O muro que falta na escola portuguesa
O muro de separação entre Estado e Religião não é tão sólido quanto gostamos de acreditar, sendo o ensino da disciplina de EMRC na escola pública portuguesa o exemplo maior da sua porosidade. (...)

O muro que falta na escola portuguesa
MINORIA(S): Homossexuais Pontuação: 6 | Sentimento -0.2
DATA: 2018-12-19 | Jornal Público
SUMÁRIO: O muro de separação entre Estado e Religião não é tão sólido quanto gostamos de acreditar, sendo o ensino da disciplina de EMRC na escola pública portuguesa o exemplo maior da sua porosidade.
TEXTO: As democracias modernas resultam de um longo caminho de avanços e tropeços, cuja reflexão sobre os limites da acção política se mostra tão relevante agora quanto no tempo dos filósofos iluministas. No núcleo duro destas discussões encontra-se o malabarismo entre a secularidade do(s) Estado(s) e a liberdade religiosa. Ainda que vivamos assegurados pelos alicerces de Espinoza, Locke e Jefferson, o muro de separação entre Estado e Religião não é tão sólido quanto gostamos de acreditar, sendo o ensino da disciplina de Educação Moral e Religiosa Católica (EMRC) na escola pública portuguesa o exemplo maior da sua porosidade. Não pretendo defender que a escola pública seja um espaço interdito à vivência e expressão religiosa — defendo, inclusivamente, que cabe ao Estado assegurar esse exercício livre e sem consequência para o indivíduo, segundo o princípio da “escola inclusiva” inscrita no Decreto-Lei n. º 55/2018. E ainda que seja desconcertante a existência de uma disciplina que inevitavelmente veicule a apologia do sobrenatural na escola pública, compreendemos todos que a flexibilidade e o respeito são elementos fundamentais para aplacar a onda populista que se alimenta da percepção de abandono e invalidação sentida por alguns cidadãos. Não podemos, contudo, e sob o pretexto de não provocar a irascibilidade das paixões populares, erodir valores fundamentais como a secularidade das nossas democracias. E o ensino de EMRC na escola pública introduz desafios ao nível dos seus conteúdos, assim como da representatividade religiosa. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Ao nível dos conteúdos, é de salientar que o ensino de EMRC tem por base a Concordata entre a República Portuguesa e a Santa Sé de 2004, na qual assenta o Decreto-Lei n. º 70/2013 que regula o ensino da disciplina na escola pública, e no qual podemos ler que é da exclusiva responsabilidade da Igreja Católica a elaboração e revisão dos conteúdos da disciplina. Ainda que possamos aceitar que isto se justifique pelo seu carácter específico, é fundamental que o Estado assegure que não sejam veiculados conteúdos imprudentemente acientíficos não circunscritos à relação com o divino (por exemplo, proposições criacionistas sobre fenómenos naturais), nem conteúdos que vão contra os princípios da República Portuguesa (por exemplo, posicionamentos face a estruturas familiares). É, ainda, da responsabilidade das autoridades diocesanas a decisão sobre a cessação de funções dos docentes da disciplina, podendo levantar sérios conflitos com o “princípio da igualdade” do artigo 13. º da Constituição Portuguesa: tem o bispo autoridade para impedir que um professor homossexual ou divorciado leccione a disciplina? É certo que os assuntos religiosos dizem respeito ao foro privado, mas manifestam-se in foro externo e, nesse sentido, devem seguir os princípios da República onde se inserem. A questão de fundo é, também, a da representatividade: não é defensável que um Estado secular continue a estabelecer relações privilegiadas com uma denominação religiosa. Nesse sentido, e por forma a evitarmos uma secularidade proibitiva à la iluminismo francês ou o enganador ateísmo científico do marxismo-leninismo, uma possível alternativa seria esta disciplina ser a oportunidade para promover o pluralismo religioso (por exemplo, leccionada em módulos por elementos de diferentes religiões), e não uma evangelização monopolizada pela Cúria Romana. Porque está na altura de voltarmos a conversar sobre o único muro que protege a nossa liberdade — inclusivamente a religiosa.
REFERÊNCIAS:
Religiões Ateísmo
Desvairar em horário nobre
Há um ano, Will & Grace regressava aos ecrãs – e a série original explica muito bem porquê. (...)

Desvairar em horário nobre
MINORIA(S): Homossexuais Pontuação: 6 | Sentimento 0.0
DATA: 2018-11-30 | Jornal Público
SUMÁRIO: Há um ano, Will & Grace regressava aos ecrãs – e a série original explica muito bem porquê.
TEXTO: Há precisamente um ano, Will & Grace regressava aos ecrãs da NBC depois de 11 anos de ausência. O que poderia trazer de novo uma série que tinha quebrado muitos tabus da comédia televisiva em horário nobre e, no seu ponto mais alto, chegou a ter 17 milhões de espectadores por episódio em média?A pergunta, no entanto, é outra: o que tinha Will & Grace de original na sua primeira encarnação e será que esse humor ainda sobrevive 20 anos depois? Não é do regresso em 2017 (exibido entre nós no TVSéries e, entretanto, já garantido para mais duas temporadas) que falamos aqui, mas sim das oito temporadas originais (1998-2006), exibidas no Fox Life e no SIC Mulher e agora disponíveis em VOD no serviço NosPlay. Se Will & Grace continua ainda hoje a ter impacto, isso deve-se àquilo que é a marca registada das melhores sitcoms americanas – a capacidade de criar empatia com personagens paredes-meias com a irredutível patetice. A amizade dos solteirões empedernidos Will (Eric McCormack), advogado picuinhas e gay, e Grace (Debra Messing), decoradora judia insegura e desmazelada, parece-nos quase normal face ao delírio desencadeado por Jack (Sean Hayes), o pendura fútil e desvairado que é o melhor amigo de Will, e Karen (Megan Mullally), a arrivista milionária permanentemente etilizada que é pseudo-secretária de Grace. São personagens que, desta maneira, só poderiam existir numa série televisiva, estereótipos em alguns casos tão caricaturais que nem por um instante acreditamos que possam ser reais. E, contudo, a suspensão da descrença é perfeita, graças à entrega do elenco e à inspiração dos argumentistas. Houve quem lhe chamasse uma versão gay de Seinfeld, mas talvez fosse mais correcto dizer que Will & Grace começa como o vulgar de Lineu da sitcom tradicional (uma amiga e um amigo nova-iorquinos em busca dos namorados perfeitos) para o sabotar, subverter e transformar até apenas restar o esqueleto e tudo ter passado para uma dimensão de comédia surreal off-Broadway. Nem é por acaso que, num arco iniciado na quinta temporada, o Monty Python John Cleese (nunca creditado no genérico) se tenha juntado ao elenco (como pretendente à mão de Karen, em algumas das melhores cenas da série); há algo da anarquia feliz dos Python a passar por aqui, como no episódio da sexta temporada em que Karen e Jack lamentam o final de Sexo e a Cidade e Frasier e se lançam num metacomentário sobre as sitcoms que reflecte a sofisticação com que a série respondia às exigências da fórmula, ao mesmo tempo que a desconstruía. E fê-lo com uma lista de convidados extraordinária: Blythe Danner, Cher, Chloë Sevigny, Edie Falco, Eileen Brennan, Jennifer Lopez, Madonna, Minnie Driver, Alec Baldwin, Elton John, Gene Wilder, Gregory Hines, Harry Connick Jr. , Matt Damon, Michael Douglas, Sydney Pollack ou Woody Harrelson. Não será a melhor sitcom de sempre (dentro de uma mesma temporada os episódios podiam ser muito desequilibrados), mas Will & Grace mostrou que era possível desvairar em horário nobre e perder muito pouco da sua graça. É mais do que muitas séries contemporâneas podem dizer.
REFERÊNCIAS:
Palavras-chave mulher sexo gay
O Deus da carnificina
Num mundo onde todos tenham acesso a casa, emprego, saúde e educação não são precisas armas, apenas palavras, não são precisas balas, bastam-nos as leis e um sistema judicial verdadeiramente cego, igualitário, imparcial. (...)

O Deus da carnificina
MINORIA(S): Homossexuais Pontuação: 6 | Sentimento 0.0
DATA: 2018-12-31 | Jornal Público
SUMÁRIO: Num mundo onde todos tenham acesso a casa, emprego, saúde e educação não são precisas armas, apenas palavras, não são precisas balas, bastam-nos as leis e um sistema judicial verdadeiramente cego, igualitário, imparcial.
TEXTO: A legalização da posse de arma no Brasil terá como única e óbvia consequência a morte de inocentes. É uma questão de tempo. Já assistimos ao mesmo nos Estados Unidos, a terra da liberdade, a liberdade de matar, por autodefesa mas também por auto-recreação. Será o armamento da população a resposta para a insegurança? Num mundo onde todos tenham acesso a casa, emprego, saúde e educação não são precisas armas, apenas palavras, não são precisas balas, bastam-nos as leis e um sistema judicial verdadeiramente cego, igualitário, imparcial. Assistimos ao crescer do populismo no qual o estrangeiro, o diferente, o negro, o não-branco, o homossexual, o não-crente são todos ameaças ao bem-estar e a posse de arma é a melhor maneira de mostrar quem manda agora no Brasil, de quem manda agora no mundo. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Os produtores de armas agradecem a injecção do medo e eu pergunto-me que países se seguirão quando o maior país da América do Sul aprovar a venda de semi-automáticas e lança-rockets ao vizinho do lado, para já não falar do quintal minado onde a avó perdeu a perna só porque lhe apeteceu andar fora do passeio. É surreal, no mínimo bizarro, entrar em 2019 com o fantasma do recrudescimento do armamento, da violência, da insegurança com o único fito de criar uma sociedade onde todos se vigiam uns aos outros, onde todos se matam uns aos outros ao menor sinal de desacordo, porque se fez uma ultrapassagem na estrada, não se cumpriu um prazo de trabalho ou o empregado se enganou no troco no restaurante. Subitamente, o mundo anda para trás e esquece o aprendido em nome do sofrimento dos inocentes e o enriquecimento alheio. Semeando a discórdia, uma nova classe dirigente toma agora as rédeas, prometendo tudo menos o bem comum. 2019 prepara-se para acordar como uma criança egoísta e nada de bom promete ao mundo.
REFERÊNCIAS:
Palavras-chave morte violência educação negro criança medo homossexual
Lisboa, Centro Comercial das Bugigangas
Mais um mini-argumento para o debate sobre a cidade. Em 17 ruas da Baixa de Lisboa, há 103 lojas de bugigangas para turistas. (...)

Lisboa, Centro Comercial das Bugigangas
MINORIA(S): Homossexuais Pontuação: 6 | Sentimento -0.1
DATA: 2018-12-31 | Jornal Público
SUMÁRIO: Mais um mini-argumento para o debate sobre a cidade. Em 17 ruas da Baixa de Lisboa, há 103 lojas de bugigangas para turistas.
TEXTO: Quando há dias contei as cadeiras das esplanadas da Rua Augusta — são 912 — um leitor escreveu esta frase no site do PÚBLICO: “Se quer uma cidade sem turismo, vá para Pyongyang!”Foi estranhamente inspirador. Passou-me pela cabeça dedicar-lhe esta última crónica do ano. Afinal, foi neste leitor que mais vezes pensei enquanto varri a Baixa de Lisboa, rua a rua, a contar as lojas. Não quero convencer ninguém, muito menos quem acredita que a defesa da cidade se faz no duelo capitalismo versus comunismo. O comunismo não faz bem à saúde, nem à economia, nem às cidades. Colocá-lo na equação vem com pelo menos 62 anos de atraso. O duelo é outro. Queremos um centro histórico vazio ou com habitantes? Queremos uma Lisboa-Disneylândia ou uma Lisboa inteligente? Uma Lisboa sem critério ou com visão? Um centro-cenário-para-turistas ou um centro capaz de atrair turismo a longo prazo sem expulsar os residentes, nem destruir o “mix funcional”? O duelo é entre uma cidade banal e de plástico e uma cidade genuína e distintiva. A única coisa que quero é oferecer mais um miniargumento para o debate e insistir que é possível melhorar as nossas cidades. Correndo o risco de déjà vu, depois das cadeiras, fui contar as lojas de bugigangas. Não percorri toda a Baixa, muito menos todo o centro histórico. Cingi-me às 17 ruas da grelha pombalina central: as dez paralelas que descem para o rio (Madalena-Nova do Almada) e as sete que atravessam na perpendicular (Comércio-Santa Justa). Neste rectângulo, contei 616 lojas a funcionar (dezenas e dezenas estão fechadas). Destas, 103 são lojas de bugigangas (ímanes, miniaturas da Torre de Belém, porta-moedas de cortiça e T-shirts do Ronaldo), 12 alugam bicicletas e carrinhos, seis são “mercearias” com “traditional food” que se anunciam como “olive shop”, e 13 vendem vinho, quase sempre com “experiências” e “wine tasting”. Somado, são 134 lojas que existem a pensar nos turistas. Esta é uma pequena amostra. Não cheguei à Sé nem ao castelo de São Jorge ou a Alfama, onde as bugigangas reinam e ocuparam farmácias, papelarias, mercearias, padarias, oculistas e ateliers de costura. Às 134, podemos somar dois terços dos cafés e restaurantes (151) — e aqui estou a ser simpática. Total: 234 lojas para turistas. No ano passado, a Câmara Municipal de Amesterdão proibiu a abertura de novas lojas para turistas em 40 ruas do centro histórico. Havia 280. Ao anunciar a medida, o vice-presidente disse que ter tantas lojas iguais prejudicava a cidade. Os critérios da minha contagem serão diferentes, mas não muito. Em Amesterdão, consideraram lojas para turista os lugares onde se vendem souvenirs, queijos e bilhetes (para os canais e os museus) e se alugam bicicletas. Como Amesterdão, o nosso CBD (Central Business District) arrisca-se a tornar-se um CCB (Centro Comercial das Bugigangas). Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. O comércio da Baixa ainda tem algumas “funções raras” que definem os CBD: encontrei uma chapelaria, um escritório da ILGA, o velho Polycarpo das facas, sete retrosarias, seis lojas de ferragens e material eléctrico, dois sapateiros, três gravadores, quatro lavandarias, oito cabeleireiros e barbearias, duas sex shops e o Animatógrafo do Rossio. Também há uma residência universitária, lojas de tatuagens, decoração, lãs e tecidos. As ourivesarias são pouco mais de 20. Há alguns serviços (finanças, registos, bancos e correios). E pouco mais. O resto é monótono. Contei 151 cafés e restaurantes, muitos dos quais indistintivos. Se todos os menus voassem e caíssem trocados, os empregados de mesa não notavam. Há 101 lojas de roupa, sapatos e malas. E contei 41 hotéis e guest houses. Em 2019, não vou contar candeeiros, não se preocupem. Se alguém quiser contar as lojas de bugigangas do resto do centro histórico, é um serviço público bem-vindo e candidato a coffee break. Até lá, vou estudar os programas de viagens que o escritor José Luís Peixoto organiza com a agência Pinto Lopes a Pyongyang. Antes que chegue a democracia e as bugigangas.
REFERÊNCIAS:
Cidades Lisboa Almada Pyongyang Amesterdão
Da Austrália com groove
Amigos de longa data, Winston Surfshirt e os Polographia decidiram, finalmente, juntar-se, caso para dizer que “assim só se estraga uma casa” – é que, de facto, os rapazes partem tudo. Três, a conta que o groove fez! (...)

Da Austrália com groove
MINORIA(S): Homossexuais Pontuação: 6 | Sentimento 0.0
DATA: 2018-12-31 | Jornal Público
SUMÁRIO: Amigos de longa data, Winston Surfshirt e os Polographia decidiram, finalmente, juntar-se, caso para dizer que “assim só se estraga uma casa” – é que, de facto, os rapazes partem tudo. Três, a conta que o groove fez!
TEXTO: Numa indústria largamente (mediaticamente) dominada pela produção americana (é ver as principais listas de 2018 e como escasseiam, nos primeiros lugares, nomes fora dessa geografia, com as grandes excepções de Rosalía e Robyn), quem diria que da Austrália chegaria um dos grandes discos deste ano? E não, não estamos a falar de Nick Cave: se tanto Winston Surfshirt como Polographia (Moktar Sharouny e Daniel John Stapleton, amigos desde a escola secundária) eram já, a solo, dois tesouros bem escondidos (demasiado) de uma nova geração de músicos australiana, é caso para dizer que, no momento em que se juntaram as comadres, descobriram-se as verdades – no caso, alguns dos sons mais funky e groovescos do ano, de fazer corar de inveja aqueles que, nos EUA (justamente), berço da música negra, fazem desta o seu património e matéria-prima. Autoria: Poloshirt Sweat It Out!“Eu era um grande fã do Winston quando ele ainda só era conhecido localmente. A primeira vez que o vi foi numa house party, mas não o ‘vi’ realmente porque a festa estava completamente a abarrotar! Certifiquei-me de que estaria no seu concerto seguinte em Sydney e arranjei um lugar mesmo junto ao palco. Basicamente, passei-me com o som dele… Procurei-o depois do concerto e o resto é história… Somos os melhores amigos desde então!”, conta Mok ao Ípsilon. Sly, single do LP Friends (2016) dos Polographia (disco que, depois da estreia, mais electrónica, com Natural em 2015, marcou uma aproximação ao disco e à pop), no qual a dupla convidou Winston Surfshirt para o microfone, indiciava aquilo que este EP a seis mãos vem agora confirmar: que uma importante fatia da música mais fresca, cool e charmosa do momento mora aqui mesmo, na suspeita Sydney. Mais concretamente, no subúrbio balnear de Manly, onde muito provavelmente podemos encontrar, num destes dias em que os Celsius andam por lá entre os 20º e os 30º, Winston, look à John Lennon (mas não é só o visual: o ex-Beatle é, juntamente com André 3000, a sua grande referência), a bebericar uma margarita – em mangas, o leitor já advinhou, de surfshirt. Paisagem, cores e temperaturas (tudo o que se vê na capa do EP), portanto, que, na música, pouco associamos, de facto, ao país dos AC/DC (daí não se afigurar estranho que, aqui, Sydney se confunda com Los Angeles) – na melhor das hipóteses, aquilo de que os Poloshirt mais perto gravitam é de uma imaginária fusão entre os INXS, os Bee Gees e os Tame Impala (e, no espectro mais dançante, dos recentes Confidence Man). Segundo Winston (que do homem a solo se converteu, entretanto, numa banda de seis elementos), “não há muita gente em Sydney a tocar funk ou disco, mas há excelente música a ser feita neste momento, hip-hop e R&B realmente bom”, ao que Mok assente afirmando que “a cena australiana actual está a explodir com novos talentos e sonoridades”. Geografias à parte, os Poloshirt tanto dialogam com algum do som contemporâneo mais entusiasmante – o de Connan Mockasin (vizinho neo-zelandês), Toro y Moi, Jungle, Benny Sings ou Silk Rhodes (sobretudo na voz de Sasha Desree) –, como, em anos mais distantes, o de Prince, Bobby Nunn ou o dos saudosos Hall & Oates dos oitentas. Basta e esplêndida família, como se vê. Falámos nos trabalhos a solo dos Polographia, mas o que dizer de Sponge Cake, brilhante estreia em 2017 de Winston (Elton John, por exemplo, declarou-se fã) e uma das melhores peças de funk, pop, soul e rap que a última década nos deu? Polo(graphia) + Shirt (de Surfshirt), então: terá Winston mudado de camisa ou foram os primeiros a trocar de “grafia”, de linha, sonora? Em rigor, nenhum dos dois, não se constituísse o EP num encontro absolutamente natural, orgânico, de ambos os universos, não obstante a abordagem vocal de Winston afastar – e bem, no caso – a feição mais electrónica do som original dos Polographia. Íamos dizer “a feição mais dançante”, mas íamos dizer mal: tal como no trabalho a solo de Winston, também este EP, além de uma lição de bom gosto, é uma sponge de muita coisa: funk, hip-hop, disco, soul, synth-pop, R&B, uma caleidoscópica pequena-grande-maravilha cujo único defeito é incluir apenas sete faixas. “Quis trazer uma mistura de soul old school, hip-hop e electrónica, algo que, soando cru, não deixasse de ser agradável e smooth”, diz-nos Mok, que assegurou, juntamente com Stapleton, a produção do EP, deixando para Winston, ele próprio produtor e multi-instrumentista, as letras e a voz. Uma pérola (ou, se quisermos, um daqueles espantosos corais que abundam na Grande Barreira de Coral australiana), por isso, cujo efeito imediato, depois de escutada à exaustão – e à laia de não se poder acelerar o futuro –, é o de nos fazer voltar, augados, ao disco a solo de Winston. “A melhor parte deste projecto é que eu não tive de pensar demasiado, aconteceu tão naturalmente que não tive de alterar o meu estilo ou a produção. Trabalhar com o Winston é algo especial, porque estamos no mesmo comprimento de onda. Começo sempre por lhe enviar uma demo de um instrumental e, basicamente, no próprio dia ele envia-me uma canção inteira!”, conta Mok. Dissemos, aqui há umas semanas, que What’s the use? e Cheers (de Mac Miller e Anderson . Paak, respectivamente) se constituíam nas grandes malhas funk de 2018 – pois está na altura de lhes juntar Too good to be true (aquelas palmas iniciais a prenunciar o júbilo que está para vir) ou Basic, canções nas quais, como é sua imagem de marca, Winston tanto rappa como canta. Com a particularidade de o seu rap – como, paradigmaticamente, o do malogrado Mac Miller – nunca ser “apenas” rap, antes conservando um inexpugnável e elegantíssimo recorte melódico. Algo que pode parecer relativamente fácil ou simples, mas que muito poucos rappers não logram alcançar, escassos cantores tout court havendo, por sua vez, a saber trabalhar desta forma a palavra mais falada (veja-se, a título de exemplo, o canhestro modo como John Mayer interpretou a Small worlds no concerto-tributo a Miller). Duas canções que emulam, aliás, o nome da editora independente que carimba o EP, a também australiana Sweat It Out! (com um catálogo tão obscuro quanto interessante, especialmente incidente na electrónica contemporânea), outra forma de sublinhar o modo como apontam para a pista de dança, corpos sacudindo o suor na maior das reinações. Falámos atrás em Miller e veja-se a forma airosa como os sopros inundam, como acontecia na Ladders de SWIMMING, o refrão de Too good to be true (que só peca pela voz feminina, a quem se pedia potência nos graves), terminando depois, na percussão e no baixo, a evocar a Sexual healing de Marvin Gaye. Título (Too good to be true) que, fraseado por Winston, o ouvinte quase se ouve a dizer a si próprio tal é a descarga de doçura e fineza. Mas, mais importante, canções que ilustram a versatilidade vocal de Winston, que, cantando, vai alternando entre o seu tom regular (ora agastado, acossado mesmo, ora mais efusivo; sexy em qualquer dos casos) e um delicioso registo sotto voce (quando não um superior falsete, como o que se lhe ouve em Be about you do seu álbum a solo). Em todo o caso, uma voz sempre – mas subtilmente – texturada pela rouquidão, o grão que dá a sensualidade toda a Ima give em (“She makes me feel I’m Carole King/ Natural, natural, pass the wedding ring (…)/ I’m trying to dance/ Give me something like/ Something to grasp and a Barry White/ They just wanna hear the love songs/ I just wanna hear some funk songs!”, exorta o convidado Nasty Mars). Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. A melancolia também paira por aqui, é certo (as teclas e o synth chuvosos de All I think is about you, logo contrabalançados pelo baixo “bouncesco”), como se Winston fosse o surfista solitário de Jorge Ben Jor, mas a atmosfera é, essencialmente, sedutora e solar, de pathos reduzido. O ouvinte passeia por entre contos boy meets girl (ou meetings que acabam em misunderstandings) ligeiros e bem-dispostos, tocados e arranjados de forma invariavelmente impecável (ao vivo, Mok fica com a guitarra e os synths e Stapleton na bateria, acompanhados por Winston no microfone e Bik Julio, da banda deste último, no baixo). Beaterlude – que, como o nome indica, é um interlúdio instrumental mais cadenciado a dividir o EP a meio – são escassos segundos de pura ginga que parecem saídos do Prince enamorado pelo hip-hop dos anos 80/90, com aquele orelhudo, sexualíssimo, “Do it like/ Do it like you dare” a puxar pelo cardio dos corpos. Os BPM hão-de desacelerar depois e ceder o lugar a Thomas, balada charmosamente tristonha em que ouvimos Winston aceitar, resignado, cheio de mel, o perigo intrínseco ao melhor dos precipícios (“You can be a menace to me…”). Num álbum cujo interlocutor é sempre a amada (apetece evocar a recriação que Gabriel O Pensador fez da canção de Ben Jor: “Cheguei na areia e a sereia entrou no mar/ E só de onda eu me deitei onde ela deita/ Tubarão em pele de cordeiro, um ataque de surpresa/ Predador virando presa, uma sereia com pernas de mulher/ Perfeição ou perversão da natureza?”), Pinned upon, marcada de fio a pavio por uma musculada mas sensual linha de baixo (muito new wave, também), encerra o disco num auto-questionamento mal (ou não) resolvido. “I can't be the one you want me to be/ Ain't as easy as it first seemed to me/ But be nice to have someone like you/ That I can be myself with too/ It ain't that simple, I just keep holding on”. Resolvido, inebriado, ficou, porém, o ouvinte, e por essa razão cantarolará, em uníssono com Winston (trocando apenas o “10 years” por “7 songs”), “And I can't get enough/ 10 years and I still got the crush/ I just can't get enough/ 10 years and I still get the rush” (a boa notícia é a de que o trio tem projectado o lançamento de mais música). Mantenhamo-nos atentos (ouvintes e promotores): um dos trilhos mais entusiasmantes da música dos próximos anos vai passar por aqui.
REFERÊNCIAS:
Os direitos humanos em nós
Os direitos humanos parecem uma realidade distante à nossa intervenção directa como cidadãos individuais, mas todos/as nós podemos e devemos intervir. Comecemos por comunicar! (...)

Os direitos humanos em nós
MINORIA(S): Homossexuais Pontuação: 6 | Sentimento 0.0
DATA: 2018-12-11 | Jornal Público
SUMÁRIO: Os direitos humanos parecem uma realidade distante à nossa intervenção directa como cidadãos individuais, mas todos/as nós podemos e devemos intervir. Comecemos por comunicar!
TEXTO: A 10 de Dezembro celebramos os direitos humanos. Esta data, definida em 1948 pela Assembleia Geral das Nações Unidas, visa criar pautas do que devemos ter como mínimos à dignidade, equidade, respeito e Paz entre as pessoas em todo o mundo. Esta efeméride, que nasceu da necessidade urgente de se repensar os direitos humanos no pós-segunda guerra mundial, materializou-se na criação da Declaração Universal dos Direitos Humanos — um documento que faz parte do património (i)material e que serve de base ao que deve ser o comportamento político internacional. Dito assim, parece que os direitos humanos são uma realidade distante das nossas vivências, como indivíduos, como cidadãos “comuns”, mas vejamos: todos nós integramos, de uma forma ou outra, estruturas macro-sociais e políticas que definem parte das nossas decisões. Pensemos no caso das questões das políticas laborais, ou das migrações, do acesso à educação, ou ainda das condições de saúde e protecção social que país onde vivemos nos pode oferecer. No entanto, nós, os elementos mais "micro" de tudo isto, também influenciamos o contexto, não somos só e apenas elementos passivos que vão assimilando o que nos vão enviando do alto. Todos nós, cidadãos, com manifestações de agrado e desagrado, com as nossas contribuições profissionais, com a participação social e cívica e, em muito, com as contribuições humanas na relação que estabelecemos com os outros, moldamos o que queremos de valores e comportamentos sociais para a construção da paz. Dito isto, gostava que pensássemos sobre que direitos humanos é que, na prática, estamos a promover nas nossas vidas no dia-a-dia. Convido a que questionemos: estamos a aceitar e respeitar as pessoas como elas são, considerando a sua etnia, género, idade, habilitações escolares, profissão, nacionalidade, ideologia política, orientação sexual e religião? Estamos a considerar que a vida humana é de valor incalculável e que todos temos de ter acesso aos cuidados de saúde? Estamos a considerar que todos, sem excepção, têm direito a protecção social no desemprego e na pobreza? Estamos a promover condições de promoção de educação e formação com equidade? Ainda, estamos a promover condições laborais com respeito pelos funcionários e pelo seu bem-estar?Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Infelizmente, muitas destas questões têm uma resposta claramente negativa. Provavelmente reunir todos os direitos possa parecer uma utopia, mas à qual temos e devemos aspirar, sabendo que o caminho é darmos pequenos passos no sentido de amenizar as diferenças até que um dia sejam indetectáveis. Podemos, no entanto, dar já passos nesse sentido!Um dos passos é a educação: não falo apenas da educação formal — aquela das escolas, das faculdades, dos institutos e dos centros de formação — mas sim da educação não formal, aquela que é para a vida, transversal e que se aprende em qualquer contexto em contacto com o outro. É mesmo importante que vivamos em partilha, que consigamos ver e sentir o lado do outro, o que são os seus desafios, as suas superações, vitórias e partilhar no sentido do crescimento conjunto. Na prática, podemos resumir tudo à importância da comunicação para anular barreiras e preconceitos. Quando comunicamos construímos pontes que anulam a distância ao outro e reduzimos a insensibilidade perante a realidade que é vivida fora da nossa pele. Talvez este seja o caminho para os direitos humanos: viver na pele do outro para compreender a sua realidade, a nossa realidade.
REFERÊNCIAS:
Palavras-chave direitos guerra humanos educação social género sexual pobreza desemprego
Futura ministra de Bolsonaro diz que “gravidez é um problema que dura só nove meses”
Damares Alves vai assumir a pasta da Mulher, Família e Direitos Humanos. (...)

Futura ministra de Bolsonaro diz que “gravidez é um problema que dura só nove meses”
MINORIA(S): Homossexuais Pontuação: 6 | Sentimento 0.0
DATA: 2018-12-12 | Jornal Público
SUMÁRIO: Damares Alves vai assumir a pasta da Mulher, Família e Direitos Humanos.
TEXTO: Damares Alves, que vai ser ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos no Governo Brasileiro chefiado por Jair Bolsonaro, disse que a gravidez é "um problema que dura só nove meses", quando fazia declarações a reafirmou a sua posição contra o aborto. "Se a gravidez é um problema que dura só nove meses, o aborto é um problema que caminha a vida inteira com a mulher", disse Damares Alves à imprensa após uma reunião com o Presidente eleito, em Brasília. Pastora evangélica e advogada, a futura ministra salientou que o seu ministério não vai tratar do tema aborto pois apenas tratará de assuntos relacionados com a vida. "Essa pasta não vai lidar com o tema aborto, vai lidar com a protecção de vida e não com morte", disse Dalamares Alves, segundo o site de notícias G1. "Eu sou contra o aborto. Nenhuma mulher quer abortar. Elas chegam até ao aborto porque, possivelmente, não lhes foi dada nenhuma outra opção", disse. Damares Alves torna-se na quinta-feira na segunda mulher escolhida para o executivo do Presidente eleito, depois de a deputada federal Tereza Cristina ter sido apontada para o Ministério da Agricultura. Em Março, durante uma entrevista ao site Expresso Nacional, Damares Alves disse que a mulher "nasceu para ser mãe", o seu "papel mais especial", e que se "preocupa com ausência da mulher de casa". Damares Alves informou que uma das suas prioridades no Governo que toma posse a 1 de Janeiro é "combater a violência", inclusivamente a violência contra a comunidade LGBT (lésbicas, gays, bissexuais, travestis, transexuais ou transgénero). Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. "Se necessário, estarei nas ruas com as travestis, na porta das escolas com as crianças que são discriminadas", afirmou a nova ministra, acrescentando que apesar de "o tema LGBT ser muito delicada", mantém uma "boa relação" com os movimentos. Jair Bolsonaro já definiu 21 dos 22 ministérios do seu executivo, faltando apenas anunciar o titular do Ministério do Meio Ambiente.
REFERÊNCIAS:
Palavras-chave aborto direitos morte humanos violência mulher comunidade lgbt
Educação no centro dos primeiros esforços legislativos da era Bolsonaro
O Presidente eleito vai esta terça-feira para Brasília para participar no processo de transição para a nova Administração. Diplomas na área da educação devem avançar no Congresso já nas próximas semanas. (...)

Educação no centro dos primeiros esforços legislativos da era Bolsonaro
MINORIA(S): Homossexuais Pontuação: 6 | Sentimento 0.075
DATA: 2018-12-12 | Jornal Público
SUMÁRIO: O Presidente eleito vai esta terça-feira para Brasília para participar no processo de transição para a nova Administração. Diplomas na área da educação devem avançar no Congresso já nas próximas semanas.
TEXTO: É nas salas de aula que as primeiras medidas com o selo da Administração de Jair Bolsonaro se irão fazer sentir. Projectos legislativos na área da educação têm caminho aberto para avançar nas próximas semanas, ainda antes de o novo Congresso tomar posse, mas já sob o efeito das eleições. Esta quarta-feira, a reforma legislativa conhecida como “Escola Sem Partido” volta a ser discutida em comissão na Câmara dos Deputados, depois de ter sido adiada na semana passada durante uma sessão muito conturbada e que ofereceu uma perspectiva daquilo que serão os próximos tempos em Brasília. Manifestantes contra e a favor do projecto legislativo interromperam o debate e o presidente da comissão, Marcos Rogério, ameaçou vedar ao público as próximas reuniões do órgão. O “Escola Sem Partido” tem na sua base um movimento ultraconservador que há anos luta contra aquilo que diz ser a “doutrinação ideológica” levada a cabo por professores junto dos alunos. O objectivo primordial do projecto é retirar toda a carga “ideológica” das aulas dadas pelos professores a estudantes do ensino básico até ao secundário. O texto debatido na comissão defende a “neutralidade” do professor e proíbe a utilização de termos como “género” ou “orientação sexual” tanto na exposição pelo docente como em livros e outros materiais didácticos. Os críticos da proposta legislativa dizem que representa um retrocesso e põe em causa a liberdade e a autonomia dos professores. E a oposição de esquerda tem lutado para impedir a aprovação do diploma, que também levanta muitas dúvidas entre os juristas. O Supremo Tribunal Federal tem derrubado várias tentativas a nível estadual de aprovação de leis baseadas no “Escola Sem Partido”, com o argumento de que, ao contrário do que defendem, acabam por constituir uma “imposição ideológica” na educação. Há também o receio de que se instale um clima de perseguição a professores motivado por questões políticas. Logo no dia seguinte às eleições, a deputada estadual eleita em Santa Catarina, Ana Caroline Campagnolo, publicou uma mensagem em que incentivava os alunos a filmarem professores que fizessem "manifestações político-partidárias ou ideológicas" e criou um canal para que as denúncias fossem enviadas. Dias depois, o Ministério Público obrigou a deputada a fechar o canal. Outra medida que deve avançar rapidamente é a extradição de Cesare Battisti, um ex-militante de um grupo de esquerda italiano considerado terrorista pelo Governo, que Bolsonaro prometeu reencaminhar para Itália. O embaixador italiano no Brasil, Antonio Bernardini, visitou na segunda-feira o Presidente eleito no Rio de Janeiro e disse que tanto Bolsonaro como o Governo de Roma, uma coligação entre eurocépticos e a extrema-direita, “têm a mesma ideia” acerca do destino do antigo militante. Battisti foi condenado a prisão perpétua pela Justiça italiana pela morte de quatro pessoas nos anos 1970 e está exilado no Brasil desde 2004, onde foi amnistiado pelo ex-Presidente Lula da Silva. Logo na noite em que foi eleito, Bolsonaro afirmou que pretende que as relações internacionais do Brasil não estejam condicionadas por um “viés ideológico”, referindo-se a um alegado favorecimento pelos anteriores governos do Partido dos Trabalhadores a regimes de esquerda. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Em Brasília, os trabalhos do período de transição para a nova Administração começam a todo o vapor esta semana. Bolsonaro deverá partir para a capital esta terça-feira, de acordo com a Folha de São Paulo, para se juntar à equipa que está a articular o arranque do próximo Governo junto do executivo cessante de Michel Temer e dos aliados no Congresso. O deputado Onyx Lorenzoni, um dos mais importantes membros do círculo próximo do Presidente eleito, foi nomeado esta segunda-feira como ministro extraordinário, com a função de coordenar a transição e no próximo Governo irá ocupar a importante pasta da Casa Civil.
REFERÊNCIAS:
VIH entrou nos EUA por Nova Iorque e o “doente zero” não foi o primeiro
Equipa de cientistas reescreveu a história da conquista dos Estados Unidos pelo vírus da sida. Corrigiu alguns factos, esclareceu outros e, desta vez com provas genéticas, confirmou que o chamado “doente zero” nos EUA não foi o primeiro do país. O número zero foi confundido com a letra O. (...)

VIH entrou nos EUA por Nova Iorque e o “doente zero” não foi o primeiro
MINORIA(S): Homossexuais Pontuação: 6 | Sentimento 0.193
DATA: 2018-12-12 | Jornal Público
URL: https://arquivo.pt/wayback/20181212210009/https://www.publico.pt/n1749234
SUMÁRIO: Equipa de cientistas reescreveu a história da conquista dos Estados Unidos pelo vírus da sida. Corrigiu alguns factos, esclareceu outros e, desta vez com provas genéticas, confirmou que o chamado “doente zero” nos EUA não foi o primeiro do país. O número zero foi confundido com a letra O.
TEXTO: Chamem-lhes cientistas, historiadores epidemiológicos ou detectives genéticos (ou as três coisas ao mesmo tempo). O facto é que investigadores norte-americanos reconstituíram a história do início da epidemia da sida nos EUA. Recuperaram material genético com mais de 40 anos e decifraram o genoma completo do VIH- 1 de oito doentes. Foi assim, contam num artigo publicado na última edição da revista Nature, que confirmaram que o vírus da sida veio das Caraíbas e entrou na América do Norte por Nova Iorque em 1970 ou 71. Só depois chegou a São Francisco, na Califórnia. O trabalho também esclarece definitivamente o mal-entendido que durava há décadas sobre o “doente zero” nos Estados Unidos. O número 0 foi apenas confundido com a letra O usada, neste caso, para assinalar que o doente não era da Califórnia (Out(side)-of-California). É um daqueles célebres momentos em que a realidade estraga uma história. Foram precisos vários anos para esclarecer definitivamente que o “doente 0” não foi o doente zero da epidemia da sida nos EUA. A história apelativa de uma pessoa identificada como doente zero começou com um relatório dos Centros para o Controlo das Doenças (CDC), divulgado em 1982. Neste documento, os especialistas identificavam um grupo (cluster) de homens que faziam sexo com homens que apresentavam sintomas de pneumonia e sarcoma de Kaposi. O relatório semanal sobre morbilidade e mortalidade dos CDC ficou na história, tendo sido a primeira vez que oficialmente se reconheceu a existência desta nova doença. “Descreviam uma doença horrível que estava a matar os homossexuais e foi assim que o mundo começou a perceber que estávamos perante uma nova síndrome”, recordou, na conferência de imprensa da Nature, Michael Worobey, da Universidade do Arizona e um dos autores do artigo. Na revista, a equipa de investigadores esclarece que os especialistas dos CDC ligaram 40 homens em dez cidades norte-americanas a uma mesma rede sexual. Foi identificado um doente com sarcoma de Kaposi que servia para representar o centro daquela rede como um dos potenciais hospedeiros de um agente infeccioso. Foi identificado como “doente O” – um paciente que resida fora da Califórnia. A abreviação foi um erro. E por mais que os investigadores dos CDC se tenham esforçado por esclarecer o seu significado original, rapidamente, a letra O se transformou no número zero. O doente que não residia na Califórnia entrou na literatura com a designação de “doente zero”. Em 1987, o livro do jornalista Randy Shilts com o título And the Band Played On (adaptado para um filme de Roger Spottiswood, que em Portugal se chamou E A Banda Continua a Tocar) fortaleceu irremediavelmente o equívoco, identificando o “doente zero” como um assistente de bordo franco-canadiano sexualmente muito activo. A cobertura dos media sobre o polémico livro fez o que faltava, e o “doente zero” agora até tinha um nome e um rosto: Gaëtan Dugas, um homem jovem de olhos claros e corpo atlético. Um grande mal-entendido, insistem os autores do artigo científico Genomas de VIH-1 dos anos 70 e do ‘Doente 0’ esclarecem a história inicial de VIH/sida na América do Norte. Reconhecendo que foram feitas várias tentativas sem sucesso para corrigir este erro e que “hoje ainda há muita gente que acredita nesta história”, a equipa espera que as provas apresentadas neste artigo científico coloquem um ponto final no enredo. Um dos genomas de VIH analisados era precisamente deste doente e revela que era “típico das variantes norte-americanas desta altura e já não estava na base da diversidade norte-americana”. Ou seja, nada indica que Gaëtan Dugas foi o primeiro caso da epidemia da doença. “Este indivíduo era simplesmente um entre milhares de infectados”, esclareceu Richard McKay, da Universidade de Cambridge e outro dos autores do artigo, na conferência de imprensa. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Mas, e se este artigo é sobre a conquista dos EUA pelo VIH, os investigadores conseguiram perceber quem foi o doente zero? A resposta é “não”. E ainda que admitam que esse pode ser um dado interessante no campo da saúde pública para se saber mais sobre a chegada da doença, Richard McKay nota que olhar para um só doente também acarreta o risco de desprezar “factores estruturais, como a pobreza ou as desigualdades culturais”, que podem ter importância na origem de um surto. Há outros riscos como, por exemplo, encarar o primeiro infectado como o culpado da disseminação do vírus. Sobre isso, Michael Worobey sublinha que “a direcção geográfica do movimento do vírus está clara, ele estava nas Caraíbas antes de se mudar para os EUA, mas ninguém deve ser culpado por espalhar um vírus que não se conhecia”. Aliás, o cientista faz questão de notar que na altura do salto do VIH das Caraíbas para os EUA, no início da década de 1970, o país importava “muitos produtos de sangue” do Haiti. E confirma que, apesar de sabermos agora quando foi, a pergunta “como chegou o vírus aos EUA” fica em aberto.
REFERÊNCIAS:
Entidades EUA
Bradley Cooper e Lady Gaga em busca do arco-íris
A estreia na realização de Bradley Cooper e no cinema de Lady Gaga é um gesto hiper-romântico que adapta um melodrama clássico à medida dos nossos dias. (...)

Bradley Cooper e Lady Gaga em busca do arco-íris
MINORIA(S): Homossexuais Pontuação: 6 | Sentimento 0.0
DATA: 2018-10-25 | Jornal Público
URL: https://arquivo.pt/wayback/20181025190038/https://www.publico.pt/1846685
SUMÁRIO: A estreia na realização de Bradley Cooper e no cinema de Lady Gaga é um gesto hiper-romântico que adapta um melodrama clássico à medida dos nossos dias.
TEXTO: Pode ser a quarta vez que é contada no grande ecrã — antes houve Janet Gaynor e Fredric March em 1937 sob a direcção de William Wellman, Judy Garland e James Mason em 1954 sob George Cukor, Barbra Streisand e Kris Kristofferson em 1976 sob Frank Pierson — mas a história de Assim Nasce uma Estrela está sempre a ser contada: o amante que, por amor, partilha o talento da sua amada com o mundo, mas que nesse processo compreende que o seu tempo passou e ele vai ficar pelo caminho. Contracenando com Lady Gaga, a artista pop que mais longe terá levado o conceito de “auto-invenção” após Madonna, Bradley Cooper, o Sniper Americano de Eastwood, actor passado à realização que é aqui também produtor, argumentista, compositor, cantor e músico, mantém-se fiel à trama narrativa criada por Wellman em 1937, mas faz na prática uma remake actualizada do filme de Pierson, então já ambientado no mundo do rock. Tal como Kris Kristofferson em 1976, o Jackson Maine de Cooper é uma estrela do “rock operário” americano que descobre por acaso na Ally de Lady Gaga um talento “real”, sincero, em bruto, que tem sido ignorado por ela não se “encaixar nos padrões” (o nariz de Gaga, que faz pensar na Streisand, é uma das múltiplas referências às versões anteriores, como o fragmento de Over the Rainbow que ela canta ao princípio). Realização: Bradley Cooper Actor(es): Lady Gaga, Bradley Cooper, Sam Elliott, Dave Chappelle, Anthony RamosE tudo o que se joga ao longo de Assim Nasce uma Estrela, no século XXI de estrelato instantâneo made in YouTube, de obsolescência programada e de fake news, é uma apologia do “real”, da emoção, da entrega, da personalidade. Jackson e Ally reconhecem um no outro uma fragilidade demasiado humana, uma sinceridade que se expressa melhor através da música do que por palavras. É a primeira hora do filme e é o que ele tem de melhor: uma mulher e um homem que se descobrem, que se seduzem, que se compreendem, filmados com intimidade suficiente para o espectador se sentir perto deles e distância suficiente para manter misterioso o que acontece entre duas pessoas que se apaixonam. Tudo contado com apurada sensibilidade por um realizador estreante do qual não esperaríamos este tipo de aposta formal (é só ver a maneira como as cenas de palco são filmadas, dando tempo às canções e às performances para se desenvolverem). Depois, tudo começa a descambar, com Ally a transformar-se, ela própria, numa vedeta, moldando-se à medida do “mercado” e correndo o risco de perder a sinceridade, e Jackson a ficar para trás, a sentir-se traído. Se na primeira hora Lady Gaga aparece sem máscara, com garra, com presença, confirmando o talento bruto que o fenómeno mediático nem sempre permitiu ver, na segunda metade vemo-la mais próxima da sua identidade pública. E o filme não evita um leve preconceito de “superioridade moral”, como quem diz “és tão fantástica que não precisas disto”; mas é um preconceito que sempre existiu no âmbito de um filme dividido entre a arte e o comércio, com a mesma esquizofrenia de uma Hollywood que quer ser ao mesmo tempo indústria e artesanato. Ao mesmo tempo, é uma distinção que faz todo o sentido num filme que quer provar que é possível fazer a ligação entre a terra e as raízes da América profunda e a sofisticação urbana das cidades costeiras, que quer juntar sob uma mesma tenda as planícies do Midwest e os sonhos de Los Angeles. Afinal, é a história de um sonho em busca do arco-íris: o da iniciada que recebe a benção do mestre. Perante a fé e a entrega com que Lady Gaga e Bradley Cooper o contam neste melodrama à moda antiga reinventado para o século XXI, resistir-lhe é impossível.
REFERÊNCIAS:
Palavras-chave mulher homem