Morreu o escritor que inventou Blimunda
Foi serralheiro e funcionário público. Comunista. Amado e detestado. Começou a viver da escrita passava dos 50 anos. Conheceu Pilar já sexagenário. Recebeu o Nobel da Literatura – o único dado à língua portuguesa – aos 76 anos. Partiu ontem. Sem “nenhuma esperança”. De “mão dada” com a criança que foi numa aldeia do Ribatejo. (...)

Morreu o escritor que inventou Blimunda
MINORIA(S): Homossexuais Pontuação: 6 | Sentimento 0.0
DATA: 2010-06-19 | Jornal Público
SUMÁRIO: Foi serralheiro e funcionário público. Comunista. Amado e detestado. Começou a viver da escrita passava dos 50 anos. Conheceu Pilar já sexagenário. Recebeu o Nobel da Literatura – o único dado à língua portuguesa – aos 76 anos. Partiu ontem. Sem “nenhuma esperança”. De “mão dada” com a criança que foi numa aldeia do Ribatejo.
TEXTO: José Saramago, 87 anos, único escritor de língua portuguesa a quem foi atribuído o prémio Nobel da Literatura, morreu ontem, ao início da tarde, na sua na casa da ilha de Lanzarote, onde habitava com a terceira mulher, Pilar del Rio, desde que se auto-exilara de Portugal, em 1993, depois do governo português riscar o seu nome da lista dos candidatos oficiais ao Prémio Literário Europeu. Visivelmente fragilizado desde o Verão de 2007, devido a doença cancerosa, a morte ocorreu na sequência de “múltipla falha orgânica”, segundo a Fundação José Saramago. O Governo decretou dois dias de luto nacional, hoje e amanhã. O corpo chega hoje ao meio-dia e meia ao aeroporto de Figo Maduro, em Lisboa e será cremado no domingo. Num documentário televisivo de Alberto Serra, estreado na RTP 1 em fins de 2008, Saramago exprimira o desejo de que o seu corpo fosse incinerado e as cinzas colocadas, sem qualquer inscrição, debaixo de uma pedra larga do jardim da casa de Lanzarote. O escritor terá mudado posteriormente este seu desejo, disse o administrador da Fundação Saramago, José Sucena, ao Público. A fazermos fé naquilo que o escritor previu em entrevistas dadas nos anos pós-Nobel, saiu “desta merda de mundo” profundamente dorido por saber que não terá “outra vida”, e sem “nenhuma esperança”. Mas saiu com a satisfação de que “disse o que queria, como queria, quando queria”, ainda que “com algumas incompreensões” de parte dos seus contemporâneos. Não partiu, contudo, apenas ele. “Quando me for deste mundo, partirão duas pessoas. Sairei, de mão dada, com essa criança que fui”, disse em 2006, referindo-se aos primeiros 14 anos de vida, profundamente ligados à aldeia natal, Azinhaga do Ribatejo. Derradeira provocaçãoO seu último romance publicado em vida, Caim, foi escrito em quatro meses. Poucas semanas antes da sua saída, em Outubro de 2009, o escritor anunciou que ia deixar de publicar posts no blogue (intervenção pública a que entretanto aderira) porque começara outro livro e queria dedicar-lhe todo o seu tempo. Como se a “espécie de transe” o continuasse a possuir. Talvez mais avassaladoramente ainda, pois no livro anterior, como explicou publicamente no seu lançamento - em directo para a “página infinita da Internet”, em 25 de Junho de 2009 - ainda dizia que as 24 horas do dia lhe davam “perfeitamente” para manter a escrita de duas páginas diárias – que eram o seu regimeAlém da personagem bíblica que lhe dá o título, o livro tem como protagonistas nada menos do que a humanidade e o próprio Deus. A ideia surgira-lhe há muitos anos. As circunstâncias (ou a sua vontade?) tornaram-no o seu último livro. Como se de uma derradeira provocação se tratasse: “Que deus mande a Abraão matar o seu filho Isaac para provar a sua fé, só isto deveria apagar da nossa cabeça a ideia de Deus” (PÚBLICO de 2. 9. 2009). Apesar de visivelmente fragilizado pela doença, desde 2007, publicará ainda A Viagem do Elefante, O Caderno e O Caderno II - estes dois últimos constituídos por textos escritos até Novembro de 2009 no blogue que levava o seu nome, blog. josesaramago. org (dois milhões de visitas nos primeiros nove meses). A polémica irrompeu ainda antes da leitura de Caim, na sequência de declarações do seu autor, no dia do “lançamento mundial” do livro, em Penafiel: “Caim nunca existiu”; “Sem a Bíblia seríamos outras pessoas – provavelmente melhores”; “Tudo aquilo é absurdo, disparatado”; “Um manual de maus costumes”. Em contraste com a recepção fria dada a este e aos outros oito livros publicados depois da atribuição do Nobel da Literatura, em 1998, A Viagem do Elefante, foi bem acolhido pela crítica portuguesa. Uma doença de que se salvara graças à sua mulher, como escreveu na dedicatória deste livro (“ A Pilar, que não deixou que eu morresse”), interrompeu a escrita desta obra cerca da página 40, no Verão de 2007. A sua capacidade criativa pareceu ter redobrado nos anos que se seguiram, ainda que o corpo passasse a exibir marcas profundas da doença. Individual e universalJosé Saramago publicou 46 livros (16 romances, além de poesia, teatro, contos, crónicas, viagem, memória e diários), 41 dos quais na Editorial Caminho, comprada pelo Grupo Leya em 2007. Foi autor ainda dos libretos de três óperas. A obra do escritor está traduzida em 42 línguas de 53 países. Não existem números seguros, mas dados apurados pelo Público junto da editora, com base apenas nalguns países e regiões, apontam para próximo de 10 milhões de exemplares vendidos em Portugal (mais de três milhões), no Brasil (mais de um milhão e quatrocentos mil), em Espanha e países da América Latina (mais de quatro milhões) e nos EUA (mais de um milhão e 400 mil). Entre as personagens mais fortes que criou, avulta, impressiva e encantatória, Blimunda, a dos poderes mágicos, imortalizada em O Memorial do Convento. O escritor e mulher deram o seu nome à residência que mantinham em Lisboa, num bairro discreto colado à Praça de Londres. “Voz original, inconfundível “(Clara Ferreira Alves); apreciado em África como uma referência dos escritores que neste continente escrevem em português (Mia Couto elogia nesta edição o seu “empenho” em lhes dar “visibilidade”) e no Brasil como um autor em que os leitores se reconhecem como reconhecem em Vieira, Eça ou Pessoa (Eduardo Prado Coelho), o crítico literário norte-americano Harold Bloom considerou-o, em 2003, “o mais talentoso romancista vivo”. Eduardo Lourenço chama-lhe, nesta edição, um “ícone cultural português”. No “núcleo duro” da sua obra, esteve “sempre, a preocupação com o ser humano, seja ele português ou universal” afirmando-se como “um processo de constante auto-superação estética, temática e mesmo, em certos aspectos, ideológica”, sustenta o académico Carlos Reis. A acrescentar a estas marcas ao mesmo tempo individualizadoras e universalizadoras, eram-lhe apontadas como características singulares a escrita sem pontuação e sem maiúsculas nem discurso directo regulares; o imaginário, dominado pelo realismo fantástico; as personagens (além de Blimunda, Madalena, a quem atribui uma relação com Jesus, é também apaixonante); uma ironia permanente e acerada; e as histórias irrecusáveis. A que acrescentaremos, como motivo de fascínio junto de milhões de leitores, a forma como intervinha publicamente na defesa de grandes causas. Dos Sem Terra e do zapatismo ao movimento antiglobalização, à preservação do ambiente, à denúncia da guerra no Iraque e, mais recentemente, aos ataques frontais a Berlusconi, o primeiro-ministro italiano a quem chamava “a coisa”. Amado e detestadoO Ministro da Cultura de Espanha, César António Molina, mostrou quanto o Estado espanhol apreciava a opção de Saramago por Lanzarote, ao referir “a sorte de podermos [os espanhóis] partilhar a existência do escritor”, na inauguração da exposição sobre a sua obra, em Novembro de 2007, na Fundação César Manrique, em Lanzarote. Molina não hesitou em dizer algo que nenhum homólogo seu de Portugal – país onde o romancista continuava a pagar impostos, mas sobre cujo futuro como nação independente expressava fortes dúvidas - se atrevera até então a dizer assim, em público: “Muitos de nós somos o que somos porque encontrámos no meio do caminho a sua obra e vida”. Numa declaração que soa hoje como epitáfio, Molina lembrou que o escritor “nunca se esqueceu de ajudar os mais desamparados e os que não têm voz e que através da sua obra ganharam um lugar”. Antes e após a atribuição do Nobel da Literatura, em 1998, Saramago foi distinguido com muitas dezenas de doutoramentos honoris causa e proferiu centenas de conferências que atraíam multidões, especialmente nos países latino-americanos. As suas declarações, tal como os livros, levantavam, não raras vezes, ferozes polémicas do lado daqueles que não apreciavam quer o seu estilo quer as suas posições políticas e religiosas. O jornal oficial do Vaticano, L’Osservatore Romano, apelidou-o, na altura do Nobel, de “comunista inveterado”. Saramago retribuiu, considerando que não se podia ter confiança “nessa gente”. E que a Igreja Católica se confundiu “muitas vezes – demasiadas vezes – com uma associação de criminosos”. Não hesitou em definir-se uma vez, na Antena 2, como um “comunista hormonal” (“da mesma maneira que a barba me cresce, há uma hormona que fez de mim isto”). Tal não o impediu, porém, de preservar a autonomia de pensamento e uma liberdade crítica que, não raras vezes, o fizeram criticar figuras da iconografia comunista, como Fidel Castro, discordar de posições oficiais do PCP, e mesmo apoiar publicamente candidatos do PS (Mário Soares, nas presidenciais de 2005 e António Costa, nas autárquicas de 2009). Muitos dos seus detractores encontravam-se em Portugal, reconhecia Saramago. “As pessoas param-me na rua. O que há é um sector oficial que realmente não tem muita simpatia por mim. E tem-no manifestado, ainda que agora já não tanto (…) Ninguém é profeta na sua terra mas também eu não quero ser isso. Provavelmente terá a ver com o público. E também com o acolhimento dos meios de comunicação”, explicou ao Público, em 2006. “Seco, duro, cara de pau, mas sentimental”, ao mesmo tempo, segundo ele próprio; generoso, segundo os amigos (que cultivava, mas em pequeno número); era comum apontarem-lhe, como principais defeitos, a vaidade e o egoísmo. Admitia o segundo, não a vaidade. “Quando o vemos distante – e é a isso que chamam vaidade – é por um sentimento de incomodidade, de timidez, de estar a perder tempo, que para ele é um valor definitivo”, contesta a mulher, Pilar, que considerava a sinceridade e frontalidade do escritor fontes de algumas das acusações. Infância ruralJosé de Sousa Saramago nasceu em 16 de Novembro (18, diz o registo oficial, erradamente) de 1922, em Azinhaga do Ribatejo, aldeia próxima da confluência do Almonda com o Tejo. Filho e neto de camponeses sem terra, aos dois anos trocou a aldeia pela capital, acompanhando o pai, que se tornara guarda da PSP. Viria a revelar, décadas mais tarde, no livro, As Pequenas Memórias (2006), que continuou ligado até muito tarde à terra natal. Ali – “uma criança no meio do mundo olhando em redor e dizendo: ‘Estou aqui’” – sente que se construiu. Por influência inapagada dos avós maternos, com quem, já a residir em Lisboa, passou férias até ao fim da adolescência. As origens humildes afastam-no do Liceu Gil Vicente, em que permaneceu dois anos, e conduzem-no para a Escola Industrial de Afonso Domingues, onde obtém 15 valores a Serralharia Mecânica, 15 a Francês e 11 a Português. Quedam-se por aqui as suas habilitações literárias. Tudo o mais – e foi mais do que qualquer outro escritor português do seu tempo, em termos de honrarias literárias e de reconhecimento público mundial – ganhou-o numa aprendizagem solitária, longa e persistente que o levou (observações de Gabriel Garcia Márquez no citado documentário televisivo) a começar a escrever quando os outros costumam terminar e a continuar a escrever na velhice como se tivesse 18 anos. Depois de um primeiro emprego como serralheiro mecânico, nas oficinas dos Hospitais Civis de Lisboa, passa a auxiliar de escrita, desenhador, funcionário da Caixa de Abono de Família do Pessoal da Indústria da Cerâmica (de que será afastado em 1949, por apoiar o candidato da oposição a Salazar, Norton de Matos) e da Caixa de Previdência do Pessoal da Previdente. Torna-se colaborador de produção e, por fim, editor literário da Editorial Estúdios Cor. Traduz 48 livros entre 1955 e 1981, ano a partir do qual se dedicará a tempo inteiro à escrita literária. Primeiro livro aos 25 anosO primeiro livro que leu – O Mistério do Moinho, de J. Jefferson - foi-lhe oferecido pela mãe, aos 10 anos. Gostava de contar que na juventude se tornou “leitor compulsivo” na Biblioteca Municipal do Palácio das Galveias, que frequentava no período nocturno. Publicou aos 25 anos, na Minerva, o seu primeiro livro – A Viúva, reintitulado Terra do Pecado pela editora. Dois anos depois, uma editora recusou-lhe A Clarabóia, cuja publicação interditou enquanto fosse vivo. Os Poemas Possíveis, primeiro livro de poesia, é editado em 1966, pela Portugália. O segundo, Provavelmente Alegria, em 1970, na Livros do Horizonte. No mesmo ano, a Arcádia reuniu em Deste mundo e do Outro, crónicas que escrevera em A Capital e no Jornal do Fundão, num volume muito elogiado por Fernando Namora, em crítica na revista Seara Nova, de que Saramago fora colaborador entre 1967 e 1968. Tornou-se jornalista profissional em 1972, como editorialista do Diário de Lisboa. Os textos, alguns deles notáveis, viriam a ser publicados em livro, em 1974. Assumiu no Verão Quente de 1975 as funções de director-adjunto do Diário de Notícias. Veio a ficar ligado, no exercício deste cargo, ao processo de saneamento de 30 jornalistas, que haviam denunciado nas páginas do jornal a falta de pluralismo do matutino. O episódio imprimiu ao seu perfil uma marca de intolerância ideológica que contrasta com a tocante humanidade das grandes personagens da sua obra literária. “Esquecimento” do PCPA derrota da linha que apoiava sonoramente no Diário de Notícias, em 25 de Novembro, deixou-o no desemprego. Pouco depois, ao decidir procurar trabalho, constata que o PCP (partido a que aderira em 1969, a convite do director da Portugália, Augusto da Costa Dias), não o convidara para um novo projecto jornalístico já em marcha, O Diário, como fizera “a todos os outros jornalistas” que tinham saído daquele jornal. “Na altura não gostei nada. Hoje continuo a não gostar, mas agradeço”, comentou um dia, lembrando que aquilo em que se tornou deve ter começado por alturas desses últimos dias de Novembro em que testemunhou a derrota do projecto de “construção do socialismo” de que o DN, onde exercia o cargo de director-adjunto, era “um instrumento”. Até 1975, explicou, tinha livros mas não se via como um escritor. Decide ir para o Alentejo, aí vivendo, durante alguns anos, de traduções. Acolhido em casa por camponeses do Lavre, abre-se-lhe a porta para uma segunda vida, a da escrita literária. Publica em 1977 o romance Manual de Pintura e Caligrafia, na Moraes Editores. Dois anos depois, A Noite, primeira de uma série de peças de teatro que inclui Que farei com este livro? (1980), A Segunda Vida de Francisco de Assis (1987) e In Nomine Dei (1993). Em 1980, o romance Levantado do Chão, em que se liberta das regras da pontuação e das maiúsculas, substituídas por um fluir narrativo torrencial típico do discurso oral, define-lhe um estilo literário a que o Prémio Cidade de Lisboa dá maior repercussão. Percorre o país, numa encomenda do Círculo de Leitores, de que resulta o precioso Viagem a Portugal, que Pilar del Rio considera “o livro perfeito”, apesar de “mal amado pelos media portugueses”. Reconhecimento e exílioMemorial do Convento, em 1982, confirma a sua forma original de narrar histórias, numa prosa “misteriosa, alusiva, poética” (Luciana Stegagno Pichio) em que se misturam erudição clássica e sabedoria popular. O livro marca a consagração definitiva do autor no país e abre-lhe, aos 60 anos de idade, as portas do reconhecimento internacional. “É muito melhor do que O Nome da Rosa, de Umberto Eco”, chega a escrever um crítico no jornal italiano La Stampa. Será adaptado a ópera e ao teatro, em Portugal e no estrangeiro. O autor recusa uma oferta de Hollywood para que seja posto em filme. E outra do Brasil para passar a telenovela. Segue-se, em 1986, O Ano da Morte de Ricardo Reis – para muitos dos seus leitores (parece que também para ele), o seu melhor livro. Seis anos e três romances depois (Jangada de Pedra, História do Cerco de Lisboa e Evangelho Segundo Jesus Cristo), já famoso em Portugal e na Europa, onde multiplica edições e prémios, vê o seu nome riscado de uma lista de obras candidatas ao Prémio Literário Europeu. Decisão do sub-secretário de Estado da Cultura, Sousa Lara. O Evangelho atacava princípios que tinham a ver “com o património religioso dos portugueses”. O acto censório leva-o a um processo de ruptura com o Governo de então, chefiado por Cavaco Silva. Fixa residência na ilha espanhola de Lanzarote, num processo de “exílio literário” que manterá até à morte, apesar de nos últimos anos ter adquirido uma pequena vivenda em Lisboa, onde se deslocava e permanecia com frequência. “Maldição” do NobelEnsaio sobre a Cegueira (1995) e Todos os Nomes (1997) precedem a atribuição do Prémio Nobel da Literatura, em 1998. O primeiro virá a ser adaptado a teatro por O Bando e ao cinema pelo realizador brasileiro Fernando Meirelles, autor do filme Cidade de Deus. O segundo, nasce de uma pesquisa sobre a vida breve de seu irmão Francisco de Sousa, com vista à autobiografia que oito anos depois virá a publicar. Como quase todos os livros anteriores, os dois títulos impuseram-se-lhe em circunstâncias nada comuns: o Ensaio, à mesa de um restaurante, quando se perguntava: “E se fôssemos todos cegos?”; o livro seguinte, no avião em que viaja para o Brasil, para receber o Prémio Camões. Algo de semelhante acontecerá com a génese do seu penúltimo romance: em 2002, em Salzburgo, quando foi jantar a um restaurante chamado O Elefante. A curiosidade em volta de pequenas esculturas de madeira, a primeira das quais a portuguesíssima Torre de Belém, postas em fila no interior de um estabelecimento da cidade de Mozart, levou-o a troca de correspondência com uma leitora de Português na universidade local. No material histórico por esta enviado sobre a embaixada que D. João III fez chegar ao arquiduque Maximiliano, em 1551, destacava-se um elefante trazido da Índia. A viagem de Salomão, que haveria de espantar as cortes europeias por cujas reinos a luzida delegação passaria inspirou-lhe uma história ficcionada que Pedro Mexia qualificou, nestas páginas, como “o melhor Saramago depois do Nobel”. Ensaio sobre a Cegueira ter-lhe-á valido o Prémio Nobel de Literatura de 1998, tal a boa impressão que causou na Academia Sueca. Foi isso pelo menos o que um seu membro, o poeta e romancista Kjell Espmark, lhe revelou e Saramago contou anos mais tarde, no blogue que começou a escrever, já recomposto da doença, no Verão de 2008. O anúncio do mais alto galardão literário do mundo foi feito, como habitualmente, em 8 de Outubro. O Nobel distinguira pela primeira vez um autor de língua portuguesa que “com parábolas sustentadas por imaginação, compaixão e ironia, continuamente nos permite captar uma realidade fugidia”. Na noite de 7de Dezembro seguinte, em cerimónia televisionada, José Saramago apresenta-se ao Comité Nobel e ao mundo recuando a memória até aos tempos de infância: “O homem mais sábio que conheci em toda a minha vida não sabia ler nem escrever. Às quatro da madrugada, quando a promessa de um novo dia ainda vinha em terras de França, levantava-se da enxerga e saía para o campo, levando ao pasto a meia dúzia de porcas de cuja fertilidade se alimentavam ele e a mulher. (. . . ) Chamavam-se Jerónimo Melrinho e Josefa Caixinha esses avós, e eram analfabetos um e outro. No Inverno, quando o frio da noite apertava ao ponto de a água dos cântaros gelar dentro da casa, iam buscar às pocilgas os bácoros mais débeis e levavam-nos para a sua cama. Debaixo das mantas grosseiras, o calor dos humanos livrava os animaizinhos do enregelamento e salvava-os de uma morte certa”. Os livros que se seguem imediatamente ao mais famoso prémio literário do mundo – A Caverna (2000), O Homem Duplicado (2002), Ensaio sobre a Lucidez (2004) - são recebidos com reservas por parte da crítica portuguesa. Fala-se em “maldição do Nobel”. A série de diários Cadernos de Lanzarote é especialmente causticada pela exibição de prémios, de distinções, de ditirambos ao autor. Interrompe-a no quinto volume, publicado pouco antes da cerimónia de entrega do Nobel. Publicado em finais de 2005, As Intermitências da Morte parte de uma hipótese improvável, neste caso impossível, tão ao gosto do escritor – um país cujos habitantes um dia deixam de morrer. O livro constitui um comovente hino testamentário (um violoncelista seduz a morte-mulher, para quem interpreta uma suite de Bach) ao amor e à música, isto é, à vida humana. Escrita “com larguíssimos intervalos” e longamente prometida sob um título que não veio a vingar (O Livro das Tentações), a autobiografia As Pequenas Memórias (2006) debruça-se sobre a infância e a adolescência, na Azinhaga e em Lisboa. Na altura, disse-se tentado a fechar o círculo. Considerava que esgotara, de algum modo, os temas, embora, premonitório, admitisse escrever ainda “mais um livro ou dois”. Já depois do lançamento deste livro – apresentado, no São Carlos, em Lisboa, pela mulher, pela apresentadora televisiva Bárbara Guimarães e pela actriz brasileira Torloni – o escritor viria a assistir, neste mesmo teatro, à estreia de Don Giovani ou o Dissoluto Absolvido, ópera composta pelo italiano Azio Corghi sobre libreto seu. Corghi colaborou igualmente com Saramago na ópera Blimunda, estreada no teatro Alla Scala de Milão, em 1990 (libreto extraído de O Memorial do Convento), e Divara, estreada em Münster, com base na peça In Nomine Dei. Anúncios a este livro, em 1993, foram proibidos de passar na TVI, que alegou que a peça não se inseria nos princípios da estação, então propriedade da Igreja Católica. No Outono de 2008, evidenciando ainda fortes sinais de debilidade física, participou em numerosas sessões de lançamento de A Viagem do Elefante. Multiplica-se em entrevistas, em que conserva intacto o fio de raciocínio que lhe permitia enfrentar entrevistadores omnívoros. O humor que nele colocou, delicia os leitores (80 mil exemplares em menos de um mês, tornando-se o livro mais vendido da quadra natalícia daquele ano) e intriga-o a ele, dadas as circunstâncias da sua criação. “Suponho que perdi uma excelente oportunidade de fazer da minha dor poesia, romance, ou, neste caso, conto, que é o que eu lhe chamo. É um bocado estranho, nem consigo explicar por que é que este livro é assim e não um reflexo do mau bocado que eu tinha passado”, disse no dia do lançamento, no Grande Auditório do Centro Cultural de Belém, em Lisboa. Teatro e poemas inéditos Para além da obra conhecida, a exposição A Consistência dos Sonhos, que esteve patente em Lisboa durante todo o Verão de 2008, revelou, entre outras novidades, um período “arqueológico”, “uma espécie de face oculta da lua” inspirativa do escritor. Dela constam cerca de 200 folhas manuscritas “com relatos inacabados, às vezes apenas esboçados”, identificados por títulos “certamente provisórios” – Os Emparedados, O Mel e o Fel, Rua (narrativa de quatro páginas para um romance) e O Sistema, estes dois últimos de início da década de 1950 –, como aconteceu com alguns dos seus romances da maturidade, segundo Carlos Reis, num artigo no Jornal de Letras. O comissário da exposição, Fernando Gómez Aguilera, anota ainda quatro peças de teatro também daquela década e duas outras dos anos de 1970. Uma delas, A Lição de Botânica, representada em 1977 pelo Teatro A Barraca, apesar de nunca publicada; e 44 poemas, escritos entre 1944 e 1948. O seu valor literário é “muito relativo”, comentou o próprio Saramago e confirmou, naquele quinzenário, o comissário espanhol. Este sublinhou, porém, tratar-se dos “primeiros testemunhos da sua escrita e das suas preocupações centrais: as condições de vida das classes desfavorecidas nos bairros pobres de Lisboa, a evocação do lugar de nascimento e uma certa melancolia poética”. O factor PilarJosé Saramago foi casado com a pintora, gravadora e escultora Ilda Reis, já falecida, de quem tinha uma filha, Violante, e viveu 16 anos com a escritora Isabel da Nóbrega (Prémio Castelo Castelo-Branco, 1965), com quem formou, segundo Fernando Dacosta, “um par fiel, glamorouso”, nos meios intelectuais lisboetas. Aos 63 anos, “quando já não se espera nada”, encontrou “o que faltava para passar a ter tudo” – Pilar. Jornalista, Pilar del Rio chegara de Sevilha a Lisboa para fazer o percurso de Ricardo Reis, tal como descrito magistralmente pelo escritor, em O Ano da Morte de Ricardo Reis. Nada de bizarro: na semana a seguir, uma irmã e o marido fariam o mesmo; uns dias antes, tinham-no feito uns amigos. E a peregrinação prosseguiria, durante muito tempo, no seu círculo de amigos. O café que tomaram em Lisboa e um novo encontro meses depois em Sevilha, por iniciativa de Saramago, que viajou de camioneta até lá, mudou a vida a ambos. Casaram em Lisboa, em Outubro de 1988. Ele em vésperas de fazer 66 anos, ela com 36; ambos com um casamento oficial anterior. Nunca mais deixaram de andar juntos. “Se tivesse morrido aos 63 anos, antes de a conhecer, morreria muito mais velho do que serei quando chegar a minha hora”, disse Saramago um dia, numa das várias muito belas declarações públicas de amor a Pilar. A intensa ligação a Pilar (chegará a chamar-lhe, numa entrevista na Antena 2, o seu outro Prémio Nobel) levá-lo-á a apagar das reedições dos livros publicados até 1984 as dedicatórias a Isabel da Nóbrega: “À Isabel, sempre”, em Levantado do Chão (também dedicado a 16 elementos da União Cooperativa de Produção Boa Esperança, do Lavre, Montemor-o-Novo, que o acolheram e sem os quais, escreveu, “não teria sido escrito” o livro, mas cujos nomes foram igualmente suprimidos, ficando apenas em edição posterior, “À memória de Germano Vidigal e José Adelino dos Santos, assassinados”); “À Isabel, porque nada perde ou repete, porque tudo cria e renova”, em Memorial do Convento; e “À Isabel, outro livro, o mesmo sinal”, em O Ano da Morte de Ricardo Reis. Os adversários não lhe perdoaram a atitude. Amigos que muito o apreciam lamentaram-na profundamente. Andaluza, a mais velha de 15 irmãos, Pilar declara-se comunista. “Ideológica e emocionalmente”. Sem prejuízo de votar “umas vezes no PSOE e noutras na Esquerda Unida” e de, em autárquicas em Portugal, se ver mais a votar em Manuel Maria Carrilho ou António Costa para assegurar que “fosse a esquerda” a governar. Tudo dito com a mesma convicção apaixonada com que confessa continuar a sentir-se, de alguma forma, “teresiana”, designação dos membros de um instituto secular ligado à figura de Santa Teresa de Jesus, que abandonou mas em cujos princípios de dedicação à vida dos outros continuou a acreditar. Ouvi-la, por vezes, era ouvir Saramago. No conteúdo e na forma. Como quando respondeu à Pública, sobre a sua recusa em condenar expressamente o muro de Berlim: “Quero falar de todos os muros. Cada dia há mais ricos e mais pobres. O muro de Berlim, horrível, afectou muita gente. Os outros afectam milhões e milhões e ninguém fala deles. Ninguém deita abaixo os muros que separam a riqueza da pobreza”. É a tradutora para espanhol dos livros do marido — trabalho que fazia quase em simultâneo com o acto de criação do escritor. Mas assume-se como jornalista, acima de tudo. Manteve uma rubrica de intervenção cívica, durante anos, na rádio. Pôs-lhe o nome de "Blimunda não se rende". Pilar corresponde aos elogios do marido: “É o companheiro ideal, o namorado que não desilude, o homem para compartilhar uma vida”. Entre as incumbências que competem a uma viúva, deverá agora (sugeriu Saramago numa entrevista a José Carlos de Vasconcelos, seu amigo de longa data) organizar, “para publicar”, juntando-os à obra já feita, “um ou dois” volumes com cartas de leitores, algumas delas “absolutamente extraordinárias, documentos humanos de uma profundidade, uma beleza e emoção raras”, que foram chegando “de toda a parte” ao escritor. Provocador de ideias e cépticoSem temer ficar isolado no debate, Saramago lançava no espaço público ideias fracturantes, quase sempre contra a corrente ou mesmo politicamente incorrectas – o voto em branco, a fusão de Portugal em Espanha, a irrelevância do 25 de Abril para atingir a democracia, a semelhança da ocupação israelita da Palestina com Auschwitz, a provocação a “deus, esse a quem chamamos senhor” e a quem “uma só criança das que morreram feitas tições em Sodoma bastaria para (…) condenar sem remissão”. Fazia-o de uma forma que surpreendia o leitor/ouvinte incauto: tirando das premissas as conclusões menos conformes com os cânones. O seu era – disse um dia numa entrevista na Antena 1 ao autor deste obituário – “o ponto de vista do galinheiro”. Referia-se aos tempos da juventude em que frequentou intensamente o Teatro Nacional de São Carlos, cujos espectáculos via, grátis, mercê da bondade de um porteiro amigo do pai. Longe e de cima (mesmo acima do “pó dos lustres” do magnífico teatro barroco), era-lhe dado ver e ouvir os espectáculos de ângulos diferentes dos que os viam da plateia ou dos camarotes, explicou. Talvez por isso, prevalecia nele a distância do cepticismo: “tenho sempre um pé atrás [porque sei que] nada é definitivo e que o motivo do riso de hoje pode amanhã tornar-se em lágrimas”. Não admirará assim que quando lhe perguntaram qual a personagem do século XX em que acreditava começasse por falar em Lenine, mas logo passasse a Churchil (“mas o Churchil que era trabalhista”) e se tivesse quedado em Martin Luther King, “a única ou uma das poucas figuras que poria assim em primeiro plano”. Além de Kafka, “o maior escritor” do século passado. Dotado de uma grande facilidade de expressão apesar da leve gaguez com que falava, deixou, além dos livros e das conferências, um extraordinário acervo de declarações em entrevistas. Nelas podemos acompanhar e em certos casos completar, dito por outras palavras, normalmente mais directas, o essencial das preocupações e interrogações que foi semeando na obra literária. Sobre a democracia, a criação literária, o papel do escritor, o jornalismo, Portugal, o mundo, Deus. E sobre este mesmo acontecimento que aqui relatamos e em que é protagonista - o seu desaparecimento da terra e a perspectiva de uma outra vida, para lá da morte: “A finitude é o destino de tudo. O Sol, um dia, apaga-se”. Fontes principais: Jornal de Letras, 26. 3. 1997; Visão, 16. 1. 2003; PÚBLICO 3. 4. 2004, 12. 11. 2005, 16. 1. 2006, 7. 11. 2008, entre outros; Uma longa viagem com José Saramago, João Céu e Silva, Porto Editora, 2009; entrevistas à Antena 1 e à Antena 2. Texto corrigido às 13h26
REFERÊNCIAS:
Vénia e honra em Portugal e no mundo
Foi serralheiro e funcionário público. Comunista. Amado e detestado. Começou a viver da escrita passava dos 50 anos. Conheceu Pilar já sexagenário. Recebeu o Nobel da Literatura – o único dado à língua portuguesa – aos 76 anos. Partiu ontem. Sem “nenhuma esperança”. De “mão dada” com a criança que foi numa aldeia do Ribatejo. (...)

Vénia e honra em Portugal e no mundo
MINORIA(S): Homossexuais Pontuação: 6 | Sentimento 0.0
DATA: 2010-06-22 | Jornal Público
SUMÁRIO: Foi serralheiro e funcionário público. Comunista. Amado e detestado. Começou a viver da escrita passava dos 50 anos. Conheceu Pilar já sexagenário. Recebeu o Nobel da Literatura – o único dado à língua portuguesa – aos 76 anos. Partiu ontem. Sem “nenhuma esperança”. De “mão dada” com a criança que foi numa aldeia do Ribatejo.
TEXTO: José Saramago, 87 anos, único escritor de língua portuguesa a quem foi atribuído o prémio Nobel da Literatura, morreu ontem, ao início da tarde, na sua na casa da ilha de Lanzarote, onde habitava com a terceira mulher, Pilar del Rio, desde que se auto-exilara de Portugal, em 1993, depois do governo português riscar o seu nome da lista dos candidatos oficiais ao Prémio Literário Europeu. Visivelmente fragilizado desde o Verão de 2007, devido a doença cancerosa, a morte ocorreu na sequência de “múltipla falha orgânica”, segundo a Fundação José Saramago. O Governo decretou dois dias de luto nacional, hoje e amanhã. O corpo chega hoje ao meio-dia e meia ao aeroporto de Figo Maduro, em Lisboa e será cremado no domingo. Num documentário televisivo de Alberto Serra, estreado na RTP 1 em fins de 2008, Saramago exprimira o desejo de que o seu corpo fosse incinerado e as cinzas colocadas, sem qualquer inscrição, debaixo de uma pedra larga do jardim da casa de Lanzarote. O escritor terá mudado posteriormente este seu desejo, disse o administrador da Fundação Saramago, José Sucena, ao Público. A fazermos fé naquilo que o escritor previu em entrevistas dadas nos anos pós-Nobel, saiu “desta merda de mundo” profundamente dorido por saber que não terá “outra vida”, e sem “nenhuma esperança”. Mas saiu com a satisfação de que “disse o que queria, como queria, quando queria”, ainda que “com algumas incompreensões” de parte dos seus contemporâneos. Não partiu, contudo, apenas ele. “Quando me for deste mundo, partirão duas pessoas. Sairei, de mão dada, com essa criança que fui”, disse em 2006, referindo-se aos primeiros 14 anos de vida, profundamente ligados à aldeia natal, Azinhaga do Ribatejo. Derradeira provocaçãoO seu último romance publicado em vida, Caim, foi escrito em quatro meses. Poucas semanas antes da sua saída, em Outubro de 2009, o escritor anunciou que ia deixar de publicar posts no blogue (intervenção pública a que entretanto aderira) porque começara outro livro e queria dedicar-lhe todo o seu tempo. Como se a “espécie de transe” o continuasse a possuir. Talvez mais avassaladoramente ainda, pois no livro anterior, como explicou publicamente no seu lançamento - em directo para a “página infinita da Internet”, em 25 de Junho de 2009 - ainda dizia que as 24 horas do dia lhe davam “perfeitamente” para manter a escrita de duas páginas diárias – que eram o seu regimeAlém da personagem bíblica que lhe dá o título, o livro tem como protagonistas nada menos do que a humanidade e o próprio Deus. A ideia surgira-lhe há muitos anos. As circunstâncias (ou a sua vontade?) tornaram-no o seu último livro. Como se de uma derradeira provocação se tratasse: “Que deus mande a Abraão matar o seu filho Isaac para provar a sua fé, só isto deveria apagar da nossa cabeça a ideia de Deus” (PÚBLICO de 2. 9. 2009). Apesar de visivelmente fragilizado pela doença, desde 2007, publicará ainda A Viagem do Elefante, O Caderno e O Caderno II - estes dois últimos constituídos por textos escritos até Novembro de 2009 no blogue que levava o seu nome, blog. josesaramago. org (dois milhões de visitas nos primeiros nove meses). A polémica irrompeu ainda antes da leitura de Caim, na sequência de declarações do seu autor, no dia do “lançamento mundial” do livro, em Penafiel: “Caim nunca existiu”; “Sem a Bíblia seríamos outras pessoas – provavelmente melhores”; “Tudo aquilo é absurdo, disparatado”; “Um manual de maus costumes”. Em contraste com a recepção fria dada a este e aos outros oito livros publicados depois da atribuição do Nobel da Literatura, em 1998, A Viagem do Elefante, foi bem acolhido pela crítica portuguesa. Uma doença de que se salvara graças à sua mulher, como escreveu na dedicatória deste livro (“ A Pilar, que não deixou que eu morresse”), interrompeu a escrita desta obra cerca da página 40, no Verão de 2007. A sua capacidade criativa pareceu ter redobrado nos anos que se seguiram, ainda que o corpo passasse a exibir marcas profundas da doença. Individual e universalJosé Saramago publicou 46 livros (16 romances, além de poesia, teatro, contos, crónicas, viagem, memória e diários), 41 dos quais na Editorial Caminho, comprada pelo Grupo Leya em 2007. Foi autor ainda dos libretos de três óperas. A obra do escritor está traduzida em 42 línguas de 53 países. Não existem números seguros, mas dados apurados pelo Público junto da editora, com base apenas nalguns países e regiões, apontam para próximo de 10 milhões de exemplares vendidos em Portugal (mais de três milhões), no Brasil (mais de um milhão e quatrocentos mil), em Espanha e países da América Latina (mais de quatro milhões) e nos EUA (mais de um milhão e 400 mil). Entre as personagens mais fortes que criou, avulta, impressiva e encantatória, Blimunda, a dos poderes mágicos, imortalizada em O Memorial do Convento. O escritor e mulher deram o seu nome à residência que mantinham em Lisboa, num bairro discreto colado à Praça de Londres. “Voz original, inconfundível “(Clara Ferreira Alves); apreciado em África como uma referência dos escritores que neste continente escrevem em português (Mia Couto elogia nesta edição o seu “empenho” em lhes dar “visibilidade”) e no Brasil como um autor em que os leitores se reconhecem como reconhecem em Vieira, Eça ou Pessoa (Eduardo Prado Coelho), o crítico literário norte-americano Harold Bloom considerou-o, em 2003, “o mais talentoso romancista vivo”. Eduardo Lourenço chama-lhe, nesta edição, um “ícone cultural português”. No “núcleo duro” da sua obra, esteve “sempre, a preocupação com o ser humano, seja ele português ou universal” afirmando-se como “um processo de constante auto-superação estética, temática e mesmo, em certos aspectos, ideológica”, sustenta o académico Carlos Reis. A acrescentar a estas marcas ao mesmo tempo individualizadoras e universalizadoras, eram-lhe apontadas como características singulares a escrita sem pontuação e sem maiúsculas nem discurso directo regulares; o imaginário, dominado pelo realismo fantástico; as personagens (além de Blimunda, Madalena, a quem atribui uma relação com Jesus, é também apaixonante); uma ironia permanente e acerada; e as histórias irrecusáveis. A que acrescentaremos, como motivo de fascínio junto de milhões de leitores, a forma como intervinha publicamente na defesa de grandes causas. Dos Sem Terra e do zapatismo ao movimento antiglobalização, à preservação do ambiente, à denúncia da guerra no Iraque e, mais recentemente, aos ataques frontais a Berlusconi, o primeiro-ministro italiano a quem chamava “a coisa”. Amado e detestadoO Ministro da Cultura de Espanha, César António Molina, mostrou quanto o Estado espanhol apreciava a opção de Saramago por Lanzarote, ao referir “a sorte de podermos [os espanhóis] partilhar a existência do escritor”, na inauguração da exposição sobre a sua obra, em Novembro de 2007, na Fundação César Manrique, em Lanzarote. Molina não hesitou em dizer algo que nenhum homólogo seu de Portugal – país onde o romancista continuava a pagar impostos, mas sobre cujo futuro como nação independente expressava fortes dúvidas - se atrevera até então a dizer assim, em público: “Muitos de nós somos o que somos porque encontrámos no meio do caminho a sua obra e vida”. Numa declaração que soa hoje como epitáfio, Molina lembrou que o escritor “nunca se esqueceu de ajudar os mais desamparados e os que não têm voz e que através da sua obra ganharam um lugar”. Antes e após a atribuição do Nobel da Literatura, em 1998, Saramago foi distinguido com muitas dezenas de doutoramentos honoris causa e proferiu centenas de conferências que atraíam multidões, especialmente nos países latino-americanos. As suas declarações, tal como os livros, levantavam, não raras vezes, ferozes polémicas do lado daqueles que não apreciavam quer o seu estilo quer as suas posições políticas e religiosas. O jornal oficial do Vaticano, L’Osservatore Romano, apelidou-o, na altura do Nobel, de “comunista inveterado”. Saramago retribuiu, considerando que não se podia ter confiança “nessa gente”. E que a Igreja Católica se confundiu “muitas vezes – demasiadas vezes – com uma associação de criminosos”. Não hesitou em definir-se uma vez, na Antena 2, como um “comunista hormonal” (“da mesma maneira que a barba me cresce, há uma hormona que fez de mim isto”). Tal não o impediu, porém, de preservar a autonomia de pensamento e uma liberdade crítica que, não raras vezes, o fizeram criticar figuras da iconografia comunista, como Fidel Castro, discordar de posições oficiais do PCP, e mesmo apoiar publicamente candidatos do PS (Mário Soares, nas presidenciais de 2005 e António Costa, nas autárquicas de 2009). Muitos dos seus detractores encontravam-se em Portugal, reconhecia Saramago. “As pessoas param-me na rua. O que há é um sector oficial que realmente não tem muita simpatia por mim. E tem-no manifestado, ainda que agora já não tanto (…) Ninguém é profeta na sua terra mas também eu não quero ser isso. Provavelmente terá a ver com o público. E também com o acolhimento dos meios de comunicação”, explicou ao Público, em 2006. “Seco, duro, cara de pau, mas sentimental”, ao mesmo tempo, segundo ele próprio; generoso, segundo os amigos (que cultivava, mas em pequeno número); era comum apontarem-lhe, como principais defeitos, a vaidade e o egoísmo. Admitia o segundo, não a vaidade. “Quando o vemos distante – e é a isso que chamam vaidade – é por um sentimento de incomodidade, de timidez, de estar a perder tempo, que para ele é um valor definitivo”, contesta a mulher, Pilar, que considerava a sinceridade e frontalidade do escritor fontes de algumas das acusações. Infância ruralJosé de Sousa Saramago nasceu em 16 de Novembro (18, diz o registo oficial, erradamente) de 1922, em Azinhaga do Ribatejo, aldeia próxima da confluência do Almonda com o Tejo. Filho e neto de camponeses sem terra, aos dois anos trocou a aldeia pela capital, acompanhando o pai, que se tornara guarda da PSP. Viria a revelar, décadas mais tarde, no livro, As Pequenas Memórias (2006), que continuou ligado até muito tarde à terra natal. Ali – “uma criança no meio do mundo olhando em redor e dizendo: ‘Estou aqui’” – sente que se construiu. Por influência inapagada dos avós maternos, com quem, já a residir em Lisboa, passou férias até ao fim da adolescência. As origens humildes afastam-no do Liceu Gil Vicente, em que permaneceu dois anos, e conduzem-no para a Escola Industrial de Afonso Domingues, onde obtém 15 valores a Serralharia Mecânica, 15 a Francês e 11 a Português. Quedam-se por aqui as suas habilitações literárias. Tudo o mais – e foi mais do que qualquer outro escritor português do seu tempo, em termos de honrarias literárias e de reconhecimento público mundial – ganhou-o numa aprendizagem solitária, longa e persistente que o levou (observações de Gabriel Garcia Márquez no citado documentário televisivo) a começar a escrever quando os outros costumam terminar e a continuar a escrever na velhice como se tivesse 18 anos. Depois de um primeiro emprego como serralheiro mecânico, nas oficinas dos Hospitais Civis de Lisboa, passa a auxiliar de escrita, desenhador, funcionário da Caixa de Abono de Família do Pessoal da Indústria da Cerâmica (de que será afastado em 1949, por apoiar o candidato da oposição a Salazar, Norton de Matos) e da Caixa de Previdência do Pessoal da Previdente. Torna-se colaborador de produção e, por fim, editor literário da Editorial Estúdios Cor. Traduz 48 livros entre 1955 e 1981, ano a partir do qual se dedicará a tempo inteiro à escrita literária. Primeiro livro aos 25 anosO primeiro livro que leu – O Mistério do Moinho, de J. Jefferson - foi-lhe oferecido pela mãe, aos 10 anos. Gostava de contar que na juventude se tornou “leitor compulsivo” na Biblioteca Municipal do Palácio das Galveias, que frequentava no período nocturno. Publicou aos 25 anos, na Minerva, o seu primeiro livro – A Viúva, reintitulado Terra do Pecado pela editora. Dois anos depois, uma editora recusou-lhe A Clarabóia, cuja publicação interditou enquanto fosse vivo. Os Poemas Possíveis, primeiro livro de poesia, é editado em 1966, pela Portugália. O segundo, Provavelmente Alegria, em 1970, na Livros do Horizonte. No mesmo ano, a Arcádia reuniu em Deste mundo e do Outro, crónicas que escrevera em A Capital e no Jornal do Fundão, num volume muito elogiado por Fernando Namora, em crítica na revista Seara Nova, de que Saramago fora colaborador entre 1967 e 1968. Tornou-se jornalista profissional em 1972, como editorialista do Diário de Lisboa. Os textos, alguns deles notáveis, viriam a ser publicados em livro, em 1974. Assumiu no Verão Quente de 1975 as funções de director-adjunto do Diário de Notícias. Veio a ficar ligado, no exercício deste cargo, ao processo de saneamento de 30 jornalistas, que haviam denunciado nas páginas do jornal a falta de pluralismo do matutino. O episódio imprimiu ao seu perfil uma marca de intolerância ideológica que contrasta com a tocante humanidade das grandes personagens da sua obra literária. “Esquecimento” do PCPA derrota da linha que apoiava sonoramente no Diário de Notícias, em 25 de Novembro, deixou-o no desemprego. Pouco depois, ao decidir procurar trabalho, constata que o PCP (partido a que aderira em 1969, a convite do director da Portugália, Augusto da Costa Dias), não o convidara para um novo projecto jornalístico já em marcha, O Diário, como fizera “a todos os outros jornalistas” que tinham saído daquele jornal. “Na altura não gostei nada. Hoje continuo a não gostar, mas agradeço”, comentou um dia, lembrando que aquilo em que se tornou deve ter começado por alturas desses últimos dias de Novembro em que testemunhou a derrota do projecto de “construção do socialismo” de que o DN, onde exercia o cargo de director-adjunto, era “um instrumento”. Até 1975, explicou, tinha livros mas não se via como um escritor. Decide ir para o Alentejo, aí vivendo, durante alguns anos, de traduções. Acolhido em casa por camponeses do Lavre, abre-se-lhe a porta para uma segunda vida, a da escrita literária. Publica em 1977 o romance Manual de Pintura e Caligrafia, na Moraes Editores. Dois anos depois, A Noite, primeira de uma série de peças de teatro que inclui Que farei com este livro? (1980), A Segunda Vida de Francisco de Assis (1987) e In Nomine Dei (1993). Em 1980, o romance Levantado do Chão, em que se liberta das regras da pontuação e das maiúsculas, substituídas por um fluir narrativo torrencial típico do discurso oral, define-lhe um estilo literário a que o Prémio Cidade de Lisboa dá maior repercussão. Percorre o país, numa encomenda do Círculo de Leitores, de que resulta o precioso Viagem a Portugal, que Pilar del Rio considera “o livro perfeito”, apesar de “mal amado pelos media portugueses”. Reconhecimento e exílioMemorial do Convento, em 1982, confirma a sua forma original de narrar histórias, numa prosa “misteriosa, alusiva, poética” (Luciana Stegagno Pichio) em que se misturam erudição clássica e sabedoria popular. O livro marca a consagração definitiva do autor no país e abre-lhe, aos 60 anos de idade, as portas do reconhecimento internacional. “É muito melhor do que O Nome da Rosa, de Umberto Eco”, chega a escrever um crítico no jornal italiano La Stampa. Será adaptado a ópera e ao teatro, em Portugal e no estrangeiro. O autor recusa uma oferta de Hollywood para que seja posto em filme. E outra do Brasil para passar a telenovela. Segue-se, em 1986, O Ano da Morte de Ricardo Reis – para muitos dos seus leitores (parece que também para ele), o seu melhor livro. Seis anos e três romances depois (Jangada de Pedra, História do Cerco de Lisboa e Evangelho Segundo Jesus Cristo), já famoso em Portugal e na Europa, onde multiplica edições e prémios, vê o seu nome riscado de uma lista de obras candidatas ao Prémio Literário Europeu. Decisão do sub-secretário de Estado da Cultura, Sousa Lara. O Evangelho atacava princípios que tinham a ver “com o património religioso dos portugueses”. O acto censório leva-o a um processo de ruptura com o Governo de então, chefiado por Cavaco Silva. Fixa residência na ilha espanhola de Lanzarote, num processo de “exílio literário” que manterá até à morte, apesar de nos últimos anos ter adquirido uma pequena vivenda em Lisboa, onde se deslocava e permanecia com frequência. “Maldição” do NobelEnsaio sobre a Cegueira (1995) e Todos os Nomes (1997) precedem a atribuição do Prémio Nobel da Literatura, em 1998. O primeiro virá a ser adaptado a teatro por O Bando e ao cinema pelo realizador brasileiro Fernando Meirelles, autor do filme Cidade de Deus. O segundo, nasce de uma pesquisa sobre a vida breve de seu irmão Francisco de Sousa, com vista à autobiografia que oito anos depois virá a publicar. Como quase todos os livros anteriores, os dois títulos impuseram-se-lhe em circunstâncias nada comuns: o Ensaio, à mesa de um restaurante, quando se perguntava: “E se fôssemos todos cegos?”; o livro seguinte, no avião em que viaja para o Brasil, para receber o Prémio Camões. Algo de semelhante acontecerá com a génese do seu penúltimo romance: em 2002, em Salzburgo, quando foi jantar a um restaurante chamado O Elefante. A curiosidade em volta de pequenas esculturas de madeira, a primeira das quais a portuguesíssima Torre de Belém, postas em fila no interior de um estabelecimento da cidade de Mozart, levou-o a troca de correspondência com uma leitora de Português na universidade local. No material histórico por esta enviado sobre a embaixada que D. João III fez chegar ao arquiduque Maximiliano, em 1551, destacava-se um elefante trazido da Índia. A viagem de Salomão, que haveria de espantar as cortes europeias por cujas reinos a luzida delegação passaria inspirou-lhe uma história ficcionada que Pedro Mexia qualificou, nestas páginas, como “o melhor Saramago depois do Nobel”. Ensaio sobre a Cegueira ter-lhe-á valido o Prémio Nobel de Literatura de 1998, tal a boa impressão que causou na Academia Sueca. Foi isso pelo menos o que um seu membro, o poeta e romancista Kjell Espmark, lhe revelou e Saramago contou anos mais tarde, no blogue que começou a escrever, já recomposto da doença, no Verão de 2008. O anúncio do mais alto galardão literário do mundo foi feito, como habitualmente, em 8 de Outubro. O Nobel distinguira pela primeira vez um autor de língua portuguesa que “com parábolas sustentadas por imaginação, compaixão e ironia, continuamente nos permite captar uma realidade fugidia”. Na noite de 7de Dezembro seguinte, em cerimónia televisionada, José Saramago apresenta-se ao Comité Nobel e ao mundo recuando a memória até aos tempos de infância: “O homem mais sábio que conheci em toda a minha vida não sabia ler nem escrever. Às quatro da madrugada, quando a promessa de um novo dia ainda vinha em terras de França, levantava-se da enxerga e saía para o campo, levando ao pasto a meia dúzia de porcas de cuja fertilidade se alimentavam ele e a mulher. (. . . ) Chamavam-se Jerónimo Melrinho e Josefa Caixinha esses avós, e eram analfabetos um e outro. No Inverno, quando o frio da noite apertava ao ponto de a água dos cântaros gelar dentro da casa, iam buscar às pocilgas os bácoros mais débeis e levavam-nos para a sua cama. Debaixo das mantas grosseiras, o calor dos humanos livrava os animaizinhos do enregelamento e salvava-os de uma morte certa”. Os livros que se seguem imediatamente ao mais famoso prémio literário do mundo – A Caverna (2000), O Homem Duplicado (2002), Ensaio sobre a Lucidez (2004) - são recebidos com reservas por parte da crítica portuguesa. Fala-se em “maldição do Nobel”. A série de diários Cadernos de Lanzarote é especialmente causticada pela exibição de prémios, de distinções, de ditirambos ao autor. Interrompe-a no quinto volume, publicado pouco antes da cerimónia de entrega do Nobel. Publicado em finais de 2005, As Intermitências da Morte parte de uma hipótese improvável, neste caso impossível, tão ao gosto do escritor – um país cujos habitantes um dia deixam de morrer. O livro constitui um comovente hino testamentário (um violoncelista seduz a morte-mulher, para quem interpreta uma suite de Bach) ao amor e à música, isto é, à vida humana. Escrita “com larguíssimos intervalos” e longamente prometida sob um título que não veio a vingar (O Livro das Tentações), a autobiografia As Pequenas Memórias (2006) debruça-se sobre a infância e a adolescência, na Azinhaga e em Lisboa. Na altura, disse-se tentado a fechar o círculo. Considerava que esgotara, de algum modo, os temas, embora, premonitório, admitisse escrever ainda “mais um livro ou dois”. Já depois do lançamento deste livro – apresentado, no São Carlos, em Lisboa, pela mulher, pela apresentadora televisiva Bárbara Guimarães e pela actriz brasileira Torloni – o escritor viria a assistir, neste mesmo teatro, à estreia de Don Giovani ou o Dissoluto Absolvido, ópera composta pelo italiano Azio Corghi sobre libreto seu. Corghi colaborou igualmente com Saramago na ópera Blimunda, estreada no teatro Alla Scala de Milão, em 1990 (libreto extraído de O Memorial do Convento), e Divara, estreada em Münster, com base na peça In Nomine Dei. Anúncios a este livro, em 1993, foram proibidos de passar na TVI, que alegou que a peça não se inseria nos princípios da estação, então propriedade da Igreja Católica. No Outono de 2008, evidenciando ainda fortes sinais de debilidade física, participou em numerosas sessões de lançamento de A Viagem do Elefante. Multiplica-se em entrevistas, em que conserva intacto o fio de raciocínio que lhe permitia enfrentar entrevistadores omnívoros. O humor que nele colocou, delicia os leitores (80 mil exemplares em menos de um mês, tornando-se o livro mais vendido da quadra natalícia daquele ano) e intriga-o a ele, dadas as circunstâncias da sua criação. “Suponho que perdi uma excelente oportunidade de fazer da minha dor poesia, romance, ou, neste caso, conto, que é o que eu lhe chamo. É um bocado estranho, nem consigo explicar por que é que este livro é assim e não um reflexo do mau bocado que eu tinha passado”, disse no dia do lançamento, no Grande Auditório do Centro Cultural de Belém, em Lisboa. Teatro e poemas inéditos Para além da obra conhecida, a exposição A Consistência dos Sonhos, que esteve patente em Lisboa durante todo o Verão de 2008, revelou, entre outras novidades, um período “arqueológico”, “uma espécie de face oculta da lua” inspirativa do escritor. Dela constam cerca de 200 folhas manuscritas “com relatos inacabados, às vezes apenas esboçados”, identificados por títulos “certamente provisórios” – Os Emparedados, O Mel e o Fel, Rua (narrativa de quatro páginas para um romance) e O Sistema, estes dois últimos de início da década de 1950 –, como aconteceu com alguns dos seus romances da maturidade, segundo Carlos Reis, num artigo no Jornal de Letras. O comissário da exposição, Fernando Gómez Aguilera, anota ainda quatro peças de teatro também daquela década e duas outras dos anos de 1970. Uma delas, A Lição de Botânica, representada em 1977 pelo Teatro A Barraca, apesar de nunca publicada; e 44 poemas, escritos entre 1944 e 1948. O seu valor literário é “muito relativo”, comentou o próprio Saramago e confirmou, naquele quinzenário, o comissário espanhol. Este sublinhou, porém, tratar-se dos “primeiros testemunhos da sua escrita e das suas preocupações centrais: as condições de vida das classes desfavorecidas nos bairros pobres de Lisboa, a evocação do lugar de nascimento e uma certa melancolia poética”. O factor PilarJosé Saramago foi casado com a pintora, gravadora e escultora Ilda Reis, já falecida, de quem tinha uma filha, Violante, e viveu 16 anos com a escritora Isabel da Nóbrega (Prémio Castelo Castelo-Branco, 1965), com quem formou, segundo Fernando Dacosta, “um par fiel, glamorouso”, nos meios intelectuais lisboetas. Aos 63 anos, “quando já não se espera nada”, encontrou “o que faltava para passar a ter tudo” – Pilar. Jornalista, Pilar del Rio chegara de Sevilha a Lisboa para fazer o percurso de Ricardo Reis, tal como descrito magistralmente pelo escritor, em O Ano da Morte de Ricardo Reis. Nada de bizarro: na semana a seguir, uma irmã e o marido fariam o mesmo; uns dias antes, tinham-no feito uns amigos. E a peregrinação prosseguiria, durante muito tempo, no seu círculo de amigos. O café que tomaram em Lisboa e um novo encontro meses depois em Sevilha, por iniciativa de Saramago, que viajou de camioneta até lá, mudou a vida a ambos. Casaram em Lisboa, em Outubro de 1988. Ele em vésperas de fazer 66 anos, ela com 36; ambos com um casamento oficial anterior. Nunca mais deixaram de andar juntos. “Se tivesse morrido aos 63 anos, antes de a conhecer, morreria muito mais velho do que serei quando chegar a minha hora”, disse Saramago um dia, numa das várias muito belas declarações públicas de amor a Pilar. A intensa ligação a Pilar (chegará a chamar-lhe, numa entrevista na Antena 2, o seu outro Prémio Nobel) levá-lo-á a apagar das reedições dos livros publicados até 1984 as dedicatórias a Isabel da Nóbrega: “À Isabel, sempre”, em Levantado do Chão (também dedicado a 16 elementos da União Cooperativa de Produção Boa Esperança, do Lavre, Montemor-o-Novo, que o acolheram e sem os quais, escreveu, “não teria sido escrito” o livro, mas cujos nomes foram igualmente suprimidos, ficando apenas em edição posterior, “À memória de Germano Vidigal e José Adelino dos Santos, assassinados”); “À Isabel, porque nada perde ou repete, porque tudo cria e renova”, em Memorial do Convento; e “À Isabel, outro livro, o mesmo sinal”, em O Ano da Morte de Ricardo Reis. Os adversários não lhe perdoaram a atitude. Amigos que muito o apreciam lamentaram-na profundamente. Andaluza, a mais velha de 15 irmãos, Pilar declara-se comunista. “Ideológica e emocionalmente”. Sem prejuízo de votar “umas vezes no PSOE e noutras na Esquerda Unida” e de, em autárquicas em Portugal, se ver mais a votar em Manuel Maria Carrilho ou António Costa para assegurar que “fosse a esquerda” a governar. Tudo dito com a mesma convicção apaixonada com que confessa continuar a sentir-se, de alguma forma, “teresiana”, designação dos membros de um instituto secular ligado à figura de Santa Teresa de Jesus, que abandonou mas em cujos princípios de dedicação à vida dos outros continuou a acreditar. Ouvi-la, por vezes, era ouvir Saramago. No conteúdo e na forma. Como quando respondeu à Pública, sobre a sua recusa em condenar expressamente o muro de Berlim: “Quero falar de todos os muros. Cada dia há mais ricos e mais pobres. O muro de Berlim, horrível, afectou muita gente. Os outros afectam milhões e milhões e ninguém fala deles. Ninguém deita abaixo os muros que separam a riqueza da pobreza”. É a tradutora para espanhol dos livros do marido — trabalho que fazia quase em simultâneo com o acto de criação do escritor. Mas assume-se como jornalista, acima de tudo. Manteve uma rubrica de intervenção cívica, durante anos, na rádio. Pôs-lhe o nome de "Blimunda não se rende". Pilar corresponde aos elogios do marido: “É o companheiro ideal, o namorado que não desilude, o homem para compartilhar uma vida”. Entre as incumbências que competem a uma viúva, deverá agora (sugeriu Saramago numa entrevista a José Carlos de Vasconcelos, seu amigo de longa data) organizar, “para publicar”, juntando-os à obra já feita, “um ou dois” volumes com cartas de leitores, algumas delas “absolutamente extraordinárias, documentos humanos de uma profundidade, uma beleza e emoção raras”, que foram chegando “de toda a parte” ao escritor. Provocador de ideias e cépticoSem temer ficar isolado no debate, Saramago lançava no espaço público ideias fracturantes, quase sempre contra a corrente ou mesmo politicamente incorrectas – o voto em branco, a fusão de Portugal em Espanha, a irrelevância do 25 de Abril para atingir a democracia, a semelhança da ocupação israelita da Palestina com Auschwitz, a provocação a “deus, esse a quem chamamos senhor” e a quem “uma só criança das que morreram feitas tições em Sodoma bastaria para (…) condenar sem remissão”. Fazia-o de uma forma que surpreendia o leitor/ouvinte incauto: tirando das premissas as conclusões menos conformes com os cânones. O seu era – disse um dia numa entrevista na Antena 1 ao autor deste obituário – “o ponto de vista do galinheiro”. Referia-se aos tempos da juventude em que frequentou intensamente o Teatro Nacional de São Carlos, cujos espectáculos via, grátis, mercê da bondade de um porteiro amigo do pai. Longe e de cima (mesmo acima do “pó dos lustres” do magnífico teatro barroco), era-lhe dado ver e ouvir os espectáculos de ângulos diferentes dos que os viam da plateia ou dos camarotes, explicou. Talvez por isso, prevalecia nele a distância do cepticismo: “tenho sempre um pé atrás [porque sei que] nada é definitivo e que o motivo do riso de hoje pode amanhã tornar-se em lágrimas”. Não admirará assim que quando lhe perguntaram qual a personagem do século XX em que acreditava começasse por falar em Lenine, mas logo passasse a Churchil (“mas o Churchil que era trabalhista”) e se tivesse quedado em Martin Luther King, “a única ou uma das poucas figuras que poria assim em primeiro plano”. Além de Kafka, “o maior escritor” do século passado. Dotado de uma grande facilidade de expressão apesar da leve gaguez com que falava, deixou, além dos livros e das conferências, um extraordinário acervo de declarações em entrevistas. Nelas podemos acompanhar e em certos casos completar, dito por outras palavras, normalmente mais directas, o essencial das preocupações e interrogações que foi semeando na obra literária. Sobre a democracia, a criação literária, o papel do escritor, o jornalismo, Portugal, o mundo, Deus. E sobre este mesmo acontecimento que aqui relatamos e em que é protagonista - o seu desaparecimento da terra e a perspectiva de uma outra vida, para lá da morte: “A finitude é o destino de tudo. O Sol, um dia, apaga-se”. Fontes principais: Jornal de Letras, 26. 3. 1997; Visão, 16. 1. 2003; PÚBLICO 3. 4. 2004, 12. 11. 2005, 16. 1. 2006, 7. 11. 2008, entre outros; Uma longa viagem com José Saramago, João Céu e Silva, Porto Editora, 2009; entrevistas à Antena 1 e à Antena 2. Texto corrigido às 13h26
REFERÊNCIAS:
Jardim pede demissão do ministro das Finanças
Alberto João Jardim “aconselhou” hoje José Sócrates a demitir Teixeira dos Santos. “O primeiro-ministro é que tem de decidir: ou afunda-se nas mãos deste ministro das Finanças ou tem o salto genial de fazer uma remodelação de governo”, afirmou. (...)

Jardim pede demissão do ministro das Finanças
MINORIA(S): Homossexuais Pontuação: 6 | Sentimento 0.0
DATA: 2010-06-27 | Jornal Público
SUMÁRIO: Alberto João Jardim “aconselhou” hoje José Sócrates a demitir Teixeira dos Santos. “O primeiro-ministro é que tem de decidir: ou afunda-se nas mãos deste ministro das Finanças ou tem o salto genial de fazer uma remodelação de governo”, afirmou.
TEXTO: Com o relacionamento pacificado com o primeiro-ministro após à aprovação da lei de meios através da qual o Governo da República atribui 740 milhões à reconstrução das zonas atingidas pelo temporal, Jardim, que prometera derrubar Sócrates em 2009, revelou hoje que “neste momento, a minha luta é contra o ministro das Finanças”. No final da reunião do conselho regional do PSD, o líder madeirense acusou Teixeira dos Santos de ter “concepções económicas e financeiras muito próximas do Bloco de Esquerda”, com as quais está, no seu entender “legítimo e livre”, a “prejudicar o país”. Apesar de recentemente ter acordado com Sócrates que não é oportuno neste momento de austeridade negociar com Bruxelas novas isenções para a Zona Franca, Jardim acusou Teixeira dos Santos de, entre outras dificuldades levantadas à região, ser responsável pelo “boicote feito” ao Centro Internacional de Negócios da Madeira (CINM). O PSD-M, no comunicado hoje distribuído, considera ser necessária celeridade nas negociações com a Comissão Europeia sobre os benefícios fiscais para a praça financeira madeirense. Expressa ainda a “preocupação” pelas “reservas que a Secretaria de Estado dos Assuntos Fiscais vem esgrimindo em relação ao CINM e que constituem uma colagem política aos intentos das organizações comunistas, PCP e ´Bloco`”. O conselho regional do PSD-M manifestou também o seu apoio à “eventual” recandidatura do actual Presidente da República – “pesem embora algumas divergências factuais com Cavaco Silva, mormente quanto à promulgação do absurdo ´casamento gay´” – e “estranha que andem a fomentar divisões, aqueles mesmos que vêm primando pela ausência de posições firmes e coerentes quando se trata da ofensa a valores e princípios por parte dos sectores políticos comuno-socialistas e da maçonaria".
REFERÊNCIAS:
Partidos PSD LIVRE PCP
O fim do mundo chegou primeiro a Carqueja, na Lourinhã
Juiz do Tribunal de Torres Vedras começou a ouvir suspeito de três crimes por paixão e ciúme. Uma das vítimas teria ligeiro atraso mental. (...)

O fim do mundo chegou primeiro a Carqueja, na Lourinhã
MINORIA(S): Homossexuais Pontuação: 6 | Sentimento 0.25
DATA: 2010-07-22 | Jornal Público
SUMÁRIO: Juiz do Tribunal de Torres Vedras começou a ouvir suspeito de três crimes por paixão e ciúme. Uma das vítimas teria ligeiro atraso mental.
TEXTO: No lugar de Carqueja, a polícia rondava a casa do suspeito há vários dias. Não longe dali, em São Bartolomeu dos Galegos, um agente à paisana era visto estacionado ou a circular discretamente, todos os dias da última semana. Alguma coisa se passava nesta pacata freguesia da Lourinhã. E tanto João Hipólito como a mulher Albertina Honório, donos do café A Curva, perceberam isso. Mesmo assim, é com espanto que ouvem as notícias de ontem na televisão de que o homem a quem são atribuídos três possíveis homicídios, na terra ali ao lado, Carqueja, começou a ser ouvido por um juiz de instrução criminal do Tribunal de Torres Vedras. Espanta-os sobretudo a suspeita de assassínio. O resto, dizem, encaixa na postura "estranha" que o homem de 42 anos assumia. Inventava histórias mirabolantes e levava jovens, muito jovens, para sua casa. Contava que tinha um carro vermelho que dava 150 km/hora em marcha-atrás com água, sem combustível - e chegou por isso a ser entrevistado na televisão. Tinha um negócio de sucateiro que o pai lhe deixara antes de ir viver para Setúbal e depois da mãe morrer. Dizia que era filho de Lucifer. Fazia festas gay e filmava vídeos a anunciar o fim do mundo. O fim do mundo parece ter chegado, sim, a Carqueja, onde, de postigos fechados, as casas anunciam pessoas ausentes, a trabalhar no campo, ou algumas coladas ao ecrã, perplexas, a tentar perceber o que se passava dentro daquela casa misteriosa e diferente, mesmo ali ao lado. "Podia ter sido connosco?", parecem interrogar-se em salas escuras em dia de sol. Entre as três vítimas, a mais recente seria Joana Correia, de 16 anos, desaparecida em Março deste ano. Foi então que terá começado a investigação policial, mas a história que as pessoas de São Bartolomeu dos Galegos melhor conhecem vem de trás, 2008, e envolve Ivo, que trabalhava com o suspeito e teria uma relação amorosa com ele, e Tânia, que Ivo depois escolheu para sua namorada, deixando o sucateiro. Os homicídios terão sido motivados pelos ciúmes de Ivo (quando este passou a namorar com Tânia em 2008) e mais recentemente de outro jovem (quando este escolheu Joana). Um luto difícilIvo levava e trazia Tânia ao domingo a ver a mãe no bairro social. Mas Ivo era também muitas vezes visto com o suspeito para quem trabalhava e com quem se envolvera. Um dia, saiu de casa dos pais em Serra do Calvo, como fazia todos os dias, para ir trabalhar, e nunca mais voltou. Tinha menos de 20 anos. Desapareceu, mas do seu telemóvel os pais recebiam mensagens a dizer que estava bem e a trabalhar em Espanha. Porém, dois anos sem ouvirem a sua voz adensaram as dúvidas da família. "Umas vezes ligava, mas não dizia nada e os pais pensavam que era só para ouvirem a sua voz e saber que estavam bem", conta uma tia ao PÚBLICO. "Todos os dias nos perguntávamos se ele estaria bem, se teria desaparecido, morrido. Sobretudo nos últimos tempos. Ao jantar, era tudo do que falávamos. " Agora, acrescenta, as notícias da detenção do suspeito que falam da morte de Ivo não deixam margem para dúvidas. Os pais, irmãs e tias não têm o corpo para velar. Mas começam a fazer um luto difícil. O pai de Ivo, quando ouviu as primeiras notícias, saiu de casa "sem falar, sem dizer para onde ia". A mãe esteve ontem à porta do Tribunal de Torres Vedras "para ver se via o filho". A tia, em lágrimas, vai lembrando como se da lembrança tirasse consolo. "Ivo era um miúdo meigo. Disseram à mãe, quando ele tinha 18 anos, que ele teria um pequeno atraso. " Por essa altura, já trabalhava "lá naquela casa". O suspeito vivia com a irmã e os sobrinhos, de três e seis anos, filhos do último companheiro desta, já depois da saída do pai das crianças. O futuro destes é incerto. Mas estavam ontem dentro da casa, fechada, com a mãe, à espera do que decidirá o juiz do irmão em cuja inocência ela acredita piamente.
REFERÊNCIAS:
Palavras-chave morte campo filho tribunal mulher homem social corpo gay luto assassínio
PS à espera de Verão sem vetos e Cavaco parte para férias "mais descansadas"
Se o ano parlamentar foi muito atribulado, quase todas as dificuldades se resolveram no hemiciclo. Até a lei das uniões de facto foi limada para evitar novo chumbo. (...)

PS à espera de Verão sem vetos e Cavaco parte para férias "mais descansadas"
MINORIA(S): Homossexuais Pontuação: 6 | Sentimento 0.5
DATA: 2010-07-29 | Jornal Público
SUMÁRIO: Se o ano parlamentar foi muito atribulado, quase todas as dificuldades se resolveram no hemiciclo. Até a lei das uniões de facto foi limada para evitar novo chumbo.
TEXTO: Cavaco Silva almoçou, no Palácio de Belém, há uma semana, com presidente, vice-presidentes da Assembleia e líderes parlamentares. O almoço tradicional antes das férias de Verão em que o Presidente da República deixou um desabafo num tom bem-humorado: este ano vai ter umas férias "mais descansadas". Bem diferentes das de 2009, quando se queixou de levar "um jipe" de leis para apreciar durante o mês de Agosto. Uma delas - as uniões de facto - levou um veto. E, ao contrário do ano passado, o partido de Governo, o PS, admite que os cenários de veto são este ano mais ténues do que no ano passado. É essa, pelo menos, a tese prevalecente entre os membros da direcção da bancada socialista ouvidos pelo PÚBLICO. A confirmar-se este cenário, seria o epílogo de um ano parlamentar de dramatização e vitimização. Que começou com José Sócrates a esticar a corda com o Orçamento do Estado e a Lei das Finanças Regionais, chegando a acenar com o fantasma da crise política antes de obter a garantia da abstenção do PSD no orçamento. Mas acabou por ser marcado por um "tango" entre os dois maiores partidos, que permitiu viabilizar primeiro o Orçamento, depois o Plano de Estabilidade e Crescimento e, por fim, já com Pedro Passos Coelho à frente do PSD, o chamado plano de austeridade. Na terça-feira à noite, e sem querer "antecipar aquilo que vai acontecer", o próprio Cavaco admitiu que este ano não tem "diplomas muito complexos" no seu "jipe" de férias. E a verdade é que os socialistas fizeram tudo para evitar um novo "chumbo" presidencial, por exemplo, da lei das uniões de facto: retirou-se do texto, aprovado pela esquerda, os aspectos mais polémicos e que poderiam aproximar as uniões de facto ao casamento. Caiu, por exemplo, a "indemnização compensatória" caso algum dos elementos quisesse abandonar a união. Aspectos que o Presidente tinha criticado no veto. A mala do "jipe" de férias de Cavaco tem "menos de metade" das leis de 2009. Ainda assim, são muitas. Dezenas. E vai incluir aquelas que o Parlamento está ainda a fazer a redacção final. É o caso do pacote de leis anticorrupção - resultado de um consenso parlamentar entre os partidos e do trabalho de uma comissão parlamentar. E o dossier das leis é também uma revisitação ao ano de produção legislativa, com as suas polémicas e tudo. À excepção da lei dos casamentos homossexuais, essa aprovada e já em vigor, a mais emblemática de toda a sessão legislativa em que a tensão entre o PS, minoritário, e a oposição teve os seus altos e baixos. A malinha de leisEm Belém ainda está, por exemplo, o decreto-lei dos chips dos automóveis, essencial para a introduzir as portagens nas Scut, as auto-estradas sem custos para o utilizador - o braço-de-ferro entre o Governo e o PSD dominou as últimas semanas da sessão legislativa e a ruptura impediu a introdução rápida das tão contestadas portagens. Na área da justiça, há vários diplomas em trânsito de São Bento para Belém. Ontem, a comissão parlamentar sobre a corrupção reuniu-se uma última vez para a redacção final dos diplomas. E na comissão de Direitos, Liberdades e Garantias estiveram também a ser ultimadas as alterações à lei de execução de penas e os diplomas sobre a vigilância electrónica e das férias judiciais. Uma lei de última hora, aprovada no dia da maratona de votações, é o projecto do CDS que prevê a redução dos vencimentos dos gabinetes dos políticos. Na área da Educação, está a caminho do gabinete do Presidente o novo Estatuto do Aluno, resultado de um acordo entre o PS e o CDS.
REFERÊNCIAS:
Ministério da Saúde recomenda aos dadores de sangue que usem questionário do IPS
O Ministério da Saúde aconselha todas entidades que fazem recolha de sangue a utilizar o questionário do Instituto Português do Sangue (IPS) dirigido aos dadores. (...)

Ministério da Saúde recomenda aos dadores de sangue que usem questionário do IPS
MINORIA(S): Homossexuais Pontuação: 6 | Sentimento 0.0
DATA: 2010-08-03 | Jornal Público
SUMÁRIO: O Ministério da Saúde aconselha todas entidades que fazem recolha de sangue a utilizar o questionário do Instituto Português do Sangue (IPS) dirigido aos dadores.
TEXTO: “O Ministério da Saúde já fez uma recomendação sobre o tipo de questionário que deve ser utilizado em todos os locais de recolha de sangue”, sublinhou uma fonte do ministério, em declarações à agência Lusa, comentando alegados casos de discriminação relativamente à orientação sexual. Desde 31 de Janeiro de 2008 que o Instituto Português do Sangue (IPS) tem em vigor um questionário que deverá ser preenchido pelos potenciais dadores sanguíneos, em todos os locais de recolha de sangue, o qual omite qualquer referência relacionada com a orientação sexual. “Nos últimos seis meses teve novo(a) parceiro(a) sexual?” e “Alguma vez teve contactos sexuais a troco de dinheiro ou drogas?” são algumas das questões que são colocadas a quem pretende doar sangue, segundo o inquérito-padrão do IPS. Ainda assim, a secretária de Estado da Igualdade, Elza Pais, instou hoje o IPS a “retirar, tão rapidamente quanto possível”, as perguntas alegadamente relacionadas com a orientação sexual dos dadores, justificando o pedido com o facto de essas questões “estarem no manual distribuído a profissionais de saúde e que constam em alguns questionários”. Confrontado com o facto do questionário do IPS não conter qualquer menção discriminatória, fonte da Secretaria de Estado reafirmou que cabe a essa instituição “assegurar que as recomendações do Governo são cumpridas”. Em causa está o caso de um inquérito realizado a dadores de sangue do Hospital de Santo António, no Porto, o qual alegadamente incluía a questão “Se é homem: Alguma vez teve relações sexuais com outro homem?”. Esta mesma pergunta tinha já levado o Bloco de Esquerda a avançar com um projecto de resolução, que foi aprovado há cerca de quatro meses em sede parlamentar, e no qual é recomendado ao Governo que adopte medidas que “visem combater a actual descriminação dos homossexuais e bissexuais” nos serviços de recolha de sangue.
REFERÊNCIAS:
Palavras-chave homem igualdade sexual discriminação
Quatro à esquerda, dúvidas à direita, mas é a crise que vai decidir
Com a candidatura de Francisco Lopes todos os partidos de esquerda têm as suas escolhas feitas. A direita espera por Cavaco, mas ainda pode acontecer uma surpresa. (...)

Quatro à esquerda, dúvidas à direita, mas é a crise que vai decidir
MINORIA(S): Homossexuais Pontuação: 6 | Sentimento 0.142
DATA: 2010-08-25 | Jornal Público
SUMÁRIO: Com a candidatura de Francisco Lopes todos os partidos de esquerda têm as suas escolhas feitas. A direita espera por Cavaco, mas ainda pode acontecer uma surpresa.
TEXTO: Nomes à esquerda já há quatro, com a entrada em cena, ontem, do candidato comunista Francisco Lopes. À direita há uma quase certeza (Cavaco Silva) e uma hipótese, ainda que pouco sólida, de aparecer um novo desafiador que dê voz aos críticos do actual Presidente. Mas, mais que as posições ideológicas, serão as crises, a financeira e a política, que vão marcar o debate presidencial. E a forma como os candidatos e os partidos navegarem neste mar de crises será decisiva para se saber quem vencerá as presidenciais de 2011. Próxima estação: Orçamento do Estado. A vontade de Manuel Alegre em unir a esquerda em torno da sua candidatura falhou. Pelo menos para já. O poeta socialista tem um PS pouco entusiasmado e um Bloco de Esquerda mais animado do seu lado, mas ontem viu ganhar corpo a hipótese de o eleitorado comunista lhe fugir. Neste campo, há ainda o independente com costela de esquerda Fernando Nobre, que parece estar a "roer" a Alegre algum do eleitorado descontente com os partidos e que ajudou o poeta a conseguir os 20, 72 por cento em 2006. Entretanto, o inesperado Defensor de Moura surgiu das profundezas de uma parte do PS só para aborrecer Alegre. E falta ainda saber se Garcia Pereira (PCTP/MRPP) se recandidata ou não. As fichas da esquerda estão assim todas, ou quase todas, em cima da roleta eleitoral. Falta a direita ir a jogo. É quase certo que Cavaco Silva avançará, lá para mais para o fim do Outono, com o apoio do PSD e CDS-PP. Mas há ainda uma direita que se diz órfã de Cavaco. Santana Lopes é a voz mais sonora deste descontentamento. Todas as semanas assegura que não estará na corrida, mas vai deixando uma nesga da porta aberta e sinais de que não lhe falta vontade. Bagão Félix, outro nome sondado e que se avançasse até contaria com os votos do CDS-PP, já deixou claro que não contem com ele. Resta o ex-líder centrista Ribeiro e Castro, que afirmou recentemente que para já "não", mas para quem o "assunto não está encerrado". Vozes alimentadas por um eleitorado de direita, católico, insatisfeito com os "promulgo, mas. . . " do Presidente ao casamento gay e à lei das uniões de facto e que vai dando sinais de que, mesmo que não apareça outro candidato neste espectro político, poderá não voltar a votar Cavaco. Ainda assim, com tal proliferação de candidatos à esquerda, as coisas parecem sorrir a Cavaco. Mas faltam cerca de cinco meses para os portugueses irem a votos e há uma crise financeira e uma séria ameaça de crise política. É a forma como Alegre e o PS, por um lado, e Cavaco e o PSD, por outro, se mexerem neste cenário de crises que mantém na mesa a hipótese de uma segunda volta. O Alegre crítico de muitas medidas do Governo PS "morreu" no último domingo de Maio, quando a direcção socialista lhe ofereceu finalmente o apoio e José Sócrates lhe deu o cognome de "progressista". Desde aí Alegre não comenta medidas do Governo, alegando que não é candidato a primeiro-ministro; vai de braço dado com Sócrates e até já integra o batalhão da artilharia socialista que descobriu um filão político na proposta de revisão constitucional do PSD e que sobre ela dispara sem cessar. Mas o poeta não pode andar abraçado ao PS e ao Governo e não é só por ter de gerir o apoio dos bloquistas. Um executivo desgastado não é bom para Alegre. E quando esse Governo tem de apresentar um Orçamento do Estado (OE) obrigatoriamente contido e impopular em período de pré-campanha presidencial, tudo se complica ainda mais.
REFERÊNCIAS:
Partidos PS PSD
“Morrer Como um Homem” é o candidato português à nomeação para o Óscar
O filme de João Pedro Rodrigues, “Morrer Como um Homem”, foi escolhido como o candidato português à nomeação para o Óscar de Melhor Filme Estrangeiro, na próxima edição dos prémios da Academia de Hollywood. (...)

“Morrer Como um Homem” é o candidato português à nomeação para o Óscar
MINORIA(S): Homossexuais Pontuação: 6 | Sentimento 0.0
DATA: 2010-09-29 | Jornal Público
SUMÁRIO: O filme de João Pedro Rodrigues, “Morrer Como um Homem”, foi escolhido como o candidato português à nomeação para o Óscar de Melhor Filme Estrangeiro, na próxima edição dos prémios da Academia de Hollywood.
TEXTO: “Morrer Como um Homem”, terceira longa-metragem do realizador, teve antestreia mundial no Festival de Cinema de Cannes do ano passado, e chegou às salas comerciais nacionais em Outubro. A partir do percurso do travesti Ruth Bryden, o filme retrata a vida da personagem Tonia, um travesti veterano dos espectáculos de “drag queen” de Lisboa, que vê as suas convicções pessoais serem questionadas num relacionamento amoroso. A escolha do filme de João Pedro Rodrigues, de entre as 12 produções que foram estreadas em Portugal entre 1 de Outubro de 2009 e o dia 30 do mês corrente, foi feita por um júri presidido por José Pedro Ribeiro, director do Instituto do Cinema e Audiovisual (ICA) – instituição que divulgou a decisão no seu “site” –, e completado por Ana Costa, em representação da Associação de Produtores de Cinema, Margarida Gil, pela Associação Portuguesa de Realizadores, José Carlos de Oliveira, pela Associação de Realizadores de Cinema e Audiovisual, Patrícia Vasconcelos, directora de “casting”, e Luís Miguel Oliveira, pela Cinemateca Portuguesa/Museu do Cinema. A escolha, que teria de ser feita até ao dia 1 de Outubro, foi já comunicada à Academy of Motion Picture Arts and Sciences, em Hollywood. A academia revelará os nomeados de todas as categorias no dia 25 de Janeiro de 2009, e os vencedores serão conhecidos a 27 de Fevereiro, na cerimónia da 83ª edição dos Óscares, em Los Angeles. “Morrer Como um Homem” foi já distinguido, este ano, como o melhor filme do Festival Internacional de Cinema Independente de Buenos Aires, na Argentina, e do Festival Gay e Lésbico Mezipatra, da República Checa. O seu realizador vai ser homenageado com uma retrospectiva nos Estados Unidos, na Brooklyn Academy of Music, entre 6 e 8 de Outubro. João Pedro Rodrigues será o convidado do programa “The Next Director”, e apresentará os seus filmes em encontros com o público.
REFERÊNCIAS:
Palavras-chave homem gay
Eutanásia: Estado e religião não podem condicionar “direito humano fundamental”, defende investigadora
A professora universitária Laura Ferreira Santos defendeu hoje a eutanásia como “direito humano fundamental” que o Estado e as religiões não podem condicionar. (...)

Eutanásia: Estado e religião não podem condicionar “direito humano fundamental”, defende investigadora
MINORIA(S): Homossexuais Pontuação: 6 | Sentimento 0.142
DATA: 2010-10-02 | Jornal Público
SUMÁRIO: A professora universitária Laura Ferreira Santos defendeu hoje a eutanásia como “direito humano fundamental” que o Estado e as religiões não podem condicionar.
TEXTO: “Eu defendo o respeito pelas convicções razoáveis de cada um”, disse a docente da Universidade do Minho, ao intervir no último dia de trabalhos das VIII Jornadas sobre Comportamentos Suicidários, que decorreu desde quinta feira no Luso, concelho da Mealhada. Na sua opinião, “o Estado não deve usar a força” para impedir a eutanásia às pessoas doentes em fase terminal que decidam morrer com apoio médico. “Não podemos obrigar as pessoas a morrer de acordo com as convicções dos outros”, disse, sublinhando que a concretização desse direito individual “não é uma rampa escorregadia, como alguns afirmam”. Trata-se antes de uma escolha, “numa sociedade em que as pessoas se habituaram já a fazer outras escolhas”, designadamente ao nível do planeamento familiar, da interrupção voluntária da gravidez e da orientação sexual de cada um. “Por que é que eu tenho de assistir ao meu próprio filme de terror”, perguntou Laura Ferreira Santos, autora do livro “Ajudas-me a morrer?”. Doutorada em Filosofia da Educação, Laura Ferreira Santos dedicou-se nos últimos anos às questões da morte voluntária assistida, preconizando a legalização da chamada eutanásia em Portugal. A investigadora participou hoje, no Luso, na mesa redonda “Eutanásia e Suicídio Assistido”, tendo dissertado sobre o tema “A morte oportuna como tarefa da liberdade”. “Não roubarás a última liberdade de escolha do teu irmão!”, disse, citando um dos “Dez Mandamentos da Lei de Deus” (“Não roubarás”), seguidos pela religião católica. Na sua opinião, seria mais rigoroso substituir a regra “Não matarás” por “Não assassinarás”. “Sou adepta de que se ofereça o máximo de possibilidades de escolha ao doente”, frisou a especialista. Sem apoiar a eutanásia, o médico Ferraz Gonçalves, disse que “a primeira obrigação dos médicos nesta fase da doença [fase terminal] é controlar o sofrimento dos doentes”. Segundo o especialista do Instituto Português de Oncologia (IPO) do Porto, deve-se “evitar que os doentes sofram sem qualquer sentido”, quando estão sujeitos a cuidados paliativos. A médica Emília Albuquerque, do IPO de Coimbra, interveio na mesma mesa redonda das Jornadas sobre Comportamentos Suicidários, apresentando o tema “A ideação de morte em oncologia”.
REFERÊNCIAS:
Palavras-chave morte lei suicídio educação doença sexual eutanásia
Marina apresenta dez propostas a Dilma e Serra
Dilma, Serra ou nenhum? Marina ainda não disse, mas deixou ideias. Faltam três semanas para os eleitores voltarem às urnas. (...)

Marina apresenta dez propostas a Dilma e Serra
MINORIA(S): Homossexuais Pontuação: 6 | Sentimento 0.0
DATA: 2010-10-10 | Jornal Público
SUMÁRIO: Dilma, Serra ou nenhum? Marina ainda não disse, mas deixou ideias. Faltam três semanas para os eleitores voltarem às urnas.
TEXTO: Dilma Rousseff e José Serra já voltaram à campanha para a segunda volta das presidenciais brasileiras. A batalha agora é pelos 19 por cento de votos que Marina Silva teve, e portanto na re-inauguração dos tempos de antena ambos se declararam "pela vida" em relação ao aborto, visto que Marina é contra a legalização (embora defenda um referendo). Mas a ex-candidata continua a não indicar quem prefere na segunda volta. A força pela qual concorreu, o Partido Verde (PV), decide dia 17: Dilma, Serra ou neutralidade. E até lá, Marina deixa dez propostas aos candidatos, com a defesa do meio ambiente como um dos temas centrais. O documento, a que chamou Agenda por Um Brasil Justo e Sustentável (ver em baixo), foi apresentado sexta-feira à tarde em São Paulo. A aceitação destas propostas por parte de Dilma ou Serra será base para discutir, mas não será o único factor de decisão, sublinhou Marina. Além do partido, deverão ser ouvidos o Movimento Marina Silva e sectores da sociedade, e a escolha da ex-candidata pode eventualmente ser diferente da do PV. "O que está previsto é que todos têm o direito de manifestar sua opinião", disse ela. Antes da primeira volta, circulou que o líder do PV, José Luiz Penna, apoiaria Serra. Na noite da eleição, Marina insistiu sempre na ideia de "um processo" de debate. E depois da votação, a imprensa brasileira tem especulado incessantemente sobre negociações entre o PV e as campanhas de Dilma e Serra. Na apresentação das propostas, Marina apareceu ao lado do presidente do PV, e ambos negaram negociações em curso. O senso comum é que o apoio a Marina é muito mais amplo que o apoio ao PV, e que ela teria a ganhar em manter-se neutra, visto que de outra forma desiludirá sempre uma parte dos que acreditaram nela. A três semanas da votação, a atmosfera é a de um país bastante dividido entre os lulistas fiéis e os que nem podem ver Dilma. Só numa coisa toda a gente parece estar de acordo: nem Serra nem Dilma são candidatos entusiasmantes. Assustadora, ela?Marina foi entusiasmante num aspectro talvez inédito: desde os evangelistas à finança de São Paulo, passando por artistas como Caetano Veloso e Gilberto Gil. Mas há quem ache o fenómeno Marina "assustador". É o caso do escritor Bernardo Carvalho, carioca de nascimento mas paulistano de adopção. Na primeira volta estava em viagem pela Europa e agora, acabado de aterrar no Brasil, sente-se inquieto com a força dos valores religiosos na campanha. "Quando a Marina saiu do governo do Lula, a política de ambiente virou um desastre", diz ao PÚBLICO. "Eu quero a Marina como ministra do Ambiente, mas não a quero como Presidente. Ela é uma candidata assustadora. Por trás dessa aparência do bem, tem uma coisa hiperconservadora em relação ao casamento gay, ao aborto, ao ensino do criacionismo. " Quanto ao casamento gay, Marina disse que deveria ser matéria de referendo, e quanto ao criacionismo disse que devia ser ensinado na escola, a par do evolucionismo. Enquanto praticante evangélica, a sua posição em matérias sociais tende a ser conservadora, com a ressalva de que são posições pessoais, e defende plebiscitos. Homossexual assumido, Bernardo Carvalho discorda de forma radical destas posições de Marina, mas também não se revê nas piruetas de Serra e Dilma para mostrar como são "pela vida". "Eles são hipócritas quanto ao aborto, a única autêntica aí é Marina. " Carvalho acha que os dois governos de Lula foram "de longe os melhores que o Brasil já teve", e que estes três candidatos da primeira volta até "são sensacionais se virmos a história do Brasil, gente como Collor de Melo". Mas Dilma não o convence e em Serra não votaria. Portanto, vota nulo. "Para mim tanto faz. Nenhum vai ser muito mau. " Ou seja, suficientemente mau para afectar o Brasil. As dez ideias
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