Porque é que vocês nos odeiam mais do que o necessário? (2)
Usar os termos ‘Estado racista’ ou ‘apartheid’ para descrever Israel é demasiado simplista e desvirtua totalmente a realidade. (...)

Porque é que vocês nos odeiam mais do que o necessário? (2)
MINORIA(S): Mulheres Pontuação: 2 Africanos Pontuação: 5 Homossexuais Pontuação: 6 | Sentimento -0.10
DATA: 2018-12-15 | Jornal Público
SUMÁRIO: Usar os termos ‘Estado racista’ ou ‘apartheid’ para descrever Israel é demasiado simplista e desvirtua totalmente a realidade.
TEXTO: As reacções que chegaram à Embaixada depois da publicação da primeira parte deste artigo indicaram-me dois fenómenos: a multiplicidade dos portugueses que apoiam a democracia israelita e o facto de muitos deles sofrerem da chamada ‘síndrome da mulher agredida’: assustados pelas frequentes ondas de hostilidade mediática contra Israel, hesitam em expressar abertamente o seu apoio. E, hélas, ficam surpreendidos quando prontamente um órgão de comunicação concede (tanto) espaço ao Embaixador de Israel. A muitos devo uma explicação sobre o título que escolhi. É uma referência a uma velha anedota judaica baseada na pergunta ‘quem é um anti-semita?’, sendo a resposta ‘todo aquele que nos odeia mais do que o necessário’. Também exprime a minha convicção de que se pode, obviamente, criticar Israel (debater é, aliás, o nosso desporto de eleição). Contudo, quando se demoniza, quando termos como ‘fascista’, ‘racista’, ‘apartheid’ lhe são atribuídos e nunca àqueles com quem tem de confrontar-se, já estamos ao nível do ódio patológico. Infelizmente, também nos media encontramos aqueles que preferem o Hezbollah, o Irão dos Ayatollahs, o Hamas, a Jihad Islâmica e semelhantes garantindo-lhes total imunidade. Nestes últimos quatro meses o leitor viu alguma reportagem escandalizada pelos 1300 fogos ateados em florestas e terrenos cultivados no sul de Israel por militantes do Hamas em Gaza? E eu que inocentemente julgava que na imprensa – bem como entre a classe política – havia muitos com sensibilidades ambientalistas. Continuemos:“Governo de Tel Aviv” – não existe governo em Tel Aviv, tal como não existe governo em Coimbra ou Évora. O governo de Israel e as suas instituições democráticas estão sitas em Jerusalém. É suposto os media prestarem um serviço credível de informação ou adoptarem uma agenda política, ainda que à custa da mentira?“Israel atacou Gaza” – muitas vezes os espectadores de televisão vêem uma notícia que dá conta de uma operação militar de Israel contra Gaza. O jornalista ‘esqueceu-se’ de dizer que a organização terrorista Hamas, que governa Gaza, e o seu aliado, a Jihad Islâmica, foram quem antes lançou rockets contra cidadãos israelitas. De alguma forma, ‘perde-se’ a sequência de acontecimentos. “O cerco israelita a Gaza” – será que o consumidor de notícias sabe que não temos outra escolha senão controlar o que entra em Gaza, porque os seus governantes seguem uma carta de princípios que estipula a eliminação do Estado de Israel? E que, ao invés de cuidar da sua população que vive miseravelmente, investe apenas na sua máquina de guerra? Será que sabe que Israel transfere diariamente mercadorias, comida e medicamentos em centenas de camiões para Gaza? E que, também diariamente, palestinianos doentes são transferidos para tratamentos em Israel? Haverá aqui alguém que se põe ao serviço de um lado ou, até pior, contra o outro à custa da verdade?“Palestina” – foi alguma vez explicado aos portugueses que este foi um nome atribuído pelos romanos à terra de Israel quando expulsaram o povo judeu, tentando arrasar assim também com o seu sentimento de pertença ao país? Que o termo ‘povo Palestino’ é recente, que nunca houve um Estado Palestiniano e que mesmo quando a ONU estipulou a Partição, na Resolução 181 de Novembro de 1947, foi entre dois Estados, o Judaico e o Árabe? E que a liderança judaica encabeçada por Ben Gurion aceitou este compromisso enquanto os árabes o rejeitaram? Que entre 1948 e 1967 a Faixa de Gaza estava sob ocupação egípcia e que a Cisjordânia (ou, na sua denominação bíblica, Judeia e Samaria) estava sob ocupação jordana e que nenhum destes países árabes sonhou sequer permitir ao povo ocupado estabelecer um Estado Palestiniano? Saberão os portugueses que, como parte do acordo de paz entre o Egipto e Israel, este ofereceu aos palestinianos uma autonomia que (mais uma vez) rejeitaram? E que, provavelmente, se tivesse sido garantida uma boa vizinhança com Israel já teriam um Estado? Saberá o leitor que Israel concordou com a solução com dois Estados-nação e que os palestinianos estão prontos a falar de uma solução de dois Estados mas nunca de dois Estados para dois povos? Porque os palestinianos que pediram durante anos, com o apoio massivo da Europa, o reconhecimento do seu direito à autodeterminação, não reconhecem o mesmo direito ao povo judeu: “Nunca reconheceremos Israel como Estado judaico”, declarou Abu Mazen, em demanda pelo reconhecimento de um Estado para o seu povo. É este o âmago do conflito e é importante que o leitor o saiba, mesmo que os media não se esforcem para o dar a conhecer e que a UE não faça suficiente pressão sobre a liderança palestiniana no intuito de reconhecer o nosso direito à autodeterminação. “Colonatos” – os media descrevem-nos como a razão do não-atingimento da paz. A UE apressa-se a denunciar Israel pela construção de qualquer par de casas. Mas será este verdadeiramente o obstáculo? Quando não existiam colonatos, os árabes reconheceram Israel? Estavam prontos para fazer a paz connosco? E quando, por pressão do Presidente Obama, a sua construção foi congelada durante quase um ano, o Presidente Abu Mazen sentou-se à mesa das negociações? E porque não ter uma porção de população judaica num futuro Estado Palestiniano, exactamente como temos uma porção de população árabe em Israel? Os colonatos não foram e não serão um obstáculo se os palestinianos aceitarem a existência de um Estado judaico e desistirem de fantasiar com a destruição de Israel usando a guerra, o terrorismo ou a demografia – a que chamam o Direito de Retorno. E daqui passo à contextualização da controversa Lei da Nacionalidade. ‘Estado racista’ e ‘apartheid’ são dois termos com que a extrema-esquerda há muito já nos havia baptizado. Atreveu-se a usar estes mesmos termos contra os nossos vizinhos que perseguem as suas minorias, incluindo as muitas comunidades cristãs no Médio Oriente? Contra aqueles que apedrejam mulheres sob acusação de adultério? Contra os que enforcam homossexuais pela sua orientação sexual?Ironicamente, é muito provável que só devido ao ataque que nos foi dirigido por causa desta Lei é que o leitor tenha tomado conhecimento de que em Israel os árabes podem votar e ser eleitos para o Parlamento e que os árabes-israelitas são os únicos, em todo o Médio Oriente, que participam num processo democrático eleitoral. E talvez valha a pena acrescentar que neste Estado, em que dizem vigorar o apartheid, a minoria árabe está integrada em todas as áreas da sociedade, incluindo juízes em todos os tribunais (até no Supremo), oficiais das Forças Armadas e diplomatas de carreira. A Lei da Nacionalidade provoca em Israel um debate inflamado, como é normal num país democrático como o nosso, que vive uma realidade complexa. Muitos acreditam que é desnecessária, outros criticam a sua semântica. Neste caso, também é necessário entender o contexto, mesmo que não se concorde com a Lei. O sentimento em Israel, de cerco, que mencionei na primeira parte do artigo, intensificou-se nos últimos anos pelo facto do direito do povo judeu a um pequeno Estado ser questionado. A moda da extrema-esquerda europeia, para quem a fundação do Estado de Israel foi um erro, e o seu apoio ao movimento BDS (Boicote, Desinvestimento e Sanções), que é uma rede internacional que aparentemente combate a “ocupação”, mas na prática é parte de um esforço concertado de deslegitimação do Estado de Israel; e a recusa dos palestinianos, mesmo os dados como pragmáticos, em reconhecer o direito do povo judeu à sua autodeterminação, na fórmula completa de dois Estados para dois povos, em muito contribuíram para esse sentimento. O extremismo crescente dos membros do Knesset do partido Joint Arab List, que enquanto prestam juramento ao Estado de Israel e suas leis, como quaisquer outros parlamentares, proferem declarações radicais contra a legitimidade de um Estado para o povo judeu, enquanto existem 57 Estados muçulmanos, dos quais 21 são árabes. A grande maioria dos cidadãos árabes-israelitas é leal ao Estado mas o crescente extremismo no sector árabe alimenta o extremismo no sector judaico. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Pode-se rejeitar e ser contra a Lei tal como ela é, como sucede com muitos cidadãos israelitas, judeus e árabes, no seu todo. Aliás, de acordo com uma sondagem feita esta semana à população judaica (80% do total), 52% concordam com a necessidade da Lei (potencialmente baseados nas razões que invoquei atrás), mas 60% exigem que se inclua um artigo que garanta igualdade a todos os cidadãos, judeus ou não, no espírito da nossa Declaração de Independência de 1948. Usar os termos ‘Estado racista’ ou ‘apartheid’ é demasiado simplista e desvirtua totalmente a realidade. A democracia israelita enfrenta desafios que nenhuma outra democracia ocidental tem de enfrentar. Porém, a realidade em Israel não mudará, isto é, os seus cidadãos, todos eles, ainda que religiosa e etnicamente diversos, continuarão iguais perante a Lei. Este princípio de igualdade está ancorado na Declaração de Independência, nas leis que já existem e na solidez das nossas instituições judiciais. Se eu fosse português seria um apoiante desta forte e única democracia num tão próximo Médio Oriente. E insistiria para que respeitassem o meu direito a receber informação fidedigna sobre Israel, a sua complexidade e os desafios que enfrenta.
REFERÊNCIAS:
Entidades ONU UE
Se este livro fosse uma canção seria um blues
É um acontecimento literário. James Baldwin é pela primeira vez editado em Portugal 31 anos depois da sua morte com um romance sobre a força do amor num mundo hostil. Se Esta Rua Falasse é uma parábola sobre o racismo numa América em pecado mortal (...)

Se este livro fosse uma canção seria um blues
MINORIA(S): Mulheres Pontuação: 2 Africanos Pontuação: 5 Homossexuais Pontuação: 6 | Sentimento 0.0
DATA: 2019-07-11 | Jornal Público
SUMÁRIO: É um acontecimento literário. James Baldwin é pela primeira vez editado em Portugal 31 anos depois da sua morte com um romance sobre a força do amor num mundo hostil. Se Esta Rua Falasse é uma parábola sobre o racismo numa América em pecado mortal
TEXTO: Se Esta Rua Falasse - If Beale Street Could Talk no original de 1974 -, quinto romance de James Baldwin (1924-1987), é uma balada trágica que conta a história de amor entre Fonny e Tish, um rapaz e uma rapariga negros do Harlem. É também uma parábola sobre a prisão que é o racismo e a exclusão social na América, temas recorrentes na obra do escritor e activista dos direitos civis nas décadas de 50 e 60. É um romance breve ao longo do qual é possível escutar algumas vezes a voz de Aretha Franklin ou de Billie Holliday, mas onde a nota que dá o tom vem de um tempo mais longínquo. Baldwin construiu o título para este livro a partir de uma velha canção de 1916 de W. C. Handy, Beale Street Blues, referência a uma rua em Memphis, no Tennessee, o principal ponto de encontro de diversão dos negros americanos no início do século XX e, conta-se, um dos lugares associados ao aparecimento e popularização dos blues. Autoria: James Baldwin (Trad. José Mário Silva) Alfaguara Ler excertoNão é o livro mais conhecido de Baldwin, mas é com ele que se inaugura a publicação em Portugal de um dos mais influentes escritores e pensadores da América. Uma lacuna que da edição portuguesa corrige agora, 31 anos depois da morte de Baldwin, e no mesmo e ano em que justamente este romance é adaptado ao cinema por Barry Jenkins, realizador de Moonlight. Chega às salas de Nova Iorque a 30 de Novembro. A acção decorre no início dos anos 70. Fonny é um rapaz de 22 anos que cresceu nas ruas de Nova Iorque. Ao contrário da maioria dos rapazes do seu bairro não caiu nas drogas nem no álcool; não rouba; sonha ser escultor e gosta de cantarolar What’s Going On de Marvin Gaye, enquanto Tish prepara costelas de porco, pão de milho e arroz. Um dia é preso, acusado de ter violado uma mulher branca, crime que não cometeu. Tish, a sua melhor amiga desde a infância, entretanto sua noiva, tem 19 anos e um objectivo: provar a inocência de Fonny e tirá-lo da prisão. Conhecêmo-los quando ela lhe anuncia que está grávida e sentiu, como nunca, o peso de não lhe poder tocar. “Gostava que ninguém tivesse de olhar através de um vidro para alguém que ama”, lê-se. Ela riu. Ele riu. “O amor e o riso vêm do mesmo lugar: mas poucas pessoas sabem”, pensa Tish na forma muito íntima como Baldwin a dá a conhecer, no seu amor a Fonny, na falta de fé num Deus que os possa salvar. Para Tish e Fony a morte de Deus aconteceu num domingo igual a tantos outros, eram eles muito jovens, na igreja, tal como terá acontecido ao próprio Baldwin, um nego como eles, pobre como eles, do Harlem como eles, educado para ser um pregador evangélico como o padrasto. “A igreja entrou num estado de fervor. Eu e o Fonny fomos apanhados por essa agitação, mas de uma maneira diferente. Agora sabíamos que ninguém nos amava: ou melhor, sabíamos agora que nos amava. Quem nos amava não estava ali. ”Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Enquanto a família de Fonny, sobretudo a mãe e as duas irmãs, entregam obsessiva a hipocritamente o seu destino nas mãos de um Deus castigador, a família de Tish não espera pela terra prometida e, num espírito de comunidade que Baldwin quer sublinhar como a única hipótese de salvação do homem negro num mundo que lhe é hostil, lutam para transformar o seu destino. São eles, com Tish, quem luta para provar a inocência de Fonny. E têm um aliado de peso, Frank, o pai do jovem escritor. Com uma trama simples, Baldwin constrói um livro sobre uma América que parece condenada a odiar-se, marcada pela escravatura onde nem os opressores nem os oprimidos se salvam. A prisão de Fonny é a tal metáfora de uma opressão maior. “Estes homens cativos são o preço escondido de uma mentira escondida: a de que os justos têm de poder localizar os danados. ” Os cativos, como Fonny, são os que estão do lado de fora, à margem de um sistema que Baldwin lutou por mudar. Mas neste romance, esse ódio fratricida – americanos contra americanos --, manifesta-se também através de uma potência sexual em que o branco, reprimido, inveja o negro na sua sensualidade. Uma das descrições mais marcantes está no modo como Tish se apercebe do olhar de Bell, o polícia branco que não perdoou o facto de sido desautorizado por Fonny num dia normal, numa mercearia do Village. “Se olharmos com atenção para aquele olho azul que não pisca, para aquele centro do olho, descobrimos uma crueldade sem fundo, uma maldade fria e gelada. Naqueles olhos, nós não existimos: se tivermos sorte. Se aquele olho, lá das alturas, foi forçado a reparar em nós, se existirmos de facto naquele Inverno inacreditavelmente gélido que fica atrás daquele olho, ficamos marcados, marcados, marcados, como um homem de sobretudo negro, a rastejar, a fugir, na neve. (. . . ) Estes olhos só sabem fixar as vítimas dominadas. Não conseguem olhar para quaisquer outros olhos. ”Não estamos, no entanto, perante um mundo em que os brancos são maus e os negros bons. Em Baldwin nunca é assim, seria uma simplificação que não cabe no seu pensamento elaborado e que está desenvolvido nos muitos ensaios que escreveu ao longo da vida e agora reconquistam um protagonismo que o devolve como um autor essencial para entender a complexidade da América. Esta é uma história de amor que exalta a falha, ou melhor, a condenação a que está sujeito o homem – ou mulher – solitário. Qualquer homem ou qualquer mulher excluídos. E é escrito na prosa muito próxima da poesia que Baldwin cultivava, elegendo parábolas para falar do que lhe importava e ele sabia fazer isso como pouco porque foi treinado para o púlpito. Talvez também por isso nos seus romances e os seus ensaios, ecoe uma oralidade que apela à intimidade do leitor. Na história de amor de Tish e Fonny cada um de nós sente-se parte dela graças ao modo como Baldwin trata o silêncio, a raiva, a paixão, descreve a infâmia ou a vingança, a fé ou o desespero. Com uma contenção só possível a quem sabe tanto desses sentimentos quanto da força das palavras.
REFERÊNCIAS:
Mónaco celebra casamento real
Este é “o outro” casamento real do ano. O príncipe Alberto II do Mónaco, de 53 anos, casa-se hoje com a plebeia sul-africana Charlene Wittstock, de 33, numa cerimónia civil que decorre no palácio real. Amanhã é a vez da cerimónia religiosa, que será transmitida em directo pela RTP. (...)

Mónaco celebra casamento real
MINORIA(S): Mulheres Pontuação: 2 Africanos Pontuação: 5 Homossexuais Pontuação: 6 | Sentimento 0.0
DATA: 2011-07-01 | Jornal Público
SUMÁRIO: Este é “o outro” casamento real do ano. O príncipe Alberto II do Mónaco, de 53 anos, casa-se hoje com a plebeia sul-africana Charlene Wittstock, de 33, numa cerimónia civil que decorre no palácio real. Amanhã é a vez da cerimónia religiosa, que será transmitida em directo pela RTP.
TEXTO: Há muitos anos que o Mónaco esperava por este momento. O príncipe solteirão vai finalmente casar-se com a sua namorada de há cinco anos. Ainda nem os dois estão casados já os súbditos anseiam por descendência, de forma a que o Mónaco (que antes de uma reforma constitucional se temeu que pudesse regressar oficialmente ao domínio francês caso Alberto II não produzisse descendência) possa continuar com toda a propriedade nas mãos da dinastia Grimaldi. Ele é um diplomata, um homem do mundo, um aristocrata. Ela é uma plebeia sul-africana nascida no Zimbabwe, ex-nadadora olímpica (participou nos Jogos Olímpicos de 2000) e tem como profissão ser namorada de Alberto II desde 2006. Sobre si são ditas duas coisas: é elegante e bem-parecida como a sua falecida sogra, Grace Kelly mas, ao contrário desta, Charlene é bastante insegura, tem medo de atropelar o protocolo e ainda fala mal francês. Pelo contrário, Alberto II nasceu em berço de ouro e move-se com extremo à-vontade em ambientes internacionais. Fala um irrepreensível inglês - língua em que comunica com a noiva - fruto de uma mãe americana e de estudos superiores feitos nos EUA. Em 1982, a tragédia abateu-se sobre a Casa Grimaldi, sempre perseguida por uma série de infortúnios macabros, semelhantes àqueles que parecem perseguir a dinastia Kennedy: a mãe de Alberto II morreu num acidente de automóvel - que caiu por um penhasco na estrada que liga o Mónaco a Nice. Durante as décadas seguintes, o pai - que nunca recuperou do luto - foi delegando para o único filho varão algumas das tarefas de representação do principado, que assumiu oficialmente após a cerimónia de entronização de 19 de Novembro de 2005. Apesar de lhe serem conhecidos relacionamentos e affairs com muitas mulheres bonitas (como por exemplo Claudia Schiffer e Brooke Shields) e de ter assumido dois filhos biológicos fora do casamento, o facto de este “bom partido” com uma fortuna estimada em dois mil milhões de euros preferir continuar a ser um solteiro contumaz originou uma série de boatos, incluindo a sua eventual homossexualidade. Recentemente, o príncipe tem-se dedicado a projectos ligados à ecologia. Em 2009 Alberto rumou à Antárctida com o objectivo de aprender mais sobre as alterações climáticas. As tecnologias verdes têm invadido o principado nos últimos anos e o Estado subsidia em 30 por cento a compra de veículos híbridos e eléctricos. Aliás, os príncipes farão o cortejo de recém-casados num carro eléctrico Lexus descapotável. Os festejos da bodaOntem à noite o pontapé de saída - passe a metáfora futebolística - para os festejos matrimoniais foi dado com um concerto da clássica banda americana Eagles no estádio Louis II. Hoje, às 16h00 (hora portuguesa), celebra-se na Sala do Trono do Palácio o casamento civil, que será retransmitido por ecrãs gigantes para a praça adjacente ao palácio, a fim de que os súbditos possam ver a cerimónia. Estima-se que às 16h50, os recém-casados apareçam à varanda do palácio para saudar os monegascos. Depois da recepção, haverá mais música, com um concerto do também clássico Jean Michel Jarre, o guru do synthpop. Para amanhã, também às 16h00, está reservada a cerimónia religiosa que será celebrada pelo monsenhor Bernard Barsi, arcebispo do Mónaco. A noiva levará um vestido desenhado por Giorgio Armani. Cerca das 17h30, os recém-casados irão até à Igreja de Sainte Dévote para que Charlene deposite aí o seu bouquet e será neste percurso que os noivos cumprimentarão os populares. A partir das 21h00, é servido o copo-de-água nos terraços da Ópera de Monte Carlo. Segue-se um espectáculo de fogo-de-artifício e um baile de gala.
REFERÊNCIAS:
Entidades EUA
Mulheres na política? O número conta, mas não é tudo
As mulheres representam menos de um terço das pessoas que se sentam nos parlamentos nacionais da União Europeia. O que as impede de participar? O Instituto Europeu para a Igualdade de Género acaba de lançar uma ferramenta que desafia cada parlamento a perceber até que ponto tem em consideração as diferenças entre mulheres e homens. (...)

Mulheres na política? O número conta, mas não é tudo
MINORIA(S): Mulheres Pontuação: 21 Homossexuais Pontuação: 6 | Sentimento 0.0
DATA: 2018-06-30 | Jornal Público
SUMÁRIO: As mulheres representam menos de um terço das pessoas que se sentam nos parlamentos nacionais da União Europeia. O que as impede de participar? O Instituto Europeu para a Igualdade de Género acaba de lançar uma ferramenta que desafia cada parlamento a perceber até que ponto tem em consideração as diferenças entre mulheres e homens.
TEXTO: Qual a proporção de mulheres que se sentam no parlamento? Há sistema de quotas? Os interesses e as preocupações das mulheres têm espaço na agenda? O parlamento produz legislação que tem em conta as desigualdades de género? Enquanto local de trabalho, prevê algum apoio à conciliação entre vida profissional e vida familiar? Tem um código de conduta? E formas de combater o assédio?Não são perguntas de algibeira. São parte de um instrumento que o Instituto Europeu para a Igualdade de Género, a agência da União Europeia que promove a igualdade entre homens e mulheres, criou para verificar até que ponto as assembleias municipais, regionais ou nacionais têm sensibilidade para as questões de género. Barbara Limanowska, coordenadora da área de Incorporação da Perspectiva de Género naquela agência, apresentou a ferramenta no dia 7 de Junho num fórum organizado pela fundação Women Political Leaders, com o patrocínio da Presidente da República da Lituânia, Dalia Grybauskaite. Naqueles dias, em Vílnius, 400 mulheres de mais de uma centena de países sentaram-se a trocar experiências e a estabelecer contactos. De Portugal, a deputada Sandra Cunha, do Bloco de Esquerda, e uma assessora parlamentar. Na véspera, Sandra Cunha e deputadas de outros países tinham sido desafiadas a testar a ferramenta, o que implica responder a mais de 80 perguntas. “Há muita informação que não temos, pelo menos acessível”, constatou. Um exemplo? “Sabemos quantas deputadas e quantos deputados há, mas não temos essa informação trabalhada em termos de funcionários, forças de segurança, assessores. ”Para fazer este autodiagnóstico, cada Estado-membro terá ainda de reunir uma série de dados. Virginija Langbakk, que dirige a agência sediada em Vílnius desde que ela foi criada em 2010 e está de saída, não precisa de esperar pelos resultados para exprimir uma certeza: “Há muita margem para melhorar. ”Mulheres são menos de um terçoNas palavras de Virginija Langbakk o ponto de partida é este: “A sociedade é formada mais ou menos pela mesma proporção de homens e mulheres, há até um pouco mais de mulheres. Os homens não conseguem representar toda a gente em tudo. Neste momento, homens e mulheres têm diferentes experiências, diferentes necessidades. Para que não haja défice democrático, tem de haver pelo menos massa crítica. ”Os cálculos estão feitos. Um certo nível de participação é necessário para que o género subrepresentado tenha algum impacto no processo de tomada de decisão. Um mínimo de 30% garantirá massa crítica. Uma proporção de 40/60 corresponderá a um equilíbrio e uma de 50/50 à paridade. Qual é a realidade hoje? As mulheres representam menos de um terço dos eleitos nos parlamentos nacionais da União Europeia. No final do ano passado, só a Suécia, a Finlândia e a Espanha tinham 40% ou mais mulheres. Grécia, Croácia, Chipre, Letónia, Malta e Hungria nem chegavam aos 20%. Portugal contava 35, 2%. A proporção de mulheres nos conselhos de ministros era ainda inferior. Só Suécia, França, Eslovénia e Alemanha tinham governos equilibrados. Em seis países, as mulheres representavam menos de 20%. Portugal era um deles, com 16, 7%. Pior só Malta, República Checa, Chipre e Hungria. A Hungria nem uma mulher tinha. Na corrida ao Parlamento Europeu, houve mais cuidado. As mulheres representavam 36, 8%. Nove países mostravam grupos equilibrados. A Finlândia tinha uma desproporção de mulheres (61%). E todos os outros Estados-membros uma desproporção de homens. “Muitas vezes, quem está em minoria não se sente confiante o suficiente para tomar a palavra”, explica Langbakk. “Quanto maior for a massa crítica, quanto mais próxima a representação estiver da paridade, mais segurança sentirá o grupo subrepresentado para apresentar as suas ideias e para defendê-las. ”Na Europa do século XXI, o que impede as mulheres de participar de forma mais activa na política? Não é suficiente garantir-lhes, como aos homens, o direito de eleger e de ser eleitas, de estudar e de trabalhar fora de casa? Há até mais mulheres a concluir o ensino superior. “Nos somos diferentes, mas devemos ter oportunidades iguais e a verdade é que não temos”, responde Vilija Blinkeviciute, a eurodeputada do Partido Social Democrata da Lituânia que preside ao Comité de Direitos das Mulheres e Igualdade de Género no Parlamento Europeu. Há factores complexos e profundos que se interligam. O peso da vida familiarA desigualdade começa em casa. As mulheres fazem a maior parte do trabalho. “As coisas estão até a andar para trás em relação ao trabalho não remunerado”, lamenta Virginija Langbakk. “Dentro da União Europeia, dois em cada três homens nem sequer dedicam uma hora por dia aos filhos e à casa. ”A sobrecarga tira tempo às mulheres para a causa pública. Pode nem ser assim, mas assume-se que por terem filhos se dedicam menos ao trabalho. E isso, diz Jolanta Reingarde, coordenadora do programa de investigação e estatística do Instituto Europeu para a Igualdade de Género, faz com que sejam menos desafiadas. Um estudo sobre carreira política feminina – promovido pela Women Political Leaders e feito em 2014 por investigadores de Yale, California-Berkeley e London School of Economics, com base no depoimento 457 deputados de 84 países – traça um retrato previsível: elas tendem a iniciar a carreira política mais tarde, a ter menos filhos, a passar mais tempo a cuidar da família e a organizar-se para encurtar deslocações; tudo indica que só as que têm retaguarda familiar avançam com uma candidatura; os homens tendem a fazê-lo mesmo que a família os desencoraje. “É difícil uma mulher ter um companheiro ou uma companheira que queira ficar na retaguarda”, concorda Virginija Langbakk. Há excepções, como a primeira-ministra da Nova Zelândia, Jacinda Ardern, que teve uma menina nesta quinta-feira. Deverá usufruir de seis semanas de licença. Depois, o namorado, Clarke Gayford, apresentador televisivo, ficará em casa com o bebé. A polémica instalou-se mal se soube que ela estava grávida. Como iria conciliar a maternidade com um cargo tão exigente? “Não sou a primeira mulher a trabalhar e a ter um bebé”, reagiu, citada por diversos órgãos de comunicação social. “Sei que estas são circunstâncias especiais, mas irão existir muitas mais mulheres a fazê-lo e muitas já o fizeram antes de mim. ”Em Vílnius, mais do que uma vez se ouviu o nome de Vigdís Finnbogadóttir. Antes de se tornar Presidente da República da Islândia, em Agosto de 1980, esta questão também se colocou. Houve até um opositor que lhe chamou “meia-mulher”. Era mãe solteira e sobrevivera a um cancro que a deixara sem um peito. "Eu não vou amamentar a nação, eu vou liderá-la!”, disse. Há oito anos, quando Licia Ronzulli, membro do Povo da Liberdade, o partido de Silvio Berlusconi, levou pela primeira vez a filha, então um bebé de meia dúzia de semanas, para o Parlamento Europeu, jornalistas de todo o mundo quiseram falar com ela. Nas entrevistas, repetiu que, antes de ser um gesto político, aquele era um gesto materno. Estava a amamentar. E quis “lembrar que há mulheres que não têm esta oportunidade [de trazer os filhos para o trabalho]". Ganhou apoio político para que outras crianças estejam no plenário desde que não interrompam os trabalhos. E, até 2014, de vez em quando lá estava ela com a filha, Vittoria Cerioli, ora sorridente, ora séria. As imagens, que foram permitindo ver a criança crescer, faziam uns sorrir e outros franzir a testa. Um “mundo de homens”Na política, elas ainda se vêem e são vistas como o “outro”. “Há a ideia de que este é um mundo de homens”, nota Virginija Langbakk. E isso não serve apenas para alguns reagirem mal a mulheres candidatas, também para muitas nem pensarem nisso. “Elas olham para os parlamentos e questionam-se: será que me sentiria bem naquele meio? Será que conseguira expressar bem as minhas ideias? Será que me conseguiria fazer ouvir?”O já referido estudo sobre carreira política explica de que modo as representações sociais sobre “o lugar das mulheres” interferem. Qualquer potencial candidato se preocupa com as artimanhas políticas, mas elas preocupam-se mais do que eles com “discriminação de género, dificuldade de angariação de fundos, publicidade negativa, perda de privacidade, possibilidade de não serem levadas a sério”. As pessoas habituaram-se a ver homens nos lugares de topo e tendem a associar características tidas como masculinas a liderança, diz Jolanta Reingarde. As mulheres que assumem este estilo podem ser criticadas por estarem a agir como homens. E as que não o fazem podem ser criticadas por não estarem a agir como verdadeiras líderes. A sua aparência, sublinha Virginija Langbakk, ainda é assunto. São julgadas pela roupa que vestem, por serem demasiado novas ou demasiado velhas, por estarem demasiado magras ou demasiado gordas. “Quando analisamos a participação política dos jovens e as suas aspirações usando instrumentos online, percebemos que as raparigas têm mais reservas em divulgar opiniões”, exemplifica. “São mais atacadas. Não é só dizer: ‘É estúpida!’ Também é: ‘Ó gorda!’ Falam muito do aspecto físico. ”A presente falta de envolvimento de raparigas suscita inquietação com o futuro. Por isso vão tendo destaque projectos como o “De mulher para mulher”, que a Rede Portuguesa de Jovens para a Igualdade de Oportunidades entre Mulheres e Homens desenvolveu em 2008/2010. O objectivo era atrair e preparar uma nova geração de mulheres, recorrendo à mentoria e a um programa de desenvolvimento de competências para a política. Ligações entre homensNaqueles dias, em Vílnius, eram recorrentes as referências a dois fenómenos: o “tecto de vidro” (as mulheres por norma só conseguem progredir na carreira até um certo ponto) e a “montanha de vidro” (às mulheres oferecem-se mais lugares incertos ou com elevada probabilidade de falhar). O “tecto de vidro” é um coberto de homens, entende Silvana Koch-Mehrin, fundadora e presidente da Women Political Leaders. “Criam ligações fortes entre eles. ” Muitas vezes, solidificadas fora de horas, em ambientes informais, excluindo as mulheres. “Na política, as ligações são incrivelmente importantes. ”A competição, dentro dos partidos, é feroz. As ligações políticas não são só determinantes para entrar nas listas ou para alcançar posições de topo, também para manter o apoio, para conseguir provocar mudança. E as quotas, aponta Silvana Koch-Mehrin, são um modo de quebrar essas interligações. As quotas na UE“Temos provas de que a introdução de quotas é um instrumento poderoso para aumentar a participação das mulheres na vida política”, afiança Jolanta Reingarde. Nos países com quotas, a presença feminina cresceu uma média de 10% entre 2003 e 2014. “São uma solução intermédia”, achega Virginija Langbakk. “Nos países escandinavos nem sequer se fala nisso, porque é natural haver homens e mulheres a participar. ”Apesar de controversa, é uma medida comum. Há três anos, o Instituto Europeu para a Igualdade de Género analisou o quadro legal de 28 Estados-membros e encontrou apenas cinco sem quotas de género para o parlamento nacional: a Bulgária, a Dinamarca, a Estónia, a Letónia e a Finlândia. A Dinamarca tem um dos mais elevados níveis de participação de mulheres no parlamento nacional (37, 4%) sem nunca ter introduzido quotas. E a Finlândia só tem quotas ao nível local, o que funciona como uma porta de entrada para mulheres na política, tanto que o país tem o segundo parlamento mais próximo da paridade (42%). Naquela altura, encontraram quotas voluntárias em 14 países: República Checa, Alemanha, Itália, Chipre, Lituânia, Luxemburgo, Hungria, Malta, Holanda, Áustria, Roménia, Eslováquia, Suécia, Reino Unido. Virginija Langbakk gosta de dar o exemplo da Suécia. “Foi a sociedade, através dos media, que lançou o assunto. Os homens perceberam que não podiam tomar sempre decisões adequadas ou justas, que precisavam de ter as mulheres a discutir e a procurar soluções com eles. ” Os cinco maiores partidos adaptaram um sistema “zipper”, isto é, homem/mulher. E isso chega para ter o mais paritário dos parlamentos da União Europeia (46, 1%). O estudo dá conta de quotas obrigatórias em nove países: a Bélgica, a Irlanda, a Grécia, a Espanha, a França, a Croácia, a Polónia, a Eslovénia e Portugal. O grau de eficácia depende do modo como a lei está feita. A Croácia é um exemplo do que não funciona. Uma quota de 40% foi aprovada em 2008, mas a representação feminina no parlamento ainda está nos 18%. Os partidos tendem a relegar as mulheres para os lugares impossíveis nas listas de candidatura. E a introdução de sanções para incumpridores tem sido adiada. Para lutar contra isto, a organização feminista CESI desenvolve há uma década uma estratégia ousada. Nos períodos de campanha eleitoral, ergue nas ruas “pilares da vergonha” a chamar a atenção para os partidos que não cumprem a quota. O caso de Espanha, que adoptou uma quota de 40% em 2008, é o exemplo do que funciona mais. As quotas aplicam-se às listas como um todo e a cada grupo de cinco candidatos (o que evita que as mulheres sejam relegadas para lugares pouco ou nada elegíveis) e quem não as cumpre fica fora da eleição. No parlamento nacional actual a proporção de mulheres é de 40, 6%. Dir-se-á que há uma mudança em curso naquele país, tanto que o Governo que tomou posse em Junho último inverteu a lógica habitual. O chefe do Governo Pedro Sánchez prometera um “governo socialista, paritário e europeísta”. E acabou por formar uma equipa de onze mulheres e sete homens, contando com ele. O caso portuguêsPortugal também é considerado um bom exemplo, embora registe uma subida discreta. Em 2006, aprovou uma quota de 33, 3% em todas as listas. Um balanço já feito este ano – pelas investigadoras Maria Helena Santos, Ana Luísa Teixeira e Ana Espírito-Santo a pedido da secretária de Estado para a Cidadania e a Igualdade, Rosa Monteiro – mostra que "a lei tem sido implementada com particular sucesso nas eleições europeias e tem sido cumprida pelos seus critérios mínimos nas eleições legislativas e autárquicas, embora nestas últimas haja vários casos de incumprimento mesmo entre os principais partidos. " Muitas vezes, os próprios líderes partidários nem sabem. Será mais "fácil" fazer uma lista para as europeias do que 22 para as legislativas. E não é simples controlar as listas para as autárquicas, que envolvem quase quatro mil pessoas. "Para além dos factores que condicionam a participação das mulheres na vida político-partidária em geral, nas autarquias colocam-se questões específicas", referem. Não é só o “domínio masculino” da base de recrutamento (os partidos, os sindicatos e as associações locais). É também a organização do trabalho, que amiúde se faz nos tempos livres. Diversos estudos dão conta da dificuldade, “apontada por alguns políticos ao nível local, em encontrar potenciais candidatas/os”. As investigadoras remetem tais discursos para a resistência à mudança. Tudo se agrava nas freguesias mais pequenas, mais rurais e menos povoadas. Essas “são mais conservadoras e mais resistentes à incorporação de novos valores e atitudes". O Parlamento está agora a trabalhar uma proposta de alteração saída do Governo. A ideia é subir a quota para 40%, obrigar a que os dois primeiros candidatos de cada lista sejam de sexo diferente e que depois disso não possam ser colocados mais do que dois candidatos do mesmo sexo seguidos. E rejeitar as listas que não cumprirem. Lá para Setembro, haverá debate no plenário. A estratégia está longe de ser consensual. A propósito da diversidade no Parlamento, contara Idália Serrão, eleita nas listas do PS, que “até há muitos poucos anos, no Dia Internacional da Mulher, os jornalistas faziam uma peça que consistia em ver quantos requerimentos e quantas perguntas tinham feito as deputadas”. “Entretinham-se a fazer uma espécie de ranking". “Não faziam isso aos homens. Esses não estavam em avaliação. Ainda há pouco, quando a proposta foi discutida na generalidade, só sobre mulheres Idália Serrão ouvia o discurso do mérito. “Se fosse só uma questão de mérito! Mulheres e homens têm mérito. A quota de género permite às mulheres ocuparem lugares que de outra forma os homens nunca deixariam!” Ali, em Vílnius, Sandra Cunha recordava a mesma sessão: “É um argumento machista. É um argumento que pretende passar a ideia de que só os homens têm mérito e que as mulheres vão parar aos lugares de liderança por causa das quotas”. Mulheres têm de provarJolanta Reingarde tem visto o mesmo acontecer em muitos países da União Europeia: “Os homens não precisam de justificar a sua presença. Parte-se do princípio que têm habilitações e experiência para o cargo. As mulheres, sim, têm de provar que têm capacidade para que a sua presença se justifique. ”Num lado, há quem diga que as quotas são um modo de discriminação do género masculino; que só não há mais mulheres porque elas não querem; que só não há mais mulheres porque elas não têm competência; que as mulheres eleitas através de quotas são menos respeitadas; que as quotas distorcem a ideia de representação; que os sistemas de quotas tiram liberdade de escolha. No outro, há quem diga que os homens não têm experiência nem motivação para legislar sobre todas as áreas; que, por terem fraca participação, as mulheres recebem um sinal de que valem menos do que os homens; que há mulheres com talento para a política que não têm oportunidade de entrar e homens sem talento para a política que se vão mantendo agarrados aos seus lugares. Em Vílnius, havia uma expressão que se ia repetindo nas comunicações feitas ao vivo ou através de depoimentos em vídeo: “É tempo”. E este “é tempo” tinha muito que ver com vontade de “quebrar as ligações que sustêm os homens no poder” e “fazer a sociedade perceber que as mulheres são igualmente competentes”. Não se pense que este é um exclusivo europeu. Há quotas nas mais diversas partes do mundo. “É por alguns países terem tomado iniciativas dessas que vemos um progresso, ainda que lento”, comenta Silvana Koch-Mehrin. “De acordo com o mais recente relatório do Fórum Económico Mundial, se não tomarmos medidas levaremos mais 99 anos a chegar à paridade. ”Ocorre-lhe o exemplo do Ruanda. Introduziu uma quota de 30% em 2003 e agora tem 63% de mulheres na câmara baixa e 40% no senado. Nenhum país tem tantas mulheres. “A quota ajudou a mudar a percepção do que é uma mulher enquanto líder”, sublinha aquela polémica política alemã. Na sequência do genocídio de 1994, as mulheres tiveram de aprender a pensar nelas de outra forma. Um estudo feito pelo Fórum Económico Mundial refere que o Ruanda foi um dos países que mais progrediram em matéria de direitos das mulheres. “Acho que a participação das mulheres é muito importante para realmente mudarmos o mundo para melhor, para criarmos uma sociedade mais ajustada a homens e mulheres nas diferentes áreas da vida”, resumia Vilija Blinkeviciute. “Há muitas áreas que precisam de ser melhoradas e as mulheres podem dar um contributo. ”Envolver os homensSilvana Koch-Mehrin não acredita que, sozinhas, as mulheres consigam provocar a mudança. “Ainda há poucas mulheres que conseguem ultrapassar o ambiente difícil e muito competitivo da política, alcançar a primeira liga e, servindo de exemplo, encorajar outras mulheres. Precisámos de ter homens como aliados. ”Um pouco por toda a Europa se podem encontrar iniciativas para envolver os homens e os rapazes na luta pela igualdade de género, sensibilizar os partidos para incluírem mais mulheres, atrair raparigas e mulheres para o mundo da política, apoiar redes de trabalho e mentoria, promover capacitação. Um dos exemplos mais antigos é o Power Handbook, uma iniciativa da Federação Nacional de Mulheres Sociais Democratas. Num pequeno texto, reconhecem que há “armadilhas” e procuram ajudar a identificá-las e a removê-las ou a contorná-las. Nesse afã, tratam de desmontar “cinco técnicas de dominação masculinas” percebidas pelo professor norueguês Berit: tornar invisível (falar na vez daquela pessoa, não prestar atenção quando ela fala) ridicularizar (troçar do que a pessoa disse ou fazer comentários sobre a sua aparência), sonegar informação (partilhar informação com um grupo fechado), penalizar duplamente, atribuir culpa e vergonha (embaraçá-las). Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Mesmo quando há uma proporção equilibrada, como na Suécia, homens e mulheres podem não ter o mesmo poder ou influência. Há muitos indicadores para lá do número. E os parlamentos, lembra Barbara Limanowska, não são só sítios onde se fazem leis. São também espaços de trabalho. A ferramenta, agora lançada, arruma as perguntas em cinco grupos: igualdade de oportunidades de entrar no parlamento, igualdade de oportunidade de influenciar o parlamento; espaço para as preocupações das mulheres na agenda parlamentar; produção de legislação com sensibilidade de género; função simbólica do parlamento. “Podemos perceber, pelo tipo de perguntas que é feito, aquilo que nos faz falta”, adianta Sandra Cunha. Um exemplo? "Não temos um plano de igualdade para o Parlamento, não temos regras sobre linguagem, não temos regras sobre conduta. ” Saiu de Vílnius a pensar nisto. E pode vir a propor um plano de igualdade para o parlamento.
REFERÊNCIAS:
Partidos PS
Marrocos: se és homem, cobre as tuas mulheres na praia e fora dela
Campanha está a agitar as redes sociais. Foi lançada no início de Julho para impedir as marroquinas de usarem biquíni ou fatos de banho. Já deu direito a uma petição enviada ao Governo pelos activistas dos direitos das mulheres. (...)

Marrocos: se és homem, cobre as tuas mulheres na praia e fora dela
MINORIA(S): Mulheres Pontuação: 21 Homossexuais Pontuação: 6 | Sentimento 0.0
DATA: 2018-07-31 | Jornal Público
SUMÁRIO: Campanha está a agitar as redes sociais. Foi lançada no início de Julho para impedir as marroquinas de usarem biquíni ou fatos de banho. Já deu direito a uma petição enviada ao Governo pelos activistas dos direitos das mulheres.
TEXTO: Começou no Facebook a 9 de Julho com um post dirigido aos homens em que se escrevia: “És responsável pelo que usa a tua mulher e a tua filha… Por isso, não sejas um dayooth [palavra árabe que se refere ao homem que permite que as mulheres da família tenham relações consideradas ilícitas]. ” A campanha online com a hashtag árabe #kunrajel, lançada para impedir, em época estival, que nas praias de Marrocos haja mulheres muçulmanas em biquíni ou fato de banho, está a agitar as redes sociais e já chegou aos jornais. Os que a criticam criaram já uma hashtag contrária — #Soisunefemmelibre (“Sê uma mulher livre”) — e lançaram uma petição destinada a levar o Governo a proibir o que definem como uma campanha “misógina” que tem vindo a gerar “indignação” no país e fora dele. E entre mulheres e homens. Segundo o jornal digital Morocco World News, que opera a partir da capital marroquina, Rabat, mas tem sede em Nova Iorque, os signatários da petição pretendem abolir a hashtag #kunrajel (que se pode traduzir por “Sê um homem”, mas que na realidade tem um tom vernacular, que em português ficaria mais próximo de um “Ganha tomates”, a confiar na tradução para castelhano feita pelo diário El País). “O corpo das mulheres no espaço público parece estar a perturbar cada vez mais homens marroquinos, alguns dos quais se permitem, impunemente, ‘desempenhar com exagero’ um inaceitável papel policial no nosso país”, diz a petição, da autoria de Fathia Bennis, fundadora e presidente da Associação Tribuna das Mulheres. Este texto, que lembra ainda o raide que no ano passado levou uma verdadeira “milícia” a percorrer uma praia em Agadir forçando as mulheres em fato de banho a cobrirem o corpo, quer ainda chamar a atenção para o aumento da violência contra as mulheres em Marrocos. Em 2016, escreve o Morocco World News, dados de um observatório nacional davam conta de que 73% das marroquinas diziam ter sido vítimas de assédio em locais públicos. No ano seguinte, uma investigação levada a cabo na sequência de um ataque chocante num autocarro em Casablanca chegava à conclusão de que a violência doméstica afecta 14, 2% das mulheres. Apesar de ter sido aprovada uma lei que condena a violência contra as mulheres, protegendo-as até de formas de abuso por parte do marido e de outros familiares que até aqui não eram reconhecidas pelos tribunais, muitos activistas dizem que há ainda um longo caminho a percorrer. De acordo com a petição lançada na passada quinta-feira e que já tem mais de 1500 assinaturas, a Constituição marroquina concede a homens e mulheres igualdade de direitos cívicos, políticos, sociais, culturais e ambientais, algo que a campanha #kunrajel (também com as hashtags #kunrajulan e #soisunhomme) não está disposta a reconhecer. Segundo o diário espanhol El País, que esta segunda-feira publica uma reportagem numa praia de Marrocos em que fala com várias mulheres, umas contra a campanha #kunrajel e outras a favor, a situação das mulheres naquele país do Norte de África melhorou consideravelmente com a lei de 2004 (um novo código de família). A idade mínima para o casamento passou dos 15 para os 18 anos, o que permitiu à mulher pedir o divórcio, e deu-lhes acesso a parte dos bens do casal, em caso de separação. Apesar das melhorias, nota o El País, há ainda cerca de 45 mil casamentos por ano entre homens adultos e mulheres com menos de 18 anos e o Código Penal continua a punir as relações sexuais fora do casamento (um ano de prisão), a homossexualidade (três anos) e o adultério (dois anos, quando denunciado pelo cônjuge, seja homem ou mulher). As mães solteiras também continuam a ser marginalizadas e quanto às heranças, as mulheres continuam a ser prejudicadas: quando os pais morrem, por exemplo, as filhas marroquinas só podem receber metade dos bens que recebem os seus irmãos. Ibtissame Betty Lachgar, porta-voz do Movimento Alternativo para as Liberdades Individuais (MALI), que em Marrocos, e na observância dos princípios da desobediência civil, luta pelos direitos humanos, sejam eles os das mulheres ou os das minorias, está entre os que acreditam que há ainda muito a fazer para garantir a igualdade. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Para Lachgar, uma psicóloga clínica de 43 anos que de acordo com o jornal online El Faro de Melilla recebe com frequência ameaças de morte e de violação por causa do seu activismo na defesa da igualdade de liberdades para as mulheres ou os homossexuais, a situação no espaço público tem vindo a piorar. Foi dela que partiu a iniciativa de criação da hashtag #Soisunefemmelibre. Lachgar compreende os argumentos de todos aqueles que nas redes sociais e nas páginas dos jornais têm defendido que o melhor é “ignorar os provocadores” que desencadearam a campanha que classificam como “machista”, mas prefere falar porque o silêncio pode ser lido como cumplicidade. Tanto lhe faz que as mulheres usem fato de banho na praia ou um niqab (o véu que deixa apenas os olhos à vista), desde que possam fazer o que quiserem. Incluindo não ir à praia. “O importante é que as mulheres actuem em liberdade e não sob o domínio do patriarcado”, disse ao El País. “Não se trata da roupa, mas do corpo. Queremos que os homens deixem de controlar os nossos corpos. Os mesmos que não respeitam o nosso corpo são os que dizem, quando uma mulher é violada: ‘Bem o mereceu pela maneira como ia vestida’. São os mesmos que me assediam e insultam. ”
REFERÊNCIAS:
Partidos LIVRE
Os “Donalds e as Melanias” deste mundo confrontam-se na Casa da Música
The Gender Agenda, de Philip Venables, cruza música e teatro para debater o sexismo, a misoginia e o slut-shaming. O objectivo é diluir a barreira entre palco e plateia, confiando na forte interacção entre as partes. (...)

Os “Donalds e as Melanias” deste mundo confrontam-se na Casa da Música
MINORIA(S): Mulheres Pontuação: 11 Homossexuais Pontuação: 6 | Sentimento 0.0
DATA: 2018-06-21 | Jornal Público
SUMÁRIO: The Gender Agenda, de Philip Venables, cruza música e teatro para debater o sexismo, a misoginia e o slut-shaming. O objectivo é diluir a barreira entre palco e plateia, confiando na forte interacção entre as partes.
TEXTO: Não é bem um concerto, mas também não é bem uma peça de teatro. Esta terça-feira, o palco da Sala Suggia da Casa da Música, no Porto, transforma-se numa espécie de concurso de televisão onde o público é convidado a participar em jogos que acontecem em tempo real e que abordam questões fracturantes da actualidade, como o sexismo, a misoginia ou o slut-shaming. The Gender Agenda, o espectáculo de Philip Venables que agora se estreia em Portugal, parte de um formato descontraído e familiar, fazendo suceder vários desafios mediados por um apresentador, intercalados por separadores com visual e banda-sonora muito característicos. “Uma vez que o foco principal é a participação do público, esta estrutura pareceu-me a mais adequada, porque toda a gente sabe do que se trata”, explica o compositor britânico ao PÚBLICO. A peça foi criada no âmbito projecto europeu Connect, da Art Mentor Foundation Lucern, que propõe a criação de obras musicais para interpretação conjunta de músicos e público, de igual para igual, numa tentativa de esbater a barreira entre uns e outros. Philip Venables serviu-se do cruzamento entre música e texto que é habitual na sua obra – já recorreu a excertos da poesia de Walt Whitman e Sylvia Plath, a recortes de jornais e a entrevistas – para criar um concerto que é também uma peça de teatro e um espectáculo multimédia. “O texto permite explorar temas políticos e questões sociais, o que é mais difícil de fazer apenas com a música”, admite, acrescentando que a camada teatral que se lhe sobrepõe "dá à audiência outro tipo de experiência”. Após a estreia em Londres, a 12 de Abril, The Gender Agenda materializa-se agora num encontro entre o público português, o Remix Ensemble Casa da Música, o maestro Pedro Neves, o coro de uma turma do 11. º ano do curso de Teatro do Balleteatro Escola Profissional, o Digitópia Collective – responsável pela componente electrónica – e, claro, a apresentadora do concurso televisivo, Raquel Couto. A maestrina, que não tinha experiência anterior em representação, é a actriz principal da peça e a moderadora dos jogos que decorrem em cena. “A parte teatral também está no canto e no coro [as áreas que trabalho diariamente], mas o maior desafio é coordenar tudo com a parte electrónica, porque não são propriamente coisas que vêm na partitura”, confessa. É Raquel quem dá o mote para o arranque do concurso, com o jogo Crab the Kitten, anunciado pela imagem satírica de um caranguejo com a cabeça de Donald Trump. Ao mesmo tempo, passa de forma intermitente um excerto do polémico vídeo de 2016 que mostrava o então candidato às presidenciais norte-americanas a utilizar expressões grosseiras relativamente a mulheres, em conversa com o ex-apresentador da NBC, Billy Bush. Neste desafio, são lançados para a plateia oito gatinhos de peluche, quatro azuis e quatro cor-de-rosa. O objectivo é que o público levante bem os braços e, independentemente do género e da cor, apanhe um dos bonecos para subir ao palco e responder a algumas questões sobre o tema. No intervalo fictício, há lugar para notícias de última hora que dão conta da invenção de uma “pílula anti-concepcional para homens que acham que a gravidez é cansativa”, acompanhadas de uma faixa que faz lembrar o genérico de um telejornal. Na publicidade, há anúncios a produtos como o “ASS – Spray Anti-Sexismo”: um canalizador vai arranjar uma tubagem e, ao ser recebido pela dona da casa, pergunta pelo marido, sendo imediatamente borrifado pelo spray. Nem os filmes da Disney escapam à crítica sagaz que é feita em palco. A história da “Cinderela, que deu cabo do pé para que ele coubesse no sapato”, é apresentada “num áudio-livro com narração de Harvey Weinstein”, o produtor de Hollywood que protagonizou o escândalo sexual de 2017, dando origem ao movimento #MeToo. “Esta peça não vai mudar o mundo ou fazer a diferença na desigualdade salarial ou na maneira como as pessoas são tratadas”, reconhece Philip Venables. “O nosso objectivo é, em primeiro lugar, que as pessoas se divirtam e, depois, que consigam falar sobre temas mais sérios através do humor e do entretenimento. ” A crítica não é propriamente subtil, mas também não se procuram impor opiniões ao público. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Em vez disso, num concurso que opõe “os Donalds e as Melanias”, são lançados ao ar conceitos como slut-shaming (a reprovação sofrida por mulheres que se mostram sexualmente abertas e activas e são vistas como promíscuas) manspreading (a prática dos homens que se sentam de pernas abertas nos transportes públicos), ou masculinidade tóxica, concretizada nas vozes do coro que atiram ao ar frases-tipo de uma sociedade preconceituosa, como “Os homens não choram” ou “A música clássica é para gays”. The Gender Agenda não se assume como um espectáculo político, antes como um espectáculo musical e teatral que serve de trampolim ao debate político e social. A estrutura é leve e orgânica, as questões de género respiram entre as deixas, o vídeo e a música, mas não há hesitação na forma como se põe o dedo na ferida. Às 19h30 desta terça-feira, a bola – ou o gatinho de peluche – passa para o público, cuja adesão determinará a fluidez da peça. “A participação das pessoas será recebida com amor e empatia. No fundo, só queremos que todos se divirtam”, conclui Venables. O programa do concerto desta tarde passará ainda por Orango, do compositor Oscar Bianchi, em que o público sobe ao palco para criar os sons da peça a partir de instrumentos musicais ou de objectos do quotidiano. A obra conta com a participação especial do Coro Sénior da Fundação Manuel António da Mota e do Psiqué – Grupo de Teatro do Hospital de Magalhães Lemos.
REFERÊNCIAS:
O poder das palavras: a propósito do trabalho sexual
Não é julgando estas pessoas que resolvemos os problemas, é dando-lhes visibilidade e voz. (...)

O poder das palavras: a propósito do trabalho sexual
MINORIA(S): Mulheres Pontuação: 11 Homossexuais Pontuação: 6 | Sentimento 0.0
DATA: 2018-06-30 | Jornal Público
SUMÁRIO: Não é julgando estas pessoas que resolvemos os problemas, é dando-lhes visibilidade e voz.
TEXTO: A inspetora Vera Stanhope repreende os homens da sua equipa quando utilizam a expressão “whore” (puta) a propósito de uma vítima. Ríspida, corrige-os: “sex worker” (trabalhadora do sexo), e eles baixam os olhos. É uma série policial inglesa, claro, do mesmo país onde a rainha condecorou com a ordem de mérito a ativista Catherine Healy pela conquista de direitos laborais para trabalhadores/as do sexo. Até podem dizer que isto está muito longe das nossas realidades, mas a organização portuguesa de trabalhadores/as do sexo, Labuta, lança um apelo no mesmo sentido: “Negar os nossos direitos como trabalhadorxs é negar os nossos direitos humanos. ” Apelos semelhantes foram publicados pela Amnistia Internacional ou pela Associação para o Planeamento da Família (APF). Sublinhe-se, ainda, que esta semana a ILGA Europa se posicionou pela descriminalização de todos os aspetos do trabalho sexual, ouvindo e envolvendo os/as trabalhadores/as do sexo LGBTI+. Vêm estas notas a propósito de uma petição lançada pelo MDM, “Ninho” e Plataforma Portuguesa para os Direitos das Mulheres, condenando o uso da expressão “trabalho sexual”, como um atentado aos direitos humanos, e da dúvida razoável sobre o que leva um conjunto de organizações a darem-se a este trabalho. No mesmo texto, aquelas organizações condenam, também, a plataforma criada no município de Lisboa, constituída por organizações com intervenção na área do trabalho sexual e em articulação com o pelouro do vereador do Bloco de Esquerda, para identificar as necessidades e a adequação das respostas para as pessoas que fazem trabalho sexual. Trata-se do mínimo necessário para conseguirmos fazer um trabalho em rede, coerente e articulado. Sejamos claros: quando usamos a expressão “trabalho sexual” e não “prostituição”, fazemo-lo com a consciência de que as palavras expressam valores e opções. Procurem na net o significado de “prostituta” e constatarão que é uma mulher que “obtém lucro através da oferta de serviços sexuais”, sendo sinónimo de “rameira”, “pega”, “meretriz”. Os juízos morais associam a prostituição ao desvio, ao pecado e ao crime, e não servem os direitos destas pessoas, porque as colocam sob o olhar paternalista de uma sociedade que as quer corrigir, recusando-lhes a autodeterminação. Nós entendemos que a firmeza de Vera Stanhope serve mais estas pessoas do que séculos de moral católica, ou décadas da moral do PCP, que, convenha-se, sempre defendeu a mesma coisa: as prostitutas são prostitutas, vítimas de exploração sexual. A única atualização que fez foi enviesar a questão, fundindo trabalho sexual e tráfico de seres humanos, no esteio do feminismo abolicionista, e tornando o crime a moldura de toda a realidade. Ora, nós não queremos emendar estas pessoas. Não entendemos que sejam todas vítimas, mas sabemos bem que o género, a pertença a uma minoria étnica ou racial, a homofobia, a transfobia, o “bullying” e a rejeição das famílias e próximos, entre outras formas de discriminação, podem empurrar muitas delas para a precariedade económica, e para o trabalho sexual. Não é julgando-as que resolvemos os problemas. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. É dando-lhes visibilidade e voz, é construindo uma agenda para os direitos, é descriminalizando todas as práticas associadas, para que não permaneçam nos subterrâneos da realidade, onde mais facilmente são vítimas de exploração, de violência e de discriminação. É apostando em políticas públicas que garantam direitos, nomeadamente o de poderem escolher esse ou outros percursos de vida. Escolher, se e quando quiserem. E criar condições para suportar estas escolhas não é a mesma coisa que entender que a sua vida tem sentido único e que as pessoas estão destituídas de vontade. Entendemos que a Plataforma é o começo de um caminho a fazer e, para ele, convidámos todas as organizações. Mas se há quem entenda que nesta questão, tal como noutras, a agenda conservadora é mais poderosa do que a unidade para o alargamento e protecção dos direitos das pessoas que fazem trabalho sexual, não será por isso que o caminho deixará de ser feito. Representantes da CML na PlataformaOs autores escrevem segundo o novo Acordo Ortográfico
REFERÊNCIAS:
É Capazes de ser um bocado caro
Esta autêntica chuva de milhões demonstra que o pouco que existe de “sociedade civil” em Portugal ainda assim vive na dependência de dinheiros públicos. (...)

É Capazes de ser um bocado caro
MINORIA(S): Mulheres Pontuação: 11 Homossexuais Pontuação: 6 | Sentimento 0.0
DATA: 2018-05-28 | Jornal Público
SUMÁRIO: Esta autêntica chuva de milhões demonstra que o pouco que existe de “sociedade civil” em Portugal ainda assim vive na dependência de dinheiros públicos.
TEXTO: A associação feminista Capazes recebeu 73 mil euros de fundos europeus para organizar uma série de conferências no Alentejo sobre igualdade de género. A notícia causou certa polémica, por razões mais ou menos previsíveis: porque a líder da iniciativa é Rita Ferro Rodrigues, porque muitos consideram que o feminismo das Capazes extravasa bastante a mera luta pela igualdade de género, porque há quem defenda que os fundos do Portugal 2020 não devem servir para promover projectos ideológicos – e por aí fora. Vai daí, decidi sentar-me hora e meia a assistir ao vídeo da conferência das Capazes em Portalegre (a minha terra) e investigar um pouco que tipo de iniciativas são patrocinadas pelo Programa Operacional da Inclusão Social e Emprego (POISE) do Portugal 2020, de modo a poder chegar a uma conclusão sobre o tema. Cheguei a duas: 1) Aquilo que foi discutido em Portalegre pareceu-me pacífico e estimável, e tirando o tique insuportável de Rita Ferro Rodrigues dizer “todos e todas”, “eles e elas” ou “outros e outras”, não ouvi nenhum dos delírios fundamentalistas que tantas vezes encontramos no site das Capazes (nota: gostei particularmente do testemunho de Mariana Mortágua acerca das mulheres na política). 2) A lista de apoios do Portugal 2020, pelo menos no que respeita aos fundos que são atribuídos ao abrigo do POISE, parece totalmente absurda, e qualquer pessoa que olhe para aquilo fica com a convicção de que continuamos a mandar dinheiro da Europa pela janela fora com o mesmo entusiasmo com que os agricultores compravam jipes na segunda metade dos anos 80. Em resumo, diria que há aqui notícia, mas não necessariamente no lugar onde ela foi procurada. A lista de “operações aprovadas” pelo programa POISE no final de 2016 consiste em 591 páginas, a uma média de 24 apoios por página: no total, são mais de 14 mil apoios distintos, onde cabe tudo e mais alguma coisa, sob chapéus como “Promoção do espírito empresarial” ou “Adaptação dos trabalhadores, das empresas e dos empresários à mudança”. No caso das Capazes, o apoio justifica-se pelo desejo de promover “a inclusão social” e combater “a pobreza e a discriminação”, na companhia de mais trinta e tal instituições, como a Liga dos Amigos do Centro de Saúde de Alfândega da Fé, a Associação Portuguesa de Mulheres Juristas, a UMAR ou a ILGA – unidíssimas no benemérito objectivo de lutar “contra todas as formas de discriminação e promoção da igualdade de oportunidades”. E com o POISE a oferecer entre 70 a 80 mil euros por cabeça. É a cultura de minifúndio dos fundos europeus. Esta autêntica chuva de milhões demonstra que o pouco que existe de “sociedade civil” em Portugal ainda assim vive na dependência de dinheiros públicos. Rita Ferro Rodrigues, em declarações ao Observador, considerou “pouco” o dinheiro que recebeu da Europa. A questão é: pouco para fazer o quê? Nenhuma empresa em Portugal gastaria quase 74 mil euros a organizar quatro conferências (cinco, no projecto original) em que não é preciso pagar salas, deslocações ou oradores. Onde foi investido o dinheiro? Em dois anos de salário de um “técnico” (1000 euros) e de uma “coordenadora” (1100 euros). Dois anos e dois técnicos para organizar cinco conferências com a duração total de sete horas e meia – e tomem lá 73. 856 euros. Isto faz algum sentido? Claro que faz. Em Portugal, a melhor forma de popularizar uma ideia é contratar funcionários cujos salários estejam dependentes da sua popularidade.
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Palavras-chave cultura social igualdade género mulheres pobreza feminista salário discriminação feminismo
Entre discotecas e igrejas, Berlim torna-se casa para os migrantes
Ali, Haidar e Joseph chegaram a Berlim à boleia da política de portas abertas aos refugiados da chanceler Angela Merkel. Três histórias que mostram que a integração é uma jornada de altos e baixos. (...)

Entre discotecas e igrejas, Berlim torna-se casa para os migrantes
MINORIA(S): Migrantes Pontuação: 6 Refugiados Pontuação: 14 Homossexuais Pontuação: 6 | Sentimento 0.0
DATA: 2018-12-19 | Jornal Público
SUMÁRIO: Ali, Haidar e Joseph chegaram a Berlim à boleia da política de portas abertas aos refugiados da chanceler Angela Merkel. Três histórias que mostram que a integração é uma jornada de altos e baixos.
TEXTO: Ali Mohammad Rezaie não comemora o seu aniversário porque os seus pais afegãos nunca registaram a data em que nasceu. No entanto, sabe exactamente quando chegou a Berlim para pedir asilo: 15 de Outubro de 2015. Aquele dia mudou a sua vida. "Não foi um dia especial, estava cansado e tinha andado na estrada durante dois meses", disse à Reuters, recordando a sua viagem, por terra, pelos Balcãs. Desde então, Rezaie cantou num coro, fez estágios e teve trabalhos temporários, por exemplo, numa casa de repouso, numa padaria, em hotéis e restaurantes. Está muito longe da aldeia onde nasceu há 26 anos. Tal como o mais de um milhão de pessoas que, desde 2015, se deslocaram para a Alemanha como migrantes, no âmbito da política de portas abertas aos refugiados da chanceler Angela Merkel. Hoje, a Europa divide-se em relação à chegada de migrantes ao continente e, em vários países, novos partidos de extrema-direita condenam esta realidade. Rezaie tem dado o seu melhor para tornar a Alemanha no seu lar, mas a integração é uma jornada de altos e baixos que vai para lá de encontrar um emprego e aprender alemão. Chris Wachholz foi a mulher que o ajudou. Conheceram-se no coro e, mais tarde, Chris convidou-o para cozinhar e praticar alemão na casa que partilha com o marido. Depois, a paixão em comum por motas consolidou a amizade. “Conhecer esta família foi como ganhar uma oportunidade de celebrar o meu aniversário. Eles são como meus… pais”, confessa. Mas o estatuto de imigrante impede-o de dar determinados passos. O seu pedido de asilo foi rejeitado e só pode permanecer no país como pessoa tolerada, o que significa que não será deportado, mas não está numa situação estável. Como consequência, é pouco provável que o trabalho temporário que arranjou a preparar comida e a fazer limpezas no lounge da Lufthansa, no aeroporto de Tegel, em Berlim, se torne permanente. "Tenho um apartamento aqui. Conheço pessoas muito simpáticas. Se me deportarem, vou perder tudo", afirmou Rezaie. O seu medo é exacerbado porque os hazaras, o grupo étnico a que pertence, foram vítimas de ataques no Afeganistão. Muitos migrantes afirmam ser bem recebidos pelos alemães, mas outros dizem ter sofrido alguma hostilidade. Ao mesmo tempo, uma série de ataques de fanáticos religiosos deu azo a que alguns políticos argumentassem que os migrantes representavam uma ameaça para a sociedade alemã. Contudo, para alguns, a mudança para a Alemanha significou uma nova liberdade. No ano passado, Haidar Darwish estava a dançar na SchwuZ, uma das mais antigas discotecas gay de Berlim, quando Judy LaDivina, estudante israelita e drag queen, se aproximou dele e pediu que participasse no seu espectáculo. Darwish nunca tinha dançado em palco na sua terra natal, na Síria, mas LaDivina convenceu-o a tentar. "Actualmente, muitas pessoas perguntam-me quando e onde são as minhas actuações para que possam vir assistir aos espectáculos. Não é para me gabar", diz ele. Darwish trabalha ainda na Brunos, uma loja de moda e produtos eróticos que tem como principais clientes homens gays. "Descobri que o gerente da loja tinha ido aos meus espectáculos várias vezes e até dançámos juntos uma vez", comentou. A liberdade sexual não foi a principal razão pela qual deixou a Síria em 2016 — afinal de contas, o país está em guerra — mas hoje é uma descoberta de que não abdicaria. Para outros, no entanto, a busca pela liberdade tem sido inquietante. Joseph Saliba tinha nove anos quando o pai o mandou trabalhar para um amigo, que fazia restauros de madeira e mosaicos em Damasco. Apaixonou-se lentamente pela arte e mais tarde tornou-se num restaurador de madeira. O seu negócio estava em expansão quando a guerra na Síria começou em 2011. Com medo de ser convocado para o exército sírio, decidiu voar para a Europa há três anos. E quando, numa visita de estudo da sua turma de alemão, visitou a Catedral de Berlim, sentiu imediatamente uma conexão. Ofereceu-se logo para ser voluntário nos trabalhos de restauração da igreja, usando ferramentas que ele próprio criara. Um ano depois, foi-lhe oferecido um emprego remunerado. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. A igreja tornou-se um lar, mas a Alemanha não. As autoridades recusaram-se a entregar-lhe um documento de viagem e encaminharam-no para a embaixada síria em Berlim. Saliba disse que não queria entrar na embaixada do Governo de que fugiu e agora está a processar o Governo alemão para conseguir um passaporte para refugiados. "Eu fugi da falta de liberdade para obter liberdade aqui", disse ele. "Não encontrei essa liberdade aqui. "Tradução de Raquel Grilo
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Palavras-chave homens guerra mulher medo estudo sexual gay imigrante deportado
O clube dos poetas negros
Quase nenhum dos participantes tem livros publicados. Cruzaram-se no Djidiu, iniciativa do áudio blogue Afrolis, espécie de Clube dos Poetas Negros. É lá que dizem a sua poesia ou contam as suas histórias partilhando esta ideia do que é ser afrodescendente ou negro em Lisboa. (...)

O clube dos poetas negros
MINORIA(S): Migrantes Pontuação: 6 Mulheres Pontuação: 6 Homossexuais Pontuação: 6 Africanos Pontuação: 6 | Sentimento -0.16
DATA: 2016-12-31 | Jornal Público
SUMÁRIO: Quase nenhum dos participantes tem livros publicados. Cruzaram-se no Djidiu, iniciativa do áudio blogue Afrolis, espécie de Clube dos Poetas Negros. É lá que dizem a sua poesia ou contam as suas histórias partilhando esta ideia do que é ser afrodescendente ou negro em Lisboa.
TEXTO: Março, último domingo do mês. É um dos raros dias de Sol nesta Primavera tardia em Lisboa. Às mesas do bar Tabernáculo (R. de São Paulo) espalham-se jovens e uma ou outra criança. Começam, pouco a pouco, a tomar a palavra para dizer poesia, dirigem-se ao centro da sala, olham para uma “plateia” cheia. São homens e mulheres negros que se juntam para um momento de partilha. Trazem sobretudo material seu: poemas, histórias, apontamentos. Uma dupla de irmãos, Carlos Graça e Carla Lima, faz uma performance: ele diz a sua poesia, ela canta gospel. Encenam a intervenção. Os temas para este dia são macro e micro agressões. A maioria não fugirá da questão e relata experiências em nome próprio. Carla Fernandes, Alexandra Santos, Santiago d’Almeida, Michel Té (Te Abi Pequêrs Té), Luz Gomes, Apolo de Carvalho são alguns dos que trouxeram as suas palavras. O ambiente é descontraído, de festa mas também de intimidade. Junho, último domingo do mês. Estamos na Graça, em Lisboa, na Casa Mocambo, um espaço que serve cozinha africana e tem recebido algumas iniciativas culturais. As mesas são ocupadas por jovens, alguns estiveram na sessão de Março, mas há várias caras novas, e há também pessoas mais velhas. O tema é a família, e vão contar-se histórias de trabalhadoras domésticas ou falar de relações amorosas. Histórias, de novo, em nome próprio ou com personagens inventadas – que podiam muito bem ser reais. Quase nenhum dos participantes tem livros publicados. A maioria nem sequer tem um blogue ou site onde disponibiliza as suas criações porque geralmente aparecem e dizem poemas escritos de propósito para o evento, poemas que estavam na gaveta, poemas que estavam encravados. Entre Março e Junho aconteceram mais duas sessões de Djidiu “a herança do ouvido”, uma iniciativa da Afrolis – Associação Cultural onde participam poetas e contadores de histórias, ou quem esteja interessado na produção literária africana e negra. É sempre no último domingo do mês. As pessoas inscrevem-se e intervêm. Objectivo? “Produzir conhecimento sobre a própria realidade”. Porque a “experiência de vida como africanos / negros no mundo tem particularidades”, define-se. O Djidiu surgiu depois do Ciclo de Cinema Documental África Positiva, organizado na Casa do Brasil, em Fevereiro, também pela Rádio Afrolis. Criado em Abril de 2014, como aúdio blogue, o AfroLis – que agora é também uma associação – tem por missão divulgar a diversidade dos afrolisboetas. A passagem para o convívio surgiu porque queriam conhecer quem estava a aderir ao blogue, conta Carla Fernandes, a mentora. “Quisemos dar mais e receber mais”, explica, sentada numa das mesas do Tabernáculo, o local onde aconteceu o primeiro Djidiu público. A Afrolis reflecte sobre as experiências dos afrodescendentes negros em Lisboa através da rádio porque “é bom ter exemplos positivos, que é o que o audioblogue faz”. Mas “também é bom que as pessoas reflictam sobre a sua própria realidade”, e que o façam através da poesia, de contos ou de reflexões mais próximas da crónica explica. E é isso que se pretende também com o Djidiu. O tema do primeiro Djidiu, as micro e as macro agressões, surgiu para dar uma visão global da experiência dos afrodescendentes negros em Lisboa e reflectir de forma mais profunda sobre situações de racismo. Seguiu-se o tema da revolução e liberdade em Abril. Em Maio a temática foi África, Junho foi dedicado à família – segue-se o tema da beleza em Julho. O que são micro e macro-agressões? Um exemplo de micro agressão é pedirem para tocar e agarrar nos cabelos afro, diz Carla Fernandes, “porque o que está por detrás disso é a possibilidade de tocar no outro”, fazer dele “mais ou menos um objecto”, explica. “É uma coisa mínima. Mas quando se nega esse acesso, a micro-agressão pode-se tornar uma macro-agressão: ‘porque é que não me deixas tocar? Agora vou tocar mesmo, se não deixares vou-te bater…’”A apoiar esta actividade está o Grupo de Teatro do Oprimido, por isso todas as quartas-feiras o grupo reúne-se para trabalhar textos e discutir os temas. Levam autores como Noémia de Sousa ou Toni Morrison, autores de língua portuguesa e não só. Todas as sessões para o público são em locais diferentes porque a ideia é “mostrar que [nós, os negros] podemos ocupar os espaços em Lisboa”, diz. “Por isso é bom girar para nos habituarmos a entrar e a frequentar esses espaços”. “Basta/ Quero mudar de casta/ Quero sair desta vida que se arrasta/ posso? Posso agora dizer-te algo, patrão?” O poema Basta é da mentora da Afrolis. Falando agora como poeta, Carla Fernandes sente que a “a experiência de opressão”, “um historial manchado por humilhação, por exclusão” une este Clube dos Poetas Negros. “É uma experiência sofrida de formas diferentes, mas quando a trazemos à tona toda a gente tem um sentimento mais ou menos semelhante. Nem sequer são precisas muitas palavras. ”Jornalista e tradutora Carla Fernandes nota que a maioria do que é levado para “o palco” do Djidiu são “experiências transformadas em texto”, “não necessariamente poemas”. Há quem venha da spoken word, do hip-hop, da tradução, do contar histórias – tudo maneiras diferentes do que pode ser poesia. Basta/ Quero mudar de casta/ Quero sair desta vida que se arrasta/ Posso? Posso agora dizer-te algo, patrão?A pouco e pouco, o Djidiu começa então a formar-se como um Clube de Poetas Negros, que aliás era a ideia inicial do projecto. Apesar de haver pessoas brancas, o público é predominantemente formado por pessoas negras. “Há uma identificação com as temáticas e com os textos. Acho que faz sentido sublinhar o ‘poeta negro’ – se bem que sinto que há dificuldade em algumas pessoas em fazê-lo, sublinham mais a parte do africano. Mas o negro é a experiência comum a todos nós. ”Afrodescendente? Negro? Que palavra usar? Nenhuma é consensual, nota, mas afrodescendente “é um termo que tem potencial para ser uma categoria política, até porque é um termo que sai de um historial de luta”, acredita. O importante é “ir para a frente” com as questões comuns, acredita. A verdade é que é muito difícil separar a imigração da questão racial, pelo menos em Portugal. Há muita gente que nasceu em Portugal e é tratada como imigrante, há muita gente que se identifica mais com o país de origem dos pais, há muita gente que rejeita ser visto de outra forma que não como português. A nível institucional, a associação deparou-se com grandes dificuldades em concorrer a apoios, justamente por não se afirmar como uma entidade dedicada a imigrantes – não cabe, assim, nos apoios à imigração. Nascida em Angola, veio para Portugal com a família quando tinha dois anos. Criou o formato de áudio blogue com entrevistas semanais para dar voz aos entrevistados, fazê-los falar na primeira pessoa: “porque tantas vezes não falamos por nós”. Ela sente que se está a criar uma rede que não tem só a ver com a poesia, “o que é bom porque temos que criar espaços seguros para falar da experiência”. “Isso é muito importante, às vezes as pessoas não valorizam. No primeiro Djidiu uma pessoa verbalizou isso: ‘tenho este poema há anos, já fui a várias sessões de poesia, e nunca consegui ler porque pensava sempre que não era o lugar. Mas aqui sinto-me à vontade’, disse. E eu pensei: ‘é para isto que o Djidiu serve, para criar espaços seguros para nos podermos exprimir à vontade. ”De facto, não há assim tantos espaços como este. Carla Fernandes sentiu que era mesmo necessário criar algo assim. “Vai-se a muitos eventos, até sobre racismo, e quem fala mais são as pessoas brancas. E tu pensas: ‘então as pessoas que mais sofrem não estão a verbalizar porquê?’ Faltam espaços seguros. Não é para separar. É por uma questão de empatia, de olhar de reconhecimento. ”Entre 2008 e 2013, Carla Fernandes esteve ausente de Portugal, na Alemanha, e quando regressou notou uma grande diferença na “afirmação da identidade negra” em Lisboa, por isso acredita que este tipo de espaços e iniciativas estão e vão continuar a aumentar. “Ainda está numa fase inicial mas tem muito potencial”. As redes sociais ajudam muito: “Quanto mais acesso há ao que se passa noutros territórios, como Itália, Espanha, etc, onde há grupos que pensam nestas questões, mais se cria a noção de que não estamos sozinhos”. O Djidiu aproximou ainda mais os irmãos Carlos, 29 anos, e Carla, 27 anos. Nunca tinham trabalhado juntos. Carlos começou a escrever rap ainda novo com um MC da zona onde vivia, em Moscavide, Lisboa. As letras tinham sobretudo a ver com os problemas do bairro, com a realidade à sua volta. Por razões profissionais, parou. Os dois sempre ouviram música de Cabo Verde, de onde são os pais, e foram sendo influenciados pela mãe que escrevia. Carlos não podia ser rapper, mas podia dizer poesia falada. É um dos fundadores do Djidiu. Quando o Djidiu começou, convidou a irmã a juntar a sua voz de gospel. Tem muito a ver com criarmos o nosso espaço. Muitas vezes o pessoal pergunta: "por que é que os media não nos representam", ou X e Y não nos representam? Se temos capacidade, então vamos criar instrumentosCarla Lima: “Sempre fomos muito ligados à terra [Cabo Verde], era muito presente em casa. E sempre tivemos aquela coisa ‘de onde a gente vem’. Comecei a despertar para a questão de ser negra, africana, por causa do meu irmão. Via-o a estudar, interessei-me também e percebi que fazia sentido. Participei no primeiro Djidiu com a parte de música que adaptámos aos temas. Nunca tinha trabalhado com o meu irmão. Adorei, foi das melhores coisas que fiz até hoje”. Depois dessa estreia, Carla começou a escrever a sua poesia. “Escrevo sempre algo relacionado com África e com ser negra. O Carlos tem muito mais conhecimento da história. Eu uso sempre a minha experiência porque assim tenho a certeza do que estou a falar”. A ideia da Afrolis era dar voz a quem escreve e partilhar “o que é isto de ser negro, o que é ser africano”, lembra Carlos Graça. Vai vendo as pessoas que frequentam o Djidiu a consciencializarem-se de algumas situações de discriminação e a reagirem quando antes não o faziam. Nas sessões das quartas-feiras conversam muito sobre os temas, por vezes fazem os poemas em conjunto. Querem um ambiente familiar. No tema de Julho, os padrões de beleza, a ideia é questionar se “enquanto negros, realmente temos que seguir um padrão de beleza europeu”, por exemplo. “Sempre achei que era feia”, diz Carla Lima. “Tenho a pele clara, tenho os olhos claros, tenho o meu cabelo claro e mesmo assim nunca me senti integrada nos padrões de beleza”, confessa. O Djidiu surgiu da necessidade de criar “hábitos de pronunciação”, define. “Fala-se muito de África e dos negros mas não de nós para nós”. Carlos: “Tem muito a ver com criarmos o nosso espaço. Muitas vezes o pessoal pergunta: ‘por que é que os media não nos representam’, ou X e Y não nos representam? Se temos capacidade, então vamos criar instrumentos. Por isso o ciclo de África positiva: se os media nunca dão uma imagem positiva de África, então vamos mostrar nós para contrabalançar um bocado. ” Carla Lima completa: “Não é fantasiar, nem romantizar, mas mostrar o que há para as pessoas pensarem pela própria cabeça”. Está em pleno período de exames, e recebe-nos entre estudos e exercícios na Faculdade de Arquitectura, da Universidade de Lisboa. O edifício fica no alto da Ajuda, com vista para o rio Tejo. Lá dentro, imensos estiradores e desenhos, jovens conversam e mexem em cartolinas e papel. Porque a morte gosta de ausentar ânimas e de causar sofrimentos/ Porque Nelson Mandela gosta do sossego e da liberdadeEle anda sempre com a fotografia da mãe ao peito. Michel Té, ou Te Abi Pequers Té (na foto de capa), é um dos que está ligado à fundação do projecto Djidiu – natural da Guiné-Bissau, foi ele quem sugeriu o nome, por causa do enquadramento que estavam a querer dar à plataforma. “Djidiu é crioulo da Guiné-Bissau. O papel do Djidiu é muito vasto. Queríamos intervir e encontrei na palavra a identidade do grupo: Djidiu não é aquele que se limita a contar a história. É poeta, historiador, visionário político, contador de histórias, recita versos. Músico, filósofo. Escolhemos intervir pela oralidade, que é a função do Djidiu, uma biblioteca falante. Também queremos transmitir pela oralidade aquilo que sabemos”. Este poeta não data as coisas que faz, “porque posso pensar hoje e escrever daqui a um ano”, então nesse caso, de que data é o poema? Já participou em um par de antologias. Também não nos quer dizer a idade: “Quando é que eu nasci? Quando saí da barriga da minha mãe? Quando estava no útero? É necessário para a sociedade mas é uma banalidade. ” Para ele, “uma das coisas mais brilhantes no Djidiu é a partilha”. Se Nelson Mandela morresse era bem feito é um dos seus poemas. "Porque a morte gosta de ausentar ânimas e de causar sofrimentos Porque Nelson Mandela gosta do sossego e da liberdade Porque Deus é perfeito e conhece todo o nosso gosto Se Nelson Mandela morresse era bem feito Porque um BOM-GRANDE LIDER merece toda eternidade"Apolo de Carvalho tem 26 anos e trabalha em restauração. Está a tirar uma pós-graduação em Estudos Estratégicos e de Segurança e tem a ambição de fazer doutoramento em breve. Chegou à Afrolis através de Herberto Smith, o fotógrafo do aúdioblogue. Acordai, povos e nações/ Despertai e recordai as vossas grandes civilizações/ Mergulhai nús, livres e sem temorEscreve em português e em crioulo de Cabo Verde, onde nasceu. “Renascimento africano” é um dos seus poemas: “Acordai, povos e nações/ Despertai e recordai as vossas grandes civilizações/ Mergulhai nús, livres e sem temor (…) Parti em safari de introspecção tal iniciante destemido”. Viveu em França, e foi lá e em Portugal que descobriu a “África de Cabo Verde”. Escreve sobre a sua história e a necessidade de regressar às origens, e cada vez mais prefere dizer os seus poemas em crioulo cabo-verdiano. “Não existia um espaço como este, que convoca todos os afrodescendentes e africanos a contarem a sua história”, comenta sobre o Djidiu. “É importante porque acaba por ser um momento de vivência”, diz. É “como se fosse aquela grande árvore em África em que os anciões e os novos iam falando”, compara. “Acabamos por levar coisas e discutir temas polémicos – o mais interessante é que conseguimos desconstruir as nossas ideias de forma super harmoniosa. ”Os encontros têm ainda outra função: dar argumentos para a defesa de situações de racismo. “Arma-nos intelectualmente, dá-nos armas para saber como responder e defender-nos de situações dessas”, comenta. Depois há muita gente que não é africana que vai ao Djidiu, ouve e passa a palavra. “O mal de muitas associações africanas é que se fecham entre os membros, temos a mesma luta mas parece que estamos acantonados e esquartejados. A Afrolis procura trazer pessoas. ”“(…) Nesta linguagem de partes, que parte as pessoas em bocados, metades, pedaços, como se as pessoas não fossem por inteiro. Eu também sou negra porque há parte de mim que vem da negritude, sou parte de algo que me querem fazer acreditar não ter lugar em mim”. Escreveu poemas como este, Partes, que leu no Djidiu. E apesar de regularmente o fazer, é uma descrente na sua obra, nem se se considera poeta. Identifica-se mais com a palavra de intervenção, com a poesia falada, com slam. Alexandra Santos, Alexa, 29 anos, tem um blogue Queering Style, “espaço queer feminista que tem como missão a visibilidade de discursos e de identidades variadas” – começou como um blogue e é hoje um site e “sonho tornado realidade”. Tem várias colaborações e vertentes, da escrita à imagem. Nesta linguagem de partes, que parte as pessoas em bocados, metades, pedaços, como se as pessoas não fossem por inteiro. Eu também sou negra porque há parte de mim que vem da negritudeNo Centro Comercial Vasco da Gama, em Lisboa, perto do local onde trabalha, Alexa diz-nos que o Djidiu é um espaço “muito importante” para fazer sentir às pessoas que podem ter voz, que há outras pessoas como elas, para sentirem “que não estão sozinhas no mundo”. Especialmente por ter um lado “genuíno” e despretensioso que faz quem lá vai sentir-se à vontade para levar algo que está menos acabado ou que não considera “bem poesia”, por exemplo. A afirmação de um Clube dos Poetas Negros importa, defende. Sobretudo porque “dentro da nossa negritude – a minha mais clara do que outras – temos dificuldade em encontrar pessoas com quem nos identificamos, pelo menos no meu espaço a maioria das pessoas não são negras”. Dá o exemplo do cabelo, e do facto de “ser assediada” muitas vezes por causa ele, uma experiência que é facilmente e rapidamente partilhável e compreendida por quem passa por ela. Falar sobre o tema, escrever, e intervir é dar voz a estas questões e aos próprios negros, diz. “Tudo isto é criação de espaço e movimento. Nesta construção de comunidade – as coisas acontecem-me a mim e não só a mim – o Djidiu é importante. E é importante nas suas especificidades. Nem todos os jovens negros se irão identificar com um espaço como aquele – mas é bom que exista, e há outros que se identificam, e por isso pode-se transformar numa espécie de família. ”Alexa tem mais poemas sobre a questão racial. É um tema que a faz reflectir através de vários pontos de vista. Por ser “mais clara” sente “discriminação dos dois lados”: sendo que “não se pode chamar discriminação quando um grupo minoritário (negros) não se sente à vontade com alguém que tem obviamente mais privilégio (brancos)”, defende. A negociação “que faço neste corpo” é “às vezes de muito esticar” e constantemente de “educar e ver onde me encaixo”, confessa. “Não sou branca efectivamente, mas depois também não sou negra efectivamente. Tenho constantemente que me explicar. Quando as pessoas dizem: ‘ah, olho para ti e não te vejo como mulher negra’. E em espaços de mulheres negras me dizerem: ‘não és branca? Já vi muitas mulheres brancas com o teu cabelo’. E a minha negritude não é o meu cabelo. ”São estas situações, quando a angustiam, que se tornam motor para escrever: “Entendo as tensões que a minha própria palavra trazA mãe, mais escura, cabo-verdiana, não se posiciona como mulher negra – ou pelo menos Alexa nunca fala desta questão nem com a mãe, nem com as irmãs (é trigémea). “Porque não tenho mais amigos negros? É uma busca. E busca também para quebrar estereótipos que tinha na minha cabeça. Mas é um movimento consciente. Sou de Loulé, e durante muito tempo éramos as únicas miúdas mais escuras da turma, tanto que o nosso nome na escola eram as pretas: a preta 1, a preta 2 e a preta 3. Houve todo um exercício da minha parte para desconstruir isto – coisa que as minhas irmãs nunca fizeram. ”Perguntam-lhe qual é o problema de se identificar como uma mulher branca. Ela responde: “A questão é que o meu corpo não é branco. Isto custa explicar. Há dias que estou com vontade, outros em que só quero que a outra pessoa compreenda!”Para o Djidiu sobre a revolução e liberdade Luz Gomes criou um poema que se chama lIbErdAdE RevOlUcIOnÁrIA dO CoRPo. Lê-se assim: “Não acredito em nenhuma liberdade revolucionária que não passe pelo meu corpo de menina-mulher da pele preta… Que não venha das minhas entranhas de vida sanguínea… (…) Não acredito em nenhuma liberdade revolucionária que não poetise a reinvenção fragmentada de cotidianos do meu corpo de menina-mulher da pele preta. . . ”Brasileira do Recôncavo baiano, a viver em Portugal há dois anos, Luz Gomes está a fazer um doutoramento em museologia sobre galerias de arte que trabalham com artistas angolanos em Lisboa. Em quase todos os espaços é confundida com uma africana. É uma questão “perversa”, considera: as pessoas não a associam ao estereótipo da brasileira e “olham para o meu fenótipo e atrelam a África”. Não acredito em nenhuma liberdade revolucionária que não passe pelo meu corpo de menina-mulher da pele preta…Leitora de escritores como Manoel de Barros, Anaïs Nin, Odete Semedo, Toni Morrison, Rainer Maria Rilke, Pablo Neruda, é autora de um blogue que se chama Etnografias poéticas de mim. Tem ido aos encontros do Djidiu desde o princípio, com alguns intervalos, e lá sempre leu os seus textos. “Acredito no Djidiu como espaço importante nessa discussão que não é simplesmente o texto, mas esse corpo que fala – eu sempre penso a partir do corpo. Porque todos os processos de opressão que a gente sofre vêm pelo corpo: é o corpo que sente física ou emocionalmente. É interessante pensar nos corpos negros nesses espaços do centro [de Lisboa], falando poesia e de questões que atingem a população negra”. Não há maneira de não comparar a questão racial em Portugal e no Brasil, nota. Algumas coisas são comuns. “Sempre nos vêem como bons bailarinos, bons músicos, mas a escrita nos é cara. A gente nunca está sendo colocada nesse patamar – e quando escreve, a qualidade do trabalho é sempre questionada. ”Por isso o Djidiu é importante para trazer estas questões, bem como a liberdade de, como negra, falar da questão do racismo mas também de amor ou de outra coisa qualquer – algo que Luz Gomes faz na sua poesia, que anda muito à volta de temas como o amor e a mulher. “Não consigo pensar nessas questões fora do meu corpo, porque quando sou discriminada é por causa do meu corpo. ”Se por um lado não há forma de pensar Lisboa senão como um lugar onde há música feita por africanos e seus descendentes, noutros espaços nota que é a única negra. “Tem uma população negra no centro que circula mas não está presente em alguns espaços. Ou tem essa população na música mas não na poesia. ”Djidiu pode ser espaço onde as pessoas se sintam à vontade e falem de forma aberta. “A gente tem que se ver em diferentes espaços: eu não tenho que abrir o jornal e ver a população negra atrelada à criminalidade. A gente quer se ver de outras formas e a partir dos nossos olhares”, continua. Em Portugal e Brasil os negros têm que procurar um espaço, e muitas vezes isso é “mal interpretado”, continua. As pessoas dizem “a arte é para todo mundo”, não se deve separar. “Mas se os indivíduos na sociedade não são tratados de forma igual, se a mulher não é tratada de forma igual, se negro não é tratado de forma igual, como me quer convencer que a produção dessas pessoas será vista de forma igual?”Naquela tarde de Março do primeiro Djidiu de que Carla Fernandes falava, foi Santiago d’Almeida Ferreira quem tomou a palavra no palco e desabafou que já tinha estado noutros encontros literários mas nunca tinha se tinha sentido à vontade para ler o seu Foge do Bandido. Ali leu: “Queres? Queres mesmo? Queres mesmo tirar me a pele? Escaldar-me a cor, e pelar me a voz? Queres mesmo que seja escuro, negro, preto e fusco? Queres que corra, tente fugir? Que me coce com palha-de-aço e beba água das poças de óleo que a terra derrama?”Até há pouco tempo não se considerava poeta. Mas no blogue Conjecturações Desmielinizantes podemos ler vários dos seus poemas. Nem todos falam das questões da negritude. Santiago d’Almeida Ferreira, 27 anos, nascido em Viseu diz ter sido o primeiro português a admitir que é intersexo – algo a que o senso comum chama “erradamente” de “hermafrodita”. “O intersexo é um espectro muito grande”, e não “é apenas a genitália”. “Queres? Queres mesmo? Queres mesmo tirar me a pele? Escaldar-me a cor, e pelar me a voz? Queres mesmo que seja escuro, negro, preto e fusco?A viver há dois anos em Lisboa, é artivista – um artista e activista pelo anti-racismo e feminismo. Foi bailarino, coreógrafo, trabalhou em restaurantes e está neste momento a estudar Antropologia. Co-fundou em 2015 a sua associação, Acção pela Identidade, que se dirige à defesa e estudo da diversidade de género e de características sexuais, incluindo a experiência das pessoas trans e intersexo, cruzadas com questões de raça e etnia, por exemplo. “Trabalhamos na primeira pessoa, e isso significa que somos especialistas das nossas próprias causas”, diz. “É muito importante haver alianças entre comunidades, e a própria comunidade LGBT perceber que há pessoas negras – estamos a trazer essa interseccionalidade e fomos pioneiros nisso”. Isto porque também se depara com “bastante racismo no activismo LGBT dominado por pessoas brancas”, queixa-se. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Desde sempre que sofre discriminação, desabafa. “O racismo sempre foi muito presente. Nasci em Portugal, o meu pai é de Angola e a minha mãe de Viseu e não fui criado com os meus pais biológicos. Na escola chamavam-me preto”. No Djidiu encontrou muita gente com quem se identificou. Grande parte do seu background veio de África, por isso não tem problemas em se identificar como afrodescendente. “Por ter consciência que a minha pele era negra, diferente, essa questão esteve sempre presente nos meus textos. Não podia dizer noutras plataformas que sofri racismo no trabalho. Mas na escrita podia, de forma quase escondida, transmitir essa dor e sofrimento – hoje escrevo menos na base da dor e mais na base da reflexão”. De qualquer maneira, “está marcado no meu corpo ser inter sexo e ser negro, é uma pele que não dispo”. No Djidiu identificou-se mais com os poemas que falavam sobre a actualidade. Nota que ainda “existe uma grande necessidade de falar sobre racismo”. “Estamos a querer falar, a querer gritar, a dizer: ‘Hey, temos andado aqui, porque não estamos a ter o mesmo tempo de antena?’ Senti isso. Estávamos todos a querer dizer a mesma coisa, porque foi isso que eu fui fazer. Há um espaço para eu falar. Enquanto afrodescendentes estamos nesse momento do ‘grito’ e de querer falar. ”
REFERÊNCIAS:
Étnia Africano