Despesa da Presidência do Conselho de Ministros aumenta 13 por cento devido aos Censos
A despesa total consolidada da Presidência do Conselho de Ministros aumenta 36,8 milhões de euros em 2011, mais 13,1 por cento em relação à estimativa de execução prevista para 2010, devido à realização dos Censos 2011 (...)

Despesa da Presidência do Conselho de Ministros aumenta 13 por cento devido aos Censos
MINORIA(S): Migrantes Pontuação: 6 Ciganos Pontuação: 6 Mulheres Pontuação: 6 Homossexuais Pontuação: 6 | Sentimento -0.12
DATA: 2010-10-16 | Jornal Público
SUMÁRIO: A despesa total consolidada da Presidência do Conselho de Ministros aumenta 36,8 milhões de euros em 2011, mais 13,1 por cento em relação à estimativa de execução prevista para 2010, devido à realização dos Censos 2011
TEXTO: Segundo o Orçamento do Estado para 2011 entregue no Parlamento, a despesa total consolidada da Presidência do Conselho de Ministros cresce dos 281, 3 milhões de euros estimados para 2010 para 318 milhões de euros em 2011. O aumento é justificado com a “inscrição da dotação específica afecta à realização do Censos 2011, no montante de 43, 2 milhões de euros”. As verbas destinadas ao funcionamento em sentido estrito "sofrem uma redução de 8, 8 por cento, resultado que traduz as medidas de contenção da despesa”, lê-se no documento. No âmbito das políticas sob alçada da Presidência do Conselho de Ministros, no processo de simplificação administrativa Simplex continuará “a expansão da rede de Lojas do Cidadão de segunda geração a mais concelhos” e estão “previstas mais de 600 medidas” do Simplex autárquico. Ao nível da integração dos imigrantes está previsto o arranque do projecto de obras do novo Centro Nacional de Apoio ao Imigrante, em Lisboa bem como “a execução das medidas previstas no II Plano de Integração de Imigrantes. Está contemplada a “formação e da colocação de mediadores interculturais em serviços públicos”, bem como “junto das comunidades ciganas, através de parcerias com a sociedade civil e as autarquias, reforçando a colocação de mediadores ao nível municipal”, sendo também “consolidada a quarta geração do Programa Escolhas, que envolve cerca de 97000 crianças e jovens. Em 2011, o Governo iniciará a execução do IV Plano Nacional para a Igualdade -Cidadania e Género, do IV Plano Nacional contra a Violência Doméstica, o II Plano Nacional contra o Tráfico de Seres Humanos, o II Programa de Acção para a Eliminação da Mutilação Genital Feminina, e o IV Plano Nacional para a Igualdade Cidadania e Género. Para “aprofundar os mecanismos de protecção e de apoio às vítimas de violência doméstica” será “aperfeiçoada a implementação da tele-assistência a vítimas, através da rede nacional de casas de abrigo e das estruturas de atendimento”, entre outras medidas. Nas áreas da orientação sexual e identidade de género, são contempladas “acções de sensibilização para profissionais de saúde, educação e forças de segurança, bem como campanhas de sensibilização para o público em geral”. Nas políticas dedicadas à Juventude, “continuará a ser requalificada e rentabilizada a Rede Nacional de Pousadas da Juventude” e será dada continuidade do acesso ao “crédito à habitação para os jovens através do programa Porta 65 para o arrendamento jovem” bem como os “programas de colocação de jovens quadros com o objectivo de promover o emprego dos recém-licenciados”, entre outras medidas. A actividade da Comissão para as Comemorações para o Centenário da República, “prolongar-se-á por 2011, até à data do centenário da primeira Constituição republicana”, coma realização de “acções mais pontuais”.
REFERÊNCIAS:
Palavras-chave humanos violência educação igualdade género sexual doméstica feminina imigrante
Mais uma vez: o ascenso do "trumpismo" nacional
É um problema para a direita, que detesta o seu lado revolucionário e anticonservador, mas que o aceita muito mais do que o pode admitir. (...)

Mais uma vez: o ascenso do "trumpismo" nacional
MINORIA(S): Migrantes Pontuação: 6 Asiáticos Pontuação: 2 Mulheres Pontuação: 6 Homossexuais Pontuação: 6 | Sentimento 0.0
DATA: 2017-02-15 | Jornal Público
SUMÁRIO: É um problema para a direita, que detesta o seu lado revolucionário e anticonservador, mas que o aceita muito mais do que o pode admitir.
TEXTO: Falar de Donald Trump é a coisa mais importante sobre a qual se pode falar nestes dias. Tudo o resto parece menor e é efectivamente menor, e sinto-me quase escapista se falar de política doméstica face ao que está a acontecer ao mundo. Problemas na “geringonça”? Certamente que há, mas valem pouco. As desventuras de Passos Coelho no PSD? Sem dúvida que as há, mas também há muita imaginação criadora sobre o seu isolamento no PSD, pelo menos no aparelho do PSD. Os “afectos” do senhor Presidente? Esses enchem o mundo e são muito inócuos. As peripécias da banca? Sem dúvida que são importantes, irão ao nosso bolso, mas temos tempo para voltar a elas. A confusão do "Brexit"? Bom, aqui começamos a tocar em coisas mais importantes. A perplexidade europeia face ao ascenso de gente como a senhora Le Pen? Bom, aqui começamos a ter de falar muito a sério. O crescente caos no mundo, entre uma Rússia ascendente, um Irão enervado, uma China a preparar uma variante qualquer da “tortura chinesa” para os americanos? Sim, aqui já não é só preocupações, começamos a sentir o perigo. Perigo mundial, como há muito tempo não se via. E aqui já estamos claramente no domínio de Trump e dos efeitos da sua revolução. É por isso que falar de Trump é a coisa mais importante sobre a qual se pode falar nestes dias. E como falamos para Portugal, quando muito com efeitos caseiros, é de Trump em Portugal que tem interesse falar. Isto, porque Trump é a mais grave consequência de muitos anos de desleixo político em nome de uma certa “economia” política, da crise da social-democracia, que se impôs depois de 2008, e que pode ter efeitos muito perigosos, mas pode também ter efeitos benéficos. Trump polariza, a seu favor e contra, e esse efeito polarizador maximizará os seus apoiantes, mas também fará sair de uma longa letargia os seus adversários. Trump teve a vantagem de não permitir qualquer benefício da dúvida e de ser tão claro no sentido da sua intervenção, que provocou uma imediata reacção negativa, que, um pouco por todo o lado, tem vindo em crescendo. Esse fenómeno é global e não permite muitas hesitações. Theresa May viu isso, quando as suas ambiguidades na visita que fez a Trump a obrigaram a ter de usar no Parlamento britânico uma linguagem condenatória que tinha evitado usar nos EUA. A conversa irritada que teve o primeiro-ministro australiano com Trump e o cancelamento da visita do Presidente do México mostram que a paciência com Trump não existe em quase lado nenhum. Se é assim em cima, é muito mais em baixo. Será que são “radicais”, como acusa a direita portuguesa aos que não dão qualquer benefício de dúvida a Trump? Na linguagem simplista que, quer queiramos quer não, faz algum sentido na política redutora dos nossos dias, Trump é de esquerda ou de direita? A resposta é muito clara: Trump é de direita, de uma direita agressiva e pouco democrática, proteccionista e pouco liberal, que da política quer a opinião das massas, mas não quer os procedimentos da democracia e o primado da lei, ou seja, usa a demagogia, a irmã perversa da democracia, para um caminho perigosamente autoritário. Vejamos o seu programa: proteccionismo e nacionalismo económico, desregulação, fim de toda a legislação gerada depois da crise de 2008 para travar os excessos financeiros da banca, baixa dos impostos sobre os negócios, fim de qualquer regulamentação que limite a actividade das empresas e de Wall Street, fim de mecanismos de almofada contra a pobreza como era o Obamacare, etc. , etc. Ou seja, um programa que, com excepção do proteccionismo e nacionalismo económico, é da direita, incluindo a direita liberal. Há uma divergência com uma direita que se tornou internacionalista e partidária do livre comércio, da procura de salários baixos com a deslocalização das empresas, e a quem não agrada o “rasgar” dos tratados de comércio, mas para eles Trump reserva o seu comportamento de bullying, que até agora parece ter dado alguns resultados. Depois há as questões de costumes, os direitos das mulheres, dos homossexuais, o aborto e o planeamento familiar, o papel crescente das Igrejas evangélicas na vida política, um grupo de questões que são típicas da agenda da direita. E, por fim, um dos aspectos mais importantes, está o estilo autoritário de permanente ameaça, vingança ou retaliação, no limiar da legalidade e dos procedimentos aceitáveis em democracia. Estranhamente, não vejo muitos protestos contra factos que roçam a ilegalidade, como seja o convite para se “irem embora” aos mil funcionários do Departamento de Estado que assinaram um documento de divergência da política de Trump usando um mecanismo previsto pela própria lei interna, isto é, usando um direito garantido até hoje pelo departamento de que são funcionários. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. De facto, se retirarmos o seu proteccionismo e o consequente isolacionismo americano, que explica a sua aproximação a Putin, que aplaude com todas as mãos; as suas reservas quanto à NATO, que Putin também aplaude com os pés e com as mãos, a política de Trump segue um padrão típico da direita em matérias de política interna. O que sobra do intervencionismo americano é errático e incoerente: o combate total ao ISIS, não se sabe como, mas certamente com os russos, após a legitimação do governo de Assad, a aproximação aos ultras israelitas, a belicosidade com o Irão e a China, que também não afectam o quadro geral dos interesses russos, e afastamento dos seus aliados tradicionais na Europa e na Ásia. Se exceptuarmos a aproximação à Rússia, o resto é muito pouco coerente, mas traduz o desinteresse que Trump tem pela política internacional. Neste contexto, Trump é um problema para a direita, que detesta o seu lado revolucionário e anticonservador, mas que o aceita muito mais do que o pode admitir. Aliás, é interessante verificar que, quase sem excepção, os artigos escritos à direita em Portugal sobre Trump têm como motivação muito mais a crítica aos críticos de Trump do que a crítica a Trump. Embora não possa garantir ter lido todos, ainda estou para ver um artigo, comentário, declaração vindo da direita portuguesa que seja apenas… contra Trump. E não faltam motivos. O que há é ataques aos que atacam Trump, e depois desgosto com a personagem, mas a economia da indignação vai para os “radicais” que o atacam, muitas vezes colocados no mesmo plano. Outra variante é dizer que Trump está a fazer o mesmo que fez Obama ou Clinton, só que gabando-se, em vez de esconder a mão, como eles fizeram. Na aparência pode ser verdadeiro, como é o caso do muro com o México que já existia, mas toda a gente sabe que, no domínio simbólico da política, o muro de Trump, “pago” pelos mexicanos como sinal da sua culpa colectiva, é uma coisa completamente diferente do de Obama. Do mesmo modo, há uma diferença abissal entre “banir” a entrada de imigrantes ilegais, e ter todo o cuidado com a imigração de zonas de conflito, e “banir” as entradas de países muçulmanos porque são muçulmanos. E mesmo assim “banir” só os países muçulmanos onde Trump não tem negócios, e não aqueles como a Arábia Saudita que efectivamente exportaram mais terroristas para os EUA e para todo o Médio Oriente. Trump chegou à presidência americana num período de geral radicalização da direita e de destruição do centro. Trump e a direita portuguesa partilham os inimigos. Ora, na lógica dos mecanismos redutores da política dos dias de hoje, essa direita vai-se encostar cada vez mais a ele, tanto mais quanto Trump pareça ir perder, porque os seus adversários são os seus, e os inimigos dos meus inimigos meus amigos são. A comunidade de adversários é, em tempos de crise, um poderoso factor de aproximação. Será muito pouco bonito de ser ver, mas vai-se ver, ou melhor, já se está a ver.
REFERÊNCIAS:
Morreu Alvin Toffler, autor de Choque do Futuro
Autor norte-americano previu vários desenvolvimentos económicos e tecnológicos. (...)

Morreu Alvin Toffler, autor de Choque do Futuro
MINORIA(S): Migrantes Pontuação: 6 Asiáticos Pontuação: 2 Homossexuais Pontuação: 6 Africanos Pontuação: 6 | Sentimento 0.0
DATA: 2016-12-31 | Jornal Público
SUMÁRIO: Autor norte-americano previu vários desenvolvimentos económicos e tecnológicos.
TEXTO: O escritor e analista social Alvin Toffler, autor de obras de sucesso que inspiraram vários dirigentes mundiais, morreu em Los Angeles aos 87 anos, anunciou nesta quarta-feira a empresa de consultoria por ele fundada. O autor morreu na segunda-feira, diz um comunicado da Toffler Associates, sem explicar as causas da morte. Na sua obra mais célebre, Choque do Futuro, publicada em 1970, Alvin Toffler debruçou-se sobre as mudanças sociais esperadas no mundo. A Terceira Vaga (1980) e Os Novos Poderes (1990) foram outros dos seus best-sellers. Ao longo da sua carreira, ele previu vários desenvolvimentos económicos e tecnológicos, como a clonagem, a popularidade dos computadores pessoais, a aceleração da transmissão de informação, a invenção da Internet e da televisão por cabo, além do advento dos casamentos entre homossexuais. Foi ele que popularizou a expressão “excesso de informação”. Vários dirigentes mundiais, como o ex-Presidente soviético Mikhail Gorbatchov ou o ex-secretário-geral do Partido Comunista chinês Zhao Ziyang, confessaram ter sido inspirados pelos livros de Toffler e revelaram que o consultaram mesmo nos anos 1980. O multimilionário mexicano Carlos Slim afirmou que conseguiu antecipar e apostar em sectores com potencial de crescimento graças às teorias de Toffler, de quem era amigo. Publicado em 50 países, Choque do Futuro vendeu 15 milhões de exemplares. O funeral de Toffler em Los Angeles será uma cerimónia privada, estando prevista a realização posterior de uma homenagem pública. Alvin Toffler nasceu a 4 de Outubro de 1928, em Nova Iorque. Filho de emigrantes polacos, cresceu na zona de Brooklin, com a irmã mais nova. O pai era comerciante de peles e foram os tios – um editor e uma poeta, que viviam na mesma casa que os Toffler –, que fizeram com que um muito jovem Alvin quisesse escritor. “Eles eram intelectuais da era da [Grande] Depressão e estavam sempre a falar de ideias entusiasmantes”, recordou Toffler, numa entrevista dada há dez anos ao The New York Times para o obituário que o jornal agora publicou. Aos sete anos, pouco depois de ter aprendido a ler e escrever, Alvin começou a escrever poemas e ficção – dois géneros para os quais, haveria de descobrir mais tarde por entre várias tentativas de escrita, não tinha vocação. Em 1946, Toffler entrou na Universidade de Nova Iorque, para estudar inglês. Tinha menos interesse pelas aulas do que pelo activismo político, contou àquele jornal. Uma das causas que defendia então eram os direitos da população negra nos EUA. Dois anos mais tarde, conheceu Adelaide Elizabeth Farrell (também conhecida por Heidi e “uma loira deslumbrante”, nas palavras de Toffler). Viriam a casar-se em 1950. A mulher foi fundamental para a obra Toffler. Trabalhou com eles nos livros e, embora as primeiras obras, que o notabilizaram como grande pensador, tenham sido assinadas apenas por ele, mais tarde o autor divulgou que se tratava de um trabalho conjunto. Nas obras mais recentes, Já surge o nome de Heidi e esta é apresentada como sendo co-autora dos livros anteriores. “‘Nós’ não é o habitual plural majestático dos autores”, explicou Toffler numa entrevista televisiva há vários anos. “‘Nós’ é, na verdade, duas pessoas. E a outra pessoa é a minha mulher. ”A influência de Heidi começou, porém, muito antes da escrita do primeiro livro. Foi ela que o convenceu a terminar o curso e decidiram depois mudar-se para a cidade industrial de Cleveland. Alvin queria – à semelhança de escritores que admirava, como Jack London e John Steinbeck – ter experiências antes de começar a escrever. Cada um arranjou emprego numa fábrica e começaram a reflectir sobre a produção em massa. Toffler trabalhou alguns anos como soldador e reparador de máquinas. Em 1954, tiveram uma filha (a única do casal, morreu em 2000) e o então operário, percebendo que não conseguia escrever boa ficção ou poesia, decidiu avançar para outra forma de escrita. Arranjou emprego a escrever para uma revista especializada em soldadura. Pouco depois, foi contratado como repórter num jornal de distribuição nacional editado por um sindicato de tipógrafos e daí seguiu para um jornal diário. Em 1959 deu o salto para uma publicação de renome e tornou-se o editor para assuntos laborais e colunista da revista Fortune, em Nova Iorque. Esteve na Fortune cerca de três anos, antes de sair para se tornar um escritor freelancer para revistas e outras publicações. Em 1960 foi contratado pela IBM para escrever um artigo sobre o impacto a longo prazo dos computadores. Na altura, estas máquinas existiam apenas em ambiente académico e empresarial e a era dos computadores pessoais estava a duas décadas de distância. Toffler, no entanto, era ecléctico nos temas que abordava. Um dos seus conhecidos trabalhos enquanto freelancer naquela altura é a entrevista ao escritor russo Vladimir Nabokov, autor de Lolita. Foi publicada em Janeiro de 1964, na revista Playboy. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. No final daquele ano publicou o seu primeiro livro, que reflecte sobre a produção e o consumo de cultura nos EUA, numa altura em que a economia do país estava em crescimento e uma fatia considerável da população tinha satisfeitas as necessidades materiais básicas. Com o sucesso de Choque do Futuro, em 1970, os Tofflers dão um novo passo na carreira de pensadores e haveriam de lançar vários livros nas décadas seguintes. Em 1996, já com uma grande reputação, especialmente entre gestores, criam a Toffler Associates, uma empresa de consultoria. Notícia actualizada às 17h43 de 30/06/2016.
REFERÊNCIAS:
Entidades EUA
Porque é que não comemos cães?
“Comum a todas as ideologias violentas é o fenómeno do saber sem saber”. Quem o diz é a activista vegan norte-americana Melanie Joy, para quem comer carne é uma dessas ideologias violentas – ela chama-lhe "carnismo". (...)

Porque é que não comemos cães?
MINORIA(S): Migrantes Pontuação: 6 Africanos Pontuação: 2 Mulheres Pontuação: 6 Homossexuais Pontuação: 6 Animais Pontuação: 13 | Sentimento 0.0
DATA: 2018-11-30 | Jornal Público
SUMÁRIO: “Comum a todas as ideologias violentas é o fenómeno do saber sem saber”. Quem o diz é a activista vegan norte-americana Melanie Joy, para quem comer carne é uma dessas ideologias violentas – ela chama-lhe "carnismo".
TEXTO: Comer carne não é apenas uma opção — é uma ideologia. Melanie Joy, professora de Psicologia e Sociologia na Universidade de Massachusetts e autora do livro Porque Gostamos de Cães, Comemos Porcos e Vestimos Vacas (Bertrand Editora), defende que, para encararmos de frente a questão, temos de a poder nomear: ela chama-lhe “carnismo”, palavra que, diz, “já está na Wikipédia e em diferentes dicionários”. O argumento é simples: se não lhe dermos um nome, não a veremos como ideologia, é apenas o “normal”. E para Melanie, que é também fundadora da associação Beyond Carnism e co-fundadora da ProVeg International, não há nada de normal na relação que hoje mantemos com os animais. “Quando um comportamento — neste caso, comer animais — se torna uma escolha e não já uma necessidade, assume uma dimensão ética que não tinha antes. ”É pela psicologia que tenta provar aquilo que vê como uma profunda contradição, a dualidade com que nos relacionamos com o mundo animal, criando uma enorme empatia com algumas espécies e massacrando milhares de milhões de outras para as comer. “A maior parte das pessoas pensa que é cruel massacrar um golden retriever perfeitamente saudável só porque gostamos do sabor das pernas dele”, explica numa conversa com o P2 durante a sua recente visita a Portugal para fazer uma palestra no festival VeggieWorld. É precisamente com o exemplo do cão (noutro país, não ocidental, poderia ser uma espécie diferente) que começa o seu livro. Descreve um jantar de amigos, ambiente acolhedor, uma “travessa fumegante de um apetitoso guisado”. Todos estão deliciados com a carne e alguém pede a receita, ao que o anfitrião responde: “Começamos com 2, 5 quilos de carne de golden retriever. ” A frase é o suficiente para congelar o gesto de levar o garfo à boca. “Se formos como a maior parte dos norte-americanos, ao sabermos que estávamos a comer um cão, as nossas sensações vão passar automaticamente de prazer a um certo grau de repulsa”, escreve a autora. Porque é que não temos o mesmo tipo de empatia com outros animais?O cenário de produção de carne a nível industrial que Melanie Joy descreve no livro — no qual refuta também argumentos como o de que os animais não sofrem, não sentem dor ou medo — é impressionante. Destinados exclusivamente a serem transformados em alimento, os animais criados para este fim têm vidas muito curtas, durante as quais sofrem continuamente. Um artigo do The Washington Post de 2011, assinado por Joby Warrick e citado no livro, incluiu a entrevista a um trabalhador de um matadouro que explicava que, embora o gado devesse chegar já morto à sala de corte, frequentemente isso não acontecia. “Eles pestanejam. Fazem barulhos, mexem a cabeça, arregalam os olhos e olham em volta”, descrevia o funcionário, que continuava a cortá-los. “Eles morrem pedaço a pedaço. ”Esqueçamos as vacas por um momento e vejamos o que se passa em algumas produções onde se amontoam milhões de galinhas: “Como as galinhas têm sido geneticamente modificadas para porem dez vezes mais ovos do que as suas antepassadas, os seus frágeis ossos partem-se com frequência, visto o cálcio do esqueleto ser desproporcionalmente desviado para a formação das cascas dos ovos. Uma outra consequência desta selecção artificial para a produção de quantidades antinaturais de ovos é o prolapso uterino. Quando um ovo fica agarrado à parede uterina, pode trazer o útero com ele ao sair. A não ser que seja recolocado no corpo da galinha, o útero será alvo das bicadas das outras galinhas, levando-a a sangrar até à morte ou a perecer devido às infecções; em ambos os casos, a galinha costuma morrer ao fim de dois dias. ”Um exemplo de algo que pode horrorizar um leitor ocidental é a descrição dos restaurantes sul-coreanos onde se come carne de cão, retirada de uma reportagem de 2002 do jornal britânico The Telegraph: “A morte dos cães é tão desumana como a sua criação. Quase todos são espancados até à morte, pois acredita-se que tal estimula a produção de adrenalina, vista pelos homens coreanos como estimulante para a sua virilidade. Uma vez mortos ou quase mortos, os cães são atirados para água a ferver, esfolados e pendurados pela mandíbula num gancho de carne. Muitos cozinheiros usam então um maçarico para lustrar a carcaça. ”E, para quem não estiver já profundamente perturbado, Melanie acrescenta ainda descrições sobre a vida dos trabalhadores da indústria da carne (muitos deles imigrantes ilegais), que classifica como “o emprego fabril mais perigoso nos EUA, sendo também o mais violento”. Para além do desgaste emocional provocado pelo facto de se trabalhar num ambiente em que animais estão permanentemente a ser massacrados, existem muitos riscos físicos, das quedas aos cortes e amputações. “Em 2005, pela primeira vez, a Human Rights Watch publicou um relatório em que criticava um sector específico dos EUA — o sector da carne — por nele vigorarem condições de trabalho tão chocantes que violavam os direitos humanos básicos. ”Por fim, a questão da higiene (e mais uma vez as referências no livro são sobretudo relativas aos EUA, embora a autora diga que, com algumas diferenças na legislação e nas regras, a situação na Europa é também grave). Se a carne pudesse ter avisos na embalagem semelhantes aos do tabaco, segundo Melanie seriam algo como isto: “O animal convertido neste produto pode ter sido alimentado com gatos e cães mortos para o efeito; com penas, cascos, pêlos, pele, sangue e intestinos processados; com animais mortos por atropelamento, com estrume, com granulados de plástico extraídos dos estômagos de vacas mortas; com carcaças de animais da sua própria espécie. ”“Sabemos que a produção de carne é um negócio sujo”, escreve. “Mas preferimos não saber quão sujo é. (. . . ) Comum a todas as ideologias violentas é o fenómeno do saber sem saber. ” Esta realidade é, de vez em quando, denunciada numa reportagem ou num filme, mas a maior parte das pessoas, ainda que suspeitando que ela existe, prefere ignorá-la, afirma Melanie. Ela própria começou por ser “a rapariga da pizza apaixonada por carne”. Pedia sempre pizza com todo o tipo de carnes e ainda extra queijo. Só mais tarde começou a aperceber-se de uma contradição. “Eu era ao mesmo tempo uma consumidora de carne e uma pessoa que se preocupava com os animais”, explica ao P2. “Não fazia a ligação entre as duas coisas e quando finalmente a fiz fiquei tão chocada que quis contar a toda a gente o que tinha aprendido sobre a produção industrial de carne. ” Foi então que se lhe deparou “uma terrível resistência em relação ao que [lhe] parecia ser uma informação verdadeiramente importante”. As pessoas pareciam não querer ver, nem ouvir. Esta descoberta levou-a a estudar mais profundamente a psicologia da violência e da não-violência. “Queria saber porque é que pessoas boas voltam as costas a problemas sérios, permitindo que eles continuem a existir e a proliferar. ”Se pensarmos nesta questão em termos mais alargados, podemos questionarmo-nos sobre até que ponto esta vontade de não ver nos pode levar a assumir certos posicionamentos políticos — e Melanie não tem problemas em usar neste livro a palavra “holocausto” para se referir ao que está a acontecer a milhões de animais todos os dias. “Entrevistei talhantes, cortadores de carne, comedores de carne, pessoas que criavam e matavam os seus próprios animais para alimentação. Todas tinham os mesmos comportamentos contraditórios, preocupavam-se com eles, mas massacravam-nos e comiam-nos. ” Percebeu, então, que “algo maior devia estar a acontecer”: “A única explicação para este paradoxo generalizado tinha de ser um sistema de crença espalhado, ou seja, uma ideologia. ”Mas, questionamos, comer carne não foi algo que fizemos desde sempre? Se é uma ideologia, como é que começou e quem a propagou? “As ideologias não têm de nos ser vendidas. Podem simplesmente desenvolver-se ao longo do tempo, baseadas na forma como nos relacionamos com o poder. Se pensarmos no sistema patriarcal ou no sexismo como uma ideologia, não houve alguém a vender a ideia de superioridade masculina”, argumenta. “É um conjunto de ideias que começou há muito tempo e foi crescendo, porque um grupo de pessoas, neste caso os homens, tinha poder e agarrou-se a esse poder. ”O que aconteceu depois, segundo Melanie, foi que todo o sistema passou a assentar num mecanismo quase invisível, uma “indústria de milhares de milhões de dólares” que tem todo o interesse em manter o mundo a consumir enormes quantidades de carne. E o grande trunfo deste sistema é a sua invisibilidade. A máquina trituradora de animais é mantida longe dos olhares de quem os vai comer. No entanto, mesmo quando a morte acontece à nossa frente, não nos mostramos tão chocados como seria expectável — basta pensarmos na matança do porco, tradicional em países como Portugal, ou na forma como os animais mortos, inteiros, são apresentados nos talhos. “Para algumas pessoas, a questão é não ver fisicamente, com os olhos”, argumenta. “Para outras, é não ver com o coração. A visibilidade é física, mas também emocional. E as pessoas têm uma capacidade extraordinária para se tornarem insensíveis. No passado, viam a matança de humanos, o tempo todo, à frente delas. Eram insensíveis a isso. Usamos mecanismos de defesa psicológicos. ”As pessoas que lidam directamente com o negócio da carne, que trabalham nos matadouros, por exemplo, são das que mais usam esses mecanismos de defesa. “Os carniceiros que entrevistei têm como trabalho transformar os animais mortos em pedaços de carne, mas quando recebiam os animais, eles nunca tinham cabeças. Eles estavam completamente habituados àquele trabalho, não os incomodava nada, excepto quando, ocasionalmente, um animal chegava ainda com a cabeça. Isso era muito perturbador, porque viam os olhos dele e estabeleciam uma relação emocional que tornava mais difícil manter a distância. ”Quando perguntamos a alguém porque é que, sabendo as condições em que os animais vivem e morrem e conhecendo o impacto que a produção industrial de carne tem no ambiente, continua a comê-la, muitas das respostas assentam em duas ideias principais: porque é “natural” e porque é “cultural”. E estes argumentos parecem ser mais fortes do que os primeiros. Porquê?“É aquilo que aprendemos. É uma ideia, um mito que herdámos, geração após geração. Lemos sobre isso, vemos na televisão, a nossa família diz-nos isso, a religião diz-nos isso, ouvimos a mensagem, uma e outra vez, repetidamente. Por isso, nem questionamos até que ponto é racional. ”Todavia, há na natureza animais que são herbívoros e outros que são carnívoros, contrapomos. O aparelho digestivo humano tem capacidade para digerir carne e derivados, portanto será “natural” fazê-lo. “Sim, os nossos aparelhos digestivos permitem isso, mas também sabemos que dietas com excesso desses ingredientes podem fazer-nos adoecer. ” Dá outros exemplos de adaptação do organismo humano: “Os nossos corpos não foram feitos para viver em climas nórdicos, onde temos de acender aquecedores, ou em climas muito quentes, onde temos de ligar o ar condicionado. Há muitas coisas que fazemos hoje que não fazíamos na natureza, e isso não as torna boas nem más. Não somos os mesmos seres que éramos, quando tínhamos de caçar a nossa comida. ”Melanie defende, por outro lado, que o argumento da tradição — por exemplo, comer peru no Natal ou no Dia de Acção de Graças — é facilmente contornável. “A tradição tem que ver sobretudo com a família estar junta, celebrando, ouvindo as histórias uns dos outros. O que comem não é assim tão importante. ”Quanto à identidade nacional e gastronómica, que em muitos países está profundamente ligada à carne, acredita que “a cultura é dinâmica, não é estática”. “Tal como um casamento, a cultura não fica igual o tempo todo, cresce, desenvolve-se. É, no fundo, uma relação entre milhões de pessoas. Se pensarmos nisso à escala mais pequena, como a do casamento, percebemos que a relação muda, as coisas que eram normais no passado deixam de ser normais. Há tantas coisas que deixámos de fazer — nos EUA enforcavam pessoas, na Roma antiga celebravam os assassinatos públicos. Evoluímos. ”Outro argumento que contesta é o utilizado por quem critica a indústria alimentar para apresentar uma versão romantizada da morte de animais selvagens (a caça) ou que vivem em condições aceitáveis (aqueles que a indústria, e não só, apelida de “felizes”). Para Melanie, isso é uma falácia. “De certa forma, é ainda pior matar um animal feliz, que quer continuar a viver e que estabeleceu laços com outros. Não é racional. Mais uma vez, se nesse raciocínio substituirmos a vaca, o porco ou a galinha por outro animal, vemos que não é racional. Não é respeitável matar um ser vivo só porque queremos comer as pernas dele, mesmo não precisando disso para sobreviver. ”A activista vê, contudo, sinais de mudança. E alguns deles vindos até da indústria. O marido de Melanie, que, tal como ela, está ligado à ProVegg International, deu uma conferência para produtores de carne na Europa e detectou alguns desses sinais. “Disseram-lhe que o objectivo deles não é necessariamente vender proteína animal, querem vender produtos de proteína, seja vegan ou animal. Muitas dessas empresas começaram já a vender produtos vegan. ” Na Alemanha, onde vive, “o mais antigo produtor de salsichas do país começou a fazer salsichas vegetarianas”, depois de ter concluído que “as salsichas são o cigarro do futuro”. Há já muitas pessoas a reduzir o consumo de carne, ou a abandoná-lo definitivamente, mesmo que o façam com motivações diferentes, algumas pela preocupação com o bem-estar dos animais, outras pelo ambiente e outras ainda pela saúde. “Mas”, sublinha, “no fundo são tudo questões éticas. ” “A forma como tratamos os nossos corpos também é uma questão ética. Não temos de fazer uma escolha entre o nosso corpo e os animais ou entre o nosso corpo e o ambiente. ”Sabe que “o mundo não vai tornar-se vegan de um dia para o outro”, até porque estamos a falar de “uma profundíssima transformação social na forma como nos relacionamos com os animais e com a nossa comida”. Mas o movimento está aí, mesmo que “ainda não tenhamos todas as respostas”. Uma das respostas que não temos é para esta pergunta: se não precisarmos de criar certas espécies de animais para a nossa alimentação, será que elas vão continuar a existir? Melanie confessa que não sabe. Questionamo-la também sobre os desequilíbrios que existem no planeta relativamente a esta questão. Se no mundo ocidental é possível haver um número crescente de pessoas a afastar-se da carne, em países como a Índia e a China, com todo o impacto que têm pela força dos números, o consumo de carne está a aumentar à medida que as condições de vida o permitem. Tal como aconteceu na Europa no passado (e ainda acontece em grande medida hoje), a carne é vista como um sinal de riqueza e de estatuto. Sim, reconhece, mas “mesmo a China está a tentar reduzir o seu consumo de carne”. O problema, segundo Melanie, é que a grande indústria alimentar “está a exportar os seus problemas para as nações em desenvolvimento, ou seja, o carnismo está a exportar os seus problemas”. O que lhe dá esperança é que tanto na China como na Índia já existem “grupos activistas que estão a tentar despertar as consciências para que os seus países não sofram os mesmos problemas de diabetes, doenças cardíacas e de ambiente que os nossos enfrentam há tanto tempo”. Estão também a surgir alternativas para substituir o consumo de carne, tal como existe hoje. Uma delas é a carne feita em laboratório, a partir de células retiradas aos animais. Por enquanto, este processo ainda está no início e o primeiro hambúrguer feito a partir de células de bovinos custava uma fortuna. Mas, com o desenvolvimento da técnica, os seus promotores acreditam que um pedaço desta carne, que não implica a morte de um animal, poderá atingir um preço bastante razoável. Melanie, que se apresenta como uma “grande foodie”, considera-a “interessante como alternativa”, mas por enquanto está mais entusiasmada com os produtos semelhantes à carne mas feitos à base de vegetais. “A comida é a minha paixão e descobri que a dieta vegan me permitiu apreciar o que como a um nível completamente diferente. ”A mudança pode não ser tão rápida como ela desejaria; para isso talvez seja preciso uma nova geração. “É geralmente assim que a mudança progressiva acontece. Com cada geração as coisas tornam-se mais fáceis e mais normais. Vemos isso com o feminismo, o anti-racismo, os temas LGBT. ” No entanto, mesmo pessoas mais velhas mudam de hábitos e de ideias — ela acredita que quando envelhecemos nos tornamos mais aquilo que já éramos e que se sempre fomos abertos à mudança, seremos ainda mais. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Até lá, porém, continuaremos a ver muitas reacções. “Uma forma de defender o carnismo é criar uma série de mitos sobre os vegans, estereótipos negativos, para desacreditar a mensagem, apresentando-os como militantes que querem limitar a liberdade de escolha de cada um. ”Apesar disso, as coisas estão a melhorar entre os vegan e não-vegan e uma certa tensão que existia no passado tende a esbater-se — até porque há cada vez mais quem se aproxime desse tipo de alimentação sem ter de abandonar completamente a outra. “Muitas vezes pensamos que ou somos vegan e parte da solução ou não somos vegan e fazemos parte do problema. É importante ver o carnismo e o vegetarianismo num espectro e o lugar que ocupamos nesse espectro é menos importante do que a direcção em que estamos a caminhar. Eu encorajo as pessoas a serem tão vegan quanto possível, de uma forma que encaixe com elas. ”Tudo isto leva-a a ter uma convicção: a alimentação no futuro será diferente do que é hoje. “Para mim isso é muito claro, quando olho a trajectória do veganismo. O carnismo está a seguir outros ismos, como o sexismo. Acredito que um dia o veganismo vai substituir o carnismo como ideologia dominante. E nessa altura nem será uma ideologia, será simplesmente a forma como as pessoas comem. ”
REFERÊNCIAS:
Prendam o Trump! E não faltam motivos para isso
Não sei como vai ser, mas não vai ser bom e se a gente não usa todas as armas da democracia vai perder. (...)

Prendam o Trump! E não faltam motivos para isso
MINORIA(S): Migrantes Pontuação: 6 Africanos Pontuação: 2 Mulheres Pontuação: 2 Homossexuais Pontuação: 6 | Sentimento -0.06
DATA: 2018-12-31 | Jornal Público
SUMÁRIO: Não sei como vai ser, mas não vai ser bom e se a gente não usa todas as armas da democracia vai perder.
TEXTO: “Lock her up! Lock her up!”(Grito de guerra dos comícios de Trump contra Hillary Clinton)Só há uma coisa importante sobre a qual se pode escrever hoje em dia: o Presidente dos EUA, Donald Trump. Dele vai depender quase tudo o que se passa no mundo em 2019: a crise da Europa, a paz do mundo, a situação no Médio Oriente, a corrida aos armamentos, a contínua ascensão de Putin, a economia global, as instituições como a ONU, a Unesco, a UNICEF, as agências humanitárias internacionais, a nova guerra cultural contra as mulheres e a comunidade LGBT, a independência e a separação dos poderes nos EUA, a politização da justiça e das forças armadas, a democracia em muitos países, a democracia nos EUA, de um modo geral o grau de violência que o mundo vai ter sob todas as formas. Muitos destes conflitos não foi Trump que os criou, mas em todos Trump acrescentou factores de agravamento e, nalguns casos, trouxe as franjas mais radicais para o seu lado, para o centro dos conflitos de uma forma que era inimaginável há poucos anos. Os supremacistas brancos, os grupos racistas anti-imigrantes, as redes e os locais de conspiração e calúnia (como o InfoWars e o Breitbart) junto dos quais a comunicação social mais tablóide brilha de sensatez e limpeza, os “operadores políticos” especialistas em operações de desinformação (como Roger Stone), os agentes estrangeiros que, ao serviço dos seus governos, oferecem a desinteressada ajuda a Trump para ganhar eleições e atacar os seus adversários com hackers e fake news e mesmo os assassinos sauditas legitimados pelos cheques da compra de armamento. A tudo isto soma-se essa coorte de mentirosos profissionais, manobradores de todos os dinheiros sujos, como o director de campanha de Trump, o advogado e “facilitador” de Trump, vários assessores e homens de confiança da campanha, e o responsável pela Segurança Nacional, todos a caminho da cadeia. Se a isso somarmos os mentirosos comprovados, os esquecidos de quantas vezes falaram com os russos, teríamos que acrescentar a família Trump, os filhos e o genro. Resumindo e concluindo: é uma pena os portugueses não conhecerem gente como Stephen Miller, um dos principais conselheiros de Trump, solitário porque os adultos de serviço foram saindo um a um, porque, em meia dúzia de minutos, percebiam o que eu estou a dizer. Como é possível escrever tudo o que escrevi sem qualquer risco de contestação, sem qualquer possibilidade de alguém me acusar de calúnia? Pura e simplesmente porque é tudo pura verdade e não há sequer muita controvérsia sobre estas acusações e descrições. Como é que fazendo tudo isto o homem pode continuar a ser Presidente dos EUA? Como é que Trump é capaz de ter feito tanta coisa negativa, qual super-homem do Mal? A resposta é simples: é Presidente dos EUA, o homem mais poderoso do planeta, e não responde a nada a não ser ao seu próprio narcisismo e aos mecanismos do narcisismo, sondagens, audiências, aos bajuladores e sicofantas, e está cada vez mais preso no casulo do seu Ego doentio. Para se perceber Trump é obrigatório ler os seus tweets, com as suas obsessões à flor da pele, os seus erros de ortografia, as suas frases incompreensíveis, as suas calúnias e insultos, a chantagem directa a pessoas, instituições e países, o estilo autocrata e vaidoso – tudo o que ele faz é o melhor do mundo –, a ignorância, a incompetência e a profunda e explicita violência do homem. Em Portugal podia ser ditador de um pequeno café ou dirigente desportivo, para já. Mas no Brasil já poderia ser Presidente. O “para já” não me conforta. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Eu passei o ano entre a explicação racional, a explicação do que ele faz e do seu sucesso e insucesso, e a tentação do irracional, Trump não é bom da cabeça. Cada vez mais penso que são as duas coisas. O que é mais grave é que toda a gente nos EUA que o conhece e com ele contacta sabe que é assim. Suspeito aliás que mesmo na sua base mais fiel, há muita gente que sabe que ele não regula bem. Claro que ele representa muitos interesses económicos, financeiros, americanos e internacionais, como nos lembram os marxistas, mas não é só isso. Há um factor cultural que está para além disso, que é americano e mundial e que homens como Steve Bannon tentam transformar numa nova internacional, Trump mostrou a força da negatividade, um dos mecanismos base do populismo moderno. Conseguiu uma coisa que até agora lhe tem garantido imunidade, mesmo para os actos mais graves quotidianos: conseguiu ser o azorrague dos inimigos de muita gente, a emanação da vontade de vingança e ódio, o cavaleiro andante de muito ressentimento. E nos dias de hoje isso é muito poderoso. Trump foi a todas as cloacas da vida que se manifestam nas redes sociais e fê-las correr a céu aberto e inundar mesmo as terras que eram sadias e limpas. Ele é o primeiro político típico do século XXI. Já o escrevi e repito-o: Trump não vai abandonar o poder a bem mesmo que perca as eleições. Ele encontrará uma qualquer teoria da conspiração porque é incapaz de admitir sequer que ele, o “génio estável”, possa perder uma eleição. E nas chamas tribais que ele incendeia todos os dias isso é um risco de guerra civil. Não como as do passado, mas as modernas, as que vão das igrejas evangélicas aos hackers de Moscovo, passando pelas redes sociais e pelo ataque à liberdade de imprensa e por juízes políticos. Não sei como vai ser, mas não vai ser bom e se a gente não usa todas as armas da democracia vai perder.
REFERÊNCIAS:
Entidades UNESCO ONU EUA
Descolonizar o pensamento entre Estocolmo e Joanesburgo
A plataforma feminista Mahoyo apresenta esta sexta-feira, em Lisboa, um documentário centrado na efervescente cena cultural de Joanesburgo. Uma alternativa às narrativas uniformizadas sobre África. (...)

Descolonizar o pensamento entre Estocolmo e Joanesburgo
MINORIA(S): Migrantes Pontuação: 6 Africanos Pontuação: 2 Mulheres Pontuação: 2 Asiáticos Pontuação: 2 Homossexuais Pontuação: 6 | Sentimento 0.0
DATA: 2017-06-02 | Jornal Público
SUMÁRIO: A plataforma feminista Mahoyo apresenta esta sexta-feira, em Lisboa, um documentário centrado na efervescente cena cultural de Joanesburgo. Uma alternativa às narrativas uniformizadas sobre África.
TEXTO: Farah Yusuf e MyNa Do, ambas DJ, fotógrafas e stylists, nasceram e cresceram na Suécia mas ouvem sempre a mesma pergunta nas ruas de Estocolmo: “De onde são?”. São da Suécia, vivem na capital, mas não encaixam na norma. Farah é de ascendência somali, MyNa de ascendência chinesa, o que entra em conflito directo com os padrões hegemónicos de representação da identidade nacional sueca, país onde a extrema-direita e os sentimentos anti-imigração têm crescido a passos largos, muito à boleia do (cada vez maior) partido nacionalista conservador Democratas Suecos. “Esse tipo de racismo banalizado consegue ser muito irritante”, diz MyNa Do. “Não é só uma questão de insultos racistas ou violência física, é o constante sentimento de insegurança”, conta Farah Yusuf ao PÚBLICO. “Se algum abuso racial acontecer a nós e a outros, sabemos que não vão ser muitas as pessoas brancas que nos vão defender. ”Foi contra "essa passividade" e estereótipos perversos de raça, género, sexualidade e identidade nacional que Farah e MyNa criaram, em 2008, a Mahoyo, uma plataforma feminista interseccional e interdisciplinar que funciona, online e offline, como “um espaço seguro” onde “exploram livremente” as suas identidades e criatividade, numa lógica colaborativa transcontinental. Esta sexta-feira passam pelo espaço Damas, em Lisboa, em mais uma edição do evento Damachine, onde apresentam, pelas 18h, e com entrada gratuita, o seu mais importante projecto até à data: o documentário The Mahoyo Project (2015), realizado por Moira Galey, que acompanha a viagem das Mahoyo a Joanesburgo, na África do Sul, e o intercâmbio entre jovens artistas africanos e suecos. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Boa parte do filme centra-se na efervescente cena cultural de Joanesburgo, com testemunhos de vários artistas locais. Entre eles estão a DJ Phola Gumede – com quem organizaram workshops de DJing e produção de música electrónica para mulheres –, a apresentadora de rádio e televisão Lethabo “Boogy” Maboi, a designer de moda Tiisetso Molobi e a crew de dança V. I. N. T. A. G. E CRU, uma força vital na comunidade LGBTI da cidade. “A coisa mais surpreendente em Joanesburgo não foi a existência de comunidades feministas e queer, mas o facto de ter demorado tanto tempo a sermos expostas a isso”, revelam Farah e MyNA, referindo a influência inicial do projecto de documentários e vídeos Stocktown, do realizador Teddy Goitom (Afripedia), também com base em Estocolmo mas com os olhos em África (e no mundo). O objectivo de The Mahoyo Project é claro, e necessário: contribuir, sem paternalismos, para transformar as narrativas uniformizadas e estereotipadas veiculadas sistemicamente pelos media ocidentais sobre África e a sua produção artística, uma realidade profundamente diversificada que é normalmente encaixilhada sob o título redutor de “arte africana”. Descolonizar o pensamento e o conhecimento é a mensagem que se impõe. “Sabemos perfeitamente que internalizamos muita da propaganda dos mundos ocidentais”, diz o duo. “A descolonização das nossas mentes é uma parte muito importante do processo, bem como verificarmos os nossos privilégios e sermos humildes. "Depois da projecção do documentário nas Damas, segue-se uma conversa com as Mahoyo, a rapper Juana Na Rap e Otávio Raposo, investigador nas áreas de estudos urbanos e segregação, e autor de documentários como Nu Bai: O Rap Negro de Lisboa. À noite há concerto de Juana Na Rap, dama do rap crioulo com ligação directa à Margem Sul, e set DJ das Mahoyo, que nos levará do dancehall ao kwaito (género musical nascido em Joanesburgo), do hip-hop ao r&b.
REFERÊNCIAS:
Palavras-chave violência imigração negro racismo comunidade género mulheres sexualidade abuso feminista raça
Marine Le Pen condenada a “matar o pai”
A “execução política” de Jean-Marie Le Pen será um episódio de grande violência. (...)

Marine Le Pen condenada a “matar o pai”
MINORIA(S): Migrantes Pontuação: 6 Africanos Pontuação: 2 Homossexuais Pontuação: 6 | Sentimento 0.0
DATA: 2015-05-01 | Jornal Público
SUMÁRIO: A “execução política” de Jean-Marie Le Pen será um episódio de grande violência.
TEXTO: A França política assiste a uma "guerra de família" que se desenvolve mais no registo de folhetim do que no de tragédia. Um "Dallas" francês que mal acaba de começar. Jean-Marie Le Pen, 86 anos, declarou guerra à filha, Marine Le Pen, líder da Frente Nacional (FN) por ele fundada. "Nunca somos traídos senão pelos nossos", lamenta. "Marine Le Pen deseja a minha morte". Mas "o cadáver ainda mexe", previne. "Não se sai do ringue senão em sangue, seja-se vencedor ou vencido. " E promete "a morte da FN" se for expulso. Marine agiu depressa. Vetou a candidatura do pai às eleições regionais de Dezembro e acusou-o de se lançar "numa espiral entre a estratégia da terra queimada e o suicídio político. A FN não pode ficar refém das suas grosseiras provocações. " Quer impor-lhe sanções disciplinares. Seria uma banal luta pelo poder se não fosse um "combate mortal" entre pai e filha. Mas o folhetim poderá mudar o tabuleiro político francês. A entrevista ao RivarolDe repente, a FN volta a ocupar o centro das atenções mediáticas. "Pouco importa que falem bem ou mal de nós, o importante é que falem" — é uma máxima do velho Le Pen. Para Marine, parece a oportunidade dourada de fazer a ruptura final com o pai, distanciar-se da herança da extrema-direita e concluir a "desdiabolização" da FN. Não pode hesitar perante o parricídio. Mas a "execução política" de Jean-Marie Le Pen será inevitavelmente um episódio de grande violência", prevê o historiador Nicolas Lebourg. O primeiro ajuste de contas será feito dentro de dias na comissão executiva do partido. Os atritos entre pai e filha começaram logo em 2011 quando ela assumiu a liderança da FN e escolheu a linha da "desdiabolização". Ele prosseguiu na linha das provocações. Ela procurou relativizá-las ou desculpá-las. Cedo se percebeu que a ruptura era inelutável. Jean-Marie sempre disse: "Uma FN amável não interessa a ninguém. (. . . ) O eleitor prefere sempre o original à cópia. " Não tolera que a "desdiabolização" faça da FN "um partido como os outros". Foi Jean-Marie quem abriu as hostilidades no dia 2 de Abril. Recorreu a uma provocação que usou pela primeira vez em 1987 e que repete quando quer atrair as atenções: as câmaras de gás "são um detalhe" da II Guerra Mundial. Estas gafes não são espontâneas, são politicamente calculadas. Enfureceu Marine e forçou-a a uma rápida condenação. Era apenas uma amostra. Deu a seguir uma longa entrevista ao Rivarol, jornal da velha extrema-direita francesa e especialista em anti-semitismo. O seu director, Jerôme Bourbon, escreveu quando Marine foi eleita presidente da FN: "Para mim, Marine Le Pen é um demónio, a inimiga absoluta de todos os pontos de vista, no plano moral, no plano político e no plano intelectual (. . . ) e cujo círculo é composto por arrivistas sem escrúpulos, judeus patenteados e invertidos notórios. ""Não é uma entrevista, é uma declaração de guerra", disse um analista. Nela, Le Pen alinha e radicaliza todas as velhas provocações. Absolve o regime do marechal Pétain; insiste no "detalhe da História"; diz-se cansado das referências de Marine à República; propõe a aliança com a Rússia "para salvar a Europa boreal e o homem branco". Enfim: "Somos governados por imigrantes" como Manuel Valls. "Qual é a sua ligação real à França?" Ataca os colaboradores da filha e o seu suposto "lobby homossexual", visando Florian Philippot, o seu estratego eleitoral. Le Pen quis deliberadamente mostrar, contra a filha, "a dimensão racista e anti-semita da FN", resume o historiador Jean Garrigues. O ponto fulcral é o anti-semitismo. Le Pen gostava de "enforcar" árabes em público para ganhar votos, mas em privado preferia alvejar os judeus. Marine, ao contrário, quer atrair a comunidade judaica. Com algum sucesso. Roger Cukierman, presidente do Conselho Representativo das Instituições Judaicas da França (CRIF), desencadeou uma tempestade ao afirmar que, ao contrário do pai, Marine Le Pen é, do ponto de vista do anti-semitismo, uma personalidade "irrepreensível". Louis Alliot, vice-presidente da FN, respondeu imediatamente. "A entrevista de Jean-Marie Le Pen nesse pasquim anti-semita é perfeitamente escandalosa e as nossas divergências políticas são doravante insanáveis. " Alliot é o companheiro de Marine. Quase todo o aparelho da FN é solidário com Marine, mas Jean-Marie tem uma base de apoio própria. E um trunfo de reserva: a sua neta Marion Maréchal-Le Pen (sobrinha de Marine), deputada da FN. Aos 25 anos, é uma das favoritas dos militantes e muito próxima das posições do avô. Pode vir a ser uma das grandes vedetas nas eleições regionais. De momento ninguém contesta Marine. A prazo, Marion é uma concorrente.
REFERÊNCIAS:
Étnia Árabes
“A esquerda tem mostrado uma maturidade enorme para engolir sapos”
Antes da primeira volta das eleições brasileiras, visitou Lula na prisão, onde encontrou um polícia que tinha lido os seus livros. O Brasil preocupa-o. Portugal deixa-o optimista. A “inovação” portuguesa tem todas as condições para se repetir, entende. Sobre os críticos, diz que apenas o insultam, mas que não discutem as suas ideias. “No fundo, a mediocridade grandiloquente é muito grande em Portugal” (...)

“A esquerda tem mostrado uma maturidade enorme para engolir sapos”
MINORIA(S): Migrantes Pontuação: 6 Africanos Pontuação: 2 Homossexuais Pontuação: 6 | Sentimento 0.0
DATA: 2018-11-30 | Jornal Público
SUMÁRIO: Antes da primeira volta das eleições brasileiras, visitou Lula na prisão, onde encontrou um polícia que tinha lido os seus livros. O Brasil preocupa-o. Portugal deixa-o optimista. A “inovação” portuguesa tem todas as condições para se repetir, entende. Sobre os críticos, diz que apenas o insultam, mas que não discutem as suas ideias. “No fundo, a mediocridade grandiloquente é muito grande em Portugal”
TEXTO: Aos 77 anos, Boaventura de Sousa Santos continua a dividir o tempo entre Portugal, onde dirige o Centro de Estudos Sociais (CES), e os Estados Unidos, onde lecciona na Universidade de Wisconsin-Madison. Pelo meio, o sociólogo e jurista é um observador atento da América Latina, tendo participado na elaboração das constituições do Equador e Bolívia. É dos académicos portugueses de maior projecção internacional e mantém-se atento aos desenvolvimentos no Brasil, onde a eleição de Jair Bolsonaro representa mais um episódio no “ciclo reacionário global”. Falou ao P2 no seu gabinete no CES, em Coimbra, organização que ajudou a fundar e que assinala esta semana 40 anos. Sobre Bolsonaro disse que “é mau, grotesco, grosseiro, sexista e racista”. E, agora, Presidente do Brasil. Como vê os próximos quatro anos?Com muita preocupação. Muito do discurso e da retórica usada nos momentos de campanha, não só no Brasil, mas também nos Estados Unidos, é extremamente violenta, agressiva e que tem uma característica nova, antidemocrática. Nestes casos, há uma recusa em discutir as ideias dos adversários. Como disse Bolsonaro na campanha, “os meus rivais políticos só têm dois caminhos: ou a prisão ou o exílio”. Bem, isto é o fim da democracia. Mas isto é o que se diz em campanha. O que é que se vai realizar depois é diferente. O próprio Trump manteve o seu discurso, mas teve de se articular com o sistema político que está no terreno. No Brasil, o problema é saber qual vai ser o sistema político com que ele vai ser recebido. Vai ser Presidente num Congresso onde 75% da câmara dos deputados é conservadora. Ainda assim de vários partidos. O partido de Bolsonaro é a segunda maior bancada, a seguir ao Partido dos Trabalhadores. Mas, no conjunto, são mais os partidos conservadores. Dentro deles há partidos de extrema-direita, que hoje têm alguma representação. Pelo menos na câmara dos deputados ele vai ter um Congresso consonante com as políticas que promete pôr em vigor. A preocupação é a de saber como é que esta consonância entre um Presidente que é obviamente de extrema-direita e um Congresso muito conservador vai enfrentar uma sociedade em que 47 milhões de pessoas votaram em Fernando Haddad e em que 30% não quis a polarização — não votou, votou nulo ou branco. É muita gente. Este Presidente não só elevou o nível de medo daqueles que são seus opositores, mas criou expectativas altíssimas entre aqueles que são seus apoiantes. É uma lógica militar que volta ao poder pela via democrática. A transição [para a democracia] foi muito controlada pelos militares e eles têm não só uma visão política diferente da população civil e dos partidos, mas uma ideia de superioridade moral. Esta superioridade moral vai ser transferida para dentro do governo, com ministros militares. Essa ideia é perigosa?É, porque toda a diferença é estigmatizada. Se eu me considero superior moralmente e penso que uma família é um homem e uma mulher, tenho toda a justificação para liquidar os homossexuais. É uma lógica repressiva. O Brasil, ao contrário de outros países da América Latina, tem uma sociedade civil bastante organizada, com muitos movimentos sociais. É evidente que vai haver resistência. Há uma sociedade civil que não está desarmada social e politicamente. Nas últimas semanas houve uma mobilização extraordinária, que não foi suficiente, mas mostra um apego à democracia que o Latinobarómetro não previa. Como é que vai ser enfrentada? Pela concertação ou pela repressão? Se acreditarmos no discurso do Bolsonaro, será pela repressão. Tendo em conta essas preocupações, a eleição de Jair Bolsonaro significa mais um passo na erosão da democracia ou a evolução para uma ditadura a curto prazo?É difícil de prever. Costumo dizer que os sociólogos são bons a prever o passado. Está a preocupar-me uma confusão cada vez maior entre os conceitos de “ditadura” e de “democracia”. Estamos a entrar em regimes híbridos. Têm elementos de democracia, na medida em que há partidos, e continua a haver uma disputa eleitoral. Mas são democracias truncadas ou de baixíssima intensidade. Por exemplo, os militares, neste momento, falam da nova democracia, que é uma democracia sem o PT, sem a esquerda. Isto não é novo. Tivemos isso na Europa, depois da II Guerra Mundial, na parte Ocidental, a partir de 1945, na Itália e depois na Grécia. Os comunistas tinham a maioria devido à sua luta contra o nazismo e houve uma política de contenção desses partidos. Falava da composição do Congresso. Mecanismos como o Supremo Tribunal Federal ou a imprensa são suficientes para combater esse ímpeto autoritário? Por exemplo, nos EUA, fala-se no sistema de checks and balances. Um meu colega de Harvard, Steve Levitsky, acaba de publicar um livro fabuloso, How Democracies Die. Basicamente é [sobre] o fim do checks and balances que está a acontecer. A partir da nomeação de Brett Kavanaugh para o Supremo Tribunal dos EUA, temos uma maioria conservadora. Vão começar a surgir as decisões contra o aborto. Um retrocesso. Os checks and balances estão a ser postos em causa devido à retórica e trabalho de Donald Trump. É um problema mundial. Estamos a passar por um ciclo reaccionário global. Não é apenas o Brasil, também na Europa e noutros países da América Latina. A minha esperança é que esses sistemas de controlo sejam accionados. Podemos pensar nos meios de comunicação. É curioso que Bolsonaro diga da Globo e da Folha de S. Paulo o que Trump diz da CNN, do New York Times e do Washington Post. A lógica é a mesma, porque [o ex-conselheiro principal de Donald Trump] Steven Bannon lá vai dando as mesmas dicas do que se deve dizer. Quanto à imprensa, vamos ver: 120 milhões de utilizadores do Whatsapp têm como única fonte de informação o Facebook e o Whatsapp. Isto significa uma capacidade tóxica muito grande. Por outro lado, quanto aos tribunais, a minha preocupação também é grande. Vejo que foi a fraqueza dos checks and balances que levou Bolsonaro ao poder. Isto é, toda a operação Lava-Jato e atropelos à legalidade que se cometeram nesta investigação fizeram com que ela não fosse apenas uma luta contra a corrupção — que é perfeitamente legítima — mas uma luta de desestruturação do sistema político. Já tínhamos assistido a isso nos anos 1990, em Itália, e deu no [Sílvio] Berlusconi. Aqui deu no Bolsonaro. A direita ganharia tranquilamente as eleições de 2018 se deixasse estar Dilma Rousseff no poder. Não haveria destruição do sistema. Disse já que um dos problemas do governo de Lula e do PT foi não ter promovido uma efectiva redistribuição de riqueza, mas antes canalizou o excedente. Fui solidário, mas muito crítico em relação aos governos do PT exactamente por isso. Foi uma oportunidade histórica que se perdeu, porque tinha uma grande aceitação popular e podia ter feito uma reforma do sistema politico. Conseguiu-se reduzir o financiamento das campanhas eleitorais pelos empresários, que já não foi mau de todo. Havia realmente possibilidades. Por exemplo, quando se dá o grande boom da China, ninguém pensa que em 2009-2010 ia cessar. Disse que o julgamento de Lula tinha sido politicamente instrumentalizado para evitar a sua candidatura. Com a eleição de Bolsonaro, qual espera que seja o desfecho?Tenho um grande apreço pelo primado do direito e pelo respeito da legalidade nas democracias. No caso do presidente Lula, acho que não foram respeitadas. Se estivesse solto, tinha ganho as eleições, o que significava que o golpe tinha sido um fracasso. O grande erro que o PT cometeu [na campanha eleitoral] foi só ter visto o lado bom da história. Mesmo na prisão, Lula era o candidato mais popular. Mas o segundo candidato mais popular era aquele que tinha o ódio mais visceral e mais primário ao PT, que subestimou a demonização do petismo. Foi um erro absolutamente histórico. Visitei o presidente Lula na prisão, li as sentenças e não há nenhuma argumentação jurídica que justifique aquela decisão. Por outro lado, temos de construir uma política democrática no futuro que não pode repetir os erros do passado. Isto é, o “lulismo” não pode voltar. Mas a figura do presidente Lula não pode ser condenada historicamente e morrer na prisão. Será de uma injustiça histórica enorme em relação a um homem que, com todos os erros que cometeu, conseguiu tirar 50 milhões de pessoas da miséria e da fome. Por outro lado, se as outras forças se concentrarem exclusivamente no slogan “Lula livre”, que eu próprio tenho defendido bastante, é uma luta em relação ao passado. Não apresenta uma alternativa de futuro. E, bem ou mal, esta política foi rejeitada. Penso que é um novo capítulo que está a inaugurar-se. Neste momento há Fernando Haddad, um homem honesto, muito moderado. Mas falta-lhe o carisma de Lula. Não sou grande adepto de carismas. O Hugo Chávez também tinha um grande carisma. O problema do carisma é que se cria uma grande desertificação à sua volta, depois só há o líder. Agora é preciso reconstruir. Prevejo que possa haver um novo partido de esquerda, um partido-movimento, a partir dos movimentos sociais, que mostraram o que houve de melhor nesta candidatura. A grande liderança [que surgiu], no meu entender, foi o Guilherme Boulos, do PSOL. O Brasil vai ter de jogar uma coisa muito difícil em democracia, que é manter a memória. Perderam a memória da ditadura. Agora podem correr o risco de perder a memória dos anos de alguma inclusão social. Obviamente por causa da corrupção — e eu fui crítico na altura própria do modo como se estava a fazer a governação. A esquerda devia ter tolerância zero para com a corrupção, mas não foi essa a linha seguida. O futuro é esta ideia de que todas as esquerdas têm de se unir, mas não devem privilegiar uniões com a direita. A direita brasileira mostrou que só é democrática quando se pode servir da democracia para manter os seus privilégios. Visitou Lula na prisão no final de Agosto. Sobre o que falaram?A minha visita foi de meia hora, antes do Martin Schulz. Entro no edifício da Polícia Federal, que foi inaugurado pelo Presidente Lula há 11 anos. Está lá uma grande placa. Sou levado para a cela, por um jovem polícia federal, cujos quadros superiores têm formação universitária. No caminho, diz-me: “Professor, eu sou um devorador dos seus livros. ” Fico com um sorriso amarelo e digo que os meus livros não dão para justificar a prisão do presidente Lula. Ele diz-me: “Pois é, professor, mas eu tenho de obedecer a ordens. ” A cela é solitária, bastante arejada e grande, com uma passadeira para fazer ginástica, televisão, etc. Já o conhecia. Ele perguntou-me sobre a conjuntura da América Latina. Dei-lhe a minha perspectiva, de que o continente estava a mudar de uma certa esquerda — problemática, é certo — para uma direita. Depois perguntei-lhe porque não liberava o seu sucessor. Eu fui adepto de que ele liberasse Haddad o quanto antes. Achava que uma coisa é o afecto que o povo tem a Lula. Mas a adesão a Lula não era uma adesão às pessoas indicadas por Lula. Depois, o presidente Lula disse-me que está inocente e que vai lutar toda a vida para provar a sua inocência. Sobre Bolsonaro, preocupa-o mais a atitude autoritária ou a política económica?A política económica. No fundo, é isto: o ciclo reaccionário global é o capital financeiro, que não precisa de gente, que cria riqueza a partir do dinheiro e não da produção industrial. O Brasil desindustrializou-se muito nestes últimos anos. O capital financeiro vai ser o Paulo Guedes. É um homem que esteve com a política económica do Pinochet, é dos Chicago Boys [grupo de economistas chilenos que estudaram nos EUA nos anos 70 e 80] e que conhece muito bem a política neoliberal. Começa agora um capitalismo financeiro que é concentrador de riqueza — como vimos em Portugal durante a troika — e um ataque aos direitos sociais. Como eles já são fracos no Brasil, vai ser muito fácil destruí-los. O meu alarme foi quando o grupo de Nouriel Roubini — o economista turco que previu a crise de 2008 — apresentou um estudo a dizer que os mercados nada tinham contra Bolsonaro. Vi que era o certificado de legitimação, não de Bolsonaro, mas da política dele. Sobre economia, ele manda para o Paulo Guedes. Durante a ditadura militar, o crescimento económico ajudou a legitimar o regime. Receia que aconteça o mesmo?A política económica liderada pelo capital financeiro não está a aumentar o nível de desenvolvimento em nenhum país. A própria Europa tem vindo penosamente a ver isso. Não prevejo um grande boom económico porque não vejo a China a promover a mineração como antes. Steve Bannon ainda agora veio dizer que o Brasil estava dominado pela China e que tem que articular-se é com os EUA. Mas os EUA são tão predadores quanto a China. Qualquer um quer o seu máximo de lucro. Na área extractivista pode haver mais algum crescimento, mas nada do que aconteceu no tempo da ditadura. Nesse tempo foi possível um desenvolvimento de infra-estruturas nacionalista. A Embraer é produto da ditadura. Vai ser comprada pela Boeing e vai desaparecer. A Petrobras era uma grande empresa. Claro que houve corrupção, mas era bom eliminar a corrupção e manter a empresa. Mas a empresa está a vender ao desbarato praticamente toda a riqueza do Brasil. Estamos a assistir a uma mudança de ciclo regional na América Latina? Há uns anos tínhamos um grupo de países alinhados à esquerda. Penso que não é regional. A tendência parece-me global. Estamos num interregno entre duas globalizações. A que começou em 1989, com a queda do muro de Berlim e que veio até ao dia de hoje, que assentou em grandes níveis de rentabilidade para os EUA, com a cooperação satélite da Europa, foi a Internet dos computadores pessoais. Essa fase está a entrar em crise. Os computadores e programas são baratos, os smartphones cada vez custam menos. A rentabilidade desta inovação caiu. Quando cai, termina a fase da globalização e aumenta a rivalidade entre países. Foi assim de 1870 a 1914 e depois tivemos duas guerras praticamente seguidas. Neste momento, estamos a ver quem vai controlar a próxima globalização. A inovação tecnológica da próxima globalização vai ser a robótica, a automação e a inteligência artificial. Quem é que está bem posicionado para a controlar? A China. Neste momento, toda a política internacional é a rivalidade entre os Estados Unidos e a China. Só que a China é credora da dívida americana e muitas empresas americanas funcionam à custa do seu investimento na China. Portanto, não pode ser atacada directamente. Tem de ser atacada através dos seus aliados. Basta ver o que diz Steve Bannon na Folha de São Paulo desta semana: era preciso neutralizar a China na América Latina. Quando há rivalidade entre países, o império em decadência quer lealdade total. Não aceita autonomias. Por exemplo, a União Europeia ainda tem lógicas que não são totalmente amigas dos negócios dos EUA. A política dos EUA, neste momento, é destruir a UE. É muito mais fácil lidar com uma Europa dividida do que com uma Europa unida. Mas acredita que a ascensão do eurocepticismo está relacionada com isso?Exactamente. Não é teoria da conspiração. Porque é que o “Brexit” foi apadrinhado pelos Estados Unidos? Para criar a primeira fractura na Europa. Porque é que os EUA dizem que os únicos países que estão a seguir um caminho correcto são a Polónia e a Hungria? São os que estão a contestar a UE. O objectivo é criar nas próximas eleições — e Steve Bannon está aí com o seu The Movement — uma maioria de eurocépticos que desmembre a União Europeia e os Estados Unidos possam negociar país a país. E, nessa altura, isolam a Alemanha, a grande potência económica da Europa. Na América Latina, é o alinhamento total. É Macri na Argentina, é Piñera no Chile e é agora Bolsonaro no Brasil. Nós conhecemo-la menos, mas a China também está a ter uma estratégia de hegemonia. Aquela grande infra-estrutura continental, a iniciativa belt and road, é para criar aliados. Para dar a última chave disto: onde é que a guerra de tarifas com a China está a incidir? Nas transferências de alta tecnologia. Os estudos da CIA, altamente sofisticados, dizem claramente no Global Trends 2030 que a China será a primeira economia mundial em 2030. Toda a política dos EUA é para impedir que isso ocorra. Estamos a chegar ao fim da legislatura. Continua a ver com bons olhos esta solução governativa?Continuo. Acho que tem todas as condições para continuar. Portugal é uma inovação. O efeito desta aliança de esquerda foi puxar um bocado a direita para o centro. O PSD teve de se passar para o centro. Perdeu o excesso neoliberal de Passos Coelho como única solução de poder. Penso que uma direita neoliberal que se opõe a qualquer política social, como foi a política de Passos, por agora, está neutralizada. A actual solução teve por base “convergências mínimas” para chegar ao poder em 2015. Passava por afastar Passos Coelho, por exemplo. Não havendo essa circunstância, acha que mesmo assim é repetível?Não vejo nenhuma razão para não acontecer. Na Alemanha, uma coligação de outro tipo, que era o SPD com uma direita muito moderada e do centro, durou muito tempo. Está agora em crise, mas é ao fim de muitos anos. Não vejo nenhuma razão para que ela tenha de ser apenas uma solução de emergência contra a austeridade. Mas teria de alargar as convergências. Provavelmente. E teria de haver um pouco de mais ousadia e de cumprir as promessas de 2016. A ideia é que a partir de 2018 teríamos alguma folga para fazer investimento nas infra-estruturas e na função pública. Isso tem de ser cumprido. A esquerda tem mostrado uma maturidade enorme para engolir alguns sapos. Por exemplo, no caso da legislação laboral, que foi negociada com a direita. Depende um pouco do PS, que continua a ter dentro de si próprio uma corrente mais à direita. Não é a corrente de Mário Soares, que António Costa representa, mas são outras correntes que se foram construindo na lógica de Tony Blair. Um deles é Augusto Santos Silva, meu colega sociólogo. [Agora] É-lhes mais difícil, porque tudo o que diziam da grande desgraça que seria o PS articular-se com a esquerda não aconteceu. A esquerda tem mostrado contenção, um sentido de regime democrático e de defesa da democracia, embora com divergências. O PCP é contra a NATO, o PS é a favor, o PCP é contra o euro, o PS é a favor. Mas vão-se entendendo. São alianças pragmáticas. A questão sobre a possibilidade de repetir a solução ia nesse sentido, de haver diferenças em que não há convergência possível. Sim, mas onde há convergência ainda há muita matéria. Foi para parar a austeridade. . . . que agora já não se coloca. Coloca. Não chegámos ainda aos níveis de vida que tínhamos antes da crise. Ao nível de desemprego, sim. Portugal estava a aproximar-se da média europeia até 2000. Quando Portugal entrou para a UE em 1986, tínhamos 50% do rendimento médio da União. Em 2000, estávamos em 75%. Desde 2000 temos vindo a regredir. Nem sequer começámos uma aproximação. Estancámos e agora era preciso começar uma aproximação. Para isso, uma solução de esquerda era melhor. De uma perspectiva de esquerda, acha que foi feito o suficiente nos últimos quatro anos. Houve uma política de reversões das medidas da troika. Mas isso é suficiente?Não é. O que estava nos acordos era que uma primeira fase da articulação parlamentar fosse conter a austeridade. Era parar a privatização do que ainda era possível privatizar. Estancar também o empobrecimento das classes médias e baixas. Isso fez-se. Temos vindo a ver que, ao nível da função pública, há alguma tentativa de repor os rendimentos perdidos. Há limitações europeias muito graves e aqui é que a UE vai ter uma palavra decisiva. O facto de a legislação laboral ser votada à direita não é apenas por vontade do PS, é uma política da UE, que quer a flexibilização, ou seja, a precarização das relações do trabalho. Acho que os portugueses ficaram muito ofendidos com a agressividade de 2011, sobretudo jovens, mandados emigrar, que não tinham lugar no país. . . Ficaram com uma má memória daqueles tempos. Ainda assim, a direita teve a maior parcela dos votos em 2015. Mas isso sempre foi tradicional em Portugal. Desde 1974 que a maioria vota à esquerda e somos governados à direita porque a direita está unida e a esquerda está dividida. Não digo em todos, mas em grande parte dos ciclos eleitorais o país tem votado à esquerda. Agora há uma unidade de esquerda e tem de haver a mesma vontade dos três partidos em manter a coligação. Não vejo nenhuma razão para que seja impossível. Sobretudo pela credibilidade que a experiência portuguesa teve na UE. Quando está a ser atacada pelos Salvinis, pelos Kaczynskis e pelos Orbáns, vai dar um tiro no pé e virar-se contra estes, que são os que estão a defender a UE? Portugal tem todas as condições para que as instituições europeias facilitem a continuação desta experiência. O que eu prevejo, e posso estar a ser optimista, é que a própria UE está a começar a olhar para si própria e a ver esta política neoliberal, que é construída por mais de 600 lobbyistas em Bruxelas. Em 2017, também se mostrava optimista em relação a uma eventual exportação da “geringonça”. Mantenho-me optimista. Este livrinho [puxa da prateleira o livro Esquerdas do Mundo, Uni-vos!] saiu no Brasil e vou lançar agora a edição espanhola. Estão a pedir edições em Itália, no México, na Colômbia e na Argentina, para já. Esta ideia da unidade de esquerda está a fervilhar na política. Não como soluções de governo, mas como articulação. É uma vitória contra o dogmatismo e o sectarismo que dominou a esquerda durante muito tempo. Penso que as esquerdas começam a ver que têm de se unir, porque qualquer dia é tarde demais. Falou do papel central da Alemanha. Agora que a saída de Angela Merkel está no horizonte, há a hipótese de a crise das democracias chegar a Berlim? O AfD, de direita radical, está a crescer. É um perigo real. A Alemanha destruiu a Europa duas vezes pela guerra. Quando veio a crise da Grécia, o meu medo era que a Alemanha destruísse a Europa por via financeira. Temos muito medo da Alemanha. No entanto, ao contrário do que acontece no Brasil, a memória do nazismo foi muito forte. Não houve um branqueamento. Terminou o doutoramento em Yale em 1973 e voltou nesse ano para Coimbra. Cinco anos depois fundou o CES, que está agora a comemorar 40 anos. Estava contratado para ficar na Universidade de Nova Iorque, mas vim a Portugal, para ver como estava. Era um período de abertura do regime marcelista e tinha-se criado em Coimbra uma faculdade nova [a de Economia] pelo ministro mais liberal, Veiga Simão. Comecei a dar aulas sem compromisso em Setembro e a 25 de Abril do ano seguinte veio a Revolução. Nessa altura, decidi voltar a Portugal e desvinculei-me da Universidade de Nova Iorque. Depois fui liderar a Faculdade de Economia, que ainda não tinha Sociologia. Em 1978, criámos aqui o CES, para começar a fazer investigação na área das ciências sociais. Na altura, havia apenas o gabinete do doutor [Adérito] Sedas Nunes, em Lisboa, que deu origem depois ao Instituto de Ciências Sociais (ICS). Havia um défice de estudos académicos nessa área?Absolutamente. O único grupo era o Gabinete de Investigações Sociais, de Sedas Nunes, que era tolerado. Quando vim dos EUA, tive uma conversa com ele, que me convidou para ficar. Eu disse-lhe que queria fazer alguma coisa em Coimbra. O CES surge tardiamente na Europa, mas hoje somos um dos maiores centros de ciências sociais, uma comunidade de 800 pessoas. Na altura, éramos meia dúzia. Juntámo-nos e tentámos fazer do atraso uma força. O atraso social do país justificava que surgisse um centro do género?Todas as teorias sociológicas que tinha estudado nos EUA não se aplicavam a Portugal, que não era um país do primeiro mundo, nem era do terceiro mundo. Era um país intermédio, a que chamámos depois a “semiperiferia”. O objectivo era mostrar que a especificidade sociológica e política exigia uma análise feita por nós próprios com base em quadros teóricos feitos por nós a partir do conhecimento internacional. Fizemos do atraso um avanço. Somos hoje uma instituição muito internacionalizada, de tamanho médio, com publicações científicas muito fortes e com uma responsabilidade cidadã. Durante a crise, o Observatório das Crises e Alternativas foi uma alternativa ao pensamento único. O CES confunde-se com a sua actividade cívica?Não. O CES é extremamente plural. Tem gente que está próxima de praticamente todos os partidos e actividades cívicas muito diferentes. Sofremos um bocadinho de “Lisboa-centrismo”, que cria estereótipos. Alguns cientistas sociais conservadores não gostam da posição que nós temos no país. É uma posição de compromisso com a cidadania e com a democracia. Sou o alvo preferido de alguma direita do país, mas sou apenas o director científico do CES. O CES são 800 pessoas, 150 investigadores. Muita gente. O facto de se posicionar à esquerda influencia a forma como as pessoas percepcionam o seu trabalho?Não. Há outras esquerdas aqui dentro, tem outras pessoas que não têm a minha posição. Gostaria de saber porque é que sou o alvo preferido de alguma direita na comunicação social. Talvez porque lhes cause alguma impressão. Normalmente não discutem os meus argumentos, insultam-me. Tem que ver com posicionamento político ou com uma ideia de ciências sociais?Temos nas ciências sociais duas correntes que convivem democraticamente há muitos anos em todo o mundo: há uma ciência que acha que, para ser objectiva, tem de ser neutra social e politicamente e outra que acha que pode ser objectiva mas não neutra. A segunda até vem da física quântica. Quando observamos os átomos, ou observamos a sua velocidade ou a sua posição. Não podemos analisar as duas coisas. Com os cientistas sociais é o mesmo. Eu quero ser objectivo, mas tenho de saber de que lado estou. Aprendi isto nos EUA e em Yale, num centro conservador do conhecimento. Eu estou do lado dos oprimidos ou dos opressores? Do lado de quem discrimina ou de quem é discriminado? Há uma corrente, que se baseou no positivismo, que diz que objectividade é neutralidade. Se olhar para o comportamento cívico desses cientistas sociais, são todos de direita. Portanto, consideram-se cientistas sociais objectivos e neutros e têm uma posição cívica de direita. Porquê? Porque não são neutros. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Diz que os seus críticos não discutem as suas ideias, insultam-no. É mesmo assim?Pois claro. Dei uma entrevista à Análise Social [uma publicação do ICS, em 2012] e dois membros do conselho consultivo, a doutora [Maria] Filomena Mónica e o doutor António Barreto, demitem-se por me terem feito uma entrevista? Isto é ciência? Não podemos aceitar a pluralidade? Eu nem gosto de pôr nomes, mas quando uma dessas pessoas diz numa sua croniqueta que o CES é a instituição de ciência mais nefasta do país, acha que não é um insulto? Não têm coragem de discutir. Os meus livros estão aqui [mostra um livro da sua autoria, The End of The Cognitive Empire, da Duke University Press], eu publico nas melhores editoras norte-americanas. Portugal é muito provinciano. Essas pessoas nunca aceitaram que houvesse ciências sociais fora de Lisboa. Sou um grande amigo da actual directora do ICS, da Karin Wall. São coisas que passaram com uma certa corrente nessa instituição rival, que já não está presente sequer. Foram coisas do passado que eu gostava que ficassem no passado. Se eu quero unir as esquerdas, não quero também unir os cientistas sociais na sua diversidade? Não quero que sejam todos antipositivistas, mas que mostrem o que falam. No fundo, a mediocridade grandiloquente é muito grande em Portugal. Não é só na academia que tem críticos. Há um de estimação na última página do seu jornal que aproveita qualquer oportunidade. Depois, como têm alguma influência, tenho de responder a jornalistas estrangeiros coisas que ouvem e pensam que são verdade. Por exemplo, converteram-me num defensor da Venezuela. Eu fui muito crítico de Hugo Chávez. Isso foi por causa do artigo que escreveu Em Defesa da Venezuela. Contra a demonização e o embargo! Mas nunca foi uma defesa total do regime da Venezuela. Enfim, uma crónica no seu jornal, “Boaventura rima com ditadura”, diz tudo. É um insulto, não é uma análise. De modo que, meu caro, temos de estar preparados, porque isto é uma luta política.
REFERÊNCIAS:
Uma implosiva geografia exílica
O que escreve Djaimilia Pereira de Almeida pode entender-se como poderosa ferramenta de transformação da visão da paisagem humana portuguesa. (...)

Uma implosiva geografia exílica
MINORIA(S): Migrantes Pontuação: 6 Africanos Pontuação: 2 Homossexuais Pontuação: 6 | Sentimento 0.0
DATA: 2018-12-20 | Jornal Público
URL: https://arquivo.pt/wayback/20181220192552/https://www.publico.pt/n1854334
SUMÁRIO: O que escreve Djaimilia Pereira de Almeida pode entender-se como poderosa ferramenta de transformação da visão da paisagem humana portuguesa.
TEXTO: Li Esse Cabelo (2015), o primeiro romance de Djaimilia Pereira de Almeida — essa “inusitada história de um cabelo crespo” — após uma colega brasileira, professora de literatura, me ter abordado indagando o que eu pensava do romance pois estaria a ponderar a possibilidade de fazer um pós-doutoramento sobre uma (possível) literatura portuguesa de autoria negra, em que, através de um viés comparatista (com a escrita negra brasileira), buscaria problematizar os processos de produção e circulação dessa literatura em ambos os países. Autoria: Djaimilia Pereira de Almeida Companhia das LetrasLi-o e disse-lhe, evitando referir a questão primordial da sua abordagem, que talvez estivéssemos perante uma escrita ensaística em que a veia do romance prevalece pelo modo como a autora narrativiza as suas reflexões e, no caso do livro em questão, a sua experiência de vida a braços com um cabelo “aspero e intratável” — estaríamos, porventura, perante um romance de projecção autobiográfica. Pois em Luanda, Lisboa, Paraíso (2018) a autora regressa a — (sua?) mesmo que (re)inventada — uma história de vida: um pai (não já o “avó Castro”, mas Cartola de Sousa) viaja de Luanda a Lisboa em 1984 com o intuito de acompanhar o tratamento do calcanhar esquerdo malformado do filho mais novo, Aquiles, e hospedam-se — tal como o “avó Castro” e seu filho — na Pensão Covilhã, em Lisboa. Tornando-os paradigma da simultânea condição de exilados, imigrantes e minoritários, as personagens, pai e filho, encetam um percurso pelos meandros dessa tripla condição, rastreando os efeitos de uma realidade desigual e as consequências de uma visão monolítica e teleológica de identidade, sempre na contramão da teoria huntingtoniana do “choque de civilizações” e do que se considera serem “valores universais”. Interessante, neste contexto, é a relação de Pepe, o galego, com Cartola, duas almas que, no limiar da perifericidade, seja ela cultural ou étnica, de âmbito nacionalizante (angolana, portuguesa ou galega/espanhola) — não faltando uma sugestão de homossexualidade por que Aquiles manifestaria uma vergonhosa tristeza ao perceber (ou pensando ter percebido) que os dois homens “[h]aviam cruzado uma fronteira”. Interessante é também o facto de o ponto de viragem da vida de pai e filho em Lisboa (sobretudo do pai, o foco narrativo privilegiado) ser marcado por dois incêndios: o primeiro, “que asfixiou Mizé da Assunção e o seu filho de nove meses”, obrigou-os a mudarem-se da Pensão Covilhã para um casebre “num pátio no fim da estrada velha de Paraíso a caminho de Caneças”, onde Pepe entra em suas vidas e começariam a dura vida de imigrantes negros “protegidos pela bruma que era a sua existência sem documentos” e que, para sobreviverem, têm de trabalhar nas obras de construção, sejam quais forem as suas habilitações académicas ou a sua profissão no seu país de origem; o segundo, quando o casebre da Quinta do Paraíso se incendeia e pai e filho perdem tudo, mudando-se para o barracão de Pepe, nas traseiras da taberna — Pepe, o único ser com quem podiam contar na terra que se tornara um deserto de afectos, sobretudo entre os dois: “Apenas esse zé-ninguém sem qualidades redentoras, pisado e comido pelo veneno da guerra, pôde testemunhar o seu rosto alumiado pela amizade quando deles se aproximava e os acordava porque era dia”. Parece que é então que os dois se apresentam — são-nos apresentados — como exilados da sua própria existência: “[S]em entender[em] por que se tinham tornado incapazes de chorar, por que tinha a memória da sua terra desaparecido do seu coração, porque não se decidiam a regressar e por que não se queixavam”. Porém, já antes, os dois tinham começado um processo de metamorfose exílica — dois momentos dessa transição notam-se em Cartola, Aquiles ainda numa cama do hospital: “O pai de Aquiles queria vomitar Luanda, mas ainda não conseguia; queria livrar-se da primeira vida, mas ela fazia-lhe frente; passar à próxima etapa, mas era ainda o mesmo homem”, enquanto “ainda no hospital, Aquiles [tinha] deixado de se sentir angolano”. Nesse sentido, ocorre-me o termo exiliência, tradução do neologismo proposto por Alexis Nouss em La Condition de l’Exilé (2015) para designar “o núcleo existencial comum a todas as experiências de sujeitos migrantes”, e que refere processos de subjectividade e do trabalho da memória como elementos que interferem nas construções identitárias dos sujeitos, atravessando gerações e grupos socioculturais. Estas questões — desveladas pela exiliência, que se constrói sobre dois pilares, a condição concreta e a consciência — ajudam a explicar espacialidades e temporalidades singulares (individuais, pois o processo exílico de Cartola não é semelhante ao de Aquiles), ao mesmo tempo em que gera uma dinâmica de múltiplos pertencimentos — que não se enquadram nas grelhas de qualquer análise socio-económica a que normalmente são reduzidas as abordagens referentes a estrangeiros pobres negros em Portugal, ditos invariavelmente imigrantes (a contrastar com o termo expatriado atribuído a europeus, brancos, em Africa, onde se encontram igualmente por razões económicas). São estas questões que constituem trilhos para que o Futuro seja sempre redimensionado e reescrito a partir de novas perspectivas: tanto do ponto de vista político-ideológico (como o binómio colonial/pós-colonial), quanto do sócio-psico-cultural, em que uma “identidade exílica” (Julie Lussier) se vai processando, como atrás se viu, “identidade exílica” que foi sendo cultivada no bojo de uma precária alteridade (negros indocumentados, trabalhadores braçais à jorna). Com efeito, “Da aldeia de Quinzau a Lisboa, com residência clandestina em Paraíso, passando por Luanda”, poderia ser o resumo deste novo romance de Djaimilia Pereira de Almeida. Então, em 2015, como agora (2018), o que a autora nos apresenta é a corporificação das contradições históricas, a partir da encenação de um Passado constantemente a assombrar o Presente — no sentido literal do termo: a constituir-se como fantasma num jogo entre ausências e emergências memorialistas que se vão interseccionando com/em os eventos e questionando as interpretações que deles se fazem. E isso desde a infância de Cartola na aldeia do Quinzau, a relação com o pai, a viagem até Luanda há 50 anos, o casamento com Glória, o trabalho de enfermeiro como ajudante do Dr. Barbosa da Cunha em Moçâmedes, o nascimento dos filhos, a doença de Glória, a viagem a Lisboa: é um Passado dialéctico, que interfere nas perspectivas do Presente, tornando-se elemento fundamental no desenvolvimento da história — o que é reforçado pela estrutura dinâmica da narrativa, num vaivém temporal, em que se cruzam flash-backs e antecipações (como nesse início do Capítulo VI: “A primeira operação de Aquiles correu tão mal quanto as três que se seguiram”), e em que se desenvolvem sequências narrativas encadeadas. E se pensarmos que a literatura — e sobretudo o romance, pela sua dimensão de “género do devir” e de reflexão sobre a condição social do homem (Georg Lukács) — ganha sentido estabelecendo-se, no processo de leitura, como possibilidade de interpretar e questionar o mundo, escrever sobre uma existência silenciosa — como são os negros em Portugal, sejam imigrantes ou portugueses negros (normalmente “creditados” como africanos de segunda geração) —, o que escreve Djaimilia Pereira de Almeida pode entender-se como poderosa ferramenta de transformação da visão da paisagem humana portuguesa, não se rasurando — antes reunindo-os um curativa convivência — os fragmentos dolorosos de uma história feita de frustrações e desilusões (como a que provoca o desafecto do Dr. Barbosa da Cunha), de fracturas e distanciamentos (como o afastamento entre pai e filho) e de ambíguos sentimentos (como o que Cartola nutria pela mulher doente). E de total desesperança: “De Portugal, a cidadania dos mortos foi o seu [de Cartola] único visto de residência. Da cidade de onde tinha vindo, e que em tempos se chamara Luanda, pouco restava depois do grande incêndio e, além disso, continuava a ser muito longe”. A história de Cartola, de Aquiles, de Pepe, de Glória e de Iuri surge como veículo para a compreensão da experiência dos marginalizados (negros, pobres e imigrantes despossuídos) em toda sua extensão como vidas sem sentido, repletas de silenciamentos, que se apropriam do espaço que está historicamente construído por e para as vozes do centro). Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. São essas essas vozes resilientes (embora vencidas, como Iuri, Pepe e Cartola, que, em diferentes níveis, sucumbem) que a pena de Djaimilia Pereira de Almeida faz invadir o espaço privilegiado da literatura, fazendo dialogar política, ética e estética e compondo, desta forma, a sinfonia da resistência, para além da intensificação das diferenças, corolários da ideologia colonial e neoliberal. Na resposta à colega brasileira, fait-divers com que abri esta recensão, porque a questão me foi posta dessa forma tão binária, respondi que podia tratar-se de literatura portuguesa, sim. Porém, porque não literatura africana, angolana no caso, da diáspora? Este seria, no entanto, tema para uma (outra) discussão. E ainda que estejamos muito, muito longe da “nação arco-íris” — ideia tão euforicamente celebrada, porventura mais pela autoria do que pela substância —, Portugal caminha, inexoravelmente, para o reconhecimento (e a aceitação) de uma diversidade étnico-racial da sua nação. Neste contexto, este romance, que se lê bem (sem ser de um só fôlego) transita também nesses produtivos entrelugares nacionais e diaspóricos, sem a exclusão da lógica do esforço de integração numa sociedade muito complexa em que a lógica da exclusão pela diferença se naturalizou.
REFERÊNCIAS:
Palavras-chave homens guerra exclusão filho mulher homem social doença género casamento negra
Partido anti-UE obtém resultado pior do que o antecipado na Holanda
Partido de Geert Wilders poderá ter ficado em terceiro lugar na Holanda e perdido um eurodeputado, segundo sondagens à boca das urnas. Holanda e Reino Unido foram os primeiros países a votar para o Parlamento Europeu. (...)

Partido anti-UE obtém resultado pior do que o antecipado na Holanda
MINORIA(S): Migrantes Pontuação: 6 Africanos Pontuação: 2 Homossexuais Pontuação: 6 | Sentimento -0.4
DATA: 2014-05-23 | Jornal Público
SUMÁRIO: Partido de Geert Wilders poderá ter ficado em terceiro lugar na Holanda e perdido um eurodeputado, segundo sondagens à boca das urnas. Holanda e Reino Unido foram os primeiros países a votar para o Parlamento Europeu.
TEXTO: Ainda a maior parte dos 28 Estados-membros da União Europeia não chegou ao dia de reflexão para as eleições europeias e já há sondagens à boca das urnas num deles, a Holanda. As primeiras previsões são uma surpresa: o partido-sensação do populista anti-UE Geert Wilders ficou em terceiro lugar, perdendo tanto em votação como em número de eurodeputados, se os resultados se confirmarem (os dados oficiais só serão divulgados domingo à noite depois de toda a Europa votar). A Holanda e o Reino Unido foram os primeiros países a votar, nesta quinta-feira, mas apenas os holandeses optaram por autorizar a divulgação das sondagens à boca das urnas. Os dois países partilham o pouco entusiasmo pela votação europeia, e a previsão de bons resultados para partidos anti-União Europeia. Contrariamente à percepção comum, segundo a qual o voto de protesto é o que vai mais facilmente às urnas, o instituto holandês TNS NIPO indicava antes da votação que apenas 33% dos eleitores holandeses anti-União Europeia planeavam ir votar, comparado com 65% pró-UE. “Ainda que o eurocepticismo esteja num ponto alto, os ‘eurófilos’ parecem estar a fazer um esforço para que as suas vozes sejam ouvidas”, comentava o instituto. Se na Holanda o dia foi marcado pela não-tão-boa votação do partido do populista de cabelo louro platinado, do Reino Unido não se esperava divulgação de resultados, mas as sondagens apontavam quase todas para uma vitória do Partido para a Independência do Reino Unido (UKIP). Se for o mais votado, será a primeira vez desde a I Guerra Mundial que um partido não trabalhista nem conservador fica em primeiro lugar em eleições nacionais. Isto apesar de uma série de notícias que parecem saídas de jornais satíricos: um membro do partido que empregava imigrantes ilegais, outro que defende que a culpa do mau tempo é dos homossexuais, e um líder, Nigel Farage, que depois de ter dito a um entrevistador que ele “sabia a diferença” entre imigrantes alemães e romenos, se justificou dizendo que estava “cansado”. Selfies e abstençãoNo Reino Unido, as autoridades estavam a aconselhar os eleitores para não tirarem selfies com os telefones nas cabines de voto – no Twitter havia alguma indignação: “por um lado queixam-se da baixa participação, do outro não autorizam selfies”, queixava-se um britânico no site de microblogging. Com 36% e 34% de participação em 2009, Holanda e Reino Unido são dos países com maior abstenção na União Europeia (a Eslováquia, Lituânia e Roménia estão muito acima, Portugal surge a par da Holanda). Há cinco anos, a participação nas eleições para o Parlamento Europeu foi de 43%, o valor mais baixo de sempre (desde 1979, ainda com nove estados, a participação foi de 61, 99%); este ano espera-se que baixe para os 40% ou ainda menos. Quem tenta capitalizar com este ambiente de desapontamento é a extrema-direita de Marine Le Pen, por exemplo, que também aparece nas sondagens como o partido mais votado de França (23% correspondentes a 23 deputados, com a UMP, na oposição, a 22% com 20 eurodeputados). França é segundo país em termos de eurodeputados. Mesmo na recta final da campanha, o presidente-fundador do partido, Jean-Marie Le Pen, pai da actual presidente Marine, disse que o vírus do Ébola poderia resolver o “problema da imigração”. Marine Le Pen – cuja nova Frente Nacional renovada insiste que não é racista – não comentou. Le Pen e Wilders foram os protagonistas do anúncio da tentativa de um grupo anti-União Europeia no Parlamento Europeu (tentando cortejar o britânico Farage, mas este tem até agora recusado o convite). Alguns analistas esperavam com antecipação o resultado holandês como um “barómetro” para a tendência anti-europeia, assim, as projecções podem dar alguma esperança aos “eurófilos”. Populistas também na AlemanhaMas não é só a extrema-direita que beneficia com o ambiente de descontentamento. Em Itália, a grande incógnita é o partido do antigo comediante Beppe Grillo, o Movimento 5 Estrelas. Apesar de estar em segundo, não é claro o que poderá fazer quando chegar ao Parlamento Europeu – é o maior dos partidos que os analistas dizem que estão “soltos” e podem decidir juntar-se a um qualquer grupo. A principal proposta de Grillo é um referendo à manutenção da Itália na zona euro. Na Grécia, a austeridade leva ao primeiro lugar a Coligação de Esquerda Radical (Syriza) cujo candidato é também o cabeça de lista da esquerda europeia, Alexis Tsipras (que dá ainda o nome a um conjunto de partidos de esquerda em Itália). Este quer lutar contra a política de austeridade e renegociar o memorando e reestruturar a dívida.
REFERÊNCIAS:
Entidades UE