A sensibilidade dos Belle & Sebastian na despedida em grande de Paredes de Coura
No último dia do festival, dos Calexico aos Palma Violet ou aos Ducktails, houve muito, e muito bom, para ver. (...)

A sensibilidade dos Belle & Sebastian na despedida em grande de Paredes de Coura
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 Homossexuais Pontuação: 6 | Sentimento 0.0
DATA: 2013-08-18 | Jornal Público
SUMÁRIO: No último dia do festival, dos Calexico aos Palma Violet ou aos Ducktails, houve muito, e muito bom, para ver.
TEXTO: Ouve-se então Assim falava Zaratustra, de Johann Strauss, e as gentes agitam-se, o povo corre porque tem que correr para ver tudo muito bem enquanto outro povo, cansado de cinco dias de actividade e de noites longuíssimas, se mantém imperturbável (leia-se a dormir o sono dos justos, insolentemente esparramado da relva, grosseiramente indiferente às movimentações à sua volta). Assim falava Zaratustra, o épico, usado como Stanley Kubrick nunca imaginaria: como porta de entrada no DJ set dos Justice que encerrou oficiosamente a 21. ª edição do festival Paredes de Coura. Oficiosamente porque depois dos flashes, das passagens por Marvin Gaye, 2 Unlimited, Dandy Warhols, funk e disco e techno e Don’t stop me now, dos Queen, para encerrar a festa em delírio comunal, ainda houve actividade no recinto até altíssima madrugada. O DJ set dos Justice - “portentoso espectáculo de luz e som protagonizado por dois guedelhudos franceses que a juventude deveras aprecia”, dir-se-ia caso o festival estivesse a ser coberto pela RTP na década de 1970 (e não haveria imagens, já que a banda proibiu os fotógrafos de fazer o seu trabalho) -, funcionou como celebração final. O duo ofereceu a música, o anfiteatro foi discoteca e esta discoteca era uma discoteca especial. Há mosh e crowd surf e vê-se ao longe, entre o público, uma cruz (indispensável na iconografia da banda) construída com caixas de sapatos e muita fita adesiva ser engolida pela multidão. Passamos por duas figuras com máscara de cavalo dançando perto de um baloiço, observamos ao longe um rapaz com máscara de lobo e um admirável corajoso coberto de lycra verde, um alien da cabeça aos pés – cerveja na mão, conversa com os amigos do lado, tudo normal, é o último dia de festival, “no pasa nada”. O quarto dia do Paredes de Coura, sexta-feira, fora, como titulámos, “calmo, demasiado calmo”. Felizmente, foi só para enganar: sábado, na despedida, não houve tempo a perder. Tantos focos de interesse. As maravilhosas canções dos Belle & Sebastian a aquecerem-nos o coração e os Calexico em viagem transfronteiriça com trompete mariachi e guitarra pedal steel. Salsa com country dentro e uma versão de Alone again or, dos Love, ou de Love will tear us apart, dos Joy Division, porque há que ser generoso com aqueles entre o público que não sabiam ao que vinham. Isto já com a noite caída sobre o anfiteatro natural, com o sempre incrível céu tão estrelado que o protege e o cenário sempre irresistível das árvores tão altas, tão frondosas e tão iluminadas que se erguem por trás do palco principal. Antes, à tarde, os Ducktails de Matt Mondanile, maravilha dolente, música solar que faz da introspecção uma arma (mas que rocka muito, eléctrica e muito elegante quando a ocasião o pede), trouxeram as canções para fazer esquecer por momentos os Real Estate (a outra banda de Mondanile) que gravaram no óptimo The Flower Lane e anteciparam o futuro com algumas guardadas para nova edição. De caminho, inauguraram uma tendência deste último dia de Paredes de Coura. “Portugal é o meu sítio preferido”, exclamou Mondanile algures, antes de informar que a banda gostou tanto de tudo isto que decidiu ficar mais uns dias pela região e que muito agradecia se alguém os acolhesse. “Somos quatro bons rapazes”, disse então e são mesmo e esperamos que estejam por esta altura muito bem alojados entre Douro e Minho. A tendência foi, então, o elogio ao festival e às suas redondezas. Horas depois, Joey Burns, dos Calexico, estaria a declarar o seu amor ao Minho e ao seu vinho (“o branco, o tinto, o verde, o Touriga Nacional”). Stuart Murdoch, pelos Belle & Sebastian, lá falaria do rio e do banho que não tomou no Coura mas que gostaria de ter tomado (“se ainda fosse um homem jovem”), lá falaria de como o cenário que encontraram é bonito e bonitos são eles, os Belle & Sebastian, mas Murdoch tem razão. Em 2014 há maisQuando o palco principal encerrara actividade e a animação se transferira para o Vodafone FM, os norte irlandeses And So I Watch You From Afar, gente de nervo pós-rock sem espaço para subtilezas, impressionados com o fervor posto no estoirar dos últimos cartuchos pelo público, soltariam um “vamos voltar, temos que voltar”. E muitas horas antes, os londrinos Palma Violets, uma das boas surpresas deste último dia, banda com um álbum no currículo, 180, músicos com os discos de Undertones, Clash (e um par de compilações de garage da década de 1960) bem digeridos e transformados em canções à beira do descontrolo (mas sempre com destino certo bem definido), haveriam de improvisar um comicamente sincero “Portugal I love you, and I always will”. Uma das suas canções tem por título Step up for the cool cats e eles não estão aqui para enganar ninguém. Havia muitos a esperá-los e a celebração não demorou: corpos surfando sobre a multidão, a banda a entregar-se nos braços do público, o novo punk para uma nova geração a iluminar a tarde quente. Despediram-se com 14, só guitarra e bateria (o teclista e o baixista dançavam, saltavam, mergulhavam entre o público), abraço final entre banda e plateia. O último dia do Paredes de Coura 2013 foi precisamente isso. Um longo abraço, ora terno e reconfortante, como aconteceu com os Belle & Sebastian, ora intenso e selvagem, como no mosh pit aberto nos Palma Violet, no crowd surf com o rock’n’roll muito negro, visceral do power trio Bass Drum Of Death, na viagem magnífica dos barcelenses Black Bombaim, acompanhados pelas teclas de Shella, pelos saxofones de Pedro Sousa e por um theremin que deu nova camada a estas digressões psicadélicas tão intensas quanto exploratórias. Olhando em frente, registam-se os factos: a edição 2014 está assegurada e as datas e a primeira banda em cartaz serão anunciadas brevemente. Em balanço muito factual, registam-se as cem mil entradas contabilizadas pela organização ao longo dos cinco dias de festival, três mil das quais de público estrangeiro vindo maioritariamente de Espanha. Guarda-se na memória a enchente para Alabama Shakes, o magnífico psicadelismo dos Unknown Mortal Orchestra e o transe tuaregue de Bombino. Continua-se a debater a performance dos The Knife e a lembrar a festa pop dos Hot Chip ou a perfeição indie dos Veronica Falls. Porque gostamos tanto dos seus álbuns clássicos, lutamos para esquecer o concerto dos Echo & The Bunnymen. E porque o rock’n’roll é uma expressão tão viva e tão libertadora, a memória da aparição a meio da tarde de quinta-feira dos Glockenwise continua a deixar-nos um sorriso no rosto. E depois há o festival para além das bandas: as ruas da vila ocupadas sem resistência, o ambiente bucólico retemperador, as margens do rio Coura e a sensação de que todo este cansaço bom que cai sobre nós ao fim de cinco dias é um conforto para o espírito de quem vê na música um mapa de vida muito preenchido. Para muitos dos que estavam sábado no Paredes de Coura, os Belle & Sebastian estão nele abundantemente representados. Perfeito, portanto, vê-los na despedida em grande de um festival como este. Foram, nos anos 1990, refúgio seguro das inseguranças de quem apanhava então com a vida de frente. Foram vitória da sensibilidade de quem quer encontrar sentido nas coisas, trouxeram Bacharach e a Motown (e os Smiths e os Feelies e por aí fora) para novas canções. Ofereceram-nos um guia que podíamos seguir, conduzidos pela Sukie que passeia pelo cemitério, pelo Boy with the arab strap, pela Judy and the dream of horses – só para ficarmos por canções visitadas no concerto. Hoje, Stuart Murdoch pode ser velho para ir dar uns mergulhos no rio, mas as canções, estas canções interpretadas pela trupe de músicos (a que se juntaram quarteto de cordas e metais português), não têm uma ruga que seja. A terceira passagem por Portugal, depois de um Sudoeste de 2002 e de um Coliseu lisboeta em 2006, mostrou-o novamente. Nos rostos de quem estaria a aprender a ler quando os Belle & Sebastan editaram Tigermilk, o álbum de estreia, em 1996, e que cantava letra após letra nas primeiras filas. Nos passos de dança do muito feliz Stuart Murdoch; no sorriso do seu fiel escudeiro, o guitarrista Stevie Jackson; na forma como recebíamos canção após canção como conhecidas de longa data que não perderam nenhum do encanto – I want the world to stop é desejo que não nos abandonou e as Stars of track and field são tão bonitas como quando lhes pusemos os olhos pela primeira vez. Bolas de sabão atravessam o ar enquanto ouvimos Sukie in the graveyard e o cenário não podia ser mais apropriado – até porque a delicadeza da música dos Belle & Sebastian esconde manchas negras sob a superfície límpida. Dançamos depois o stomp Motown de If she wants me, vemos Stuart Murdoch chamar pela segunda vez público ao palco porque dançar sozinho não tem piada e duas mãos cheias de gente juntam-se à gente que tocava Simple things. Já não há separação entre palco e plateia e Boy with arab strap e Legal man depois dela são cantadas por um Stuart Murdoch rodeado de rostos felizes. Chega Judy and the dream of horses, essa Judy que “who never felt so good except when she was sleeping”. Chega o encore, Murdoch avisa que só há tempo para mais uma canção e pensamos no que ouvimos e no que queríamos ainda ouvir. Não ouvimos Like Dylan in the movies. Veio Get me away from here, I’m dying. Não ficámos a perder, ficámos de alma preenchida. O delírio Justice seguir-se-ia dentro de momentos. A edição 2013 de Paredes de Coura despedia-se. Uma despedida em grande.
REFERÊNCIAS:
Mentira, fascismo e Bolsonaro: assim se votou em Lisboa
Na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, onde os brasileiros votaram, alguém escreveu "fascismo sempre" numa mesa. E pôs o nome de Assunção Cristas numa lista de políticos anti-imigração. Apoiantes de Bolsonaro negam posições fascistas de candidato. (...)

Mentira, fascismo e Bolsonaro: assim se votou em Lisboa
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 Africanos Pontuação: 2 Mulheres Pontuação: 2 Homossexuais Pontuação: 6 Migrantes Pontuação: 9 | Sentimento 0.0
DATA: 2018-10-29 | Jornal Público
SUMÁRIO: Na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, onde os brasileiros votaram, alguém escreveu "fascismo sempre" numa mesa. E pôs o nome de Assunção Cristas numa lista de políticos anti-imigração. Apoiantes de Bolsonaro negam posições fascistas de candidato.
TEXTO: “Não deixe seu celular virar seu inimigo, fuja das fake news. ” A frase está em cartazes pendurados na entrada da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, onde funcionou neste domingo uma das secções de voto em Portugal para as eleições presidenciais brasileiras. Mas a mensagem não chegou a tempo para alguns dos que se deslocaram à Faculdade – onde estão registados mais de metade (são 21 mil) de todos os eleitores brasileiros (um total de quase 40 mil) em Portugal, num universo de quase 85. 500 cidadãos a viver no país. Bolsonaro ganhou aqui com 64, 4% dos quase sete mil votos válidos, ultrapassando a votação que tinha tido em Lisboa na primeira volta. Diane Almeida, 29 anos, está com a filha ao colo e não tem problemas em revelar que irá votar no candidato de extrema-direita, Jair Bolsonaro, porque tem “a esperança que faça a diferença” e porque o Partido do Trabalhadores (PT, esquerda, cujo candidato é Fernando Haddad) é “uma corja de corrupção”. Mais difícil é admitir que subscreve as ideias do candidato que disse abertamente ser a favor da tortura e da ditadura militar, que proferiu discursos de ódio homofóbico e racista e que não tem pudor em defender posições machistas nem afirmar que irá banir os opositores. Estão disponíveis na Internet, em vários vídeos no YouTube, as imagens do próprio Bolsonaro a dizer: “Sou favorável à tortura”, “fecharia o Congresso nacional”, “durante a ditadura militar só desapareceram assaltantes e marginais”, “ter filho gay é falta de porrada”, “os afrodescendentes dos quilombos não servem nem para procriar” ou “vamos fuzilar a petralhada aqui do Acre". Diane Almeida afirma, com segurança, que todas essas ideias “são invenção da media”. “Nunca ouvi ele a dizer nada disso. É tudo mentira o que a media fala. Se ele fosse racista não teria negros trabalhando com ele, se ele fosse machista não teria mulheres [na equipa]. ” O marido subscreve e Diane Almeida, há 12 anos a viver em Portugal, afirma imediatamente, em tom de confronto: “Se você está a fazer essas perguntas [sobre Bolsonaro] é porque é PT. ”Empregada de mesa, é através do Facebook e das redes sociais que se informa. A negação sobre as ideias de Bolsonaro é, aliás, comum a vários dos apoiantes com quem o PÚBLICO falou. A engenheira civil Imaculada Moreira, 58 anos, dá respostas semelhantes. Está com o seu iPhone a fotografar o momento. Não quer dizer explicitamente em quem vota, mas fica claro que será em Jair Bolsonaro. “No PT não votarei nunca na minha vida”, afirma. “Com certeza quero votar pela mudança. Aí você já vê em quem vou votar. ”Com uma empresa no Brasil, vive parte do ano em Portugal e parte no Brasil. Quando lhe perguntamos se não teme o regresso da ditadura militar responde: “Ele não é um ditador, ele não tem soldados ao lado dele, tem técnicos. Não vai existir ditadura. ”Ideias de extrema-direita ninguém tem coragem de defender abertamente, mas houve quem escrevesse numa mesa do restaurante da Faculdade de Direito, no andar de baixo do local onde as pessoas votam, "fascismo sempre", ao lado das palavras “Montijo”, “#assunção, #orban, #salvini” – referência a Assunção Cristas, líder do CDS que disse preferir não votar em nenhum dos candidatos, e a dois políticos anti-imigração, Viktor Órban, primeiro-ministro húngaro, e Matteo Salvini, ministro do Interior italiano. Na mesa pode ainda ler-se: “Quem se sentar aqui é merdas (e gay). ”A ocasião serve também para encontros. Há grupos a conversar aqui e ali. Edylamar Sousa, governanta doméstica num lar, está a ser fotografada pela amiga na escadaria da entrada da Faculdade de Direito. “A violência não se combate com violência”, diz. "Sou 13” – o que quer dizer que apoia Fernando Haddad. Há filas de carros e filas de gente à porta das urnas. José Roberto Pinto, cônsul do Brasil, afirma que está “tudo correndo bem” e tranquilamente, sem desacatos ou tensão. Na primeira volta, a 7 de Outubro, houve problemas provocados por apoiantes de Bolsonaro. “Aparentemente”, há uma “óptima afluência”. Aqui, a primeira volta teve 35% de participação e deu a vitória a Jair Bolsonaro com 56% dos votos. Uns levam a bandeira do Brasil pelas costas mas muitas pessoas vestiram T-shirts mostrando de que lado estão da barricada. Umas mais explícitas, com a cara de Bolsonaro, outras com frases completas. Maria Elisa Oliveira tem estampada na T-shirt branca: “Covarde é quem joga fogo no circo e foge. ” É um “recado para quem está botando fogo no Brasil e vem para Portugal”, é para quem “enfiar a carapuça”, explica esta reformada de 61 anos que lamenta a “desinformação que faz com que essa gente vote Bolsonaro”. “Não é preciso muito, não: se for ao Google vai ver as coisas da boca dele”, diz. Mas “Deus está no comando”. Embora ainda esteja indecisa a minutos de votar, Linda Sales diz que não escolhe “nenhum dos dois; são dois extremos”. Professora do secundário reformada, há 31 anos em Portugal, Linda e a filha Juliana, de 41 anos e publicitária, irão provavelmente votar em branco: “É uma eleição de valores. De um lado, um partido que roubou e, do outro, um cara que não tem formação, não tem um plano definido. ”Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Foi Gisele Fernandes, do colectivo Andorinha – Frente Democrática de Lisboa, quem chamou a atenção para a propaganda fascista. Conta que a mesa do restaurante onde estavam aquelas palavras chegou a ser vista limpa por pessoas que estavam no seu grupo, apoiante do PT - ou seja, alguém escreveu aquilo este domingo. “Já há indícios de uma onda fascista na Europa e aquela mensagem mostra que Portugal também corre o risco de abrir uma tendência fascistóide. Quando um político português se posiciona como neutro face a um candidato no Brasil com características fascistas a gente preocupa-se. É sintomático o nome dela [Assunção Cristas] estar naquela lista. ”Gisele Fernandes e os amigos tentaram apagar, não conseguiram. Mas inclinaram as cadeiras para que as pessoas não se sentassem. O objectivo era que não fossem influenciadas por “propaganda fascista em pleno acto eleitoral”. “Foi um acto de repúdio”, comentou.
REFERÊNCIAS:
A geração da Net está sem rede
Os adolescentes de 12 a 15 anos têm uma experiência diferente da Internet. Estão dentro dela, todo o tempo, não distinguem o real do virtual. Que oportunidades e perigos os esperam? (...)

A geração da Net está sem rede
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 Africanos Pontuação: 2 Mulheres Pontuação: 2 Homossexuais Pontuação: 6 | Sentimento 0.0
DATA: 2017-09-24 | Jornal Público
SUMÁRIO: Os adolescentes de 12 a 15 anos têm uma experiência diferente da Internet. Estão dentro dela, todo o tempo, não distinguem o real do virtual. Que oportunidades e perigos os esperam?
TEXTO: Marta Gonzaga, 14 anos, 9. º ano, Funchal. Nem precisa de sair da cama. Basta estender um braço para enviar à melhor amiga, por Snapchat, uma imagem sua a acordar, mas só por um segundo, talvez dois, para que a amiga não se fixe nos pormenores. Pode ver um vídeo de cinco segundos de alguém conhecido a lavar os dentes, actualizar fotos de alguns desconhecidos que adicionou no Instagram, congelar num screenshot um momento banal registado do outro lado do mundo. Selfies no Instagram, acha feio. E chat no Facebook é pouco autêntico. “Já ninguém usa o Facebook. Há um ano, sim, mas agora…” A competição pelo número de “likes” é uma infantilidade do passado. Uma obsessão inútil por “ser ou não ser muito popular”. Que importância tem isso? “Tudo é falso no Facebook. Os verdadeiros amigos estão no Twitter. É um ambiente diferente. ”Tudo o que escreve no Twitter tem destinatário: os elementos da banda One Direction. Nunca responderam, mas “só de escrever as frases uma pessoa já se sente melhor”. Tal como formular desejos na Fandom da banda ou despejar milhares de caracteres de histórias inventadas com o One Direction Harry contracenando com outras celebridades, no site para jovens escritores Wattpad. As fics (fanfiction) de Marta são de leitura proibida a amigos e família, fintados com nicknames e passwords, embora já tenham ultrapassado as 27. 840 visualizações, todas de leitores desconhecidos. Cada um dos 1700 seguidores recebe uma notificação sempre que Marta “lança ao mundo” um novo capítulo, tal como ela (e outros mil milhões de seguidores) foi notificada de cada um dos 300 capítulos da série After, que a americana Anna Todd foi publicando na Biblioteca Virtual, antes de os ler na íntegra no ecrã do telemóvel. E de ter respondido com comentários, sugestões e desabafos, no Wattpad, Fandom, WhatsApp, Instagram, Snapchat ou Twitter, em forma de emojis, abreviaturas ou onomatopaicos, sobre a vida social ou íntima dos One Direction, das amigas ou de si própria. “Vou de férias mpts (meus putos)” e “Naqueles momentos em que a mãe grita contigo e tu finges que não ouves” são exemplos das frases que Marta lança no Twitter, para depois contar os retweets que provoca, as reacções do género “ahahah”, ou :) (smile), ou mesmo as reaction picture (selfies que as amigas fizeram com a cara com que reagiram ao tweet). Tudo isto sem sair da cama, no seu quarto, onde é notório que a secretária nunca é usada, enquanto André Nunes, 12 anos, 7. º ano, Parede, Cascais, faz vigílias madrugada fora com dois monitores abertos ao mesmo tempo, um com o jogo multiplayer online League of Legends, ou Minecraft, ou Watchdog, outro com o Skype dividido em cinco chamadas simultâneas onde vai comentando o jogo com os amigos, e talvez ainda um vídeo no YouTube com explicações sobre o jogo, além do Facebook, as sms do telemóvel e provavelmente a PlayStation. Por vezes fica online seis ou sete horas seguidas, com a mãe no quarto ao lado a ameaçar desligar o router e a irmã a queixar-se da sobrecarga da rede que a torna lenta quando ela quer ver um filme no Wareztuga. pt, falar com as amigas no Facebook e constituir família no jogo Sims. Mafalda Nunes, 13 anos, 8. º ano. Todas as suas conversas importantes decorrem online. Tem uma amiga com quem fala todos os dias no Facebook. Foi ela que colocou na rede social fotografias dos cadernos e dos apontamentos, quando Mafalda faltou às aulas por ter estado doente. Não há nada que não possa ser feito online, excepto ler livros, que Mafalda prefere em papel. Em tudo o resto, a Net é preferível à realidade. Nem a praia consegue competir. Não há tanta vontade de sair, ou de namorar, como, com a mesma idade, acontecia com a geração anterior. Comprar roupas de marca também já não é importante. Ter um iPhone, sim. Não é o mesmo que usar um qualquer smartphone de marca branca. Desculpa: a velocidade. Mafalda vem à porta do quarto. “Quem está a usar a Net? Está tão lenta. O pior que há é a lentidão. ” A mãe manda André para a cama. Desculpa dele: “É frustrante sair a meio de um jogo. Porque tem de se recomeçar. Nos jogos online os jogadores têm penalizações se interromperem a partida a meio. Podem ficar impedidos de jogar por uma semana. ”Sofia prefere viajar. Sofia Lucas, 12 anos, 7. º ano, Braga. O Google Earth é o seu site favorito. Foi lá que conheceu Paris, Nova Iorque, Roma, Washington, Londres, lugares que quer visitar na realidade. Também gosta de jogos, e conversa com as amigas no Facebook, onde também começou a namorar. Foi um caso que começou e acabou por via digital. O primeiro contacto aconteceu na realidade, mas aí o rapaz não se declarou. Admitiu mais tarde: “No primeiro dia em que te vi, achei que irias ser minha namorada. ” Mas guardou a conjectura para si. Só no Facebook a inclinação ganhou realidade. Foi lá que se declarou, no Dia dos Namorados, e foi por sms que pôs termo a uma relação de 111 dias e mais de 5 mil mensagens (uma média de 50 por dia). Fê-lo movido pelo pragmatismo, quando Sofia mudou de escola: “Não te vou ligar mais, arranjei outra. ”A 400 quilómetros de distância, Duarte podia ter assistido a tudo isto, se usasse as suas técnicas hackerianas preferidas de Man in the Middle. Mas ele prefere usar as suas armas para o Bem. Duarte Marques, 14 anos, 9. º ano, Carnaxide, Oeiras. Aprendeu muito cedo a usar computadores, porque o pai tinha uma empresa de informática. Começou por um Magalhães, que lhe foi atribuído na escola. Um “Gamalhães”, diz ele, com que conseguia “gamar” música, software, ou tudo o que quisesse. Agora, sente que sabe mais do que a maioria, o que é uma forma de poder e uma responsabilidade. É contra a pirataria, mas a favor da total liberdade na Web. É Anonymous. Tem a máscara de Guy Fawkes, que encomendou pela Net, em três versões — normal, dourada e prateada. Tenciona usar a Internet para mudar o mundo, que vê dominado pela corrupção, o crime e a injustiça. “O que pretendo é mudar o sistema político, do mundo em geral. ” Através de sites de hactivismo, e da rede do Anonymous, imagina-se a praticar acções de rebeldia com consequências significativas, embora planeie vir a trabalhar numa grande empresa, como consultor de segurança informática. “Leio muitos artigos sobre Internet e informática. O conhecimento é gratuito e é poder. Quanto mais conhecimento reunirmos, mais poder temos. ”Ainda não lançou nenhum grande ataque, e nunca o fará de forma gratuita. Apenas umas habilidades, para treinar. “Com o Skype, consigo desligar o router de outra pessoa”, diz Duarte. “E posso interceptar comunicações no Skype, que não são encriptadas. ” E inserir intempestivos scripts ou pop-ups quando as pessoas estão a navegar por um site qualquer. E aquelas imagens esquisitas, por exemplo um cavalo a galopar só com duas pernas, que apareceram no meio da projecção powerpoint da professora? Foi ele, confessa. “Tive pena. Por vezes as professoras querem o nosso bem, não são demoníacas. ” É alterar as notas ou as faltas, que a professora introduz no portal da escola? “Esses sistemas são muito vulneráveis. Era muito mais difícil dantes ver o caderno onde os professores registavam as notas. Os professores ainda guardam algumas notas num caderno. Essas são as mais difíceis de ver. ” Entrar no site para mudar uma nota ou uma falta é portanto fácil. Se Duarte o fez ou não, é informação secreta. Que o pode fazer, isso sim, gosta que se saiba. Um dos objectivos de todas as acções dos Anonymous “é serem levados a sério”. Não cometem “actos ilegais que não façam sentido”, mas acham importante fazer sentir o seu poder. “Anonymous é uma comunidade. Não é um grupo para onde se entre ou a que se pertença. Quem quiser ser Anonymous é. Basta ter esta atitude, de resistir contra o sistema. Estamos atentos ao que acontece. Vemos tudo. Estamos em todo o lado. Somos o teu vizinho, o teu amigo, o teu professor. ”Atirar sites abaixo pode ser um aviso, uma demonstração de poder e revolta. Quanto mais importantes e mais supostamente invulneráveis forem os sites, melhor. O do PÚBLICO, por exemplo. Duarte pode fazê-lo colapsar, se quiser. “Fácil. Basta um telemóvel e a ajuda de uns tantos amigos. Posso experimentar? Só como teste, para ver até que ponto o site é vulnerável ou não? Mas depois pode levar semanas até que se consiga trazê-lo de novo à vida. ” No dia da publicação da reportagem, hoje, domingo, 5 de Abril, o PÚBLICO sofreria um eclipse. Ficou no ar a possibilidade. Não serias capaz de o fazer, Duarte!A Internet tem mais de 20 anos, mas nos últimos cinco transformou-se qualitativamente. Não só multiplicou as possibilidades, com aplicações que permitem fazer quase tudo de forma virtual, mas também se tornou ubíqua. Até há pouco tempo, ia-se à, ou usava-se a Internet. Agora estamos na Net em permanência, através dos portáteis ou dos smartphones, por redes wifi ou 4G. Já se tinha identificado uma geração de “nativos digitais”, ou de “millennials”, mas só muito recentemente surgiram entre nós os primeiros seres totalmente conectados de nascença. Há quem lhes chame “hyperconnected” ou “cyberkids”, mas a verdade é que ainda não há nome para a nova espécie, e pouco se sabe sobre o que são ou virão a ser. Para eles, escrever à mão num papel é uma actividade arcaica apenas obrigatória pela teimosia jarreta de alguns professores ou pais. Comunicar é algo natural, que não implica deslocações nem gastos, o conhecimento está disponível em quantidades ilimitadas, a informação brota de todo o lado, sem filtros nem critérios de validação, não há distâncias nem obstáculos, o consumo de arte e cultura é fácil e gratuito para todos, e a sua produção também, o que é real e virtual confundem-se, a liberdade é uma evidência e uma vertigem, a privacidade uma noção cada vez mais longínqua. Que oportunidades e que perigos esperam os jovens que têm agora 12, 13 ou 14 anos? Serão donos de poderes nunca vistos ou estarão a posicionar-se para serem escravos? Servirá a sua fabulosa vida online apenas para os colocar à mercê de eventuais ditaduras do futuro?Muitos dos perigos da vida online têm sido estudados e objecto de campanhas de informação dirigidas aos adolescentes e aos pais, hoje conscientes dos riscos relacionados com a pedofilia e vários tipos de crimes. Cuidados como o de não colocar fotografias de menores nas redes sociais, não divulgar moradas ou números de telefone, não aceitar desconhecidos como “amigos” são já mais ou menos habituais, segundo os conselhos divulgados pela polícia nas escolas. As práticas de cyberbullying, ostracismo ou violência também têm sido alvo de alguma atenção. O mesmo com o vício e uso excessivo da Internet, e com os problemas da imagem e da reputação, sob o ponto de vista da aceitação social e da obtenção e manutenção de emprego. Mas ninguém está a informar os jovens sobre a vulnerabilidade global e irreversível que vem com a imersão no mundo digital. Todos os nossos gestos digitais deixam uma pegada e podem ser gravados, descodificados, processados. Sabe-se que empresas usam dados fornecidos por redes sociais para conhecer os padrões de consumo dos utilizadores e orientarem as suas campanhas de vendas. Sabe-se também que agências de informação de governos acedem aos nossos telefonemas, mensagens, emails, conversas no Facebook, Twitter ou Skype, além de registos de despesas com cartões de crédito, levantamentos multibanco, sinais de localização de redes móveis e de GPS, imagens de câmaras de vigilância, etc. Quanto maior for a porção da nossa vida que decorre nos dispositivos digitais, maior é a nossa exposição. Em breve não será possível dar um passo sem ser controlado por alguém. Há inegáveis vantagens nesta realidade e podemos optar por aceitá-la. Mas será possível a opção contrária? Ou estabelecer limites?Para Teresa Paula Marques, psicóloga e directora clínica da Academia de Psicologia da Criança e da Família, a concluir uma tese de doutoramento sobre Facebook, Riscos e Oportunidades, uma das noções a ter em conta é que já não há distinção entre mundo real e mundo virtual. Para os jovens, é o mesmo ter falado com um amigo pessoalmente ou através do Facebook. “São duas faces da mesma realidade. ” Por isso, é de esperar comportamentos idênticos. “Os adolescentes gostam de ser vistos por todos, admirados pelos seus pares. As meninas pela beleza, os rapazes pelas façanhas. São muito populares o desafio da canela (em que se ingere canela até ao vómito), o desafio do desmaio, as fotografias em locais arriscados. No Facebook, o efeito que temos nos outros é mensurável imediatamente pela quantidade de ‘likes’. Estes têm um grande impacto na auto-estima. Se forem poucos, a tendência será para acentuar as acções. No caso das meninas, para usar biquínis mais ousados, no dos rapazes para fazerem coisas mais perigosas. É por isso que o comportamento no Facebook tende a ser excessivo. ”Pelo mesmo motivo, são geralmente mais intensas, nas redes sociais, as manifestações tanto de afecto como de agressividade. “Há páginas de ódio e perseguição, e é difícil descobrir quem está por trás. Há casos de assédio online, são enormes os riscos de cyberbullying e de sexting, em que os namorados divulgam na Net, após terminada a relação, as fotografias íntimas que a rapariga lhe enviou. Mas por outro lado é muito fácil ‘desamigar’ alguém. Mais do que na vida real. E os estudos mostram que ser ‘desamigado’ tem um impacto negativo fortíssimo nos jovens. ”Uma das consequências inevitáveis da vida na Net é a confusão entre os níveis de privacidade e de intimidade. Entre estes e o nível do que é público, os jovens são capazes de distinguir. Mas o que é íntimo passa facilmente para a esfera do que é meramente privado, explica Teresa Marques. “As pessoas expõem facilmente a sua orientação sexual, ou outras informações íntimas, o que as torna particularmente vulneráveis. ” Fazem-no porque não têm a consciência da verdadeira dimensão das audiências que podem atingir, nem do carácter indelével das informações disponibilizadas nas redes sociais. “Tudo o que está no Facebook é eterno e pode vir a ser perigoso mais tarde. ” Quanto à noção da existência de poderes superiores, de alguma entidade que venha a pretender ter poder sobre nós e de quem nos deveríamos proteger, os jovens não a conhecem. Não identificam ninguém que devessem temer ou de quem fosse prudente esconder alguma informação íntima ou confidencial. Apenas um ser representa para eles uma autoridade simbólica, uma entidade com quem há que ter mil cuidados, a quem não se pode mostrar tudo. Não, não é a NSA, nem a Administração americana, o Estado Islâmico, as grandes empresas multinacionais ou o Clube de Bilderberg. É a avó. Por ela se pratica a autocensura e se faz uma criteriosa regulação dos botões de privacidade do Facebook. “O que não gostarias que a tua avó visse” — este parece ser o único limite à liberdade dos jovens na Internet. A avó é a última fronteira. Ana Jorge, investigadora da Universidade Nova de Lisboa, a realizar um pós-doutoramento sobre Culturas dos Media e Consumos Infanto-Juvenis, cita a investigadora americana de redes sociais Danah Boyd para explicar o conceito de “colapso dos contextos”. Os jovens “perderam a capacidade de seleccionar discursos diferentes para audiências diferentes. Não têm consciência de que o que dizem estará disponível para vários tipos de públicos”. E, se as campanhas educativas têm sido bem sucedidas no que respeita às práticas de prevenção da criminalidade através da Internet, falta toda uma educação para a cidadania no que respeita ao uso consciente da Rede. Por exemplo no que respeita à partilha de informação e ao uso de dados. “As redes sociais não são de graça. No Facebook estão a gerar valor para os anunciantes. Nós somos audiência. ” Para Ana Jorge, é arriscado falar de características próprias de gerações, porque não se pode generalizar excessivamente. Os estudos mostram que há muitas diferenças e muitos ritmos no seio de uma mesma geração, clivada por grupos sociais, culturais ou regionais. As camadas mais pobres, por exemplo, são mais vulneráveis aos riscos da Internet. Numa família onde os pais não dominam as tecnologias, é menos provável que os filhos lhes contem os problemas que encontram ou aceitem os seus conselhos. Não reconhecem autoridade a quem não domina os gadgets ou a terminologia que lhes está associada. Também as raparigas são mais vulneráveis do que os rapazes, e os jovens de alguns países mais do que os de outros. Entre os países da União Europeia, Portugal é um dos que apresentam um hiato maior entre a literacia digital de pais e filhos. Há toda uma geração iniciada nos computadores com a campanha dos Magalhães nas escolas. Foi um factor de unificação dos jovens, mas não dos pais. “Devido ao Magalhães em 2008 e ao projecto E-Escola, Portugal é um dos países europeus onde é maior o número de famílias onde são os filhos que sabem mexer nos computadores”, diz Ana Jorge. Em parte por este motivo, Portugal é também um dos países onde os jovens acedem mais à Internet sozinhos a partir do seu quarto. Os pais associam o uso dos computadores à realização dos trabalhos escolares, pelo que abdicam de vigiar as actividades dos filhos na Internet. Neste sentido, os adolescentes portugueses, em particular os provenientes de famílias com níveis educacionais mais baixos, são particularmente vulneráveis aos perigos do mundo digital. Se surgem problemas, a mãe sabe que ajudar a filha passa por dominar os mesmos meios. Uma vez, uma amiga de Sofia começou a ter um comportamento reprovável. Enviou mensagens e fez comentários sobre ela com outras amigas, mexeu nas suas coisas no cacifo da escola. Vânia pediu-lhe amizade no Facebook. Quando ela aceitou, fê-la explicar o que se passava, a responsabilizar-se e a corrigir o comportamento. “Se eu tivesse ido falar com a mãe dela, não teria resultado. O Facebook foi a solução. ”Os pais de Mafalda e André sabem da sua vida escolar através da plataforma Inovar, onde os professores registam as notas, faltas, sumários e outras observações, além das despesas do cartão de refeições. Sofia Martins, a mãe, dá grande liberdade aos filhos nos contactos com amigos nas redes sociais, porque viveram oito anos em Oleiros, uma aldeia da região de Castelo Branco, e perderam o contacto com os colegas. Agora vivem na Parede mas falam com eles todos os dias. A mudança não foi tão traumática graças à Internet. “Falo sempre com a minha melhor amiga, que será sempre a minha melhor amiga”, diz Mafalda. Sem a Net, a vida seria muito diferente. Uma vez, lembram-se de que a electricidade falhou. “Estivemos assim cinco horas, não sabíamos o que fazer”, diz André. “Foi dramático. ” Mafalda acrescenta: “Foi o fim do mundo. ”Marta mostra mensagens que trocou com o suposto primo. “Diz qualquer coisa sobre ti”, perguntou ela. A resposta: “” (gosto de pés). Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. O star system na Net é muito próximo da loucura. Há ídolos que nasceram no YouTube e nunca fizeram nada na vida real, os fandoms de bandas como os One Direction reúnem milhões de fãs que escrevem e lêem histórias inventadas, virtuais, sobre os rapazes da banda e se automutilam realmente quando um deles, Zayn Malik, abandona o grupo. “Eu sei que a música deles não é muito boa”, diz Marta. “Eu dantes gostava de Grunge, dos Red Hot Chilli Peppers, e não é a mesma coisa. Mas os One Direction são o meu guilty pleasure. ” Apesar de toda a sua vida online, Marta gosta de ler livros em papel. E de capa dura. Anda a ler vários clássicos. Anna Karenina, Jane Eyre, todo sublinhado. Orgulho e Preconceito em inglês. Sabe passagens de cor. Diz sem hesitar: “If your feelings are still what they were last April, please tell me so at once…”A mãe de Duarte, Ana Bastos, não lhe paga a Internet no telefone, mas ele “rouba” o sinal das redes que apanha por todo o lado. Conhecimento é poder. E a única saída para quem vai viver num mundo dominado pelo digital. “Hoje, os mais jovens são mais responsáveis”, diz ele. Porque já sentem na pele o que lhes vai acontecer. Duarte vê o futuro com preocupação. “A tecnologia muda a personalidade das pessoas. A maioria vai ser como robôs. Mas alguns vão ser mais livres. Your ignorance is their power. Wake up!” Duarte imagina no futuro uma espécie de regresso da Idade Média. “Na época feudal, o povo era escravo, mas isso soava-lhes normal. A mente deles estava fechada. Não tinham capacidade para se revoltarem. Agora parece-me que essa realidade está a voltar. Na sua maioria, as pessoas são simples. Não vão reparar que estão a ser usadas. ” Quem quiser resistir tem de fazê-lo dentro da Internet. De certa maneira, “a terceira guerra mundial já começou, é a guerra digital”. No futuro, Duarte imagina-se, se necessário, a ter duas vidas, uma normal, no emprego, seguindo as regras, outra como Anonymous. “A Internet não pode ser controlada. A Internet não é um país. ”
REFERÊNCIAS:
25 anos de Simpsons: recordações da família amarela
A família com mais longevidade da televisão está connosco há 25 anos. Bush, os Ramones, guerras, Stephen Hawking, Elizabeth Taylor ou Family Guy. Todos têm um papel na nossa história com Homer, Bart, Marge, Lisa e Maggie. (...)

25 anos de Simpsons: recordações da família amarela
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 Africanos Pontuação: 2 Homossexuais Pontuação: 6 | Sentimento 0.0
DATA: 2014-12-18 | Jornal Público
SUMÁRIO: A família com mais longevidade da televisão está connosco há 25 anos. Bush, os Ramones, guerras, Stephen Hawking, Elizabeth Taylor ou Family Guy. Todos têm um papel na nossa história com Homer, Bart, Marge, Lisa e Maggie.
TEXTO: Há 25 anos, as famílias televisivas eram perfeitas. Ou, vá, perfeitas à imagem do seu tempo. Nos anos 1970, Archie Bunker era racista e misógino, mas o resto de Uma Família às Direitas punha em xeque e tornava piada a sua intolerância. Nos anos 1980, os Keaton eram os idealistas baby boomers, os sonhadores de esquerda que provavam que Quem Sai aos Seus tem espaço para um fã de Ronald Reagan no filho mais velho. Nos anos 1990, passou a haver não uma ovelha negra mas várias na família televisiva da década. Homer, Bart, Marge, Lisa, Maggie estão na TV há 25 anos. Uma tem um cabelo azul penteado como A Noiva de Frankenstein e esconde a sua inteligência para não condicionar o marido; esse é um glutão bêbado com responsabilidade e pedagogia zero; a bebé não largou a chucha e mal aprendeu a falar em 25 anos e as outras crianças ou andam de skate e lata de spray a aterrorizar Springfield ou a ser sabichonas eternamente presas nos 8 anos de idade. Começaram a aparecer, menos redondos, mais tremidos mas ainda assim muito amarelos, como um sketch no The Tracey Ullman Show em 1987 (foi transmitido em Portugal pela SIC) e passados dois anos chegavam ao horário nobre de um canal em vias de afirmação nos EUA, a Fox. Hoje são o programa de ficção que há mais tempo está no ar na história da TV norte-americana, têm 31 Emmy, um prémio Peabody e não há história do século XX ou da televisão que não coloque a criação de Matt Groening na lista dos seus melhores produtos – para a Time, foi mesmo a melhor série de televisão de sempre. Os Simpsons eram “um motim existencial sobre os terrores do lar, do trabalho e da escola”, “entretenimento para adultos que é também fixe para os miúdos”, como escreveu o USA Today em 1990, citado pelo site Vulture. Nasceram quando Roseanne apresentara já ao reino das sitcom uma família de três filhos com dificuldades financeiras e ambos os pais a trabalhar fora de casa, lembrou a Newsweek, com uma “irreverência que torna Os Simpsons uma novidade tão promissora no horário nobre”. “Definitivamente uma família para os 90s”, postulava o Seattle Times. A família Simpson, no seu emblemático amarelo (que o criador Matt Groening oscila entre explicar que foi apenas a cor que “parecia certa” quando lhe foi apresentada por um animador ou que era o tom ideal para que todos identificassem o programa ao fazer zapping), chegou ao mainstream antes da televisão-choque. Homer já estrangulava Bart meses antes de Laura Palmer ser assassinada – atenção a um spoiler com 24 anos, mas ainda assim um spoiler – por um pai possuído em Twin Peaks. E Lisa já tocava o seu saxofone no horário nobre dois anos e meio antes de Bill Clinton, ainda candidato ao primeiro mandato como Presidente dos EUA, pegar no saxofone para ganhar votos no talk show de Arsenio Hall. A família amarela era quase mais humana do que a América real. “Basicamente desenhei a minha própria família. O meu pai chama-se Homer. A minha mãe Margaret. Tenho uma irmã Lisa e outra Maggie, por isso desenhei-os a todos. Ia chamar a personagem principal Matt mas achei que não ia ser bem visto numa reunião para tentar vender os desenhos animados por isso mudei para Bart”, lembrou o autor Matt Groening sobre o primeiro esboço, feito a correr, da família para o Tracey Ullman Show, em entrevista à revista da Smithsonian Institution em 2012. Dois anos de popularidade inesperada mais tarde, a família amarela autonomiza-se e ganha o seu próprio programa – e Homer passa a ser a personagem fulcral. “Há mais consequências para o facto de ele ser um idiota”, mais histórias a contar, diz Groening. Pessoas reaisO primeiro episódio é um especial de Natal em que há problemas de dinheiro, asneiras de filhos e suas consequências – e acaba com a adopção do cão escanzelado que até hoje acompanha a família. “As pessoas sentem mesmo que os Simpson são pessoas reais, mas porque somos desenhos animados safamo-nos com muito mais. São [os Simpsons] incrivelmente políticos e não fazem prisioneiros. Isso torna-os cativantes”, disse Yeardley Smith, que faz a voz de Lisa, à revista Time em 2012. Lisa pode ser vista como uma espécie de versão cartoon do “Cabeça de Abóbora” interpretado por Rob Reiner em Uma Família às Direitas, a consciência política de Os Simpsons ao lado da mãe, o seu pilar moral. Do outro lado da barreira moral está Bart, o rebelde sem causa. As t-shirts com Bart começaram a incomodar reitores e o pai da América, Bill Cosby (agora ensombrado por acusações de abusos sexuais), cuja série homónima definira os anos 1980 com a sua alegre família negra de classe média, os Huxtable. “A televisão devia andar para a frente em relação aos Huxtable, e não para trás”, disse à Entertainment Weekly em 1990 sobre as novas séries do horário nobre. Os Simpsons “eram extremamente controversos em alguns quadrantes e durante algum tempo tiveram uma reputação de ser um bocado grosseiros. A escola da minha filha dizia que não se podia usar uma t-shirt dos Simpson. Sempre pensei que a série era muito mais rica do que isso e que tinha um centro moral”, disse ao Guardian o showrunner, argumentista e produtor Al Jean, há 25 anos com a família de Springfield. Pouco tempo depois, a Fox e a sua família disfuncional venciam a NBC e os Cosby na luta pelas audiências. Os Simpsons, cujo primeiro episódio de meia hora foi transmitido no primetime do canal americano FOX há exactamente 25 anos, nasceram para ser comparados com outros. E para simbolizar uma mudança numa década cheia de statements. Chegam no ano em que Reagan se despede e em que a selecção portuguesa de futebol vence o Mundial sub-20. Chegam um mês depois de cair o Muro de Berlim e no ano em que o Kosovo perde a sua autonomia e que começa o fim da antiga Jugoslávia. Chegaram em reacção aos anos 1980. Abrem portas poucos meses depois de Seinfeld se instalar na concorrente NBC e de lá ficar durante toda a década de 1990, a do minimalismo, da imagem anti-yuppie, de No Logo de Naomi Klein e dos violentos protestos na cimeira da Organização Mundial do Comércio em Seattle contra a globalização. A que teve a política do rock feminista do riot grrrl e que rejeitou a decadência do hair metal em prol do rock de flanela. Foi a década da primeira Guerra do Golfo, foi a primeira dama republicana Barbara Bush a dizer sobre a família amarela da classe trabalhadora: “Os Simpsons são a coisa mais estúpida que já vi”. E foi esta a resposta de Marge Simpson, a matriarca cujo nome de solteira (Bouvier) é o mesmo de Jacqueline Kennedy antes do casamento, enviada à Casa Branca em Setembro de 1990: “Tento ensinar aos meus filhos Bart, Lisa e até a pequena Maggie, a dar sempre às pessoas o benefício da dúvida e a não dizer mal delas – mesmo que sejam ricas”; “Se somos a coisa mais estúpida que alguma vez viu, Washington deve ser uma coisa bastante diferente do que me ensinam no grupo de Temas da Actualidade na igreja”. Uma nova animaçãoA mesma década que criaria um espaço confortável para Friends (NBC) e uma montra para maiores de 16 para Sexo e a Cidade (HBO) abraçou fervorosamente a família que geraria estas reacções extremadas e um novo reconhecimento da animação. Sem Simpsons não haveria Family Guy (e este ano finalmente foi para o ar o episódio que cruzou as duas famílias e os seus universos citadinos, Springfield e Quahog, num pingue pingue constante entre as duas principais acusações feitas a cada uma – que Family Guy é uma cópia de Os Simpsons e que Os Simpsons já não têm piada), nem South Park. E talvez Conan O’Brien, argumentista da série entre 1992 e 1993, tivesse seguido outro caminho, ou o realizador Brad Bird, consultor durante as primeira oito temporadas de Os Simpsons, não tivesse dirigido alguns dos maiores sucessos da Pixar. “É o que os fãs de sci-fi dizem de Star Trek: criou uma audiência para o género” da animação televisiva, diz o criador de Family Guy, Seth McFarlane, à Vanity Fair sobre o pioneirismo de Os Simpsons. “Na minha opinião, basicamente reinventaram a roda”, explica o actor e realizador que queria ser animador na Disney e que quando viu Os Simpsons percebeu que era possível juntar humor adulto e cartoons. Já Matt Stone, que com Trey Parker criou o ainda mais abrasivo South Park, admite que “Os Simpsons são a desgraça da nossa existência” porque “fizeram tantas paródias, lidaram com tantos assuntos. . . ‘Os Simpsons fizeram-no!’ é um refrão muito familiar na nossa sala de argumentistas”. Aqueles que os viram abrir caminho e ser contracultura agora saúdam-nos à medida que os vêem gravitar para o centro da cultura popular ao invés de nas suas margens (onde se mantiveram títulos como Ren & Stimpy, nascidos no Nickelodeon em 1991) – a figura de George W. Bush, por exemplo, ridicularizada em canais como a Comedy Central, não foi das mais visadas em Os Simpsons, mas Al Jean diz ao Guardian que o facto de não terem uma boa voz para imitar o segundo Presidente Bush foi parte do problema. Groening diz ter saudades do foco nos problemas financeiros d’Os Simpsons e admite o anacronismo de Marge ser dona de casa. Ensina-se Os Simpsons nas faculdades, expressões Simpson integraram os dicionários (“D’oh!”), mas os novos parecem ir ainda mais longe. Quando viu Family Guy pela primeira vez, Matt Groening teve como primeira reacção “Oh meu Deus, temos concorrência”, contou numa entrevista conjunta com MacFarlane à revista Entertainment Weekly. “E estão a flanquear-nos. Esta série é mais doida e desagradável e indecente. Nós costumávamos meter-nos em sarilhos. Nós costumávamos ser a causa do declínio dos Estados Unidos. ”A série pende assumidamente para o centro esquerda, como já disseram vários dos seus responsáveis. Desde o vegetarianismo e budismo de Lisa à aceitação (não sem resistências) da homossexualidade da irmã por Marge, passando pelos direitos dos animais, pela aparição de Julian Assange no 500. º episódio de Os Simpsons ou pelos ataques à casa-mãe Fox, detida pelo magnata conservador Rupert Murdoch, “conseguimos ir bastante longe”, diz Al Jean ao diário britânico – a Fox, que se fez muito graças à família criada por Groening, é descrita como “o maior bully do bairro” por Yeardley Smith. Ao longo de 25 anos, quase não houve alterações no elenco e a família e a cidadezinha de Springfield sobreviveram a Homer e a um filme blockbuster em 2007. Os Simpsons são também um íman cultural, uma cápsula do tempo de cultura pop. A primeira palavra de Maggie (“papá”) foi proferida por Elizabeth Taylor, Meryl Streep foi a namorada de Bart e o físico Stephen Hawking, que agora quer ser um vilão Bond, já apareceu na série várias vezes. Michael Jackson, George Harrison, Ringo Starr, Paul e Linda McCartney, a realizadora Penny Marshall, os Sonic Youth, os Ramones, os Red Hot Chilli Peppers, o astronauta Buzz Aldrin, a Mrs Robinson Anne Bancroft, Mel Brooks, as estrelas de Ficheiros Secretos David Duchovny e Gillian Anderson, as irmãs tenistas Venus e Serena Williams, os realizadores Michael Moore ou Peter Bogdanovich, o basquetebolista LeBron James, os romancistas Jonathan Franzen, Michael Chabon, Tom Wolfe, Gore Vidal e Tom Clancy, o Monty Python Eric Idle, o ilustrador e argumentista Daniel Clowes, o apresentador Jon Stewart, o chef apresentador Anthony Bourdain, o Breaking Bad Bryan Cranston – todos estiveram com Os Simpsons nestes 25 anos e contam com eles pequenos pedaços da história do último quarto de século. E também houve polémicas, claro. A forma como retrataram o Brasil ou a Austrália, o episódio escrito pelo writer de graffiti Banksy, em que os animadores são ilustrados numa linha de montagem coreana, além das tentativas de Homer para tentar afastar Bart da homossexualidade ficaram entre os mais discutidos dos 561 episódios já transmitidos. A anos-luz de Os Flinstones ou de Os Jetson, a família animada Simpson tem os seus rituais bem oleados – a frase de Bart no quadro e o amontoar da família no sofá do genérico, os piscares de olho à realpolitik (o valor na caixa do supermercado visto por Marge era o custo mensal de criar um bebé em 1989, 847 dólares). Está sempre aberta a discussão sobre a parecença do milionário sovina Mr. Burns com Rupert Murdoch, mesmo sabendo-se que, oficialmente, este foi desenhado como um arquétipo da ganância e como um misto do fundador da Fox Barry Diller e. . . um louva-deus. Tal como outro debate, sempre agitado, sobre onde é a Springfield natal d'Os Simpsons, apesar de Groening ter já deslindado o mistério dizendo que se trata da Springfield do estado de Oregon. Marge foi capa da Playboy, Bart capa da Rolling Stone (e de Nevermind dos Nirvana), um episódio já foi de Lego, a matemática e a ciência têm um papel regular na série e Homer até já foi considerado o pai ideal para 22% dos jovens britânicos. A sua festa de anos oficial fez-se em Setembro com três noites de concerto no Hollywood Bowl e com maratonas e a estreia da 26. ª temporada nos EUA. Em Portugal, a festa faz-se este mês no canal Fox com 25 Anos de Simpsons – 25 Dias de Natal e a estreia da 23. ª temporada da série. Entretanto, no Twitter, a hashtag #TheSimpsons está a servir esta quarta-feira para recordar ou homenagear a série.
REFERÊNCIAS:
A serpente no Planalto: o eterno retorno do fascismo
No maior país de língua portuguesa, deixaremos de vir para a rua denunciar este terrível acontecimento? (...)

A serpente no Planalto: o eterno retorno do fascismo
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 Africanos Pontuação: 2 Homossexuais Pontuação: 6 | Sentimento 0.0
DATA: 2018-10-26 | Jornal Público
SUMÁRIO: No maior país de língua portuguesa, deixaremos de vir para a rua denunciar este terrível acontecimento?
TEXTO: Em O Eterno Retorno do Fascismo, Rob Riemen enuncia algumas das teses que tantos outros intelectuais (de Manuel Castells e Slavoy Zizek a Chomsky, de Habermas a Peter Sloterdijk, de Ian Kershaw a Roger Chartier e Peter Burke) igualmente corroboram. Há dias, um manifesto internacional assinado por inúmeros pensadores, artistas, ensaístas, historiadores, professores, fez chegar (a quantos, na verdade? E sobretudo no Brasil. . . ) o repúdio por a mais que provável eleição (como Hitler, em 1933) de Bolsonaro. . . Nacionalismo, autoritarismo, homofobia, racismo, censura, belicismo, delação, manipulação dos media para efeitos de propaganda e doutrina, enfraquecimento das instituições democráticas (Tribunais, Ministério Público, Escola e Universidades), apelo ao ódio e à violência, desrespeito pela diferença, discriminação absoluta, fomento de um discurso populista e assente na demagogia; aliança com poderes obscuros ancorados no interesse da Igreja Evangélica (Edir Macedo é um dos principais apoiantes de Bolsonaro e é Macedo o dono da TV Record, canal que funcionará para o capitão como a Fox News para Trump), um exacerbado moralismo hipócrita, eis o retrato fiel de Jair Bolsonaro e dos que o acompanham. Estes sinais, que igualmente identificamos em Trump, Putin e Duderte, na nova Itália da extrema-direita; que ouvimos nas palavras e vemos nas acções de Orban e pressentimos no irracionalismo do “Brexit”, deveriam ter fortalecido a resistência das democracias. Foi a indiferença e o individualismo que nos conduziram a este precipício e, como na década de 1930, aqueles que deveriam defender as liberdades e a dignidade (palavra-chave para o ressurgimento dos regimes livres e humanistas) viraram as costas aos povos e, escudados nos seus lugares de poder e de supostos inimputáveis, julgam estar livres do que aí vem. . . Não estão. Servindo-se da Democracia e seus fracassos, Bolsonaro irá eliminar o sistema eleitoral, defenderá a existência dum partido único, destruirá direitos e garantias dos trabalhadores, e, como lembra Rob Riemen, sem uma elite intelectual e massa política impolutas, acabará por encaminhar o Brasil para um modo de vida onde só a ignorância e a superficialidade, o capitalismo mais desenfreado e a corrupção de Estado poderão imperar. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Pondo em primeiro lugar os interesses do empresariado (a FIESP e o agronegócio, sedentos de destruir a Amazónia para explorar as suas incalculáveis riquezas), as coordenadas por que se rege o programa do candidato do PSL são de fácil leitura para quem não tenha desprezado a História. Estamos perante a vitória de um sistema ideológico global que, desde Reagan e Thatcher, à Terceira Via de Blair, ao primado da economia e da mentalidade estatística dos governos "liberais" ou dos populismos de Esquerda, destruiu a linguagem, o pensamento e a acção política. O ódio aos intelectuais serviu, um pouco por todo o mundo, para defender o primado da opinião. Daí à simpatia que merecem frases de Trump na América profunda, às sentenças de morte e terror pronunciadas por Jair ou Maduro, Putin ou Le Pen, foi um passo. O homem comum, sem escola e ressentido, está sedento de novas formas de paternalismo que o façam sentir mais seguro. Está sedento de vingança e acabará sempre por condenar quem pensa e promove a dúvida, quem faz distinções e compreende que a Humanidade é diversidade. O seu raciocínio é este: se és elitista não és democrata e nós – porque não somos fascistas (é este o engodo) – condenamos quem problematiza, quem pergunta e quem agita os espíritos. Uma globalização pobre em referências histórico-culturais, refém dessa nova Minerva – a Tecnologia (a tese é de Habermas); uma globalização baseada num sistema educativo que no Ocidente e nos países pró-ocidentais conduziu à diversão e ao desconhecimento da Cultura, ao menoscabo da Filosofia, da Música e da Poesia, à banalização dos sentimentos, tudo reduzindo ao lucro e ao resultadismo mais nefando, esse é o real em que estamos atolados. Eis porque Nietzsche estava certo: o niilismo roubou-nos a possibilidade de nos elevarmos acima da animalidade. Bolsonaro obedece apenas a essa animalidade, a única lei que conhece é a lei dos instintos primários. É urgente que não só os intelectuais, mas toda a sociedade civil brasileira – e o mundo – actuem em conformidade com os tempos que se avizinham. Convém, para que conste, saber que Bolsonaro admira Cel Brilhante Ustra, torturador da Ditadura Militar (1964-1985) e que é ele a serpente que do Palácio do Planalto irá destilar o seu veneno. Com Trump e outros usurpadores da Democracia, o que está em causa é a dignidade humana, como bem disseram Chico Buarque e Caetano Veloso numa manifestação pró-Hadddad, a única escolha possível, um académico culto, um homem justo. Se o PT errou – e errou – não podemos esquecer um facto simples: os 87% de aprovação de Lula aquando o seu primeiro mandato; as 17 universidades que se criaram; os diversos programas de inclusão social; a profusão de escolas técnicas e um sistema de quotas para negros e índios, o acesso à educação e o histórico facto de cerca de 35 milhões de brasileiros terem sido retirados da miséria através do "bolsa-família". Se, como disse Millôr, o problema do Brasil é ter "muito passado pela frente", que lições teremos de aprender ainda para que esse passado não se faça presente? Que moral terá o mundo se a serpente chegar ao Planalto? Com que armas teremos de nos defender dos novos tiranos? E Portugal? No maior país de língua portuguesa, deixaremos de vir para a rua denunciar este terrível acontecimento?
REFERÊNCIAS:
Morreu Andy Rooney, a voz da América que encerrava o programa ‘60 Minutos’
Durante 33 anos as frases de Andy Rooney punham o ponto final no programa da CBS News ‘60 Minutos’. Rooney servia-se da agudeza de espírito e de um humor assentes num saber do dia-a-dia, de ideias bem escritas, e de uma moral refilona que podia gerar controvérsia, mas fazia com que fosse adorado pelo público norte-americano. Nesta sexta-feira a voz calou-se para sempre, Andy Rooney morreu aos 92 anos. (...)

Morreu Andy Rooney, a voz da América que encerrava o programa ‘60 Minutos’
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 Africanos Pontuação: 2 Homossexuais Pontuação: 6 | Sentimento 0.0
DATA: 2011-11-06 | Jornal Público
SUMÁRIO: Durante 33 anos as frases de Andy Rooney punham o ponto final no programa da CBS News ‘60 Minutos’. Rooney servia-se da agudeza de espírito e de um humor assentes num saber do dia-a-dia, de ideias bem escritas, e de uma moral refilona que podia gerar controvérsia, mas fazia com que fosse adorado pelo público norte-americano. Nesta sexta-feira a voz calou-se para sempre, Andy Rooney morreu aos 92 anos.
TEXTO: “É um dia triste para os ‘60 Minutos’ e para todos aqui na CBS News”, disse Jeff Fager, o director do famoso programa de reportagens. “É difícil imaginar não ter o Andy por perto. Ele amava a sua vida e vivia-a segundo os seus princípios. Vamos sentir muita a sua falta”, disse citado pela Reuters. Desde 1978 que o norte-americano sentava-se atrás de uma secretária de madeira feita por ele – um hobby que manteve ao longo da vida –, e durante 1097 edições, no final do programa semanal do canal da televisão, debitou comentário atrás de comentário sobre tudo e nada na sua rubrica “Alguns minutos com Andy Rooney”. Dizia mal do tamanho das embalagens de cereais comparado com a quantidade de produto que vinha lá dentro, ou tinha apontamentos mais simples que sumarizavam ideias que assolam qualquer um: “Não há dúvida”, disse uma vez num dos seus comentários mais famosos. “Os cães são mais simpáticos do que as pessoas. ”Levava para o programa o que Deus lhe tinha dito à noite, refilava sobre a sua velhice, tinha comentários machistas. Criticou os Estados Unidos pela entrada na Guerra o Iraque, mas uma vez estando lá, a única opção seria vencê-la. Disse mal da CBS News, exigiu uma greve dos escritores pelos despedimentos na empresa ameaçando que se demitia. Propôs o fim do embargo contra a antiga União Soviética, com uma tirada onde envolvia a venda de cereais e que lhe valeu o terceiro dos quatro Emmys que ganhou: “Como é que eles nos vão levar a sério como inimigos se pensarem que no pequeno-almoço comemos Cap’n Crunch?”. Mas recorrentemente gerava controvérsia. Uma das polémicas levou-o a ficar afastado do programa durante um mês por declarações homofóbicas. “Em 1989 houve um certo reconhecimento do facto que muitos dos nossos males que nos matam são auto-induzidos. Demasiado álcool, demasiada comida, drogas, uniões homossexuais, cigarros. Tudo isto é conhecido por levar muitas vezes a mortes prematuras”, disse em Dezembro de 1989, num programa especial chamado “Um ano com Andy Rooney”. O comentário, associado com declarações racistas que supostamente Rooney teria dito, mas que nunca chegaram a ser comprovadas e que ele sempre desmentiu, levou a críticas severas que fez com que a CBS News o tirasse do programa durante três meses. Mas o canal, que estava habituado a ver o número de espectadores a subir ao longo de cada edição semanal dos ‘60 Minutos’ à medida que o “momento Rooney” se aproximava, sentiu a perda dos seus comentários com uma baixa de 20 pontos percentuais no visionamento do programa e recebeu centenas de pedidos por parte do público a querê-lo de volta. Por isso a ausência do jornalista acabou por ser só de um mês. Outras das polémicas foi em 1994, quando Rooney criticou Kurt Cobain pelo suicídio, alegando que só poderia falar de sofrimento quem viveu a Grande Depressão ou a Segunda Guerra Mundial. Mas sob todos os queixumes sobre a american way of life, onde incluía as suas próprias falhas, estava um homem que gostava da sua vida. Na última edição do seu programa, no passado 2 de Outubro, Rooney disse isso mesmo: “Queixei-me de muita coisa aqui, mas de tudo o que me queixei, não me posso queixar da minha vida. ”“Por baixo daquele exterior ríspido, estava um interior espinhoso… e mais profundamente, estava um homem doce e gentil, um patriota com um amor por todas as coisas Americanas, como um bourbon de qualidade e um ódio delicioso pelo preconceito e pela hipocrisia”, disse Morley Safer, em comunicado, colega no programa ‘60 Minutos’. Uma vida do século XXAndrew Aitken Rooney nasceu a 14 de Janeiro de 1919, em Albany, Nova Iorque. Foi um aluno médio que acabou por entrar para a Universidade, durante os estudos foi chamado para o serviço militar contra sua vontade, três meses antes de Pearl Harbor.
REFERÊNCIAS:
Palavras-chave guerra suicídio homem cães
Estão os skins neonazis a regressar às ruas?
Regressaram os relatos de ataques de skins. Fontes policiais garantem que movimento é pequeno, está fragmentado e que episódios de violência são actos isolados. (...)

Estão os skins neonazis a regressar às ruas?
MINORIA(S): Africanos Pontuação: 5 Homossexuais Pontuação: 6 | Sentimento 0.0
DATA: 2015-10-05 | Jornal Público
SUMÁRIO: Regressaram os relatos de ataques de skins. Fontes policiais garantem que movimento é pequeno, está fragmentado e que episódios de violência são actos isolados.
TEXTO: Eram os 40 anos da Revolução de 25 de Abril. Lisboa confluíra para o Largo do Carmo. Jorge e um amigo tinham estado lá a cantar a Grândola e ido tomar uma cerveja. Vinham a descer a Rua do Arco de São Mamede. Ele trazia uma faixa enrolada em dois paus e o amigo uma cana de suporte de bandeira. De repente, avistaram dois homens encorpados, encostados à parede, na esquina na Rua de São Bento. “Boa noite, camaradas”, disse o de cabeça rapada, carregando na última palavra. “O que levam aí?” Jorge só teve tempo de dizer ao amigo: “Vira para cima!”Uns dez metros à frente, naquela que é a rua do Parlamento, estavam quatro pessoas de roupas escuras. Num tapume de alumínio faziam colagens. Seria um folheto branco com uma caricatura de Mário Soares e umas quantas palavras soltas que terminavam com a frase: “Os Nacionalistas Autónomos exigem a punição imediata de todos os traidores que arruinaram Portugal e os portugueses”. Pelo uso da palavra “camarada”, Jorge pensou que estivessem a ser tomados por militantes comunistas. Quando um deles lhe pediu para ver a faixa, ele reagiu: “Não mostro!”. Nada agradaria ao que Jorge julgou serem militantes do Partido Nacional Renovador (PNR), que já tantas vezes se manifestou contra o casamento entre pessoas do mesmo sexo, a adopção e a co-adopção por casais homossexuais. Eram perto de duas da manhã. A rua estava pouco iluminada. Só depois, Jorge e o amigo veriam os panfletos colados pela rua acima. E bastar-lhes-ia uma pesquisa na internet para perceberem que os Nacionalistas Autónomos andam pela área metropolitana de Lisboa a colar cartazes e a pintar paredes, declarando-se anti-antifascistas. Alguns deixam-se fotografar, de costas ou com as caras tapadas, e exibem as imagens nas redes sociais. E é explícito o seu apoio a Mário Machado, antigo líder dos Hammerskin, que está perto de sair da prisão e a tentar fundar um partido. “Foge”, disse Jorge ao amigo, atravessando os paus para afastar o interlocutor. O amigo quis pedir auxílio, mas não conseguiu telefonar. Num instante, os outros quatro tinham descido a rua e um deles aproximara-se. Um agrediu Jorge por trás, na cabeça, fazendo-o cair. Segurou-o pelo pescoço com um braço, e tratou de o esmurrar com o punho que tinha livre. Outro deu-lhe umas joelhadas e uns pontapés. O amigo tentou picar o que se virara para si com a cana, mantê-lo afastado, mas o adversário tirou-lhe a cana e deu-lhe um par de caneladas antes de ele conseguir fugir pela rua abaixo. O episódio foi descrito com detalhe a um advogado, mas a queixa nunca chegou às autoridades. O amigo de Jorge foi protelando a ida à esquadra até o prazo se esgotar. Tinha demasiado medo do que poderia acontecer quando os agressores conhecessem o seu nome e a sua morada. Fontes policiais contactadas pelo PÚBLICO garantem que o movimento skin é pequeno e está fragmentado. O último Relatório Anual de Segurança Interna já dá conta de “um incremento do número de actividades direccionadas para o interior do movimento, como encontros-convívio e concertos, que contribuem essencialmente para estreitar laços entre militantes e difundir propaganda”. As autoridades mantêm-se vigilantes. Em Julho, por exemplo, até o Serviço de Informação e Segurança estava num café situado na zona industrial do Soeiro, em São Mamede do Coronado, na Trofa, para assistir a uma série de concertos de bandas conotadas com o neonazismo: duas portuguesas, uma britânica e uma francesa. Mas nem tudo lhes chega aos ouvidos. Há uma esquadra da PSP na Rua de São Bento. Talvez isso tenha travado os agressores quando o amigo de Jorge, lesto, desatou a correr pela rua abaixo. “Vamos embora”, ordenou um. “Se ele não tivesse conseguido escapar, teria sido pior”, pensa Jorge. “Conheço quem tenha ficado meses sem se pôr em pé. Eu na semana seguinte já saí de casa. Estava desfigurado, com dores, mas já fazia a minha vida. ” Soma quase duas décadas de activismo LGBT, mas não conhecia aquele grupo. Queria apresentar queixa: “Não quero que a polícia, ao próximo ataque, diga que não conhece a organização. ”São um pequeno grupo com um blogue que não é actualizado há muito e uma página de Facebook na qual vai divulgando as suas actividades. Inspiraram-se na Alemanha. Por lá, os Nacionalistas Autónomos fazem manifestações que lembram os Black Bloc, enquadrados, mascarados, vestidos de preto. Nada de novo: diz o historiador Riccardo Marchi que os skins portugueses “sempre importaram os modelos em moda na Europa”, só que “aqui as coisas sempre foram mais fracas”. Foi assim, por exemplo, com os Blood and Honour, fundados no Reino Unido, e com os Hammerskin, que surgiram nos Estados Unidos.
REFERÊNCIAS:
Partidos LIVRE
O amigo português de Marine Le Pen
Como a tarde está de Sol, deixo-lhe, meu caro João Miguel, um verso de Gertrude Stein: “Uma rosa é uma rosa é uma rosa é uma rosa”. Apesar dos seus textos, “Um racista é um racista é um racista é um racista”. Ou não? (...)

O amigo português de Marine Le Pen
MINORIA(S): Africanos Pontuação: 5 Homossexuais Pontuação: 6 | Sentimento 0.0
DATA: 2018-08-17 | Jornal Público
SUMÁRIO: Como a tarde está de Sol, deixo-lhe, meu caro João Miguel, um verso de Gertrude Stein: “Uma rosa é uma rosa é uma rosa é uma rosa”. Apesar dos seus textos, “Um racista é um racista é um racista é um racista”. Ou não?
TEXTO: Estamos em agosto, estou em férias e a minha filhota dorme sestas de três horas. Conjuntura ideal, por isso, para dialogar com (mais) um truculento texto do meu homónimo João Miguel Tavares. O colunista, é sabido, tem o verbo fácil e dispara bem a pistola semiótica. Tiro-lhe o chapéu aos títulos magníficos que tantas leituras lhe devem valer e à desenvoltura com que mistura o diletantismo mundano com o disparate bárbaro. Desta feita, insiste numa das pérolas da “direita liberal” de que é no momento o mais histriónico epígono (o Observador não estará a precisar dos seus serviços?): a redução do mundo à simetria perfeita entre “liberais” (tolerantes) e “iliberais” (intolerantes, onde se mistura, de uma assentada, Marine Le Pen, Boaventura de Sousa Santos e o PCP). É claro que, com esse cliché, faz um servicinho jeitoso à senhora Le Pen: já não é uma fascista, racista ou nazi. Como o próprio diz, com candura, ela não o admite. Pois se é ela quem o diz… É como Trump. Não é racista. Nem machista. Alguma vez ele disse que o era? Sigamos o cherne! Os textos de João Miguel Tavares lavam mais branco. Mete-se lá um racista imundo e sai um nacionalista a cheirar a sabonete. Aliás, Le Pen subscreveria a delicadeza de João Miguel. Não foi ela quem, em 2012, dirigindo-se a um jornalista, se afirmou “extremamente tolerante e hospitaleira”, embora questionando-o, caso ele recebesse um grupo de clandestinos em casa, “se aceitaria que eles mudassem o papel de parede, roubassem a carteira ou brutalizassem a sua esposa”… Ou quando, ainda nas últimas eleições, vituperou: “De cada vez que tipos gritam «Viva Mélenchon [candidato presidencial de esquerda]» são franceses de origem magrebina!”. Não faltam exemplos…Não se trata, pois, de mandar calar a Senhora Le Pen ou de dizer que não tem o direito de se candidatar a eleições livres e justas. A questão é outra: devemos ou não exigir do nosso governo que eventos organizados com dinheiro público promovam os discursos e as práticas de ódio? Nos compromissos editoriais do Público, que nem sequer tem dinheiros públicos, por exemplo, diz-se com clareza que neste jornal não haverá espaço para as opiniões que promovam o racismo, a xenofobia, a homofobia ou a apologia da violência. Na verdade, é um debate sobre a qualidade da esfera pública e sobre o papel da intermediação cultural o que está em causa. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Triste sina a de João Miguel Tavares, passar as suas tardes a desancar no Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra como alforge de extrema-esquerda totalitária, uma espécie de guerrilha urbana dos tempos modernos, tal como Marine le Pen afirma que a França se tornou “uma Universidade de jihadistas”. Como a tarde está de Sol, deixo-lhe, meu caro João Miguel, um verso de Gertrude Stein: “Uma rosa é uma rosa é uma rosa é uma rosa”. Apesar dos seus textos, “Um racista é um racista é um racista é um racista”. Ou não?Sociólogo, Professor da Universidade do Porto, militante do Bloco de Esquerda
REFERÊNCIAS:
Partidos PCP
Homem-Aranha renasce para reflectir a nova América: negro e latino
Peter Parker morreu, mas o Homem-Aranha não. A Marvel revela, no número quatro do Ultimate Fallout, que a famosa máscara vermelha esconde agora o rosto de uma nova personagem, um adolescente afro-americano com ascendência latina. Chama-se Miles Morales. (...)

Homem-Aranha renasce para reflectir a nova América: negro e latino
MINORIA(S): Africanos Pontuação: 5 Homossexuais Pontuação: 6 | Sentimento -0.01
DATA: 2011-08-03 | Jornal Público
SUMÁRIO: Peter Parker morreu, mas o Homem-Aranha não. A Marvel revela, no número quatro do Ultimate Fallout, que a famosa máscara vermelha esconde agora o rosto de uma nova personagem, um adolescente afro-americano com ascendência latina. Chama-se Miles Morales.
TEXTO: “O que temos é um Homem-Aranha para o século XXI, que reflecte a nossa cultura e a nossa diversidade. Consideramos que os leitores se vão apaixonar por Miles Morales da mesma forma que se apaixonaram por Peter Parker”, antecipa o director da Marvel, Axel Alonso, segundo o USA Today. Miles Morales obteve os poderes de aracnídeo da mesma forma que Peter Parker (na versão Ultimate, lançada em 2000, o jovem jornalista é mordido por uma aranha geneticamente alterada), mas será capaz de habilidades diferentes do seu antecessor. A história terá continuidade. É a morte de Peter Parker, às mãos do Duende Verde, que inspira Miles Morales a tonar-se num super-herói. E são personagens antigas, como Gwen Stacy e Tia May, que o vão ajudar nesse processo. A intervenção inaugural é mínima, numa rixa, mas os desafios vão aumentar. A Marvel vai aproveitar a primeira aparição para contar a história da personagem. A visão do mundo que Miles Morales tem é diferente da de Peter Parker – aliás, “completamente diferente”, assegura o escritor Brian Michael Bendis, em entrevista à Associated Press. E isso tem que ver com as suas raízes africanas e latinas. Essa é, para já, a grande novidade. “É uma decisão conscienciosa. Na Marvel, orgulhámo-nos de reflectir o mundo real em toda a sua diversidade”, frisa Axel Alonso. “Mais cedo ou mais tarde, um herói negro ou homossexual – ou ambos – será considerado algo absolutamente normal”, acrescenta a Sara Pichelli, responsável por desenhar o novo Homem-Aranha. De resto, “o tema é o mesmo: com grande poder vem grande responsabilidade”. “Ele vai aprendê-lo. E depois vai perceber o que isso significa”, adianta Brian Michael Bendis. O primeiro número inteiramente dedicado ao novo super-herói está previsto para Setembro, integrando a colecção Ultimate, que é uma narrativa paralela à da história do Homem-Aranha original, que chegou às bancas em 1962. Notícia corrigida às 14h11
REFERÊNCIAS:
"Este é um filme sobre os mecanismos da violência"
O sueco Göran Olsson realiza um filme sobre a violência. Colonial, policial, doméstica. Ou qualquer outra, que perdure e obedeça a um padrão. A Respeito da Violência passa na quarta-feira na Aula Magna, em Lisboa. (...)

"Este é um filme sobre os mecanismos da violência"
MINORIA(S): Africanos Pontuação: 2 Mulheres Pontuação: 6 Homossexuais Pontuação: 6 | Sentimento 0.0
DATA: 2015-05-01 | Jornal Público
SUMÁRIO: O sueco Göran Olsson realiza um filme sobre a violência. Colonial, policial, doméstica. Ou qualquer outra, que perdure e obedeça a um padrão. A Respeito da Violência passa na quarta-feira na Aula Magna, em Lisboa.
TEXTO: Violência física: a que explode na linha da frente ou sobre as populações. Violência verbal: a que brota da mente dos colonizadores. Violência silenciosa: a mais perturbadora e difícil de compreender. Em comum: o serem um produto do colonialismo em África que Frantz Fanon, o filósofo, psiquiatra e revolucionário marxista anti-colonialista, natural da Martinica, descreve como “violência no seu estado natural”, “violência que só sucumbirá quando confrontada com uma violência maior”. O choque que Fanon, um descendente de escravos, sente na sua chegada a França transforma-se num desejo de entender a colonização. A sua tese Peles Negras, Máscaras Brancas (1952) é rejeitada por uma universidade francesa. O seu livro Os Condenados da Terra, escrito em plena Guerra da Argélia, é banido em França em 1961, ano em que o ensaísta morre com uma leucemia, com apenas 36 anos. A partir dessa obra, ou através dela, Göran Hugo Olsson realizou Concerning Violence/A Respeito da Violência (2014), título dado por Fanon a um dos capítulos de Os Condenados da Terra. O filme foi aplaudido pela crítica em França como “um testemunho denso e espantoso sobre as guerras de descolonização em África” (Le Monde), portador de “uma actualidade incendiária” (Libération). O IndieLisboa organiza uma sessão especial do filme e que será seguida de debate, na Aula Magna da Reitoria da Universidade de Lisboa, esta quarta-feira, 29 de Abril. Esta semana chega também às salas de cinema. A Respeito da Violência: Nove cenas de auto-defesa anti-imperialista é um tributo, uma ilustração de Os Condenados da Terra, diz, no prefácio do documentário, a professora Gayatri Chakravorty Spivak da Universidade de Columbia, que, em certos aspectos, compara Frantz Fanon a Du Bois e a Mandela. Sobre imagens de um arquivo histórico único da televisão sueca – que captam a transformação imposta em África pelas revoluções e as independências – ecoam as palavras de Fanon. São excertos do capítulo Concerning Violence e de dois outros, Colonial War e Mental Disorders, lidos por Lauryn Hill, cantora e actriz norte-americana. Como estes: “O homem colonizado encontra a sua liberdade na violência”; “A violência ilumina porque aponta para os meios e para os fins”. Voz para um profetaOuvir não é o mesmo que ler. “Tudo o que quero é que as pessoas ouçam este homem”, diz Göran Olsson (n. 1965, Lund, na Suécia). O realizador está ao telefone, a partir de Oslo. “Fanon era um psiquiatra, e por isso era tão interessante. Fala da alma, da mente, dos efeitos psicológicos da violência. ”Por isso, a escolha da voz era tão crucial. “Lauryn Hill estava na prisão [a cumprir pena por evasão fiscal], quando lhe escrevi uma carta a perguntar se podia considerar fazer a voz. Ela respondeu logo a dizer: ‘Não vai acreditar. Estou na prisão a ler Fanon na minha cela’. Ela já era leitora de Fanon, e eu sabia disso. Por isso lhe fiz esse pedido. Ela realmente entendeu o texto”, conta o realizador ao PÚBLICO. “Este é um filme sobre a violência estrutural, sobre o mecanismo da violência e não apenas sobre a violência colonial. É sobre o que acontece quando uma pessoa está exposta a uma violência que perdura". É quando a brutalidade ou a opressão obedecem a um padrão. “Como a violência policial nos Estados Unidos, ou a violência doméstica na Suécia. Penso que os mecanismos não são os mesmos, mas semelhantes", continua. “Fanon não reflectiu apenas sobre a colonização. Queria fazer algo a esse respeito”, frisa Gayatri Spivak no prefácio. Como psiquiatra, “Fanon empregou o seu tempo e perícia a curar os que foram alvo de violência”, nota. E sugere: “É no contexto do rescaldo do colonialismo que se deve considerar cuidadosamente a tragédia do que se vê neste filme. ”Registo intemporal Tragédia ou tragédias, também de hoje. “Sim, ele era um profeta. Se as pessoas o ouvissem, não penso que teríamos hoje o autoproclamado Estado Islâmico, com a violência que vemos. Uma violência que nós classificamos como ‘não compreensível’”, continua Göran Olsson, que antes realizou The Black Power Mixtape (1967 – 1975), também com os arquivos da televisão sueca. Em Concerning Violence, já projectado em festivais mas também em salas, por exemplo, em Londres, o realizador começou por pensar juntar à recolha de arquivo imagens filmadas hoje. No fim, debruçou-se exclusivamente sobre películas de arquivo. “Estas são imagens que se podem traduzir para os dias de hoje, entendidas na perspectiva presente. ”Em sintonia com aquilo que era a posição neutra da Suécia, fora da NATO e de apoio às independências em África, a televisão sueca recolheu entrevistas e captou momentos das lutas de libertação ainda em curso nesta última fase, como as de Angola, Moçambique e Guiné-Bissau. Na maioria das vezes, atrás da câmara estavam Robert Malmer e Ingela Romare – a dupla que realizou documentários como The Birth of a Nation (1973), que regista a declaração unilateral da independência pelo PAIGC, ou In Our Country the Bullets Begin to Flower (1971), sobre Moçambique. Com imagens escolhidas desse imenso arquivo – “este material tem a qualidade de filmes documentários, não é material noticioso” – o realizador acompanha as ideias de Fanon. E fá-lo num “registo de intemporalidade”. Em vida Fanon assistiu à independência do Gana (em 1957) e de vários outros países (em 1960). Mas não viveu para ver o que se seguiu. Concluiu Os Condenados da Terra nas últimas semanas antes de morrer. A obra, que Olsson sentiu que não podia deixar de tratar em filme, quando a releu em 2012, evoca “o saque de recursos naturais”, "os muitos assassínios”, mesmo os que não tinham ainda acontecido: Martin Luther King é assassinado em 1968, Amílcar Cabral em 1973, Thomas Sankara em 1987 – o revolucionário e primeiro Presidente do Burkina Faso, conhecido como o “Che africano”, que criticou o FMI e recusou a ajuda alimentar, foi morto num golpe de Estado apoiado pelos Estados Unidos e pela França. Mugabe, libertador “Entristece-me perceber que Fanon viu tantas coisas e que muito poucas pessoas prestaram atenção ao que ele disse. O saque de recursos naturais continua e ainda mais hoje na nova estrutura global com as companhias a substituírem-se aos estados”, diz Olsson. “Na Nigéria, onde vimos a corrupção, o petróleo, é claro que temos o Boko Haram. Não é difícil perceber porquê. Era possível ver isto antes de acontecer. A reacção ao que acontece na Nigéria ou no Iraque é racional. Não defendo o que a Frente Islâmica está a fazer. Mas para pararmos isto temos de perceber o que estão a fazer”, justifica o realizador. “Os privilégios baseados na cor foram-se. Se [os colonos] perceberem isso, podem ficar. ” É Robert Mugabe quem fala, o ainda Presidente do Zimbabwe, antes do activista Tonderai Makoni que dá corpo à luta, dizendo ter-se tornado indiferente à tortura nos cinco anos em que esteve na prisão, em imagens a preto e branco. As declarações de líderes ou revolucionários cruzam os sorrisos desprendidos de colonos de fato e chapéu a jogar golfe ou a descansar em piscinas onde criados negros servem refrescos. Um fazendeiro que chama “estúpido” ao criado que o serve, explica numa entrevista que vai ser impossível continuar a viver neste país: “O mundo inteiro apoia os terroristas. ”Na cena a que o realizador dá o título Pobreza de Espírito, um casal de missionários na Tanzânia, com trabalhadores negros em fundo, regozija-se pela presença do cristianismo e expansão das suas igrejas em aldeias destruídas onde não existe uma escola ou um hospital. As entrevistas alternam com imagens de guerra, ou de greves de trabalhadores, como os que se revoltaram em 1966 na companhia mineira Lamco na Libéria: os sindicalistas são levados para a temida cadeia de Belle Yella ou as suas famílias deixadas à sua sorte, no meio da noite, depois de expulsas do complexo industrial onde viviam. Ao lado de MPLA e FrelimoO material de arquivo inclui uma incursão com o MPLA (Movimento Popular para a Libertação de Angola) em Cabinda, entrevistas a guerrilheiros e jovens guerrilheiras na Frelimo (Frente de Libertação de Moçambique) “ao serviço do povo”, porque “a luta armada é a única forma de alcançarem os seus direitos”. Num hospital, uma jovem mãe e o seu bebé são filmados depois de um bombardeamento com napalm sobre uma aldeia durante a guerra que opunha as forças coloniais portuguesas à Frelimo em Moçambique. A expressão silenciosa da violência é a mais perturbadora, diz Göran Olsson. Mãe e bebé ficaram feridos. “O dano não é compreensível. É tão profundo e tão terrível”, insiste o realizador. “A cena é absolutamente horrível. Mas eu sabia que a queria ter no filme. É muito importante. Ao termos uma imagem como esta não podemos não a usar por ser demasiado violenta. Seria autocensura. ”O relato da explosão da bomba feito por um residente, na cena anterior, não é único. A cena no hospital é. Seria preciso mostrá-la. “Isto é o que acontece quando se lança uma bomba", defende Olsson. Na cena Derrota, os destroçados são também portugueses: o corpo ferido de um soldado jaz no chão, enquanto se ouve Vai dizer à minha mãe que eu não vou p’rá guerra, da canção de Luís Cília O canto do desertor. A câmara capta o momento em que, na cerimónia da proclamação unilateral da independência da Guiné-Bissau, em Setembro de 1973, os presentes, em silêncio, ouvem um discurso de Amílcar Cabral. Na cena final, de novo as palavras de Fanon: “Para muitos de nós, o modelo europeu era o mais inspirador. Mas quando procuramos a humanidade na técnica e no estilo da Europa, vemos apenas uma sucessão de negações da humanidade. ” E ainda: “A Europa assumiu a liderança do mundo com ardor, cinismo e violência. Vejam como a sombra dos seus palácios se alonga e multiplica. Temos de nos livrar da escuridão pesada em que fomos lançados, e deixá-la para trás. ”
REFERÊNCIAS:
Religiões Cristianismo