Guermantes, Sodoma e Gomorra, A Prisioneira, A Fugitiva (Albertine Desaparecida) e O Tempo Reencontrado (todas as citações seguem a tradução de Pedro Tamen, publicada entre 2003 e 2005 na Relógio D"Água). Embora os episódios que o integram se estendam por um período longo (mais ou menos de 1870 até 1920, da guerra franco--prussiana ao final da Grande Guerra, tempo de vida do autor), a sua atenção incide sobretudo sobre a bonne société parisiense do final do século XIX e início do século XX, que corresponde ao tempo em que Marcel Proust a frequentou com assiduidade. Ora, Do Lado de Swann, ou o seu projecto, fora já rejeitado por duas grandes casas editoras, a Fasquelle e a prestigiosa N. R. F. Em finais de 1912, o director de uma terceira não hesitara em afirmar: "Não consigo compreender como um cavalheiro gasta trinta páginas a descrever as voltas e reviravoltas que dá na cama, antes de adormecer. " É certo que o projecto de Proust era desconcertante: o que ele queria escrever, leitor assíduo e fervoroso da obra de Henri Bergson, era "um romance sobre o Tempo", o tempo vivido, presentificado, por oposição ao tempo físico, sucessivo. Para tal, recorreria à "memória involuntária", essa espécie de capacidade potencial para tornar presentes todas as coisas passadas, despertada do seu sono por uma espécie de irradiação mnésica contida nas próprias coisas que alguma vez fizeram parte da nossa história pessoal. Mas a forma editorial do romance ia conhecendo, quase de mês para mês, alterações significativas: parte estava ainda por escrever; e mesmo a extensão do primeiro volume, que era o que ele propunha aos editores, variava de carta para carta. A leitura das primeiras dezenas de páginas motivara o comentário jocoso do editor Humblot. A tentativa seguinte foi junto do editor Bernard Grasset. Proust propôs-se pagar a edição e, ainda, fazer o editor partilhar dos resultados da venda. Nem sequer lhe enviou o original; em finais de Fevereiro de 1913, recebeu uma resposta positiva - e incondicional. Passou o Verão em revisões, que aumentaram muito a extensão do original, e em angústias quanto à dimensão do volume, ao título, à reacção do público. Decidiu-se, por fim, a dividir esta primeira parte em dois volumes, deixando o longo capítulo sobre "as raparigas em flor" para um segundo volume: duzentas páginas que, quando o livro veio a ser publicado, em 1919, tinham crescido para quase seiscentas. . . Do Lado de Swann é finalmente editado em Novembro de 1913 e anuncia-se como a primeira parte de um romance em três etapas: O Lado de Guermantes (incorporando o episódio das "raparigas em flor") e O Tempo Reencontrado completarão esta exploração dos "dois lados" que definem Combray - o lado onde fica a casa de Charles Swann e o lado onde ficam as propriedades dos Guermantes. Um dos achados da arquitectura romanesca de Proust começa nesta "invenção" dos "dois lados" de Combray, uma transposição muito criativa da Illiers paterna, onde Proust ia de férias na infância e que constitui o espaço de representação das primeiras recordações do Narrador. Ora, este Narrador (o je que o define desde a frase inaugural, "longtemps je me suis couché de bonne heure") é uma personagem de corpo inteiro, que Proust vai construir a partir de uma infinidade de episódios da sua vida, mas também de tudo o que foi apreendendo, através do tempo, acerca da vida dos outros. Proust está no Narrador (que até se chama Marcel), mas não é ele. O seu romance acaba por ser o romance de uma vida, mas não necessariamente a sua. Do Lado de Swann é o prólogo voluptuoso de uma ópera wagneriana, em que tudo - a música, a poesia, a pintura, a filosofia, as cores e a Natureza, os sentimentos e as aspirações, e os sentidos, todos os sentidos - é convocado sinestesicamente para preencher o espaço da consciência do Narrador e modelar o Tempo da sua vida, através da escrita do romance. Estão lá, por vezes meramente esboçados, todos os temas fundamentais de Em Busca do Tempo Perdido: a rigidez social das castas e as estratégias aspiracionais da burguesia; a condição judaica e a homossexualidade; a culpa edipiana do Narrador e a perspectiva sempre adiada da expiação; o amor e o ciúme; a sinceridade e a hipocrisia; a "universalidade do desejo" e o hábito; a perda e a libertação; o diletantismo e a criação; a busca da Beleza e a revelação pela Arte. A figura de Charles Swann domina este primeiro volet do romance. Swann, filho de um riquíssimo agente de câmbios de ascendência judaica, é íntimo das cabeças coroadas e por coroar da Europa e benquisto nos salões do faubourg Saint-Germain, onde se acantona a alta aristocracia parisiense. Amigo dos avós do Narrador, é visita habitual da casa de Combray, onde se distingue pela sua elegância natural, conversa inteligente e gosto requintado. O mesmo não acontece com a mulher, Odette de Crécy, uma antiga mundana convertida pela paixão obsessiva e doentia de Swann. É precisamente sobre a natureza ambivalente desta "paixão funesta", em que à máxima dependência afectiva corresponde o mais exacerbado ciúme (as "intermitências do coração"), que se desenvolve a segunda parte do volume, Um Amor de Swann, que com este título chegaria a ser publicado autonomamente, depois da morte de Proust. No romance, Swann torna-se igualmente uma referência e um modelo para o Narrador, a matriz sobre a qual Proust desenvolve a personagem de Marcel: assim o demonstram os destinos paralelos dos dois, a acessão social do Narrador ao faubourg Saint-Germain e a sua paixão por Albertine, que segue os mesmos passos da perdição do seu mentor por Odette. A publicação do segundo volume, À Sombra das Raparigas em Flor, havia de esperar seis anos. Com a eclosão da Guerra, Proust decidira suspender a edição dos restantes volumes da obra, até que o conflito terminasse. A trágica duração da guerra iria, no entanto, ser decisiva para o seu desenvolvimento. É que, entre 1914 e 1919, o escritor decide reformular a estrutura, expandindo-a até limites que punham em água a cabeça dos editores (o segundo volume sairá já com a chancela da N. R. F. /Gallimard). A sua paixão malograda por um motorista que conhecera alguns anos antes, Alfred Agostinelli, e que terminara com a morte acidental deste num desastre de avião, inspira-lhe o desenvolvimento da personagem de Albertine, que surgia no volume das "raparigas em flor", mas que vai transformar-se na heroína infeliz de A Prisioneira e trágica de A Fugitiva, quinto e sexto volumes do romance, publicados já depois da morte de Proust, ocorrida em 1922. À medida que escrevia estes dois títulos, que ainda não constavam do plano de 1913, Proust ia ampliando À Sombra das Raparigas em Flor. Em Balbec, reconstituição transfigurada de uma estância balnear onde Proust costumava passar o Verão (Cabourg), o Narrador conhece um grupo de raparigas muito jovens (as jeunes filles en fleur), que passarão a constituir uma espécie de horizonte hipnótico da sua fixação amorosa de adolescente, fascinada pela constante transformação das formas em movimento. O grupo que, como uma explosão de luz, ocupa o centro do quadro, é talvez uma transposição de um bando de rapazes que andava pela praia, em Cabourg. Ao princípio, o Narrador deslumbra--se com o grupo, "massa amorfa e deliciosa". Depois, uma após outra, o Narrador vai apaixonar--se (ou julgar-se apaixonado) por cada uma elas, ao mesmo tempo que lhes inveja a independência e alacridade e suspeita que se entregam umas às outras em jogos amorosos proibidos e escandalosos. As suas suspeitas incidem sobretudo sobre Albertine e Andrée, que parecem inseparáveis, e são precisamente elas que o Narrador vai eleger como objecto da sua atenção obsessiva e de um ciúme doentio. O tema da homossexualidade feminina (Gomorra), que aparecera sugerido em Do Lado de Swann com a cena da sedução da filha do compositor Vinteuil por uma amiga mais velha e certas perguntas indiscretas de Swann a Odette, ganha aqui a consistência que o tornará, juntamente com o da "inversão" masculina (Sodoma), um dos motores de Em Busca do Tempo Perdido. Mas À Sombra das Raparigas em Flor revela ainda uma outra personagem que será figura tutelar da educação artística do Narrador. Proust assentara a criação da consciência estética do Narrador num trivium virtuoso: a música, a pintura, a literatura. E se começara a desvelar as figuras de Vinteuil (a música) e de Bergotte (a literatura) no primeiro volume, é aqui que dá corpo a uma formidável ficção poética, a do pintor Elstir (anagrama imperfeito de Whistler). Enquanto Bergotte, directamente transposto de Anatole France (que prefaciara, recorde-se, o seu livro inaugural, em 1896), estava condenado a morrer literariamente quando o Narrador deixasse de o considerar uma expressão das suas aspirações artísticas, Vinteuil e Elstir permanecerão como referências incontornáveis ao longo de todo o romance. A arte de Elstir, a sua percepção da essência das coisas no teatro da Natureza, consuma-se num quadro totalmente inventado por Proust, Le port de Carquethuit, onde se estabelece a unidade entre o mar e a terra, entre o mar e as montanhas, entre o mar e o sol, através do uso da analogia enriquecedora. Este segundo volume do romance viria a ser galardoado com o Prémio Goncourt em 1919. Admirado até então por uma minoria, Marcel Proust começava a tornar-se célebre.
REFERÊNCIAS:
Palavras-chave morte guerra filha filho educação mulher adolescente social espécie minoria corpo feminina
O candidato (in)certo
A esmagadora vitória do governador republicano Chris Christie, que garantiu a reeleição para o cargo no liberal estado de Nova Jérsia com uns impressionantes 61%, vai certamente animar a pré-época da pré-temporada das eleições primárias que vão decidir quem será o próximo candidato conservador à Casa Branca. Mas ainda faltam três anos para as próximas eleições presidenciais dos Estados Unidos: a minha previsão é que no boletim de voto não vai constar o nome de Chris Christie. No discurso de vitória, em Trenton, Christie posicionou-se claramente como um candidato. A mensagem mais importante da sua noite épica, e q... (etc.)

O candidato (in)certo
MINORIA(S): Mulheres Pontuação: 2 Homossexuais Pontuação: 6 | Sentimento 0.285
DATA: 2013-11-06 | Jornal Público
URL: https://arquivo.pt/wayback/20131106170313/http://www.publico.pt/1611553
TEXTO: A esmagadora vitória do governador republicano Chris Christie, que garantiu a reeleição para o cargo no liberal estado de Nova Jérsia com uns impressionantes 61%, vai certamente animar a pré-época da pré-temporada das eleições primárias que vão decidir quem será o próximo candidato conservador à Casa Branca. Mas ainda faltam três anos para as próximas eleições presidenciais dos Estados Unidos: a minha previsão é que no boletim de voto não vai constar o nome de Chris Christie. No discurso de vitória, em Trenton, Christie posicionou-se claramente como um candidato. A mensagem mais importante da sua noite épica, e que fez questão de repetir para o caso do partido andar distraído foi esta: num ambiente político adverso, eu sei como ganhar eleições. Num estado que tem mais 400 mil eleitores democratas do que republicanos, onde Barack Obama bateu Mitt Romney por uma margem de 17 pontos, o governador conseguiu arrecadar os votos dos republicanos, dos independentes e até dos democratas; conquistou os negros e os hispânicos, as mulheres e os jovens – os “blocos” eleitorais que mais se têm afastado dos republicanos nas urnas. Uma análise aprofundada aos resultados eleitorais de ontem em Nova Jérsia introduz alguma complexidade às leituras mais simplistas dos resultados. Para mencionar apenas um dos números e não a conjuntura política (influenciada pelo facto de o Partido Democrata ter desistido do estado neste ciclo eleitoral), o total de eleitores que se deu ao trabalho de comparecer à votação foi inferior em mais de um milhão ao número que participou nas últimas eleições. Mas as noites eleitorais não são o momento de lembrar os detalhes e por isso nos títulos da manhã Chris Christie é o líder da corrida à nomeação republicana. Nesta fase tão precoce da corrida presidencial, concordam todos os analistas políticos, apresenta-se como o candidato mais viável no campo dos conservadores: a sua receita de pragmatismo acima da ideologia é a única capaz de abrir as portas da Casa Branca ao partido. A questão é que a percepção dos comentadores e dos eleitores republicanos sobre o que faz de alguém um bom candidato há muito que tem vindo a desviar-se. Mais importante ainda, a chamada coligação republicana está num processo de fragmentação e radicalização que baniu do léxico do partido as noções de moderação e compromisso, precisamente aquelas em que assentou a campanha de Christie. Não é uma nova tendência – basta lembrar as dificuldades que Mitt Romney sentiu nas primárias republicanas em 2012 para se moldar à nova ortodoxia conservadora. As bases já lançaram contra o governador a tradicional acusação de que é um RINO – um “republicano só no nome”. Injustamente: o seu histórico político é consistente com as orientações da cartilha republicana, tanto do ponto de vista fiscal como nas questões sociais (anti-aborto, contra o casamento gay, etc). O problema é que tudo o que faz de Chris Christie o candidato dos sonhos dos jornalistas e dos comentadores políticos – a sua naturalidade e bonomia, a tendência para o improviso, a impulsividade e as emoções à flor da pele – é exactamente o mesmo que o torna um pesadelo para os profissionais das eleições. As campanhas nos Estados Unidos são longos, extenuantes, exercícios de disciplina, calculismo e contenção. Uma frase fora de contexto, um gesto mal interpretado, pode destruir uma candidatura. O melhor candidato será sempre aquele que for capaz de indignar ou ofender o menor número de pessoas. Chris Christie, que raramente termina um comício sem ser a bradar enfurecido, de dedo em riste, contra tudo e contra todos, corre o risco de passar ao lado de uma bela candidatura presidencial.
REFERÊNCIAS:
Palavras-chave aborto campo mulheres casamento gay
Presidente do Conselho de Ética defende revisão da lei do aborto
Miguel Oliveira da Silva defende que é preciso coragem para rever pontos negativos da lei de interrupção da gravidez. (...)

Presidente do Conselho de Ética defende revisão da lei do aborto
MINORIA(S): Mulheres Pontuação: 2 Ciganos Pontuação: 6 Homossexuais Pontuação: 6 | Sentimento 0.0
DATA: 2010-06-27 | Jornal Público
SUMÁRIO: Miguel Oliveira da Silva defende que é preciso coragem para rever pontos negativos da lei de interrupção da gravidez.
TEXTO: É favorável à legalização do testamento vital. Defende a importância da revisão dos “aspectos negativos” da lei do aborto. E considera que a distribuição de preservativos nas escolas só deve ser feita no âmbito de uma “educação sexual digna”. São afirmações do médico e professor universitário de ética, Miguel Oliveira da Silva, na sua primeira entrevista desde que assumiu, há nove meses, a presidência do Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida (CNECV), o órgão que analisa os problemas éticos suscitados pelos progressos científicos. Suponha que há alguém que tenta suicidar-se. E deixa escrito que, no caso de sobreviver, não quer que o reanimem. O que acaba por acontecer. O senhor está no serviço de urgência e recebe-o. Respeita o pedido?Em primeiro lugar tentava reconstruir a vontade da pessoa com a família mais chegada. Se a família me confirmar esta vontade e não houver grandes dúvidas de interpretação e partindo do princípio que é uma primeira tentativa, acho que é boa prática clínica chamar um psiquiatra para quando ela voltar a si. Supondo que vai voltar a si. Baseio-me no conhecimento geral de cultura médica de que em 95 por cento das tentativas de suicídio, a pessoa agradece não morrer. Então não respeitava o pedido. . . Não foi isso que eu disse. Tinha é de ver a situação, se era uma situação aguda ou crónica, se era uma vontade manifestada recentemente ou há muito tempo. . . Centremo-nos na questão do testamento vital. . . ( documento com indicações dadas por alguém que esteja lúcido sobre os procedimentos médicos a adoptar no caso de doença, quando ele já não puder expressar a sua vontade). Falávamos de uma ordem para não reanimar na sequência de uma tentativa de suicídio. Mas na sequência de uma doença grave, oncológica, cardio-respiratória ou degenerativa em que o doente de uma forma clara, consciente, sabendo as consequências, faz um pedido para não o reanimar, acho que se deve respeitar. Apesar de ainda não estar legalizada, pode-se dizer que é uma prática que já existe nos hospitais portugueses? Claro que acontece muito mais vezes do que aquelas em que é escrito na ficha clínica. Quer por iniciativa médica, quer a pedido do doente. É a favor da legalização? Claro que sou desde que estejamos todos a falar da mesma coisa. Pode ser um documento escrito que remeta para o reconhecimento legal. Pode ser a escolha de um chamado procurador dos cuidados de saúde ou as duas coisas. Mas quantas pessoas vão assinar o testamento vital sem perceber o que vão assinar? A esmagadora maioria das pessoas não percebe sequer a bula dos medicamentos que compra. E uma das grandes críticas feitas ao testamento vital é a linguagem que pode ser hermética, crítica, propositadamente crítica para que as pessoas não percebam. Assinam de cruz, é um documento jurídico, o médico e a instituição estão defendidos e a pessoa não percebeu as consequências do que assinou. O testamento vital assim não serve. É preciso a pessoa perceber o que está a assinar e o documento escrito por iniciativa própria ou adaptado de uma minuta funcionar como um instrumento de diálogo entre o médico e o doente. Se houver dúvidas relativamente ao testamento vital, o procurador dos cuidados de saúde pode esclarecê-las. O que acho é que nós, médicos, não podemos ter a pretensão de ter a última palavra sobre a vida dos doentes. É contra o paternalismo dos médicos. . . Contra o excessivo paternalismo. Um bocadinho acho que é bom, até pode ser saudável. Paternalismo absoluto, radical de quem acha que o médico é que vai decidir e que o testamento vital é uma afronta à capacidade de decisão médica, acho que não. Isto levanta o problema da objecção de consciência para o testamento vital. Se para o aborto há cerca de 80 por cento de médicos obstetras e ginecologistas objectores de consciência, o que vai acontecer com o testamento vital?Prevê que haja uma larga percentagem de objectores de consciência? Acho que não vai ser inferior a 80 por cento. E atribui isso a quê? Não sou profeta, estou a fazer especulação. . . atribuo esta grande percentagem ao facto dos próprios médicos terem dúvidas, em si próprios sobre a sua própria vida, dúvidas pessoais. Também porque qualquer mudança legal em Portugal não é acompanhada da mudança de uma prática. Contrariamente a outros países em que a mudança da prática antecedeu a uma mudança legal, aqui a situação não é bem assim. Também porque muitos médicos podem não estar de acordo mas cumprirão por questões de conveniência. Se o chefe decidir não, a maioria dos subordinados decidirá não. O Conselho a que preside vai dar um parecer sobre esta questão do testamento vital? O anterior deu um parecer há um ano. Este já falou várias vezes com a ministra. Está para breve o aparecimento de vários projectos lei de vários partidos. Não demos parecer ainda porque tendo havido um há menos de um ano, é bom que haja um certo tempo de digestão até que outro surja. O Conselho anterior chumbou a lei do testamento vital. Esta tomada de posição inibe o actual Conselho de se pronunciar? Não temos problema nenhum em que o actual conselho tenha outro parecer, eu pelo menos, não tenho. Quando surgir o pedido há duas hipóteses: ou reenviamos o parecer de há um ano ou reanalisamos e fazemos um segundo parecer. E parece-me que a segunda hipótese é mais correcta. O doente deve ter sempre acesso livre ao seu processo clínico? Livre, completamente. Haverá casos em que isso será desaconselhável, mas na esmagadora maioria de casos, com certeza que sim. Por rotina acho que sim. O acesso pelas seguradoras é que tenho a maior das dúvidas, a maior das inquietações éticas. . . Porquê? Que dados tem para ter essas inquietações? Não trabalho no privado, não tenho conhecimento sobre a forma como as seguradoras funcionam na privada mas muitos doentes , muitos colegas têm partilhado as suas inquietações. Achamos que as seguradoras sabem demais sobre o processo clínico do doentes e que devem saber menos. Ao saberem de mais, isso pode prestar-se a discriminações e arbitrariedades, o prémio sobe, etc. Há conhecimento de casos desses? Há, mas não há conhecimento de doentes que ponham as seguradoras em tribunal por causa disso, que eu saiba. “A distribuição de preservativos nas escolas, só por si, não é educação sexual” Tem-se pronunciado contra a distribuição de preservativos nas escolas, mas sempre foi a favor da educação sexual nas escolas. . . Acho que a distribuição de preservativos nas escolas, só por si, não é educação sexual. Mas não sou a favor nem contraPorquê que não é a favor? Acho que essa medida, só por si, é enganadora. Eu sei que não é por um jovem ter um preservativo no bolso que vai ter relações sexuais, sei que o acesso aos meios contraceptivos não antecipam as relações sexuais, sei que o acesso a contraceptivos eficazes não aumenta o numero de parceiros sexuais, não estou nessa fase. Não estou como aquelas pessoas que dizem: estão a dar pílulas e preservativos, estão a antecipar o início das relações sexuais, nada disso. Acho é que só deve haver preservativos dentro das escolas se isso for enquadrado numa educação sexual digna desse nome que não sei se existe. A questão que se põe é saber o que fazer para que a educação sexual avance. Para que haja um declínio de infecções por HIV, da venda da pílula do dia seguinte, do número de abortos em jovens, etc. E isso é que me parece importante. E sobretudo para que as pessoas sejam mais felizes por ter uma vida sexual activa. O que é que falta para que isso corra assim? Que muitos dos professores envolvidos nessas sessões de formação, vivam em paz com eles próprios. Com os seus valores, os seus afectos, com a forma como vivem o amor, a vida. E se calhar muitos deles não vivem assim, reduzem as aulas de educação sexual ao ensino da fisiologia sexual, dos métodos contraceptivos. E já não é mau. Porque eu fico assustado quando vejo o número de alunos, génios iluminados que entraram para aqui [faculdade de medicina]com 19, a nata das natas dos alunos de Portugal e eles não conseguem identificar a altura certa de uma ovulação. E isto é educação sexual igual a zero. Dir-me-á educação sexual não é só isto. Mas sem isto não há educação sexual. Podemos falar sobre os afectos, sobre a ternura, sobre a fidelidade, sobre o crescimento a dois mas de que tipo de educação sexual estamos a falar se uma mulher não sabe identificar a ovulação?O que acha que podia alterar esta situação? O documento sobre a introdução da educação sexual nas escolas em cuja redacção participou, não vai ajudar? Esse documento tem muitas cedências da minha parte. Apesar de tudo revejo-me na parte dos chamados conteúdos mínimos da educação sexual e que fala da ovulação, da menstruação, etc. etc. Que cedências fez? Gostaria que isso ficasse dentro do grupo que integrei. Mas acho que a avaliação dos alunos e dos professores devia ser mais exigente e com mais consequências. E não devia incluir apenas a avaliação da aprendizagem, mas da metodologia. Ensino sem avaliação não existe. De forma que proporia que a avaliação fosse mais contundente. Tem salientado a importância da “abstinência voluntária” dos jovens. Porquê? Dois adolescentes de 15, 16 ou 17 anos, numa relação de namoro, podem sentir-se muito atraídos um pelo outro intelectualmente, espiritualmente, afectivamente, sexualmente mas acham que não querem ter já relações sexuais. Só daqui a uns meses, daqui a um ano ou um ano e meio. E acha que esse aspecto não é referido? Eu gostaria que fosse muito. Porquê que é tão importante? Porque estou profundamente convencido que ninguém é mais feliz por começar a ter relações sexuais cedo. Cedo é muito relativo, eu sei. Para um cigano não é o mesmo do que para um caucasiano. Mas na cultura dominante, penso que ninguém é feliz por começar a ter relações com 13 ou 15 anos. Porquê que acontece? Há um apelo social para isso. . . Um apelo nos media, um erotismo disseminado pela sociedade toda, um apelo difuso subconsciente de que o sexo é bom, que o prazer sexual é bom. . . E é, é magnífico, mas deve ser enquadrado numa relação de afectos e não consumido como quem come um bife com batatas fritas. E deve ser inserido num projecto, não necessariamente de vida, mas num projecto. Penso que adolescentes de 12, 13, 14 anos não têm qualquer vantagem em começar a ter relações sexuais. É o que penso como cidadão e como pai de ex adolescentes, mas não é a minha posição como ginecologista. Nunca direi isto a uma miúda de 13 anos que me aparece na consulta. “Não tenhas relações sexuais”. Era o que faltava. Mas tentarei saber se tem uma relação com alguma estabilidade com o namorado, se não há violência, se ele a respeita, se há satisfação e informa-la-ei para que não engravide nem tenha doenças de transmissão sexual. Três anos depois da lei do aborto. Que balanço faz? Um balanço muito contido. Em termos de saúde pública, acho que há ganhos. As mulheres deixaram de morrer por aborto (até às dez semanas) e as sequelas diminuíram imenso. São ganhos indiscutíveis que ninguém pode contestar. Do ponto de vista de cidadania, as mulheres deixaram de poder ser levadas a tribunal por fazerem um aborto. É um ganho imenso. Estes os ganhos. As preocupações, são muitas muitas. Nomeadamente. . . O estatuto de objector de consciência. A percentagem de mulheres que falta à consulta de planeamento familiar, obrigatória 15 dias depois. Cerca de 50 por cento falta. Inquietante. É um sinal de que vão correr risco de novo aborto? Não é um sinal, é a certeza e os próprios dados da Direcção Geral de Saúde indicam isso. Que há mulheres que fazem dois e três abortos num ano. O que nos levanta questões difíceis do ponto de vista ético. Alguns defensores da despenalização do aborto há três anos, médicos, enfermeiros, questionam-se sobre se o aborto deve ser gratuito nos segundos e terceiros casos. O espantoso é que os partidos que se opuseram à despenalização há três anos se tenham esquecido de falar nisso na última campanha eleitoral. Dão isto como assente, como um dado adquirido ou querem reflectir sobre isto? E mesmo os outros, que estão a favor. Eu que dei a cara pela despenalização, tenho dúvidas sobre o estatuto de objector de consciência. As maiores dúvidas de que seja o mais adequado e isto, aliás, pode vir a aplicar-se, daqui a uns meses, no caso do testamento vital. Porque em Portugal, o estatuto de objector de consciência diz que quem faz um aborto, tem de fazer todos e quem se recusa a fazer um, tem de se recusar a fazer todos. Acho que neste estatuto que tem algumas virtualidades, o que se pretende? Quer-se evitar que o médico recuse, de manhã, fazer um aborto num hospital do Estado e o faça, à tarde, numa clínica privada. Mas isto faz com que muitos médicos que poderiam aceitar, nalguns casos, interromper a gravidez, (uma mulher que engravida com um dispositivo intra-uterino, ou que tem o azar que um preservativo se rompa, que tomou um antibiótico e não sabia que os antibióticos interferem no metabolismo da pílula, etc) o recusem porque sabem se forem fazer um, têm de fazer todos. (Há entre 75 a 80 por cento de médicos obstetras objectores de consciência). Se eu aceitar interromper a gravidez a uma mulher que engravidou com um dispositivo intra-uterino, tenho de aceitar fazer um aborto a uma mulher que não toma a pílula porque não quer, e que tem um comportamento permissivo e irresponsável. Então acha que esta lei devia ser alterada? Acho que é importante ter coragem de rever aspectos negativos desta lei. E não vejo ninguém com vontade de lhe mexer, nem os que votaram a favor, nem os que votaram contra. O Conselho vai ter alguma iniciativa nesse sentido? Neste momento não está previsto. Pessoalmente teria muito gosto em que o Conselho pensasse sobre isso. Mas sou um em 19. Apesar de ser o presidente, não posso impor a minha vontade aos outros 18. Não faço ideia se os outros estão muito interessados em pensar nisso. Mas enfim ainda temos mais quatro anos e meio de mandato e é possível que tomemos posição sobre o assunto. E esta é a sua principal preocupação, três anos depois da lei do aborto? Tenho outra inquietação. O número de abortos está a subir. De 12 mil passou para 18 mil em 2008 e para 19 mil em 2009. Aumentaram os abortos ou a visibilidade sobre eles? Está a subir o registo legal do número de abortos até às dez semanas. Era expectável. . . É expectável durante dois a três anos que isso aconteça porque são muitas mulheres que vêm do aborto clandestino e que o deixam de fazer às escondidas. Mas vamos ver até quando vão continuar a subir. Se os números continuarem a subir, a subir, é o total falhanço do planeamento familiar. E não acha que é preciso mais tempo para perceber isso? Pouco mais tempo. O máximo, um ano. Quando tivermos os dados de 2010 em 2011, se a tendência ascendente continuar, acho que alguém terá de ter coragem de dizer que é tempo de pensar sobre isto e que há algo não está a funcionar em termos de contracepção. Por ignorância? Ainda por alguma ignorância, também. Se as pessoas não sabem quando têm a ovulação, se há mulheres que tomam três pilulas do dia seguinte no mesmo mês, três vezes contracepção de emergência num mês. . . ninguém tem três ovulações num mês! É ignorância total, abuso, mau uso. A questão é que, além de muita ignorância que ainda existe, temos de saber se o recurso ao aborto vem, nalguns casos, na sequência de uma política irresponsável de contracepção. Acho que quando tivermos quatro anos de lei do aborto é tempo mais do que suficiente de parar para pensar. Não é para mudar a lei. É para avaliar. E não vejo ninguém a querer fazer isso. É surpreendente. Contra a Maternidade de SubstituiçãoConcorda que a lei da procriação medicamente assistida exclua as mulheres solteiras e homossexuais?Concordo. Porque sou contra a maternidade de substituição. E se sou em casais de heterossexuais, também sou contra em casais de homossexuais. Que razões são essas que o levam a ser contra? Razões filosóficas, éticas, genéticas. Cada vez mais a ciência, a filosofia, a bioética falam de uma coisa chamada epigenética, quer dizer a genética depois da concepção. E imagine duas mulheres, a A e a B, e uma placa de petri (prato de vidro) com um embrião com oito células, mais ou menos com três dias de vida. Que surgiu por fertilização in vitro. E há duas mulheres candidatas a este embrião, em cuja útero o embrião vai poassar até 38 semanas. Elas não lhe vão dar apenas o útero, mas o ambiente hormonal, um ambiente bioquímico. Os genes vão ser alterados, activados, reactivados. Aquelas mulheres vão-lhe dar ainda diferentes ambientes emocionais e psicológicos, há toda uma alteração genética que faz a diferença. E quanto à adopção? Acho que adopção deve estar aberta apenas aos casais heterossexuais. E a lei devia ser repensada porque a prática mostra que há muitos cidadãos solteiros homossexuais que adoptam crianças, escondendo à Segurança Social que têm uma relação estável com um parceiro do mesmo sexo. Estou farto de conhecer uniões de facto de homossexuais com crianças adoptadas. Acho que se deve ter a coragem de alterar a lei da adopção. Como cidadão, a minha sensibilidade não é favorável a essas situações. Porquê? Acho que em termos de antropologia sexual, temos uma dualidade masculina e feminina. E precisamos de ter no nosso desenvolvimento uma referência feminina e uma referência masculina. E com os casais homossexuais isso não existe. Ser homossexual não é uma escolha e muito menos uma doença. Ninguém opta por se sentir atraído por outro homem ou por outra mulher. Assim com na heterossexualidade ninguém opta por nada. Ou opta por muito pouco. Ninguém pode ser criticado por ser homossexual. Mas é uma situação que traz limitações. E estas têm de ser levadas em conta em algumas opções que tomam e que não tomam. E portanto, para mim, não há qualquer razão de fundo, à partida, para que um casal homossexual deva adoptar uma criança. São referidas estudos que mostram que crianças educadas por casais homossexuais não têm mais problemas do que as que vivem com heterossexuais. . . Não sei. . . Para já, acho que não há tempo suficiente para isso. Quanto tempo é que tem de durar esse estudo? Dois anos, 20 anos? Não conheço nenhum estudo, por exemplo de há 18 anos. . . aliás, quais eram os casais homossexuais que há 18 anos assumiam a educação de uma criança? Mas se houver estudos em contextos sócio-culturais diversos, em geografias diversas, que demonstrem que a evolução e a maturação do desenvolvimento dos adolescentes, educados ao longo de 15 e de 20 anos por casais homossexuais, são semelhantes ao dos heterossexuais, estou disponível a rever a minha posição. Que reflexão faz sobre os mais recentes escândalos de pedofilia na Igreja? Acho que a Igreja tem de pensar muito na vivência da sexualidade no seu interior e fora dela e que para aconselhar a vivência da sexualidade fora dela, tem de fazer um grande exame de consciência sobre o que se passa no seu interior. Os padres têm de poder casar e ter filhos, as mulheres têm de ter acesso ao sacerdócio, as pessoas divorciadas têm de ter acesso à comunhão e poder voltar a casar, etc. O que diz o Papa é que convém ter mais atenção aos jovens seminaristas. Penso que isso é manifestamente insuficiente e penso que a pedofilia na Igreja não é mais frequente do que na sociedade em geral. Até pode ser mais rara em termos estatísticos, só que a Igreja é uma instituição com grandes obrigações morais, tem de fazer escola, dar o exemplo moral e portanto as pessoas não podem de maneira nenhuma pactuar com isso. O anterior Conselho de Ética tinha muito mais visibilidade. Este tem sido bastante mais discreto. Por opção? Acho importantíssimo o Conselho ter visibilidade e protagonismo. Falando por mim, foi inteiramente voluntário um estilo “low profile”. A transição do outro mandato para este foi muito polémica, muito controversa e portanto interessa-me muito mais apresentar resultados do trabalho do Conselho. Já aprovámos o nosso primeiro parecer sobre realização de autópsias a pedido de particulares, sobretudo de familiares. E qual foi?É razoavelmente favorável. Mas esta semana será público.
REFERÊNCIAS:
Partidos LIVRE
Na solidão, o lugar onde tudo começa
Durante 72 dias, Wang Bing encurralou-se num hospital psiquiátrico e ali deixou a sua câmara perder a liberdade. Til Madness Do Us Part está a concurso no DocLisboa. Algo de curioso acontece a meio do mais recente filme de Wang Bing, Til Madness Do Us Part, que concorre neste DocLisboa (sessões a 30 de Outubro e 2 de Novembro): torna-se evidente que são os pacientes do hospital psiquiátrico que mandam, literalmente, ali. À medida que o realizador chinês nascido em 1967 segue os internados nas suas rotinas, é um percurso físico que se cumpre: alternando entre os acanhados quartos onde se encaixam até seis ao mesmo... (etc.)

Na solidão, o lugar onde tudo começa
MINORIA(S): Mulheres Pontuação: 2 Asiáticos Pontuação: 2 Homossexuais Pontuação: 6 | Sentimento 0.0
DATA: 2016-06-07 | Jornal Público
TEXTO: Durante 72 dias, Wang Bing encurralou-se num hospital psiquiátrico e ali deixou a sua câmara perder a liberdade. Til Madness Do Us Part está a concurso no DocLisboa. Algo de curioso acontece a meio do mais recente filme de Wang Bing, Til Madness Do Us Part, que concorre neste DocLisboa (sessões a 30 de Outubro e 2 de Novembro): torna-se evidente que são os pacientes do hospital psiquiátrico que mandam, literalmente, ali. À medida que o realizador chinês nascido em 1967 segue os internados nas suas rotinas, é um percurso físico que se cumpre: alternando entre os acanhados quartos onde se encaixam até seis ao mesmo tempo, e uma sala com televisão, eles movimentam-se num único piso com vista para um pátio a que não têm acesso. Por isso, andam e correm em círculos ao longo de todo o filme, e rapidamente se tornam perceptíveis as razões da sua "loucura". Til Madness Do Us Part é, muito claramente, tanto um documentário acerca do sistema como um filme sobre a liberdade. A câmara de Bing quase se torna também prisioneira, acedendo (uma raridade) a uma incrível variedade de pacientes, daqueles que efectivamente precisam de tratamento até simples desordeiros apanhados e fechados aqui. Tirando duas situações, o filme, de quase quatro horas, mantém-se encurralado com eles. Neste edifício austero, as condições de vida têm um terrível efeito de nivelamento - apenas um comportamento verdadeiramente excêntrico pode diferenciar. Por isso, Til Madness Do Us Part entrega-se ao sentimento de resignação que perpassa as pesadas limitações do espaço e o comportamento passivo dos residentes, que raramente se empenham em alguma actividade e parecem passar a maior parte do tempo, seja dia ou seja noite, a tentar dormir. Enquanto assistia ao filme, estava a pensar se, no seu lugar, me sentiria culpada por poder livremente entrar e sair, levando comigo uma câmara que em parte permite que ali penetre o mundo exterior mas que continua a não permitir aos doentes serem livres. Parece que é ainda causar-lhes mais dor. . . Durante os primeiros dias de filmagens, realmente senti-me culpado, da forma que acabou de descrever. Senti que estava ainda a juntar mais sofrimento com a minha câmara, e sempre que me ia embora. Eles sabiam que eu era um homem livre, e que tinha algum dinheiro. Por isso, comecei a comprar-lhes coisas de que eles precisavam, cigarros, cerveja, qualquer coisa para comer. Penso que isso terá ajudado, porque após algumas semanas eles começaram a confiar em mim. Fizeram-lhe muitas perguntas acerca do mundo exterior?Não, poucos o fizeram, e mesmo esses eram apenas os que estavam internados por um período curto. Continuavam a preocupar-se com o que se passava no "exterior". Os internados por períodos longos não me perguntaram nada. Nem sequer por que razão os estava a filmar?Não. O que acha que isso significa? Que já tinham desistido?Não posso ter a certeza, mas penso que mostra que são pessoas práticas. É uma forma de lidar com uma situação que não podem alterar. Questionarem-se apenas os levaria a ficarem loucos. Ou a ficarem ainda mais loucos. De facto, alguns deles até dizem "aqui fica-se maluco", mas se não estivessem lá estariam bastante sãos. . . Em alguns casos isso é certamente verdade. Mas a maioria deles está realmente doente, e a ser tratada. Há coisas que não mostra - médicos e especialistas a darem explicações, por exemplo. Nunca foi minha intenção incluí-los, mas quando começámos a filmar tornou-se uma simples decisão prática: os médicos e os enfermeiros estavam num piso acima dos doentes, e no piso abaixo havia uma enfermaria para mulheres que eu também não queria mostrar. Então aquilo que parecia quer uma decisão formal - seguir os pacientes apenas num piso que tem a forma de um quadrado e que em determinado momento se transforma literalmente num "círculo" em que eles correm, loucos e prisioneiros - não foi afinal consciente?Não [risos]. Como é que descobriu este hospital?Demorámos muito tempo a encontrar um que nos permitisse filmar. E a ideia para o filme surgiu-me quando estava a editar West of the Tracks, há alguns anos. Esse filme passa-se na zona de Shenyang, uma área afastada de Beijing, que era quase só um campo vazio com três prédios. Um dia, fui efectivamente ver o que eram esses edifícios, e afinal cada prédio estava cheio de pessoas. Percebi que eram hospitais psiquiátricos. Decidi visitar um, que é o deste filme, mas no início não me permitiam filmar, por isso escrevi um argumento para uma longa-metragem de ficção. Voltei em 2009 e muitas das pessoas que eu conhecera já tinham morrido - algumas tinham estado internadas 20, 20 anos. Pedi a um amigo para falar com os responsáveis, e, depois de muitos outros amigos terem falado e pedido a outros amigos, finalmente consegui começar a filmar lá. Começou a filmar West of the Tracks no final da década de 90, e o filme saiu em 2003. É um documentário épico sobre a destruição de uma zona da cintura industrial em decadência, e também se relaciona com os posteriores Crude Oil (2008) e Coal, Money (2010). Mais tarde, com Man with no Name, em 2009, ou Three Sisters, em 2012, passou para outros temas, como o isolamento e a solidão, que surgem agora neste filme. Concorda?West of the Tracks aconteceu basicamente porque eu já conhecia a zona industrial de Tiexi muito bem. Quando era estudante universitário em Shenyang ia lá muitas vezes ao fim-de-semana tirar fotografias. As suas fábricas, os seus trabalhadores e os seus moradores - tudo se me tornou muito familiar. Por outro lado, havia um sentimento de desolação que me recordava a zona de Tiexi, uma noção de que a História que costumava ser importante para nós estava em lento declínio, dissolvendo-se perante os nossos olhos. A História está sempre ligada ao indivíduo, é claro, e por isso sim, concordo, também estou interessado em focar-me no indivíduo, não apenas no contexto histórico explícito, mas também no presente - que, obviamente, determina a História a cada momento. A solidão e o isolamento são as formas mais básicas de estar, e é aí que para mim tudo começa. Podemos olhar para estes filmes chineses sem as suas ligações a esse passado?Quando os filmes chegaram à China, foram como uma semente lançada ao solo. Os chineses não receberam o cinema como a chegada de uma nova civilização, nem o consideraram como sendo outra forma cultural, era mais como um brinquedo para os ricos. Mas o cinema chinês passou por muitas metamorfoses ao longo dos tempos, integrando influências de filmes norte-americanos, europeus e japoneses. Actualmente, segundo as fórmulas convencionais, caracterizar-se-ia este período como "cinema de esquerda". Mas, do meu ponto de vista, dificilmente poderá ser definido dessa maneira. O cinema que se desenvolveu em Xangai antes de 1949 constituiu o mais brilhante período da história cinematográfica da China. Vendo esses filmes atentamente, consegue-se detectar uma mistura de ideologias por trás, longe das versões oficiais dos livros. Para nós já devia ser fácil abordar esse período com um olhar calmo e objectivo, pois trata-se de uma questão histórica. Para mim, existem três factores em jogo nos filmes desse período. Há as obras influenciadas pelo movimento comunista internacional; depois há as produções comerciais e baseadas em estrelas, seguindo os modelos de Hollywood; finalmente, existem as baseadas na própria tradição intelectual da China. Alguns filmes parecem ser vanguarda urbana, e alguns têm vestígios de realismo francês ou italiano. De facto, a maioria é uma mistura, o que é uma coisa positiva, creio eu. O que havia no hospital psiquiátrico deste filme que lhe interessou enquanto ideia?Os funcionários, os médicos demonstram uma tal falta de esperança, uma tal impotência. . . O trabalho deles é organizar e melhorar o tratamento dos doentes, e sentem muitas dificuldades em fazê-lo Ao mesmo tempo, também sentem que os doentes têm uma vida muito difícil. Ao estar lá, ao filmar lá, ao passar tempo com os médicos e com a restante equipa, percebe-se que eles não estão a tratar mal aquelas pessoas. Mas não têm qualquer forma de alterar as condições em que lá se vive. Fiquei com a sensação de que não havia espaços privados no hospital. Todos estão à vista de todos e todos têm acesso a todos. Comer, dormir, ir à casa de banho, nada lá se faz em privado. É verdade. Devido a essa falta de privacidade, parece haver um nível de ternura e de contacto humano, tanto heterossexual como homossexual, que se aproxima do sexo. Mas as pessoas lá podem manter relações sexuais, ou têm de manter as distâncias, por causa da vigilância da comunidade?O ambiente é muito diferente: o que nos restringe a nós não se aplica. Lá não existem limites. Por isso, a sexualidade é bastante normal. As pessoas não pensam nisso como algo que mereça reflexões morais. Pensam mais em termos das suas necessidades. Há pessoas que dormem juntas, e dormem juntas durante anos a fio. A câmara rapidamente começa a parecer um membro da comunidade. Como se estivesse a seguir as pessoas, mas, como todos os outros, apenas a olhar para elas. Sim, assim sentimo-nos como se fôssemos um deles. Estamos lá. Éramos apenas dois, eu e o operador de câmara, e por vezes era apenas um de nós a filmar. Como é que impediu os doentes de representarem para a câmara, ou essa questão nunca se colocou?Nos primeiros três dias, sim. Mas depois nunca mais houve nada disso. Como é que decidiu o que devia filmar? Sentava-se numa sala durante algum tempo à espera que algo acontecesse, ou circulava por ali à procura de coisas para gravar?Como só tínhamos acesso muito limitado, estávamos basicamente sempre a filmar, e escolhíamos as pessoas ao acaso. Estivemos no local durante 72 dias, filmámos em 60, 15 deles no exterior. No total, tivemos 250 horas de gravação - isso foi importante, porque sabíamos que apenas conseguiríamos fazer este filme na sala de montagem, e para isso precisávamos da maior quantidade possível de material. Precisávamos mesmo de entrar nas personalidades das pessoas. Muitas vezes a câmara está fixa, simplesmente filmando naquele take o que quer que estivesse a acontecer. Foi uma forma de conseguir não chamar a atenção dos pacientes?Foi uma forma de criar alguma liberdade para eles naquele espaço, sim. Podem utilizar-se várias técnicas: grande plano ou plano aberto; câmara à vista ou escondida; representação consciente ou reacção espontânea. Mas isso são questões sem importância. A chave está na nossa escolha. O que é realmente importante é estabelecer uma relação entre o objecto do filme e a audiência. É a câmara que cria essa ligação. A sua compreensão da liberdade alterou-se com este filme?Mostrou-me de novo que qualquer pessoa, não interessa se culpada ou demente, merece algum grau de liberdade. Aquele "mudo", o homem que não fala, na realidade consegue falar, só que escolheu não o fazer. Descobri isso um dia quando estava sentado ao pé dele, apenas para estabelecer alguma ligação. Eu não tinha a certeza se todos eles sabiam o que é a liberdade ou o que estão a perder por estarem lá dentro. Mas aquilo mostrou-me que ele percebia o que era a liberdade e ficou com ela. Tradução de Eurico Monchique
REFERÊNCIAS:
Partidos LIVRE