Uber sexista? "A mudança não acontece sem catalisador"
Travis Kalanick, director-executivo da Uber, pede desculpa. (...)

Uber sexista? "A mudança não acontece sem catalisador"
MINORIA(S): Africanos Pontuação: 2 Mulheres Pontuação: 2 Homossexuais Pontuação: 6 | Sentimento 0.0
DATA: 2017-02-22 | Jornal Público
SUMÁRIO: Travis Kalanick, director-executivo da Uber, pede desculpa.
TEXTO: Travis Kalanick, director executivo da Uber, pediu desculpa pela criação de uma cultura empresarial que permita que as queixas de assédio sexual de uma antiga engenheira da empresa sejam ignoradas. Numa reunião, terça-feira à tarde, o fundador da empresa respondeu às perguntas dos trabalhadores e assegurou que o caso vai ser investigado por uma equipa independente. No blog da empresa, Ariana Huffington, do Conselho de Direcção, escreveu que pode ser um ponto de viragem para as mulheres na indústria da tecnologia. Depois da publicação no blog de Susan Fowler, antiga engenheira da Uber que denunciou vários episódios de assédio sexual e sexismo, Travis Kalanick marcou uma reunião interna para discutir a questão do sexismo e pedir desculpa. Alguns trabalhadores, que preferiram manter o anonimato, descreveram a reunião como “honesta, cruel e emocional” e mostraram-se surpreendidos com a atitude de Kalanick, escreve o site The Verge. A surpresa deve-se, aparentemente, ao facto de Kalanick quase nunca se mostrar emocionado. No entanto, e de acordo com o relato da Bloomberg, o director executivo terá chegado a lacrimejar durante a reunião, pedindo desculpa pela falta de diversidade dos trabalhadores na equipa e pela falta de capacidade de dar sequência às queixas que recebe. Sobre a publicação de Fowler, Kalanick já tinha afirmado, em comunicado, que que a experiência da engenheira foi “abominável e contra tudo o que a Uber acredita e defende”. Num e-mail interno, enviado também na segunda-feira, lia-se que Eric Holder, antigo Procurador-Geral dos EUA, vai supervisionar o “inquérito independente” sobre as acusações de sexismo na empresa. A equipa que vai conduzir o inquérito vai ser constituída por Tammy Albarran, advogada na empresa de Holder, a Covington & Burling, Ariana Huffington, co-fundadora do The Huffington Post e actual membro da administração da Uber, Angela Padilla, advogada da Uber e Liane Hornsey, chefe dos Recursos Humanos da Uber. Eric Holder foi o último nome anunciado, numa altura em que as críticas à constituição da equipa se começavam a avolumar – criticava-se sobretudo o facto de ser constituída quase exclusivamente por funcionários da Uber e por uma empresa que já trabalhava para a Uber antes, o que punha em causa a independência do inquérito. Ariana Huffington, que assina uma publicação no blog da Uber, escreve que a reunião consistiu em “mais de uma hora” de discussão sobre "o papel das mulheres no local de trabalho”. “Travis falou muito honestamente sobre os erros que cometeu – e em como quer que os eventos das últimas 48 horas sirvam para construir uma Uber melhor”, lê-se. Huffington acrescenta que vê como um aspecto positivo o facto de os trabalhadores responsabilizarem os superiores por erros deste tipo, sentindo-se, também ela, responsável. “A mudança normalmente não acontece sem um catalisador. Espero que ao tirarmos tempo para perceber o que correu mal e procurarmos soluções, consigamos também contribuir para a melhoria das condições das mulheres de toda a indústria”, escreve Ariana Huffington. Não é a primeira vez que a Uber está debaixo de fogo. Em Janeiro de 2017, a hashtag #DeleteUber começou a ganhar popularidade nas redes sociais (em particular, no Twitter). Em causa, está o alegado “boicote” da empresa às manifestações contra a ordem executiva assinada por Donald Trump que impedia a entrada de cidadãos de sete países de maioria muçulmana nos EUA. Em paralelo à história de Susane Fowler, outras mulheres, antigas funcionárias da Uber, começaram, também elas, a partilhar histórias de sexismo e assédio. Aimee Lucido assina uma publicação no seu blog em que descreve a história de Fowler como “a verdade inconveniente da indústria da tecnologia”. “Eu acho que é nojento e terrível, mas não estou chocada”, avalia. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. “Todos sabemos que há um problema de sexismo na tecnologia, mas esquecemo-nos do quão extremo, frustrante e severo pode ser, até que acontece a alguém que conhecemos”, escreve. Aproveita, então, para narrar um episódio semelhante de assédio, que aconteceu enquanto estagiava na Google. “Em alguns níveis, conseguimos perceber que o sexismo existe. Percebemos que o racismo, a discriminação em função da idade, a homofobia, a xenofobia etc. etc. existem, mas só internalizamos quando acontece a alguém que nos é próximo”, acrescenta. Conta que o número de mulheres na Uber tem vindo a decrescer. Já Fowler tinha tocado no mesmo assunto, referindo que quando entrou na Uber as mulheres constituíam 20% da força de trabalho, mas que, quando saiu, representavam apenas 3% dos engenheiros da empresa.
REFERÊNCIAS:
Entidades EUA
Por trás de uma Mulher-Maravilha há outra mulher — e muita história
Super-heroína só conseguiu chegar ao cinema já septuagenária. Gal Gadot protagoniza o primeiro filme de super-heróis realizado por uma mulher, Patty Jenkins. (...)

Por trás de uma Mulher-Maravilha há outra mulher — e muita história
MINORIA(S): Africanos Pontuação: 2 Mulheres Pontuação: 2 Homossexuais Pontuação: 6 | Sentimento -0.4
DATA: 2017-06-02 | Jornal Público
SUMÁRIO: Super-heroína só conseguiu chegar ao cinema já septuagenária. Gal Gadot protagoniza o primeiro filme de super-heróis realizado por uma mulher, Patty Jenkins.
TEXTO: O primeiro filme de Patty Jenkins levou-a aos Óscares. Só 14 anos depois conseguiria fazer outra longa-metragem. Deu o Óscar a Charlize Theron com Monstro em 2003, mas nos anos seguintes só encontrou trabalho na televisão. Regressa pela porta blockbuster, grande mas mal amada entre autores e críticos, fazendo de Mulher-Maravilha o primeiro filme de super-heróis realizado por uma mulher. Gal Gadot protagoniza, muita da crítica elogia, o arquétipo da DC Comics reanalisa-se. Sem pressão: “um filme que pode determinar o destino das super-heroínas nos próximos anos” (Los Angeles Times); “Patty Jenkins conseguirá tornar o mundo dos super-heróis um lugar seguro para as realizadoras?” — o filme tornou-a “a realizadora mais importante a trabalhar hoje” (Hollywood Reporter); “pode ajudar a fechar o pay gap em Holywood” (Laura Martin, analista de média); “pode mesmo virar a maré” para a DC (Shawn Robbins, analista do BoxOffice. com). Mulher-Maravilha, que quinta-feira se estreou mundo fora, carrega vários fardos. É um filme de 150 milhões de dólares – Jenkins torna-se na segunda mulher a dirigir um filme com um orçamento superior a 100 milhões de dólares (a primeira foi, claro, Kathryn Bigelow com K-19) — depois de Monstro, que escreveu e realizou por oito milhões de dólares. Não é o primeiro filme de super-heróis (o género alfa na produção nos EUA) com uma protagonista feminina porque houve Supergirl (1984), Catwoman (2004) e Elektra (2005), três desastres que até agora eram citados como impedimento para voltar a “arriscar” em superpersonagens femininas. Mas os elencos alargados de X-Men e Os Vingadores têm mais mulheres, Scarlett Johansson, Angelina Jolie ou Milla Jovovich deram o seu contributo como heroínas de acção e os Jogos da Fome de Jennifer Lawrence provaram que uma fantasia de acção vende no feminino. O Despertar da Força e Rogue One de Star Wars continuaram nessa linha. Curiosamente, a Mulher-Maravilha estreou-se no cinema aos 75 anos, numa breve e saudada aparição em Batman v Super-Homem: O Despertar da Justiça (2016). No cinema já houve sete Super-Homem (por três actores), nove Batman (seis actores), ambos ícones da DC, e filmes vários com o Homem de Ferro ou Thor. Só em 2019 haverá uma Capitã Marvel (Brie Larson) no cinema e mais uma vez o filme de Jenkins está a ser visto como a prova dos nove do género. “O escrutínio para representar tudo o que for possível sobre 50% da população pode ser injusto”, diz Jenkins no Los Angeles Times. Anualmente, as estatísticas e os seus protagonistas têm denunciado os desequilíbrio de género, etnia e orientação sexual na indústria cinematográfica. Nos EUA em 2016 só 7% dos 250 filmes mais rentáveis foram realizados por mulheres; na última década e alargando a amostra para mil filmes, a percentagem desce para 4%. Por isso é que o facto de um blockbuster como este ser realizado por uma mulher “é extraordinário” e “um passo na direcção certa” para Stacy L. Smith, investigadora sobre diversidade em Hollywood na Universidade da Califórnia Sul, falando ao Los Angeles Times. No mundo dos comics, em que Diana, a Mulher-Maravilha, nasceu há 76 anos pelas mãos do psicólogo formado em Harvard William Moulton Marston para mostrar “o crescimento do poder das mulheres”, a personagem é também uma minoria. As personagens femininas são apenas cerca de 30% nas duas majors, a DC e a Marvel, indica um estudo do site de dados FiveThirty Eight. Mas Mulher Maravilha, o filme, não surge só de uma deriva temática pró-diversidade. “Historicamente, o público deste género é masculino — 60 a 40% — mas se se conseguir manter os homens e acrescentar um público feminino significativo, é uma dupla vitória”, admitiu o produtor Charles Roven à Hollywood Reporter. Outra coisa joga a seu favor: os fãs parecem estar calmos e felizes, ao contrário do que aconteceu com alguns indignados com Caça-Fantasmas, versão feminina, em 2016. Como a política da representação é um tema quente em Hollywood, especialmente nos últimos anos, isso tem impacto nas expectativas dos próprios estúdios. A Warner mantém as previsões baixas para o primeiro fim-de-semana da Mulher-Maravilha — entre 58 e 67 milhões de euros de receitas de bilheteira, números que outros analistas já reviram em alta. O mercado internacional pode fazer perto de 155 milhões até domingo, por exemplo. Os números de Esquadrão Suicida e Batman v Super-Homem: O Despertar da Justiça, os dois últimos filmes DC/Warner, eram muito mais optimistas (e cumpriram-se, com receitas conjuntas de 1, 4 mil milhões de euros) mas, ao contrário de Mulher-Maravilha, foram um flop crítico. Entretanto, os media e os fãs maravilham-se com o facto de Mulher-Maravilha ter atingido 94% de aprovação no agregador de críticas profissionais no Rotten Tomatoes e uma nota de 8, 5 em 10 nos votos de utilizadores do IMDB. É um momento noticioso em si, e tudo porque recentemente o vitríolo online já asfixiou a narrativa de outros filmes de grande orçamento — como os ataques racistas e sexistas às protagonistas de Caça-Fantasmas 2016 no Twitter — ou aprofundou a distância entre críticos e espectadores — como exemplifica a petição criada por fãs da DC para fechar o Rotten Tomatoes após a reacção negativa dos críticos a Esquadrão e Batman v Super-Homem. A Mulher-Maravilha é uma personagem e um arquétipo altamente escrutinável. Nos comics, combateu nazis, monstros verdes, foi estrela de televisão, uma amiga que ajudou outra com o seu distúrbio alimentar e embaixadora da paz na ONU, com ou sem fato reduzido. A comunidade gay gostava dela, muitas feministas também. Gloria Steinem pô-la na capa da revista Ms. em 1972, porque “simboliza muitos dos valores da cultura das mulheres que as feministas tentam agora introduzir no mainstream”, escreveu a autora na altura, falando em “autoconfiança”, “irmandade” e no minorar do papel da violência como resolução de conflitos. “Ícone”, resume o ilustrador George Pérez no prefácio da antologia Wonder Woman (2010). Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Mas a certa altura também foi secretária dos outros heróis da DC, geriu uma boutique, foi relegada para papéis mais convencionais. Quando Gal Gadot foi escolhida para o papel, o seu uniforme revelador e até o facto de ter ou não pelos nas axilas foi escrutinado. Em textos sobre o filme, identifica-se a ausência de colunas — arquitectura fálica — na ilha do Paraíso de onde é oriunda Mulher-Maravilha, fala-se do sáfico, de ginocracia, explica-se porque Gadot ou Robin Wright usam compensados no filme e não calçado prático, elogia-se os sapatos rasos da protagonista na antestreia. No ano passado e na vida bem real, a personagem foi destituída do seu papel de embaixadora honorária da ONU para o empoderamento de raparigas e mulheres. Houve críticas à ONU sobre a falta de sensibilidade cultural da personagem e contra a objectificação feminina que representaria. Gal Gadot explica: “os argumentistas, a Patty e eu percebemos que a melhor forma de mostrar isso é mostrar Diana como não tendo qualquer consciência dos papéis sociais. Ela não tem fronteiras de género. Para ela, toda a gente é igual”. Patty Jenkins quer que a heroína tenha o aspecto da sua “fantasia de infância”, gira e sexy mas também “bondosa”. Para Jenkins, o escrutínio constante, as exigências do público, a indignação da Internet ou o ultraje das redes sociais não lhe permitem trabalhar. Isola-as. “Não sou só uma cineasta, sou uma mulher cineasta. É uma face de dois gumes, porque por um lado choca-me que isso seja uma raridade e estou super grata por ser a pessoa que tem a oportunidade de o fazer; mas por outro lado só cheguei aqui por não pensar de todo nisso. Cheguei aqui partindo do princípio que podia fazer o que quisesse se estivesse disposta a trabalhar o suficiente”, sublinha no Los Angeles Times. E remata, na Variety: “Uma mulher não tem de realizar um filme de mulheres e um homem não tem de realizar um filme de homens”. O que é “maravilhoso é realizar isto como uma mulher porque para mim [o filme] não é sobre ela ser uma mulher — é sobre um herói”. E a realizadora gosta de um certo tipo de herói. A sua carreira viu filmes a cair por terra, foi brevemente interrompida pela maternidade, passou muito pela televisão — o piloto da série The Killing, que lhe deu uma nomeação para os Emmy, Arrested Development, Entourage — e esteve na corrida para realizar Thor: O Mundo das Trevas (2013). A Warner começou a trabalhar em Mulher-Maravilha em 2005 e Joss Whedon (Os Vingadores da rival Marvel/Disney) e Michelle McLaren (Breaking Bad) foram considerados. Jenkins, fã da versão que Lynda Carter fora na TV nos anos 1970 e devota de Super-Homem (1978), lá convenceu o estúdio a fazer “uma história de origens muito directa, que fizesse justiça ao espírito positivo da Mulher-Maravilha, uma grande história de amor, um bom sentido de humor”, como resumiu recentemente ao New York Times. Tem uma receita simples. “Ter a quantidade certa de pop e seriedade juntas. ”
REFERÊNCIAS:
Entidades ONU EUA
O bombista suicida é uma mistura do anarquista do século XIX com o mártir
Vai começar uma guerra de civilizações? Alguma vez existiu um mundo bipolar entre o islão e a cristandade? Até que ponto o conflito é construído com mitos e mentiras? Qual a genealogia do Estado Islâmico? Quem são os jihadistas e o que pretendem? Será possível compreendê-los? Jaime Nogueira Pinto escreveu um livro, O Islão e o Ocidente, sobre as andanças históricas da “grande discórdia” (...)

O bombista suicida é uma mistura do anarquista do século XIX com o mártir
MINORIA(S): Africanos Pontuação: 2 Mulheres Pontuação: 2 Homossexuais Pontuação: 6 | Sentimento 0.0
DATA: 2017-09-24 | Jornal Público
SUMÁRIO: Vai começar uma guerra de civilizações? Alguma vez existiu um mundo bipolar entre o islão e a cristandade? Até que ponto o conflito é construído com mitos e mentiras? Qual a genealogia do Estado Islâmico? Quem são os jihadistas e o que pretendem? Será possível compreendê-los? Jaime Nogueira Pinto escreveu um livro, O Islão e o Ocidente, sobre as andanças históricas da “grande discórdia”
TEXTO: Jaime Nogueira Pinto, historiador, doutorado pelo Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas, é um homem com uma perspectiva sobre a realidade política e histórica. Poder-se-ia pensar que o seu posicionamento, na direita conservadora, o levaria a olhar o terrorismo islâmico com desprezo e intolerância. A verdade é que o “fascista de serviço”, como ele gosta, com um sorriso, de se definir, respeita Bin Laden e acha que vale a pena tentar compreender o Estado Islâmico. É o que tenta fazer em, publicado pela D. Quixote. O Ocidente quer sempre libertar e há sempre gente para ser libertada. Os próprios conquistadores espanhóis das Américas, para irmos a um caso limite de selvajaria, fizeram isso. Cortez aliou-se com muitas tribos de índios que eram oprimidos pelos aztecas. Napoleão, que estava a começar uma guerra contra o Império Britânico, tentou aparecer como um libertador. Mais tarde, o Lawrence da Arábia fez o mesmo, ao serviço do Exército inglês, prometendo coisas aos árabes que os seus próprios chefes já estavam a atraiçoar completamente. Exactamente. Já tinham dividido os territórios entre a Inglaterra e a França. E prometido arranjar um espaço para a comunidade judaica. Tinham prometido a mesma coisa a três ou quatro entidades diferentes e não se importaram muito com isso. Em suma: o Ocidente sempre usou e manipulou toda esta região. E fê-lo mais facilmente a partir do momento em que o Império turco ia decaindo, durante todo o século XIX, culminando com a derrota na Primeira Grande Guerra. Os muçulmanos tiveram uma ascensão rapidíssima. Entre o início da pregação de Maomé e a conquista do seu império, vai praticamente um século. Maomé morre em 632, em 711 eles estão na Península Ibérica. Têm um século em que é sempre a crescer. Da Ásia, ao Império Bizantino, o Egipto, o Magrebe, numa grande cavalgada que é um misto de conquista e conversão. Isso leva-os a um pico de grandeza, a uma época, do califado, nos séculos VIII e IX, de grande fulgor civilizacional. Depois entram num ciclo de alguma decadência, desde a expulsão da Península Ibérica, em 1492, e é o império turco, os otomanos, que vai tomar as rédeas da liderança do mundo muçulmano. E durante os séculos que se seguem há uma espécie de confrontação com o mundo cristão, mas que não é permanente. As guerras dentro do islão e as guerras dentro da cristandade são muito mais permanentes do que o choque entre os dois blocos. Houve alguns momentos de coligação em cada um dos campos, para combater o outro, mas são raros. Quando os turcos tomam Constantinopla, em 1453, quando os cristão derrotam os turcos em Lepanto, em 1571, ou quando os turcos ameaçam Viena, nos finais do século XVII. Mas a luta, se virmos bem, é mais das potências católicas, sobretudo a Espanha dos Habsburgo, por vezes Portugal, a Santa Sé. Já a França, por exemplo, tem uma posição ambígua. A maior parte das vezes está do lado dos turcos. E os ingleses também. Ao nível mental houve, de facto, na Idade Média, antes da Reforma, um mundo que é a Respublica Christiana, definido por valores ideológicos e religiosos, que levou por exemplo ao fenómeno das Cruzadas. Mas à medida que os estados se começam a formar, o interesse estatal passa à frente dessa unidade religiosa, que entretanto se quebrou. Exactamente, a partir de 1519. Aliás, é interessante que os pintores protestantes, como Durer, e como esse Mathias Gerung, que ilustra a capa do meu livro, representam muitas vezes nas suas obras, lado a lado, os grande inimigos da fé e de Deus: O Grande Turco e o Papa. Aparecem juntos, pintados como uns demónios, ou lagartos. O passado é sempre um produto da nossa imaginação. No século XIX, com os nacionalismos, a maior parte das nações europeias…Foram inventar uns pais fundadores, um Viriato, ou um Vercingetorix [que liderou a grande revolta gaulesa contra os romanos em 53 a. C. ]. A História é sempre um campo muito mobilizável para essas ideias. A História e a Arte. Wagner por exemplo, foi buscar aquela mitologia dos Nibelungos, todos aqueles heróis ou semideuses germânicos pagãos, que não tinham existência histórica. No mundo muçulmano, passou-se algo paralelo. Há um certo esplendor, que se tornou mítico, e depois toda essa decadência do império turco, a partir de princípios do século XIX, em que são colonizados, dominados, explorados, e que culmina com a Grande Guerra. Depois, é o pacto Sykes-Picot que decide a sorte do império turco. Deixa os sauditas tranquilos, permite a criação dos reinos do Iraque e da Jordânia, mas há um grande vazio, que é ocupado essencialmente pelos ingleses e franceses. Ora depois vem a Segunda Grande Guerra e a seguir um movimento de descolonização. Aí nascem os nacionalismos árabes. Nasser faz a revolução dos jovens oficiais no Egipto, etc. Nacionalismos de cada nação. Sim, laicos, socialistas, que evocam o panarabismo. Na Síria, no Iraque, surgem os partidos Baas, cujo teórico, aliás, é Michel Aflac, que é um cristão. Esses movimentos não são islamizantes, pelo contrário. O Egipto de Nasser acaba por enforcar os líderes da Irmandade Muçulmana, Hassan Al Banna e Said Qutb. Sim, vão buscar a União Soviética, cuja simpatia, curiosamente, ia, em 1948, mais para o Estado de Israel, porque ideologicamente era socialista, igualitário. Exactamente. E depois há uma série de dirigentes do Terceiro Reich que escapam para o mundo árabe e ficam por lá. Não chegam a estar. Mas aparecem vários, como uma espécie de consultores. Mais com o fascismo italiano. Nos anos 30, Mussolini tinha criado em Roma o Instituto para o Oriente, para onde procurou atrair uma série de líderes, teóricos e académicos do mundo árabe, para encontrar uma certa afinidade. Estava adormecida. O ano da viragem é 1979. No Irão, que era uma autocracia monárquica modernizante, com o Xá, chega ao poder o Ayatollah Khomeini, em Fevereiro. Em Novembro, dá-se o ataque à Grande Mesquita de Meca, pelos integristas, contra a família real saudita, que acusavam de atraiçoar os princípios do islão e deixar os estrangeiros ocuparem a terra sagrada da Arábia. Por fim, a invasão soviética do Afeganistão, com uma guerra que terminará meia dúzia de anos depois e, de certa forma, vai determinar o colapso da URSS. Aliás a retirada é já no tempo de Gorbatchov. Os sauditas começam a apoiar no exterior, através de fundações de caridade, a reislamização das populações, no sentido fundamentalista. Também por isso. Há uma preocupação com o crescimento do xiismo, que até aí não mandava em nada. Mas principalmente para acalmar o clero wahabita e o movimento integrista interno. O efeito no mundo islâmico é o nascimento de um sentimento identitário islâmico, cada vez mais poderoso. Esta atitude saudita e o combate no Afeganistão estão na genealogia dos movimentos radicais recentes, como a Al-Qaeda. Formam-se naquele internacionalismo religioso anti-soviético. Sim, muito alimentado pelos EUA, a Grã-Bretanha, os sauditas, o Irão. Coexistiram ajudas muito estranhas. Sim, é a religião. Bill Casey, que era director da CIA nessa época, quando começou as conversações com o embaixador saudita em Washington, disse-lhe: “Nós temos uma causa comum. ”Sim. Casey, que era católico praticante e que ouvia missa todos os dias, viajava sempre com o seu capelão, no avião da CIA. Na Arábia Saudita não era fácil, mas ele dizia: “Se não o posso trazer, não venho cá. ”A linha era: nós, os crentes, temos um inimigo comum, que é o materialismo soviético ateu. Já tinha havido outra situação histórica parecida, menos conhecida. Na guerra civil espanhola, uma das bases fundamentais do exército de Franco foram os regulares marroquinos. Eram uns milhares de soldados marroquinos do exército espanhol. E o sultão, e os ulemas, fizeram na altura uma declaração encorajando esses soldados marroquinos a combater os materialistas ateus. Tal como aconteceu na guerra de Espanha, com o fenómeno das brigadas internacionais, também houve esse voluntariado ideológico no Afeganistão. Essa cruzada anti-soviética mobilizou muçulmanos de todo o mundo. Sim, e é interessante que dez anos depois, quando Saddam Hussein invade o Kuwait, Osama Bin Laden escreve uma carta ao rei Fahd da Arábia Saudita…E que ele levantará um exército de dezenas de milhares de crentes para expulsar Saddam do Kuwait. O rei nem sequer respondeu. Desde o tempo em que Roosevelt se encontrou com o rei Saud, nos finais da guerra do canal de Suez. O rei viu que seriam os americanos a mandar, e não os ingleses, e fez o. Roosevelt aproveita a oportunidade. Claro. Já tinha sido. Aliás, uma das causas da derrota da Alemanha hitleriana é a questão energética. Andaram à procura de petróleo por todo o lado. É por isso que ainda hoje os alemães estão na vanguarda das energias alternativas. Porque não tinham petróleo. Sim, foi aí que começaram os atentados, nos anos 90, contra bases americanas na Arábia Saudita, etc. Eu li com muita atenção os escritos de Bin Laden, porque é uma pessoa que vale a pena ler. Osama Bin Laden é um homem de princípios. Vê-se que tem uma concepção do mundo. Não interessa qual é, mas tem. Há diferenças até sociais. Bin Laden vem da elite, herdou uma fortuna colossal. E vê-se que há ali uma linha teológica. Sim, tem um pensamento muito político. A ideia dele é tomar o poder no mundo árabe. Tirar de lá o que ele considera serem as elites ilegítimas. E tem uma teoria do inimigo próximo e do inimigo distante. A tese dele é a de que a Casa de Saud se aguenta graças ao apoio americano. Portanto, se os americanos forem expulsos, se se assustarem e fugirem… Convenceu-se de que o fariam depois do ataque ao quartel dos Marines no Líbano, no tempo de Reagan, e da retirada da Somália, depois do episódio de Mogadíscio, em que foram mortos 18 americanos. Concluiu que os americanos fogem quando começam a ver cadáveres. Por isso lançou o grande ataque à América, de 11 de Setembro. Enganou-se profundamente. Quando os ataques eram longe, era uma coisa. Mas se os atacamos em casa, não há para onde fugir. A seguir ao 11 de Setembro, [o então primeiro-ministro israelita] Ariel Sharon disse que era bom que os americanos vissem o que era ter o terrorismo dentro de portas. “Nós temos isto todos os dias. ” Os EUA foram trazidos de novo para o centro do vulcão. Envolvem-se na guerra do Afeganistão, depois no Iraque, que obviamente não tinha nada que ver com terrorismo. Saddam era o líder mais laico da região. E começou um capítulo de desarranjo de todo o Médio Oriente. Surge a Al-Qaeda e depois o Estado Islâmico, liderado pelo quadros dissidentes mais violentos daquela. E formado, além disso, pelos quadros militares, laicos, do exército de Saddam Hussein. A novidade do Estado Islâmico é a territorialidade. A Al-Qaeda não tem território, o que implica uma maior dificuldade de recrutamento. Para os internacionalistas que quisessem alistar-se, era complicado. Vão para onde? Agora é fácil. Chegando às fronteiras do Estado Islâmico, são encaminhados, e lá ficam. Eles jogam na propaganda. Não querem ser um grupo selectivo, com uma grande estratégia. Não, eles querem ir buscar as massas. Há 1600 milhões de muçulmanos no mundo, e eles vão apelar aos deserdados dessa massa, que podem ser os que vivem nos estados islâmicos e se sentem marginalizados, ou os que vivem nas comunidades cristãs da Europa ou EUA, e que estão desenquadrados socialmente. O Estado Islâmico dá-lhes uma identidade. Diz-lhes: fiquem connosco. Nós aterrorizamos os infiéis. Os grandes movimentos totalitários, como o comunismo ou o próprio nacional-socialismo, jogaram nessa ideia do terror. Têm como objectivo seduzir e atrair as massas. Não apresentam grandes construções intelectuais, são mensagens simples com dois objectivos: aterrorizar os inimigos e cativar as camadas menos politizadas, os deserdados. O modelo é muito parecido. A causa do comunismo é o proletariado mundial, humilhado e explorado. Tu, proletário argentino que sofres, explorado, tens aqui a União Soviética que te vai libertar. O nacional-socialismo explorou o patriotismo dos alemães, humilhados pelo tratado de Versalhes. Tu, cidadão alemão, que estiveste na guerra, foste ferido, foste humilhado, tens o teu país ocupado, nós vamos levantar-te. O Estado Islâmico diz: os muçulmanos estão a ser humilhados, explorados. Tu, jovem muçulmano, que estás aí perdido no meio da Europa, onde te desprezam, te marginalizam, se vieres para aqui, tens aqui o Estado Islâmico para te defender. Sim, por isso eles fazem aquelas paradas, demonstrações de força. Exactamente. É o nihilismo que volta a personificar-se nestes voluntários. Não há uma tradição suicida no mundo islâmico. Dos nihilistas russos e dos anarquistas europeus. E até os nossos Buiça e Costa [assassinos do rei D. Carlos] são suicidas, porque sabem perfeitamente que não vão escapar. Os primeirosislâmicos, que aparecem nos movimentos radicais palestinianos, que não eram religiosos, mas marxistas, usavam um lenço branco à volta da cabeça, como os pilotosjaponeses. Não é uma tradição islâmica. É uma coisa nova, introduzida. E há uma reconciliação disso com a ideia do mártir, que vem muito do xiismo. O Hussein que os companheiros abandonaram. Daí a autoflagelação, para se castigarem. O mártir cristão deixa-se matar pela sua fé, mas não mata. O bombista suicida islamista de hoje é uma mistura do anarquista do século XIX com o mártir. Aquele que arremessa uma bomba para a frente do czar, o que mata a arquiduquesa a sangue-frio, sabe que a seguir vão ser presos ou mortos. Tal como na tomada da Grande Mesquita, os que foram presos seriam todos mortos, decapitados. Mas com essa ideia de ser um martírio por Deus. Há duas linhas que são contraditórias. Há um lado purista, dos Irmãos Muçulmanos, que estão contra o poder. Desprezam o “faraó”, o governante ilegítimo. Por outro lado, o clero wahabita, na Arábia Saudita, está com o regime. Quando surgiu a Al-Qaeda e o Estado Islâmico, as autoridades religiosas islâmicas, como a universidade egípcia de Al Azhar, condenaram os seus actos. Mas depois é evidente que para um movimento funciona melhor invocar motivos religiosos nobres do que deixar transparecer a ambição política. Os primeiros califas eram chefes militares e chefes religiosos. São sucessores do profeta, e assumem esses dois gládios. Que no cristianismo se separam a partir de certo momento histórico, embora também tenha havido polémica. A dada altura, os papas querem mandar nos estados e os estados querem mandar na Igreja, como fez Henrique VIII. Houve tensões, mas o problema resolveu-se no século XVI ou XVII. Passou a prevalecer a ideia da Igreja livre no Estado livre. O laicismo francês é uma coisa diferente. No mundo anglo-saxónico, o laicismo é entendido como a separação da Igreja e do Estado. A Igreja trata das almas, o Estado dos corpos. Depois lá se entendem, têm os seus pactos, negociados historicamente, com mais ou menos violência. Em França, a herança é diferente. A Revolução perseguiu a Igreja Católica. O laicismo era entendido, tal como foi aqui, pelo dr. Afonso Costa, não como a Igreja para um lado, o Estado para o outro. Era mais…Acabar com eles, exactamente. Esmaguemos a infâmia, dizia Voltaire. E como entretanto o catolicismo francês perdeu muito da sua força, e a sociedade se secularizou, o laicismo francês voltou-se contra o islão. Não por ser o islão, mas por ser uma religião. Aqueles bonecos que os levaram à desgraça, faziam-nos há muito tempo com o Papa. Desenhavam Bento XVI agarrado a um guarda suíço, com uma criancinha, etc. Mas os católicos não tugiam nem mugiam. Não é uma justificação, apenas uma explicação. Se tivermos uma publicação que sistematicamente insulta os negros, os homossexuais, ou as mulheres, embora no uso da sua liberdade de imprensa, irá decerto provocar indignação e ter problemas. Eu sou católico apostólico romano. Se alguém fizer uma caricatura de Cristo numa posição… uma coisa homossexual, um cristão sente-se profundamente… Cristo é nosso irmão, nosso pai. É uma ofensa gravíssima. O líder é uma representação política. Aqui estamos a falar de uma coisa sagrada. Se for um ateu comunista e lhe fizessem isso ao Lenine, ou um ateu nacional-socialista e insultassem o Hitler, ele também ia lá pôr uma bomba. O Emanuel Todd escreveu agora um livro explicando que se trata daquela classe média e média-alta francesa, filosoficamente céptica, que não acredita em coisa nenhuma e que acha graça ter como alvo as crenças do próximo. Ora as crenças, para quem tem fé, são o mais importante da vida. Não justifica, mas explica. Eles estavam a pôr-se em risco, com o permanente desafio a uns tipos que não eram propriamente pêras doces. Os jornalistas nunca ligam nenhuma aos ataques que há por todo o mundo. Aqui tocaram numa coisa que é sagrada para eles. Assim como para mim é sagrado Nosso Senhor Jesus Cristo, para os jornalistas, é a liberdade de expressão. Não acho. É para uma parte dela. Para outra, não é. O risco que corremos é o de a representação do islão ficar nas mãos destes radicais e a representação do Ocidente ficar entregue a este laicismo agressivo, que apesar de tudo é minoritário. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Temos de compreender tudo, mesmo que seja para depois o combatermos. Isso é uma atitude que não teria muita utilidade, nem para nos defendermos. Temos de perceber as razões. Isto é uma paranóia? Uma hiperdefesa de qualquer coisa anormal? Uma coisa é a gente morrer numa guerra de civilizações, porque tem de morrer. Outra coisa é morrer estupidamente.
REFERÊNCIAS:
Religiões Cristianismo
O candidato troll que pode ganhar o Brasil
Jair Bolsonaro poderá ser o próximo Presidente do Brasil? Para uns, isso é um pesadelo que não pode realizar-se. Outros rezam, literalmente, para que tal aconteça. Seguro é que, quando fala, este capitão na reserva tem o dom de irritar muita gente. Mas o verdadeiro problema é o país ter chegado à polarização a que chegou. (...)

O candidato troll que pode ganhar o Brasil
MINORIA(S): Africanos Pontuação: 2 Mulheres Pontuação: 2 Homossexuais Pontuação: 6 | Sentimento 0.8
DATA: 2018-11-30 | Jornal Público
SUMÁRIO: Jair Bolsonaro poderá ser o próximo Presidente do Brasil? Para uns, isso é um pesadelo que não pode realizar-se. Outros rezam, literalmente, para que tal aconteça. Seguro é que, quando fala, este capitão na reserva tem o dom de irritar muita gente. Mas o verdadeiro problema é o país ter chegado à polarização a que chegou.
TEXTO: A voz é doce e não é certo que ela tenha sequer 16 anos, a idade a partir da qual o voto é facultativo no Brasil, um país onde é obrigatório votar dos 18 aos 70 anos. Com o seu violão, Débora Maciel compôs uma música para Jair Bolsonaro, em jeito de hino religioso, que enviou para o site no Facebook do candidato da extrema-direita brasileira, depois de este ter sido esfaqueado no ventre. “Força/Nós estamos aqui de joelhos orando por você/ e te desejando ânimo, coragem/ nós te desejamos toda força. . . ”, diz o refrão desta canção, um hino ao seu ídolo cantado com verdadeira emoção. A iniciativa de Débora puxa a lágrima, e um dos cerca de 5000 comentários que o vídeo tinha na sexta-feira identificava a adolescente como pernambucana — do Nordeste, uma região do Brasil onde mais de metade dos eleitores prometiam guardar o seu voto nas presidenciais para Lula da Silva. Mas há sempre quem prometa que nunca mais votará no Partido dos Trabalhadores de Lula, apesar de muitos terem beneficiado com os programas sociais da governação de esquerda. Exemplo disso é Mariana Fernandes, locutora de rádio de 24 anos, de Capitão Andrade, uma cidade de Minas Gerais. Contou à revista Veja que passou a infância a distribuir panfletos de Lula da Silva, ao vender verduras de porta em porta com a família. “Sempre o idolatrei. Via-o como ‘pai da nação’”, conta. Hoje, vai votar Bolsonaro, e espera convencer a sua mãe a fazer o mesmo. “Percebi que ele ajudava o povo com dinheiro roubado do próprio povo”, afirma, referindo-se ao programa Bolsa Família. E há também o universo dos outros eleitores. A classe alta, ou a classe média-alta, que se sente revoltada com a corrupção, a crise de insegurança, que não existe apenas no Rio de Janeiro, embora o Rio se tenha tornado um expoente dessa crise, que se revoltou com a incapacidade demonstrada pelo Estado para funcionar e da resposta às necessidades básicas dos cidadãos e veio para rua a partir de 2013. “É uma parcela do eleitorado que vive nas periferias que está descontente com a classe política por conta dos escândalos de corrupção e dos altos níveis de violência que afectam, principalmente, as áreas periféricas”, disse à BBC Brasil Lucio Rennó, da Universidade de Brasília. “Quem tem conseguido dialogar com este eleitorado é Jair Bolsonaro. Ele fala a língua desses eleitores e faz isso com naturalidade. ”Fawzi Maufel Ali, técnico de informática de Brasília, de 41 anos, hesitou entre João Amôedo, do Partido Novo, um candidato libertário, com ideias pró-mercado e conotado com a nova direita (bem à direita), e Bolsonaro. Acabou por optar pelo capitão na reserva Jair Messias Bolsonaro. Apesar de, ao contrário do que diz Bolsonaro, Maufel Ali acreditar que o Brasil viveu uma ditadura militar (1964-1985). “O meu pai foi afectado pela ditadura. Eu sei que ela ocorreu. Houve sim, e não é como ele diz. Só que eu não acredito também na narrativa da esquerda, defendo um meio-termo”, disse à Veja. Muitos dos que apoiaram e exigiram a cabeça da Presidente Dilma Rousseff e do ex-Presidente Lula deixaram-se assim encantar por Bolsonaro, político há 27 anos, mas que se apresenta como um campeão do anti-establishment, do politicamente incorrecto, como um impoluto num país de corruptos — apesar de a sua fortuna ter sido feita durante a sua carreira como deputado. Foi neste caldo que se deu um avanço da extrema-direita no Brasil que o historiador e cientista político veterano Boris Fausto, de 87 anos, considera inegável, numa entrevista de finais de Agosto ao jornal Estado de São Paulo. Foi um caldo que surgiu quase sem ser notado. “Estamos à beira do abismo, numa situação muito complicada. Há uma crise institucional muito grave”, avalia. “Bolsonaro é, nitidamente, um candidato que entrou no jogo, mas que também aceita regras fora do jogo democrático”, realça. O desmoronamento das garantias do Estado está por trás desta explosão da extrema-direita. “O que nos levou a isso foi a corrosão do jogo democrático. Corrupção, descrença nos candidatos e nos partidos, seja à esquerda ou à direita. Isso proporcionou o avanço da extrema-direita e o crescimento da ideia de um regime forte. Essa ideia vem sempre associada aos militares, porque, na cabeça de alguns, se alguém tiver de implantar um regime forte são eles, os militares”, afirmou Boris Fausto. Cerca de 15% dos eleitores responde “sim” à pergunta “Você é a favor de um golpe militar em vez da organização de eleições presidenciais?”, no inquérito do site Atlas Político, que depois é calibrado por um programa informático. Andrei Roman, fundador e director executivo da consultora que produz esta plataforma de monitorização da opinião pública, considera que este valor corresponde à base de apoio a Bolsonaro — e é também próximo do mínimo necessário para passar à segunda volta, num cenário de grande polarização, disse em entrevista ao El País Brasil. Bolsonaro, com o seu jeito tosco — capaz de dizer a uma deputada numa discussão sobre criminalidade e sobre um preso por violação que não a violaria porque ela era feia demais —, não está só. Embora confesse não entender nada de economia, deixa toda essa importante pasta da governação nas mãos de Paulo Guedes, um economista doutorado na influente Universidade de Chicago, cuja escola inspirou as políticas liberais de recuperação e reconversão nos países ex-comunistas europeus e também de várias nações latino-americanas — a chamada “terapia de choque”. Guedes defende que a expansão dos gastos públicos no Brasil nos últimos 30 anos “corrompeu a democracia e estagnou a economia”. O Partido dos Trabalhadores (PT) e o Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB), defende, sempre foram parecidos. “Na política brasileira, depois de 20 anos de um regime militar associado politicamente à direita, houve uma reacção a isso que foi de esquerda. Foi absoluta, hegemónica, e é natural e compreensível que assim tenha sido”, disse ao jornal El País Brasil. “O que pode perguntar é porque é que foram tão incompetentes e depois de 30 anos não chegaram a resolver os problemas da educação, da saúde. . . ”Causou surpresa a ligação a Bolsonaro de Paulo Guedes, considerado um dos grandes pensadores do liberalismo económico no Brasil. As poucas posições que o candidato antes expressou sobre economia permitiam classificá-lo como um estatista — mas ele assume que nada percebe do assunto. O economista, no entanto, causou grande inquietação — numa entrevista ao jornal Valor Económico, quando lhe perguntaram se se afastaria caso sentisse que Bolsonaro apresentava propostas que não se coadunassem com a democracia. Ele garantiu que se afastaria, sim, dizendo não acreditar que o candidato de 63 anos, que continua a ser um militar do fundo do coração, desse esse passo. Mas acrescentou: “Posso estar errado. ”É sobretudo a elite brasileira que apoia Bolsonaro, e a elite masculina, que detém o poder. Segundo a pesquisa divulgada na última segunda-feira pelo instituto Datafolha, a rejeição de Bolsonaro entre o eleitorado feminino é de 49%. Num estudo de Agosto do Ibope, outro instituto de sondagens, os eleitores do deputado federal eleito pelo Rio de Janeiro são sobretudo dos estratos sociais mais escolarizados e mais ricos, e é apoiado por duas vezes mais homens do que mulheres. O também capitão na reserva é apoiado por 32% dos mais ricos — o triplo do valor que atinge entre os mais pobres. Mas são também os jovens que estão com Bolsonaro, como acontece noutros países em que candidatos de extrema-direita têm bons resultados eleitorais — veja-se, por exemplo, Marine Le Pen, em França. Um estudo do Observatório das Eleições — uma colaboração de centros de investigação de várias universidades brasileiras — mostra que é entre os eleitores mais jovens que Bolsonaro tem mais apoiantes. Mais precisamente, nas camadas dos 16 aos 24 anos, e dos 25 aos 24 anos. No total, 60% dos eleitores de Bolsonaro têm menos de 35 anos. No entanto, numa actualização posterior do estudo, o professor de Ciência Política da Universidade do Estado do Rio de Janeiro João Feres Júnior, salienta que a página do Facebook de Lula tem fãs muito mais activos do que a de Bolsonaro. Isto "levanta suspeitas sobre o real alcance da página de Bolsonaro, uma vez que seus usuários são exímios clicadores de likes, mas compartilham pouco e comentam ainda menos. Seriam eles usuários humanos?", interroga o investigador. Muito se tem falado sobre a falta de presença que a propaganda de Bolsonaro terá na campanha de televisão e rádio — uns míseros oito segundos — e de como isso será decisivo. Geraldo Alckmin, candidato do Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB, centro-direita), graças à sua política de alianças com os vários partidos que formam o chamado “centrão”, terá uma enormidade de tempo de exposição nos media, o que é tradicionalmente apontado como uma vantagem. “Alckmin tem muito mais tempo do que precisa, mas a questão é como você preenche esse tempo. Não adianta ter todo o tempo do mundo se a sua estratégia de comunicação está errada ou se simplesmente não consegue superar as vulnerabilidades do candidato”, explica ao El País Brasil Andrei Roman, do Atlas Político. “A campanha de Alckmin partiu para a luta tentando desacreditar Bolsonaro, mas o eleitorado deste é muito convicto e não vai mudar para Alckmin. E quem não gosta mesmo de Bolsonaro é a esquerda, que também não gosta de Alckmin. ”Sobretudo depois do ataque à faca que sofreu — e do qual dificilmente recuperará antes da primeira volta das presidenciais —, a 7 de Outubro, Bolsonaro terá forçosamente oportunidade de demonstrar o quanto vale uma campanha feita nas redes sociais, que é quase o seu habitat natural. A sua página no Facebook tem cerca de seis milhões de seguidores, é de longe o que tem mais, seguido de Lula, que serve de página também para promover a candidatura à presidência do agora candidato do Partido dos Trabalhadores, Fernando Haddad, que tem perto de 3, 9 milhões. Mas o número de seguidores não é tudo: João Amôedo, do Partido Novo, um candidato libertário, com posições próximas da nova direita brasileira, não tem mais de 3% das intenções de voto, mas a sua página no Facebook é seguida por 2, 4 milhões de pessoas. É mais importante avaliar o nível de envolvimento dos seguidores com a página — e aí Bolsonaro e Lula/Haddad ganham. Sobretudo Bolsonaro, porque muitos utilizadores vão à página de Lula para o criticar, sublinha Bruno Ferreira da Paixão, autor de uma análise sobre o nível de envolvimento dos seguidores nas páginas dos candidatos no Facebook. De qualquer forma, é na página do candidato de extrema-direita que há mais reacções às publicações, com posts que, seja verdade ou não, são feitos em discurso directo do candidato. Na verdade, é nas redes sociais que muitos eleitores, sobretudo os jovens, encontraram pela primeira vez Bolsonaro, senão em pessoa pelo menos nos múltiplos memes em que ele aparece. Um deles, que se tornou alcunha, põe a cara do capitão na reserva no corpo de Will Smith, no cartaz do filme pós-apocalíptico I Am Legend, que no Brasil teve o título Eu Sou o Mito. Dessa forma, Bolsonaro passou a ser “o Mito”, ou até “Bolsomito”. Há outras variantes, e também depreciativas, como “bolsonazi” e outras impublicáveis. Gabriel Araújo, estudante de Administração de 22 anos, descobriu Bolsonaro pela primeira vez em 2013 através de um meme no Facebook. Foi na altura dos protestos que começaram por ser contra o preço dos transportes e depois se tornaram um movimento contra a Presidente Dilma e contra Lula. Araújo estava desencantado com a política e foi dessa forma improvável que descobriu o político em quem diz que vai votar para Presidente, explicou à BBC Brasil. Do Facebook passou para o YouTube, onde procurou vídeos de Bolsonaro — e há muitos, pois desde 2010 que o agora candidato se tornou presença frequente nos programas de entretenimento da televisão brasileira, segundo um trabalho de doutoramento de Victor Piaia e Raul Nunes em Sociologia, na Universidade Estadual do Rio de Janeiro, citado pelo site Intercept Brasil. Esta experiência mediática ajudou o ex-capitão a tornar o seu discurso mais natural, e a aprender a andar na corda bamba, sempre no limite entre o aceitável e o que muitos dizem ser homofobia, racismo, misoginia e elogio da violência e do fascismo. “Vi Bolsonaro pela primeira vez em 2014, num vídeo no Facebook. Ele não fala nada para agradar ao povo, ou para parecer politicamente correcto”, disse à BBC Jéssica Melo da Silva, de 19 anos. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Estes eleitores jovens nem levam muito a sério as tiradas mais polémicas do candidato. Gabriel Araújo não acredita que Bolsonaro seja racista. “Sou negro e não votaria em ninguém racista”, afirma. Jair Bolsonaro criou uma personagem mediática, alguém que diz uma série de barbaridades porque fala o que lhe passa pela cabeça e não tem receio de o dizer, e é contra o politicamente correcto — uma ideia em voga da nova extrema-direita. “Joga com a incerteza sobre o seu discurso, diz Moysés Pinto Neto, da Universidade Luterana do Brasil, citado pela BBC. “Num vídeo gravado em 1999, disse que mataria pelo menos 30 mil pessoas no Brasil. Ele está falando sério ou não? Não dá para saber. ”Mas essa persona torna-o atraente. Essencialmente, Bolsonaro aprendeu a ser um troll da Internet, mas com um discurso conservador e temente a Deus, e captando o apoio das elites e das forças económicas. Será suficiente para ter a vitória? Nestas eleições, prognósticos só depois do jogo.
REFERÊNCIAS:
Exorcismos
Estou infiltrado num grupo de apoio ao Bolsonaro no WhatsApp. Escrutinei tudo o que fui lendo: 99% das notícias partilhadas são absurdamente falsas. (...)

Exorcismos
MINORIA(S): Africanos Pontuação: 2 Mulheres Pontuação: 2 Homossexuais Pontuação: 6 | Sentimento 0.0
DATA: 2018-10-19 | Jornal Público
SUMÁRIO: Estou infiltrado num grupo de apoio ao Bolsonaro no WhatsApp. Escrutinei tudo o que fui lendo: 99% das notícias partilhadas são absurdamente falsas.
TEXTO: Rosa, Edgar, Renée e Mira são os nomes da minha avó, do meu pai, da minha companheira e da minha filha. Todos brasileiros, nascidos em São Paulo. Neste cerco de afectos e memórias gravitam também os espíritos da bisavó Fanny, do tio Isaac, e dos outros Feldman que fugiram da Polónia para o Brasil nas décadas de 20 e 30, escapando ao Holocausto. Entre os que ficaram para trás, não restou um único sobrevivente. Apenas uma escuridão brutal. Nos últimos anos mergulhei finalmente no Brasil. Mas São Paulo ficou para mais tarde. Na Terra Indígena do povo Krahô — concretamente na aldeia Pedra Branca, onde a Renée passou longas temporadas nos últimos dez anos — ganhei um novo nome, uma nova família e uma outra teia, também ela formada por sobreviventes de um genocídio, possivelmente o maior da História: o dos povos originários. Conheci a maior área contínua do Cerrado (um dos biomas mais ameaçados do mundo) e a língua dos Krahô, que é uma das cerca de 300 línguas faladas no país. E fiz amigos para a vida. Indígenas e indigenistas. Em S. Paulo, fui incorporado na complexa maquinaria instuticional brasileira: cidadão, pessoa física, pessoa jurídica, reservista do Exército. E finalmente, eleitor. Mas hoje, a caminho do segundo turno, o direito ao voto parece uma migalha diante da sombra do Fascismo que se agiganta. Propaga-se o ódio, o racismo, a violência. Na noite do primeiro turno, em casa de amigos, vimos na televisão os resultados que deram uma primeira vitória a Bolsonaro. As sondagens previam este cenário, mas quando a bomba explodiu percebemos que o impacto era muito mais violento. Houve lágrimas e desespero. Recebemos e fizemos telefonemas a amigos e familiares para saber se todos estavam bem, como se a Terra tivesse tremido. Nessa noite, o medo começou a instalar-se nas rotinas, nas casas, e dentro de cada um de nós, como um sintoma de uma tragédia iminente. Nos dias seguintes, a violência irradiou. O assassinato do capoeirista Moa do Katendê e a tortura da rapariga que teve a barriga cortada com o desenho de uma suástica foram casos mediáticos. Mas entretanto fico a saber de mais histórias, incluindo a de amigos e conhecidos, que têm sofrido insultos e agressões nas ruas, principalmente homossexuais e mulheres. Não restam dúvidas: entrámos num estado de excepção. A 10 de Outubro, a Frente Povo Sem Medo convocou uma manifestação em S. Paulo. Eu e a Renée conversámos sobre levar ou não a nossa filha de nove meses. E sobre a importância de não ceder à chantagem da violência latente. Se o dia das eleições foi tudo menos a “festa da Democracia”, esta manifestação seria um acto afirmativo, ligado a uma luta ampla para que os direitos sociais, a paz e a justiça fossem resgatados. Acabámos por ir sozinhos. É válido deslocar a discussão para o campo da oposição entre temor e coragem — apesar de não termos visto outras crianças na manifestação. A conclusão, ao sairmos de casa, é que a prática da autocoerção significa já uma adesão involuntária ao regime do terror, às suas regras e à sua lei moral. Criam-se novos códigos, e novos gestos. Um punho erguido e um sorriso para uma rapariga que passa com uma t-shirt onde se lê “Lute como uma garota!” ou um olhar cúmplice para um rapaz com uma t-shirt vermelha do Tom Jobim. Para um homem branco, hetero, não-periférico, resta ainda uma sensação de segurança ancorada na carapaça simbólica ou escudo de privilégios, que me tira automaticamente da linha da frente. Mesmo assim, tenho cuidado, e é provável que já estejamos a ensaiar os corpos para um novo estado de alerta. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. A campanha de Bolsonaro, totalmente ancorada em grupos autónomos de WhatsApp, foi eficaz ao formar uma massa de fanáticos que aderiu a um regime de violência e constante policiamento a todas formas de diferença e alteridade. O povo da periferia, os negros, as mulheres, os LGBTQ, e principalmente os indígenas têm todas as armas apontadas aos seus corpos. Mas é nesta multidão tão diversa e heterogénea que reside a maior força de bloqueio e a potência das belíssimas transformações que estão por vir. Não deixa de ser entusiasmante ver o grau de politização da juventude brasileira, que nos últimos anos reaprendeu a fazer política nas escolas, nas universidades, nos bairros, nos movimentos sociais (e já agora: como é desanimador o contraste com o sistema de implementação de obediência cega, humilhação e esterilização do espírito crítico ao qual tantos universitários portugueses aderem através das praxes académicas). Estou infiltrado num grupo de apoio ao Bolsonaro no WhatsApp. Em silêncio, para não ser expulso nem ameaçado. Escrutinei tudo o que fui lendo: 99% das notícias partilhadas são absurdamente falsas. O resto é discurso de ódio, apologia da violência, raiva irracional e fanatismo religioso. Há dias, um dos membros publicou uma frase sábia. Não sei onde está a ranhura por onde um outro discurso, uma emoção, ou um pouco de empatia possa entrar. Mas o caminho não passa pela ideologia, muito menos pela teologia e menos ainda pela política. Temos que pensar no significado das palavras deste eleitor do Bolsonaro: “Isto não é uma eleição, é um exorcismo. ” E agora?João Salaviza é cineasta. O seu novo filme, Chuva é Cantoria na Aldeia dos Mortos, realizado com Renée Messora, foi rodado com os índios Krahô
REFERÊNCIAS:
Palavras-chave direitos filha lei violência campo homem racismo medo mulheres assassinato rapariga chantagem
O último Star Wars foi afectado por trolls e bots?
O filme Os Últimos Jedi dividiu os fãs. Rian Johnson, o realizador do oitavo episódio da saga, foi um dos alvos do ódio em reacção ao filme. Agora, um estudo afirma que grande parte das críticas geradas tinha motivações políticas. (...)

O último Star Wars foi afectado por trolls e bots?
MINORIA(S): Africanos Pontuação: 2 Mulheres Pontuação: 2 Homossexuais Pontuação: 6 | Sentimento 0.0
DATA: 2018-10-13 | Jornal Público
URL: https://arquivo.pt/wayback/20181013140819/http://publico.pt/1846189
SUMÁRIO: O filme Os Últimos Jedi dividiu os fãs. Rian Johnson, o realizador do oitavo episódio da saga, foi um dos alvos do ódio em reacção ao filme. Agora, um estudo afirma que grande parte das críticas geradas tinha motivações políticas.
TEXTO: Um estudo conduzido por um jornalista e investigador da Universidade da Califórnia do Sul, nos EUA, afirma que metade dos comentários negativos feitos no Twitter sobre o último filme da saga Star Wars foram produzidos por “bots, trolls e activistas políticos”, alguns dos quais russos. O autor do estudo, Morten Bay, invoca que em causa pode ter estado a diversidade do elenco do filme, onde algumas das personagens principais foram interpretadas por mulheres e actores negros. Star Wars: Os Últimos Jedi estreou em Dezembro de 2017 e dá continuidade à trilogia que introduziu as personagens de Kylo Ren (Adam Driver) e Rey (Daisy Ridley). O filme conta com as personagens da trilogia original, com Luke Skywalker (Mark Hamill) e a general Leia Organa (Carrie Fisher), que continuam a sua missão contra o Lado Negro da Força, numa “galáxia muito, muito distante”. Os resultados de bilheteira ficaram muito aquém dos recordes conseguidos com o episódio anterior: Star Wars: O Despertar da Força (2015) arrecadou dois mil milhões de dólares em receitas de bilheteira em todo o mundo, já Os Últimos Jedi ficou pelos 1, 3 mil milhões de dólares. Morten Bay escreve que o “discurso político nas redes sociais é visto por muitas pessoas como sendo polarizado, sarcástico e permeado por falsidades e desinformação”, e que “os operadores políticos têm explorado estes aspectos do discurso com objectivos estratégicos, especialmente durante as eleições presidenciais norte-americanas de 2016”. O investigador parte daí para estabelecer uma ligação em relação aos fracos resultados conquistados pelo último filme da saga Star Wars. Bay afirma que na sua pesquisa encontrou “provas de que a influência política através da manipulação das discussões nas redes sociais não são exclusivas ao debate político, mas estenderam-se também à cultura pop”. Bay olhou para 1200 publicações feitas no Twitter e dirigidas ao realizador do filme, Rian Johnson, durante os sete meses que se seguiram à estreia. “No geral, 50, 9% dos tweets com comentários negativos tinham como base motivações políticas ou não eram sequer humanos”, escreve Bay. O investigador acredita que as publicações não eram de facto um ataque ao realizador, mas pretendiam funcionar como uma “força de discórdia e disfunção na sociedade norte-americana” e que “querem propagar mensagens que apoiem as causas de extrema-direita e a descriminação de género, cor e sexualidade”. Recorde-se que duas das actrizes que integram o elenco principal, a protagonista Rey, interpretada por Daisy Ridley, e a actriz Kelly Marie Tran, que deu vida a Rose Tico, suspenderam a sua presença nas redes sociais após serem alvo de críticas e insultos. Escreve o investigador que a saga Star Wars “sempre teve uma interpretação dúbia” e que os filmes “envolvem frequentemente, subjectivamente, críticas de problemas políticos contemporâneos”. Mais ainda, argumenta que todo franchising da série (incluindo livros, bandas desenhadas, séries televisivas e videojogos) tem “uma constante tendência de transmitir valores associados à esquerda [norte-americana]”. Uma interpretação já confirmada pelo criador da saga, George Lucas. O realizador confessou que quando realizou o primeiro filme do universo Star Wars – Uma Nova Esperança (1977) se inspirou na Guerra do Vietname. “Era o período em que Nixon estava a tentar candidatar-se a um segundo mandato, o que me levou a reflectir sobre como é que as democracias se transformam em ditaduras”, contou o realizador norte-americano ao jornal Chicago Tribune. “As forças opressivas, técnica e economicamente superiores do Império Galáctico representam o Governo dos Estados Unidos, enquanto as forças sul-vietnamitas, menos avançadas mas resilientes, e a sua vitória improvável inspiraram os heróis da Aliança Rebelde”, conta Bay. As referências à política norte-americana continuam. Durante a administração de George W. Bush, por exemplo, o então Presidente norte-americano deixou um aviso ao resto do mundo depois do 11 de Setembro: “Ou estão connosco ou estão com os terroristas”. A frase que seria dita por Anakin Skywalker (Darth Vader) em Star Wars – A Vingança dos Sith, quatro anos depois. Para Morten Bay, as reacções ao Os Último Jedi representaram "um microcosmos do discurso político nas redes sociais na Era Trump, uma vez que é possível identificar grupos de extrema-direita que reagiram ao filme invocando valores conservadores, com comentários sexistas, racistas e homofóbicos" contra a representação feminina e étnica, por exemplo. A análise de Bay olha para o conteúdo publicado e para o nome (e handle ou @), como é exemplo a de @MarcoSo94862885 (uma conta entretanto já apagada), com uma designação de utilizador gerada automaticamente e que continha erros como “Luje” em vez de “Luke” e “Hamil” em vez de Hamill”, o que sugere que não seria um verdadeiro fã da saga, mas um troll russo, argumenta o investigador. Para além de trolls, identificou pelo menos 61 contas que, acredita, têm uma agenda política. É a estas que o investigador dedica maior atenção. “Se não conseguem ver que o Os Último Jedi foi basicamente uma ‘marcha de mulheres no espaço’ então têm uma agenda”, é um dos exemplos destacados entre o tipo de comentários negativos que mais se repetiram. No entanto, importa lembrar que apesar dos argumentos apresentados pelo investigador, os episódios anteriores a Last Jedi já tinham dado destaque à força de personagens femininas. A princesa Leia (Carrie Fisher) é uma das personagens centrais mais corajosas e fortes de toda a saga. Também a personagem de Lando Calrissian (interpretada pelo actor afro-americano Billy Dee Williams) já tinha surgido na trilogia original, em Star Wars — O Império Contra-Ataca e Star Wars — Regresso do Jedi. Por isso, o investigador admite que, a par dos trolls, existem fãs sem quaisquer motivações políticas que não gostaram genuinamente do rumo dado ao último episódio. “É importante referir também que existe um número substancial de fãs que simplesmente achou o filme mau e usou as redes sociais para expressar a sua desilusão”, assume. Acrescenta por isso que, apesar de o episódio mais recente ser consistente com as posições e valores dos filmes anteriores, “a politização da Era Trump politizou os fãs”. À data, as críticas ao filme apontaram personagens e cenas desinteressantes, como o confronto entre Finn (John Boyega) e a capitã Phasma (Gwendoline Christie, a actriz que interpreta Brienne em A Guerra dos Tronos). Outra das cenas criticadas pelos fãs acontece quando a general Leia usa a Força para flutuar no espaço. As comparações às personagens do Super-Homem não tardaram. Outros simplesmente não gostaram da história atribuída às personagens, que no caso de Rey e de Phasma dizem ter sido pouco explorada. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. E entre as desilusões, nem mesmo Mark Hamill — actor que interpreta Luke Skywalker, o herói da saga original — escondeu a sua. Nas várias entrevistas durante a promoção do filme, Hamill confessou que tinha dito a Johnson que “discordava de tudo” o que tinha sido decidido para a sua personagem, apontando incongruências na evolução de Luke. O realizador comentou o estudo no Twitter vincando que a discussão "não é sobre gostar ou não gostar do filme". "Tive imensas conversas online com fãs que gostaram e não gostaram de coisas. A base da relação com os fãs é essa. Este assunto trata sobre o assédio violento e viral online". Johnson irá regressar ao universo Star Wars na realização da próximo trilogia da saga. Já o próximo e último episódio da actual trilogia está a ser preparado por J. J. Abrams e a estreia no grande ecrã está prevista para Dezembro de 2019.
REFERÊNCIAS:
Entidades EUA
Marcelo diz que Portugal e Brasil “têm de se dar bem”
Reacções à eleição de Jair Bolsonaro no Brasil. (...)

Marcelo diz que Portugal e Brasil “têm de se dar bem”
MINORIA(S): Africanos Pontuação: 2 Mulheres Pontuação: 2 Homossexuais Pontuação: 6 | Sentimento 0.0
DATA: 2018-10-29 | Jornal Público
SUMÁRIO: Reacções à eleição de Jair Bolsonaro no Brasil.
TEXTO: Depois de, logo na noite de domingo, ter enviado uma nota de felicitações ao presidente eleito do Brasil, Marcelo Rebelo de Sousa, defendeu nesta segunda-feira que Portugal e Brasil "têm de se dar bem" e disse esperar "um trabalho em conjunto a nível de chefes de Estado" durante a presidência de Jair Bolsonaro. À saída de uma iniciativa na Reitoria da Universidade de Lisboa, o chefe de Estado português considerou também "fundamental que o Brasil esteja empenhado" no "novo ciclo" que está em preparação na Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP). "Espero bem que aconteça", observou. Quanto às relações bilaterais, Marcelo Rebelo de Sousa salientou que "há uma comunidade portuguesa e lusodescendente fortíssima no Brasil, de várias gerações, e agora há uma comunidade brasileira fortíssima em Portugal". "Portanto, os países têm de se dar bem, e eu espero que seja isso que aconteça no mandato de quatro anos do Presidente que acaba de ser eleito", afirmou. Interrogado se Portugal vai relacionar-se com o Brasil com o mesmo entusiasmo que tinha até aqui, o Presidente da República respondeu que "os chefes de Estado não têm de ter entusiasmo ou não ter entusiasmo, esse é um problema dos cidadãos", e que a sua função é "defender, naturalmente, os respectivos povos". "Fiz questão de enviar a mensagem ao Presidente Jair Bolsonaro e de lembrar a nossa fraternidade, que é histórica e actual, a comunidade portuguesa fortíssima no Brasil e a comunidade brasileira fortíssima em Portugal. Que o mesmo é dizer: esperar que nestes quatro anos haja um trabalho em conjunto a nível de chefes de Estado, mas também de chefe de Estado brasileiro com o Governo português, uma vez que o sistema brasileiro é presidencialista", acrescentou. O primeiro-ministro cumprimentou, em nome do Governo português, o Presidente eleito do Brasil, salientando a relação bilateral "intemporal" entre os dois países, assente numa língua comum" e "fortes laços históricos". "O Governo português cumprimenta o Presidente eleito do Brasil, país com o qual mantemos uma relação bilateral intemporal, assente numa língua comum, em fortes laços históricos, económicos e culturais, e na presença, em ambas as sociedades, de comunidades dinâmicas e plenamente integradas", refere o primeiro-ministro, depois de questionado pela agência Lusa sobre os resultados na segunda volta das eleições presidenciais brasileiras. O CDS emitiu nesta segunda-feira uma nota da direcção do partido em “cumprimenta o presidente eleito do Brasil, Jair Bolsonaro”. Faz votos para que as relações entre os dois países mantenham “as relações económicas e culturais muito profundas”. “Portugal mantém uma relação bilateral muito importante com o Brasil assente na língua comum, em fortes laços históricos, culturais e económicos. (…) Fazemos votos para que essas relações continuem no quaro do relacionamento entre dois estados de direito”, diz a nota do CDS. O líder do Partido Nacional Renovador (PNR) enviou, através da rede Twitter, "parabéns" a Jair Bolsonaro, e ao Brasil, pela escolha eleitoral. "O país foi resgatado das garras esquerdistas e vai conhecer nova época de apogeu", escreveu o líder do partido de extrema-direita, José Pinto Coelho. O dirigente do PSD Tiago Moreira de Sá defendeu que a eleição de Jair Bolsonaro como Presidente do Brasil em nada altera o relacionamento bilateral e que Portugal deve manter "óptimas relações" com o Estado brasileiro, "independentemente de quem é o seu Presidente". Tiago Moreira de Sá argumentou que "as relações entre os países são relações Estado a Estado, não são relações entre a pessoa A e a pessoa B e essas relações permanecem, com base nos interesses e nos valores comuns, mas sobretudo nos interesses comuns, independentemente dos candidatos que ganham eleições". "Em relação à vida política interna dos outros Estados, nunca nos pronunciámos e não faz sentido os países estarem a pronunciar-se sobre a política interna dos outros países. É um princípio de respeito pela soberania dos Estados, que se traduz na não intromissão na vida política de outros Estados", sustentou, acrescentando que "isto é válido para o Brasil, como é válido para qualquer outro país". A deputada do Bloco de Esquerda Joana Mortágua apelou à "vigilância total" da comunidade internacional perante uma possível "degradação democrática" no Brasil após as eleições deste domingo. "É uma vitoria que tem que ser respeitada, mas que nos deixa, enquanto democratas, muito tristes porque diz muita coisa sobre a fragilidade das democracias, que julgávamos estarem sólidas e conquistadas", disse Joana Mortágua, em declarações à agência Lusa. "As forças democráticas do Brasil têm de participar, não abdicar de participar de um regime que ainda é democrático. Não atirar a toalha ao chão, continuar a construir um futuro governo do campo democrático e continuar todos os dias a lutar contra as ideias" de Jair Bolsonaro, sustentou. Numa nota enviada às redacções, o PCP saúda “os comunistas e as demais forças democráticas e progressistas brasileiras que convergiram na candidatura de Fernando Haddad e Manuela D’Ávila”, sublinhando as “condições extraordinariamente difíceis” da candidatura. “Um resultado que é, em si mesmo, um valor para continuar a enfrentar com determinação a ameaça fascista e defender a democracia”, descreve a nota. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Para o PCP, a vitória de Bolsonaro é "um gravíssimo desenvolvimento da ofensiva contra os direitos dos trabalhadores e do povo brasileiro", fruto de uma "sistemática acção" de apoio ao candidato de extrema-direita promovida pelos "grandes meios de comunicação social" e pelas "redes sociais". Face ao discurso “profundamente autoritário, racista, homofóbico, misógino e averso à sustentabilidade do planeta” de Bolsonaro, o partido Livre pede que, se forem postas em prática políticas “discriminatórias e atentatórias dos direitos humanos das mulheres, da comunidade LGBT, dos negros ou índios brasileiros, ou quaisquer outras minorias”, Portugal e a União Europeia abram as portas a todos os brasileiros que “pedirem asilo político”.
REFERÊNCIAS:
O carnaval jamais será vencido
A gente não brinca e festeja porque a vida é mole; a turma faz isso porque a vida é dura, anota o historiador Luíz António Simas. (...)

O carnaval jamais será vencido
MINORIA(S): Africanos Pontuação: 2 Mulheres Pontuação: 2 Homossexuais Pontuação: 6 | Sentimento 0.0
DATA: 2017-06-26 | Jornal Público
SUMÁRIO: A gente não brinca e festeja porque a vida é mole; a turma faz isso porque a vida é dura, anota o historiador Luíz António Simas.
TEXTO: 1. Quem já viu milhares sambando sobre o lixo sabe como carnaval é resistência: mais bonitos, mais altos, mais fortes. Então, no primeiro carnaval pós-impeachment no Brasil, aí estava um lixo que parecia de séculos (e também é), e do Rio de Janeiro à Bahia esse povo ainda não foi vencido. 2. A MINHA HISTÓRIA JÁ FALA POR MIM? / SOU RESISTÊNCIA, ORGULHO SEM FIM / TEM POESIA NO AR, VOCÊ JÁ SABE QUEM SOU / PELO TOQUE DO AGOGÔ, assim terminou o samba-enredo de 2017 da Império Serrano, escola pela qual desfilei, integrando a inesquecível Ala dos Devotos, em 2011 e 2012. Foram anos de luta braba para subir de divisão, voltar ao grupo das campeãs. Este carnaval, com um enredo dedicado ao poeta Manoel de Barros, aconteceu. E não apenas a Serrinha pôde enfim celebrar a sua vitória, como também a da Portela, vizinha lendária lá em Madureira, subúrbio da Zona Norte do Rio de Janeiro. Havia 33 anos que a Portela (escola de Zé Keti, Monarco, Paulinho da Viola e da Velha Guarda), maior campeã no histórico de carnavais, não ganhava um. Quando a Império Serrano conquistou o seu título, a quadra da Portela também vibrou, sambando. Por um instante, Madureira foi a maior alegria do planeta. 3. “Me entristece aturar os tradicionais siricoticos de uma turma de ‘homens de bem’ batendo na tecla de que carnaval é festa de vagabundos alienados, em que as pessoas tiram uns dias do ano para não trabalhar e só se divertir”, escreveu na véspera dos desfiles o grande historiador carioca (de carnaval, samba e religiosidade afro-ameríndia) Luiz Antônio Simas. “Quando escuto isso penso nos vendedores ambulantes, operadores de carro de som, milhares de funcionários dos barracões de escolas de samba, músicos, cantoras e cantores, garis [trabalhadores da recolha de lixo], motoristas de ônibus e condutores de trens e metrô, garçonetes e garçons que aturam os bebuns da folia, entregadores de jornal, jornalistas que ralam nas redacções, funcionárias e funcionários de hotéis, costureiras que fazem as fantasias e em muita gente que rala em outras dezenas de actividades que envolvem os dias de folia. Olhe para o lado: alguém perto de você vai trabalhar com dignidade no carnaval. A gente não brinca e festeja porque a vida é mole; a turma faz isso porque a vida é dura. ” E como foi dura neste último ano. Essa alegria não é de principiantes, não. O carnaval será o derradeiro manguito a tudo o que rebaixa. Quanto mais duro, mais bonito. 4. Claro que os bastidores do Sambódromo não deixam de reflectir a política brasileira no seu pior, no sentido da negociata. A ponto de Simas falar em “colapso prático e moral do modelo de gestão privada e pública do carnaval das escolas de samba do Rio de Janeiro”. Mas entre folia de rua e desfiles na avenida, carnaval também é “cidadania e participação nos grandes debates”, beleza e gentileza persistem “no meio do temporal”, e este ano talvez tenha sido o mais político de sempre, no sentido da resistência. Teve abre-alas de orixás, alas de índios contra o agronegócio, uma alegoria sobre o maior desastre socio-ambiental da história do Brasil (o que a mineradora Vale causou entre Minas Gerais e Espírito Santo): no enredo vencedor da Portela, que era sobre rios, um dos carros vinha cheio de lama, simbolizando a morte do Rio Doce. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. 5. Os blocos de rua cariocas, centenas por toda a cidade, durante dias, foram tomados pelo “Fora Temer!”, com marchinhas de “Fora Temer!”, Tom Zé fez até uma canção. Mas não apenas: num momento em que o prefeito do Rio, acabado de eleger, é o bispo Crivella da IURD, os blocos também contrariaram a caretice, a repressão, a homofobia, o machismo. Aliás, Crivella achou melhor sumir de vista durante o Carnaval. “Foi uma grande celebração da rua, de resistência, muitos blocos fora do circuito oficial, todos se encontrando e seguindo pela cidade, livres”, conta o meu amigo Marcio Debellian (que está a trabalhar num documentário com Maria Bethânia a partir do enredo da Mangueira em 2016). “No carnaval passado ainda vivíamos numa democracia”, diz Marcio. “Esse ano foi diferente. O ‘Fora Temer’ esteve em toda a parte nos blocos a que fui. ” E no Sambódromo, além da Portela falar do Rio Doce, e do enredo dos índios do Xingu, houve mais liberdade, diz Marcio. “Quanto menos grana de patrocínio, que já levou escolas a fazerem enredo até sobre iogurte, mais se volta a um carnaval político, com enredos criados dentro da própria escola, e não por encomenda. Neste sentido, a crise foi boa, tivemos enredos menos chapa-branca. E no carnaval de rua, muitos blocos fora do circuito da prefeitura, que é patrocinado por uma cervejaria. Todos marcando horário pelas redes e grupos de whatsapp e saindo livres pela cidade. Mulheres de seios de fora, beijos e mais beijos, FORA TEMER em uníssono entoado entre as marchinhas. ” Sem esquecer aquele músico da Orquestra Voadora que foi gloriosamente vestido de glitter, e uma meia atada ao sexo com um laço de tigresa. 6. Em Salvador, o “Fora Temer!” chegou ao cimo do trio eléctrico, o tradicional camião de som do carnaval baiano. O vocalista da banda Baiana Systema clamou “machistas, fascistas, não passarão” durante o concerto para o qual foi contratado, e no fim gritou “Fora, Temer!”, com o público fazendo coro. Esteve longe de ser o único a fazê-lo num palco: Caetano Veloso, que actuou de surpresa num concerto de homenagem aos 50 anos do Tropicalismo, em pleno Largo do Pelourinho, centro histórico da cidade, terminou a sua participação com um “Fora Temer!”7. Entrei em 2017 nas areias da Bahia; no começo de Janeiro fui ao ensaio de carnaval do Cortejo Afro; cruzei-me com os Filhos de Gandhi na prociss��o da Lavagem do Bonfim. Então, a estar em algum lugar do Brasil neste Carnaval de 2017 (que segui a partir do Inverno português) seria difícil escolher entre Madureira e Salvador. Se o Cortejo Afro é um bloco de carnaval recente, os Filhos de Gandhi são uma lenda com décadas, desde que um estivador negro teve a ideia de enrolar uma toalha na cabeça, um lençol no corpo, e fazer o carnaval ainda assim, sem dinheiro para fantasia. Este ano, o Cortejo Afro homenageou Gilberto Gil, que depois de marcar a história da música como artista, repensou a política cultural como ministro, com raízes que até hoje fazem diferença no Brasil. O seu braço direito e sucessor, Juca Ferreira, era ministro da Cultura em 2016 e caiu com o impeachment. Gil atravessou esse ano doente, além de tudo o mais. Mas agora, no carnaval, cantou do alto do trio eléctrico com o Cortejo Afro. E esteve também com os Filhos de Gandhi, a quem nos anos 1970 dedicou uma canção fabulosa em parceria com Jorge Ben, invocando quadra a quadra os orixás do candomblé, esses deuses que gostam de beleza (diria Luiz Antônio Simas, e qualquer ida a um terreiro o comprova). Vestido de branco e azul como todos, contas brancas e azuis traçadas no tronco, turbante na cabeça, Gil ainda tocou agogô, no meio da bateria do bloco. Homenageando a diáspora africana, o lema dos Filhos de Gandhi em 2017 era: “A travessia não me abateu, tornou-me forte. ” É tempo de valentes.
REFERÊNCIAS:
Religiões Candomblé
Pesquisa interna pode transformar Facebook numa “roleta russa” social
Lembra-se da informação que partilhou há cinco anos com os seus amigos, quando não imaginava ser quem é hoje? O Facebook lembra-se e, se não a esconder, vai mostrá-la a toda a gente no seu motor de pesquisa. (...)

Pesquisa interna pode transformar Facebook numa “roleta russa” social
MINORIA(S): Africanos Pontuação: 2 Mulheres Pontuação: 2 Homossexuais Pontuação: 6 | Sentimento 0.011
DATA: 2013-01-26 | Jornal Público
SUMÁRIO: Lembra-se da informação que partilhou há cinco anos com os seus amigos, quando não imaginava ser quem é hoje? O Facebook lembra-se e, se não a esconder, vai mostrá-la a toda a gente no seu motor de pesquisa.
TEXTO: A privacidade está de novo na ordem do dia para os utilizadores do Facebook. O motor de pesquisa interna que Mark Zuckerberg apresentou há pouco mais de uma semana permite conjugar aspectos da nossa actividade naquela rede social que podem comprometer pessoas e marcas. O que se fará com a informação de que o McDonald’s já empregou racistas?Este é um dos exemplos publicados por Tom Scott no Tumblr que criou há dias para mostrar os resultados “arrepiantes” do graph search do Facebook. O jovem especialista em tecnologia, de Londres, procurou por “actuais empregadores de pessoas que gostam de racismo” e entre os resultados encontrou o famoso franchise de fast food e a Força Aérea norte-americana. Isto é possível porque o motor de pesquisa está preparado para responder a perguntas que combinem a muita informação que fornecemos voluntariamente: família, amigos, interesses, locais de trabalho, de lazer, de origem, fotografias, cronologias, etc. Se estes dados não se encontrarem protegidos nas definições de privacidade de cada um, aparecem na pesquisa. O que Tom Scott fez foi relacionar informações aparentemente contraditórias e ver se encontrava alguma coisa. E encontrou. O que significa que as nossas incoerências estão à vista de todos – incluindo aventuras que estão à espera do momento certo para serem reveladas à nova namorada ou um “gosto” menos consensual no local de trabalho… como o racismo. “Gostar” de racismo, ou seguir uma página que põe em causa quem está sentado ao nosso lado na empresa – seja racista, xenófoba, misógina ou homofóbica –, pode ser pura ironia, gozo. Mas queremos mesmo ter de o explicar? Se formos homens a viver em Teerão, onde a homossexualidade é perseguida, queremos que se saiba que estamos "interessados" noutros homens? Se formos casados, queremos ter “prostitutas” entre os nossos interesses? O graph search forneceu resultados para todas estas pesquisas efectuadas por Scott, cujo trabalho está a ter impacto internacional, motivando artigos na imprensa de referência e, com isso, preocupações acrescidas. Isto numa altura em que a ferramenta ainda não se encontra disponível a todos os utilizadores do Facebook, que está a alargar o acesso gradualmente. O motor de pesquisa é um avanço da mais popular rede social do mundo para terrenos dominados pelo Google e, uma vez que permite pesquisar por área de formação ou profissão, também pelo LinkedIn. Mas certamente não seria intenção que esta nova funcionalidade afrontasse o próprio Facebook através do seu calcanhar de Aquiles – a privacidade. Os responsáveis pela rede social argumentam que o graph search – que, de resto, se encontra em fase experimental – não altera as definições de privacidade de cada um e que os dados revelados pelas pesquisas já eram visíveis. A pergunta a fazer é: lembra-se daquela informação que partilhou há cinco anos com os seus amigos, quando não imaginava ser quem é hoje?
REFERÊNCIAS:
Palavras-chave homens racismo social racista
Liverpool divulga lista de palavras “inaceitáveis”
Formação de Anfield distribuiu manual de conduta pelos seus funcionários para combater a discriminação. (...)

Liverpool divulga lista de palavras “inaceitáveis”
MINORIA(S): Africanos Pontuação: 2 Mulheres Pontuação: 2 Homossexuais Pontuação: 6 | Sentimento 0.0
DATA: 2013-08-01 | Jornal Público
SUMÁRIO: Formação de Anfield distribuiu manual de conduta pelos seus funcionários para combater a discriminação.
TEXTO: O Liverpool Football Club (FC) entrou na era do Politicamente Correcto (PC), em nome da promoção da igualdade e do combate à discriminação. “Fag” (calão inglês para homossexual), “princess” (princesa), “paki” (diminutivo com carga pejorativa para paquistanês) ou “raghead” (expressão utilizada para árabes) são alguns exemplos que costam de um manual de conduta da formação de Anfiled como expressões que fomentam a discriminação e que o clube da cidade dos Beatles quer erradicar das bancadas do seu estádio. Este manual foi distribuído pelos funcionários do clube que tenham contacto com o público, com a recomendação de fazerem o possível para promover a igualdade em Anfield. A lista de palavras proibidas divulgada nesta quarta-feira pela imprensa inglesa está dividida em raça/religião, orientação sexual, género e deficiência. O guia recomenda aos empregados do Liverpool que “é importante perceber o contexto do que é dito”, acrescentando que considera determinadas palavras e expressões “inaceitáveis”. Mesmo expressões como “joga como um homem” ou “jogas como uma menina” também não são toleradas pela direcção do clube de Anfield. “Este programa inclui seminários interactivos e um manual que presta informação sobre a mais recente legislação sobre igualdade e dados sobre que tipo de terminologia é considerada aceitável e inaceitável. Este programa de consciencialização permite que os nossos empregados reconheçam linguagem que não seja apropriada e que tomem as medidas necessárias para que Anfield esteja livre de todas as formas de discriminação”, explica Rishi Jain, responsável pelos programas de inclusão social do Liverpool e um dos autores do manual. Este manual não foi distribuído pelos jogadores do Liverpool, porque estes já são obrigados a seguir um código de conduta imposto pela Federação Inglesa, e surge um ano e meio depois do caso em que o avançado uruguaio Luis Suárez foi condenado por insultos racistas a Patrice Evra, defesa do Manchester United. Na altura, o Liverpool defendeu o jogador, segundo melhor marcador da Premier League na última temporada, e foi criticado por isso. O internacional uruguaio, que poderá estar de saída do Liverpool a curto prazo, acabaria por ser suspenso por oito jogos e condenado a pagar uma multa de 40 mil libras, com o clube a condenar as sanções aplicadas. Esta é mais uma das medidas tomadas pelo Liverpool para combater a discriminação no clube e promover a igualdade. Em Agosto do ano passado, os reds tornaram-se no primeiro clube da Premier League a estar representado numa marcha de orgulho gay e tem colaborado activamente com organizações como a “Kick it Out”, “Show Racism the Red Card” e a “Anthony Walker Foundation”.
REFERÊNCIAS:
Partidos LIVRE