Dinamarca: um partido mais radical do que a extrema-direita
O partido de extrema-direita DPP faz parte da coligação de Governo. Alguns descontentes formaram o Nye Borgerlige, que em 2019 pode chegar ao Parlamento. (...)

Dinamarca: um partido mais radical do que a extrema-direita
MINORIA(S): Migrantes Pontuação: 11 Homossexuais Pontuação: 6 Refugiados Pontuação: 11 | Sentimento 0.295
DATA: 2017-02-22 | Jornal Público
SUMÁRIO: O partido de extrema-direita DPP faz parte da coligação de Governo. Alguns descontentes formaram o Nye Borgerlige, que em 2019 pode chegar ao Parlamento.
TEXTO: A Dinamarca tem a sua própria versão da “geringonça” portuguesa, com o Governo minoritário de centro-direita a ser sustentado pelo apoio do Partido Popular Dinamarquês (DPP, na sigla em inglês), que se tornou a segunda força política do país nas eleições legislativas em 2015 – um cenário de governação que é comum devido ao sistema político do país, onde, desde 1909, nenhum partido consegue conquistar a maioria parlamentar sozinho. O DPP é um partido descrito como de direita populista ou, mesmo, de extrema-direita, levando o actual executivo a adoptar, por exemplo, algumas das medidas de imigração mais restritivas da Europa. Mas esta linha de actuação não foi suficiente para uma ala mais extremista do DPP. Aproveitando esta janela de oportunidade, Pernille Vermund, uma arquitecta de 41 anos, juntou-se a Peter Seier Christensen, um engenheiro de 49 anos, para formar o Nye Borgerlige (“A Nova Direita”, segundo a tradução aproximada para português, sendo que se podem utilizar expressões como "Novos Conservadores ou "Novos Burgueses"). O nome escolhido dá pistas sobre os objectivos do novo partido: a direita dinamarquesa não tem força suficiente e são necessárias novas políticas para que os “dinamarqueses recuperem a sua liberdade”. Vermund é a líder de facto e a cara do partido. Rebecca Adler-Nissen, professora de ciência política da Universidade de Copenhaga, explica ao PÚBLICO que como o “DPP se tornou um partido sistémico, a sua linha insurgente desgastou-se, abrindo espaço na direita para um partido com um estilo mais oposicionista e um perfil ideologicamente mais puro”. No entanto, Adler-Nisse alerta para “o exagero” em relação às previsões de sucesso do Nye Borgerlige. O jornalista Henrik Kaufholz, actualmente no jornal Politiken, segue a mesma linha: “O Nye Borgerlige está basicamente insatisfeito com o papel do outro partido, o DPP, no lado direito do espectro político. Todos os assuntos são os mesmos, apenas um pouco mais radicais/consequentes”, diz este jornalista ao PÚBLICO. A política não é algo novo na vida de Vermund e Christensen. Ambos abandonaram o DPP, depois de Pernille não ter conseguido lugar como deputada nas últimas eleições. Arquitecta de formação, Vermund foi eleita em 2009 para o conselho municipal da sua cidade-natal, Helsingor, pelo DPP, tendo saído da organização em 2011, numa altura em que se divorciava e ficava com os três filhos a seu cargo. Depois surgiu a decisão de formarem um partido próprio e aqui a razão foi mais profunda: “Nós pensamos que os partidos que actualmente têm assento no Parlamento já não são verdadeiramente conservadores”, explicou Vermund ao Politico. E acrescenta que quer ir mais longe do que os partidos de direita actuais: “Nenhum dos partidos de direita existentes na Dinamarca é contra a União Europeia. Alguns deles são críticos, mas nenhum deles é crítico o suficiente para querer sair”. Fica assim lançada a pedra basilar da nova organização em relação à política europeia. Nascido em Outubro de 2015, o Nye Borgerlige conta com cerca de três mil membros, tendo conseguido reunir as 20. 109 assinaturas necessárias para concorrer ao Parlamento nacional nas próximas eleições legislativas, que estão marcadas para 2019. Em sensivelmente ano e meio, o Nye Borgerlige conseguiu já desbravar algum do caminho para se fazer ouvir no centro da política de Copenhaga. Algumas sondagens chegaram a dar ao partido um resultado entre os 2, 6% e os 4, 5%, situando-se assim acima dos 2% necessários para entrar no Parlamento. A criação desta nova organização surge também numa altura em que partidos da mesma linhagem política, a extrema-direita, começam a dar que falar em vários países europeus. É o caso da Frente Nacional de Marine Le Pen, em França; o Alternative für Deutschland (AfD – Alternativa para a Alemanha), que já conseguiu resultados históricos, provocando derrotas contundentes à CDU de Angela Merkel nas eleições regionais germânicas ou Geert Wilders, que lidera actualmente as sondagens para as eleições legislativas na Holanda que se realizam no próximo dia 15 de Março. Os ideais destas organizações não diferem muito: anti-União Europeia, anti-imigração ou o nacionalismo exacerbado são as principais bandeiras. Frases como “devolver o país aos seus cidadãos” é ponto comum em todos eles. O Nye Borgerlige não é excepção: “A burocracia da União Europeia é uma ameaça directa à prosperidade, progresso e democracia da Dinamarca. É tempo de a Dinamarca se erguer e dos dinamarqueses recuperarem a sua liberdade”, lê-se no site do partido, onde se explicam as bases e visões políticas do Nye Borgerlige. A saída da Europol, a polícia europeia, é também defendida, bem como o abandono ou a reforma da Convenção das Nações Unidas sobre o Estatuto dos Refugiados e dos apátridas. O novo partido defende também que a “Dinamarca não deve garantir mais asilo a refugiados espontâneos que cruzam ilegalmente a fronteira” e advoga que os estrangeiros condenados por crimes sejam expulsos do país. Henrik Kaufholz garante que a maioria da população dinamarquesa não se revê no corte unilateral com a União Europeia, mas em alguns aspectos existe um cepticismo mais ou menos generalizado: “De acordo com as sondagens, a maioria apoia a nossa associação à União Europeia, mas em muitos temas existe cepticismo. Nós não temos o euro e uma pequena maioria votou contra a Europol há um ano”. Questionada sobre se os dinamarqueses estão actualmente contra a União Europeia, a professora Rebecca Adler-Nissen não tem dúvidas: “Não, não são. A maioria apoia a União Europeia e ainda mais apoiaram depois do ‘Brexit’”. E, neste aspecto, Adler-Nissen diz que o Nye Borgerlige conseguiu “capitalizar a moderação do DPP neste tema nos anos recentes, especialmente desde que outros partidos de direita se começaram a mostrar pouco dispostos (ou incapazes) de apelar a um aumento do eurocepticismo na direita”. Numa conferência de imprensa em 2016, e depois de ter reunido as assinaturas necessárias para concorrer às próximas eleições, Vermund desenvolveu um pouco as suas ideias para fechar as fronteiras dinamarquesas: “Queremos acabar com os processos de pedidos de asilo na Dinamarca. Por isso, queremos que os estrangeiros tenham meios de se sustentar e queremos expulsar todos os estrangeiros culpados de crimes, à primeira condenação”, citava, na altura, a Euronews. Este tipo de propostas tem ganho, nos últimos tempos, espaço na política europeia, e não só, fundamentalmente devido à maior crise de refugiados desde a II Guerra Mundial. Com os países a enfrentarem dificuldades em gerir o processo de colocação das pessoas que fogem da guerra no Médio Oriente, os receios sobre segurança são, na maioria dos casos, o grande argumento para se fechar as portas. O Governo de Copenhaga anunciou, em 2015, uma proposta de lei que pretendia o corte para metade dos apoios estatais destinados aos imigrantes. Em 2016, a Dinamarca saltou para os jornais um pouco por todo o continente depois de decidir que todos os refugiados que chegam a território dinamarquês teriam de se deixar revistar e entregar o dinheiro ou todos os bens que possam valer mais de dez mil coroas (cerca de 1340 euros). Nesta medida exceptuava-se os objectos de “elevado valor sentimental”. Por esta altura, uma sondagem concluía que a crise dos refugiados era a principal preocupação de 70% da população. Em 2016, a Dinamarca recebeu o valor recorde de 20 mil pedidos de asilo de refugiados, um número, porém, muito inferior ao registado na vizinha Suécia. Mesmo assim, em Janeiro desse ano, 37% dos dinamarqueses discordavam da entrega de mais autorizações de residência do que aqueles que já tinham sido distribuídos. Esta percentagem contrasta com os cerca de 20% registados, sobre a mesma matéria, no mês de Setembro anterior. Em relação à imigração, segundo as estatísticas do Governo dinamarquês, em Janeiro deste ano contavam-se mais de 570 mil imigrantes entre uma população de mais de 5, 5 milhões de pessoas. No país, os muçulmananos representam 4% da população, sendo que a grande maioria (80%) professa o luteranismo. Estas decisões são um sinal do cenário político que actualmente rege a governação. O Governo é liderado pelo partido liberal Venstre, sendo sustentado por mais dois partidos, entre os quais o DPP, de cariz populista e anti-imigração, sendo o executivo obrigado a satisfazer, pontualmente, os desejos da segunda maior força do Parlamento. Apesar disso, a abordagem não tem sido suficiente para agradar a parte do eleitorado do DPP. Uma análise da Gallup, realizada no último mês de Novembro, demonstra que os apoiantes do Nye Borgerlige são, na sua maioria, antigos votantes do DPP. Um caso de alegado uso indevido de fundos europeus contribuiu também para que as projecções apontem que o Partido Popular possa perder 13 dos 37 deputados que actualmente compõem a sua bancada parlamentar. Kaufholz diz até que é no âmbito da imigração que o partido liderado por Vermund tem conseguido reunir mais apoios, sendo “mais extremista no que toca às restrições na imigração e asilos do que o DPP”. Por isso, está a “explorar mais votos daí, não conseguindo ganhar mais do resto do eleitorado”. O jornalista dinamarquês diz também que as características de Vermund ajudam no crescimento do partido, porque é uma líder “muito elegante que é muito boa na televisão e rádio”. O Facebook é outra das principais plataformas de comunicação do partido e da sua líder. Expondo as suas visões sobre a questão da imigração, Vermund lançou, numa publicação na rede social, a 17 de Fevereiro, uma série de perguntas aos que chegam à Dinamarca: “Se não tem a coragem para casar com um dinamarquês para aprender a língua dinamarquesa, perceber a nossa cultura e competências das pessoas, fazer parte da comunidade dinamarquesa, celebrar os festivais dinamarqueses e respeitar as normas e regras dinamarquesas, então porque é que sequer deseja a cidadania dinamarquesa?”. Outro dos temas escolhidos pela líder do novo partido foi o Islão. Fazendo acompanhar com uma fotografia de dois homens a beijarem-se, Vermund escreveu entre aspas na mesma rede social: “’A ideologia do Islão é tão abominável, nojenta, opressiva e homofóbica quanto o nazismo’. Pela liberdade, paz e liberalismo”. O Politico cita ainda uma entrevista de Vermund a uma televisão dinamarquesa para dizer que esta demonstrou pouca preparação em relação a outros assuntos. Em concreto, pouco disse sobre pensões, transportes públicos ou saúde. Em Novembro, nas eleições locais, o partido terá a primeira oportunidade para medir o impacto da sua chegada. Para já o objectivo do Nye Borgerlige é ter um candidato em cada conselho local. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Sobre o futuro imediato da nova organização política, concretamente em relação à próxima legislatura governativa, Kaufholz diz que é “completamente impossível neste momento dar um prognóstico sobre a maioria do próximo Parlamento”, isto porque “a Dinamarca tem muitos partidos políticos”, o que dificulta as previsões. Mas avisa para um cenário em que o Nye Borgerlige pode fazer parte de uma eventual coligação de Governo. "Eu duvido disso", diz, no entanto, o jornalista, isto porque os partidos que fazem parte da solução governativa actual dão "más notícias dia após dia". "Não pensem que o Nye Borgerlige vai cair nessa armadilha", remata. Adler-Nissen não acredita ainda na possibilidade de o partido de extrema-direita chegar ao Parlamento, citando sondagens que lhe conferem 1, 7% dos votos, ainda insuficiente para conquistar assento parlamentar. Porém, a professora diz que “mesmo com esse resultado pode permanecer uma ameaça eleitoral para o DPP, forçando o DPP a manter a sua linha ideológica”. "Bairro europeu" é uma rubrica semanal com histórias que estão um pouco fora do radar das notícias nos países europeus
REFERÊNCIAS:
Palavras-chave homens guerra lei imigração cultura comunidade social
Parlamento Europeu aprova directiva que prevê asilo para vítimas de violência indiscriminada
A União Europeia alargou os direitos normalmente consagrados apenas às pessoas com estatuto de refugiadas. Estes direitos estendem-se agora a outras pessoas que, não sendo oficialmente refugiadas, também não podem regressar aos seus países de origem porque poderão ser vítimas de actos de violência indiscriminada, como por exemplo mutilação genital feminina. A directiva foi hoje aprovada pelo Parlamento Europeu, em Estrasburgo. (...)

Parlamento Europeu aprova directiva que prevê asilo para vítimas de violência indiscriminada
MINORIA(S): Homossexuais Pontuação: 6 Refugiados Pontuação: 9 | Sentimento 0.0
DATA: 2011-10-27 | Jornal Público
SUMÁRIO: A União Europeia alargou os direitos normalmente consagrados apenas às pessoas com estatuto de refugiadas. Estes direitos estendem-se agora a outras pessoas que, não sendo oficialmente refugiadas, também não podem regressar aos seus países de origem porque poderão ser vítimas de actos de violência indiscriminada, como por exemplo mutilação genital feminina. A directiva foi hoje aprovada pelo Parlamento Europeu, em Estrasburgo.
TEXTO: A eurodeputada espanhola Carmen Romero-Lopez, relatora deste projecto e membro da família partidária dos socialistas e democratas europeus, indicou que este é um “importante passo em frente no estabelecimento de um Sistema Europeu Comum de Asilo”, que deverá entrar em vigor no ano que vem. “O estatuto de refugiado é convencionalmente apenas garantido às pessoas que estão em risco de violência dirigida especificamente contra elas próprias, tal como activistas políticos e membros de minorias étnicas. Porém, há pessoas que não cabem nesta definição de refugiado, tal como o termo foi definido pela Convenção das Nações Unidas de 1951 mas que precisam da protecção internacional uma vez que estão em risco de serem vítimas de violência indiscriminada. Entre elas incluem-se, por exemplo, as pessoas que sofrem discriminação pelo seu género e orientação sexual, ou que estejam em risco de sofrerem práticas desumanas como a mutilação genital feminina, abortos forçados ou esterilização”, frisou Carmen Romero-Lopez, em comunicado emitido hoje pelo Grupo da Aliança Progressiva dos Socialistas e Democratas do Parlamento Europeu. “Mais: introduzimos uma definição mais abrangente do termo ‘familiar’ de forma a incluirmos não apenas os dependentes mas também os pais [das pessoas que pedirem asilo]”, acrescentou ainda a mesma eurodeputada.
REFERÊNCIAS:
Palavras-chave violência género sexual refugiado feminina discriminação
Morreu Maria Isabel Barreno, que “foi mais do que uma das 'Três Marias'"
Foi uma das autoras de Novas Cartas Portuguesas, uma das obras mais perseguidas pela ditadura e que abriu caminho para o debate sobre a igualdade de género. (...)

Morreu Maria Isabel Barreno, que “foi mais do que uma das 'Três Marias'"
MINORIA(S): Homossexuais Pontuação: 6 Mulheres Pontuação: 9 | Sentimento 0.5
DATA: 2016-12-31 | Jornal Público
SUMÁRIO: Foi uma das autoras de Novas Cartas Portuguesas, uma das obras mais perseguidas pela ditadura e que abriu caminho para o debate sobre a igualdade de género.
TEXTO: A investigadora e escritora Maria Isabel Barreno, que foi uma das "Três Marias" juntamente com Maria Teresa Horta e Maria Velho da Costa, morreu este sábado, aos 77 anos. A notícia foi avançada pelo Expresso e confirmada ao PÚBLICO por uma amiga. A cerimónia de cremação está marcada para este domingo, às 16h, no cemitério dos Olivais. Apesar da sua obra prévia, foi com as Novas Cartas Portuguesas, que escreveu a seis mãos com com Maria Teresa Horta e Maria Velho da Costa, em 1972, que Maria Isabel Barreno se tornou um nome incontornável da literatura portuguesa. O livro, acusado de pornografia e perseguido pelo Estado Novo, viria a estar no centro do processo que ficou conhecido como as "Três Marias". O julgamento durou dois anos e foi seguido de perto pela imprensa e pelos movimentos feministas internacionais, que organizaram manifestações de protesto juntos às embaixadas e consulados portugueses em Londres, Paris e Nova Iorque. A conclusão do caso ocorreu já depois da Revolução de 25 de Abril de 1974 e as três escritoras foram absolvidas. "Quando escrevemos as Novas Cartas Portuguesas, sabíamos que a obra em si já era uma ousadia, independentemente do vocabulário que viéssemos a usar – mas era o que nos interessava escrever naquela altura e por isso fomos para diante", recordava Maria Isabel Barreno ao PÚBLICO em 2009. A ideia de o livro acabar em tribunal, no entanto, não lhe passara pela cabeça: "Nunca pensei que o regime – até porque estávamos em pleno marcelismo e havia a ideia de que a abertura era outra – caísse na asneira de nos levar a tribunal. O destino mais comum dos livros era serem apreendidos, e até havia livrarias especializadas em livros proibidos, ninguém imaginava que o regime voltasse a cometer o erro que tinha cometido anos antes com a Natália Correia [condenada a três anos de prisão, com pena suspensa, pela publicação da Antologia de Poesia Portuguesa Erótica e Satírica, em 1966]. "“Nas novas cartas que as três Marias escreveram anonimamente, diversas vozes falam da condição da mulher, da sua submissão à ordem patriarcal e burguesa, de violência doméstica e de género, de aborto, violação, incesto, pobreza, censura, e de expressão sexual feminina”, escreveu o PÚBLICO em 2010, a propósito da reedição da obra em Portugal. As Novas Cartas Portuguesas adquiriram o estatuto de tratado sobre os direitos das mulheres em Portugal, mas acabaram por extravasar essa intenção inicial. “É um libelo contra todas as formas de opressão”, dizia ao PÚBLICO a académica e escritora Ana Luísa Amaral, autora das anotações à obra na reedição de 2010. Já depois da notícia da morte da escritora, Ana Luísa Amaral quis lembrar que “o contributo que Maria Isabel Barreno traz para as Novas Cartas Portuguesas tem mais a ver com a dimensão ensaística, que no caso dela é notável”, e terá sido muito importante para o diálogo que se foi gerando entre as três escritoras, “o que não quer dizer que tenha sido ela a escrever os textos de cariz mais ensaístico no livro”. Perceber as razões da tradicional inferiorização das mulheres face aos homens foi uma questão que a ocupou ao longo da vida, diz também Ana Luísa Amaral, mas a sua preocupação era sobretudo com o humano e ficou espelhada em O falso neutro: um estudo sobre a discriminação sexual no ensino (1985). “Os ensaios dela estão muito esquecidos e deviam ser reeditados", recomenda. Mas do ponto de vista do feminismo, que Maria Isabel Barreno inscreveu insistentemente na sua obra literária, a autora tem uma outra obra de referência: A Morte da Mãe. Escrito ao longo da década de 1970, e publicado em 1979 pela Moraes, é um importante estudo sociológico e filosófico sobre a evolução histórica da situação da mulher na sociedade. O editor da Caminho, Zeferino Coelho, considera que é o melhor da escritora, merecendo "figurar numa biblioteca do século XX”, disse ao PÚBLICO. É um “livro extenso e muito inteligente sobre a condição da mulher”, onde Maria Isabel Barreno faz “uma revisão de toda a problemática da mulher com muita inteligência” e com “uma escrita que serve essa inteligência”. Foi isso que mais impressionou o editor que o reeditou em 1989. [Maria Isabel Barreno era] "uma mulher excepcional, inteligentíssima, muito culta e muito leal"Também o editor João Rodrigues, da Sextante, que em 2009 publicou aquele que viria a ser o último romance da autora, Vozes do Vento, sublinha que Maria Isabel Barreno “foi mais do que uma das 'Três Marias'": "Era uma ficcionista com uma voz própria muitíssimo interessante, de uma sobriedade enorme. O romance e os contos são excepcionalmente bons”, disse ao PÚBLICO. Maria Teresa Horta, ainda em choque pela morte da amiga, lembrou-a à agência Lusa, como "uma mulher excepcional, inteligentíssima, muito culta e muito leal", e recordou A Morte da Mãe como uma obra muito importante que devia ser reeditada rapidamente. "Foram muitos anos desde que nos encontrámos a primeira vez e que eu lhe fiz uma entrevista para o jornal A Capital, para o suplemento literário, que era coordenado por mim", acrescentou. "Não é só um escritor, é um escritor com quem eu escrevi, e uma pessoa quando escreve com alguém é para sempre, é eterno, não há nada a fazer. A nossa eternidade é que, pelos vistos, como se vê pela Isabel, é muito curta", concluiu. Juntas, Maria Teresa Horta e Maria Isabel Barreno fundaram também o Movimento de Libertação das Mulheres. As feministas de um país oficialmente sem feminismoNuma nota de pesar enviada às redacções, o ministro da Cultura Luís Filipe Castro Mendes destacou a "voz activa" de Maria Isabel Barreno na defesa dos direitos das mulheres, acrescentando que "a riqueza do seu pensamento e o rigor dos seus princípios em muito contribuíram para termos hoje uma sociedade mais justa, livre e igualitária". Também o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, destacou que a obra de Isabel Barreno vai muito além das Cartas", apontando os romances, as novelas e os contos da autora que "procuram sempre uma forma de conhecimento da realidade portuguesa": "Conhecimento psicológico e sociológico, empírico e filosófico, em contexto quotidiano e doméstico ou em registo fantástico. E é esse conhecimento que fundamenta a recusa da dominação das mulheres e da submissão aos 'legítimos superiores'", diz uma nota publicada no site da Presidência. Maria Isabel Barreno nasceu em Lisboa em 1939. Estudou num colégio de freiras, o Colégio do Sagrado Coração de Maria. A leitura foi, como dizia, uma paixão precoce, motivada por uma doença aos seis anos. Começou por escrever poemas, que nunca publicou. Licenciou-se em Ciências Histórico-Filosóficas na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, trabalhou no Instituto Nacional de Investigação Industrial, foi jornalista (chegou a ser chefe de redacção da edição portuguesa da revista Marie Claire, lugar para o qual foi convidada por Maria Elisa) e conselheira na área cultural da embaixada portuguesa em Paris (a convite de Ana Benavente, em 1997), onde se radicou, tendo terminado funções com o Governo de Durão Barroso numa época em que enfrentou muitos problemas pessoais e morreu o seu filho mais novo. Foi mais do que uma das 'Três Marias'. "Era uma ficcionista com uma voz própria muitíssimo interessante, de uma sobriedade enorme. O romance e os contos são excepcionalmente bonsA sua geração literária, situa ao PÚBLICO Miguel Real, é a da década de 60, a mesma de que emergiram Isabel da Nóbrega, Urbano Tavares Rodrigues, Almeida Faria ou David Mourão-Ferreira enquanto contista. E esta foi uma geração muito desconstrutivista: “Os romances de Maria Isabel Barreno desconstroem toda a estrutura clássica do romance anterior”, aponta o escritor e crítico literário, repetindo que além das Novas Cartas Portuguesas Maria Isabel Barreno escreveu “um dos hinos feministas do romance em Portugal, A Morte da Mãe", em que opera uma ligação contínua entre filosofia e literatura. “É uma desconstrução de todas as instituições da família através do pai e da mãe, da escola através do professor, da política através da subversão do político; este romance-ensaio é um dos principais da obra dela”, frisa Real. Para o escritor, o outro romance nuclear da obra de Maria Isabel Barreno é O Senhor das Ilhas, de 1994, segundo volume da trilogia iniciada dois anos antes com O Chão Salgado. A autora já abdicara então de fazer "filosofia dentro do romance” e centra-se na história de um antepassado do seu pai que foi povoar o Sal, no arquipélago de Cabo Verde, introduzindo a exploração do sal numa ilha que até ali era uma colónia penal. “Aqui, embora fragmentariamente, aceita as narrativas clássicas: o tempo, o espaço, a acção e o contar uma história", nota Miguel Real. A obra de Maria Isabel Barreno vai da Sociologia (publicou Adaptação do Trabalhador de Origem Rural ao Meio Industrial Urbano em 1966; em 1968 foi co-autora do volume A Condição da Mulher Portuguesa, dirigido por Urbano Tavares Rodrigues) ao romance e ao conto e estende-se ao longo de 20 títulos. De noite as árvores são negras, de 1968, foi o primeiro romance, a que se seguiu, em 1970, Os Outros Legítimos Superiores (Folhetim de Ficção Filosófica), também publicado pela Europa-América. O seu livro de contos Os Sensos Incomuns (1993) recebeu o Grande Prémio de Conto Camilo Castelo Branco e o galardão do Pen Club; dois anos antes, o romance Crónica do Tempo venceu o Prémio Fernando Namora. Em 1998 publicou A Ponte com o pseudónimo de Ricardo Caeiro na Dom Quixote de Nelson de Matos, livro que em 2004 foi reeditado. Nessa altura, deu uma entrevista ao JL - Jornal de Letras em que explicava que quis fazer um jogo, tal como Doris Lessing em Inglaterra. "A ideia era saber se, com um nome desconhecido na capa, as pessoas conseguiam adivinhar de quem era o texto", dizia Maria Isabel Barreno à jornalista Maria Leonor Nunes. O livro que tinha uma cinta onde se dizia que era de um autor conhecido não teve grande repercussão. A académica Maria Alzira Seixo escreveu um texto sobre ele e, na altura, contava a escritora nessa entrevista, só uma pessoa tinha adivinhado de quem era o livro: "Inês Pedrosa, que nem conheço muito bem. Há pessoas que conheço melhor, que tinham obrigação de conhecer a minha escrita, e não adivinharam. De resto, as pessoas colaram-se à personagem-autora e tentaram imaginar um escritor, homem. . . ", dizia. O seu derradeiro romance, Vozes do Vento, publicado após uma pausa de 15 anos na escrita, aprofundaria a matéria biográfica que já havia abordado no anterior O Senhor das Ilhas (1994), ampliando a panorâmica não só sobre essa saga familiar, pessoal, como sobre a aventura colonial, com todas as suas violências e disfunções, e o nascimento de uma nação. Em 2010, editou ainda o livro de contos Corredores Secretos. Com Catarina Gomes e Inês NadaisSubscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Quando o medo ultrapassa a realidade: a história de um livro proscritoA igualdade que nem sequer foi tentadaNotícia alterada: a hora da cerimónia de cremação foi mudada das 17h para as 16h deste domingo
REFERÊNCIAS:
As intercalares nos EUA em quatro pontos. Da regeneração democrata ao recorde de mulheres eleitas
Câmara democrata e Senado republicano fazem antever dois anos de tensão no Congresso norte-americano. (...)

As intercalares nos EUA em quatro pontos. Da regeneração democrata ao recorde de mulheres eleitas
MINORIA(S): Homossexuais Pontuação: 6 Mulheres Pontuação: 9 | Sentimento 0.0
DATA: 2018-12-31 | Jornal Público
SUMÁRIO: Câmara democrata e Senado republicano fazem antever dois anos de tensão no Congresso norte-americano.
TEXTO: Numa das mais participadas e entusiasmantes eleições intercalares de sempre nos Estados Unidos, confirmaram-se as principais previsões: o Partido Democrata recuperou a Câmara dos Representantes e o Partido Republicano manteve o controlo do Senado. Este desfecho faz antever um duro combate político no Congresso norte-americano para os próximos dois anos e dá também o pontapé de saída para as eleições presidenciais de 2020. São estes os principais destaques da noite eleitoral de terça-feira:Pela terceira vez em 12 anos, o controlo da câmara baixa do Congresso dos EUA trocou de mãos. Em pleno processo de regeneração programática e identitária, o Partido Democrata deu esta terça-feira uma prova de força e conquistou a maioria da Câmara dos Representantes ao Partido Republicano, depois de um excelente desempenho nas grandes cidades e áreas urbanas dos EUA. Os democratas necessitavam de tirar 23 assentos aos republicanos para lograr a maioria e cumpriram o objectivo. Com pouco mais de 20 lugares por confirmar, o Partido Democrata já "roubou" 26 ao Partido Republicano. Uma maior vantagem sobre os republicanos dará aos democratas a margem de manobra necessária para fazer frente a Donald Trump — o pedido de divulgação das declarações de impostos deverá ser uma das primeiras medidas na nova câmara — e para o pressionar através, por exemplo, da ameaça do início de um processo de destituição. Na hora da vitória, a speaker do partido, Nancy Pelosi, anunciou “um novo dia” para os EUA e o regresso do controlo do Congresso ao Presidente, com a “restauração dos ‘checks and balances’ previstos pela Constituição”. Dos 35 lugares do Senado em disputa, 26 eram detidos por democratas, contra apenas nove dos republicanos, pelo que a vitória dos segundos na votação de terça-feira era expectável. E foi alcançada, depois de uma excelente prestação nas zonas rurais, nos estados tradicionalmente republicanos e junto das classes brancas trabalhadoras. Numa altura em que faltam quatro lugares por confirmar, o Partido Republicano pode inclusivamente aumentar a actual maioria (51-49), para uma diferença superior a três senadores. Uma possibilidade que lhe daria margem de manobra para ultrapassar tudo o que possa vir de uma incómoda Câmara dos Representantes democrata ou para aprovar nomeações importantes para os tribunais federais e para o Supremo Tribunal. O Partido Republicano conseguiu travar a onda de entusiasmo em redor do carismático Beto O’Rourke, no Texas — Ted Cruz manteve o lugar —, e, mesmo tendo perdido o Nevada para o Partido Democrata, conseguiu retirar-lhes pelo menos três senadores: no Indiana, no Missouri e no Dacota do Norte. Trump catalogou a noite eleitoral republicana como um “tremendo sucesso”. O fim do monopólio republicano no Congresso dos Estados Unidos e a confirmação, através do voto, de que o país continua profundamente dividido, abrem alas para o início da campanha para as eleições presidenciais, agendadas para 2020. Com caras novas e uma geração revigorada, bem-sucedida nestas intercalares, o Partido Democrata quererá encontrar entre as suas fileiras alguém que possa desafiar Trump. Ainda assim, terá pela frente um Senado previsivelmente mais comprometido com as políticas do seu Presidente e um Partido Republicano disposto a travar a ascensão de qualquer novo aspirante à Casa Branca. A sustentar a expectável concentração de republicanos em volta de Trump, durante os próximos dois anos, há um outro dado, trazido pelas midterms de 2018 e destacado pela NPR. Os candidatos republicanos que decidiram afastar-se do Presidente e fazer campanha sem ele foram muito castigados nas urnas. Carlos Curbelo (Florida), John Culberson (Texas), Kevin Yoder (Kansas), Barbara Comstrock (Virginia) e Mike Coffman (Colorado) são alguns dos exemplos apontados pela emissora que perderam os seus respectivos lugares na Câmara e que, com isso, fizeram notar a necessidade do Partido Republicano em ter de se agarrar ao seu líder máximo, para triunfar em 2020. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Os principais meios de comunicação norte-americanos já rotulam o ano de 2018 como “o ano da mulher”. Para além de terem votado mais do que o sexo oposto — 52% dos eleitores nas intercalares são mulheres, de acordo com as estimativas —, o sexo feminino está à beira de bater um recorde, com 96 mulheres na calha para a entrada na próxima Câmara dos Representantes, 76 delas oriundas do Partido Democrata. Os democratas destacaram-se ainda pela eleição massiva de jovens, muçulmanos e representantes de diferentes etnias e contextos sociais, particularmente nas zonas urbanas. Jarid Polis (Colorado), será o primeiro governador assumidamente homossexual; Ilhan Olmar (Minnesota) e Rashida Tlaib (Michigan) as primeiras mulheres muçulmanas a ser eleitas para a Câmara; Debra Haaland (Novo México) e Sharice Davids (Kansas), igualmente eleitas para a Câmara, serão as primeiras mulheres nativas-americanas no Congresso; e Alexandria Ocasio-Cortez (Nova Iorque) e Abby Finkenauer (Iowa), ambas com 29 anos, serão as mulheres mais novas de sempre na Câmara dos Representantes.
REFERÊNCIAS:
Entidades EUA
Condutores sauditas já não estavam habituados a ver mulheres ao volante
Apesar do risco, mais de vinte condutoras aderiram a campanha contra a proibição que vigora no reino islâmico. (...)

Condutores sauditas já não estavam habituados a ver mulheres ao volante
MINORIA(S): Homossexuais Pontuação: 6 Mulheres Pontuação: 9 | Sentimento -0.4
DATA: 2013-10-27 | Jornal Público
SUMÁRIO: Apesar do risco, mais de vinte condutoras aderiram a campanha contra a proibição que vigora no reino islâmico.
TEXTO: Nunca se vai saber ao certo quantas foram, mas foram mais de vinte as mulheres que desafiaram este sábado a autoridade do Ministério do Interior, da monarquia e da elite religiosa ultraconservadora da Arábia Saudita, participando – ao volante – num novo protesto contra a “tradição” que proíbe a população feminina de conduzir. May Al Sawyan foi uma das mulheres que aderiu à “campanha”, que teve origem numa “sugestão”: uma petição assinada por 17 mil pessoas a favor do direito das mulheres a conduzir. Num vídeo de quatro minutos, colocado na página de YouTube da campanha, pode ver-se Sawyan, de óculos escuros mas sem esconder a cara, a dirigir um automóvel em Riad, acompanhada apenas pela repórter de uma estação televisiva que registou o acontecimento. “Foi uma volta pequena, e correu tudo bem, Só fui até ao supermercado e de volta para casa”, explicou à Associated Press pelo telefone. O gesto de “rebeldia” poderia ter tido consequências sérias: as autoridades avisaram que as prevaricadoras (e também os seus “cúmplices”) seriam objecto de sanções, mas May Al Sawyan estava disposta a enfrentar o risco. “Sinto-me muito feliz e orgulhosa por ninguém ter reagido contra mim. Percebi olhares de surpresa em alguns dos carros na direcção oposta, mas percebo perfeitamente: ninguém está já habituado a ver uma mulher ao volante”, lembrou. A “campanha”, assim denominada uma vez que os protestos políticos são ilegais na Arábia Saudita, foi a terceira desde 1995. Nesse ano, a contestação levou à detenção de 50 mulheres, que além de verem os seus passaportes confiscados também perderam os empregos. Em 2011, uma nova manifestação em várias cidades também terminou com detenções: sob pressão da comunidade internacional, o rei Abdullah acabou por perdoar a pena de Shaima Jastaniya, de 34 anos, condenada a dez chicotadas por conduzir em Jidá. Não há nenhuma lei ou regulamento a determinar que a condução de veículos está vedada à população do género feminino. A proibição resulta de uma fatwa do Grande Mufti, a principal autoridade religiosa, que nos anos 90 decretou que a condução expunha as mulheres à tentação. Dez anos mais tarde, quando se pôs a hipótese de rever esse edital, uma nova “recomendação” do supremo conselho religioso Majlis al-Ifta al-Aala, que alertou para uma “perigosa” relação de causalidade: nas sociedades onde as mulheres foram autorizadas a conduzir, o “declínio moral” e o “caos social” acentuaram-se. Um relatório que foi entregue à Shura, a assembleia legislativa do reino, apontava algumas das consequências devastadoras do levantamento da proibição: o fim da virgindade, o aumento da pornografia, homossexualidade e divórcio. No Twitter, multiplicaram-se as manifestações de apoio à “luta” das mulheres sauditas pelo direito à condução vindas do mundo inteiro. Agregadas pela etiqueta #women2drive, milhares de mensagens ironizavam com a situação – um dos posts mais populares foi publicado pelo músico, actor e activista Hisham Fageeh, que inventou uma nova letra para a melodia do jamaicano Bob Marley, com o título No Woman, No drive –, enquanto outras mostravam fotografias de mulheres ao volante, condenando a “opressão” e a “discriminação” reservada às sauditas.
REFERÊNCIAS:
Palavras-chave lei mulher comunidade social género mulheres feminina discriminação divórcio
Somos raparigas, somos negras!, diz Céline Sciamma, que é branca
Abertura eufórica da Quinzena dos Realizadores com Bande de Filles. O corpo delas a falar pela banlieue. (...)

Somos raparigas, somos negras!, diz Céline Sciamma, que é branca
MINORIA(S): Homossexuais Pontuação: 6 Mulheres Pontuação: 9 | Sentimento -0.10
DATA: 2014-05-16 | Jornal Público
SUMÁRIO: Abertura eufórica da Quinzena dos Realizadores com Bande de Filles. O corpo delas a falar pela banlieue.
TEXTO: Somos raparigas, somos negras!, Céline Sciamma faz a sua declaração no palco da Quinzena dos Realizadores. Mas ela não é negra, ela é branca, uma francesa da classe média e com longínquas origens italianas. No perfil que dela traçou o Le Monde, Céline é colocada no limite do normcore, essa espécie de fashion statement (ou é apenas uma piada?) que pugna pela diluição na invisibilidade. To fit in em vez de stand out. Um pós-qualquer coisa…Céline não é negra, mas as personagens do seu filme, Bande de Filles, e as suas exuberantes actrizes, que subiram com ela ao palco na sessão de abertura da secção Quinzena dos Realizadores, são. Mas Céline faz corpo com o bando, tudo nos seus filmes participa de uma forma de ligação sensual ao grupo, quer seja em La Naissance des Pieuvres (2009), em que o desejo homossexual irrompia no seio de uma equipa de natação sincronizada, ou em Tomboy (2013), história de uma menina que se fazia passar por rapaz durante um Verão para pertencer ao bando de miúdos do bairro. Tem sido assim na vida de Céline, das manifestações à forma como participa como consultora dos argumentos dos amigos realizadores passando pela equipa de futebol feminino que criou com as amigas (e em que participa Marie Amachoukeli, uma das realizadoras de Party Girl, o filme que abriu a secção Un Certain Regard). Céline diz sentir um élan forte por “essa forma de encarnação muito física do político”. Se há élan em Bande de Filles está aí, precisamente, na evidência dos corpos, na forma como falam. Esta é a história do desabrochar de uma adolescente de um bairro da periferia parisiense – pai ausente, mãe afogada pela necessidade de trazer dinheiro para casa, irmã mais pequena para cuidar, irmão com a missão de velar pela respeitabilidade familiar, o que o torna às vezes alguém activo em tornar o ambiente caseiro disfuncional. Até que Marieme encontra três bad girls vestidas pelo rock’n’roll e desfrisadas pelo R’n’B e que lhe propõem uma viagem até ao centro, Paris. A viagem vai mudar tudo, até o nome de Marieme, que se passará a chamar Vic, de Victory. E assim é como se La Haine, de Mathieu Kassovitz, filme que explodiu aqui em Cannes há quase duas décadas, fosse fosse actualizado pelo romantismo que está na origem da metamorfose das mulheres dos filmes de Jane Campion. Num cenário, a banlieue parisiense, que participa da realidade mas que a ultrapassa, fazendo dele uma tela em branco onde é possível investir com uma arquitectura de cores e sensualidade. Um pós-qualquer coisa também, depois dos filmes sobre a banlieue com rapazes, um filme na banlieue com raparigas. Não é só o género que muda, há qualquer coisa da ordem da superação na forma de juntar os temas do costume para falar da banlieue: o corpo delas a tomar posse de Diamonds, de Rihanna, é assim que o filme fala. Diz-se que Céline Sciamma é das mais enérgicas realizadoras da sua geração, começa a estar em todo o lado e neste momento está a escrever o argumento do próximo filme de André Téchiné. A recepção a Bande de Filles na abertura da Quinzena foi empática e física. Estes devem ser momentos intensos para um cineasta. Mas a experiência da euforia é sempre triste, porque traz consigo um sabor a fim. Apesar da exuberância à flor da pele (ou se calhar por causa dela), Bande de Filles é um filme que não consegue prometer que vai ficar connosco para todo o sempre. Essa foi uma experiência de empatia, de euforia – condenadas que possam estar. Captive, de Atom Egoyan (concurso), é qualquer coisa próxima do grotesco. Alguém diz no filme, uma personagem a outra, quando esta desenvolve uma teoria qualquer sobre um rapto, que ela andou a ver muitos filmes. Atom Egoyan andou a ver muitas séries de televisão, dessas que normalizam o vírus Twin Peaks dentro delas. No papel, um projecto que promete: examinar como o passado (um rapto) marca ao longo de vários anos a vida de várias personagens, dos pais da vítima ao casal de investigadores encarregados do caso, passando pela própria vítima e pelo seu raptor. O passado e o trauma são um tema de Egoyan, como a violação da privacidade, como o voyeurismo… Tudo isto está aqui, mas com a velocidade das rotinas, com a convicção apenas do plot e de como levá-lo até ao fim – e o fim, em que o filme parece apodrecer a sua própria rotina, é mesmo a desagregação de todas as hipóteses de poder ser convencido (experiencia, pelo menos, este espectador).
REFERÊNCIAS:
Palavras-chave adolescente violação género espécie mulheres corpo homossexual negra rapto
FoxLife e Priberam propõem revisão da palavra “mulher” no dicionário
Simone de Oliveira, Gisela João, Luís Buchinho, Vanessa Fernandes, Raquel Oliveira e José Avillez convidados a dar o seu testemunho sobre a evolução do termo e do papel social das mulheres. (...)

FoxLife e Priberam propõem revisão da palavra “mulher” no dicionário
MINORIA(S): Homossexuais Pontuação: 6 Mulheres Pontuação: 8 | Sentimento 0.0
DATA: 2018-05-28 | Jornal Público
SUMÁRIO: Simone de Oliveira, Gisela João, Luís Buchinho, Vanessa Fernandes, Raquel Oliveira e José Avillez convidados a dar o seu testemunho sobre a evolução do termo e do papel social das mulheres.
TEXTO: O canal televisivo FoxLife e o dicionário online Priberam lançaram esta quarta-feira o desafio aos portugueses de alterar a definição da palavra “mulher” no dicionário, através da acção A palavra mulher definida por nós. Apesar da evolução do papel da mulher na sociedade, o seu significado ainda não reflecte essa mudança nos dicionários, segundo dizem os autores da iniciativa em comunicado enviado à Lusa, continuando a ser “demasiado redutor, simplista e até associado a expressões e palavras de cariz depreciativo”. No dicionário online Priberam, a palavra mulher encontra-se definida por “pessoa adulta do sexo feminino; cônjuge ou pessoa do sexo feminino com quem se mantém uma relação sentimental e/ou sexual; pejorativo: mulher pública: meretriz”. Até 16 de Maio, todos podem contribuir para a revisão da palavra “mulher” através do site www. palavramulher. pt, onde irão estar reunidos e partilhados todos os contributos. No final, os linguistas da Priberam irão analisar as propostas para a revisão da palavra, que ficará disponível a 22 de Maio. As cantoras Simone de Oliveira e Gisela João, o designer de moda Luís Buchinho, a atleta Vanessa Fernandes, a cientista Raquel Oliveira e o chef José Avillez foram as personalidades convidadas para dar o seu testemunho sobre o papel da mulher na sociedade e a definição da palavra em 2018. Contactada pela Agência Lusa, Cláudia Pinto, linguista da Priberam, admite que também a palavra “homem” pode conter actualmente um significado redutor e que poderá vir a ser revista. Contudo, afirma que “para já, a iniciativa está destinada à palavra ‘mulher’”. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Segundo o dicionário Priberam, homem é “[Biologia] mamífero primata, bípede, com capacidade de fala, e que constitui o género humano”; “Indivíduo masculino do género humano depois da adolescência”; “[Figurado] Humanidade, género humano”; “Pessoa do sexo masculino casada com outra pessoa, em relação a esta”; “Pessoa do sexo masculino com quem se mantém uma relação sentimental e/ou sexual” e “Conjunto das pessoas do sexo masculino”. Na opinião de Cláudia Pinto, apesar de um dicionário não poder filtrar a realidade à medida de quem o faz ou de quem o lê, branqueando usos preconceituosos ou pejorativos de determinadas palavras, sejam eles de género, raça, orientação sexual ou de qualquer outro tipo, pode e deve ser o mais neutro, abrangente e inclusivo possível. Luís Fernambuco, gestor da FoxLife em Portugal, defende a importância da iniciativa para que “a definição de mulher não se baseie apenas em lugares-comuns ou em ideias feitas”.
REFERÊNCIAS:
Palavras-chave mulher homem sexo género sexual raça
A "geração Morangos" e a morte do artista
Na parede junto ao balcão do bar Porão de Santos está afixada a lista dos shots: Bacanal, Orgia, Orgasmo, Broche, Chupa no Grelo. Todos à base de vodca, rum e gim. São duas da manhã e, dentro e fora do bar, nas mesas da esplanada ou de pé à porta, há dezenas de jovens de 15, 16 anos. Alguns notoriamente mais novos. Os rapazes de cabelos compridos e penteados complicados, as raparigas de saltos altos e roupas exíguas. (...)

A "geração Morangos" e a morte do artista
MINORIA(S): Homossexuais Pontuação: 6 Mulheres Pontuação: 3 | Sentimento 0.0
DATA: 2011-07-04 | Jornal Público
SUMÁRIO: Na parede junto ao balcão do bar Porão de Santos está afixada a lista dos shots: Bacanal, Orgia, Orgasmo, Broche, Chupa no Grelo. Todos à base de vodca, rum e gim. São duas da manhã e, dentro e fora do bar, nas mesas da esplanada ou de pé à porta, há dezenas de jovens de 15, 16 anos. Alguns notoriamente mais novos. Os rapazes de cabelos compridos e penteados complicados, as raparigas de saltos altos e roupas exíguas.
TEXTO: O empregado sai com uma bandeja cheia de shots para uma mesa. Ele, a decoração do bar, a zona onde está situado - o Largo de Santos, junto ao teatro A Barraca e ao bar Estado Líquido - não se parecem nada com os cenários da série Morangos com Açúcar. Os jovens, sim. Os cabelos, as roupas, os gestos, os tiques de linguagem, tudo parece copiado da série da TVI. "São péssimos, mas eu adoro", diz Mafalda, 19 anos, a respeito dos "Morangos". É estudante, tal como as três amigas que a acompanham, todas entre os 18 e os 19 anos - Francisca, Inês e Teresa. "Não representam a nossa geração. " Quer dizer, talvez representem, mas "representam mal", corrige. "O povo real, a juventude, não são assim. Aquilo são maus actores, e as histórias não dão bons exemplos. "As quatro amigas enumeram as críticas, embora conheçam de cor todas as personagens e episódios. "É sexo atrás de sexo", diz uma. "A minha mãe proibia-me de ver. É mau exemplo. " Outra tem a comentar que as histórias são pobres e sempre iguais, o que se deve à escassez de actores e personagens. "Devia haver mais", sugere. "Dantes era melhor", diz outra. Todas admitem que adoravam quando eram mais novas. Aos 12, 13 anos, não perdiam um episódio. Identificavam-se. Agora já não. "As personagens só pensam em sexo. Miúdas de 16 anos a fazer sexo. " Acham mal, não gostam, não se sentem identificadas. Mas vêem. "São momentos de estupidez nos intervalos do estudo", explica uma. "Talvez no Seixal as pessoas se identifiquem mais. "Encontram outro grupo que desce a rua que vem do Largo do Conde-Barão, onde várias lojas de conveniência decidiram vender bebidas alcoólicas e se transformaram em bares de rua. Aqui, na Avenida D. Carlos I e na subida da Rua das Janelas Verdes, há milhares de jovens na rua, dentro ou à porta dos bares, em grupos barulhentos, circulando de um lado para o outro, muitos visivelmente embriagados, à medida que nos aproximamos das 3, 4 da manhã. No interior de alguns carros, estacionados em locais estrategicamente pouco visíveis mas de onde se pode ver bem a zona, alguns homens de meia-idade esperam pacientemente. Pelo ar aborrecido vê-se que não são pedófilos, nem polícias à paisana tentando identificar os bares que vendem álcool a menores. São pais que esperam que os filhos terminem a noitada, enquanto os vigiam mais ou menos discretamente. "Aquilo é ridículo. Os alunos da escola todos a dançar. Ninguém faz isso. Nas escolas da vida real as pessoas não passam a vida a dançar. " Sofia e Madalena têm 16 anos. Dizem que viam e gostavam dos "Morangos" quando tinham 11, 12 anos. "Agora é só gays, maricas, ordinarices. " Juntam-se três rapazes, José, Diogo e David, de 19 anos, estudantes do 1. º ano de Direito. Concordam com as amigas quanto à parte dos "gays e ordinarices". Viam a série quando eram mais novos. "Foi importante para todos nós. Eles era como se fossem nossos amigos. Além dos nossos amigos reais havia também aqueles, não fazíamos distinção. "Não gostavam dos D"zrt, a banda criada pelos produtores dos "Morangos" que depois saltou para a vida real e de que fazia parte Angélico. Mas ouviam, e foram a concertos. "A música não era má. Eu reconheço que era boa música", diz José, dividido entre uma certa obrigação de denegrir a "cultura Morangos" e a necessidade pessoal de defender a série e a música com as quais cresceu. "Eles levavam muita gente atrás, não há dúvida. " Ao contrário dos amigos, que ambicionam apenas ser advogados, José pertence à Juventude Popular e não descarta a possibilidade de vir a "servir o país", se necessário. No bar Refúgio das Freiras está tudo a dançar, incluindo as empregadas atrás do balcão, tão jovens como os clientes. As bebidas aqui têm um nome que não engana: balde. Balde de Cerveja, Balde de Vodca, Balde de Caipirinha. A porta está guardada por dois seguranças que não perguntam a idade a ninguém.
REFERÊNCIAS:
Palavras-chave homens escola cultura sexo estudo
Devemos proibir as crianças de ver os filmes onde a princesa é beijada por um desconhecido?
No 90.º aniversário do rato Mickey, olhamos para a evolução das princesas da Disney, uma das marcas mais rentáveis e bem-sucedidas do mundo de Walt Disney. (...)

Devemos proibir as crianças de ver os filmes onde a princesa é beijada por um desconhecido?
MINORIA(S): Homossexuais Pontuação: 6 Mulheres Pontuação: 16 | Sentimento 0.0
DATA: 2018-12-27 | Jornal Público
SUMÁRIO: No 90.º aniversário do rato Mickey, olhamos para a evolução das princesas da Disney, uma das marcas mais rentáveis e bem-sucedidas do mundo de Walt Disney.
TEXTO: Quando uma princesa é beijada por um desconhecido no meio de um bosque e isso lhe salva a vida, que mensagem estamos a passar às crianças?A história remonta à primeira longa-metragem de animação da Disney: A Branca de Neve e os Sete Anões. Depois de provar uma maçã envenenada pela vilã da história, a invejosa Rainha Má, Branca de Neve desmaia e assim fica até que o beijo do “verdadeiro amor” a salve. O beijo acaba por chegar, quando Branca de Neve está deitada na floresta. Chega sem que Branca de Neve conheça sequer o Príncipe. Keira Knightley, a actriz norte-americana que interpreta Elizabeth Swann na saga da Disney Piratas das Caraíbas, afirmou recentemente numa entrevista ao talk-show Ellen que tinha uma lista de filmes na sua “lista negra” e que não iria mostrar à filha de três anos. Entre eles estão Branca de Neve e Cinderela que, diz “esperou que um homem rico a viesse salvar”. “Não, isso é completamente errado. Salva-te a ti própria, obviamente!”, vincou. Os dois filmes inserem-se numa das primeiras fases das princesas Disney, que a investigadora Juliana Garabedian, da universidade norte-americana James Madison, insere na fase de “pré-transição”. No estudo “Papéis de Género na animação: Como é que a Disney está a redefinir a Princesa Moderna”, a investigadora divide a evolução das princesas em três fases. A primeira arranca precisamente com o lançamento de Branca de Neve e os Sete Anões em 1937 e vai até à Bela Adormecida, em 1959. Nestes filmes, que a investigadora Charlote Krolokke do Centro de Estudos Culturais da Universidade da Dinamarca do Sul define como a “primeira onda de feminismo”, o papel da mulher nas sociedades estava confinado às tarefas domésticas — um retrato óbvio em Cinderela, responsável por todas as tarefas domésticas da família da madrasta e duas irmãs e de Branca de Neve, que limpa a casa aos Sete Anões. “Estes papéis de género são afirmados nas acções das princesas e mostram um período em que a Disney seguia o que era expectável de uma sociedade predominantemente machista”, lê-se no estudo. Voltemos à Branca de Neve. “O que poderia ser a história de uma jovem na sua descoberta pessoal acaba por ser um retrato da mulher enquanto doméstica, que limpa a casa a sete homens, aceita um presente ‘sem autorização’, e precisa do beijo do Príncipe Encantado para sobreviver”, escreve Juliana Garabedian. Mónica Canário, coordenadora do movimento HeForShe em Portugal, uma campanha lançada em 2014 pela UN Women na defesa dos direitos humanos, defende que “proibir os filmes da Disney não é solução”. Num workshop dirigido a pais e mães com dúvidas sobre o papel destes filmes de animação na educação das crianças, Mónica Canário lembra que “é preciso ver, para que depois se possa contextualizar e fazer a distinção entre o certo e errado”, usando os filmes como “uma ferramenta de explicação de conceitos que não ensinados nas escolas”. “A Branca de Neve fazia sentido em 1937. Não faz agora. Mas não é por isso que os nossos filhos não a devem ver. A Disney é óptima para perceber a progressão dos direitos das mulheres. ” Nos anos 50, nota a coordenadora do HeForShe, a imagem da mulher em tarefas domésticas é continuamente reproduzida em anúncios publicitários e associada a utensílios de cozinha e produtos de limpeza. Foi a partir dessa data que as mulheres começaram a conquistar os seus primeiros direitos, como o direito ao voto. “A Pequena Sereia também é outro exemplo problemático. Abdicou daquilo que lhe permitia expressar-se. A voz”, continua Mónica Canário, que é também investigadora do Centro de Estudos Internacionais do ISCTE, no Instituto Universitário de Lisboa. No filme, a sereia Ariel troca a voz por pernas para poder conhecer o príncipe Eric. No momento em que consente o sacrifício, questiona como irá conseguir falar com ele. A resposta? Terá de usar a beleza. Ariel, que no filme tem apenas 16 anos, aceita e deixa a família. No entanto, este filme já se insere num ciclo mais moderno: o de transição. Nesta categoria estão também A Bela e o Monstro (1991), Aladdin (1992), Pocahontas (1995), Mulan (1998), A Princesa e o Sapo (2009) e Entrelaçados (2010). “Enquanto a Bela escapa como norma como uma mulher que gosta de ler, dizer o que pensa e é corajosa o suficiente para ir salvar o pai, é reduzida a um papel de personagem dependente quando poderia ter sido a heroína”, escreve Garabedian. Ainda assim, já se começa a destacar alguma evolução no feminismo das personagens. “Sempre vi os filmes e isso não quer dizer que vá ser mais machista. Importa sim explicar às crianças. Por exemplo, no caso da Branca de Neve ou Bela Adormecida, deve explicar-se que não devemos beijar ninguém sem consentimento. E a partir daí explicar a palavra consentimento. ”A viragem é a Mulan. Apesar de arrancar com uma visita à casamenteira e ter a música I’ll Make a Man Out of You, que em português encontra uma versão mais soft com Vais lutar, ela “é a primeira personagem feminina da Disney que mata o vilão” e torna-se a heroína independente da história, aponta Mónica Canário. Disfarçando-se de homem para poder entrar no Exército no lugar do pai, Mulan torna-se no melhor soldado. Salva o pai (e a China) e prova que uma mulher é tão capaz quanto um homem. “Há também a Tiana [A Princesa e o Sapo], a primeira personagem afro-americana, que é empreendedora nata, onde a figura do pai está muito presente na vida dela. Nesta fase, há uma evolução também das personagens masculinas, que ganham mais emoções. Depois há o pormenor do pote das gorjetas que ela vai somando, mostrando que tu podes ser o que quiseres, desde que trabalhes para isso”, continua a investigadora. Também em Pocahontas vemos, tal como em Aladdin, um casamento arranjado. No entanto, a filha do chefe da tribo recusa o casamento e escolhe o seu próprio destino. E no final, opta por ficar com o seu povo e deixar partir John Smith. Mas a grande revolução chega com Brave (2012), uma história sobre uma princesa que recusa casar-se com alguém para se poder tornar rainha. Numa viagem guiada pela busca de independência, a protagonista torna-se na sua própria heroína e dispensa um amor-romântico, focando-se na sua relação com a família, especialmente com a mãe, adepta de tradições conservadoras. “A Merida, não tem o cabelo liso, não é loura, nem tem um físico de princesa-tipo, com uma cintura vespa, da largura de uma agulha. Tem o cabelo desgrenhado e reivindica que não vai casar com ninguém”, continua Mónica. Também em Frozen, um dos maiores recentes sucessos da Disney (foi o filme de animação mais lucrativo de sempre, superando os 1, 2 mil milhões de dólares só em bilheteiras em todo o mundo), a história do amor entre duas irmãs que se salvam uma à outra mostra o poder das novas princesas. Numa das cenas, Anna tem de escolher entre salvar-se com o beijo de Krostoff (sim, outra vez) e salvar a irmã. A jovem princesa escolhe salvar a irmã. Neste filme há ainda outra cena importante, onde a Disney faz uma espécie de mea culpa em relação aos seus anteriores casamentos entre príncipes e princesas, quando Elsa censura Anna por querer casar com alguém que acabou de conhecer. Apesar da evolução das personagens nas histórias ao longo dos anos, Mónica Canário não considera que a Disney seja progressista. “O que a Disney faz é acompanhar a sociedade, também o faz para não ficar para trás. Era o que iria acontecer se não houvesse representatividade. Mas não dá o passo à frente. ” Esse passo à frente seria, por exemplo, representar Elsa [Frozen] como uma personagem homossexual. “O facto de criares empatia, de dares uma casa ao problema, muitas vezes é a forma mais rápida de chegar as pessoas. As crianças precisam dessa representatividade. Precisam de saber que aquelas pessoas existem. Que não está errado e até aparece no filme. A representatividade é tudo. ”Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Mas quando se devem começar a discutir estes assuntos? De acordo com a investigadora Christine Macintyre no livro Enhancing Learning through Play (Introduzir a aprendizagem através de brincadeiras), é aos cinco anos de idade que “as crianças transitam da fase de empatia com os personagens e começam eles próprios a personificar os protagonistas das histórias”. “Não vale a pena confundir a criança. Estas conversas têm sempre de ter em atenção a idade e a própria sensibilidade das crianças. Com isto podem introduzir-se conceitos chave que dificilmente vão ser falados nas escolas. Eu andei na escola pública e não me lembro destes temas serem falados. Não falamos de feminismo, machismo, abuso, assédio ou até de voto”, sustenta. “Isto não ser falado na escola é mau, é péssimo. Só a partir da faculdade é que se começa a falar. Os filmes podem e devem ser usados como ajuda aos pais. ”“A princesa moderna da Disney é independente, corajosa e heróica. As audiências contemporâneas precisam de ver personagens femininas fortes que conseguem estar ao lado dos personagens masculinos”, vinca Juliana Garabedian. “Ao fazê-lo, a Disney encoraja a ideia de igualdade entre géneros e ajuda a construir a aceitação universal de não deixar que sejamos definidos pela forma como nascemos, mas pelas nossas acções. ”
REFERÊNCIAS:
Mais de 80% dos polícias defendem que prostituição deve ser legalizada
Estudo analisou as percepções de agentes policiais sobre quem se prostitui. A maioria declarou sentir pena, sobretudo quando a prática daquela actividade procura colmatar carências financeiras. (...)

Mais de 80% dos polícias defendem que prostituição deve ser legalizada
MINORIA(S): Homossexuais Pontuação: 6 Mulheres Pontuação: 14 | Sentimento 0.5
DATA: 2014-12-18 | Jornal Público
SUMÁRIO: Estudo analisou as percepções de agentes policiais sobre quem se prostitui. A maioria declarou sentir pena, sobretudo quando a prática daquela actividade procura colmatar carências financeiras.
TEXTO: A prostituição devia ser legalizada, segundo 82% dos polícias inquiridos num estudo apresentado esta quarta-feira, em Coimbra, durante as I Jornadas Científicas sobre Trabalho Sexual em Portugal. A necessidade de garantir maiores condições de segurança aos trabalhadores sexuais e os benefícios daí decorrentes ao nível da saúde pública são dois dos principais argumentos pró-legalização, segundo o estudo Percepções de Polícias sobre a Prostituição feito por Sofia Matias, no âmbito do mestrado integrado de Psicologia, da Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade do Porto. A amostra é reduzida. Abrangeu 34 agentes, a trabalhar em média há cerca de 21 anos, no Porto e em Vila Nova de Gaia, dos quais a maioria com o secundário completo. A maioria (79%) mostrou conhecer a legislação portuguesa sobre a prostituição, a qual, não sendo crime, também não está legalizada. Apesar disso, 15% dos agentes inquiridos consideraram que tanto a prostituição como a sua exploração são crime. “O conhecimento insuficiente da lei verificado num pequeno número de polícias pode conduzir a erros na sua intervenção em situações que não são verdadeiramente crime”, alerta a autora do estudo, para concluir pela necessidade de garantir a formação contínua dos agentes no que concerne estas questões. Entre os que defenderam a legalização da prostituição, houve quem aludisse à aceitação da actividade como profissão, usando argumentos relacionados com direitos laborais e civis. A possibilidade de os trabalhadores do sexo fazerem descontos para a Segurança foi também defendida por vários inquiridos, a par dos benefícios que tal legalização poderia trazer para o Estado por via de contribuições e impostos. A necessidade de controlo das pessoas envolvidas na actividade foi outro dos motivos aduzidos a favor da legalização, com vários agentes a defenderem a existência de espaços próprios e devidamente identificados para se praticar a prostituição, com o devido controlo sanitário. “Se houver casas próprias para a actividade, as autoridades conseguem controlar melhor as pessoas que estão envolvidas”, justificou um agente. Considerando que o estatuto da prostituição “ainda é um pouco obscuro, uma vez que é despenalizada mas não é legal, nem aceite como profissão”, Sofia Matias conclui que “talvez esteja na altura de se ponderar fazer uma revisão” da lei para dar aos trabalhadores do sexo “a protecção e os direitos que lhes são negados”. A tese não é nova e ganhou nova força discursiva, quando, em Junho, o Instituto Nacional de Estatística anunciou que a prostituição ( mas também o tráfico e o contrabando) passarão a contar para o cálculo do Produto Interno Bruto (PIB). Actualmente, a prostituição não é legal nem ilegal. Simplesmente, não existe na lei. Recorrer a uma prostituta também não é crime. O único criminoso é aquele que instiga a prostituição visando obter proveitos. Nem sempre foi assim. Em 1853 foram criados vários regulamentos sanitários de meretrizes que impunham a obrigatoriedade de matrícula e o porte de um livrete individual de registo de inspecções periódicas. Só em 1962 é que a prática foi proibida. O que “não veio melhorar as condições sanitárias nem morais da população”, segundo lembra Sofia Matias, antes deixou as prostitutas “mais desprotegidas e mais vitimizadas”. Em 1983 a prostituição foi despenalizada e o lenocínio, esse sim, tipificado como crime, “com o intuito de evitar o fomento, favorecimento ou facilitação da prostituição”. Porém, apesar das mudanças na lei “as atitudes moralistas e o controlo social e policial continuam a existir, ainda que de forma subtil”. Por parte da própria polícia, aliás, entre cujos agentes prepondera uma visão negativa da actividade. Questionados quanto aos sentimentos que experimentaram no contacto com quem se prostituía, a maioria dos agentes declarou sentir pena. “A compreensão surge apenas uma vez”, analisa a autora. Da análise das respostas dadas, Sofia Matias conclui que as concepções da polícia sobre quem se prostitui variam consoante os motivos que levaram alguém à prostituição. “Se esses motivos forem considerados válidos pela polícia, a pessoa que se prostitui é compreendida e desculpabilizada”. Porém, se o polícia considerar que os motivos são fúteis ou injustificáveis, “há uma culpabilização ou condenação moral”. E também há diferenças género a assinalar na percepção dos polícias: os agentes tenderam a desculpabilizar mais as mulheres que se prostituem do que os homens. Porquê? A prostituição masculina é mais vezes associada a luxuria ou a tendências homossexuais, “enquanto a prostituição feminina é mais relacionada com questões de carência financeira”.
REFERÊNCIAS:
Palavras-chave crime direitos homens lei educação social prostituição sexo género estudo sexual mulheres feminina ilegal prostituta