Gordon Matta-Clark, um anarquitecto no Museu de Serralves
O Museu de Serralves inaugura esta sexta-feira uma exposição a partir dos arquivos deste arquitecto que nunca exerceu a arquitectura e se tornou uma referência fundamental no movimento artístico na Nova Iorque dos anos 70. (...)

Gordon Matta-Clark, um anarquitecto no Museu de Serralves
MINORIA(S): Homossexuais Pontuação: 6 | Sentimento 0.0
DATA: 2017-06-02 | Jornal Público
SUMÁRIO: O Museu de Serralves inaugura esta sexta-feira uma exposição a partir dos arquivos deste arquitecto que nunca exerceu a arquitectura e se tornou uma referência fundamental no movimento artístico na Nova Iorque dos anos 70.
TEXTO: A situação não podia ser mais apropriada àquilo que se queria mostrar: a presidente da administração de Serralves, Ana Pinho, e a directora do museu, Suzanne Cotter, tiveram de esperar que terminasse o ruído de estaleiro de obras – serras, berbequins, martelos… – que emanava de um vídeo para fazerem a apresentação da nova exposição que esta sexta-feira abre nesta fundação do Porto, Splitting, Cutting, Writing, Drawing, Eating… Gordon Matta-Clark. É como se o arquitecto e artista norte-americano, que morreu em 1978 com apenas 35 anos, estendesse no tempo a sua forma muito particular de intervir no território das artes plásticas. Com ruído de fundo e à martelada, transformando aquilo que fora arquitectura em objecto de arte, e invadindo os espaços tradicionais das artes – as galerias, os museus – com formas não convencionais de arquitectura, ou fantasmas dela. Na apresentação, Ana Pinho e Suzanne Cotter lembraram que não é a primeira vez que Serralves dá destaque à arquitectura, numa política de programação que ganhou nova dinâmica depois que Álvaro Siza doou grande parte dos seus arquivos à fundação e ao Centro Canadiano de Arquitectura (CCA) em Montréal. E é dos arquivos da instituição canadiana que agora chega ao Porto Splitting, Cutting, Writing, Drawing, Eating… Gordon Matta-Clark, que Suzanne Cotter situa numa agenda de “valorização dos arquivos” e da “intercepção entre as artes e a arquitectura”, e que em 2015 tinha já mostrado em Serralves a obra do arquitecto, urbanista e pedagogo polaco Oskar Hansen (1922-2005). Guiar entre a confusãoGordon Matta-Clark, de quem o CCA possui o espólio, é de resto o autor da inscrição que a instituição de Montréal colocou na entrada do edifício: “Eis o que temos a oferecer-lhe: a confusão guiada para um objectivo bem preciso”. Guiar o visitante da exposição de Serralves numa leitura nova da criação deste arquitecto que nunca exerceu a profissão – e que se considerava um “anarquitecto” –, contornando a sua cronologia, foi o objectivo de João Ribas e Delfim Sardo, os comissários de Splitting, Cutting, Writing, Drawing, Eating… Gordon Matta-Clark. E o próprio título – Dividindo, cortando, escrevendo, desenhando, comendo…, sendo a ordem destas acções arbitrária – parece autorizar a diversidade de leituras de uma obra que, de algum modo, é um fantasma, já que existiu num determinado momento histórico mas depois se desvaneceu – como quando se procede à demolição de uma casa. “Trata-se de um trabalho que a cada momento nos foge entre os dedos, já que muitas das coisas que Matta-Clark fez desapareceram”, explicava Delfim Sardo, na manhã desta quinta-feira, na visita guiada para os jornalistas. Desenvolvida em quatro pequenas salas do Museu de Serralves, a mostra reúne filmes, fotografias, desenhos, cadernos de notas e correspondência que o artista trocou com amigos. Abre com Splitting (1974), mostrando o próprio arquitecto-artista a seccionar uma casa em Nova Iorque. Antecipando-se à anunciada demolição do edifício, Matta-Clark parte-a ao meio e transforma-a numa escultura, fazendo entrar a luz num objecto que, estando fechado e à espera da destruição, era um lugar inerte e obscuro. “Há um lado poético na intervenção e no trabalho de Matta-Clark, na relação orgânica que ele estabelece com o seu próprio corpo de artista mas também com a comunidade”, nota Delfim Sardo, realçando que “ele foi um agente de transformação da Nova Iorque dos anos 1970” – e o curador estabeleceu mesmo um paralelismo com o que, pela mesma altura, a seguir ao 25 de Abril de 1974, aconteceu em Portugal com o Processo SAAL (Delfim Sardo, recorde-se, foi o curador da exposição dedicada por Serralves, em 2014-15, a este tema, O Processo SAAL: Arquitectura e Participação, 1974-1976). Os dois comissários lembram o processo de especulação imobiliária que nessa década se verificou nos bairros desabitados e mais sombrios de Manhattan – através de agentes e empreendedores entre os quais estava uma figura chamada… Donald Trump –, mas que depois se tornaram lugares apetecíveis, revalorizados, e tomados pela gentrificação. Chamando a atenção para que a leitura que se faz da obra de um artista “é sempre contemporânea do nosso tempo”, João Ribas realça o paralelismo que, a partir de Matta-Clark, podemos hoje estabelecer também com situações idênticas no Porto e em Lisboa, com os investimentos imobiliários nas baixas de ambas as cidades. Uma catedral no cais 52Outro momento marcante nas intervenções de “anarquitectura” de Matta-Clark em lugares ermos ou abandonados de Nova Iorque foi a transformação de um velho armazém desactivado no cais 52, na margem do Hudson, numa espécie de “catedral”, um “templo de sol e água” a que chamou Day’s end (1975). “Há aqui uma noção de religiosidade; ele transforma o velho armazém numa catedral em que os buracos que abre funcionam como vitrais”, diz Delfim Sardo, vendo nessa intervenção influências de movimentos estéticos europeus, como o surrealismo – ele que era filho de um pintor surrealista chileno, Roberto Matta, e afilhado da mulher de Marcel Duchamp, “Teeny”. Esta operação não foi isenta de polémica, já que o lugar tinha sido “ocupado” pela comunidade gay, que entrou em conflito aberto com o artista-arquitecto que ousou justificar a sua intervenção com o objectivo de “trazer luz para a escuridão” – nota João Ribas –, com as leituras perversas que isso teve na altura. Com o objectivo de enquadrar a obra de Matta-Clark com testemunhos de artistas da mesma época, os comissários acrescentaram à exposição fotografias de Alvin Baltrop e Emily Roysdon, que documentam precisamente a intervenção no cais 52. E também um pequeno filme do holandês Bas Jan Ader, Roof fall (1970), uma espécie de sketch “à Chaplin” ou “à Buster Keaton” a fazer humor sobre a relação do homem com as casas entendidas como objectos que não são apenas lugares de habitação. O humor é, de resto, um elemento também constante nas criações de Matta-Clark. E podia atingir situações insuspeitas, como quando o artista decidiu instalar um restaurante no bairro do SoHo, designado Food (1971-73), estendendo à culinária e à questão da alimentação – e também da solidariedade social – o seu interesse pelos processos de transformação dos ingredientes da culinária. Numa das vitrinas da exposição está a carta que, no dia 1 de Agosto de 1971, Matta-Clark escreveu ao seu amigo St. Lee Junior, explicando-lhe o projecto Food, e convidando-o “a ser comido” no restaurante. “Escrevo porque sinto que és o escolhido: o tema perfeito para uma comunhão culinária de que o mundo moderno há muito se esqueceu”. Mais do que a dimensão “canibalista” da proposta, o mais interessante deste episódio é ele assinalar o lançamento de um projecto à volta do qual, além da questão da alimentação, erigiu um programa artístico e arquitectónico, e mobilizou uma movida artística. “A produção de Matta-Clark é, assim, compreensível a partir de uma certa ideia lúdica de grupo, ou de micro-comunidade, à qual pertenceram também artistas como Vito Acconci, Trisha Brown, Mel Bochner ou Laurie Anderson”, escreve Delfim Sardo no seu texto no catálogo que irá ser publicado ainda no decorrer da exposição em Serralves. Depois do Porto, onde vai ficar até 3 de Setembro, Splitting, Cutting, Writing, Drawing, Eating… Gordon Matta-Clark vai ser apresentado na Culturgest, em Lisboa, de 13 de Outubro a 7 de Janeiro de 2018. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público.
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Para a inquietação da nossa memória
Dos títulos da competição de Cannes que tiveram a pretensão de falar sobre hoje, 120 Battements par Minute foi aquele que o fez, é aquele que o faz, como proposta de um colectivo – uma equipa, actor, realizadores – para a inquietação, estímulo e conversa com a nossa memória. (...)

Para a inquietação da nossa memória
MINORIA(S): Homossexuais Pontuação: 6 | Sentimento 0.0
DATA: 2017-06-02 | Jornal Público
SUMÁRIO: Dos títulos da competição de Cannes que tiveram a pretensão de falar sobre hoje, 120 Battements par Minute foi aquele que o fez, é aquele que o faz, como proposta de um colectivo – uma equipa, actor, realizadores – para a inquietação, estímulo e conversa com a nossa memória.
TEXTO: É caso para dizer, depois da reacção em pé na Sala Lumière quando Robin Campillo foi chamado ao palco para receber o Grande Prémio do júri (perdendo a Palma de Ouro para The Square, de Ruben Östlund), que o favoritismo anunciado de 120 Battements par Minute se cumpriu inteiramente. Emotivamente. Veio à memória o ano de 2008, o da reacção provocada pela Palma de Ouro a A Turma, de Laurent Cantet – mas aí também acontecia que o prémio máximo de Cannes não era atribuído a um filme francês desde 1987, desde Sous le soleil de Satan, de Maurice Pialat. Vem à memória, em 120 Battements par Minute, filme de 2017, A Turma, filme de 2008. Se calhar parte dessa Palma já era de Campillo, cineasta (em 2004, Les Revenants, em 2013, Eastern Boys), mas nesse filme argumentista (adaptando o livro de François Bégaudau). Nessa qualidade foi cúmplice de Cantet em vários outros filmes: O Emprego do Tempo, Raposas de Fogo e o recente L’Atelier. Campillo admite ter utilizado uma série de procedimentos aplicados durante a rodagem de A Turma, concretamente o de ir construindo as personagens deste filme coral sobre os dias de raiva, dor e euforia que foram os dos anos 90 do Act Up francês, através de longos ensaios. Depois, fazendo as cenas evoluírem, ao longo do dia da rodagem, com a utilização de várias câmaras, três, concretamente, e de acordo com o que ia acontecendo. Ainda, misturando, na versão final de uma cena, os momentos mais crus e espontâneos de um actor/personagem nas primeiras takes e as suas cenas mais logradas. Vários dos enquadramentos e das sequências de 120 Battements par Minute, aqueles em que os membros do Act Up discutem as estratégias de acção política directa, por exemplo, evocam directamente os da sala de aula de A Turma: em ambos os casos as discussões e os debates de grupo revelavam as personagens como um work in progress que vai resultando da exposição íntima na arena pública – até porque os membros do Act Up eram pessoas que, para quebrarem com o silêncio que os anos 80 tinham imposto, foram obrigadas a entregar o corpo a uma causa, era questão de vida e de morte fazer a palavra avançar para a acção. É isto que faz o “tempo” singular de 120 Battements par Minute, filme que parte de memórias galvanizantes e dolorosas do próprio Campillo, membro do Act Up nesses anos e que há muito queria concretizar o projecto, até que o pudor, finalmente, foi conquistado com um il est temps. . . : filme sobre um passado, não tem qualquer sinal do pitoresco da reconstituição de época, é negociação vibrante, presente e dialéctica entre o privado e o público, o individual e o colectivo, a realidade e a fantasmagoria. Isto é: é um filme sobre o presente. Dos títulos da competição de Cannes que tiveram a pretensão de falar sobre hoje, foi aquele que o fez, é aquele que o faz, como proposta de um colectivo – uma equipa de rodagem – para a inquietação e estímulo da nossa memória. “É muito difícil criar um momento político hoje. É difícil mobilizar as pessoas hoje. Hoje há movimentos gay, sim, mas o Act Up era outra coisa, e era minoritário: as pessoas não tinham escolha, era preciso juntarem-se para irem para a frente. Não sei o que faria hoje as pessoas mobilizarem-se”, dizia Campillo nos primeiros dias de uma edição, a 70ª, que ontem terminou.
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Nove contos de Ruth Rendell publicados pela primeira vez em livro
A Spot of Folly: New Tales of Murder and Mayhem será editado mais de dois anos após a morte da escritora de policiais. (...)

Nove contos de Ruth Rendell publicados pela primeira vez em livro
MINORIA(S): Homossexuais Pontuação: 6 | Sentimento 0.125
DATA: 2017-06-02 | Jornal Público
SUMÁRIO: A Spot of Folly: New Tales of Murder and Mayhem será editado mais de dois anos após a morte da escritora de policiais.
TEXTO: A título póstumo e depois de alguns deles terem sido apenas publicados em revistas de detectives, nove contos da escritora britânica de policiais Ruth Rendell vão ser editados pela primeira vez numa colectânea este Outono. A edição, pela Profile Books, será também ela britânica e acontece dois anos depois da morte da criadora do inspector Wexford e de Sentença em Pedra. A Spot of Folly: New Tales of Murder and Mayhem é o título da compilação, possível a partir da recuperação de contos de Rendell e anunciada na passada sexta-feira pela editora. “Tipicamente Rendell”, como disse a editora Cecily Gayford ao Guardian, apenas dois destas histórias nunca tinham sido publicadas em livro. A maior parte foi editada na revista de histórias de detectives Ellery Queen Mistery Magazine, editada nos EUA, e são exemplos de “contos de acções obscuras e suspense de parar o coração”, descreve a Profile Books em comunicado, “misteriosas e nunca previsíveis: um homem de negócios que se gaba de ter enganado a mulher e que acaba por se encontrar entre a espada e a parede”, exemplificam, ou “uma mentirosa compulsiva apanhada num acto de vingança impulsiva” são algumas das histórias dos nove contos. “Ruth Rendell era uma das mais talentosas escritoras de crime – na verdade, uma das mais talentosas escritoras, ponto final – a empunhar uma caneta letal”, acrescenta a editora Cecily Gayford. Os contos agora prestes a ganhar a forma de livro foram escritos entre 1970 e 2005, detalha o Guardian, e foram recuperados pelo investigador Tony Medower. Rendell, que também publicava sob o pseudónimo Barbara Vine, é uma das mais conhecidas autoras de livros policiais e vendeu mais de 20 milhões de cópias das suas obras, traduzidas também em mais de 20 línguas. Morreu em Maio de 2015, aos 85 anos.
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Entidades EUA
Wonder Woman pode ser banido no Líbano
Nacionalidade da actriz Gal Gadot motiva pedido de boicote apoiado pelo Ministério da Economia. (...)

Wonder Woman pode ser banido no Líbano
MINORIA(S): Homossexuais Pontuação: 6 | Sentimento 0.0
DATA: 2017-06-02 | Jornal Público
SUMÁRIO: Nacionalidade da actriz Gal Gadot motiva pedido de boicote apoiado pelo Ministério da Economia.
TEXTO: O Ministério da Economia libanês quer proibir a exibição naquele país do Médio Oriente do novo filme da DC Comics, Wonder Woman, pelo facto de a actriz principal, Gal Gadot, ter nacionalidade israelita, noticia a CBS, citando fonte oficial do Governo. O longo historial de conflito entre o Líbano e Israel tem levado as autoridades libanesas a proibir a comercialização de quaisquer produtos israelitas no país. Agora, é o filme norte-americano Wonder Woman que está no centro das atenções. No entanto, e até terça-feira, os serviços de segurança libaneses disseram que ainda não receberam qualquer queixa formal contra a exibição da película. A suspensão da exibição do filme obrigaria ainda à emissão de um parecer do Conselho de Ministros, algo que ainda não aconteceu. Nas redes sociais, o movimento "Campanha para Boicotar Apoiantes de Israel-Líbano", que luta contra a exibição do filme no país, elogiou publicamente a posição do Ministério da Economia, através do Facebook. Para além da nacionalidade de Gal Gadot, o grupo justifica a oposição à actriz pelo facto de esta ter servido no exército israelita e apoiado publicamente as operações militares de Telavive na faixa de Gaza, território palestiniano controlado pelo Hamas desde 2007. O Líbano é frequentemente considerado um dos países mais livres do Médio Oriente. No entanto, continua a haver a censura prévia, e conteúdos relacionados com Israel ou sobre temas como a religião e homossexualidade são frequentemente proibidos. No início do ano, o drama egípcio Mawlana — sobre um líder de uma mesquita que se torna numa celebridade televisiva — e o libanês Beach House — que conta a história de um grupo de amigos que viaja para uma casa na praia, onde discutem as suas identidades — foram banidos no Líbano. Este último filme regressaria posteriormente aos cinemas libaneses, numa versão editada. Para já, e apesar da polémica, a estreia de Wonder Woman no Líbano continua marcada para esta quarta-feira em pelo menos uma sala de cinema de Beirute. Cartazes promocionais do filme continuam a ser vistos na cidade. Wonder Woman também tem estreia marcada noutros países do Médio Oriente, durante o mês de Ramadão: Emirados Árabes Unidos, Qatar e Kuwait. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Wonder Woman relata a odisseia de Diana Prince (interpretada Gal Gadot), uma guerreira de uma ilha paradisíaca que luta pela paz no mundo após descobrir que o planeta está em guerra. O filme, dirigido pela argumentista Patty Jenkins, reaviva uma personagem criada pelo escritor William Moulton Marston em 1942. Texto editado por Pedro Guerreiro
REFERÊNCIAS:
Étnia Árabes
O ano em que todos mergulham nas piscinas de David Hockney
Aos 80 anos o mais popular dos pintores contemporâneos é objecto de uma retrospectiva no Pompidou de Paris, depois de a exposição ter passado pela Tate Britain de Londres e antes de, no final do ano, rumar a Nova Iorque. Uma luz vibrante ilumina piscinas na Califórnia e campos no Yorkshire. (...)

O ano em que todos mergulham nas piscinas de David Hockney
MINORIA(S): Homossexuais Pontuação: 6 | Sentimento 0.0
DATA: 2017-08-03 | Jornal Público
SUMÁRIO: Aos 80 anos o mais popular dos pintores contemporâneos é objecto de uma retrospectiva no Pompidou de Paris, depois de a exposição ter passado pela Tate Britain de Londres e antes de, no final do ano, rumar a Nova Iorque. Uma luz vibrante ilumina piscinas na Califórnia e campos no Yorkshire.
TEXTO: Entrava-se na Tate Britain de Londres em Abril e o ambiente era frenético, magotes de pessoas em frente a quadros de enormes dimensões que reflectiam os bosques verdejantes do Yorkshire. Em Julho, no Centro Georges Pompidou de Paris, o azul incandescente das piscinas da Califórnia, era observado com o mesmo entusiasmo por gente de todo o mundo. E não custa acreditar que em Novembro, no museu de arte Metropolitan de Nova Iorque, acontecerá o mesmo com a mítica paisagem do Grand Canyon. É a maior retrospectiva de sempre de David Hockney, organizada pelas três instituições. Depois da Tate Britain de Londres, entre Fevereiro e Maio, onde bateu os recordes de venda antecipada de bilhetes, a exposição inaugurou a 21 de Junho no Pompidou, prologando-se até 23 de Outubro. A 27 de Novembro – até Fevereiro de 2018 – estará patente no museu de arte Metropolitan de Nova Iorque. Aos 80 anos o sucesso acompanha-o. No Pompidou diante dos quadros mais sedutores, as pessoas deixam-se envolver pelo candor juvenil das obras do veterano, quase que se acotovelando para garantir a melhor posição. Na Tate uma mãe põe-se de cócaras com duas crianças, explicando-lhes talvez a longa relação do artista com novos formatos electrónicos e a última série de obras criadas a partir de iPad. O mundo está ávido por mergulhar na obra do artista que reside em Los Angeles e as explicações sucedem-se para tentar explicar o fenómeno. A exposição reflecte uma longa carreira que atravessa seis décadas, através de 160 trabalhos (a retrospectiva do Pompidou tem mais duas secções, mas no geral as exposições de Paris e Londres são análogas), entre pinturas, fotografias, gravuras, instalações vídeo, desenhos e materiais impressos), incluindo os trabalhos mais icónicos (piscinas, duplos retratos ou as paisagens monumentais) e as criações mais recentesAlegria e optimismoDe forma simples poder-se-ia dizer que este é o ano Hockney. Mas nos últimos tempos isso tem sucedido. Todos os anos, em Londres, existe uma grande exposição à volta da sua obra. O ano passado a Royal Academy apresentou 82 retratos e dois anos antes as paisagens do Yorkshire estiveram em evidência. Os ingleses não se saturam e desde que Lucian Freud morreu, e antes dele Francis Bacon, o epíteto de maior pintor britânico em actividade nunca mais o abandonou. O estatuto não é de agora. O filme de Jack Hazan, A Bigger Splash, de 1973, contribuiu para fazer dele uma figura mitológica e principalmente junto do público inglês é visto como alguém que incarna os valores da cultura britânica. Mas de maneira mais global o êxito parece advir da forma como se reinventa com regularidade, arriscando técnicas de criação e afirmando uma arte que se deixa maravilhar pelo mundo numa atitude firmemente positiva. Há no seu labor uma grande versatilidade que acaba por se afirmar na libertação imensa da cor, sendo ao mesmo tempo económico e luxuriante. Como afirmava o curador da exposição do Pompidou, o francês Didier Ottinger, “é preciso recuar a Matisse, ou ao cinema de Jean Renoir, para encontrar o mesmo tipo de alegria e optimismo que exprime a sua arte. ”A personalidade também acaba por cativar. Nas inaugurações da Tate e do Pompidou Hockney afirmou que continua a trabalhar incansavelmente e que está focado no futuro, apesar da quase surdez, de já ter sofrido um derrame e de dizer que ao longo da vida não teve sorte com os assuntos do coração. “Há muita gente que pensa que sou um hedonista, mas olhando para trás sempre trabalhei. Trabalho todos os dias e nunca vou a festas”, disse ao Guardian. Durante os quatro anos que a retrospectiva demorou a ser montada, entre viagens entre Hollywood e a Europa, quem com ele privou encontrou uma pessoa feliz por rever a obra, mas preocupada em não afundar-se na nostalgia. “Espero que as pessoas retirem um pouco de alegria desta retrospectiva”, afirmou, “que desfrutem do mundo como eu desfruto, olhando-o. ”Objectivo cumprido. É o tipo de exposição que funciona como bálsamo para estes tempos conflituosos, com uma luz a inundar os campos de Inglaterra, o bronzeado dos corpos, os rebordos das piscinas ou a geometria rigorosa das habitações de Los Angeles. Mais do que a ordem cronológica, a retrospectiva coloca em evidência as linhas mestras de uma obra rica em temáticas e técnicas. Os anos de estudante – da escola de artes em Bradford, onde nasceu, no seio de uma família operária, até ao Royal College of Art de Londres – e as influências estão em evidência nas primeiras salas. Aí temos as imagens da Inglaterra industrial, que testemunham o realismo social dos primeiros professores, até à assimilação do expressionismo abstracto – patente em We two boys together clinging (1961), onde a temática clara é a homossexualidade, numa altura em que era penalizada pela lei inglesa, com Hockney a assumir a transgressão numa série de pinturas – ou a descoberta de Picasso, a partir da qual entende que um artista não deve limitar-se apenas a um só estilo ou ideia. Uma das salas, no Pompidou, é dedicada à Califórnia. Foi aí que, em Janeiro de 1964, iria aportar, fugindo do opressivo clima social inglês, sendo seduzido pelo hedonismo e tolerância, pelos espaços abertos, pelo culto do corpo, pelas casas luxuosas com piscinas e pela luz branca. São dessa fase algumas das suas obras mais icónicas, banhadas pela claridade e intensidade do sol, imagens de grande precisão mas que ao mesmo tempo parecem imateriais, jogando com a luz e as cores fortes, malhas de linhas quebradas e curvas enlaçando-se, resultando daí obras sensuais, lascivas, amorosas e carnais. Em Peter getting out of Nick’s pool (1966), o corpo desnudado do namorado da altura sai da água, com o reflexo do sol a formar padrões geométricos na superfície da piscina, enquanto em A bigger splash (1967), alguém se atira para a água provocando salpicos, numa espécie de ejaculação que rompe com o rigor minimalista da casa ou do trampolim. Em Portrait of an artist (Pool with two figures) (1972), é outra vez o “amor da sua vida”, como se referiu a Peter Schlesinger, à beira da piscina, contemplando a sua distorção aquática, num gesto de catarse, na altura em que a relação já se havia desintegrado. Esta fase tornou-se iconográfica das revoluções sexuais, económicas e estéticas de uma época. Na Califórnia Hockney encontrou a irreverência do lúdico, o gosto pleno dos sentidos, uma existência sem complexos, os corpos bronzeados reflectindo um estilo de vida particular. Os detractores não lhe perdoam isso, criticando o que dizem ser um universo algo superficial que não reflectia os acontecimentos do século XX. “Faço quadros que pretendem significar algo para o maior número de pessoas”, costuma responder, tendo argumentado provocatoriamente em 1988 que a “ideia de fazer quadros para 25 pessoas do mundo da arte é uma loucura e é ridículo. ” Ainda assim não é plausível que tenha uma relação instrumental com o mundo da arte. É, isso sim, alguém muito consciente do meio onde se insere. Isso é perceptível até na sua imagem trabalhada – os cabelos muito louros com os óculos grandes, redondos e grossos, bonés, lenços ao pescoço e padrões riscados ou axadrezados – inspirada no pai, originando um dandismo excêntrico mas familiar, fazendo lembrar também Andy Warhol na forma como construiu uma personagem pública. O pai – um anti-fumador radical, contra o qual se rebelou, pois tem sempre um cigarro nos dedos – e a mãe são retratados, o que não surpreende porque apenas pinta pessoas de quem se sente próximo. Os famosos duplos retratos de grande formato reflectem essa proximidade: um olhar íntimo e singular sobre a banalidade quotidiana das coisas, pintando amigos da vida social californiana em poses informais (como o escritor Christopher Isherwood e o seu parceiro, Don Bachardy, um dos primeiros casais abertamente gays de Hollywood), porém representados com a seriedade dos retratos mais tradicionais. Um silêncio quase religiosoEm Mr and Mrs Clark and Percy (1971) são os amigos Celia e Ossie Clark que são retratados e em My parents (1977), o homem mundano de Hollywood volta a ser apenas filho, com as cores vibrantes a darem lugar a tons mais terrenos, sublinhando o olhar doce da mãe e a alheação do pai. No Natal volta sempre a casa e o regresso às raízes no Yorkshire, e às paisagens pintadas ao ar livre, dar-se-ia ao longo dos anos por diversas vezes, alternando com a existência americana. Na Califórnia é seduzido pela explosão de cores em séries de pinturas de casas, estradas e canyons e na Inglaterra fascina-o a passagem do tempo e das estações com as suas variações de luz resultando daí obras contemplativas como Woldgate woods (2006). Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Mas a passagem do tempo é ainda mais intensa numa das últimas secções com a monumental instalação The four seasons (2008), uma única obra videográfica a encher as paredes da sala, reproduzindo a filmagem das quatro estações nos bosques de Woldgate. No centro da sala o público mergulha com emoção nessa corrente durável, num silêncio quase religioso, como se estivesse a meditar no tempo perdido ou reencontrado, numa obra admirável que constituiu mais uma prova da sua curiosidade por tecnologias modernas de produção e reprodução de imagem. Ele que foi pioneiro no uso da fotocópia e do fax para desenhar e, a partir de 2007, do Photoshop, mais recentemente tem recorrido ao iPhone e numa escala maior ao iPad. As novas técnicas e suportes sempre o excitaram. Não surpreende que na penúltima sala a tecnologia para iPad e telemóveis seja utilizada para produzir e animar desenhos em movimento, embora o que sempre uniu as diferentes fases do seu percurso, linhas, cores e tempo, continuem lá. Para ele o objecto a representar pode ser o mesmo, mas gosta de poder faze-lo de maneiras diferentes. Na última sala, dedicada a pinturas recentes, somos outra vez confrontados com profusão de cores, devolvendo-nos a exuberância botânica dos jardins californianos, como se quisesse reafirmar que, apesar da idade, é ainda o vigor e uma simplicidade e variedade plena de sentido e de expressividade que o iluminam. Depois, cá fora, estudantes de arte de óculos redondos, jovens exibindo o último modelo de ténis, casais de idade avançada ou recém-casados com bebés, todos parecem satisfeitos depois de terem mergulhado numa obra que se foi tornando transversal, sendo ao mesmo tempo exigente e comunicativa, expressando melancolia mas acima de tudo o prazer de existir.
REFERÊNCIAS:
Partidos LIVRE
O crente e o não-crente para quem "Jesus sabe bem"
O escritor Frederico Lourenço, fascinado pelo texto bíblico, tem dificuldade em aceitá-lo como texto sagrado. Levámo-lo ao encontro de um religioso conhecido pela sua heterodoxia. Há um aspecto em que Frei Domingues e Frederico Lourenço estão de acordo: Jesus “sabe sempre bem". (...)

O crente e o não-crente para quem "Jesus sabe bem"
MINORIA(S): Homossexuais Pontuação: 6 | Sentimento 0.0
DATA: 2017-09-24 | Jornal Público
SUMÁRIO: O escritor Frederico Lourenço, fascinado pelo texto bíblico, tem dificuldade em aceitá-lo como texto sagrado. Levámo-lo ao encontro de um religioso conhecido pela sua heterodoxia. Há um aspecto em que Frei Domingues e Frederico Lourenço estão de acordo: Jesus “sabe sempre bem".
TEXTO: Sabe bem entrar na pequena sala do Convento de São Domingos, onde havemos de ficar a conversar longamente. O anfitrião, Frei Bento Domingues, deixou previamente ligado um aquecedor que nos reconforta, depois da ventania do Alto dos Moinhos. Antes disso, foi cicerone pelos espaços do convento, onde vivem cerca de três dezenas de religiosos. Em cima da mesa, entre papelada diversa, está um exemplar de O Livro Aberto — Leituras da Bíblia (edição Cotovia), a publicação mais recente de Frederico Lourenço. Aos 52 anos, o escritor define-se como um ex-católico, à procura de uma conciliação entre o pensamento racional e a figura de Jesus. A doutrina da Igreja acerca da homossexualidade não é alheia, evidentemente, a esse corte com a prática religiosa, sendo Frederico Lourenço um gay assumido. Mas há outras dúvidas e inquietações de que dá testemunho no livro que serve de pretexto a este encontro. Frei Bento já o tinha lido quando lhe liguei desafiando-o para a conversa com o escritor. Entre concordâncias e discordâncias, salta à vista o mesmo entusiasmo pelo texto bíblico de dois leitores da Bíblia separados pela questão da fé. Ao lerem a Bíblia, lêem ambos o mesmo livro ou a fé, que um tem e o outro não, altera substancialmente a leitura?Frederico Lourenço — A fé pode alterar, naturalmente, o olhar sobre o livro. Se tivermos fé, e sobretudo se estivermos a ler o livro de acordo com a crença e a prática de uma qualquer modalidade do cristianismo — pode ser católica, luterana, protestante —, estamos condicionados para ver um sentido que, se não tivermos fé, não somos obrigados a ver. Frei Bento Domingues — O que é importante, antes de mais, é o facto de a Bíblia ser a biblioteca de um povo: de épocas muito diferentes, com géneros literários e problemáticas também muito diferentes. Na verdade são duas bibliotecas: o Antigo Testamento e o Novo Testamento. F. B. D. — Sim. Os cristãos depois integraram-na, fazendo a sua interpretação a partir de Jesus. Releram o Antigo Testamento em função desse acontecimento. Por isso é que muitas vezes aquilo é artificial. Depois do acontecimento lêem para trás. Não é que antes já previssem Jesus, depois do acontecimento é que já vêem lá tudo. F. L. — Pessoas como o Frei Bento já estudam estes assuntos há muitos anos. Dar-se-ão conta de que muitas das coisas que pergunto no meu livro são perguntas feitas já desde o século XVIII. Até desde antes disso. São interrogações que vale sempre a pena voltar a colocar porque estamos agora numa altura em que, sobretudo noutras vertentes do cristianismo que não o catolicismo, se está a derivar para uma crença fundamentalista, voltando a interpretar à letra tudo o que está na Bíblia, como se fosse a palavra infalível de Deus. Esta questão da literalidade na leitura é relevante. F. B. D. — É importante, sim. A exegese histórico-crítica da Bíblia começou em grande parte no mundo protestante. Foi levantada por um padre francês mas abafada, e depois reapareceu a partir dos séculos XVIII, XIX. Recordo-me que o meu professor de Antigo Testamento, em Salamanca, nos dizia sempre: “Quando virem números na Bíblia, tirem sempre dois zeros. Pode-se provar que nem sequer havia naquela povoação tanta gente. ” Era uma leitura extremamente crítica e que tinha dois efeitos: vacinava uns contra todos esses fundamentalismos, mas encrespava outros: “Então e a nossa teologia, todos os argumentos que temos?” Dizia ele assim: “Já ensinei toda a vossa filosofia a um papagaio; vós repetis mas isso nada tem a ver com o que se passa na Bíblia. ” Quanto ao Frederico, há uma tarefa lindíssima a que poderia dedicar-se: seria a tradução da Bíblia dos Setenta, que foi escrita em grego. F. L. — Ando a pensar nisso. Já recebi vários incentivos. F. B. D. — Ainda bem. Aquilo que aparece no seu livro são coisas já muito debatidas, embora sejam conhecidas sobretudo pelos especialistas. Quanto ao resto das pessoas, ainda ouvem as leituras da Bíblia num clima, não digo de fé ou não fé, mas mais piedoso ou menos piedoso. Quando as pessoas falam de fé incluem nisso certas crendices e uma atitude interior em que encontram, na adesão ao mistério do mundo, ao mistério da vida, ao mistério de Deus, aquilo a que chamam “sagrado”. Descobrem aí uma expansão da vida. F. L. — São dois os problemas que identifico na leitura da Bíblia, os meus dois grandes problemas como leitor da Bíblia. Um deles é que discordo racionalmente da exegese que se faz, sobretudo do Antigo Testamento, por cristãos e católicos. Em particular, a ideia de que o que temos de fazer é aprender a ler a Bíblia, conseguindo ver no texto o que não está lá. A minha tese é que nenhum dos autores dos 70 livros que compõem aquilo a que chamamos a Bíblia, nenhum, escreveu com o intuito de que nós lêssemos nas palavras deles outra coisa que não as palavras que foram escritas. Poderá é haver chaves de leitura que hoje é preciso conhecer. F. L. — Sim, todas as chaves são possíveis. E haverá um milhão de chaves. Mas a minha leitura leva-me à crença de que isso é assim mesmo nos livros proféticos. Dou o exemplo de Ezequiel, que é lido de forma totalmente alegórica, metafórica. Ele escreveu tudo o que escreveu para ser lido exactamente com o sentido que as palavras têm. F. B. D. — Uma coisa é ler o texto, outra coisa é a hermenêutica do texto, que tem sempre muitos pressupostos filosóficos, literários. A grande dificuldade que sempre tive é com o insuportável da violência na Bíblia. Um Deus que manda matar, que se mate ele, não o aturo! E as pessoas diziam: “Mas isso está revelado. ” Revelado por quem? O Francolino Gonçalves, um confrade meu, que está na Escola Bíblica de Jerusalém há 45 anos, foi fazer uma análise dos diferentes javeísmos que havia na Bíblia, as diferentes formas de dizer Deus. São muitos, mas ele distingue dois tipos. Um, o sapiencial: “Criou o Céu e a Terra. ” Aqui a palavra “criou” não tem o sentido de Darwin, nem o nosso sentido metafísico: é a organização do caos. Os textos tipicamente sapienciais são universalistas. E depois, a partir da saída do Egipto, há os textos patrióticos, que põem na boca de Deus aquilo que lhes interessa a eles. Deus tem de dar porrada nos nossos inimigos. Tem de estar do nosso lado. Somos capazes de pôr Deus ao serviço dos nossos crimes. Aquilo que consideramos supremo, rebaixamo-lo a instrumento das nossas políticas, das nossas intenções. Isso é válido também para um livro como o Livro de Job?F. B. D. — O Livro de Job é um livro da sabedoria. O que é importante, antes de mais, é o facto de a Bíblia ser a biblioteca de um povo: de épocas muito diferentes, com géneros literários e problemáticas também muito diferentesF. L. — Penso que o Deus que está implícito no Livro de Job não é muito melhor do que este que acabou de ser referido, o daqueles livros históricos mais sanguinários. Como leitor do Livro de Job, não fico muito enaltecido com a imagem de Deus que transparece nele. F. B. D. — O Livro de Job tem várias políticas internas. Tem vários autores. Tomás de Aquino, ao ler esse livro, perguntou: “Mas pode-se discutir com Deus?” Pode, se se tem razão. E Job tinha razão, podia discutir com Deus. Pode ler-se a Bíblia apenas em termos estritamente literários?F. L. — A Bíblia interessa-me, claro, enquanto texto literário. Como leitor. Mas não é essa a vertente que mais me interessa, sendo alguém que tenta reflectir um pouco sobre o texto bíblico. Não nego de forma alguma a força e a qualidade literária da Bíblia. São textos magníficos, todos eles. Uns mais do que outros, claro. Mas a minha abordagem à Bíblia não é essa. A minha abordagem tem mais a ver com a tentativa de conciliar racionalmente as dúvidas que ela me levanta, como alguém que se interessa profundamente pela religião, pelo cristianismo e pelo texto bíblico, desde sempre. Tento equacionar em que consistem as dúvidas que me impedem de me afirmar como cristão, ou crente, a cem por cento. Outro problema é o da lente transfiguradora através da qual a vida de Jesus é narrada nos quatro evangelhos. Sempre como prova de que as profecias estavam a ser cumpridas em tudo o que Jesus fez e não fez. Quando começamos a olhar mais aprofundadamente para essa relação — entre aquilo que foi a vida de Jesus e aquilo que os evangelistas narram —, somos constantemente levados a perguntar: este facto que está aqui a ser narrado é ou não verdadeiro? Há, constantemente, um véu entre aquilo que verdadeiramente aconteceu, que eu gostaria de saber o que foi, e a minha leitura. Esse véu é a interposição do texto do Antigo Testamento, que está a criar constantemente uma barreira entre a vida de Jesus e nós, que estamos a tentar compreender o que foi a vida de Jesus. Isso impede-nos de saber o que realmente se passou. É por isso que o seu evangelho preferido é o de João, por sentir que é o que está mais próximo dos factos?F. L. — João também tem esse problema. É um texto magnífico. F. B. D. — Em relação a João, as últimas investigações são muito engraçadas: são três “Joões”. O texto passou por três fases e hoje, como se faz análise histórico-crítica, é como na Arqueologia: uma camada, depois outra…F. L. — Tenho problemas com isso. Tinham de ser três “Joões” muito bem combinados entre si. Justamente por ser tão estilisticamente unitário. F. B. D. — Há um aspecto importante: Jesus não escreveu nada. Então, o que temos? Sei que as outras pessoas não vão por aí mas isso não me interessa, o nosso primeiro direito é o de pensar livremente. Os textos são muito posteriores ao que aconteceu. O que me impressiona é que — apesar de enfoques distintos nas diferentes comunidades, porque surgiram grupos muito diferentes em sítios muito diferentes — todos me falam de alguém que me sabe sempre bem. F. L. — Ah, sim. F. B. D. — Depois, uma coisa a que ninguém liga nada e que é a minha iluminação. No Evangelho de Lucas há uma passagem, no capítulo dez, que me faz rir sempre que a leio. Apresenta as coisas com os 12 apóstolos. Também é um número simbólico como nas 12 tribos de Israel. Mas ele achou que só com 12 não iam muito longe. Então inventa um envio de discípulos, uns 70. Quando voltam, a situação que narra é como a dos adolescentes quando vão para um campo de férias. Ao voltarem a casa, contam tudo aos pais; contam, contam, contam. Também eles vieram ter com Jesus e disseram-lhe: “Foi fantástico!” Contaram-lhe tudo o que tinha acontecido. E Jesus: “De facto correu mesmo bem, sim senhor. ” Depois diz isto, que é o coração da minha fé, aquilo que me ilumina interiormente: “Mas cuidado, alegrai-vos sobretudo porque os vossos nomes estão inscritos nos Céus. ” A palavra “céus” era um substituto de Javé, de Adonai, um substituto de Deus. “Alegrai-vos porque a vossa vida está inscrita no coração de Deus. ” E depois, acrescenta o texto: “E ele naquele momento comoveu-se com o que disse. ” Comoveu-se! Séculos e séculos andaram a querer ouvir isto e não ouviram, a querer ver isto e não viram. Costumo dizer que se Deus é amor e se não nos ama vai para o desemprego. F. L. — Acho isso muito bonito. Acho lindo. Mas pessoalmente não consigo senti-lo de uma forma racional. Consigo sentir que eu, pessoalmente, Frederico Maria, sou amado por Deus. Isso consigo. E até me interrogo porquê. Mas olhando de forma completamente fria e objectiva para o mundo à nossa volta, não vejo de modo algum o Deus do amor. Acho que ele foi mesmo para o desemprego. Não está a amar as pessoas. Consigo sentir que eu, pessoalmente, Frederico Maria, sou amado por Deus. Isso consigo. E até me interrogo porquê. Mas olhando para o mundo à nossa volta, não vejo de modo algum o Deus do amor. Acho que ele foi mesmo para o desempregoF. B. D. — O Frederico está como aquele rabino que, quando lhe disseram que veio o Messias, foi à janela e concluiu que não havia prova nenhuma de que ele tivesse chegado. É de facto o mundo que temos. Mas quando se coloca o problema da racionalidade, devo dizer que ainda não percebi bem o que é a razão. O Immanuel Kant diz algo que me ajuda: a nossa razão tem a capacidade de levantar problemas que não sabe resolver. É da própria natureza da nossa razão levantar permanentemente problemas. F. L. — A grande vantagem da filosofia em relação à teologia e à catequese é que a filosofia nos ensina a pensar criticamente. Penso que isso é uma grande dádiva que já vem desde os gregos. Acho que devemos pensar criticamente. Deus, existindo ou não, mesmo que exista não quer que abdiquemos da capacidade de pensar criticamente e que deixemos de aplicar o pensamento crítico a tudo o que nos ocorre na vida. Temos de exercer o pensamento crítico, que é necessariamente diferente de pessoa para pessoa, não pode ser sempre coincidente. Esse é o grande problema de uma religião como a religião católica: querer conciliar biliões de seres humanos, levando-os a pensar mais ou menos a mesma coisa, a ter um pensamento que vai sempre desaguar numa conclusão já pré-determinada. Esse é o meu problema em relação à abordagem teológica, à Bíblia no geral. Estou a falar mais no Novo Testamento, e concretamente nos evangelhos, que é aquilo que mais me interessa. A discussão está viciada à partida porque a conclusão já está pré-determinada. A conclusão tem de ser consentânea com a doutrina católica. F. B. D. — Há aí um problema importante. Creio que, na Igreja Católica, se não tivesse havido o Concílio Vaticano II, estaríamos como estão agora muitos muçulmanos em relação ao Corão. Também se interpretava tudo como um ditado divino. Na Igreja Católica, durante muito tempo, também se fazia dos textos do Antigo Testamento uma emanação divina. Isso punha-me sempre o problema: o que fizeram ali os escritores, porque é que aquilo não saiu tudo certo? No Vaticano II, quando o Papa João XXIII diz que estava a fazer a barba e se lembrou de convocar um concílio, havia na Igreja muitas tendências, muitos grupos, mas havia um Santo Ofício que vigiava, que condenava. E antes tinha havido a Inquisição, que queimava. O que se passou no Vaticano II foi que, desde o primeiro momento, se começou a discutir um documento que só foi aprovado um dia antes da conclusão do Concílio. Era o documento sobre a liberdade religiosa, sobre a liberdade de consciência. Aquilo que o Frederico diz, é verdade: há um catálogo de dogmas, se és católico tens de acreditar, isto está definido. Rio-me sempre disso. Quem é que soube que aquilo é que era a verdade? Foi por catálogo. Escrevi, em 1956, numa revista de estudantes católicos, por aí, que se deviam fechar todas as faculdades de Teologia, acabar com todas as leituras da Bíblia, e ter uma central telefónica (naquela altura, ainda só havia telefones). Os telefonemas eram atendidos em Roma e perguntava-se: “Como é isto?” E de lá respondiam [risos]. Era uma poupança. As pessoas escusavam de se preocupar, era só ligar. Isto é uma imagem do absurdo das posições absolutistas. Foi essa a luta de todo o século XX. Uma luta muito difícil mas que culminou nisto da liberdade religiosa. O Frederico sente esta abertura ou ainda vê zonas de dogma?F. L. — Com todo o apreço, o que acho muitas vezes das pessoas da Igreja Católica, dos teólogos, mesmo aqueles que têm fama de progressistas, é que essa atitude alegadamente progressista o é muito pouco. Tenho andado a ler, por curiosidade, alguns escritos daquele teólogo muito controverso, o enfant terrible da teologia, Hans Küng, e estou muito desiludido com essa leitura. Ele não é nada revolucionário naquilo que escreve. É completamente acomodatício em relação a praticamente tudo o que esperaríamos de um homem tão anatematizado. F. B. D. — Tem razão nisso. Mas a questão que o Frederico põe só pode ser resolvida por cada um. Não há ninguém que possa pensar por nós, nem nós podemos servir-nos da autoridade deste ou daquele teólogo. Há pessoas com quem concordo mais, outras com quem concordo menos, e outras com quem não concordo nada. Tenho de estabelecer o meu itinerário. Nalguns casos, esse itinerário faz com que as pessoas acabem por perceber que o seu caminho não coincide com o mapa da Igreja Católica. F. B. D. — Muitas pessoas dizem: “Tens todo o direito de pensar isto ou aquilo mas, se achas isso, devias abandonar a Igreja. ” Abandonar o quê? A Igreja de quem é? É tão minha como dos outros. O problema é quando me perguntam: “O que é que fazes pela Igreja?” Eu sou da Igreja. Agora, se me dizem que há um regime militar que diz o que se deve querer e o que se deve fazer, digo a quem pensa assim que cumpra isso, eu não. No seu livro, Frederico, há coisas admiráveis a este respeito. Em tudo o que se diz nos textos do Novo Testamento da arte de ser de Jesus, das formas mais desencontradas, encontro a alegria da vida. Porque ele não quis morrer. Depois puseram lá que ele quis morrer. Não. Ele quis não trair, que é completamente diferente. Ele não quis a cruz, puseram-lha às costas. Ele podia pôr-se a andar. F. L. — Mas ele quis a cruz, quis esse desfecho. F. B. D. — Não, não. F. L. — “Para que se cumpra o que estava escrito. ”F. B. D. — Mas isso é o que há bocado estivemos a dizer: foi uma forma de harmonizar, dizendo que estava tudo previsto. É o tal véu de palavras em que não se sabe o que é facto e o que é construção posterior. Aquilo que Jesus é, ?é para todos os tempos e lugares. Cheira-me que por aqui passa Deus, passa o ser humano e passa a vida e passa a alegriaF. B. D. — Há coisas muito engraçadas. Quando o vão acusar de trabalhar ao sábado, por exemplo. O sábado estava proibido, era o dia mais santificado. Até imaginaram que o próprio Deus parou para não trabalhar ao sábado. Há uma narrativa sacerdotal da criação que põe Deus a descansar ao sétimo dia. Era uma forma de justificar aquela instituição — aliás, admirável — que mostra que o ser humano não é só para trabalhar, também é para descansar. Só que, ao fazer do dia de descanso uma obrigação, transformaram-no num colete de forças. Não se podia fazer nada. Isso ainda acontece entre os fundamentalistas judaicos. Ora, Jesus diz: “Não é o ser humano para o sábado, é o sábado para o ser humano. Não é o homem para o sacrifício, os sacrifícios é que são para os seres humanos. ” Creio, é a minha interpretação muito subjectiva, que Jesus não queria a cruz, nunca a quis. Ele até foi acusado foi de estar com os copos. F. L. — Porque não jejuam, nem ele nem os discípulos. Ele responde: “Enquanto o noivo está cá, porque é que hão-de jejuar?”F. B. D. — No Evangelho de Lucas dizem mesmo que ele é um beberrão e um glutão. Que não faz nada como João Baptista, que era um homem austero. Jesus está sempre à mesa com aqueles que são vistos como pecadores e marginais. Ele queria abrir um novo caminho, um caminho de liberdade, um caminho de felicidade para as pessoas. Por isso é que lhe chamavam evangélico; era um caminho de alegria, a boa nova. Ora, correu tudo mal. O que me parece é que ele, pelo testemunho que temos, na própria cruz transformou o seu Deus — “Senhor, porque me abandonaste?” — no Deus das vítimas. F. L. — Ele só diz isso em dois evangelhos, nos outros dois não diz. Em João diz só: “Está cumprido. ” Só diz isso em Mateus e em Marcos. F. B. D. — Não, não diz, digo eu. Mas diz outra coisa: “Pai, perdoai-lhes porque não sabem o que estão a fazer. ”F. L. — Isso só diz em Lucas. F. B. D. — Só. F. L. — E numa frase considerada inautêntica nas edições críticas. Os manuscritos mais antigos não têm isso. Ficamos com este problema. Queremos tanto que ele tenha dito essa frase. F. B. D. — A minha resposta é esta, se não disse, devia ter dito [risos]. E as pessoas podem dizer que eu também estou a querer criar um evangelho, mas pelo que dizem os outros também tenho esse direito. Por aquilo que todos os outros textos bíblicos dizem, também posso fazer a minha configuração de Jesus. Essa configuração não corre o risco de se tornar uma forma de religião à la carte?F. B. D. — Não, é o contrário. À la carte é o que encontram sempre para resolver problemas particulares. Esse é o único problema do mundo. Os seres humanos são todos seres humanos. F. L. — Eu estou numa fase em que ando à procura de uma atitude objectiva em relação à religião, de um modo geral, e, em particular, em relação à figura de Jesus Cristo. O que me interessa é tentar conciliar — enfim, sei que é a quadratura do círculo mas ainda não desisti, e não vou desistir tão depressa — o pensamento crítico, racional, objectivo (aplicando a toda esta questão as mesmas armas e as mesmas estratégias que aplicaríamos a qualquer problema filosófico), de modo a tentar uma compatibilização entre o pensamento racional e a relação com Jesus. Sem ter de invocar mil coisas misteriosas, e mil coisas que a mente humana não entende nem consegue alcançar. Pode ser que um dia me dê completamente por derrotado e aí tenho de optar: ou a fé cega ou o ateísmo. Mas ainda não estou nesse momento porque ainda não me dei por derrotado nessa tentativa de conciliar o pensamento racional com a vontade de me aproximar de Jesus. Fui crente, católico, durante muitos anos. Depois fui mais ou menos católico durante muitos anos. Depois passei a ser mais ou menos ex-católico, e agora estou numa fase em que duvido, de facto, por uma questão de coerência interior, que alguma vez volte a ser católico praticante. Não por nenhuma aversão à Igreja Católica. Como é que se quebrou essa relação?F. L. — Há muitas razões, muitas coisas que me dão a sensação de que aquilo que podemos saber de objectivo sobre Jesus, que no fundo são as informações que nos vêm do Novo Testamento, são coisas, muitas vezes incompatíveis com aquilo em que o cristianismo se transformou. Logo desde os primeiros séculos. Houve uma perversão da mensagem original. F. L. — Uma das coisas que Jesus diz é: “Vereis aqui quem são os meus discípulos pelo amor que têm uns pelos outros. ” Isso é uma coisa que antes de Constantino já se via, os ódios de morte entre essas grandes figuras da Igreja: São Jerónimo odiava Santo Ambrósio. . . É todo um catálogo de discordâncias, de ódios, de rivalidades, de invejas. E posteriormente de crimes. F. L. — Quando a versão ortodoxa católica teve o apoio político, conseguiu, de facto, esmagar muitas heresias. Há aquela coisa muito típica do Concílio de Niceia, quando queimam os escritos do herético Máximo. No final do século V já estavam a queimar os escritos e os heréticos. Já não eram só os livros, era também quem os lia. F. B. D. — Os perseguidos passaram a perseguidores. F. L. — Isso é uma história que não é compatível com o Jesus que eu encontro, mesmo com esse véu que me impede de ver a pessoa real. Ainda assim consigo vislumbrá-la. Como diz o Frei Bento, e estou inteiramente de acordo: apesar de tudo, lendo os evangelhos, tudo o que se lê sobre Jesus sabe bem. Tudo tem um cunho extremamente convincente. Apesar de haver todas estas interrogações que se levantam. O mais problemático, para mim, é entender a vida deste homem e tudo o que aconteceu à volta dele como uma manta de retalhos de citações do Antigo Testamento. F. B. D. — Isso não me causa problema nenhum. F. L. — Não? Ajude-me. F. B. D. — Coisas que causam ao Frederico muita espécie, a mim dão-me muito riso. Está-se mesmo a ver que aquilo foi arranjado para calhar bem. Aquilo são querelas de família. O judaísmo do tempo de Jesus tinha muitas tendências e muitos grupos organizados. Meier tem um estudo em quatro volumes para dizer que Jesus era um judeu marginal. É demasiado esforço para uma coisa que parecia evidente. Mas para mim é o contrário: os fulanos eram formados no judaísmo, eram formados na sinagoga ou no templo com os mestres que havia. O que eles sabiam eram precisamente essas narrativas. Os autores — independentemente das dúvidas sobre quem escreveu o quê — estão entre judeus e têm de provar aos outros judeus que aquilo não é uma loucura, que até já estava previsto. É uma estratégia de texto. As pessoas podem dizer: “É uma aldrabice. ”Ainda não me dei por derrotado nessa tentativa de conciliar o pensamento racional com a vontade de me aproximar de JesusÉ uma forma de legitimação?F. B. D. — É uma forma de argumentação. São estratégias de texto, estratégias de pensamento. Se há um modelo de vida no Ocidente, é a arte de viver de Jesus. Fazendo uma espécie de apanhado de tudo o que foi escrito no Novo Testamento, parece-me que Jesus se sai bem no exame. Aquilo que Jesus é é para todos os tempos e lugares. Jesus, não sei, tem um quê de especial, um quê não sei quê. Cheira-me que por aqui passa Deus, passa o ser humano e passa a vida e passa a alegria. F. L. — Com essas palavras concordo inteiramente. F. B. D. — Agora, a questão que põe, a questão da razão, considero-a muito verosímil. Porquê? Nós somos seres racionais, sim, mas somos muito mais do que isso. Somos muito mais do que o que se pode apurar pela razão. Somos sentimentos, somos tanta coisa. F. L. — Há bocadinho, o Carlos falou no perigo da religião à la carte, e lembrei-me daquela versão dos evangelhos feita pelo terceiro Presidente dos Estados Unidos, Thomas Jefferson, que pegou numa tesoura e numa navalha e cortou tudo o que eram milagres, tudo o que era contrário à razão. Deixou só o que podia ser racionalmente compreensível. Ainda é muita coisa. Chamou àquilo a Filosofia de Jesus Cristo. Mesmo reduzindo os evangelhos a essa expressão mínima, ainda vemos aquilo que o Frei Bento estava a dizer: há qualquer coisa de extraordinário em Jesus. Há ali qualquer coisa. F. B. D. — O Eduardo Lourenço diz que gostaria de estar sobre o ombro de Jesus enquanto ele escrevia na areia, quando estavam a incriminar a mulher adúltera. Jesus levanta-se e diz: “Quem não tem pecados que atire a primeira pedra. ” Há qualquer coisa na arte de ser de Jesus. Agora, o Papa fala de misericórdia. Ter o coração junto da miséria dos outros é mais importante do que saber como é que havemos de os culpar. F. L. — Este exemplo que o Frei Bento acabou de citar também é um caso difícil, numa visão racional do Novo Testamento. Este episódio da mulher adúltera, que está no evangelho de João, só está lá, e não deve ter feito parte dele originalmente. É a única parte do evangelho de João que destoa estilisticamente. Os manuscritos mais antigos não têm esse episódio da mulher adúltera, embora depois tenha passado a ser considerado canónico pela Igreja Católica. Mas ao longo de toda a história da Igreja houve sempre muitos problemas em aceitar aquilo. Por isso, muitos manuscritos gregos, do século X, omitem totalmente esse episódio. Pura e simplesmente, não existiu. É inconveniente. F. B. D. — Os escritores têm uma coisa boa; diz um: isto aqui ficava bem; depois vem outro: isto aqui fica mal, por causa das convicções. Agora, há uma coisa que lhe quero dizer: o seu pai [o poeta e filósofo M. S. Lourenço] escreveu um livro pelo qual tenho uma devoção especial, Os Degraus do Parnaso. Um dia antes de ele morrer, disse-lhe isso ao telefone. No momento em que ele escreveu pela segunda vez aquele livro, aquelas crónicas, disse que procurou um efeito estético, quis que aquilo fosse uma obra de arte. Eu creio que os evangelhos não tiveram esse intuito: de escrever uma obra de arte. Tiveram o intuito de escrever sobre alguém que é uma obra de arte. F. L. — Concordo inteiramente. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Eu creio que os evangelhos não tiveram esse intuito: de escrever uma obra de arte. Tiveram o intuito de escrever sobre alguém que é uma obra de arte
REFERÊNCIAS:
Fórum para o VIH/sida denuncia “retrocesso preocupante” com novo modelo de financiamento
Coordenadora do Programa Nacional para a Infecção VIH/sida assume mudanças, mas defende que “realidade anterior era perfeitamente insustentável”. Em causa está o modelo de financiamento dos projectos de base comunitária. (...)

Fórum para o VIH/sida denuncia “retrocesso preocupante” com novo modelo de financiamento
MINORIA(S): Homossexuais Pontuação: 6 | Sentimento 0.136
DATA: 2019-07-10 | Jornal Público
SUMÁRIO: Coordenadora do Programa Nacional para a Infecção VIH/sida assume mudanças, mas defende que “realidade anterior era perfeitamente insustentável”. Em causa está o modelo de financiamento dos projectos de base comunitária.
TEXTO: As alterações ao modelo de financiamento de projectos desenvolvidos ao abrigo Programa Nacional para a Infecção VIH/sida são um “retrocesso preocupante”, alegam as organizações que integram o Fórum Nacional da Sociedade Civil para o VIH/sida num comunicado enviado nesta quarta-feira. Em Abril, a Direcção-Geral da Saúde (DGS) instituiu alterações ao modelo de financiamento dos projectos de base comunitária. Até agora, “os concursos públicos possibilitavam às organizações da sociedade civil implementar respostas abrangentes e adequadas junto de populações em situação de vulnerabilidade e de difícil acesso”, mas “passaram a prever apenas a realização de sessões de rastreio de infecções sexualmente transmissíveis”, lê-se em comunicado enviado pelo Fórum Nacional da Sociedade Civil para o VIH/sida. “Este modelo apresenta-se como uma descontinuidade de financiamento e assume-se, sobretudo, como uma ruptura nos serviços integrados disponíveis na comunidade”, defendem as organizações que integram o fórum — a Abraço, a ILGA Portugal e o Grupo de Activistas em Tratamento (GAT) são três das 20 entidades que o constituem. Contactada pelo PÚBLICO, Isabel Aldir, coordenadora do Programa Nacional para a Infecção VIH/sida, reconhece que houve alterações e explica porquê: "Nós financiávamos projectos de rastreio em que não havia uma ligação entre o número de sessões de rastreio e a atribuição do financiamento. Uma das situações que nós vínhamos a verificar é que havia organizações que estavam a ser financiadas com valores substanciais e que, por vezes, nem 100 sessões de rastreio por ano faziam. ”Outra das razões para a mudança tem a ver com a necessidade de encontrar as pessoas que estão infectadas mas não sabem e para isso é preciso aumentar o número de rastreios. "Felizmente, já atingimos as três metas da ONU/sida e temos 92% da população que tem a infecção já conhecedora do seu diagnóstico”, nota a coordenadora do programa nacional. Mesmo assim, estima, “falta-nos diagnosticar mais ou menos 3 mil pessoas”. "Isso é encontrar uma agulha no palheiro. ”A mudança “não foi uma decisão irreflectida”, garante Aldir. “Fizemos um levantamento exaustivo do modo de funcionamento [nos outros países]. ” E defende que manter a situação anterior seria "perfeitamente insustentável”. O Fórum Nacional da Sociedade Civil para o VIH/sida queixa-se da “significativa redução no valor máximo de financiamento” e da nova “metodologia do preço compreensivo”. Resultado: cada instituição recebe 21 euros por sessão de rastreio. Isabel Aldir justifica esse número: “O GAT celebrou um contrato com a ARSLVT [Administração Regional de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo] para fazer exactamente esta tarefa e cujo financiamento é de 21 euros. ”Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. As organizações que integram o fórum alegam ainda que esta “lógica limitadora e economicista” levou à “impossibilidade de dar continuidade a serviços [de proximidade junto de públicos específicos]”. Sobre esta questão, Aldir detalha que “dois concursos ficaram vazios — um era na área de Aveiro e outro no Porto entre trabalhadores sexuais e seus clientes”. A responsável diz ainda que as “organizações é que decidiram não concorrer”, e defende que “se consideram o trabalho interessante, é melhor dar continuidade”. Durante a tarde desta quarta-feira, a coordenadora do Programa Nacional para a Infecção VIH/sida e o Fórum Nacional da Sociedade Civil para o VIH/sida vão estar reunidos. “Claro que eu percebo o lado deles”, assegura Aldir.
REFERÊNCIAS:
Entidades ONU
Pose, a Nova Iorque do final dos anos 1980
A série queer co-criada por Ryan Murphy sobre a cultura ball nova-iorquina chegou finalmente ao Netflix. (...)

Pose, a Nova Iorque do final dos anos 1980
MINORIA(S): Homossexuais Pontuação: 6 | Sentimento -0.08
DATA: 2019-07-10 | Jornal Público
SUMÁRIO: A série queer co-criada por Ryan Murphy sobre a cultura ball nova-iorquina chegou finalmente ao Netflix.
TEXTO: Em 2004, a estudar cinema, Steven Canals viu Paris is Burning, o documentário de Jennie Livingston sobre a cultura ball da segunda metade dos anos 1980 em Nova Iorque. Eram competições LGBTQIA, bailes drag que serviam de refúgio para quem não era permitido existir em mais lado nenhum. Foi aí que nasceu a ideia de Pose: uma história sobre essa época, centrada em pessoas transgénero, não-binárias, queer, negras e latinas.
REFERÊNCIAS:
Palavras-chave cultura
Gus Vant Sant joga pelo seguro
Um momento de pausa na carreira do realizador. (...)

Gus Vant Sant joga pelo seguro
MINORIA(S): Homossexuais Pontuação: 6 | Sentimento 0.5
DATA: 2018-06-30 | Jornal Público
SUMÁRIO: Um momento de pausa na carreira do realizador.
TEXTO: Gus van Sant tem construído uma carreira irregular, em constante vai-e-vem entre projectos pessoais como Gerry, Elephant ou Paranoid Park, e filmes mais mainstream, “de prestígio”, como Terra Prometida ou Milk. Não Te Preocupes, Não Irá Longe a Pé tem elementos de ambas as vertentes: o realizador trabalhava há anos nesta adaptação da autobiografia do cartoonista paraplégico John Callahan (que chegou a trabalhar na adaptação antes da sua morte em 2010), projecto caro ao falecido Robin Williams, originalmente escalado para o interpretar. Mas a textura convencional de filme biográfico revela que é também um “porto de abrigo” para o realizador, depois do desastre de The Sea of Trees e das reacções decepcionadas à mini-série que produziu para a HBO sobre o movimento LGBT nos EUA, When We Rise. Realização: Gus Van Sant Actor(es):Joaquin Phoenix, Jonah Hill, Rooney Mara, Jack Black, Tony GreenhandNada garante que não volte a tirar um coelho da cartola, mas para já Não Te Preocupes, Não Irá Longe a Pé ficará como colheita menor, apesar de um Joaquin Phoenix em óptima forma e o elenco cheio de amigos (Udo Kier, Beth Ditto, Kim Gordon). A montagem em alternância temporal (sobretudo na primeira metade do filme) e a câmara de Christopher Blauvelt. sempre à procura de um alvo em movimento enquanto Phoenix se tenta escapulir de maneira travessa, bem querem puxar o filme para outro lado, mas Van Sant fica-se pela convenção filmada sem convicção, como se estivesse a lamber as feridas.
REFERÊNCIAS:
Prince e a obra que iria ser um desastre e se tornou mítica
Em 1984 os universos da soul e do rock eram apartados e ser-se exploratório e popular não era para todos. Foi então que apareceu Prince com o álbum e filme Purple Rain mostrando que era possível conciliar todas essas dimensões. O disco foi agora reeditado com inéditos. Um luxo. (...)

Prince e a obra que iria ser um desastre e se tornou mítica
MINORIA(S): Homossexuais Pontuação: 6 | Sentimento 0.0
DATA: 2017-07-01 | Jornal Público
SUMÁRIO: Em 1984 os universos da soul e do rock eram apartados e ser-se exploratório e popular não era para todos. Foi então que apareceu Prince com o álbum e filme Purple Rain mostrando que era possível conciliar todas essas dimensões. O disco foi agora reeditado com inéditos. Um luxo.
TEXTO: O ano de 1984 foi de felicidade para Prince Rogers Nelson. Thriller (1982) de Michael Jackson ainda pairava nas tabelas de vendas. Bruce Springsteen havia lançado Born In The U. S. A. e os americanos dançavam ao som da banda-sonora de Footloose. Mas o álbum que permaneceu nas tabelas de vendas durante mais tempo nesse ano, depois da edição em Junho de 1984, dava pelo nome de Purple Rain. É esse mesmo álbum que passados 33 anos sobre a sua edição, e um ano depois da morte de Prince, é reeditado, com um acréscimo relevante: repleto de temas inéditos e raridades. Existem duas versões: uma delas com dois CDs (o original remasterizado e o disco From the Vault & Previously Unreleased) e outra com três CDs e um DVD (além dos mencionados, junta-se Single Edits & B-Sides, e um DVD com o concerto Live at the Carrier Dome, Syacuse, NY, de Março de 1985). Autoria:Prince Purple Rain Deluxe (Expanded Edition) NPG Records, distri. Warner MusicLogo depois da sua morte, a 21 de Abril do ano passado, antecipou-se que o arquivo de Prince estava recheado de música nunca antes editada, com o Bremer Trust Bank, responsável pela gestão do património, a afiançar que terá deixado material para lançar um disco por ano nos próximos 100. Talvez seja exagero, mas conhecendo-se que tinha um apetite voraz por criar não custa acreditar. Para já aí estão uma série de temas inéditos, todos eles registados no período criativo que daria origem a Purple Rain. É pouco crível que algum deles venha a atingir o sucesso de qualquer um dos pares já conhecidos (cinco das nove canções de Purple Rain viriam a originar singles) mas fica também a certeza que nenhum deles desmerece o talento do autor. É o caso da longa digressão dançante que é The dance electric, registada no Verão de 1984, ou as epopeias funk Love and sex e Computer blue. Em Electric intercourse temos o Prince de falsete numa incandescente balada, enquanto em Our destiny/Roadhouse garden temos Lisa Coleman nas vozes e Possessed entra numa toada electro-funk, num tema que terá sido composto depois de ter assistido a um concerto de James Brown. A única dúvida que fica, sabendo-se como nos últimos anos se tornou casto, é se concordaria com a edição de canções com títulos como Wonderful ass ou We can fuck. Mas a verdade é que esses foram talvez os anos mais hedonistas de Prince. E também aqueles onde a sua ambição ficou mais vincada. O seu sucesso era crescente, com os cinco álbuns que já havia lançado, particularmente com 1999 (1992), mas ainda não granjeava do estatuto de figura única da música popular. Estava num momento determinante do seu percurso. Desde o seu primeiro álbum, em 1978, parecia ter como missão incarnar décadas de música popular, inserindo no mesmo lugar funk, soul, rock, pop, electro e muita fisicalidade libidinal à mistura. Mas a verdade é que até Purple Rain ainda não havia conseguido posicionar-se de forma categórica junto de um público transversal, conciliando sucesso popular e credibilidade artística. Nos anos 1980, em muitos lugares, como em Portugal, e para muitas franjas, como as conectadas com o pós-punk, continuava a ser apenas uma curiosidade, com um visual exótico, tentando ser, ao mesmo tempo, Jimi Hendrix e Otis Redding, Beatles e James Brown, Fleetwood Mac e Sly Stone, Marvin Gaye e Kraftwerk. O reconhecimento universal que desejava estava longe de ser um facto, até porque alguns dos seus discos iniciais respiravam ainda um universo muito fechado onde ele parecia ser o único habitante, compondo, orquestrando, produzindo e tocando a quase totalidade dos instrumentos. Todos os que o rodeavam achavam que a obra seguinte teria que ser calculada com precisão, mantendo o rumo estético do álbum anterior que se revelara um êxito, principalmente junto do público consumidor de soul, funk e R&B. Mas Prince queria mais. Desejava também alcançar o público mais afecto à cultura rock. Pretendia ser visto como o líder e guitarrista de uma banda, capaz de congregar várias tipologias no espaço de uma só canção de forma orgânica. Queria arriscar, experimentar e ser popular. Quando soube das intenções o seu agente ter-lhe-á dito: “Tens de escolher. Não podes querer ser Miles Davis e Elvis Presley em simultâneo. ”Mas quando começou a trabalhar no sexto álbum não pensou apenas num disco, mas num filme que ele protagonizaria, acabando o disco por servir de banda-sonora. Quando expôs o projecto à sua agência de management e à editora Warner, no Verão de 1983, estes não se mostraram convencidos. Não só receavam que a mudança estética alienasse o público que já havia conquistado, como o filme lhes parecia uma excentricidade sem sentido. Mas ele mostrou-se irredutível. Ou o projecto ia para a frente ou procurava outros parceiros, acabando Bob Cavallo, o agente, por assumir o papel de produtor, depois de vários estúdios de cinema lhe terem virado as costas. Para a realização foi contratado o desconhecido e recém-formado Albert Magnoli, sendo o argumento reescrito para se centrar numa visão ficcionada da biografia de Prince, acabando a Warner Brothers por concordar em distribuir o filme por algumas salas nos EUA. O desastre parecia mais do que provável para um filme de orçamento médio, com um conjunto de músicos-actores que nunca tinha actuado antes, dirigidos por um realizador estreante e uma estrela que se recusava a fazer qualquer entrevista de promoção. Mas na primeira semana de exibição o orçamento foi largamente pago, ultrapassando na altura os 70 milhões de dólares em receitas de bilheteira só nos Estados Unidos. A crítica não o recebeu bem, o que não espanta, é um longo videoclipe ficcionado de psicologia simplista, suportado por uma estética datada, mas foi um sucesso financeiro e de público. E de repente, no Verão de 1984, Prince era o homem de quem se falava, por causa do álbum e do filme. Do álbum anterior, 1999, até aí o seu maior sucesso, haviam sido vendidas 3 milhões de unidades. Purple Rain ultrapassou a fasquia das vinte e cinco milhões de cópias, sendo a sexta banda-sonora mais vendida de sempre. Para o êxito do disco contribuiu o facto de Prince ter deixado o autismo de outros tempos, desenvolvendo uma relação de confiança com a guitarrista Wendy Melvoin e a teclista Lisa Coleman – que depois de terem integrado os The Revolution viriam a formar a dupla Wendy & Lisa – sinal de maior abertura às ideias e ao desempenho de outros músicos, com resultados benéficos numa série de canções que mantém a aura da intemporalidade. Na altura as duas primeiras canções que chegaram ao público foram When doves cry e The beautiful ones. A primeira, com voz processada, um ambiente inicial quase industrial e uma letra ambígua – “Maybe i’m like my father, you’re like my mother” – e a segunda, uma balada que começa em câmara lenta, em atmosfera tecnológica, instalando um ambiente de solidão futurista, deixavam nítido que as fantasias sexuais haviam sido suplantadas. Agora o seu universo era mais romantizado e amadurecido. Também do ponto de vista sonoro existiam diferenças. O funk puro e duro ainda lá estava, mas agora mais aproximado da elasticidade pop-rock, com inflexões barrocas, das quais resultavam canções mutantes. O sintoma era óbvio: alcançar uma audiência mais transversal, principalmente entre quem não ouvia música negra, sem renegar o que já havia conquistado. Nesse contexto em particular a canção Purple rain adquire um significado particular. Não existe consenso sobre a sua história, mas as fontes mais credíveis apontam para que a inspiração na sua feitura tenha surgido depois de Prince ter visto em palco o cantor Bob Seger, então muito conhecido entre o público médio branco americano, cantar baladas empolgantes. A costela arrebatadora de Purple rain e o seu desejo de compor baladas para grandes audiências parece ter surgido dessa forma. Mas existe também uma dimensão de reconciliação consigo próprio, e com o mundo, contida nessa canção. Existe qualquer coisa de místico que a atravessa, com o solo de guitarra que parece herdado de Jimi Hendrix a ter um papel determinante na sua amplificação, não sendo por acaso que, tanto no disco como no filme, a canção surge no final, apoteoticamente. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Nesses anos apenas a digressão que se seguiu ao lançamento do álbum e do filme não correu como inicialmente antecipara. Inicialmente estavam previstas cerca de 100 datas por todo o mundo. Mas depois de seis meses de concertos pelos Estados Unidos saturou-se e resolveu dar por terminada a digressão, sem datas internacionais. Quem o rodeava levou as mãos à cabeça. Mas desta feita já ninguém ousava fazer-lhe frente. Já estava a produzir um novo álbum e isso parecia-lhe ser mais importante. Os efeitos de Purple Rain ainda se faziam sentir por todo o mundo. Toda a gente o prevenia que ter dois álbuns em simultâneo nas lojas seria confuso para os consumidores, mas ele queria lançar o novo disco. E foi assim que Around The World In A Day (1985) subiu com rapidez aos primeiros lugares dos topes, mas as vendas da banda-sonora desaceleraram. O reinado de Purple Rain parecia ter acabado. Mas não interessava. Havia posto no mercado um álbum numa direcção diferente do anterior, mostrando que era capaz de se reinventar sem ter que se ajustar sempre ao centro do mercado. E foi assim que se impôs ao mundo. Como uma mente livre. Não já como uma síntese concluída da história do rock e da soul, mas como um dois mais notáveis e completos artistas do seu tempo.
REFERÊNCIAS:
Partidos LIVRE