Charles Aznavour, o adeus a um incansável obreiro da canção
O cantor francês morreu aos 94 anos. Era um marco da chanson, dando voz a temas como She ou La bohème. Nos últimos dez anos actuou por duas vezes em Portugal, onde foi presença assídua nos anos 1950 e 1960. (...)

Charles Aznavour, o adeus a um incansável obreiro da canção
MINORIA(S): Migrantes Pontuação: 6 Homossexuais Pontuação: 6 | Sentimento 0.0
DATA: 2018-12-31 | Jornal Público
SUMÁRIO: O cantor francês morreu aos 94 anos. Era um marco da chanson, dando voz a temas como She ou La bohème. Nos últimos dez anos actuou por duas vezes em Portugal, onde foi presença assídua nos anos 1950 e 1960.
TEXTO: O cantor francês Charles Aznavour morreu esta segunda-feira na sua residência no Sul de França. Tinha 94 anos e se não morreu em palco (“poderei morrer à mesa de trabalho, não em palco”, disse ele numa entrevista a Adelino Gomes, para a revista do PÚBLICO, em 2008) morreu entre concertos. Planeava actuar em Bruxelas no mês que agora se inicia e andava em digressão pelo Japão, mas foi forçado a regressar a França e a cancelar os concertos que tinha em agenda porque partiu um braço numa queda, da qual já não recuperou. Com uma carreira de impressionante longevidade (85 anos, aos nove já actuava como cantor e comediante), Aznavour escreveu ou co-escreveu mais de 1000 canções, gravou 1200, cantou em seis línguas, lançou 91 álbuns de estúdio e vendeu mais de 180 milhões de discos. Não se considerava uma estrela, mas “um trabalhador incansável da canção” ou, como disse na entrevista já citada, “um dos últimos artesãos da canção. ”Nascido Shahnour Vaghinagh Aznavourian em Paris, em 22 de Maio de 1924, filho de emigrantes arménios, ele cantor e ela actriz, os pais tinham um restaurante que fechou nos anos 1930 devido à crise económica. Isso empurrou o jovem Aznavour para uma ribalta que já conhecia da família, iniciando aos nove anos no Théâtre du Petit Monde uma carreira de cantor e de comediante. O encontro com o pianista Pierre Roche, em 1941, já em plena II Guerra Mundial, deu-lhe novo rumo: formaram o duo Roche e Aznavour, que mais tarde seria convidado por Édith Piaf para a acompanharem em digressão por França e pelos Estados Unidos, no final dos anos 1940. Foi Piaf, aliás, que convenceu Aznavour a iniciar uma carreira a solo. Ele seguiu-lhe os conselhos, mas esteve prestes a desistir, porque o sucesso que alcançava nas canções não tinha eco nos palcos. Numa canção que gravou em 1960, Je m’voyais déjà, ele sintetizará esses tempos de decepção, mas sem deixar de anotar neles alguma esperança. “Ainda não tive a minha oportunidade/ Outros conseguiram-no com pouca voz mas muito dinheiro/ Eu talvez seja demasiado puro ou vá muito à frente/ Mas um dia virá em que lhe mostrarei que tenho talento!” Esse dia não tardou muito. Em 1954, lançada em disco, a canção Sur ma vie foi um enorme sucesso. E o compositor passou a ser encarado como um cantor a seguir, nos discos e em palco. Mas ficou a dever esse sucesso à sua persistência, como se deduz do que escreveu na mini-autobiografia que foi publicada no seu site oficial: “Os professores que consultei eram categóricos: desaconselhavam-me de cantar. Portanto, cantarei até rebentar a glote. ”Ao longo da sua longa carreira, Aznavour deu voz a canções como La bohème, Que c’est triste, Venise, She, Il faut savoir, Hier encore, Sa jeunesse, Emmenez-moi ou Fado, onde enfatizou “os amores ardentes de Portugal”, país onde foi presença assídua nas décadas de 1950 e 1960. E onde a sua ligação maior foi Amália Rodrigues. No livro de memórias Amália, Uma Biografia, de Vítor Pavão dos Santos (Presença, 2005), ela recordava assim essa ligação: “O Aznavour queria fazer uma cantiga para mim. Ouviu-me cantar o Ai Mouraria e para fazer um bocadinho de fado apanhou-lhe o princípio e fez o Aïe Mourir Pour Toi, que eu tive mesmo que cantar no Olympia [1957] e fez bastante sucesso. ” Na última década, Aznavour voltou duas vezes a Portugal para dois grandes concertos e na mesma sala lisboeta, o antigo Pavilhão Atlântico (da segunda vez já Meo Arena e hoje Altice Arena): em Fevereiro de 2008, ano em que recebeu a Medalha de Honra da Sociedade Portuguesa de Autores; e em Dezembro de 2016. Este último concerto ocorreu um ano após sair o seu último disco de estúdio, Encores, com onze canções da sua autoria, uma em homenagem a Édith Piaf (De la môme à Édith), além de uma versão de um original de Nina Simone, You’ve got to learn, que decidiu cantar no inglês original. Mas a música era apenas uma das facetas do seu trabalho. Outra era a de actor, e nessa condição participou em mais de 80 filmes e telefilmes. Começou com um papel menor, não creditado, em La Guerre des Gosses, de Eugène Deslaw e Jacques Daroy (1936), vindo depois a desempenhar papéis de maior relevo. Da longa lista, destacam-se filmes como O Testamento de Orfeu (de Jean Cocteau, 1959), Disparem Sobre o Pianista (de François Truffaut, 1960), Le Temps des loups (de Sergio Gobbi, 1969), O Tambor (de Volker Schlöndorff, 1979), Les Fantômes du chapelier (de Claude Chabrol, 1982) e, com especial relevo, Ararat (2002), do realizador arménio Atom Egoyan, filme que reflecte sobre o genocídio dos arménios pelo império otomano e onde Aznavour teve o papel principal que, segundo se escrevia esta segunda-feira no Le Monde, foi “o seu filme mais pessoal. ”A Arménia foi, aliás, sempre uma causa presente para Charles Aznavour. Em 1988, quando um terramoto ali fez cerca de 50 mil mortos, ele criou a fundação Aznavour Pela Arménia e gravou, com a colaboração de mais de 80 outros artistas a sua canção Pour toi Arménie, registo filmado pelo realizador de origem arménia Henri Verneuil. A canção, feita para acudir à tragédia, vendeu em disco mais de 1 milhão de exemplares e Aznavour foi, depois, nomeado embaixador permanente na Arménia pela UNESCO. A fechar a autobiografia que está no seu site oficial, Aznavour escreveu: “Aquilo que fiz, fi-lo com amor e seriedade, embora me tenha sempre divertido, e fi-lo respeitando o meu público e os meus valores. ”Na entrevista a Adelino Gomes, no PÚBLICO, citava até dois outros Charles como sua referência artística mundial: em França, Trenet; nos EUA, Ray Charles. E sobre o acto de compor, dizia: “Há os que fazem coisas políticas, eu prefiro canções humanitárias (…). Por isso escrevo ‘eu vivo nos subúrbios’, não ‘nós’. Quando escrevi sobre a homossexualidade, não disse ‘ele vive com a mãe’, mas sim ‘eu vivo’. Podem pensar que sou homossexual. Estou-me nas tintas. Quando nos comprometemos, devemos fazê-lo a 100%. ” E noutra passagem: “Nunca canto canções em que não esteja implicado. Para mim, uma grande canção é um grande texto. A música passa de moda. Um grande texto permanece um grande texto. ”Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Com três casamentos e seis filhos, multipremiado (tem uma estrela no Passeio da Fama, em Hollywood), Charles Aznavour não se imaginava a morrer em palco, embora ainda por eles andasse, com destemor e sem poupar na voz, em idades que requerem mais cuidados, aos 80 e 90 anos. Voltando à já citada entrevista a Adelino Gomes: “Morrer em palco? Não, seguramente. Poderei morrer à mesa de trabalho, não no palco. ” Já a finalizar, enfrentava deste modo algumas perguntas sobre a vida e a morte: “Já disse que não é muito de acreditar em Deus. . . ”, perguntava o jornalista. “Depende dos dias”, dizia Aznavour. “E na outra vida?” “Aquilo lá em cima deve estar muito atravancado. Tenho dificuldade em acreditar que haja um éden onde está toda a gente. Imagine a quantidade de pessoas que existiram desde o princípio do mundo. É verdade que há um inferno que se encarregaria de muitas. Deve estar, aliás, muito mais cheio que o paraíso. ”Nova pergunta: “Teve uma vida cheia?” “Sim, sem excessos. Enfim, sem excessos, a partir de certa idade. Antes do meu último casamento [o terceiro], cometi algumas loucuras, próprias da idade. Digamos que aproveitei bem a vida. ” Uma última pergunta: “Mas chegará, então, esse tal momento em que vai abandonar a vida. . . ” Resposta breve: “Eu não vou abandonar a vida. A vida é que me vai abandonar. Esse é que é o problema. ”
REFERÊNCIAS:
A reemergência (tóxica) do nacionalismo espanhol
O Vox é um partido que reivindica a unidade da Espanha e é hostil aos nacionalismos periféricos, ao basco e, sobretudo, ao catalão, tal como às autonomias (...)

A reemergência (tóxica) do nacionalismo espanhol
MINORIA(S): Migrantes Pontuação: 6 Homossexuais Pontuação: 6 | Sentimento 0.0
DATA: 2018-12-31 | Jornal Público
SUMÁRIO: O Vox é um partido que reivindica a unidade da Espanha e é hostil aos nacionalismos periféricos, ao basco e, sobretudo, ao catalão, tal como às autonomias
TEXTO: Havia pouca gente a vangloriar-se: “Já to tinha dito”. O resultado do Vox na Andaluzia foi uma surpresa para partidos e analistas. Se as sondagens indicavam a sua entrada no parlamento andaluz, ninguém anteviu a dimensão da sua votação: 11%, quase 400 mil votos, ultrapassando a barreira simbólica dos 10%, e fazendo o sistema partidário nacional passar para um tabuleiro de cinco partidos. Mudam as regras do jogo. Tal como a crise partidária levou à emergência do Podemos, na extrema-esquerda, a mesma crise dá agora lugar a outro populismo, mas na extrema-direita. O impacto da eleição não pesa apenas sobre a Andaluzia, pesa sobre a Espanha e pesará sobre a Europa — nas eleições europeias de Maio. “Terramoto andaluz” é o título do editorial do El País. Não é uma novidade de superfície mas um fenómeno profundo. Foi infirmada a tese da “imunidade ibérica” perante o nacional-populismo ou a extrema-direita. A hipótese de que um recente passado de ditaduras “actua como uma vacina contra os partidos de extrema-direita” volatilizou-se no domingo. Abre-se um terreno desconhecido. Os partidos e os jornalistas não foram os únicos a serem apanhados de surpresa. Escrevia ontem num tweet o politólogo Alberto Penadés: “Não tínhamos uma teoria aceite sobre a ausência da extrema-direita em Espanha e há que inverter o rumo da hélice na nave politológica. ”As razões económicas não explicam a crise da política e este voto foi eminentemente anti-sistema. Houve uma desmobilização do eleitorado de esquerda e uma remobilização da direita e, dentro desta, uma fuga para o extremo. A grande maioria dos votos do Vox provém do Partido Popular (PP), mas não só. O PP perdeu 300 mil votos. Mas proclama vitória porque o governo socialista andaluz vai ser alijado do poder e porque o PP evitou ser ultrapassado pelo Cidadãos. O resto está por explicar: os 400 mil eleitores não serão todos de extrema-direita. Direita e esquerda ter-se-ão equivocado. Com Pablo Casado, o PP antecipou uma guinada à direita para manter a hegemonia sobre a sua área tradicional. Os eleitores terão preferido o original à cópia, experimentado a novidade Vox. Casado “mordeu o isco” de Abascal, resumiu o analista José Antonio Zarzalejos. Também a esquerda é agora criticada por não ter combatido o programa do Vox, para o desvalorizar e para cercear a sua mediatização. O Vox apresentou-se com um programa de extrema-direita — nacionalista, antifeminista e anti-imigração. Em nome dos valores da família cristã, quer abolir o aborto e o casamento gay. Mas o eixo da sua ideologia não está no “machismo” e na xenofobia. É o nacionalismo. É um partido que reivindica a unidade da Espanha e é hostil aos nacionalismos periféricos, ao basco e, sobretudo, ao catalão. Defende a reconstituição de um Estado unitário e a supressão das autonomias, tal como a ilegalização dos partidos independentistas. Nem todo o programa é para levar à letra. É a suma de muitas ideias a que o “povo de direita” é sensível. E a sua formulação é extremada para encostar o PP à parede. A sua votação dissolve também outra teoria: o Vox ultrapassa claramente o nicho ideológico qualificado nos estudos de opinião como “extrema-direita” e que valia pouco mais de dois por cento por cento da população espanhola. O primeiro consenso na imprensa dos últimos dias é o factor Catalunha, que tanto atinge o PP como o PSOE. “A principal conclusão desta votação é que a política espanhola está infectada até ao tutano pelo problema da Catalunha”, escreve o colunista Ignacio Varela no El Condidencial. “Uma infecção que continuará a supurar e contaminará todas as eleições que se celebrem enquanto a ferida continuar aberta. Andaluzia foi o aperitivo, mas nada nem ninguém escapará ao seu efeito tóxico. ”Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Mariano Rajoy é considerado responsável pelo fiasco catalão de Outubro de 2017. Também o primeiro-ministro, Pedro Sánchez, está na berlinda, acusado de ter negociado a sua “tomada de poder” com secessionistas, como o Bildu basco e a ERC catalã. E, agora, de governar neles apoiado. A questão catalã foi um dos eixos principais da campanha eleitoral do Vox. Pergunta retoricamente o jornalista Carlos Cué: “A Catalunha matou Rajoy. Fará o mesmo a Sánchez?”É cedo para perceber as consequências. O Vox coloca o PP perante um dilema estratégico. E também toda a estratégia eleitoral de Pedro Sánchez parece posta em causa. A sua política de conceber o eleitorado como uma “soma de minorias” confronta-se com o desafio global do nacionalismo da direita. A Andaluzia, com oito milhões de habitantes, tem capacidade para condicionar todo o quadro político nacional. Falta o terceiro desafio: as eleições europeias de Maio oferecem ao Vox um terreno muito mais favorável. Se tiver sucesso, ajudará a alterar a relação de forças entre europeístas e populistas eurocépticos.
REFERÊNCIAS:
Palavras-chave aborto imigração casamento gay xenofobia
Viajando com um hippie fascista
Nestas conversas gosto de perguntar e gosto de ouvir. Não há muito mais a fazer, porque o teórico da conspiração não consegue ouvir os outros, e por outro lado aprende-se mais assim, embora o que se aprende seja inquietante. (...)

Viajando com um hippie fascista
MINORIA(S): Migrantes Pontuação: 6 Homossexuais Pontuação: 6 | Sentimento 0.0
DATA: 2018-12-31 | Jornal Público
SUMÁRIO: Nestas conversas gosto de perguntar e gosto de ouvir. Não há muito mais a fazer, porque o teórico da conspiração não consegue ouvir os outros, e por outro lado aprende-se mais assim, embora o que se aprende seja inquietante.
TEXTO: Boston, Massachusetts, EUA. - Sugerem-se geralmente duas alternativas para quem está sujeito a ouvir teorias da conspiração no seu dia-a-dia. A primeira hipótese é tentar refutar. A segunda é não dar importância. A minha alternativa não é nenhuma dessas. Quando me é dada a possibilidade de ouvir alguém expor uma teoria da conspiração - ou mais, porque uma nunca vem só - ouço avidamente. Por razões que não vêm ao caso, passei recentemente uma hora e meia em amena cavaqueira com um simpático sujeito, imigrante nos EUA, pai de três filhos e marido extremoso, que era também uma fonte inesgotável de teorias da conspiração sobre os EUA, a Europa (onde tinha vivido), o Brasil (seu país de origem), Portugal e o mundo. Quem acredita numa teoria da conspiração não pode acreditar numa só teoria da conspiração. Precisa de várias, porque uma só seria implausível; são as teorias da conspiração em rede que explicam cada uma das teorias da conspiração indivualmente. No interior de cada uma das teorias estão os factos falsos, meio-falsos, ou verdadeiros mas incorretamente contextualizados. E acima de tudo isto está uma visão do mundo inteira, uma fé difusa que integra e justifica os elementos separados. Assim, para o meu interlocutor era certo que os muçulmanos estavam prestes a expulsar os europeus da Europa. Os números de muçulmanos na Europa, para ele, não andavam bem abaixo dos dez por cento, como no mundo real, mas estavam mais perto da metade da população e seriam avassaladores dentro de uma década. Quem estava por detrás dos muçulmanos era George Soros, o bilionário e filantropo liberal que o meu interlocutor verberava por ser judeu e, pelos vistos, também pró-muçulmano. O mesmo George Soros, apesar de ter fugido ao comunismo na Hungria, estava também por detrás da tentativa de transformar o Brasil numa Venezuela comunista. Daí a corrupção no Brasil e o facto de todos os dirigentes do PT serem multimilionários. Todos? Mas não era só o famoso triplex onde Lula não chegou a morar? Não, eles no PT estão todos multimilionários. Então e o Bolsonaro? Tenho alguma esperança, mas não muita, porque o Brasil precisa de uma guerra civil e ele não vai ter coragem para a matança necessária. Houve mais, é claro, muito mais. Sobre coisas fantásticas e sobre coisas normais — os filhos, a família, a comida, os bons amigos que ficaram em Portugal. A certa altura a conversa voltou-se para as profissões de cada um. O meu interlocutor tinha sido fisioterapeuta e acreditava em energias alternativas. Por momento, ele soou como um hippie esquerdista e não como um hippie fascista. E eu? Sou historiador, respondi. Ah sim, historiador! E que acha sobre a queda do Império Romano? Tudo gay, não era? — respondeu ele à sua própria pergunta. Tudo gay? Isso não é um pouco exagerado? — interroguei. Claro que não! Se não era tudo gay como é que se explica que o Império Romano tenha caído?Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Como disse, nestas conversas gosto de perguntar e gosto de ouvir. Não há muito mais a fazer, porque o teórico da conspiração não consegue ouvir os outros, e por outro lado aprende-se mais assim, embora o que se aprende seja inquietante. O meu interlocutor tinha ouvido e lido as suas histórias “por aí”. E ele sabia, e eu sabia também, que ele estava longe de ser o único a acreditar em tais coisas. O facto de haver muita gente a acreditar no mesmo só provava, do seu ponto de vista, os factos alternativos. Cada vez mais gente está a abrir os olhos!, dizia ele, enquanto mantinha uma possibilidade de dúvida que apontava para teorias da conspiração ainda mais insondáveis. A partir de 2016 fizeram-se incontáveis reportagens e comentários acerca de como as supostas elites - as pessoas que vão às universidades e lêem jornais - vivem numa bolha. Os eleitores de Trump - que o meu interlocutor apoiava enfaticamente - seriam por sua vez pessoais normais que viviam no mundo real. E são. Mas não está escrito em lado nenhum que as pessoais normais no mundo real (como todos nós, afinal) não possam ao mesmo viver dentro da sua própria bolha. O autor escreve segundo o novo Acordo Ortográfico
REFERÊNCIAS:
Em Portugal, as notícias falsas têm mais impacto no futebol do que na política
Investigador do ISCTE diz que o fenómeno das “fake news” ainda não é preocupante em Portugal, mas admite que a situação mude. (...)

Em Portugal, as notícias falsas têm mais impacto no futebol do que na política
MINORIA(S): Migrantes Pontuação: 6 Homossexuais Pontuação: 6 | Sentimento 0.0
DATA: 2018-11-24 | Jornal Público
URL: https://arquivo.pt/wayback/20181124191937/https://www.publico.pt/1848369
SUMÁRIO: Investigador do ISCTE diz que o fenómeno das “fake news” ainda não é preocupante em Portugal, mas admite que a situação mude.
TEXTO: Sabemos que as informações falsas influenciaram a eleição de Donald Trump. Vemos o impacto que este mercado está a ter na campanha eleitoral no Brasil. E em Portugal? As informações falsas relacionadas com os políticos portugueses “acabam por não ter grande eco”, explica Miguel Crespo, jornalista e especialista em comunicação digital. Há um factor-chave que tem alimentado a circulação das notícias falsas durante a campanha para a eleição do próximo Presidente brasileiro: o ódio, a Fernando Haddad e ao partido que entre 2003 e 2016 anos governou o país, o Partido dos Trabalhadores. O mesmo ódio que ajudou a eleger Trump e que, acredita Miguel Crespo, não existe com tanta força em Portugal e por isso não impulsiona ainda a circulação deste tipo de mensagens no nosso país. Em entrevista ao PÚBLICO, o investigador do ISCTE - Instituto Universitário de Lisboa sublinha que isso não quer dizer que a situação não venha a mudar, até porque foi anunciada a criação de um novo partido, liderado por André Ventura, que Miguel Crespo não tem dúvidas de que “quer aproveitar” esta dinâmica. Para já, os temas que mais mobilizam são aqueles relacionados com o futebol. Os adeptos “propagam tudo aquilo que é favorável ao seu clube e prejudicial para os seus adversários. E não vale a pena estar a tentar convencê-lo de que aquilo não é verdade”. Fomos confrontados com a influência que as “fake news” tiveram nas eleições norte-americanas e agora vemos esse fenómeno a influenciar a campanha no Brasil. E em Portugal?Não é por acaso que os casos mais visíveis são os Estados Unidos e o Brasil, que são países em que o peso da religião na eleição de políticos sempre foi extremamente relevante. [Nesses países] Há grupos religiosos muito fortes e muito poderosos com posicionamentos políticos muito claros e explícitos, e que dão, literalmente, ordens directas de voto às pessoas que professam essa religião. A situação portuguesa é bastante diferente desse ponto de vista. Não é que não se conheça no passado, nomeadamente nos primeiros anos pós-25 de Abril, em que havia uma clivagem bastante grande do ponto de vista político. Por exemplo, a igreja católica, não como um todo, mas membros da igreja católica, expressarem publicamente e até durante os actos religiosos, indicações de sentido de voto, mas não temos organizações religiosas tão poderosas e tão manipuladoras ou interessadas no poder político como os evangélicos nos Estados Unidos ou no Brasil. Em 2019 vamos ter eleições legislativas em Portugal. Estas redes de propagação de informação falsa podem vir a ter um papel relevante nessa altura?De vez em quando vemos [em Portugal] algumas notícias falsas relacionadas com casos políticos. Provavelmente não terão ainda — não quer dizer que isto não evolua nesse sentido — um papel tão importante, ou tão dramático, como neste momento se tem a noção clara que aconteceu nos Estados Unidos e que está a acontecer no Brasil com a mais do que certa eleição de Bolsonaro. Em ambos os casos, há um dado que não se verifica tanto em Portugal. São eleições tanto movidas pelo posicionamento como pelo ódio. Nos Estados Unidos, havia uma resistência extremamente grande a Hillary Clinton, candidata do Partido Democrata, e isso obviamente beneficiou, e muito, Trump. No Brasil, há a consequência de 13 anos de governação do PT, com “n” escândalos à mistura, o que é típico do Brasil e sempre aconteceu com todos os partidos e de todas as áreas políticas. Uma das coisas que em ambos os casos funcionou a favor dos candidatos eleitos foi principalmente uma ideia muito básica, que é um engano, mas onde reside grande parte do problema: as pessoas assumirem que nós, por sermos a favor de uma coisa, somos automaticamente contra o seu oposto ou vice-versa. Eu posso ser crítico de alguém sem estar a apoiar o seu oposto. Mas esta lógica foi aquela que fez eleger o Trump, é aquela que vai fazer eleger o Bolsonaro. No caso português, não temos níveis de rejeição assim tão elevados para lado nenhum. Quase que temos níveis de rejeição mais elevados dentro de determinados partidos em relação aos seus líderes do que propriamente de um partido “A” contra o líder do partido “B”. Agora, há quem queira aproveitar. Teremos um novo partido, de alguém [André Ventura] que tem este tipo de mensagens xenófobas, intolerantes, a apelar à violência, típicas de extrema-direita. O próprio nome do partido [Chega] apela logo a essa questão. Confesso que, infelizmente, não ficaria surpreendido se houvesse uma votação expressiva nesse partido. Lembra-se de algum caso de uma informação falsa que tenha circulado nas redes nacionais e que tenha tido impacto?De vez em quando surgem algumas coisas relacionadas ou com algo que um determinado político que está mais ou menos a ser questionado por alguma razão, tenha dito no passado, ou tenha feito. Mas são coisas que acabam por não ter grande eco. Nas redes sociais portuguesas, os grandes escândalos têm sempre a ver com não assuntos. Alguém que disse uma coisa que tem a ver com as famílias nas redes sociais, e de repente aquela pessoa é demonizada porque disse alguma coisa que não está de acordo com o que está estabelecido, ou coisas sobre aquilo a que se chama figuras públicas, independentemente do seu valor, um episódio qualquer. Coisas muito portuguesas e que se adequam ao que é a realidade portuguesa, por exemplo em outras áreas como é a questão da criminalidade violenta. A criminalidade violenta em Portugal tradicionalmente é uma questão entre família e vizinhos. Não há assim uma lógica tão organizada de passar mensagens falsas. Não quer dizer que elas não surjam, não quer dizer que não se tente. Acho que até agora, os políticos do sistema português, têm conseguido fugir um pouco disso. Se calhar porque todos eles têm medo do é que vai acontecer a seguir se alguém der o primeiro passo. Quais são as principais características destas informações falsas?São normalmente muito simples, muito directas, muito claras, e apelam aos sentimentos mais básicos do ser humano: ao medo, ao ódio, à discriminação, à intolerância, à solução simples para problemas que não têm soluções simples. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. O que temos visto na Europa, com a ascensão generalizada de partidos de direita, são pessoas descontentes com o status quo, descontentes com o sistema em que o principal apelo é dizer que "o problema são os outros". Sendo que "os outros", em tempo de guerra são os inimigos. Actualmente, não há guerra. São os imigrantes, são os de religiões diferentes, são os que têm orientação sexual diferente, são os que têm cor de pele diferente, as coisas básicas. São sempre não fundamentadas em dados, mas quem professa esse tipo de crenças não está preocupado com informação. Uma das características destas “fake news” é que elas se espalham dentro de grupos de pessoas que partilham as mesmas crenças. Estes grupos criam “bolhas” onde as mensagens circulam sem serem postas em causa porque reforçam a crença. É, por isso, um exercício difícil pedir às pessoas que questionem as informações que lhes são veiculadas dentro destes círculos e não as partilhem?Acho que devemos fazer esse esforço. No caso português não é a questão política, não é a questão religiosa, é a questão futebolística [que move mais as pessoas]. É o melhor exemplo. Ninguém consegue convencer um benfiquista, um sportinguista ou um portista de que um dos outros clubes é melhor do que o seu. Temos tido vários escândalos com contratos, com negociatas de bastidores, etc. , relacionados com todos os clubes e aquilo que vemos é que os adeptos do clube "A" propagam tudo aquilo que é favorável ao seu clube e prejudicial para os seus adversários. E não vale a pena estar a tentar convencê-lo de que aquilo não é verdade. No caso português, tem mais a ver com futebol do que com política ou religião. Por enquanto, é assim.
REFERÊNCIAS:
Palavras-chave guerra violência medo sexual discriminação
Como o Brasil tem que ver connosco
Bolsonaro, de quem quase nunca se ouvira falar, emergiu como homem providencial para responder com a proclamação dos mais primários slogans ao caos social brasileiro. (...)

Como o Brasil tem que ver connosco
MINORIA(S): Migrantes Pontuação: 6 Homossexuais Pontuação: 6 | Sentimento 0.0
DATA: 2018-10-19 | Jornal Público
SUMÁRIO: Bolsonaro, de quem quase nunca se ouvira falar, emergiu como homem providencial para responder com a proclamação dos mais primários slogans ao caos social brasileiro.
TEXTO: Ainda há poucas semanas, o risco de Bolsonaro ganhar as presidenciais brasileiras parecia uma ameaça ainda longínqua, apesar de ele surgir como o líder das intenções de voto na primeira volta das eleições que hoje decorre. No entanto, desde que foi agredido por um desequilibrado no decorrer da campanha, a aura de mártir serviu-lhe como rampa de lançamento para o triunfo final, poupando-o aos debates com os outros candidatos, enquanto recolhia os apoios das igrejas evangélicas, dos proprietários rurais e dos grandes empresários. Quase um clássico, se nos lembrarmos de cenários equivalentes no mundo dos anos 1930 e o respectivo background de recessão económica e instabilidade social. Agora, a confirmar-se o que já se afigura como quase inevitável, aquele que fora durante quase três décadas um obscuro deputado nostálgico da ditadura militar poderá inscrever o seu nome na crista da onda populista que vem submergindo o mundo de hoje, irmão gémeo do filipino Duterte e variação extremista do americano Trump, do russo Putin, do turco Erdogan, dos europeus Salvini ou Orbán, entre outros expoentes de uma tendência em curso acelerado. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Para além das suas conexões com outros casos, o caso brasileiro é particularmente ilustrativo de todo um processo que conduziu à promiscuidade e aos laços de corrupção entre as elites políticas e económicas, para não falar do correspondente abuso de poder dos meios judiciais, interferindo directamente na presente campanha eleitoral. Mas o mais chocante foi, sem dúvida, a vertiginosa degenerescência da esquerda brasileira encarnada pelo PT e Lula da Silva, desde a esperança que representou para os excluídos da sociedade até ficar refém das malhas de um sistema de clientelismo político que asfixiava a generalidade dos seus representantes, incapazes de reformar estruturalmente a arquitectura do poder, enquanto o Brasil enfrentava uma espiral de insegurança e criminalidade sem precedentes. Ou seja, Bolsonaro, de quem quase nunca se ouvira falar durante as suas quase três décadas de deputado federal, emergiu como homem providencial para responder com a proclamação – acolhida calorosamente por uma população sem norte – dos mais primários slogans homicidas, xenófobos e homofóbicos ao caos social brasileiro. Essa aparição do homem providencial vindo de parte nenhuma – ou que se mantivera eclipsado durante anos sem fim – é também um clássico dos fenómenos populistas e fascistas mas que ganha uma expressão perturbadora num país tão vasto, populoso e influente como o Brasil. A extrema polarização da sociedade brasileira, entre o fantasma de Lula – representado por Haddad – e o fantasma vingativo e "purificador" de que Bolsonaro é o rosto, constitui um dos sinais maiores da catástrofe que ameaça o nosso "país-irmão" e logo, por trágica ironia, o "país do futuro" antecipado por Stefan Zweig. Mas, para além das especificidades explosivas que o caracterizam – e remetem para outras situações típicas do terceiro-mundo, como as Filipinas de Duterte –, o caso brasileiro inscreve-se também num quadro marcado pelas incidências mais gravosas da globalização económica e a crise financeira de 2008. Um quadro que, designadamente nos Estados Unidos e na Europa, tem sido ilustrado pela tecnocratização progressiva de um poder político fechado sobre si mesmo e de costas voltadas para as frustrações e ressentimentos das populações – que se sentem crescentemente excluídas dos mecanismos de representação política e ficam, por isso, mais vulneráveis à interiorização da maior de todas as ameaças: o medo. Medo da incerteza, medo da insegurança – traduzida através do medo do "outro", dos imigrantes –, medo do futuro. É essa conjugação dos medos levada ao paroxismo que ameaça conduzir o Brasil à tentação fascista.
REFERÊNCIAS:
Papa abraça e beija homem desfigurado
As imagens tornam-se virais e as comparações com São Francisco de Assis foram inevitáveis. (...)

Papa abraça e beija homem desfigurado
MINORIA(S): Migrantes Pontuação: 6 Homossexuais Pontuação: 6 | Sentimento 0.0
DATA: 2013-11-08 | Jornal Público
SUMÁRIO: As imagens tornam-se virais e as comparações com São Francisco de Assis foram inevitáveis.
TEXTO: O Papa a abraçar e beijar um homem que sofre de uma doença rara, que o desfigurou. Aconteceu no final da audiência geral de quarta-feira, na Praça de São Pedro, e as imagens que retratam esse momento estão a tornar-se virais nas redes sociais. Na altura da tradicional bênção aos peregrinos – estavam na praça milhares de fiéis– o Papa Francisco fez uma pausa e acolheu com um abraço o homem que, segundo a agência noticiosa católica CNA, sofre de neurofibromatose, doença que provoca tumores por todo o corpo. O homem encostou a cabeça no peito do Papa, que o abraçou, o beijou e o abençoou. Os comentários sobre o gesto incluem comparações com Francisco de Assis, santo da Igreja Católica que se considerava servidor dos pobres, que terá abraçado um leproso, e a quem o actual Papa foi buscar o nome. O actual Papa, eleito este ano, tem tido diferentes gestos que denotam preocupação em chegar aos mais pobres e às vítimas de diferentes formas de marginalização. Visitou presos e imigrantes e manifestou, por exemplo, abertura ao acolhimento de casais divorciados e homossexuais. A neurofibromatose é uma perturbação genética que causa muitas dores e leva ao aparecimento de tumores por todo o corpo. Apesar de não ser contagiosa, dá frequentemente origem a discriminação social. Pode causar deficiência visual, dificuldades na aprendizagem e mesmo cancro. O Vaticano anunciou entretanto que a misericórdia, palavra-chave do mandato do actual Papa, será o tema da próxima edição das Jornadas Mundiais da Juventude previstas para Julho de 2016 em Cracóvia, na Polónia. Nas edições preparatórias, que antecedem o próximo grande encontro mundial, os jovens católicos reflectirão sobre a pobreza espiritual, em 2014, e a pobreza de coração, em 2015. Na quinta-feira foi também anunciado que Francisco receberá pela primeira vez o Presidente russo, no âmbito de uma visita de Vladimir Putin a Itália.
REFERÊNCIAS:
Palavras-chave homem social doença corpo pobreza discriminação
Os que aprenderam a transformar a necessidade em virtude
Qualquer classificação geracional uniformiza o diverso, mas ajuda a perceber o que é comum. Os que nasceram entre 1980 e 1999 já encontram precariedade conforme vão chegando ao mercado de trabalho. Este é o terceiro de cinco textos publicados ao domingo sobre as diferentes gerações (...)

Os que aprenderam a transformar a necessidade em virtude
MINORIA(S): Migrantes Pontuação: 6 Homossexuais Pontuação: 6 | Sentimento 0.0
DATA: 2014-08-17 | Jornal Público
SUMÁRIO: Qualquer classificação geracional uniformiza o diverso, mas ajuda a perceber o que é comum. Os que nasceram entre 1980 e 1999 já encontram precariedade conforme vão chegando ao mercado de trabalho. Este é o terceiro de cinco textos publicados ao domingo sobre as diferentes gerações
TEXTO: João Queirós conhece bem o “discurso da ‘aventura’ e do ‘cosmopolitismo’ associado à emigração dita qualificada”. Sabe que lá fora há mais oportunidades para um doutorado em Sociologia. Já lhe passou pela cabeça ir, mas nunca tentou. “Não é resistência – não tenho qualquer sentimento patriótico nem preconizo qualquer ideal estóico. Prefiro ficar. E procuro assegurar que fico. ”Entre 2001 e 2011, Portugal perdeu quase meio milhão de jovens. Efeito da redução da natalidade e da emigração, que tantos angaria na chamada geração Y, também conhecida por geração millenium, geração internet, geração ioiô, a dos nascidos entre 1980 e 1994 – ou 99, conforme os estudiosos. Para muitos, o espaço natural não se esgota no rectângulo ibérico. Não existiam ou eram demasiado pequenos quando Portugal assinou o tratado de adesão à então Comunidade Económica Europeia, a 12 de Junho de 1985. E quantos terão memória da assinatura do Acordo Relativo à Supressão Gradual dos Controlos nas Fronteiras Comuns, sim, Schengen, a 25 de Junho de 1991?Cresceram num dos melhores momentos económicos da história de Portugal. Na Expo 98, João Queirós tinha 16 anos, olhava em volta e pensava que “as pessoas eram felizes”. Ébrio de fundos comunitários, o país gastava à grande. De repente, numa noite chuvosa, despertou da euforia do crédito e da retórica do bom aluno europeu. Era 4 de Março de 2001. A correnteza barrenta do Douro matou 59 pessoas e deixou a nu a debilidade dos alicerces da prosperidade nacional. João lembra-se tão bem da ponte de Entre-os-Rios cair, de António Guterres renunciar, do novo primeiro-ministro, Durão Barroso, usar a expressão "Portugal de tanga". Para ele, a existência tem um antes e um depois da queda da ponte. “A partir daí sucedem-se crises cada vez de maior magnitude, achamos cada vez menos que nos vamos safar, vamos perdendo esperança, ganhando cinismo, ficando mais individualistas. ” A sequência parece-lhe definidora: “Toda a minha vida adulta é de crise. ”O conceito de geração tem fortes limitações. Pessoas da mesma idade têm percepções diferentes consoante são do género masculino ou feminino, heterossexuais ou homossexuais, da cidade ou do campo, ricos ou pobres, pouco ou muito escolarizados, de esquerda ou de direita. E a juventude nunca foi tão diversa. Os sociólogos nunca tiveram tanta dificuldade em agregar modos de vida. Mantém-se o mainstream, mas multiplicaram-se as combinações possíveis. Que terá então João Queirós, prestes a defender doutoramento na Universidade do Porto, em comum com Tiago Pinto, residente num dos bairros que ele estuda, com o 6ª ano de escolaridade, e a estacionar carros num restaurante de luxo?Quando a ponte caiu, o sociólogo José Machado Pais já falava em “encruzilhadas labirínticas”, “trajectórias ioiô”, jovens presos a transitoriedades feitas de estágios, cursos, subempregos, aprendizagens, desempregos, retornos à escola. Especialista em juventude, foi vendo isso agravar-se, sobretudo a partir de 2011, ano em que em Portugal aterraram os representantes da troika – a Comissão Europeia, o Banco Central Europeu e o Fundo Monetário Internacional. A precariedade entranhou-se. Não é só a taxa de desemprego entre menores de 30 anos que ultrapassa os 26%, quase o dobro da global. É o salário que está 23% abaixo do praticado entre trabalhadores por contra de outrem. Presos às transitoriedades, os jovens e os jovens adultos ficam em casa dos pais cada vez até mais tarde, casam-se cada vez mais tarde, têm filhos cada vez mais tarde. João conta 32 anos e é professor convidado na Escola Superior de Educação do Politécnico do Porto. Trabalha há 12 anos na sua área sem nunca ter tido um vínculo sólido. Começou como assistente de investigação. Desde então, passou recibos verdes, recebeu bolsas, assinou contratos a termo. Tinha 28 anos quando deixou a casa da mãe e foi morar com a namorada numa casa arrendada. Planeia o que quer investigar ou onde quer morar, mas não vai muito mais longe. “Não sei o que vou fazer profissionalmente para lá de Janeiro de 2015. Posso arriscar até Junho, depois não sei. ”Tiago tem 19 anos e começou a trabalhar há quatro. Já esteve muitas vezes parado. Já foi ajudante de electricista, empregado de café, telefonista, carregador, trolha, rufia. Agora é vigilante. “Estou a fazer o Verão, depois logo se vê, não desconto nem nada. ” Vive com a namorada em casa da família dela e dentro de dias há-de celebrar o primeiro ano de vida da primeira filha de ambos.
REFERÊNCIAS:
Entidades TROIKA
Reportagem: O Exército de Deus quer salvar o Texas e depois a América
"Que tipo de música é que vocês tocam?", pergunta David Grisham ao rapaz todo vestido de preto que está a descarregar instrumentos musicais de uma carrinha à porta do bar War Legion Underground. "Rock", responde este, indiferente. "Ah... rock", reconhece Grisham, a Bíblia na mão e um sorriso vago no rosto. "Sei muito bem. Eu costumava ser grande fã. Ouvi muito disso no passado", lembra. (...)

Reportagem: O Exército de Deus quer salvar o Texas e depois a América
MINORIA(S): Migrantes Pontuação: 6 Homossexuais Pontuação: 6 | Sentimento 0.2
DATA: 2010-03-23 | Jornal Público
SUMÁRIO: "Que tipo de música é que vocês tocam?", pergunta David Grisham ao rapaz todo vestido de preto que está a descarregar instrumentos musicais de uma carrinha à porta do bar War Legion Underground. "Rock", responde este, indiferente. "Ah... rock", reconhece Grisham, a Bíblia na mão e um sorriso vago no rosto. "Sei muito bem. Eu costumava ser grande fã. Ouvi muito disso no passado", lembra.
TEXTO: O passado foi o tempo em que Grisham era um "fornicador e adúltero" e vivia uma "vida escatológica", segundo a sua própria descrição. E acabou há oito anos, quando David "entregou a vida a Cristo". Agora, "arrependido e purificado", este habitante de Amarillo, no Texas, lidera um grupo de vigilantes cristãos cuja actividade tem vindo a tornar-se incómoda, por causa do extremismo da sua actividade. "Como nós, também Jesus Cristo era um radical", defende o pastor. O seu autodesignado Exército de Deus não tem um lugar de culto, antes "alvos" criteriosamente seleccionados para a prática de sessões de evangelização. O grupo segue um roteiro consagrado num chamado "mapa de guerrilha", onde estão assinalados os locais onde consideram ser preciso "fazer testemunho" de Cristo: bares frequentados por homossexuais, clubes de swingers, casas de strip-tease, lojas de produtos eróticos, grupos de conservação da natureza, organizações pacifistas, clínicas de planeamento familiar, clubes de astronomia ou gabinetes de astrólogas e cartomantes. "Os nossos alvos são todos os lugares associados ao sexo, bruxaria, paganismo, ocultismo e falsas religiões. . . Tudo o que é imoral e não é cristão", resume Grisham. Nesta noite, reuniram-se à porta do War Legion Underground para uma "acção" encomendada pelo pai do músico de uma das bandas em cartaz. "Ele pratica uma música satânica", explica David Grisham ao PÚBLICO, "com letras demoníacas que falam de doenças, utilizam palavrões e promovem a promiscuidade e o consumo de álcool". Com David está a sua mulher Tracy e o filho adolescente Shane. Seguram uma cruz de madeira de três metros de altura e distribuem literatura apelando ao arrependimento. Ao lado está Big John, um jovem imponente que já foi traficante de droga e membro de um gang, registando em vídeo as pessoas que entram e saem do bar (e também todas as perguntas da entrevista do PÚBLICO). Há pouco mais de um ano, as férias, fins-de-semana e todos os momentos livres de Grisham e família são ocupados em acções semelhantes um pouco por toda a cidade - e ocasionalmente noutros lugares do país, como Nova Orleães, durante o Mardi Gras. O "exército" comandado por David Grisham não só recorre à nomenclatura bélica como traja uniformes militares - calças de camuflado, botas. . . No entanto, a primeira coisa que o pastor faz questão de salientar é que o seu grupo não advoga nem pratica a violência. "Mas há uma guerra espiritual entre o bem e o mal, entre Deus e o diabo. E essa é uma guerra sem tréguas", diz. "Chamam-nos os taliban americanos, mas nós não somos terroristas. Só tocamos nas pessoas para as abraçar", garante. Pelo contrário, continua, é o Repent Amarillo que frequentemente é alvo de ataques e intolerância religiosa. "As pessoas insultam-nos e já fomos agredidos fisicamente", refere. Outro ponto em que Grisham insiste é que o seu movimento é estritamente religioso e não tem nada de político - apesar de, nota, "como cristãos, renegarmos toda a plataforma do Partido Democrata". O pastor tem péssima impressão do Presidente Barack Obama, que "é o mais liberal que a América já teve" e cuja eleição considera ser "um sintoma" da laicização do país. "A nossa sociedade está a afastar-se de Deus e a seguir numa direcção errada. E a culpa nem é de Obama, é algo que tem vindo a acontecer há muitos anos. O diabo tem vindo a tomar conta da cultura", lamenta. "Nós gostávamos de mudar isso. É por isso que operamos como a igreja do primeiro século e pregamos na rua. Não porque queremos uma teocracia, mas antes uma "culturocracia": um regime em que as instituições funcionam de acordo com uma cultura que é liderada pelo Cristianismo", esclarece. O clube de swingers fechouNo The Jungle, um dos sete clubes de strip-tease da cidade, as visitas frequentes dos membros do Repent Amarillo não provocam especial comoção. "Eles ficam ali fora com a cruz, e dizem aos clientes que entram e saem que eles vão para o inferno. Só que ninguém lhes liga nenhuma", contou ao PÚBLICO o gerente do estabelecimento, que garantiu que a presença do grupo religioso nunca afectou o movimento. "Eles são um pouco inconvenientes mas nunca nos prejudicaram e por isso ignoramo-los", acrescentou. Mas nem toda a gente consegue ignorar as acções do "exército" de David Grisham. Por exemplo, Monica Mead, que disse ao PÚBLICO ter sido forçada a "uma vida de eremita" na sequência do ataque lançado pelo Repent Amarillo contra o seu clube Route 66. Trata-se de um espaço de festas, onde Monica e o marido Mac se juntavam, aos sábados à noite, com os restantes membros do seu clube de swingers. No final de 2008, o Repent Amarillo descobriu os seus eventos, e começou a marcar presença no passeio, todos os fins-de-semana. "Há gente a pregar na rua em todo o lado, e isso não me incomoda. O problema deste grupo são as suas actividades extracurriculares", explicou ao PÚBLICO. David Grisham apresentou várias queixas contra o estabelecimento, que foi obrigado pela autarquia a realizar uma série de obras para permanecer aberto. E denunciou publicamente as noites de swing, "uma actividade privada que só diz respeito aos envolvidos", diz Monica. Na sequência da exposição, o clube, onde se faziam festas de empresas, perdeu todos os seus contratos. Está à venda, mas sem compradores. A vida tornou-se impossível para Monica, que nunca mais pôde conviver com os seus netos depois de um filho e uma cunhada terem descoberto o seu "estilo de vida". Uma das participantes nas noites de swing foi despedida, depois de o seu patrão ter recebido um telefonema a informá-lo do seu envolvimento no clube. O dono de uma frota de táxis recebeu chamadas anónimas ameaçando a "denúncia pública" da sua empresa por transportar passageiros até ao Route 66. "O que eles fazem é perseguição, intimidação e assédio, sob o subterfúgio da liberdade religiosa e de expressão. Filmam as pessoas, conhecem os seus carros, sabem as suas moradas. . . Os que vivem na sua mira obviamente temem pela sua segurança", assinala a advogada Cristal Robinson, que representa Monica Mead contra o Repent Amarillo. O fim do "vive e deixa viver"Confrontado com as descrições do seu comportamento, David Grisham diz simplesmente que a sua missão é "salvar pecadores" e repete que o seu grupo "não deixará de ser zeloso" para atingir o seu objectivo - que é fechar todos os lugares marcados no seu mapa. "Já conseguimos acabar com o clube de swingers", orgulha-se. Mas o fundamentalismo do Repent Amarillo começa a tornar-se desconfortável, mesmo para a população daquela pequena cidade, uma aglomeração de pouco mais de cem mil habitantes em plena Bible Belt (a cintura religiosa dos EUA). As pessoas daqui descrevem-se como conservadoras e não escondem o seu desagrado com a evolução recente da sociedade local: com a chegada de "imigrantes que roubam empregos americanos", com o aumento de casamentos interraciais e com a aceitação da homossexualidade. Mas, apesar da retórica ultraconservadora que a maior parte não tem pudor em utilizar, Roy Rhyne, um enfermeiro gay nascido e criado em Amarillo, garante que a postura da população sempre foi de "vive e deixa viver". "As pessoas podem ter uma linguagem odiosa, mas não actuam. Toda a gente olha para o outro lado. Não sei de ninguém que tenha sido sistematicamente perseguido. Até agora", contou ao PÚBLICO. Mickey é proprietário do Furbies, um restaurante de hambúrgueres que ostensivamente serve uma clientela gay. Só por uma vez se cruzou com os protestos de David Grisham, que ignorou o restaurante mas incluiu a sua igreja episcopal no "mapa de guerrilha" por esta aceitar membros homossexuais. Mickey considera o Repent Amarillo "irrelevante", mas o seu parceiro Richard diz recear que o crescimento do movimento dê cobertura a acções violentas. Até porque Grisham trabalha na Pantex, uma unidade de montagem de armas nucleares nos arrabaldes da cidade. "Quem me garante que, num delírio, ele não resolve punir todos os pecadores de Amarillo usando material nuclear?"
REFERÊNCIAS:
Religiões Cristianismo Paganismo
Perfil dos três candidatos a primeiro-ministro
David CameronO jovem aristocrata ambicioso que mudou o rosto dos conservadoresEstas legislativas não foram apenas sobre "personalidades e princípios", como escreveu a "Time" em Abril. Mas é verdade que poucas vezes como na actual campanha se discutiu tanto o carácter dos líderes partidários - muito também por influência dos inéditos debates televisivos. (...)

Perfil dos três candidatos a primeiro-ministro
MINORIA(S): Migrantes Pontuação: 6 Homossexuais Pontuação: 6 | Sentimento 0.0
DATA: 2010-05-07 | Jornal Público
SUMÁRIO: David CameronO jovem aristocrata ambicioso que mudou o rosto dos conservadoresEstas legislativas não foram apenas sobre "personalidades e princípios", como escreveu a "Time" em Abril. Mas é verdade que poucas vezes como na actual campanha se discutiu tanto o carácter dos líderes partidários - muito também por influência dos inéditos debates televisivos.
TEXTO: Isso pode não ser boa notícia para David Cameron, 44 anos, o jovem líder conservador que revolucionou o discurso de um partido visto como demasiado "desagradável" para voltar ao poder, mas que é ele próprio a imagem do privilégio que muitos britânicos continuam a associar aos tories. "Ele é tudo o que um moderno político num país determinado a ver-se orgulhosamente como de classe média não deveria ser", sublinhou a "Vanity Fair" num perfil que traçou de Cameron, desde 2005 à frente da oposição. Saído da "prateleira de cima" da sociedade britânica (numa descrição BBC), ao contrário dos seus antecessores, Cameron é filho de um bem-sucedido corretor de Londres e da herdeira de uma reputada linhagem de políticos conservadores. A mulher, Samantha, é ainda mais aristocrata, apesar de mais próxima dos círculos artísticos e boémios. Seguindo a tradição familiar, Cameron estudou em Eton - o mais elitista dos colégios privados do país. E em Oxford, onde se licenciou em Política e Filosofia, pertenceu ao restrito clube Bullingdon, onde só se entra por convite. O seu círculo íntimo é ainda hoje composto por antigos colegas de escola e do departamento de política dos conservadores, onde ingressou logo após a faculdade e onde conheceria George Osborne, hoje seu ministro sombra das Finanças e principal estratega. Um círculo elitista e cosmopolita, que cresceu em influência durante a liderança de Michael Howard e a quem a imprensa apelida de "clube de Notting Hill". Cameron não gosta das constantes referências ao seu meio social e, em 2009, acusou os trabalhistas de estarem a desenterrar a "guerra de classes" depois de Gordon Brown ter feito várias referências ao seu passado em Eton. O partido que lidera, garante, já não é "o partido do privilégio" que foi durante séculos e, mesmo não renegando os princípios, bate-se hoje causas diferentes das que fizeram o sucesso de Margaret Thatcher. Foi com essa mensagem de renovação - "um conservadorismo moderno e com compaixão" - que Cameron arrebatou a liderança dos tories em 2005, apenas quatro anos depois de se ter estreado no Parlamento. Para quebrar o ciclo de três derrotas, argumentou, o partido teria de "descontaminar-se" da velha imagem, rumar ao centro e ultrapassar velhos preconceitos - um novo partido Tory para responder ao New Labour de Tony Blair. "Ele é o primeiro líder conservador a parecer natural quando pedala na sua bicicleta", escreveu o "Telegraph" quando Cameron, cioso das suas credenciais ecologistas, se deixava fotografar no papel de ciclista (hoje prefere o jogging). Sob a sua liderança, os conservadores insistem na diminuição do peso do Estado, mas a redução de impostos já não é um valor em si; defendem o casamento como pilar da sociedade, mas reconhecem também as uniões homossexuais; propõem cortes nas despesas, mas fazem do serviço nacional de saúde a sua "prioridade número um". Um apego que David Cameron explica com os cuidados prestados ao primogénito, Ivan, nascido com deficiências profundas e que viria a falecer em 2009 - dupla tragédia que ensombra a vida de um homem a quem sempre tudo pareceu fácil. Mas para alguns a renovação não passa de um exercício de relações públicas - a única profissão que Cameron exerceu fora da política quando, durante sete anos, foi o rosto da Carlton, proprietária da televisão ITV. "Não acredito, nem por um minuto, que ele ache boa ideia proteger o serviço nacional de saúde", confidenciou à "Vanity Fair" o editor da conservadora revista "Spectator". Dentro do partido, a renovação não convenceu todos, mas é entre os eleitores que Cameron, apesar do seu à-vontade frente às câmaras e discurso apelativo, enfrenta mais dificuldades. "Os peritos em sondagens dizem que os britânicos estão cansados do Labour mas ainda estão nervosos sobre como será a vida num governo liderado por Cameron", escreveu a "Time", acrescentando que, "apesar de todos os seus esforços", "subsiste a incerteza sobre aquilo em que ele realmente acredita". Gordon BrownO político cerebral e obstinado que não soube ser popular"Se isto é apenas sobre estilo e relações públicas, então não contem comigo. " A frase, dita no início do segundo debate a três na televisão, ilustra bem aquele que foi o cérebro da revolução ideológica que reconduziu o Labour ao poder e que, na década seguinte, se tornou no mais poderoso ministro das Finanças britânico da era moderna. Avesso aos holofotes, irascível e com uma imagem difícil de vender aos eleitores da era da televisão. Mas também cerebral, obstinado e com uma forte consciência social. Um homem sério para os tempos difíceis. É esta a mensagem preferida de Gordon Brown. Disse-o na conferência trabalhista em Setembro de 2008, pouco mais de um ano após chegar ao poder, quando os mercados financeiros cediam ao pânico e o partido se afundava nas sondagens, minado pelas suas indecisões e desgastado pelas rivalidades internas. Mas Brown, num dos seus melhores discursos, garantiu que estava na política "não para ser popular" mas para tomar as decisões certas, e acrescentou: "Este não é um tempo para noviços. " A frase, mil vezes repetida, colou-se a David Cameron, seu adversário e antítese. Mas não é só a experiência que o distancia do líder conservador. Brown apresenta-se como um homem do povo, "nascido numa normal família de classe média" que soube cedo o que era a pobreza. Viu-a em Kirkcaldy, pequena cidade escocesa afectada pelo declínio industrial britânico para onde a família se mudou pouco depois de Gordon nascer, em 1951. O pai, John, era ministro da igreja presbiteriana e à casa paroquial acorriam com frequência as famílias dos mineiros e dos operários desempregados. É o pai, recorda, quem molda as suas convicções políticas, apontando-lhe as injustiças que o rodeiam e incutindo-lhe o sentido de dever para com os mais pobres. Marcas que alimentam a paixão pela política que o levariam, ainda na adolescência, a filiar-se no Labour. Por essa altura, estudava já História na Universidade de Edimburgo, onde entrara com 16 anos incompletos, depois de ter sido incluído num projecto que permitia aos alunos sobredotados saltar de ano. Na universidade, envolve-se na política estudantil - foi o primeiro estudante a ser eleito para a chefia dos órgãos dirigentes da universidade -, mas conhece também a primeira adversidade. Um acidente sofrido num jogo de râguebi, um dos vários desportos que pratica, provoca-lhe o descolamento da retina em ambos os olhos. Perde a visão no esquerdo e só várias intervenções e meses de convalescença lhe permitem salvar o direito. Em 2000, já ministro das Finanças, sofreria outro golpe - a morte da filha, nascida prematura -, um episódio que recordou numa já célebre entrevista em 2009, em que tentou mostrar o seu lado mais humano, abrindo as portas de uma vida privada ciosamente guardada da imprensa durante mais de uma década. Um traço de personalidade que, em 1994, lhe custaria a liderança do Labour para Tony Blair. Ambos foram eleitos para os Comuns em 1983 (Brown após uma primeira tentativa falhada em 1983) e, para além do gabinete, partilharam durante anos a ambição de modernizar um partido que se distanciara do mundo. Mas a um Brown sorumbático, sem vida social, obcecado pela política, o partido inclina-se para um Blair mais intuitivo, carismático e cosmopolita. Sem apoios suficientes, Brown cederia num célebre jantar com Blair, não sem antes lhe exigir a pasta das Finanças e a (contam os seus próximos) promessa de que um dia lhe cederia ao poderApós a retumbante vitória de 1997, conduz um dos mais longos períodos de crescimento económico do Reino Unido. Mas no n. º 11 de Downing Street, a residência do chanceler, Brown alimenta uma outra imagem que não gosta de exibir. A de político rude e irascível, que conspira com o seu círculo íntimo contra Blair. É um segredo mal guardado que se torna público quando, meses antes das legislativas, o jornalista Andrew Rawnsley revela no seu novo livro como Brown, em momentos de fúria, insulta e intimida assessores. Já nesta campanha, esse traço voltou a sobressair quando um microfone da Sky News o apanhou a chamar "preconceituosa" a uma viúva que se mostrara preocupada com a imigração. Perante o escândalo, foi obrigado a pedir desculpas em público. Nick Clegg O liberal tolerante que prefere a moderação aos extremosÉ um passado pouco comum aquele que Nick Clegg tem para apresentar aos britânicos. Tão incaracterístico que a imprensa se debateu durante semanas para perceber por que aderiu aos Liberais Democratas este filho de um banqueiro londrino que facilmente teria garantido um lugar entre a elite dos conservadores. "Não foi certamente por pensar "quero sentar-me numa daquelas limusinas do Governo", porque, admitamos, há 65 anos que isso não acontece com nenhum liberal", gracejou, numa entrevista ao Telegraph no início de Abril, dias antes da sua aplaudida estreia no prime time televisivo. Clegg, 43 anos, recorre à família para explicar opções políticas. Sim, o pai era um banqueiro da City, mas era também filho de uma aristocrata russa fugida da revolução de 1917 após o assassinato dos pais. E a mãe, holandesa, passou parte da II Guerra Mundial num campo de prisioneiros japonês na Indonésia, para onde o avô de Clegg, engenheiro da Shell, levara a família. "São coisas que nos marcam. Logo em criança, aprendemos que as ideias são importantes e que os grandes dogmas podem ter efeitos desastrosos na vida das pessoas", disse ao Telegraph. Para alguém com esta história, explicou ao Guardian, há um "genuíno apego à Inglaterra liberal, que é tolerante e prefere a moderação aos extremos". Apesar de se distanciar de Cameron, Clegg admite que nasceu num meio "claramente próspero" da sociedade britânica e descreve como "idílica" a infância passada nos abastados condados a oeste de Londres. Tal como o líder conservador, foi enviado para uma das melhores escolas do país, o colégio de Westminster, frequentado pelos "filhos da elite literata" da capital, incluindo a actriz Helena Bonham Carter ou o romancista Marcel Theroux, hoje um dos seus amigos mais chegados. "Faltava-lhe a sofisticação metropolitana [. . . ], mas ao mesmo tempo era muito popular entre os miúdos cool e tinha a estima dos professores por ser muito maduro e directo", recorda Theroux. A Westminster seguiu-se Cambridge - não antes de uma breve incursão como treinador de esqui interrompida pela fractura de uma perna, uma desilusão que tentou aliviar escrevendo um "ilegível" romance inspirado em García Marquez. Acompanharia a licenciatura em Antropologia com várias actividades extracurriculares, do teatro (integrou o elenco de Cyrano de Bergerac, dirigido por Sam Mendes) ao ténis (foi capitão da equipa da faculdade), e foi membro de um clube de debate conservador. Alguns jornais noticiaram que teria chegado a aderir à estrutura juvenil dos tories - o que ele desmente, garantindo que era "profundamente alérgico" às discussões partidárias. Ainda assim, é por recomendação de um reputado tory e amigo da família, o ex-ministro dos Negócios Estrangeiros Peter Carrington, que em 1994, depois de uma efémera passagem pelo jornalismo, começa a trabalhar como conselheiro de Leon Brittan, o então comissário europeu do Comércio. O influente conservador não poupa nos elogios ao protegido - "fiquei surpreendido pela sua combinação de inteligência, entusiasmo e charme" disse ao Times - e recorda as várias tentativas para o convencer a filiar-se no partido. Mas o eurocepticismo dos tories desagradava a um poliglota (além do inglês e holandês, fala espanhol, francês e alemão) que depois de Cambridge estudou no prestigiado College d"Europe, onde conheceu a espanhola Miriam, hoje sua mulher e mãe dos seus três filhos. A sua grande influência era já Paddy Ashdown, o histórico dirigente dos lib-dem, que o impressionou pela primeira vez quando, em 1989, defendeu que os detentores de passaporte britânico residentes em Hong-Kong deveriam ter direito a viver no Reino Unido após a passagem do território para a China. "Aquilo era altamente impopular. Mas para ele era muito claro, o país tinha uma obrigação para com estas pessoas. "Com o apoio de Ashdown, é eleito em 1999 para o Parlamento Europeu e, cinco anos mais tarde, chega à Câmara dos Comuns. Em 2007, ganha a liderança do partido, a quem deu nova imagem, mas os ideais, garantiu numa entrevista ao Guardian, mantêm-se: "Todas as coisas que agora são relevantes - a reforma política, as liberdades cívicas e o poder dos cidadãos - sempre foram preocupações liberais e são valores naturais para mim. "
REFERÊNCIAS:
Palavras-chave morte guerra filha escola imigração campo filho mulher homem social criança pobreza assassinato japonês casamento pânico
Está a Califórnia pronta para dizer sim à marijuana?
Terça-feira, os californianos vão decidir se querem ser o primeiro estado americano a autorizar a posse, consumo e cultivo de cannabis. (...)

Está a Califórnia pronta para dizer sim à marijuana?
MINORIA(S): Migrantes Pontuação: 6 Homossexuais Pontuação: 6 | Sentimento 0.2
DATA: 2010-10-28 | Jornal Público
SUMÁRIO: Terça-feira, os californianos vão decidir se querem ser o primeiro estado americano a autorizar a posse, consumo e cultivo de cannabis.
TEXTO: Tal como aconteceu há dois anos, com o referendo sobre o casamento gay, os californianos têm razões só suas para votar no próximo dia 2 de Novembro. E, tal como aconteceu há dois anos, o resto da América está a prestar atenção. Irá a Califórnia dizer sim ou não à legalização da marijuana? Em 1972, quando uma proposta semelhante foi derrotada nas urnas, o "não" venceu com praticamente o dobro dos votos. Mas hoje as sondagens mostram que metade dos eleitores californianos é a favor da descriminalização da droga. E 47 por cento admitem ter fumado marijuana pelo menos uma vez na vida. A ser aprovada, a Proposta 19, como é conhecida, faria da Califórnia o primeiro estado americano a autorizar a posse, o consumo e o cultivo de marijuana, para fins pessoais, a maiores de 21 anos. Em 1996, a Califórnia foi pioneira ao legalizar o uso de cannabis para fins medicinais - bastando para isso uma recomendação médica, em vez de uma receita. Existem cerca de 1400 estabelecimentos no estado, os chamados dispensários, que fornecem marijuana terapêutica. Treze outros estados seguiram, entretanto, o exemplo da Califórnia. Arizona e Dakota do Sul vão decidir na próxima terça-feira se também querem fazer parte do clube. A favor. . . Os defensores da Proposta 19 argumentam que, uma vez que a Califórnia poderá cultivar a sua própria cannabis, a dependência do narcotráfico que ocorre ao longo da fronteira com o México irá diminuir; os cartéis deixarão de lucrar tanto, e a violência será menor (tal como o fim da Lei Seca em 1933 foi uma péssima notícia para os criminosos contrabandistas). Num estado a braços com um défice de 19 mil milhões de dólares, os argumentos também são económicos: se a legalização avançar, os governos locais poderão decidir aplicar taxas sobre a comercialização da marijuana, o que, segundo algumas estimativas, significaria 1, 4 mil milhões de dólares de receita fiscal anual. Por outro lado, o estado pouparia os milhões que gasta anualmente por causa da criminalização da droga, e a polícia passaria estar mais focada no combate a crimes mais graves. . . . e contraMas a Administração Obama já fez saber que se opõe à Proposta 19: numa carta dirigida a um grupo de antigos chefes da DEA, a agência governamental antidroga, o procurador-geral Eric Holder garantiu que o Departamento de Justiça continuará a aplicar "vigorosamente" a lei federal, que criminaliza a marijuana, independentemente dos resultados da votação. O Governo teme que a legalização dificulte o combate ao narcotráfico e tenha um efeito de contágio sobre outros estados. Se o "sim" vencer e a Califórnia decidir avançar com a medida, é de esperar que o Departamento de Justiça recorra aos tribunais, argumentando que ela põe em causa a soberania da lei federal, tal como fez este Verão com a lei anti-imigração do Arizona. Arnold Schwarzenegger, que está a terminar o seu mandato como governador da Califórnia, também é contra a proposta. No início deste mês, Schwarzenegger assinou uma nova lei que alivia a penalização por posse de cannabis em pequenas quantidades, equiparando-a, a partir do próximo ano, a uma infracção de trânsito, punível com uma multa de 100 dólares. Por seu lado, a Câmara do Comércio californiana teme que, com a Proposta 19, se torne normal fumar no local de trabalho e que os patrões sejam impedidos de sancionar um empregado sob o efeito da droga.
REFERÊNCIAS:
Palavras-chave lei violência imigração consumo casamento gay