Entre os actos
Virginia Woolf, intimamente e profundamente, ao longo dos anos. (...)

Entre os actos
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 Homossexuais Pontuação: 6 | Sentimento 0.0
DATA: 2018-06-11 | Jornal Público
SUMÁRIO: Virginia Woolf, intimamente e profundamente, ao longo dos anos.
TEXTO: Virginia Woolf decidiu por fim à vida num gélido dia de Março de 1941. “Sinto que estou a enlouquecer de novo”, escreveu ela num bilhete para o marido, Leonard Woolf. A instabilidade psicológica, a guerra, o pavor da que se supunha iminente invasão nazi e o facto de Leonard ser judeu contribuíram para a sua descida aos infernos. Virginia morreu, a Guerra terminou, a família e os amigos recuperaram lentamente da perda e, em 1953, Leonard decidiu publicar extratos do diário que a mulher mantivera entre 1915 e o ano da sua morte, com a intenção de dar a conhecer a genialidade de Virginia. Optou por uma escolha de excertos ligados ao processo de escrita que, para ela, era como uma longa e por vezes penosa caminhada, feita de dúvidas, de exaltação e de triunfos. Autoria:Virginia Woolf (Trad. e prefácio de Jorge Vaz de Carvalho) Relógio D’Água Ler excertoNessa primeira edição — A Writer’s Diary — Leonard não incluiu muitos dos textos mais pessoais, tendo o cuidado de, confidenciou, “restaurar a reputação (de Virginia)”. Hoje, pode parecer estranho que uma das mais importantes escritoras do século XX estivesse em perigo de ser esquecida mas, na altura, tanto o público como os críticos pouco ou nada se interessavam pela sua obra e, com o seu desaparecimento, Leonard achou que havia um risco de ver a obra da mulher a diluir-se no prolífero legado de um conjunto de personalidades — escritores, artistas, políticos, economistas — seus contemporâneos. Em 1977, Anne Olivier Bell — casada com o sobrinho de Virginia, Quentin Bell, com quem também escreveu uma famosa biografia da escritora publicada em 1972 — iniciou uma edição alargada dos Diários, publicados em cinco volumes, com cuidadosas e extensas anotações e um prefácio onde chamava a atenção para uma narrativa onde se encontram “os prazeres e as contrariedades diárias, as grandes alegrias e as grandes dores”. Esta versão, que surge agora em português, merece leitura atenta, porque nela se encontra uma “chave mágica” que ilumina, despudoradamente, a obra da autora, tudo o que ela absorveu e vivenciou e que transpõs para os livros, o testemunho directo do processo, sempre angustiante, da elaboração de cada romance, conto, crítica literária. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. É penoso darmo-nos conta que a mulher que nos fala jovialmente da sua vida social, das conversas, dos risos, dos vestidos, dos chapéus, das ruas de Londres cintilantes à chuva, dos pássaros, das casas, da pintura, da luz, do dinheiro — Virginia apreciava o conforto que um relativo desafogo financeiro lhe proporcionava — do amor de, e por, Leonard conhecerá a decadência física e mental que a empurrará para um acto desesperado. O seu mundo, tão rico, admirável, tão “artístico”, tão fecundo, tão densamente povoado de gente brilhante parece distante do seu “eu” interior, temeroso, inseguro, sujeito a humores extremados. No entanto, mesmo nos momentos mais sombrios arranja forças para descrever o seu estado: numa entrada, em Setembro de 1926, analisa “o horror… a chegar… uma vaga dolorosa inchando em volta do coração” (pág. 304) e reconhece que a “depressão não resulta de uma coisa concreta, mas do nada” (pág. 305). E continua afirmando o seu desejo de “estar morta” — a morte como qualquer coisa “activa, positiva, como tudo o mais, excitante; e de grande importância — como uma experiência. A única que nunca descreverei” (pág. 307), enquanto vai anotando — como se pudesse ser uma observadora exterior a si própria — a “vaga que cresce… fracasso. Fracasso, a vaga rebenta. Já não consigo enfrentar este horror”. Palavras duras e cruas, como se fossem escritas com o corpo todo. O que é que fica da leitura deste Diário? Admiração, compaixão, perplexidade, dúvidas, revolta, a descoberta dos passos de um processo criativo, a intimidade com alguém cuja genialidade se impõe, naturalmente. Como sombras, acompanhamos Virginia no seu mundo, tanto interior como exterior. Conhecemos as suas casas, o percurso dos seus passeios, a sua fé em Leonard, a cumplicidade com a irmã, Vanessa; as amizades literárias com Tom (T. S. Elliot) e Morgan (E. M. Forster), a intimidade com Lytton Strachey — com quem pensou casar , apesar de ele ser homossexual — e com o cunhado, Clive Bell, o objecto de um flirt que desencadeou uma tempestade entre as duas irmãs; a rivalidade/inimizade /amizade com Katherine Mansfield, quase o seu alter ego; a paixão física por Vita que admirava pelos seus modos , as suas pernas de gazela, o à vontade aristocrático, embora não se coibisse de notar a sua fraca inteligência e mediocridade literária; o desprezo (e inveja) em relação a Joyce que ela não quis publicar na Hogarth Press; a sua feroz ironia e o exercício da “má língua”, característica dos membros do Bloomsbury Group; as suas convicções socialistas, apoiadas por Leonard, em permanente confronto com o seu elitismo intelectual; a sua energia maníaca — a trabalhar na editora, a escrever sem parar, a proferir conferências, a viajar, a receber amigos — e as suas crises de depressão que a isolavam do mundo; a sua necessidade de se destacar e a sua paralisante timidez; o seu desejo de simplicidade e a atracção pelo fausto e pelos poderosos. Este Diário é uma obra-prima que rivaliza com o de Samuel Pepys — que, na Inglaterra da Restauração, descreveu minuciosamente as convulsões sociais em larga escala e os detalhes comezinhos da sua vida doméstica — e com os de Rousseau, Chateaubriand, Stendhal, Thomas Hardy e Ruskin, que Virginia particularmente apreciava. Woolf revela-se, aqui, íntima e profundamente, ao longo dos anos, desde mulher ainda jovem — embora comece cedo a dizer-se velha — até esses fatídicos dias em que a sua mente perdeu amarras e desistiu de lutar. . . e de escrever.
REFERÊNCIAS:
Use-IT Porto: Um mapa para os viajantes jovens que querem visitar o menos óbvio
É um mapa gratuito feito por locais para um "público desinibido e interessado" que procura fazer uma viagem mais autêntica e alternativa q.b.. "Que não quer ver a Torre dos Clérigos e a livraria Lello e ir para casa", resume o editor Carlos Mesquita. Porto é a mais recente cidade portuguesa a aderir (...)

Use-IT Porto: Um mapa para os viajantes jovens que querem visitar o menos óbvio
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 Homossexuais Pontuação: 6 | Sentimento -0.02
DATA: 2017-09-24 | Jornal Público
SUMÁRIO: É um mapa gratuito feito por locais para um "público desinibido e interessado" que procura fazer uma viagem mais autêntica e alternativa q.b.. "Que não quer ver a Torre dos Clérigos e a livraria Lello e ir para casa", resume o editor Carlos Mesquita. Porto é a mais recente cidade portuguesa a aderir
TEXTO: Quando visita uma cidade estrangeira e fica a acampar no sofá de um amigo, há sempre aquele momento em que, a meio do pequeno-almoço, entre uma torrada e um café, ele rabisca num guardanapo um roteiro improvisado, repleto de locais imperdíveis que não aparecem nos guias turísticos convencionais. Os mapas Use-IT são precisamente isso, a materialização desse momento. “É só um guardanapo maior, mas a ideia é essa”, diz Carlos Azeredo Mesquita, autor desta expressiva analogia e ideólogo da chegada desta rede internacional ao Porto e a outras cidades portuguesas. “É isso que tu queres ter. É sentires que trataram bem de ti. ”Depois da primeira edição em 2011, o Use-IT Porto tem, desde Novembro, uma segunda versão, com uma tiragem de 50 mil exemplares. Todo em inglês, é um mapa irreverente, totalmente gratuito, “feito por locais” para “viajantes jovens”, como a capa anuncia. E isso nota-se em tudo: no design de Carlos (o editor), nas ilustrações de Bruno Borges, mas principalmente nas várias sugestões turísticas “fora da caixa” (há, por exemplo, uma lista de espaços artísticos independentes, como o Sismógrafo e o Espaço Mira), nas preciosas dicas das secções D. I. Y. Food ou Act Like a Local (os visitantes tanto aprendem a cozinhar bacalhau desfiado com grão como a usar “morcão” e “carago” e a seguir o “kissing protocol”) e nas muitas histórias que adicionam um certo “colorido” à cidade (não vamos desvendar muito, mas a surpreendente história de Henriqueta Emília da Conceição faz parte da apresentação do Cemitério Prado de Repouso). A selecção dos locais nunca é muito “óbvia” até porque o objectivo passa por chegar a um “público desinibido, interessado, que não quer ver a Torre dos Clérigos e a livraria Lello e ir para casa”. Que procura fazer uma "viagem mais autêntica", "cool" e "alternativa" q. b. Por isso, entre os sítios mais comuns e quase obrigatórios, há outros, como as lojas Mon Père e Cru, os restaurantes, para diferentes ocasiões, Nabos da Púcara e Rei dos Galos, os bares Cave 45 e, no completo roteiro LGBT, Syndikato e até as “ilhas” do Bairro Herculano. Fora do centro também há vida: estão lá as praias de Gaia, Matosinhos, Foz. “Um mapa como este tem um impacto económico real: está a direccionar pessoas para sítios que provavelmente não receberiam muitas pessoas”, enfatiza Carlos, para quem uma das maiores vantagens do Use-IT é também “aliviar pressão de sítios que já são hiper-visitados”. Afinal, considera, o turismo "não tem de ser forçosamente delapidador da cidade": "Pode ser consciente e mudar vidas". Um mapa que muda viagensPara Carlos, a entrada na rede internacional Use-IT deu-se há seis anos, quando ainda estava a estudar Design Gráfico e foi passar férias à Polónia. Em Varsóvia, uns amigos deram-lhe um destes mapas da cidade, editado por essa altura. “Varsóvia não é nada amigável, não é acolhedora”, recorda o jovem artista de 28 anos, que em 2010 venceu o BES Revelação. “Puseram-me este mapa na mão e mudou completamente a minha viagem. Adorei a cidade. ” De regresso ao Porto, e como ferveroso adepto do “couchsurfing”, recebia imensa gente em casa e dava por si a contar sempre as mesmas histórias, a dar as mesmas dicas, não sabemos se ao pequeno-almoço. Decidiu, então, propor à rede Use-IT, sediada em Bruxelas, criar o mapa da sua cidade. Os mapas são sempre fruto de iniciativas locais como esta. A organização belga apenas estabelece determinados critérios que têm de ser cumpridos, de modo a haver uma unidade entre os vários mapas existentes na Europa (são quase 30, mas vários estão em desenvolvimento). O financiamento, porém, vem sempre do turismo das cidades, de modo a assegurar a "independência" dos conteúdos. Foi o que aconteceu no Porto. Editado pela associação cultural Calote Esférica, de Carlos e Maria João Macedo, o Use-IT foi financiado pelo Visit Porto — a própria directora do departamento de Turismo usou um destes mapas em Praga e ficou convencida. “Não é um trabalho de voluntariado”, avisa o editor, orgulhoso, visto que toda a a equipa envolvida no projecto foi paga segundo os valores de mercado, o que, nos dias que correm, começa a ser raro. Se o financiamento se mantiver, será renovado e reescrito ao fim de um ano. “É uma pedra de toque do projecto. A informação muda, os locais mudam, não faz sentido manter um projecto como este vivo mais do que um ano. ” E, de facto, algumas informações já estão desactualizadas: a Feira da Vandoma, por exemplo, entretanto realiza-se em Campanhã e o histórico Cardoso Cabeleireiro mudou-se para uma nova loja, umas portas abaixo. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Os turistas, garante Carlos, já descobriram o Use-IT. Falta a cidade, berço de um “mercado explosivo de Airbnb”, saber que ele existe. As vantagens são reais, diz o editor, citando um estudo feito pela rede internacional em 2014: 10% dos 2404 inquiridos disseram ter ficado mais uma noite numa cidade por causa do mapa e 79% planeavam ir no ano seguinte a um dado local só por causa do mesmo. Um outro objectivo é editar novos mapas em Braga e Guimarães, cidades que já os tiveram em 2012 a propósito da Capital Europeia da Juventude e Capital Europeia da Cultura respectivamente, e quem sabe em Coimbra. “Neste momento ter uma rede minhota faria todo o sentido, mas não tem sido muito fácil. Depende sempre do turismo local”, admite o editor. O Use-IT Porto pode ser encontrado em todos os postos de turismo do Porto (por vezes a pedido), nos quase 50 “hostels” existentes na cidade e é também distribuído através dos gabinetes Erasmus das faculdades. Também está disponível para impressão no site e, para os menos analógicos, há uma “app” gratuita, disponível, para já, apenas para iPhone. Mas com uma particularidade curiosa: é possível passear um cão virtual pela cidade. Basicamente, no mapa digital, há um ícone com um simpático cão que passeia por um dado roteiro, fora do centro turístico. Se o visitante decidir fazer esse trajecto, ou seja, passear o cão, ainda pode fazer amigos, descreve Carlos: “Se vires alguém a olhar para o telefone e a fazer o mesmo percurso que tu é porque provavelmente estão a passear o mesmo cão. Tendo em conta que este mapa também se direcciona a viajantes solitários ou que não estão em grupos é uma forma de criar alguma interacção. A seguir podes dizer: vamos passear o cão. . . em conjunto?”Ver mais em p3. publico. pt
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Costa contra “arco da governação”: Invasão Marciana em marcha!
Costa, o “grande perdedor” das eleições, reverteu os motores da derrota astral contra o planeta Marketing Brasileiro da PàF e o próprio PS. (...)

Costa contra “arco da governação”: Invasão Marciana em marcha!
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 Homossexuais Pontuação: 6 | Sentimento 0.0
DATA: 2017-09-24 | Jornal Público
SUMÁRIO: Costa, o “grande perdedor” das eleições, reverteu os motores da derrota astral contra o planeta Marketing Brasileiro da PàF e o próprio PS.
TEXTO: Humanidade que ainda celebra o 5 de Outubro: isto passou-se no terceiro planeta do sistema solar, ano 2015. As mãos de um Presidente em fim de mandato tremiam como pastéis. Segurava o comando do televisor nas mãos e, quando acabava a reportagem, voltava atrás e via-a de novo: um senhor esquisito, que ainda há dias sorria e encolhia os ombros, bem-disposto, ao assumir uma dura derrota, continuava a dizer coisas incompreensíveis: “Não acho saudável que as principais forças políticas, salvo situações de emergência… eu até já disse, salvo uma invasão de marcianos… partilhem responsabilidades governativas, porque isso diminui a possibilidade de geração de alternativas e acho que não favorece a democracia. ” Cavaco Silva pediu a Maria que o ajudasse a identificar o homem que falava na rua escura. — Quem é aquele senhor que está a sorrir e a encolher os ombros?— É o António Costa, o líder do Partido Socialista. — Ah. — O que perdeu as eleições. — Ah. Mas eu conheço-o?— Foi candidato a primeiro-ministro. — Ah. Mas espera lá. . . O novo primeiro-ministro conheço-o eu bem. É o Passos Coelho. — Até já te reuniste com ele, sim. — Pois, esse rapaz eu conheço bem. E recebo-o. Não recebo qualquer um. É o meu primeiro-ministro. Este diz que é contra o conceito do “arco da governação”. Como é que se chama exactamente o senhor?— Olha, Aníbal, já são muitos anos. Os teus assessores que te expliquem que eu vou dormir!Depois de um briefing com os assessores, Cavaco teve uma vertigem chamada realidade e chamou Costa, de emergência, ao Palácio de Belém. Costa encolheu os ombros, sorriu, acabou a sandes de ovo e foi. Desde a noite das eleições que era só o que fazia: encolhia os ombros, sorria, acabava a sandes de ovo e lá ia reunir-se com um tipo qualquer que precisava muito de falar com ele. Cavaco Silva recebeu-no no gabinete de crise. Trazia vestido o uniforme de Comandante Supremo das Forças Armadas e um laser-phaser multifásico nas mãos. Para mostrar que a arma funcionava, queimou as rosas da jarra com um raio laranja. Costa encolheu os ombros e sorriu, ou melhor, sorriu e encolheu os ombros. — Isso é uma maneira de tratar as rosas muito atípica. — Temos de estar preparados!— Então diga lá. Já ando um pouco cansado de encontros e ainda me falta o Bloco, segunda-feira, se não adiarem outra vez. Um quer uma coisa, o outro quer outra coisa, e uma pessoa começa a pensar, olha-me este. . . ainda agora andava a dizer cobras e lagartos de mim e agora quer batatinhas e eu já sou um tipo do caraças e. . . — Já contactei a União Europeia e a NATO e a ONU e, mais importante ainda neste planeta Terra, como o senhor bem sabe, o Eurogrupo! Temos de aguentar a primeira vaga do assalto!— Assalto? Aos 600 milhões das pensões, imagino. — O assalto da invasão marciana! Temos de fazer já um Bloco Central da PàF com o PS ou a humanidade desaparece como. . . como. . . como o BES e a minha maioria absoluta!Costa sorriu, encolhendo os ombros. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. — Estou à espera que me explique o que acaba de dizer e espero que isso contribua para a construção de uma boa solução para a prática política. — Nunca percebo o que você diz. — Olhe, é recíproco. — Senhor, hum, opositor, estou a falar da invasão de Marte, dos marcianos. Do Planeta Vermelho. Dos comunistas. Não podemos brincar com coisas sérias. Temos de fazer um Bloco Central para proteger o mundo. — Ponho algumas condições que, enfim, veja lá se pode corresponder. . . A esquerda à esquerda do PS descobriu que eu sou de esquerda, coisa que nunca lhes tinha passado pela cabeça. De repente somos todos amigos e eles já nem se odeiam uns aos outros nem aos socialistas. Resultado: chamam-me para segurar nas mãos um Arco da Governação Popular. E como estão todos piores do que estragados consigo. . . Ei, o que é que está a tirar do bolso?— Alho, sal e um frasco de água benta. O crucifixo da campanha do Pedro não chega. Dispare lá. — Viragem da política de austeridade. — Ai. — Aumento do salário mínimo. Reposição das pensões e reformas. — Ai, ai. — Copos vaginais. — Ai!!!— Espere, isto é o PAN dos animais. Mas pronto, por que não? Há algum problema em oferecer copos vaginais para salvar o planeta da poluição da invasão dos marcianos?! Isto não é para rir, percebeu, exijo copos vaginais!— Ok, ok, já acabou?— Ahhh. . . Combate à precariedade laboral e a reversão da privatização da TAP e outras. Aposta no Serviço Nacional de Saúde e na Educação Pública. — Meu Deus, a galáxia treme. — Alteração à alteração da lei do aborto e. . . o que é que eu tenho aqui mesmo debaixo da língua? Ah. . . adopção por casais gay. — Começo a pensar que mais vale ser queimado vivo pelos marcianos. Vade retro!Costa encolheu os ombros sorrindo. — Não desmaie, também pode ser que o PS, no fim, faça tudo ao contrário. É que eu sou um marciano bastante atípico, sabe?
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Alberto de Lacerda: toda a luz e solidão do mundo
Passou a vida entre Londres e os EUA, privou com a elite cultural do mundo, viveu pobremente e reuniu um espólio único. Falta conhecê-lo. Labareda, o mais recente livro da colecção de poesia da Tinta-da-China, quer resgatá-lo para as novas gerações e estimular a curiosidade para uma poética e uma vida invulgares. (...)

Alberto de Lacerda: toda a luz e solidão do mundo
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 Homossexuais Pontuação: 6 | Sentimento 0.4
DATA: 2018-08-03 | Jornal Público
SUMÁRIO: Passou a vida entre Londres e os EUA, privou com a elite cultural do mundo, viveu pobremente e reuniu um espólio único. Falta conhecê-lo. Labareda, o mais recente livro da colecção de poesia da Tinta-da-China, quer resgatá-lo para as novas gerações e estimular a curiosidade para uma poética e uma vida invulgares.
TEXTO: Há uma imagem que se vai construindo a partir da memória de quem conheceu Alberto de Lacerda: um homem caminha ao longo de uma rua, passo acelerado, levando quase sempre na mão um saco de supermercado cheio de jornais e livros. Na maior parte dos seus dias, a rua era Kings Road, em Chelsea, o bairro londrino de que mais gostava. Mas muitas vezes também foi a Commonwealth Avenue, a maior rua de Boston, cidade onde viveu e deu aulas na universidade. Um dia, no início dos anos 60, escorregou e caiu numa rua estreita de Lisboa, cidade onde viveu pouco tempo. Ou seja, esse homem coxeia. A imagem vai ficando mais clara à medida que se quer saber da sua poesia, da razão do quase esquecimento em Portugal, e é a partir dessa indagação que se chega à biografia de um poeta independente de grupos ou escolas, difícil de classificar poeticamente, amante de artes plásticas e de música, desde sempre leitor voraz e coleccionador compulsivo. Quando morreu, aos 78 anos, deixou mais de mil poemas por publicar e um espólio de milhares de livros, discos e obras de arte, um insólito, já que quando morreu, em 2007, vivia numa assoalhada em Londres. Agora, 11 anos após a sua morte e quando completaria 90 anos de idade, sai um volume que reúne parte da sua poesia e que quer dá-lo a conhecer a uma nova geração. Labareda revela a singularidade poética e biográfica de Alberto de Lacerda e traz 33 inéditos. São poemas escolhidos por Luís Amorim de Sousa, também poeta, amigo de Alberto de Lacerda e seu executor testamentário. É o autor do prefácio onde apresenta um homem ambíguo, a viver entre a exaltação e a tristeza, a exuberância social ou a solidão mais profunda, a luz e a sombra, o que transpôs para uma poesia cheia de referências e contágios do que lia, ouvia, das pessoas com quem se dava. Artistas e poetas como Octávio Paz, John Ashbery, Edith Sitwell, Elizabeth Bishop, T. S. Eliot, David Wevill, Louis Zukofsky, Robert Duncan, Manuel Bandeira ou Carlos Drummond de Andrade, além dos portugueses Sophia de Mello Breyner, Mário Cesariny ou António Ramos Rosa, e de Paula Rego e Vieira da Silva, com quem teve intensa amizade. “De tudo o poeta retirava a matéria para os seus poemas. Neles se inscreve uma teia prodigiosa de evocações, referências, meditações, e a solidão que o amargurava”, escreve no prefácio Luís Amorim de Sousa, onde relembra a extensa teia de ligações de uma poesia sem artifícios nem muletas. Numa esplanada de Lisboa, longe de Oxford, onde vive, Luís revela uma memória apaixonada do amigo. Na juventude partilharam a mesma cidade, Lourenço Marques, mas só se conheceram em Londres, onde passaram a partilhar a vida. “Conheci o Alberto nos anos 50 nas páginas amarelas de uma revista que teve um número único e era publicada em Moçambique. Eu tinha uns 20 anos e o Alberto já estava em Londres”, conta, recuando ao grupo de amigos e ao modo como essa revista lhe chegou às mãos. “Eu pertencia a um grupo onde estavam o José Craveirinha, o Rui Nogar, o Rui Knopfli. . . Toda a poesia que fazíamos tinha de ser de combate. Era preciso combater o regime. Nesse grupo havia uma figura ausente, Noémia de Sousa, mulata com uma personalidade bem marcada. Só falei com ela ao telefone, mas o Rui Nogar queria mostrar a poesia dela e trouxe-me essa revista proibida dentro de um jornal desportivo. Na primeira página havia uma sequência de poemas do Alberto, entre eles um poema pequenino que é assim. . . ” Cita, então, de cor o poema breve que só se alonga naquele momento porque é preciso conter a emoção. As lágrimas teimam e é com elas que Luís chega ao final porque esse final descreve o lugar onde se situa a poesia e a vida de Alberto de Lacerda: “Nos ímpetos de luz enfim desfeitos encontro a solidão definitiva. ” Pausa curta. “Escreveu isto era um miúdo, tinha 17 ou 18 anos. Fiquei então muito emocionado; é de uma brevidade eloquente, a necessidade de luz e a escuridão definitiva que envolviam o jovem poeta. Mais tarde ele diria de si próprio: sou um ser solitário com uma vida social extremamente activa. ”É nesse mundo de contradição que Alberto de Lacerda se movimenta sempre, causando admiração, desconcerto e permanente efeito de surpresa. Nunca se revelava totalmente, estabelecendo um pacto tácito com os amigos: havia uma intimidade inviolável e ela era-lhe necessária. “Apesar de Alberto ter muitos amigos e deleitar-se na sua companhia, havia nele um aspecto impenetrável, uma privacidade ferozmente mantida. Ele podia ser tremendamente hospitaleiro mas nunca convidava ninguém a entrar em sua casa”, refere a escritora americana Jhumpa Lahiri num artigo publicado na revista Poetry. Conheceu-o em 1993, foi sua aluna num seminário sobre Pessoa na Universidade de Boston, onde, apesar de nunca ter completado o quinto ano do liceu, Alberto de Lacerda era professor de Literatura Comparada. Outro ex-aluno em Boston, Scott Laughlin, diz: “Alberto ensinou-me que ser escritor era um modo de vida”. O agora professor, tradutor e co-autor de um festival de que desde 2011 se realiza em Lisboa em memória de Alberto de Lacerda, sublinha que era um poeta em todos os sentidos. “A arte, poesia, literatura, pintura, dança, música eram elementos essenciais na sua vida, mas não estava encerrado numa torre de marfim. Era um homem do mundo e das pessoas. Ele marchou contra Salazar e foi preso. Deviam vê-lo a atravessar uma rua cheia de trânsito em Londres. ”Jhumpa e Scott foram alunos no seu último emprego, numa vida feita de trabalhos precários, entre uma passagem pela BBC, a escrita de artigos para jornais e revistas, os anos em que ensinou na Universidade do Texas, em Austin, e que Luís Amorim de Sousa descreve como os mais felizes da vida do amigo. No espaço e no tempo dividiu-se assim: Moçambique, Lisboa, Londres, Austin, Nova Iorque, Boston, Londres. Depois de Boston, regressou a Londres, cidade que adoptou como casa. Mas em todo o lado era o homem que deambulava pelas ruas, galerias, teatros e cafés — considerava os cafés essenciais à civilização — sempre envolto numa nebulosa criativa. “Como o seu herói Picasso, acreditava que os artistas nasciam e se alimentavam do processo de estudar outros artistas”, continuava o artigo de Jhumpa Lahiri. No obituário que escreveu para o Independent, em Setembro de 2007, o poeta americano John Ashbery salientava a confusão que ele conseguia criar em quem se cruzava com ele no seu percurso habitual. “Pegaram-lhe no braço e expulsaram-no para sempre de uma galeria em Cork Street por ter exigido saber o preço de um Picasso; saiu da lista do seu centro de saúde depois de perguntar a nacionalidade à recepcionista. Evelyn Waugh também se enganou ao descrevê-lo nos seus dias de juventude como ‘um homenzinho moreno que parecia um judeu mas dizia ser português’. ”Carlos Alberto Portugal Correia de Lacerda nasceu na Ilha de Moçambique a 20 de Setembro de 1928, filho de um administrador colonial. Passou os primeiros anos em itinerância até se fixar em Lourenço Marques onde fez o liceu. Tímido, solitário, lia compulsivamente e começou a escrever poesia aos 14 anos. Aos 18 foi para Lisboa aprender inglês e francês. Conheceu Almada Negreiros, Sophia de Mello Breyner, Casais Monteiro, Ruy Cinatti, Jorge de Sena, Mário Cesariny, Júlio Pomar. O editor de Fernando Pessoa aceita publicar o seu primeiro livro de poesia. Morreu pouco depois e o projecto que ficou adiado. Em 1950 fundou a revista Távola Redonda, com António Manuel Couto Viana, Luiz de Macedo e David Mourão-Ferreira. Saiu depois de uma desavença e em 1951 foi para Londres com um contrato para a secção portuguesa da BBC. Começou o seu contacto com o mundo das artes numa Londres em ebulição criativa. “O Alberto era uma pessoa singularíssima, conhecia toda a gente na sua época”, sintetiza Luís Amorim de Sousa que o conhece em Londres vindo a trabalhar na mesma delegação das BBC. “Nasceu uma cumplicidade pessoal e criativa. O Alberto sentia-se bem no mundo de língua inglesa e eu também. As saudades que ele tinha de Portugal eram ligadas a valores muito nossos, a começar pela língua. ” Uma ligação tão forte quanto ambígua. Colado a ela, inseparável dela — sempre escreveu em português —, a sua língua lembrava-lhe uma angústia: a de ser tratado pelos portugueses de Portugal como se não lhe pertencesse. Há um poema que trata dessa relação visceral. “Esta língua que eu amo/ [. . ] Esta maravilha/ Assassinadíssima/ Por quase todos que a falam/ [. . . ] Esta língua/ É minha Índia constante/ Minha núpcia ininterrupta/ Meu amor para sempre/ Minha libertinagem/ Minha eterna/Virgindade”. Vai-se alimentando dela com os amigos de Londres. Paula Rego, Helder Macedo e, claro, Luís, mas também na correspondência que mantinha e nas férias em casa de Vieira da Silva. O seu primeiro livro, 77 poemas, é publicado em 1955. Seguem-se mais 11 em vida, a maior parte na Imprensa Nacional Casa da Moeda. É traduzido para inglês. A vida corre e um dia anuncia que vai para o Texas. “Foi no dia em que Picasso, o seu ídolo, fez 80 anos. Havia um programa na BBC sobre as ofertas do Picasso em que participam o Alberto Lacerda e a Paula Rego, e estamos os três sentados na cantina quando o Alberto anuncia que tinha assinado um contrato com a Universidade do Texas. Fiquei angustiado. Imaginá-lo entre cowboys não era fácil”, comenta Luís Amorim. Mais uma vez surpreendeu-se. Alberto parecia feliz. Tinha um ordenado, coisa a que não estava habituado, e “encontra uma América diferente, vibrante, e cheia de paixão. Foi o momento em que muitos americanos se opuseram à guerra do Vietname; em que aparecem os movimentos de libertação da mulher, dos homossexuais, dos negros”, continua Luís Amorim. Homossexual que dizia que a liberdade era a sua obsessão, Alberto de Lacerda sente isso, “está de repente num mundo de energia que lhe falava ao coração e encontra amigos. Octávio Paz, Christopher Middleton, David Wevill, primeiro marido de Assia Gutmann, a amante de Ted Hughes. E há convites para visitar o Robert Duncan em São Francisco e Louis Zukofsky em Nova Iorque. ” Luís Amorim podia passar dias a contar histórias do amigo, desfazer equívocos, como diz, emocionar-se. “Há histórias contraditórias. O facto é que ele era um pobretanas que não tinha onde cair morto, comia um bolo seco ao almoço porque não tinha dinheiro para comer uma omelete e encheu a casa de tesouros porque se endividava para comprar coisas. ” Assim fez o espólio que Mário Soares aceitou receber na sua fundação. “Quadros, desenhos, poucas coisas emolduradas, tudo em pastas, trabalhos em papel, sobretudo; discos, livros, catálogos, coisas a ver com o mundo da cultura. À chegada a Portugal, pesava 16 toneladas. Morre e deixa-me tudo nas minhas mãos. ”Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Tentou que o espólio não se dispersasse. Não aconteceu e o espólio está por vários lugares. “É inesgotável”, resume o homem que gostava que Alberto de Lacerda fosse mais lido. Ele mesmo selecionou os poemas que agora compõem Labareda, o mais recente da colecção de poesia dirigida por Pedro Mexia na Tinta-da-China. “É um poeta que me interessa por várias dimensões, uma é a ligação à cultura anglo-saxónica, à Inglaterra em particular, que se tornou hegemónica nas últimas décadas, mas que durante muito tempo era a excepção”, diz Pedro Mexia, justificando a entrada de Lacerda numa colecção que quer também recuperar nomes para as novas gerações. Já aconteceu antes com Ruy Cinatti e António Reis. Mexia fala de Labareda como o livro de apresentação de um poeta a quem nunca o leu e pode a partir daí querer saber mais. Da poesia e da singularidade do homem que acreditava que os poetas são feitos da mesma matéria que os sonhos. “Há um livro dele de que gosto especialmente, Elegias de Londres. Há ali um fôlego e um lado meditativo em que está tudo. Está África, está Portugal, está Londres. É um livro importante da poesia portuguesa. E há duas características notórias e que talvez dificultem a recepção do Alberto Lacerda por um leitor actual: um lado de êxtase e de maravilhamento que parece um contínuo. Embora tenha alguns poemas mais azedos, é um poeta distante de um certo sentimento cínico. Aquele lado e permanente descoberta da coisas — do corpo, da cidade, etc — talvez seja poesia de outro tempo, e também não era a poesia do seu tempo em Portugal. ”E Portugal parece não tê-lo compreendido no seu tempo. “É a tragédia de viver fora”, diz Mexia. Mas há coisas a acontecer. Por exemplo o tal festival Disquiet, organizado por Scott Laughlin, que todos os anos traz a Lisboa autores americanos. Nesta edição, Jorge Silva Melo irá ler Alberto de Lacerda. O encenador e actor recorda a primeira sensação ao ler Lacerda. “Surpreendeu-me a poesia muito diferente da poesia portuguesa. Muito lírica, elegíaca, muito próxima de alguma poesia inglesa. ” Continuou a acompanhá-lo e lembra a fase americana, “próxima dos movimentos sociais. Muito whitmaniana, mais beat” e tenta levar essa diversidade para os recitais sobre ele. Assim será, no dia 10 de Julho, numa poesia que John Ashbery definiu como tendo uma potência pessoal e romântica, de alguém que é “tanto um mestre no soneto clássico como nos saltos da imaginação surrealista ou da perfeição minimalista oriental”, alguém que celebrava a paixão pela música, pela dança, pelo teatro pelo cinema e pelo quotidiano.
REFERÊNCIAS:
Étnia Judeu
Bruno Santos: “Nunca encarámos a Cristina Ferreira como o rosto mais importante da TVI”
Director-geral de antena e de programas da TVI apresenta uma nova grelha com a apresentadora estrela de saída. Canal quer continuar líder e para isso tem de ser "atrevido". (...)

Bruno Santos: “Nunca encarámos a Cristina Ferreira como o rosto mais importante da TVI”
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 Homossexuais Pontuação: 6 | Sentimento 0.45
DATA: 2018-10-01 | Jornal Público
SUMÁRIO: Director-geral de antena e de programas da TVI apresenta uma nova grelha com a apresentadora estrela de saída. Canal quer continuar líder e para isso tem de ser "atrevido".
TEXTO: Bruno Santos está há sete anos na direcção de programas da TVI, o canal de televisão mais visto do país há 13 anos consecutivos. “A posição do líder é muito mais incómoda, porque tem de desbravar território”, defende em entrevista ao PÚBLICO no dia em que apresenta a nova grelha. É a primeira em 16 anos que não terá Cristina Ferreira, a apresentadora e directora de conteúdos não-informativos que este Verão se mudou para a SIC e surpreendeu o mercado. Mas ainda haverá um pouco de Cristina Ferreira na grelha da estação de Queluz, com programas já gravados ainda por transmitir, bem como novas novelas e séries, concursos e mais reality shows. “A TVI quer continuar e vai continuar a ser líder”, diz Bruno Santos numa conversa em que considera prejudicial a admissão de publicidade nos canais públicos na TDT e em que garante estar preparado para os desafios do streaming e da dispersão dos espectadores. “Não vamos fazer protestos contra o Netflix” como “os taxistas”, garante. A transferência de Cristina Ferreira agitou o mercado. Que impacto tem a saída de Cristina Ferreira na TVI e na grelha que hoje apresentam?Já dissemos o que queríamos dizer sobre isso: já virámos a página e quando falo isso não é retórica. A TVI é muito pragmática nessa matéria. A Cristina Ferreira era um quadro importante e foi embora. Temos outras soluções, acreditamos na nossa força e capacidade de liderança e é assim que estamos trabalhando. Muito serenamente, já passou e olhando para a frente. Ainda há programas da Cristina Ferreira na TVI para ir para o ar. Há um cenário em que ela estará no ar nos dois canais? É uma pergunta a que não posso responder. Temos de facto programas gravados com a Cristina Ferreira. Como é que isso ficou assegurado nesta transição? Fez parte do acordo e evidentemente nunca esteve em cima da mesa a hipótese de não emitirmos esses programas. São muitos milhares de euros que estão em causa e não fazia sentido deitar isso para o lixo. Isso não é confuso para o espectador? De manhã ver a Cristina Ferreira na SIC e ao fim da tarde vê-la na TVI? Não sei o que está na cabeça do espectador. Acredito que vejam o Apanha se Puderes não só e apenas por causa da Cristina Ferreira mas também por que é um bom programa. Sobre se faz ou não sentido, é uma boa pergunta para a SIC, que contratou a Cristina sabendo que tínhamos esses programas pré-gravados. Somos pragmáticos, nunca nos passou pela cabeça o contrário. Ficou algum engulho no relacionamento entre a TVI e a SIC? Não, de jeito nenhum. Continuamos com excelentes relações tanto ao nível da administração quanto das direcções. Isso faz parte e é bom que aconteça, no mundo do futebol, do espectáculo, das televisões. Esses movimentos são naturais, acontecem. Não nos passa pela cabeça que uma coisa dessas ponha em causa uma relação institucional. Saindo Cristina Ferreira, quem lhe sucede nesse papel de rosto da TVI? Sendo um dos rostos da TVI, era indubitavelmente o mais popular e fulgurante do momento? Nós nunca encarámos a Cristina Ferreira como o rosto mais importante da TVI. Nunca tivemos esse discurso. Tínhamos, sim, uma primeira linha de apresentadores – composta pelo Manuel [Luís Goucha], pela Fátima [Lopes] e pela Cristina. Continuamos a ter esses dois. Ninguém é insubstituível. Não vai entrar ninguém como figura que a substitua. Vamos fazer o nosso trabalho, estamos a trabalhar intensamente no Você na TV [das manhãs] porque sabemos que a concorrência vem com muita força. Não é a primeira vez que sofremos esse tipo de ataques, portanto sabemos o que temos de fazer. O Manuel Luís Goucha vai dividir o ecrã com quem?Não vou dizer. Não vamos apresentar já. Nas transferências de Verão, a TVI ficou com Miguel Sousa Tavares e tem angariado actores da SIC para o seu lote de exclusivos. Tudo com o objectivo de continuar líder? A TVI é líder há 13 anos. A TVI quer continuar e vai continuar a ser líder. Para nós é uma afirmação de posicionamento e de mercado. Já aconteceram muitas movimentações no mercado, até entre directores e administradores, e a TVI continua líder porque a sua base, o seu know how continua a ser muito bom. Estou na TVI há sete anos, aprendi imenso aqui e sim, a TVI vai continuar a fazer tudo para manter a liderança não só universo total dos targets mas sobretudo também no horário nobre e no target dito comercial, que para nós é muito importante. Como vai fazê-lo e o que vão ter na nova grelha, sobretudo num mercado em que os canais generalistas continuam a ser centrais, mas perdem o seu peso? Há um preâmbulo importante: a queda das FTA [Free to Air, canais em sinal aberto] é uma inevitabilidade, algo que ocorre no mundo inteiro e somos perfeitamente conscientes disso. Não podemos parar o vento com as mãos e fazer igual aos taxistas. Não vamos fazer protestos contra o Netflix, contra essas plataformas. Olhamos para esses fenómenos como novas formas de se consumir televisão. Achamos que as pessoas estão a consumir de forma diferente mas estão a consumir cada vez mais. Nunca houve tanto consumo de vídeo, de conteúdo de televisão. Esse é que é o desafio. A TVI, sabendo que a força está na sua antena aberta, está também noutras plataformas. Sobre como o faremos, eu poderia não fazer nada. Em relação à SIC neste momento estamos com uma liderança muito confortável. Em todas as faixas do dia. Sei que a SIC está a reagir, a RTP também mudou a direcção [de programas]. Vamos fazê-lo, como sempre, nos três eixos em que temos mais força: entretenimento, informação e ficção. Se enquadrarmos o desporto dentro da informação, a Liga dos Campeões joga um papel muito importante nessa estratégia de fim de ano. Na ficção, A Herdeira acabou no sábado e estreámos Valor da Vida, que é uma produção muito atrevida. E é isso que faz a diferença da TVI para o resto. Todos temos acesso a informação, teoricamente sabemos o que o espectador quer mas acreditamos que na TVI somos mais atrevidos, fazemos coisas diferentes, mais inovadoras. O nosso mote é sempre esse, liderança com inovação. Valor da Vida é uma novela que vem na sequência de A Única Mulher, Ouro Verde, A Herdeira, que tem uma narrativa muito mais ágil do que o normal. O nosso desafio é tentar atrair públicos novos que possam estar mais dispersos nessas novas fórmulas de consumo de televisão, mas ao mesmo tempo não perder o público mais tradicional das FTA. É um equilíbrio difícil, cada vez mais difícil. Cada vez mais difícil. Mas desafiante. Nós pelo menos temos conseguido. Temos tido bons resultados com as últimas novelas, todas são líderes de audiência tanto na primeira linha quanto na segunda linha. Acreditamos que o caminho é esse, o caminho da diferenciação e a cada novela que estreia não ser só mais uma novela. Estreámos recentemente um produto que nem chamamos de novela, é a série Onde Está Elisa, que está no final da noite e que já é líder e bate a novela da Globo que a SIC tem naquela faixa horária. É uma espécie de thriller em torno de uma miúda que desaparece misteriosamente e é uma adaptação internacional, mas o Valor da Vida também tem uma narrativa de tramas paralelas de duas pessoas que acordam, uma depois de muitos anos em coma, a outra misteriosamente acorda sem saber quem é, muito bem entrelaçada. Gravada no Líbano, na Chapada Diamatina no Brasil com cenários idílicos, muito aspiracional e muito, sobretudo, internacional. Acho que o público procura sempre uma coisa mais globalizada que tenha mais a ver com o mundo de hoje. É por isso que as pessoas vão procurando outros produtos noutras plataformas. A TVI foi a grande impulsionadora da indústria de novelas portuguesas. Nos últimos anos criou-lhes temporadas e alterou o ritmo narrativo. Para fidelização dos espectadores ou também porque os canais temáticos e o streaming mudaram o público?Não sei se se pode separar as duas coisas. A TVI faz isso para acompanhar os tempos. O espectador está muito mais exigente hoje. O acesso aos conteúdos está muito mais fácil e a quantidade é enorme. O consumidor de telenovela hoje não é o mesmo de há 10, 20 anos. Na idade, na formação ou no gosto?É um pouco de cultura televisiva. Uma novela mexicana é ainda quase caricatural. No México o público é muito mais tradicional nas FTA. Aqui não, precisamos de introduzir não só densidade nas personagens mas também agilidade nas tramas, que podem ser um pouco mais intricadas porque as pessoas não só gostam mas exigem. Ainda este ano vamos ter a estreia de A Teia, uma ficção policial sem enquadramento de telenovela. Tem um ritmo de série, com perseguições…Semanal?O produto semanal em Portugal tem que se lhe diga. O público português também não está acostumado a isso. Hoje em dia até as formas de consumo diferenciadas não há ninguém que pegue no Netflix para ver uma série por semana, isso já não existe. A TVI também lançou os reality shows, que não têm o fulgor inicial. Há uma fadiga no formato? O que pode substituí-lo na TVI? A televisão é cíclica. Os realityshows, tal como a ficção, também têm de se adaptar aos novos tempos. Acho que não está cansado porque conseguimos ter um canal 24h com realityshows. Se as pessoas estivessem cansadas esse produto não existiria. Qual a audiência do canal?Tem 0, 7% de share numa plataforma [de televisão por subscrição] só, com 50% de cobertura. Se o canal tivesse cobertura total ele passava muito facilmente para o Top 5 de todos os canais. Porque quando se diz que há erosão nos FTA, o que é que é o cabo? Se formos ver TVI, SIC, RTP, o canal do cabo seguinte tem… A TVI tem 20 [% de share], SIC deve estar com 16, a RTP está na casa dos 10, o canal do cabo seguinte deve ser a CMTV que está com 3%, 4% e depois há dois pontos e uma série de canais com 1 ponto e centenas de canais com menos de um ponto de share. O que mostra a força das FTA quando comparadas com canais que têm a mesma cobertura. Vão continuar a apostar nos reality shows – e que tipo?Temos uma espécie de reality show de manutenção, que é o Love on Top actualmente no ar, que não precisa de uma exposição muito grande na antena da TVI, nem o desejamos porque tem uma linguagem muito forte. Está no cabo e no late night da TVI e consegue ter boas audiências. A nossa intenção é manter A Casa dos Segredos, que é uma marca poderosíssima. A última teve a transição de apresentadores com o Manuel Luís Goucha, temos uma nova tipologia de concorrentes, o jogo foi muito mais jogo, muito menos gritaria, briga e sexo, e mesmo assim as pessoas gostavam de ver portanto achamos que faz sentido. O que é que os reality shows trazem à antena?Audiência. Diferenciação. E um certo atrevimento. Os reality shows têm uma outra importância, muito grande, no digital. Quando temos um reality show em antena sentimos que o nosso digital cresce muito. E o que é que um espectador retira de um reality show como A Casa dos Segredos ou o Love on Top?Está a perguntar se o reality show está aí para educar alguém?É uma pergunta bastante aberta. Fizemos questão, na última Casa dos Segredos, de introduzir uma história de um casal gay, que foi muito bem contada, mudou muita mentalidade e abriu muita consciência não só individualmente mas a nível familiar. Acho que nenhum outro programa poderia fazer isso de forma tão eficaz como um reality show. Há um factor de educação social?A nossa missão é entretenimento mas sabemos que temos alguma responsabilidade e quando fazemos um casting procuramos casos que possam ir nesse sentido. O próximo reality show tem a ver com casamentos, uma natureza muito próxima do que a SIC também tem. Vai haver um espelho entre a TVI e SIC?Nisso estou muito à vontade porque a nossa característica é liderança e inovação. Para um bom observador é muito fácil dizer quem é que se cola a quem. Portanto a SIC está a colar-se à TVI?Não estou a dizer isso. Não é um bom observador?Sou um bom observador mas não posso dizer certas coisas. Mas é verdade que há muitos movimentos que a TVI faz e que são seguidos pela concorrência. A TVI é o farol e os outros canais, nomeadamente a SIC, vão atrás?A posição do líder é muito mais incómoda, porque tem de desbravar território. Não temos nenhum problema em assumir essa posição. A posição do follower é muito mais confortável, vê o que líder está a fazer e tenta colar-se para chegar lá. Só que quando chegar lá nós já queremos estar dois passos à frente. É isso que tem acontecido e é assim que queremos manter as coisas. A CMTV vai fazer a sua primeira novela. Como reage a isso?Com muita atenção. Não desprezamos nenhum movimento de nenhum concorrente. A CMTV tem uma postura muito atrevida e orçamentos muito mais limitados que os generalistas, mas estamos muito atentos. A MediaCapital é o maior produtor, com a Plural, de ficção. Ainda há por onde crescer nesse mercado em Portugal? Há espaço para a Plural trabalhar para a concorrência?Temos todo o gosto em conseguir poder fazer isso para a concorrência. Não é um caminho fácilE preferencialmente não fazem. Sim. Os outros players do mercado preferem fazer com outras produtoras mas nós já fazemos muita coisa na Plural, que não só ficção, como entretenimento como o Apanha se Puderes, e a Plural também começa a olhar para fora. Portugal é um mercado pequeno…Que outras novidades têm na programação? Temos o First Dates. É um produto que, não sendo um reality show — e não temos problema em assumir os nossos reality shows —, está enquadrado mais no doc reality. Já ganhou muitos prémios noutros países, e é um pouco cheesy mas é muito interessante. Tantos anos, reality shows e exposição depois, os participantes ainda conseguem ser genuínos? Também nos fazemos essa pergunta. Os concorrentes vão ficando cada vez mais profissionais. Mas é impossível ficar 24 horas em acting em função de câmaras, há uma hora em que desligam e começam a ser eles próprios, é inevitável; é impossível manter a pose o tempo inteiro. No entretenimento, além do First Dates, criámos um concurso familiar de superação chamado 50 Horas, que vamos emitir este ano. Os programas físicos estão na moda nos mercados internacionais. São três famílias que têm que superar uma série de provas físicas em 50 horas. É todo gravado em outdoor, na Póvoa de Lanhoso. Vão mudar alguma coisa na filosofia de grelha? Não olhamos para a grelha como algo rígido e estático, mas o ser humano é um animal de hábitos. E nós temos uma grelha que começa líder às 10h e termina à 1h – não tenho muitos motivos para fazer grandes revoluções na programação. Vão chegar dois canais à TDT. A TVI pensa candidatar-se, sozinha ou em consórcio? Estamos a olhar para isso. A nossa posição é de expectativa e esperar os detalhes, depois vamos ter uma posição. Temos sempre interesse: se o negócio for bom e viável e trouxer benefícios para o grupo. A TVI estaria mais bem preparada para um canal de informação ou de desporto, tendo em conta a recente parceria com a Eleven Sports? Esta parceria com a Eleven Sports é muito pontual e tem uma terceira parte, a Nowo. Foi uma janela de oportunidade de adquirir direitos da Liga dos Campeões. Como gestor – que também já trabalhou anos na RTP -, o que pensa de os canais públicos virem a ter publicidade na TDT?Só quem trabalha nas generalistas comerciais é que sabe das dificuldades que temos de manter o nosso negócio saudável. Tudo o que signifique dificultá-lo ainda mais na obtenção de receita vai prejudicar uma indústria que dá pão para muitas famílias. E a taxa do audiovisual? É admissível o aumento? Isso é uma matéria política que tem consequências para o consumidor. Muitas vezes essa concorrência torna-se desleal. O enquadramento da RTP é um debate eterno. Trabalhei lá nove anos, vivi mil e uma situações das mais variadas. Como estão as operações internacionais da TVI? Continuamos em expansão permanente, sobretudo para os mercados lusófonos. Estamos em mais de 50 países com a TVI Internacional, TVI África e TVI24. São operações rentáveis, a TVI só faz operações rentáveis. Quais são hoje os principais desafios da TV generalista e como lhes dar a volta? Pegando no exemplo da ficção e extrapolando para as outras áreas, seja informação ou entretenimento, é tentar fazer coisas diferentes e inovadoras, que cativem outros públicos. Por exemplo, o Pesadelo na Cozinha: ninguém imaginou que um programa como aquele pudesse ter o impacto que teve nas audiências e continua a ter. Foi uma novidade nossa e trouxe muito público novo para as FTA. A TVI é líder nas redes sociais, tem 65% do mercado no digital comparado com SIC e RTP. Temos uma agressividade nessa área porque entendemos que o consumidor está nessas plataformas. Há décadas que se diz que a solução é fazer coisas inovadoras. Ainda há espaço para inventar coisas novas em TV? Acho que há. No entretenimento e na informação a TV generalista tem que se reinventar um pouco. Na ficção, por exemplo, temos feito um trabalho notável de reinvenção, de adaptação a novas formas de consumo. Existe uma espécie quase de mito: o mindset das pessoas é que as FTA são uma coisa antiga e que o moderno e o novo estão no Netflix. E o Netflix tem algumas pérolas, é verdade, mas a maioria das coisas são miseráveis. O mesmo acontece nas redes sociais, no mundo digital. Ou seja, a TV é e continua a ser o meio que mais e melhor impacto tem no espectador, que melhor cobertura dá aos anunciantes, que mais garantias dá às marcas, sem dúvida. A curadoria que fazemos na TV não se faz nos meios digitais. Mas o Netflix, o streaming coloca o espectador na posição de programador, ou de organizador da sua grelha. Nós temos o TVI Player, com muita gente a entrar por aí, é uma forma de poder ver a TVI de forma mobile e de consumir stock. É difícil competir contra o Netflix mas nós vamos começar a produzir conteúdos específicos para o TVI Player. Já nesta temporada? É ficção? Sim, agora. (risos) É digital. É muito difícil conseguir o modelo de negócio para produzir ficção a um nível muito bom, com retorno. O Netflix é por subscrição, o nosso é aberto. Vão começar a cobrar pelo TVI Player? A curto prazo não. Fizemos uma experiência há mais de cinco anos, em que tínhamos um reality show na TVI e a emissão 24 horas estava só na plataforma digital, as pessoas tinham que assinar, mas agora há um canal. O TVIPlayer tem um milhões de acessos por mês. Mas para nós é relevante. Falou na necessidade de reinventar a informação, é um adepto de uma filosofia de infotainment, de maior entrosamento com o entretenimento?Sim. Não falo pela Informação, mas temos diálogo diário e já fazemos esse tipo de entrosamento. Não quer dizer que seja no Jornal das 8 clássico. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. O noticiário da noite é linha vermelha intransponível? Não, aqui não temos linhas vermelhas intransponíveis. Em grandes eventos já temos jornalistas e repórteres do entretenimento a fazer cobertura juntamente com a informação. Não sei se esse é o caminho, mas nós estamos a fazer esse caminho. E sempre que as duas partes estejam confortáveis com ele, porque não trilhá-lo?
REFERÊNCIAS:
Palavras-chave direitos cultura educação mulher social consumo sexo espécie gay animal
Azinhaga, a única aldeia onde Saramago poderia ter nascido
No dia em que José Saramago celebraria 96 anos, regressamos à aldeia que o viu nascer. (...)

Azinhaga, a única aldeia onde Saramago poderia ter nascido
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 Homossexuais Pontuação: 6 | Sentimento 0.0
DATA: 2018-12-26 | Jornal Público
SUMÁRIO: No dia em que José Saramago celebraria 96 anos, regressamos à aldeia que o viu nascer.
TEXTO: “Deixa-te levar pela criança que foste”, pede-nos o escritor à entrada num rosto de menino ampliado até ao tecto. Há um ano que o núcleo da Fundação José Saramago na Azinhaga se mudou para a antiga escola primária da aldeia, contando em objectos da época parte d'As Pequenas Memórias vividas pelo escritor na terra que o viu nascer há 96 anos, celebrados esta sexta-feira. Num quarto e numa cozinha recriados nas antigas salas da escola, recordam-se os Verões vividos com os avós maternos, a quem Saramago dedicou parte dos discursos proferidos ao receber o Prémio Nobel da Literatura, há 20 anos. “Chamavam-se Jerónimo Melrinho e Josefa Caixinha esses avós, e eram analfabetos um e outro. No Inverno, quando o frio da noite apertava ao ponto de a água dos cântaros gelar dentro da casa, iam buscar às pocilgas os bácoros mais débeis e levavam-nos para a sua cama”, lê-se nos Discursos de Estocolmo. A velha cama de ferro enlaçado, onde “o calor dos humanos livrava os animaizinhos do enregelamento e salvava-os de uma morte certa”, é o ex-líbris da exposição, comprada pela junta de freguesia a um membro da família (a colorida cabeceira está, neste momento, numa exposição itinerante no Brasil). É Vítor Guia, então presidente da junta e amigo de Saramago, quem nos conta a história. “A cama é esta, não tenho a mínima dúvida, mas as cores não eram estas”, recorda-se de Saramago lhe dizer quando voltou a ver a peça, então coberta de branco. “Acabei por ser eu e a secretária da junta a raspar com mil cuidados até conseguirmos chegar à última camada de tinta e lá estava o rosa e, nas flores, o verde e o amarelo”, conta Vítor. “Ele tinha uma memória extraordinária. ”Quem não o conhecia, poderia tomá-lo por “um homem austero, revoltado”, mas quem convivia com Saramago “apercebia-se que, por trás, havia um homem de afectos, sensível e de uma humanidade impressionante”, defende, recordando a forma como o escritor “vivia os problemas dos outros, se dedicava às causas, defendia o semelhante e conseguia interagir com as crianças”. “Tenho um orgulho grande por ter tido a possibilidade de conviver de perto com Saramago e por tê-lo conhecido em si. ”As histórias vão-se somando enquanto passeamos pela aldeia. Como a da estátua de Saramago, exposta sobre um banco de jardim no largo principal da Azinhaga, que o próprio escritor veio inaugurar em 2009. “Quando o abordei pela primeira vez, estávamos em Lanzarote a conversar ao jantar, e a primeira reacção foi logo um não. 'Pede-me tudo, menos isso. Quando eu morrer, façam-me as estátuas que quiserem que eu já cá não estou para ver, mas enquanto for vivo, não. '”. Vítor não se deixou ficar. Esgrimiu os argumentos que levava no bolso: “Quando você morrer, qualquer câmara com poder financeiro pode mandar fazer uma estátua e colocá-la em qualquer lado, mas a junta de freguesia não tem essa hipótese e eu gostaria imenso que a Azinhaga fosse a primeira a ter uma estátua sua. É que nem são dinheiros públicos, são leitores seus que juntaram dinheiro para pagar a estátua. " Quando se foram deitar, a resposta ainda era negativa. “No outro dia de manhã, ao pequeno-almoço, diz-me ele: 'Tenho uma novidade para te dar. Manda lá fazer a estátua, que eu lá estarei para a inaugurar'. ” E assim foi. Da inauguração, Vítor destaca dois momentos. “A primeira reacção foi dizer que se reconhecia naquele trabalho e depois recordou-me o que tinha dito quando aceitou: Ai de mim que ele cá viesse e visse a estátua cagada dos pombos”, ri-se. Durante o discurso que Saramago proferiu naquele dia, uma “frase que ficou marcada nas pessoas” da terra: a Azinhaga não era apenas a aldeia onde nasceu, era a única aldeia onde poderia ter nascido. No largo, Saramago tira os olhos do livro que tem entre as mãos para pousá-los no edifício do outro lado da rua, hoje à venda numa imobiliária, anuncia um cartaz entre as janelas. Era naquela casa, de portas bordadas a amarelo, que ficava a loja do “sapateiro prodigioso”, Francisco Carreira, que “já na altura lia Fontanelle”. “Era um senhor que tinha uma cultura muito acima da média e aqui juntava-se a nata de pessoas que já tinham alguns conhecimentos, que já sabiam ler e escrever e, inclusivamente, alguns perseguidos pela PIDE”, recorda Vítor. A história vem descrita no livro As Pequenas Memórias, que José Saramago veio lançar à Azinhaga em 2006, e é um dos trechos da obra que o antigo edil ainda gostava de ver exposta junto à fachada. Para já, existem 13 painéis de azulejos com citações retiradas do livro (e de outras três obras onde Saramago refere a Azinhaga) ao longo do rio Almonda que, juntamente com as oliveiras, “era a grande paixão de Saramago aqui na Azinhaga”. “É um fio longo, verde e azul, com cheiro de limos, e tem a macieza quente do lodo vivo”, descreveu Saramago em Protopoema. Para mais tarde, já n'As Pequenas Memória, se lamentar que a “humilde corrente de água” esteja “hoje poluída e malcheirosa”. Não chegam odores ao passadiço sobre a margem quando passeamos por ali, mas Vítor reconhece que “o Almonda hoje não tem nada a ver com o de Saramago”. Nem com o que Vítor conheceu na “meninice”, anos mais tarde, quando ali vinha à pesca com os amigos. “A gente via os limos e os peixes dentro dos limos. Se vinha um mais pequeno, tirávamos o anzol para o peixe não morder”, recorda. “Infelizmente, com a poluição que vem do concelho vizinho, a água não está cristalina e o rio está cheio de plantas. ”O percurso começa com as palavras iniciais d'As Pequenas Memórias e há-de terminar, já longe do rio, num único painel solitário, onde se lê a história que as encerra. Foi ali, precisamente ali, que Saramago “viu o lagarto verde pela última vez”. A ideia é fazer dali um jardim de leitura, à sombra da oliveira centenária, irmã da que foi trasladada para guardar as cinzas do corpo do escritor, em frente à Casa dos Bicos, em Lisboa. E continuar caminho, sempre com mais histórias e recordações relatadas pelo escritor. “É uma forma de dar a quem nos visita a hipótese de percorrer a aldeia e de estar junto dos locais que mais marcaram Saramago na juventude dele”, resume. Por vezes, calçar as memórias de Saramago é uma experiência emotiva. Muitos leitores lacrimejam ao passar pelas fotografias, pelas citações, pelos livros, pelas mesmas paisagens que um dia definiram o escritor. Às vezes, largam-se a chorar, agarrados a Vítor ou sentados no chão, as “lágrimas a escorrer pela cara abaixo”. Como a miúda brasileira que um dia chegou cá com os pais para visitar a fundação em dia de fecho e Vítor veio de propósito abrir a porta. Ou a peregrina, “vinte e poucos anos”, que fez questão de cá vir antes de continuar caminho rumo a Compostela. Uma segunda-feira, estava Vítor fora e a fundação de folga, telefonaram-lhe a dizer que estava uma alemã no largo da aldeia. Tinha aterrado naquela manhã em Lisboa, apanhado um táxi directamente para a Azinhaga e naquele mesmo dia voltava a Düsseldorf. Mais de quatro mil quilómetros num dia para visitar a aldeia onde Saramago nasceu. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Em breve, quem sabe, outras histórias serão devolvidas aos lugares onde foram vividas pelo escritor. Memórias pequenas não faltam. Seguem pela estrada que Saramago percorria em direcção ao Mouchão dos Poejos. Param nos lugares onde outrora se erguiam as casas onde o escritor nasceu e os avós viveram, hoje substituídas por edifícios mais modernos, de azulejos azuis e verdes, de outros proprietários. Seguem pela antiga prisão, primeira sede do núcleo da fundação, onde “o tio de Saramago esteve preso por ter roubado uma galinha à avó”. Ou junto ao local onde Josefa entrava na carroça para ir buscar o neto à estação de caminhos-de-ferro de Mato Miranda. E podem, por fim, estender-se às duas ruas que se enlaçam, não muito longe da biblioteca, atribuídas a José Saramago e a Pilar del Río, a mulher “que ainda não havia nascido e tanto tardou a chegar”. Porque foi nesta “pobre e rústica aldeia” que Saramago nasceu. “A bolsa onde o pequeno marsupial se recolheu para fazer da sua pessoa, em bem e talvez em mal, o que só por ela própria, calada, secreta, solitária, poderia ter sido feito. ”
REFERÊNCIAS:
Diletante: “É isso que sinto que é o meu trabalho”
Sobretudo não lhe chamem cineasta punk... é o que ele pede. Mas então o que é um “cripto-budista-ateu”, como se define? Talvez a serenidade de Paterson ajude a responder. É um filme sobre as “pequenas coisas”. Conversa com Jim Jarmusch, livro de poemas de Apollinaire nas mãos. (...)

Diletante: “É isso que sinto que é o meu trabalho”
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 Homossexuais Pontuação: 6 | Sentimento 0.0
DATA: 2017-07-11 | Jornal Público
SUMÁRIO: Sobretudo não lhe chamem cineasta punk... é o que ele pede. Mas então o que é um “cripto-budista-ateu”, como se define? Talvez a serenidade de Paterson ajude a responder. É um filme sobre as “pequenas coisas”. Conversa com Jim Jarmusch, livro de poemas de Apollinaire nas mãos.
TEXTO: Numa época de euforia com as séries de televisão e em que os filmes de acção dominam o entretenimento no grande ecrã, Jim Jarmusch acaba de realizar o seu filme mais sereno. Paterson é definitivamente de uma calma zen, tal como Adam Driver, que representa a personagem com o mesmo nome. Não deixa de ser surpreendente, após a nervosa aparição do actor na série Girls, e o seu mais sombrio papel em Guerra das Estrelas: O Despertar da Força. Mas, tal como Tom Hiddleston antes dele em Só os Amantes Sobrevivem, Driver estava disposto a fazer o que fosse necessário para entrar no universo de Jarmusch, onde o argumentista e realizador claramente evita qualquer das regras que dominam Hollywood. “Nunca li o livro das regras de Hollywood; se alguma vez conseguir pôr as minhas mãos em cima dele, queimo-o”, diz de forma irónica Jarmusch, 63 anos, com a sua característica voz profunda. “Quando fizemos Para além do Paraíso (1985), Homem Morto (1995) e todos esses outros filmes, fizemos uma escolha consciente de que iríamos fazer filmes que gostaríamos de ver e que o resto das pessoas nunca o iriam ver, de forma alguma. Se tentássemos fazê-lo para agradar ao resto das pessoas, então, bem podíamos tentar ir para Hollywood e arranjar um emprego no marketing e nos estudos de mercado. Também existe lugar para esses filmes, não estou a dizer que os odeio, simplesmente não é o que faço. Não consigo fazer isso. O meu trabalho é fazer filmes que eu gostaria de ver e que as pessoas que colaboram comigo gostariam de ver. ”Paterson regressa e tem ligações aos dois títulos que menciona, aquele que em 1984 o atirou para a ribalta, o minimalismo a preto e branco de Para além do Paraíso, e Homem Morto, de 1995, em que Johnny Depp interpreta contabilista do Ohio chamado William Blake. Paterson, motorista de autocarro que vive em Paterson, estado de New Jersey, é o tipo de poeta da classe operária que Jarmusch admira. Tendo crescido na cidade industrial de Akron (Ohio), no Midwest, e tendo lido a poesia de Rimbaud e Baudelaire na adolescência, apaixonou-se pelo cinema novo. Nos anos que passou em Paris enquanto estudante de intercâmbio universitário devorou, na Cinemateca Francesa, os filmes da Nouvelle Vague – o seu filme de 1999, Ghost Dog: O Método do Samurai, é uma homenagem a O Ofício de Matar, filme de 1967 de Jean-Pierre Melville – e dos mestres japoneses Ozu e Mizoguchi. “Gosto de filmes que às vezes são calmos e acerca de pequenas coisas”, admite. Hoje traz consigo um livro de poemas de Guillaume Apollinaire traduzidos para inglês por Ron Padgett. “Ron pertence a uma escola de poetas de Nova Iorque que celebram os pequenos pormenores. Ele escreveu os poemas para o nosso filme e estava a trabalhar nestas traduções há uns 50 anos. Sei ler em francês, mas estes ficaram tão belos. ” Jarmusch diz que Paterson apresenta uma estrutura poética de que nos apercebemos à medida que observamos a rotina diária do motorista de autocarro de New Jersey e a sua bem mais dinâmica mulher e dona de casa Laura (interpretada pela iraniana Golshifteh Farahani). A personagem é uma homenagem à longa relação de Jarmusch com Sara Driver, que surge creditada como consultora de argumento e montagem. “Os sete dias [em que decorre o filme] são quase como que estrofes de um poema e dentro delas existem repetições de coisas que podemos quase considerar como rimas internas ou pequenos detalhes: o relógio de pulso dele, os locais onde ele vai, a caixa do correio, beber uma cerveja. E tenho que dizer que só estou a notar estas coisas após ter terminado o filme. ”Reconhece que a sua grande força reside na intuição. “Se analisar as coisas perco a minha força. ”Apenas vê uma vez os seus filmes e detém a propriedade de todos os negativos, à excepção do documentário sobre Neil Young, Year of the Horse. Contribuiu, com a sua banda Squrl, para a banda sonora dos seus últimos dois filmes, e muitas vezes – mas não em Paterson – convida os amigos músicos para aparecerem como actores. O falecido Joe Strummer [The Clash] surgiu em O Comboio Mistério, John Lurie [The Lounge Lizards] entrou em dois filmes, Tom Waits participou em três. “Tenho um novo papel para o Tom, mas ainda não falei com ele sobre isso. ” Mais recentemente, Iggy Pop, que apareceu em Cafés e Cigarros e Homem Morto, transformou-se no principal tema do filme de Jarmusch sobre os Stooges, Gimme Danger, e o cantor desvairado até consegue ser mencionado em Paterson. “Normalmente escrevo com determinados actores em mente, mas não escrevi especificamente para o Adam ou a Golshifteh. Escrevi especificamente pensando no Masatoshi Nagase, porque gosto imenso dele e não trabalhava com ele há muito tempo”, diz referindo-se ao actor que entrou em O Comboio Mistério, o seu filme de 1989, e que surge no final de Paterson. Jarmusch queria trabalhar com a estrela iraniana exilada Golshifteh Farahani, de 33 anos, uma das actrizes mais decididas e interessantes no activo, e que está em ascensão a nível internacional devido ao seu papel em Piratas das Caraíbas: Os Mortos Não Contam Histórias. “Vi-a pela primeira vez em Meia Lua, um belíssimo filme curdo-iraniano [realizado por Bahman Ghobadi] que adoro, quando ela era muito nova. Depois vi-a numa série de outros filmes. Não queria que Laura fosse interpretada por uma americana, parecia-me demasiado óbvio. Por isso pensei: ‘Bem, escolhe a actriz que adoras e incorpora a etnicidade dela. ’ Golshifteh disse que aceitava. Fiquei muito contente e depois acrescentei algumas coisinhas, alguma música pop persa que Laura escuta, e algumas das suas roupas apresentam alguns motivos de caligrafia farsi. ” Da mesma forma, queria aproveitar as experiências de Adam Driver nos Fuzileiros, uma instituição rigorosa que muito raramente origina actores talentosos, como Harvey Keitel e Steve McQueen. “Coloquei apenas umas poucas referências, a fotografia e, claro, a forma como ele domina Everett no bar mostra que obviamente é alguém com treino militar. Não quis tornar essas coisas mais relevantes dado que eles não estão a fazer deles próprios. Mas queria ter algumas pequenas partes deles próprios. ”Acabou por encontrar no seu protagonista alguém com interesses e feitio semelhantes, e ajudou o actor de grande poder físico, 33 anos, a conseguir a sua actuação mais intimista, e uma das mais faladas para os prémios dos próximos meses. “O Adam protege-se da mesma forma que eu, pois nunca vê os filmes em que participa, acredita que a sua força reside na capacidade de reagir, e nisso tem razão. ”Tilda Swinton (Só os Amantes Sobrevivem, Os Limites do Controlo) apelida Jarmusch de “estrela de rock” do cinema, e o seu tufo de cabelo branco espetado e os seus óculos escuros ajudam a compor essa imagem. Parecendo espantosamente bem preservado para a idade, sem qualquer ruga à vista, dificilmente levará um estilo de vida rock’n’roll, e nos últimos vinte anos tem passado pelo menos uma semana por mês no seu retiro rural nas Montanhas Catskills. Mostra-se relutante em divulgar o segredo da sua juventude, brincando: “Talvez seja de ocasionalmente beber sangue humano. ”Sendo um produto do punk, afirma que muitas dessas bandas diziam-lhe muito e agora é amigo delas, mas desagrada-lhe se lhe chamamos um cineasta punk. “Preferia que não o fizesse. É certo que sinto que isso faz parte da minha vida, são esses os meus amigos, Joe Strummer, Mick Jones e Don Letts. Sou padrinho dos filhos do Don”, conta. Mas é também fã de hip-hop, admite que não é fechado na sua atitude face à música. “Não gosto de todo o hip-hop, mas gosto de hip-hop desde os seus inícios nos anos 70, porque é uma extensão dos blues. Gosto de soul, e é claro que gosto de reggae. A música reggae dos‘sound-systems’, que foi trazida da Jamaica, foi o início da cultura hip-hop. ”Apenas ouve música, ou também dança?“Não tem nada a ver com isso!”, replica. “Sou mais um ouvinte”, ri-se. “Não sou grande dançarino. Não sei movimentos de breakdance ou coisas do género. ”Mas acredita que nunca se é demasiado velho para apreciar o hip-hop…“Não sei como é que a nossa idade nos pode afastar de algo. E não é só isso, é que também tenho algumas ligações a crianças. Elas ouvem as rádios pop ‘mainstream’ e não quero ser um velho que está sempre a dizer ‘Mas que porcaria é esta que está a tocar?’. Por isso tenho que ouvir Justin Bieber e Selena Gomez e Taylor Swift e tenho que perceber o que é aquilo, e alguma parte daquilo é boa. ”Jarmusch gostaria que os jovens aprendessem alguma coisa sobre poesia, arte e música – e não apenas cinema – com os seus filmes. “Ficaria muito contente, felicíssimo, se algum miúdo no Kansas retirasse alguma coisa dos meus filmes. Mas não sou nenhum curador cultural. Reconheço que sou um diletante e algumas pessoas pensam que isso é negativo. Na minha opinião, isso acontece porque na minha vida não tenho tempo para aprender apenas sobre um tema, por isso interesso-me por todos esses assuntos. Sou um micólogo amador… hã, é a identificação de cogumelos [o seu interesse provém de quase ter morrido após ter ingerido um cogumelo venenoso], e adoro música inglesa do século XVII. Quero apenas absorver as coisas que são importantes. O cinema incorpora e apresenta tantas formas, pelo que, na minha opinião, muitos dos grandes realizadores de cinema são diletantes. Eles sabem de uma data de coisas diferentes. ”Se ainda não o perceberam, eis a prova de que Jarmusch é um coração-mole. Quando lhe perguntamos acerca de como escolheu o cão de Paterson – um filme onde o elemento canino é parte importante da história –, o realizador, que vive em Nova Iorque desde 1977, fica com a voz embargada. “No argumento eu tinha colocado um Jack Russell, porque eles são muito activos e pensei que podia ser divertido. Mas o treinador com que estávamos a trabalhar disse que não tinha nenhum Jack Russell treinado, mas provavelmente conseguiria encontrar algum. Mas sugeriu que eu visse uma bulldog-inglesa chamada Nellie, que vinha de um canil e que era espantosa. Disse-me que não queria interferir no meu processo criativo, mas fez dois comentários relativamente ao argumento. Um é que um Jack Russell tem metade do peso de um bulldog, e que um bulldog seria mais apropriado quando os membros do gangue aborrecem Paterson com comentários acerca de quanto dinheiro valem os cães. Sabe-se que um bulldog para venda nas ruas, especialmente nas zonas mais problemáticas, vale muito mais. Depois recebi os vídeos e conheci a Nellie, ela fez de transexual [diz a brincar, pois no filme o cão chama-se Marvin] e foi incrível. Ou seja, tudo no filme, as vocalizações, os latidos, as rosnadelas, é tudo ela. Não são dobrados de outros cães, ela fez todas as suas habilidades e cenas e foi fantástica. Mas após termos filmado ela ficou com cancro e morreu meses depois. Tinha oito ou nove anos, e nesta raça vivem um máximo de doze anos. Teve uma boa vida como cão estrela de rock. ”Uma das suas maiores influências tem sido Nicholas Ray, realizador de “Rebel without a cause/Fúria de Viver”, que também teve impacto nos realizadores da Nouvelle Vague que Jarmusch tanto aprecia. “Quando eu era novo fui assistente de Nicholas Ray, durante os últimos anos da vida dele”, relembra. “Ele teve um programa de rádio com música dos Appalaches nos anos 30, teve uma companhia de teatro, Bertolt Brecht dormiu no sofá dele, estudou arquitectura com Frank Lloyd Wright, e sabia tudo o que havia a saber sobre pintura e literatura. Conhecíamo-lo mais como um grande realizador, e era um diletante no melhor sentido da palavra. E é isso que sinto que é o meu trabalho. ”Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. A nível pessoal, aproxima-se da abordagem budista no que respeita à forma como encara a vida. Já no tema da religião revela-se particularmente pitoresco. “Sou tipo cripto-budista-ateu. Costumava ser ateu militante, agora já não acredito em dizer a outras pessoas o que elas devem pensar. Creio que as religiões se assemelham à superstição e não gosto de ser controlado por nada daquilo que elas fazem. Não gosto do monoteísmo ou da ideia de um velho com barba lá em cima no céu a julgar-nos após a nossa morte. No que me diz respeito, bem podem fazer o pino e adorar o rato Mickey. ”Após aceitar um investimento financeiro da Amazon, sob a estrita condição de que Paterson seria primeiro exibido nos cinemas, Jarmusch poderá agora até aventurar-se na televisão, pois escreveu um episódio-piloto baseado em Ghost Dog: O Método do Samurai, juntamente com outro dos seus colaboradores habituais na área da música, RZA dos Wu-Tang Clan. “Passa-se no futuro próximo e tem muitas pessoas a viver naquilo que tinha sido o sistema de Metropolitano de Nova Iorque”, explica. “A ideia é eu ser o produtor-executivo, e até poderei dirigir o episódio-piloto. Acho que o argumento é tão bom que eles provavelmente não se interessarão por ele. ”
REFERÊNCIAS:
Francisco José Viegas diz que “os portugueses têm medo do futuro”
O Le Monde esteve em Lisboa para entrevistar Francisco José Viegas – o escritor e criador do inspector Jaime Ramos, não o secretário de Estado da Cultura. “Pertenço a uma geração que a um determinado momento deve responder ‘sim’. E aceitar compromissos. Quando o nosso país atravessa uma crise terrível, escrever em jornais ou em blogues o que deve ser a cultura ou a sociedade, como fazer o cinema sair do marasmo ou salvar as bibliotecas, já não basta...”, diz, o autor de Longe de Manaus, que aceitou trocar os livros por um lugar de secretário de Estado num governo PSD-CDS. (...)

Francisco José Viegas diz que “os portugueses têm medo do futuro”
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 Homossexuais Pontuação: 6 | Sentimento -0.3
DATA: 2012-08-18 | Jornal Público
SUMÁRIO: O Le Monde esteve em Lisboa para entrevistar Francisco José Viegas – o escritor e criador do inspector Jaime Ramos, não o secretário de Estado da Cultura. “Pertenço a uma geração que a um determinado momento deve responder ‘sim’. E aceitar compromissos. Quando o nosso país atravessa uma crise terrível, escrever em jornais ou em blogues o que deve ser a cultura ou a sociedade, como fazer o cinema sair do marasmo ou salvar as bibliotecas, já não basta...”, diz, o autor de Longe de Manaus, que aceitou trocar os livros por um lugar de secretário de Estado num governo PSD-CDS.
TEXTO: “Subitamente, eu, o editor feliz, o escritor sem preocupações, cometi este erro de aceitar um cargo político. Mas, não vamos falar disso pois não?” A reportagem Le Portugal ne rêve plus (Portugal deixou de sonhar), publicada na edição desta sexta-feira do diário francês, é assinada por Yann Plougastel e faz parte de uma série de Verão em que os escritores de policiais ajudam a fazer o retrato do seu país (L’Eté en séries – Série Noire en Europe). O próximo será dedicado à Irlanda com Stuart Neville, autor do best-seller The Twelve. “Acredito que a nossa relação com a Europa não é feliz porque uma parte essencial das nossas raízes continua em África e no Brasil. . . Com a crise, muitos regressaram para lá. Em dez anos, fizemos todas as reformas pedidas pela Europa (o aborto, o casamento homossexual). Foi sem dúvida rápido, mas ao mesmo tempo a nossa economia não conseguiu criar bases sólidas. Estamos muito dependentes da situação espanhola, grega, irlandesa. Perdemos a nossa agricultura, a nossa pesca e a nossa indústria já pouco conta. Só nos resta a nossa cultura e o mar como oferta turística”, diz o escritor ao Le Monde. A falta de capacidade de sonhar que dá título ao artigo explica-a Viegas pela história do país: “Vivemos numa sociedade que perdeu os seus sonhos. Os portugueses têm medo do futuro, de falar. E isto acontece depois da Inquisição, que foi há 300 anos, e de 50 anos de regime fascista de Salazar. Hoje, com a crise, continua. É terrível. ”
REFERÊNCIAS:
Palavras-chave aborto cultura medo casamento homossexual
Warren Sonbert, um cineasta dos gestos
Começa a revelar-se esta segunda-feira na Cinemateca Portuguesa uma obra preciosa: o cinema experimental e humanista de Warren Sonbert. Até dia 14. (...)

Warren Sonbert, um cineasta dos gestos
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 Homossexuais Pontuação: 6 | Sentimento 0.0
DATA: 2012-12-10 | Jornal Público
SUMÁRIO: Começa a revelar-se esta segunda-feira na Cinemateca Portuguesa uma obra preciosa: o cinema experimental e humanista de Warren Sonbert. Até dia 14.
TEXTO: O cinema de Hollywood e as experiências do underground. Música pop, música clássica e ópera. Impressões de Nova Iorque, Europa, África ou do Médio-Oriente. Espaços públicos e momentos privados. Tudo isto faz parte do cinema aberto, frágil e apaixonado de Warren Sonbert (1947-1995), que a Cinemateca Portuguesa revela a público português até ao próximo dia 14. Mas quem foi este cineasta que ainda adolescente se destacou com Amphetamine (1966), filme de uma provocadora languidez (rapazes drogam-se e beijam-se ao som de Where did our love go, das Supremes)? Pese embora um intenso protagonismo até anos 1990, e as retrospectivas que o seu trabalho mereceu, quando pensamos em cinema experimental não recordamos o seu nome. Uma injustiça perfeitamente reparável, nas palavras de Jon Gartenberg, organizador do ciclo e arquivista americano da história do cinema e filmes de vanguarda. “A presença da sua voz e visão na história do cinema experimental é inegável, é um autor tão importante como o Ken Jacobs ou Stan Brakhage, sobretudo pelo como modo como explorava a ideia de edição e montagem”. “Carriage Trade” (dia 11, 18h), obra de 1972, que Jonas Mekas apelidou de “filme-canto”, com imagem recolhidas ao na Europa, Ásia, Africa e Estados Unidos, ilustra muito bem esta asserção: “As imagens são de lugares diferentes, mas ele associou-as através do gesto humano, das texturas, das cores. É isso que as põe em relação para criar uma espécie de sinfonia global que era sua visão do mundo”. Na visão do mundo de Warren Sonbert, homossexual e jovem prodígio do cinema underground dos anos 1960 (gravitou em torno da “família” de Andy Warhol) cabe uma multitude de sons, imagens, referências, sempre justapostas, desvelando-se num processo delicado, evocativo e não linear. A música pop, em particular a da Motown (mas não só) escorre lentamente sobre vários filmes, amplificando sem irrisão o que as imagens figuram: os beijos de Amphetmanine (dia 10, 18h), os gestos dos jovens casais de The Bad and The Beautiful. (dia 10, 18h), um dos melhores filmes do ciclo) ou os encontros e as situações que povoam The Tenth Legion (dia 11, 18h). Já o cinema de Hollywood surge “representado” de um modo mais oblíquo, em fugazes metonímias. Nas imagens dos casamentos e dos casais (um dos motivos recorrente de Warren Sonbert), enquanto promessas de histórias de amor, (de novo) nos gestos (o abraço apaixonado de Amphetamine é uma citação de Vertigo, de Hitchcock) ou na própria estrutura do filme (a montagem de Noblesse Oblige (dia 10, 18h) foi realizada a partir de The Tarnished Angels, de Douglas Sirk)“Ele estudou muito bem a estrutura dos filmes Hollywood. Era um amante do cinema clássico. Escreveu sobre Hitchcock e Douglas Sirk”, lembra Jon Gartenberg, “mas preferiu trabalhar com um estrutura mais aberta e com a ideia de associação na tradição de Dziga Vertov. Por isso as suas obras, em particular as que fez após Carriage Trade, abrem-se, desenvolvem-se perante nós, sem guião. Há uma tensão equilibrada, uma associação não linear de momentos, um pouco como a vida”. É frequente encontrarmos num filme imagens de outro filme. Por exemplo, os casais de The Bad and The Beautiful reaparecem em Carriage Trade, as mesmas imagens de desfiles ou espetáculos de circo atravessam Whiplash (dia 10, 18h) e The Tenth Legion. Ver o cinema de Warren Sonbert é aceder a uma memória e a um arquivo. “Sim, é verdade. Nos processos de pesquisa e estudo da sua obra, à medida que fomos vendo os filmes fomos descobrindo e redescobrindo outros. Ele de facto trabalhava a partir de um arquivo pessoal e histórico que era o seu. Por exemplo, as imagens das manifestações depois dos assassinatos do Harvey Milk são imagens que ele fez [com a sua habitual câmara portátil] e isso para mim é um aspecto fascinante”. Warren Sonbert morreu em 1995, vítima da Sida (e neste ciclo não faltam obras que abordam a sua mortalidade), mas o cinema, intenso e frágil, que nos deixou, permanece eterno. Várias instituições têm colaborado na sua preservação, incluindo a Academia de Artes e Ciências Cinematográficas, mas para Jon Gartenberg ainda há muito a fazer: “Quero reunir e mostrar não só os filmes, mas os artigos que ele escreveu sobre cinema e música. Não só o produto da sua actividade, mas tudo aquilo que a informou. Para tratá-la com a importância que tem, que na minha opinião será a mesma da obra de um Godard ou de um Warhol”.
REFERÊNCIAS:
Palavras-chave adolescente estudo espécie homossexual circo
Na Turquia Apollinaire não é literatura e pode levar à prisão
O editor e o tradutor turcos de um livro de Apollinaire podem vir a ser presos por divulgarem conteúdos obscenos. (...)

Na Turquia Apollinaire não é literatura e pode levar à prisão
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 Homossexuais Pontuação: 6 | Sentimento 0.0
DATA: 2013-08-07 | Jornal Público
SUMÁRIO: O editor e o tradutor turcos de um livro de Apollinaire podem vir a ser presos por divulgarem conteúdos obscenos.
TEXTO: O Supremo Tribunal turco declarou que o clássico da literatura erótica As proezas amorosas de um jovem Don Juan, do escritor francês Guillaume Apollinaire não é arte. Esta decisão pode significar a prisão do tradutor e editor do livro na Turquia, se a próxima sentença considerar o livro pornografia. Na Turquia, a circulação de pornografia fora dos circuitos autorizados é proibida por lei, excepto se estiver em contexto científico ou artístico. Depois de quatro anos de processos em tribunal, o Supremo Tribunal anulou as decisões de tribunais anteriores e confirmou que o livro, publicado pela primeira vez de 1911, não é literatura devido à sua “linguagem simples e vulgar”, lê-se na sentença. O livro que conta experiências sexuais de um jovem de 15 anos, contém segundo o tribunal turco “perversão para com mães, tias, irmãs, pessoas do mesmo sexo e animais”. Esta decisão faz com que o processo volte ao tribunal anterior que fica encarregado de decidir se o livro é pornografia. Se for, o editor Irfan San, premiado em 2010 (pouco tempo depois do início do processo) pela Associação Internacional de Editores com o prémio Freedom to Publish, pode ser condenado a até nove anos de prisão, e o tradutor Resit Imrahor, até seis anos. A decisão de lançar este e outros livros foi, para Irfan Sanci, manter viva a tradição de literatura erótica otomana dos séculos XVII e XVIII. “Se publicássemos esses textos hoje, poderíamos esperar ataques muito mais violentos, porque são bastante mais explícitos que estes livros que publicámos”, disse o editor e noticiou o jornal espanhol ABC. No início deste ano, o governo turco acabou com a lista de livros proibidos que mantinha há décadas, mas a literatura continua a ir a tribunal. Este processo iniciado em 2009 foi aberto também contra o clássico da literatura indiana Kama Sutra, um texto otomano e Conos, do escritor espanhol Juan Manuel de Prada. Ainda no início deste ano, o Ministério da Educação turco tentou eliminar das escolas as obras Ratos e Homens, do Nobel da Literatura John Steinbeck, e Meu pé de laranja lima, do brasileiro José Mauro de Vasconcelos. Não é a primeira vez que obras de Guillaume Apollinaire levam editores a tribunal na Turquia. Rahmi Akdas foi condenado por publicar As onze mil vergas, que foi declarado “material obsceno ou imoral susceptível de despertar e explorar o desejo sexual entre a população”. Akdas recorreu para o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem que decidiu a seu favor acrescentando que a decisão turca impedia o acesso ao património europeu e violava a liberdade de expressão. O processo contra Irfan San e Resit Imrahor está no âmbito do artigo 226 do código penal turco, uma lei contra a obscenidade, mas levanta questões de liberdade de expressão. O Supremo Tribunal apelou na sentença a que a liberdade de expressão fosse usada com “responsabilidade”, defendendo no entanto que a tradução e publicação de um livro não podem ser vistas como actos de liberdade de expressão. “As liberdades podem ser limitadas e sujeitas a regras para prevenir desordens e preservar a moral e a saúde da sociedade”, diz a sentença. Em Maio deste ano, o pianista Fazil Saypor viu anulada a sua condenação a dez meses de prisão com pena suspensa por cinco anos por ter parodiado algumas práticas religiosas islâmicas no Twitter. Para os tribunais turcos, os seus tweets foram insultuosos para o islão. A condenação tinha levado a Comissão Europeia a pedir o "pleno respeito" pela liberdade de expressão na Turquia.
REFERÊNCIAS:
Palavras-chave direitos homens lei tribunal educação prisão homem sexo sexual