Desta vez, até para a extrema-direita Milo Yiannopoulos foi longe demais
Declarações antigas a defender pedofilia foram recuperadas, levando-o a demitir-se do Breitbart News onde era editor. Contrato milionário com editora também cai após cancelamento de participação em conferência com Trump e Pence. (...)

Desta vez, até para a extrema-direita Milo Yiannopoulos foi longe demais
MINORIA(S): Africanos Pontuação: 2 Mulheres Pontuação: 6 Homossexuais Pontuação: 6 | Sentimento 0.086
DATA: 2017-02-22 | Jornal Público
SUMÁRIO: Declarações antigas a defender pedofilia foram recuperadas, levando-o a demitir-se do Breitbart News onde era editor. Contrato milionário com editora também cai após cancelamento de participação em conferência com Trump e Pence.
TEXTO: Acabou-se o namoro da direita norte-americana com a estrela da alt right Milo Yiannopoulos. Desta vez, o teor das afirmações do polémico colunista britânico em relação à normalização e aceitação do abuso de menores custaram-lhe um negócio milionário com uma editora para a publicação do seu livro, levaram-no a apresentar a demissão do Breitbart News, onde era editor, e valeram críticas da ala mais conservadora da política norte-americana, que até agora tinha dado carta branca às posições discriminatórias do editor do site Breitbart News sob o pretexto da liberdade de expressão. As declarações polémicas constam de uma gravação de um vídeo de live-streaming que circulou durante este fim-de-semana. Nas imagens gravadas durante uma emissão do podcast Drunken Peasants, Yiannopoulos relativiza os crimes de pedofilia e expressa aprovação sobre as relações sexuais entre rapazes de 13 anos e homens mais velhos, que considera poderem ser “ experiências tremendamente positivas”. "Ajuda os rapazes a descobrir quem são e dá-lhes segurança, uma relação com um amor e um tipo de estabilidade que eles não têm com os pais”, defende Yiannopoulos. E falando sobre os escândalos de abuso de menores na Igreja Católica nos Estados Unidos, o polemista graceja e responde que foi graças a um padre que melhorou as suas técnicas de sexo oral. "Pedofilia não é a atracção sexual em relação a alguém com 13 anos que é sexualmente maturo. Pedofilia é a atracção por crianças que ainda não atingiram a puberdade", continua, discutindo "a noção de consentimento" como "opressiva" e afirmando que “a idade de consentimento não é uma questão de preto no branco”. Esta segunda-feira, a editora Simon & Schuster e a sua marca editorial Threshold Editions anunciaram que, “depois de uma ponderação cuidadosa”, decidiu cancelar publicação do livro: Dangerous (Perigoso), uma obra autobiográfica de Yiannopoulos que tinha data prevista de chegada às bancas para 13 de Junho, e pela qual autor teria recebido adiantadamente 250 mil dólares (cerca de 236 mil euros) no final de 2016, escreve o Guardian. Esta terça-feira, uma pesquisa do título do livro na loja online Amazon conduzia a um endereço não disponível, deixando por isso de ser possível reservar a compra da obra. Antes disso já tinha sido retirado o convite para participar na Conferência da Acção Política Conservadora (Conservative Political Action Conference) que lhe tinha sido feito pelo actual líder da União Conservadora Norte-Americana, Matt Schlapp. O responsável pela organização considerou que os esclarecimentos que Yiannopoulos prestou através do Facebook sobre a sua defesa da pedofilia foram "insuficientes". "Devido à publicação de um vídeo ofensivo nas últimas 24 horas aprovando a pedofilia, a União Conservadora Norte-Americana decidiu rescindir o convite", explicou Schlapp, rejeitando a presença de Yiannopoulos no evento que contará com o Presidente e o vice-presidente dos EUA, Donald Trump e Mike Pence. "Continuamos a pensar que a CPAC é um fórum construtivo para controvérsias e desacordos entre os conservadores, mas entre nós não há discórdia sobre os males do abuso sexual de crianças", acrescentou. "@ACUConservative has decided to rescind the invitation of Milo Yiannopoulos to speak at #CPAC2017. " pic. twitter. com/sVWGnPCW7CNa sua página de Facebook, Milo Yiannopoulos começa por lembrar aos leitores que é homossexual e que também foi vítima de abuso sexual quando era menor, sublinhando o seu “repúdio por adultos que abusam sexualmente de menores”. Reconhece, no entanto, que o vídeo que circula desde o fim-de-semana mostra uma mensagem diferente, e atribuí ao seu “sarcasmo britânico e tom de humor provocatório”, os mal-entendidos. Acrescenta que as pessoas “lidam de formas diferentes com o seu passado”. Reconhece que a escolha das suas palavras “não foi a melhor”. Ainda assim, esta publicação segue uma anterior que, no ponto seis, reitera que “relações entre jovens e homens mais velhos podem ajudar um jovem gay a encontrar o apoio e entendimento que não encontram em casa". "Isto é perfeitamente verdade e todos os gays o sabem. Mas não estava a falar de nada ilegal nem me referia a rapazes pré-adolescentes”, escreve. “Já passei por pior. Isto não me vai derrotar”, assevera. Esta não é a primeira vez em tempos recentes que a presença de Milo num evento é cancelada. No início do mês, a Universidade da Califórnia em Berkeley cancelou a palestra onde Yiannopoulos iria falar depois de um protesto de centenas de alunos, que degenerou em episódios de vandalismo. Nessa altura, Robert Reich, professor da universidade e secretário do Trabalho de Bill Clinton, contava à CNN que tinha estado presente nos protestos e que acreditava que as acções mais violentas tinham sido executadas por membros da extrema-direita, exteriores à universidade, que apoiam o editor do Breitbart News e que queriam espalhar o caos no campus. Quando soube do cancelamento da presença de Yiannopoulos, Donald Trump chegou mesmo a ameaçar cortar o financiamento da universidade, alegando tratar-se de um atentado à liberdade de expressão. “Devoto” apoiante de Donald Trump, a quem chama de “papá”, Milo Yiannopoulos é tudo menos alguém fácil de entender. O escritor britânico de 33 anos, editor do site Breitbart News, é um nome cada vez mais conhecido pelas suas polémicas (e confusas) declarações. Homossexual assumido, judeu filho de pai grego e mãe britânica, Yiannopoulos assume-se como "ultra-conservador" e surpreende pelo seu discurso preconceituoso, patriarcal, racista, sexista, misógino e de ódio. Apesar de expressar a sua preferência sexual por homens negros, o “privilégio” termina na cama e rapidamente encontramos comentários e acções que celebram a supremacia branca. Foi expulso definitivamente do Twitter por incentivar ataques a uma actriz afro-americana - Leslie Jones, da nova versão de Ghostbusters - e criou de uma bolsa de estudo reservada exclusivamente a homens caucasianos, a Privelege Grant. Yiannopoulos considera o Black Lives Matter um movimento “extremista” e é um forte crítico grupos feministas e LGBT. Afirma que “agarrar as partes privadas de uma mulher não é abuso sexual”, mas sim “uma forma de as mulheres dizerem que alguém expressou interesse sexual nelas”, citando exemplos de histórias de abusos sexuais em universidades e diz que “as mulheres deviam aceitar ser apalpadas e não fazer queixa, tentando destruir a reputação dos rapazes”. Na sexta-feira, por exemplo, no programa da HBO Real Time With Bill Maher, Yiannopoulos disse que o feminismo era “uma doença” e que as pessoas transgénero eram “o equivalente a sociopatas”, num discurso analisado pelo Huffington Post e que rebate as afirmações de Yiannopoulos com números que provam a sua falsidade. Autor de textos como “Pílulas contraceptivas tornam as mulheres feias e loucas” ou “Preferia que o seu filho tivesse feminismo ou cancro?”, escreveu ainda um “guia para a alt-right”, uma designação nova para um movimento velho: a extrema-direita. Nos seus discursos e publicações - que ganham voz no Breitbart News (site até há pouco tempo era liderado pelo actual conselheiro-chefe da Casa Branca, Stephen Bannon), Yiannopoulos advoga que as mulheres que tomam a pílula ameaçam a masculinidade dos homens, destroem a instituição do casamento, causam o divórcio e defende o fim de métodos contraceptivos para “combater o crescimento da população muçulmana”. Diz ainda que as mulheres “estão mais deprimidas” desde que passaram a integrar o mercado de trabalho, “mas não têm coragem de se suicidar”. Acrescenta ainda que “a luta pela igualdade de géneros é absurda” e “não, as mulheres não podem ter tudo”, sendo que o “tudo” são os mesmos direitos que os homens. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. “No Ocidente, as mulheres começam a aparecer em posições de domínio nos media, artes, na área académica, na política, é só escolher”, critica. O resultado? “Os melhores astrofísicos, matemáticos, filósofos, compositores e jogadores de xadrez irão desaparecer”, uma vez que, acrescenta, “os homens são igualmente felizes a jogar um videojogo ou a resolver enigmas do Universo e vão optar pelo entretenimento se não estiverem interessados em impressionar uma mulher”, acredita. Ainda assim, acredita que tal não irá acontecer “porque o QI das mulheres é inferior” e “se a civilização caísse nas mãos das mulheres ainda viveríamos em casas de palha”. O dia terminou com o pedido de demissão por parte de Milo Yiannopoulos do Breitbart News: "Estaria errado ao permitir a minha má escolha de palavras desvalorizar o importante trabalho dos meus colegas", justificou em comunicado.
REFERÊNCIAS:
Entidades EUA
Anti-semitismo está vivo entre os europeus e um terço sabe muito pouco sobre o Holocausto
Uma sondagem da CNN em sete países revela um grande sentimento de antipatia pela comunidade judaica. Uma em cada 20 pessoas nunca ouviu falar sobre o Holocausto. Organizações contra o anti-semitismo dizem que os resultados são “assustadores”. (...)

Anti-semitismo está vivo entre os europeus e um terço sabe muito pouco sobre o Holocausto
MINORIA(S): Africanos Pontuação: 2 Mulheres Pontuação: 6 Homossexuais Pontuação: 6 | Sentimento -0.04
DATA: 2018-12-15 | Jornal Público
SUMÁRIO: Uma sondagem da CNN em sete países revela um grande sentimento de antipatia pela comunidade judaica. Uma em cada 20 pessoas nunca ouviu falar sobre o Holocausto. Organizações contra o anti-semitismo dizem que os resultados são “assustadores”.
TEXTO: Um estudo publicado esta terça-feira pelo canal de televisão norte-americano CNN revelou que os estereótipos anti-semitas continuam vivos na Europa e que a memória do Holocausto se está a desvanecer. Líderes de organizações contra o anti-semitismo e membros dos governos europeus dizem que os resultados são “assustadores” e “deploráveis”. A sondagem conta com um universo de 7000 europeus, espalhados pela Áustria, França, Alemanha, Reino Unido, Hungria, Polónia e Suécia – países onde o anti-semitismo ainda tem lugar e com um passado ligado ao Holocausto e aos horrores da II Guerra Mundial. Um terço dos entrevistados confessaram saber muito pouco ou nada sobre a morte de mais de seis milhões de judeus levada a cabo pelo Terceiro Reich, de Adolf Hitler. Um em cada 20 nunca ouviu falar sobre o Holocausto. Ainda que tenha acontecido apenas há 75 anos e milhares de sobreviventes estejam vivos para contar a sua história, o estudo revela que a memória do Holocausto se está a perder entre os mais novos. Em França, uma em cinco pessoas entre os 18 e os 34 anos disse nunca ter ouvido falar do genocídio judeu. Já na Áustria, país natal de Hitler, 12% dos entrevistados da mesma faixa etária disseram o mesmo. Metade dos europeus inquiridos revelaram saber o que foi o Holocausto, mas apenas uma em cinco pessoas diz saber muito sobre o assassinato em massa de milhões de judeus na Alemanha nazi. O diplomata Felix Klein, encarregado de combater o anti-semitismo no governo de Berlim, disse à CNN que na base da luta está “manter a memória do Shoah [Holocausto] viva” e promover “uma cultura de lembrança”. Klein comprometeu-se a “encorajar outros governos a criar funções” semelhantes às suas, porque o “anti-semitismo é uma ameaça a qualquer sociedade democrática”. Dois terços dos europeus também consideram importante manter a memória do Holocausto viva, para evitar que a História se repita. Este número aumenta para 80% na Polónia, onde foi construído o campo de concentração mais mortífero do regime nazi, Auschwitz. Metade dos inquiridos disse que as celebrações do Holocausto ajudam a combater a onda de anti-semitismo na Europa, mas um terço considera que os judeus utilizam o genocídio como forma de obter poder e de atingir os seus objectivos. Para além disso, o mesmo número de pessoas na Alemanha, Áustria, Polónia e Hungria pensa que as comemorações desviam a atenção de outras atrocidades modernas. Cerca de 55% dos europeus reconhecem que a onda anti-semita é um problema nos seus países — 40% revelaram que os judeus estão em risco de ser alvo de ataques racistas e metade dos inquiridos considera que o Governo devia ser mais activo na luta contra o anti-semitismo. Ainda assim, 46% dos entrevistados dizem que o sentimento anti-semita nos seus países é consequência das acções de Israel e do comportamento da comunidade judaica, que usam o Holocausto para justificar os seus actos. O presidente do Congresso Judeu Europeu, Moshe Kantor, observa que é “extremamente problemático” o facto de os europeus atribuírem culpa aos judeus pelo ódio que lhes é dirigido: “Legitimar o anti-semitismo já é mau, mas deslegitimar o direito dos judeus de lutarem contra esta opressão é absolutamente intolerável. ”“Em França, o aumento do número de actos anti-semitas, bem como homofóbicos, é uma preocupação urgente do Governo”, disse a ministra para a Igualdade de Género, Marlène Schiappa, que classificou os resultados do estudo como “alarmantes”. O número de ataques anti-semitas em França subiu quase 70% nos primeiros nove meses do ano, segundo um comunicado do primeiro-ministro francês, Edouard Philippe, publicado no início de Novembro. Já no Reino Unido, foram registados 727 incidentes com contornos anti-semitas nos primeiros seis meses de 2018, o segundo maior número alguma vez verificado, segundo um relatório do Fundo de Segurança da Comunidade Judaica da região. Feita a média aos entrevistados dos sete países, só uma em cada dez pessoas afirma abertamente ter uma atitude desfavorável ante os judeus. A CNN resume este sentimento numa frase: “Não sou anti-semita, mas. . . ”A atitude anti-semita dos europeus revela-se antes nos estereótipos atribuídos aos judeus: uma em quatro pessoas considera que os judeus têm demasiada influência no campo dos negócios e das finanças, enquanto uma em cinco pessoas lhes atribui demasiada influência nos media e na política. Contudo, 56% dizem nunca ter conhecido um judeu. Esta crença é particularmente visível nas estimativas dos entrevistados para a população judaica no mundo: 20%, disseram dois terços dos inquiridos. Na verdade, apenas 0, 2% da população mundial é de origem judaica, segundo um estudo do Pew Research Center. A presidente do Fundo Educacional do Holocausto, Karen Pollock, disse em comunicado que o estudo “confirma o aumento do número de pessoas que acreditam em estereótipos anti-semitas” e demonstra a sua “decepcionante falta de conhecimento sobre o Holocausto”. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Para Pollock, a chave está na educação e na partilha de conhecimento dos sobreviventes, cada vez menos e muitos já de idade avançada. Avner Shalev, presidente do Yad Vashem, o memorial de Israel para relembrar os judeus mortos no Holocausto, é da mesma opinião. “O resultado da sondagem prova a necessidade de aumentar os esforços na área da educação sobre o Holocausto, essencial no combate ao anti-semitismo”, disse, em comunicado. O presidente da Agência Judaica, Isaac Herzog, disse que o anti-semitismo é “uma das mais antigas doenças”, que, à semelhança do racismo, tem de ser “combatida antes que se torne uma epidemia”. Em comunicado, apelou aos líderes mundiais para que “arregacem as mangas e trabalhem contra os sinais preocupantes do anti-semitismo” em vários países: a “doença” tem de ser “arrancada pela raiz”. Texto editado por Pedro Rios
REFERÊNCIAS:
Étnia Judeu
De manicure activista a “putinha terrorista”, Lyz Parayzo faz arte de guerrilha através do corpo
Já invadiu exposições, já foi censurada, já passou por importantes instituições das artes do Brasil. É um dos nomes mais entusiasmantes e desafiadores de uma nova geração de artistas brasileiros – vamos vê-la no Maus Hábitos a partir de dia 15, na exposição colectiva Adorno Político. (...)

De manicure activista a “putinha terrorista”, Lyz Parayzo faz arte de guerrilha através do corpo
MINORIA(S): Africanos Pontuação: 2 Mulheres Pontuação: 6 Homossexuais Pontuação: 6 | Sentimento 0.0
DATA: 2018-11-18 | Jornal Público
SUMÁRIO: Já invadiu exposições, já foi censurada, já passou por importantes instituições das artes do Brasil. É um dos nomes mais entusiasmantes e desafiadores de uma nova geração de artistas brasileiros – vamos vê-la no Maus Hábitos a partir de dia 15, na exposição colectiva Adorno Político.
TEXTO: Lyz Parayzo não pediu licença para entrar no circuito artístico brasileiro. Começou o seu percurso a invadir exposições da Escola de Artes Visuais do Parque Lage, no Rio de Janeiro, onde estudava, com “trabalhos-surpresa” e acções performativas centradas no seu corpo. Traçou “um plano de guerrilha”. Na primeira intervenção, Secagem Rápida (2015), colou numa casa de banho fotografias do seu ânus esticado pelas suas mãos, com unhas pintadas de cor-de-rosa. Foi censurada. Ao segundo trabalho, despediram-na do cargo de educadora. Ao terceiro, desligaram as luzes a meio da performance. Ameaçaram-na de expulsão. Entretanto, começou a ser convidada para mostrar os seus projectos em galerias e museus. No ano passado, participou na muito falada (e muito polémica) exposição colectiva Histórias da Sexualidade, no Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand (MASP). É das poucas artistas transgénero presentes em colecções de museus brasileiros: está no Museu de Arte Contemporânea de Niterói e no Museu de Arte do Rio. Sem invasões, vamos poder ver Lyz Parayzo (n. 1994) na exposição Adorno Político, de 15 de Novembro a 20 de Janeiro no Maus Hábitos, no Porto – apresenta-se também com uma performance, Manicure Política, na noite de inauguração, e uma palestra, A Vênus de Cor, no dia 17, seguida da exibição do minidocumentário Parayzo. Com curadoria de Tales Frey, Adorno Político reúne obras de artistas brasileiros de diferentes gerações, abrangendo os territórios da performance, body art, vídeo, fotografia. Estão aqui vários “lugares de fala” e “singularidades diversas”, nota o curador. Neste “grupo heterogéneo”, o que liga os artistas são os seus corpos e existências fora da norma; corpos historicamente subalternizados na esfera política, social, artística. Questões relacionadas com o sexismo, o racismo, a LGBTfobia e as heranças da colonização atravessam esta exposição – e são temas indissociáveis da prática artística militante de Lyz Parayzo. “O meu trabalho começou num lugar de activismo, mas como estudava numa escola de arte, o activismo ganhou um carácter artístico”, explica. A par da performance, tem vindo a trabalhar com objectos escultóricos a que chama de “jóias bélicas”, e através das quais ensaia “extensões” do seu corpo. O corpo, esse, está sempre lá. É uma “questão de sobrevivência”. “Ainda não consegui fazer um trabalho sem colocar o meu corpo nele porque estou num lugar de urgência. O meu trabalho está muito ligado à minha vida. Faço porque preciso de fazer. ”Pessoa trans não-binária, criada numa família pobre, começou a invadir inaugurações de exposições no Parque Lage – que integravam obras de alunos mas também de artistas consagrados – como uma forma de se “posicionar politicamente” dentro de um espaço, físico e simbólico, que excluía identidades como a dela. Uma dessas performances-protesto foi EAV AVE YZO, materializada numa fanzine em que criticava medidas da administração da escola, como a criação de uma cantina gourmet com preços nada acessíveis para estudantes de classes mais baixas. Em cópias do menu da cantina, entre a barriga de porco cozida lentamente com sálvia, o entrecôte grelhado no sal grosso com manteiga béarnaise e batatas rústicas ou o galeto no limão siciliano, Lyz carimbou a palavra “fome” a letras garrafais, alternando com uma reflexão sobre a censura nas artes visuais brasileiras. A artista voltaria a abordar as questões de classe, sempre num diálogo com o corpo e as suas possíveis extensões em adornos e indumentária, na performance Fato-Indumento (a tal em que desligaram as luzes a meio). “No Rio de Janeiro, muitas galerias ainda são de famílias de oligarcas que trabalham com arte. São lugares muito higienizados e que não lidam bem com um trabalho de activismo que foge a lógicas mercantilistas”, observa Lyz, para quem “as relações de classe” no meio artístico ficaram “logo muito claras” no início da sua carreira. “Há uma herança colonial e fica bem marcado nesses espaços quem tem um lugar de prestígio. ”A crítica institucional é uma constante nos seus projectos. Nessa “linha”, diz, está Putinha Terrorista, uma série de flyers (alguns deles expostos em Adorno Político) criados a partir da estética dos panfletos de prostituição do Rio de Janeiro, em que os números de telefone e os endereços são, neste caso, das galerias onde Lyz já expôs. “O meu trabalho sempre implicou borrar as fronteiras do que é oficial ou institucional. Com estes folhetos quis falar sobre a prostituição da imagem de certos corpos subalternizados, inclusive dentro da arte”, afirma a artista. “Comecei a colocar também coisas do meu quotidiano, mais politizadas, sobre feminismo, relações de trabalho violentas, colonização, racismo, como a mesticinha na arte brasileira, sempre vista como objecto pintado por brancos. ”Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Comissário(s):Tales Frey Artista(s):André Parente, Andressa Cantergiani, Élle de Bernardini, Gal Oppido, Joana Bueno, Lenora de Barros, Letícia Parente, Lyz Parayzo, Marcela Tiboni, Nino Cais, Priscilla Davanzo, Rafael Bqueer, Renan Marcondes, Suelen Calonga e Tiago Sant’Ana Porto. Maus Hábitos - Rua Passos Manuel, 178. T. 222087268. De 15 de Novembro até 20 de Janeiro de 2019. Terça das 12h00 às 24h00; Quarta e quinta das 12h00 às 02h00; Sexta e sábado das 12h00 às 04h00; Domingo das 12h00 às 17h00. Grátis. Fotografia, Objectos, Vídeo. Apesar de tudo, considera que nos últimos anos tem havido progresso, muito por causa de políticas afirmativas para a educação, que permitiram aumentar o acesso às universidades de pessoas não-brancas e de classes baixas, e também por causa de um movimento feminista, negro e queer que tem ganho protagonismo dentro da produção artística brasileira. “Muitos destes corpos ostracizados não são mais objectos; são sujeitos. Tivemos agora, por exemplo, a exposição Histórias Afro-Atlânticas no MASP, o museu mais importante do país”, assinala. “Há um esforço descolonial em repensar estas instituições. Algumas fazem direito, outras não. Quando digo ‘fazer direito’ é destruir um capital simbólico, não é continuar a fazer homenagem a esses corpos num lugar de fetiche. É ver esses artistas a fazer o seu trabalho, a falarem por si. ” Daqui para a frente, com um governo de extrema-direita no país, a questão é mesmo perceber se esse caminho não vai ser brutalmente interrompido – Jair Bolsonaro já disse que o activismo “não é benéfico” e que quer “acabar com isso”. “Melhorou, mas não sei como vai ser agora”, diz Lyz Parayzo. “Mais do que censura, acho que vai passar por não dar dinheiro para a cultura. ”Não se sabe muito bem o que vai acontecer, mas a artista acredita que o activismo não vai deixar de existir, nem que seja “em espaços independentes”. E é isso que ela vai continuar a fazer nas performances Manicure Política, cujo próximo capítulo acontece no Maus Hábitos. Neste projecto, que começou em 2016 na Torre H, prédio abandonado na Barra da Tijuca desenhado pelo arquitecto Oscar Niemeyer, Lyz monta o seu Salão Parayzo e pinta as unhas de rosa a quem quiser. “Tem esse lado lúdico da manicure, mas também há a conversa: falo sobre como o género é performativo e uma construção social, não uma determinação biológica, falo sobre as várias possibilidades de existir no mundo… É também um trabalho de consciencialização. ”
REFERÊNCIAS:
Dez sugestões para (não) se perder nas Festas de Lisboa
Espectáculos, tradições, ciclos, exposições, arraiais e festivais. São centenas as propostas a partir de 1 de Junho. Aqui tem uma dúzia, à vontade do freguês e quase sempre sem pagar. (...)

Dez sugestões para (não) se perder nas Festas de Lisboa
MINORIA(S): Africanos Pontuação: 2 Mulheres Pontuação: 6 Homossexuais Pontuação: 6 | Sentimento 0.0
DATA: 2019-06-18 | Jornal Público
SUMÁRIO: Espectáculos, tradições, ciclos, exposições, arraiais e festivais. São centenas as propostas a partir de 1 de Junho. Aqui tem uma dúzia, à vontade do freguês e quase sempre sem pagar.
TEXTO: Marchar, marcharA exibição dos marchantes (e do bairrismo) é ponto alto e inescapável de quaisquer Festas de Lisboa. Todos os bairros querem levar para casa o troféu de melhor marcha popular e esmeram-se nos arcos, na música, nas coreografias. Quanto ao público, pode já começar a ensaiar, para entoar com eles, a Grande Marcha de Lisboa que o jornalista Augusto Madureira escreveu para este ano, intitulada Lisboa, alegre e triste. É que a competição não é tão cerrada que impeça que todos cantem uma mesma canção, como manda a tradição desde os anos 1930. Altice Arena (exibição)De 7 a 9 de Junho, às 21h. Bilhetes a 6€Avenida da Liberdade (desfile)Dia 12 de Junho, às 21h. GrátisPraça do Império e Jardim Vieira Portuense (marchas infantis)Dia 15 de Junho, às 17h. GrátisArraiais, arraiais, arraiaisParece não haver canto da cidade sem o seu arraial e as festas invadem Lisboa pelos bairros tradicionais e não só. Sardinha assada, caldo verde, bailaricos fazem a santa trilogia. Depois, há mil e uma variações, mais ou menos modernas, com música para todos os gostos. Especialmente das vésperas do dia de Santo António e pelo fim-de-semana fora, não faltam propostas. Eis algumas:Santa Maria Maior (Alfama, Baixa, Castelo, Mouraria): Centro Cultural Dr. Magalhães Lima no Largo do Salvador, Grupo Desportivo da Mouraria no Largo da Severa, Grupo Sportivo Adicense na Calçadinha da Figueira, Sociedade Boa União no Beco das CruzesSão Vicente: Centro de Cultura Popular de Santa Engrácia na Calçada dos Barbadinhos, Voz do Operário (e pelos largos de São Vicente e Graça)Graça: Arraial da Vila BertaMisericórdia: Corpo Nacional de Escutas Agrupamento 48 Santa Catarina Espaço do Olival, Grupo Desportivo Zip Zip e no Marítimo Lisboa ClubeEstrela: Grupo Dramático Escolar “Os Combatentes” na Rua do Possolo, Rua Vicente Borga, Jardim de Santos, Praça da Armada, Largos do Chafariz da Esperança e Vitorino DamásioAlcântara: Academia de Santo AmaroCampolide: Associação Viver Campolide na Rua de Campolide, Quinta do Zé Pinto, frente ao Parque de estacionamento da EMELAlvalade: Arraial de Santo António – Santos Populares em Alvalade (Parque de Jogos 1. º de MaioBenfica: Associação Recreativa de Moradores e Amigos do Bairro da Boavista na Rua das AzáleasCarnide: Associação de Pais e Encarregados de Educação do Agrupamento de Escolas do Bairro Padre Cruz no Largo junto ao Auditório Natália Correia e no Carnide Clube no Largo do CoretoOlivais: Associação Desportiva e Cultura da Encarnação e Olivais, Grupo Musical “O Pobrezinho” e Ingleses Futebol ClubeParque das Nações: Grupo Recreativo CentieirenseIr à sardinhaComê-las no pão ou no prato faz parte da festa. Vê-las também. A exposição 100% Sardinha mostra quanta criatividade pode caber neste peixe tão popular – ou melhor, na sua silhueta. Alojamento local, plástico no mar e feminismo são alguns dos temas tratados pelos desenhadores, profissionais ou amadores, que participaram no concurso (este ano, até escolas entraram na corrida). Espaço TrindadeDe 1 a 30 de Junho, das 14h às 22h. GrátisFazer coro com o fadoSe a cultura lisboeta radica no fado e o Castelo de São Jorge é obrigatório no postal, nada como juntar os dois num ciclo de concertos. Mais do que convidar artistas, o Fado no Castelo tem-lhes lançado desafios originais. Este ano, cabe a Ana Moura e Raquel Tavares mostrarem o resultado da junção das suas vozes às do grupo Sopa de Pedra e do Gospel Collective, respectivamente. Castelo de São JorgeDias 14 (Moura) e 15 de Junho (Tavares), às 22h. GrátisViajar ao JapãoNem tudo é Lisboa nas festas. O Festival do Japão convida a viajar a este país através das expressões culturais nipónicas, sejam tradicionais ou modernas. Em demonstrações, workshops e espectáculos, há lugar para cosplay, artes marciais, música, gastronomia e muito mais. Jardim Vasco da GamaDia 22 de Junho, das 14h às 22h. GrátisAndar a Com'PaçoAs bandas filarmónicas não faltam à chamada. São elas que protagonizam o ciclo Com'Paço, levando a espaços públicos da cidade repertórios variado, da música clássica à mais popular. Este ano, chegam de Alcácer do Sal, Coruche, Crato, Lisboa, Oliveira de Azeméis e Paredes. E vão andar pelos jardins da Estrela e do Arco do Cego até ao grande concerto final, com 400 músicos a homenagearem Fernão de Magalhães na Alameda D. Afonso Henriques. Jardim da Estrela, Largo Arco do Cego e Alameda D. Afonso HenriquesDia 22 de Junho, às 17h30 (jardins) e 22h (Alameda). GrátisEntrar no arraialNão há freguesia sem seu arraial. Nem véspera de Santo António que os dispense. Mas há um que sobressai pela diferença, pelo colorido e pela afluência (em 2018, recebeu cerca de 70 mil pessoas): o Arraial Lisboa Pride. Convoca gente de todos os géneros e orientações para uma maratona de celebração da liberdade, da igualdade e da diversidade. Além do palco, a que sobem artistas como Johnny Hooker, Batida ou Da Chick, proporciona uma imensa pista de dança e uma série de actividades paralelas, sem esquecer um Arraialito para as crianças e um Arraial Maior para os seniores. Praça do ComércioDia 22 de Junho, das 16h às 4h. GrátisIr à quinta ver filmesFilmes ao ar livre, de qualidade, a custo zero. São estas as razões de sucesso do Cineconchas, o ciclo de cinema que todos os anos convida a visitar à noite o Parque da Quinta das Conchas e dos Lilases. Outro bom motivo é a variedade: há títulos para todos os gostos e idades. A 12. ª edição abre com a A Revolução Silenciosa de Lars Kraume e fecha com Como Treinares o Teu Dragão: O Mundo Secreto. Entre eles, são projectados na tela gigante Hunter Killer, Ralph vs Internet, Todos Sabem, Viúvas, Green Book - Um Guia para a Vida, Cold War - Guerra Fria e Bohemian Rhapsody. Quinta das ConchasDe 27 e Junho a 13 de Julho. Quinta a sábado, às 21h45. GrátisCelebrar a diversidadeFoi há 20 anos que se realizou, pela primeira vez, a Festa da Diversidade. Por um lado, procura “trazer para o espaço público o trabalho desenvolvido por muitas associações e artistas da periferia"; por outro, “combater qualquer tipo de discriminação (. . . ), o preconceito, o racismo, a xenofobia, a homofobia e o machismo”. A música, a dança, a gastronomia e os discursos contribuem para os propósitos. Ribeira das NausDias 29 e 30 de Junho. Sábado, das 16h à 1h: domingo, das 16h às 24h. GrátisSubscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Ouvir variações de VariaçõesAna Bacalhau, Conan Osiris, Lena d’Água, Manuela Azevedo, Paulo Bragança e Selma Uamusse a cantar António Variações com a Orquestra Metropolitana de Lisboa? Sim, no concerto inédito que encerra oficialmente as Festas de Lisboa. Ao palco vai a reinterpretação de um punhado de canções do artista que, nos anos 1980, fez música “entre Braga e Nova Iorque” e marcou o seu tempo por estar à frente dele. Na ficha técnica de António & Variações entram também o coro Gospel Collective, o acordeonista João Gentil e, na orquestração, Filipe Melo, Filipe Raposo e Pedro Moreira. Jardim da Torre de BelémDia 29 de Junho, às 22h. GrátisO seu roteiro de espectáculos, exposições, festas e muito mais
REFERÊNCIAS:
Partidos LIVRE
Quando a literatura pode mudar a sociedade
O escritor mineiro Luiz Ruffato foi o herói da cerimónia oficial da abertura da Feira do Livro de Frankfurt, que começa nesta quarta-feira e em que o Brasil é o país convidado. Arriscou, pôs o dedo na ferida e foi aplaudido de pé. (...)

Quando a literatura pode mudar a sociedade
MINORIA(S): Africanos Pontuação: 2 Mulheres Pontuação: 6 Homossexuais Pontuação: 6 | Sentimento 0.0
DATA: 2013-10-09 | Jornal Público
SUMÁRIO: O escritor mineiro Luiz Ruffato foi o herói da cerimónia oficial da abertura da Feira do Livro de Frankfurt, que começa nesta quarta-feira e em que o Brasil é o país convidado. Arriscou, pôs o dedo na ferida e foi aplaudido de pé.
TEXTO: Para o brasileiro Luiz Ruffato “escrever é um compromisso”. O autor de “Estive em Lisboa e lembrei-me de ti” (que é editado em Portugal pela Quetzal e Tinta da China) quer “afectar o leitor”, modificá-lo, para transformar o mundo. “Trata-se de uma utopia, eu sei, mas me alimento de utopias”, disse nesta terça-feira, na cerimónia oficial de abertura da Feira do Livro de Frankfurt, que este ano tem o Brasil como país convidado. O escritor de Minas Gerais foi escolhido para ser o orador literário da cerimónia de boas vindas ao país convidado ao lado da presidente da Academia Brasileira de Letras, Ana Maria Machado, naquela que é a mais importante feira mundial do sector e que nesta quarta-feira abre portas. Fez um discurso que não deixou ninguém indiferente, mostrando como o Brasil é um “país paradoxal”: “Ora o Brasil surge como uma região exótica, de praias paradisíacas, florestas edénicas, carnaval, capoeira e futebol; ora como um lugar execrável, de violência urbana, exploração da prostituição infantil, desrespeito aos direitos humanos e desdém pela natureza. ”Falou do genocídio histórico dos índios, que em 1500 eram quatro milhões e hoje são 900 mil, das desigualdades sociais, da violência, do racismo, afirmando que a história do Brasil se tem alicerçado “quase que exclusivamente na negação explícita do outro, por meio da violência e da indiferença”. No final havia gente a aplaudir de pé. Emocionou, por exemplo, a mais importante agente literária brasileira, Lucia Riff, uma das veteranas de Frankfurt, e foi ao encontro do que pensa o escritor brasileiro Paulo Lins, autor de Cidade de Deus e de Desde que o Samba é Samba (ed. Caminho), que se sentiu muito bem representado e para quem o discurso do colega mostrou “o Brasil como ele é”. “A gente fica passando essa visão debaixo do pano, ele falou somente a verdade”, disse ao PÚBLICO, surpreendido com a opinião daqueles que consideraram não ser a Feira do Livro de Frankfurt o lugar para se fazer um discurso daquele tipo argumentando que só iria aumentar o estereótipo. “Não seria o lugar?! Mas qual seria o lugar, no congresso nacional brasileiro? Ainda mais tendo os escritores um compromisso com a verdade. ” Também o escritor Cristovão Tezza, autor do premiadíssimo O Filho Eterno (ed. Gradiva) disse ao PÚBLICO ter sentido o discurso de Luiz Ruffato como “muito autêntico e verdadeiro”, alegando que não reforçava o cliché. Luiz Ruffato começou com uma interrogação pertinente: "O que significa ser escritor num país situado na periferia do mundo, um lugar onde o termo capitalismo selvagem definitivamente não é uma metáfora? Para mim, escrever é compromisso. ” Lembrou o “mito corrente” da chamada “democracia racial brasileira”, de que não houve “dizimação, mas assimilação dos autóctones”. “Esse eufemismo, no entanto, serve apenas para acobertar um facto indiscutível: se nossa população é mestiça, deve-se ao cruzamento de homens europeus com mulheres indígenas ou africanas – ou seja, a assimilação se deu através do estupro das nativas e negras pelos colonizadores brancos. ” Silêncio na sala. O escritor continuou. “Até meados do século XIX, cinco milhões de africanos negros foram aprisionados e levados à força para o Brasil. Quando, em 1888, foi abolida a escravatura, não houve qualquer esforço no sentido de possibilitar condições dignas aos ex-cativos. Assim, até hoje, 125 anos depois, a grande maioria dos afrodescendentes continua confinada à base da pirâmide social: raramente são vistos entre médicos, dentistas, advogados, engenheiros, executivos, jornalistas, artistas plásticos, cineastas, escritores. ” E lembrou que 75% de toda a riqueza brasileira se encontra nas mãos de 10% da população branca e apenas 46 mil pessoas possuem metade das terras do país. Disse que “quem mais está exposto à violência não são os ricos que se enclausuram atrás dos muros altos de condomínios fechados, protegidos por cercas eléctricas, segurança privada e vigilância electrónica, mas os pobres confinados em favelas e bairros de periferia, à mercê de narcotraficantes e policiais corruptos. ”Lembrou que são “machistas”, ocupam “o vergonhoso sétimo lugar entre os países com maior número de vítimas de violência doméstica”, e que são “hipócritas”, sendo reveladores os casos de intolerância em relação à orientação sexual : “O local onde se realiza a mais importante parada gay do mundo, que chega a reunir mais de três milhões de participantes, a Avenida Paulista, em São Paulo, é o mesmo que concentra o maior número de ataques homofóbicos da cidade. ”Mas o discurso de Ruffato em Frankfurt terminou com optimismo. Além de referir a conquista da sua geração, a democracia, voltou à pergunta inicial: “O que significa habitar essa região situada na periferia do mundo, escrever em português para leitores quase inexistentes, lutar, enfim, todos os dias, para construir, em meio a adversidades, um sentido para a vida? Eu acredito, talvez até ingenuamente, no papel transformador da literatura. Filho de uma lavadeira analfabeta e um pipoqueiro semianalfabeto, eu mesmo pipoqueiro, caixeiro de botequim, balconista de armarinho, operário têxtil, torneiro-mecânico, gerente de lanchonete, tive meu destino modificado pelo contacto, embora fortuito, com os livros. E se a leitura de um livro pode alterar o rumo da vida de uma pessoa, e sendo a sociedade feita de pessoas, então a literatura pode mudar a sociedade. ”
REFERÊNCIAS:
Palavras-chave direitos homens humanos violência filho racismo social prostituição sexual mulheres doméstica gay escravatura infantil
Nós com eles, em vez de “nós contra eles”
Portugal ainda não garantiu dar destaque legislativo aos crimes de ódio nem criou um sistema nacional de recolha de dados sobre este tipo de crimes assentes em discriminação. (...)

Nós com eles, em vez de “nós contra eles”
MINORIA(S): Africanos Pontuação: 2 Mulheres Pontuação: 2 Homossexuais Pontuação: 6 Refugiados Pontuação: 11 | Sentimento 0.0
DATA: 2017-02-22 | Jornal Público
SUMÁRIO: Portugal ainda não garantiu dar destaque legislativo aos crimes de ódio nem criou um sistema nacional de recolha de dados sobre este tipo de crimes assentes em discriminação.
TEXTO: “Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e em direitos. Dotados de razão e de consciência, devem agir uns para com os outros em espírito de fraternidade. ” Artigo 1º, Declaração Universal dos Direitos HumanosO ano de 2016 fechou com espanto. A estratégia cínica de manipulação da informação surtiu efeito, lançou sementes de medo, de ódio, sementes de nós ou eles e por isso tem de ser nós contra eles, porque eles são os culpados de todos os nossos problemas, teve votos, elegeu líderes. O medo é uma arma forte. Pelo medo o mundo retrai-se, odeia, culpa, fecha portas, ergue muros, limita a liberdade, acaba com o acolhimento, trata o outro como menos humano. Aos líderes eleitos, chamemos-lhe Trump, Orbán, Modi, Erdogan ou Duterte. Tantos nomes podíamos referir ainda. Todos com bandeiras anti-sistema ganharam terreno e adeptos com a retórica de encontrar culpados expiatórios para serem a razão de todos os nossos males, e conseguiram os votos de quem lhes depositou esperanças de segurança e de um mundo em ordem. Um mundo com muros que separam de nós quem precisa de nós. Já em 2017 estes líderes justificam aquilo que querem fazer, dando resposta ao anseio legítimo de segurança e de uma economia sólida com dedos apontados a supostos culpados que mais não são do que grupos de pessoas vulneráveis, de minorias sem voz, de vítimas das guerras, de vítimas da falta de igualdade, de dignidade, de vítimas da pobreza persistente e causadora de exclusão. Só há uma forma de parar esse caminho enganador, de fechamento ao que é diferente, de intolerância e de medo de quem não conheço: responder ao ódio com amor. À violência, devolver-se paz. À divisão, devolver-se acolhimento. Face à desunião, marchar-se com união. Proclamar que em vez de sermos “nós contra eles”, temos de ser nós com eles, porque é juntos que o mundo faz sentido. Em Portugal não estamos a salvo. A nossa realidade é melhor do que a de outros dos 159 países sobre os quais a Amnistia Internacional agora publica o relatório sobre o estado dos direitos humanos no mundo – e nalgumas frentes Portugal é um farol para o mundo –, mas temos caminho para fazer, temos promessas por cumprir. Portugal ainda não garantiu dar destaque legislativo aos crimes de ódio nem criou um sistema nacional de recolha de dados sobre este tipo de crimes assentes em discriminação. E não desenvolveu ainda as medidas recomendadas em 2013 pela Comissão Europeia contra o Racismo e a Intolerância para dirimir o racismo e a discriminação. Do mesmo modo, a cultura de exclusão persiste, havendo denúncias de uso desnecessário ou excessivo da força pela polícia e de comunidades de costas voltadas à polícia, não a vendo como protectora, mas como agressora e retaliando também, seja com medo, seja a defender-se, seja com dificuldades de encontro e de conciliação. Os maus-tratos nas prisões portuguesas são também um sinal de discriminação, quando aquilo que as pessoas em reclusão perderam foi a liberdade, nada mais. Uma sentença não priva alguém da sua dignidade e as condições prisionais, a higiene e a qualidade da alimentação continuam inadequadas a essa humanidade que não pode ser negada. As más condições e os maus-tratos nas prisões não podem integrar o sistema jurídico penal, além de que retardam as funções de prevenção e ressocialização. O nosso país fez, no entanto, caminho. Em 2016, o Parlamento português reverteu o veto a uma lei que excluía a adopção a casais do mesmo sexo. Aprovou alterações que melhoraram o acesso a serviços de saúde sexual e reprodutiva e foi adoptada nova legislação que dá às mulheres acesso à reprodução medicamente assistida – incluindo a fertilização in vitro e outros métodos – independentemente do estado civil ou da orientação sexual. A sociedade é hoje, pela lei, mais justa e igualitária para todas as mulheres, permitindo-lhes que escolham se e quando querem ser mães. Nas disponibilidades de acolhimento de refugiados recolocados da Grécia e da Itália, Portugal tem estado na linha da frente no panorama da União Europeia – também por desmérito de muitos outros países da Europa que não estão a cumprir a sua parte na partilha de responsabilidade pela crise de refugiados. Portugal foi o quarto país que mais acolheu pelo Mecanismo de Recolocação de Urgência da UE: dos 1742 requerentes de asilo que Portugal se disponibilizou a receber no âmbito do compromisso europeu (com revisão para 1 618), chegaram ao país 781 pessoas até ao final de 2016 – 1 013 até 17 de fevereiro deste ano. Já ao abrigo do Programa de Reinstalação, foram selecionadas 90 pessoas a serem acolhidas em Portugal entre 2014 e 2016 e, dessas, 65 tinham chegado ao país até ao final do ano passado. Desde o início do Programa de Reinstalação, aliás, chegaram a Portugal 255 refugiados – só 12 durante o ano de 2016. Continuamos aquém de concretizar a promessa de acolher, proteger e oferecer paz, segurança e dignidade a milhares de pessoas, promessa que nos inspirou a acreditar em Portugal como um exemplo de humanidade. E que queremos ver cumprida. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Nunca foram governos com narrativas de exclusão a contribuir para um mundo com mais direitos humanos. A História já nos mostrou, e mais do que uma vez, as consequências da retórica tóxica e divisiva. Não queremos que se repitam. E não podemos esquecer também a outra lição que a História nos ensinou: sempre que líderes tentam dividir, demonizar e reprimir, há sempre pessoas determinadas em barrar-lhes o caminho. Não podemos ficar em silêncio, não podemos sair do caminho. Construirmos, juntos, um movimento sustentável de mudança começa com este acto simples de desafio – nunca foi tão importante erguermo-nos juntos e barrar o caminho ao ódio e ao medo. À violência, ergamos a voz da paz; ao ódio, respondamos com amor; perante a divisão, abramos os braços do acolhimento. À escuridão, acendamos-lhe uma vela.
REFERÊNCIAS:
Entidades UE
As pessoas que descobrimos em 2018 (por boas e más razões)
É inevitável: a cada ano vamos descobrindo novos protagonistas, ora por razões memoráveis (no bom sentido), ora por razões que os próprios prefeririam esquecer. Uma selecção de nomes que vão ficar colados a 2018. (...)

As pessoas que descobrimos em 2018 (por boas e más razões)
MINORIA(S): Africanos Pontuação: 2 Mulheres Pontuação: 2 Homossexuais Pontuação: 6 Asiáticos Pontuação: 6 | Sentimento 5.551
DATA: 2018-12-19 | Jornal Público
SUMÁRIO: É inevitável: a cada ano vamos descobrindo novos protagonistas, ora por razões memoráveis (no bom sentido), ora por razões que os próprios prefeririam esquecer. Uma selecção de nomes que vão ficar colados a 2018.
TEXTO: Este ano, em Setembro, Fátima Carneiro, directora do serviço de Anatomia Patológica do Centro Hospitalar de São João, no Porto, foi eleita a patologista mais influente do mundo. A distinção foi atribuída à investigadora portuguesa pela revista científica The Pathologist, que, ao longo de dois meses, inquiriu patologistas de todo o mundo sobre quem consideravam merecedor do título. A médica portuguesa e docente da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto ficou em primeiro lugar na lista de cem posições elaborada pela revista britânica que, em 2015, já tinha atribuído a mesma distinção ao cientista Manuel Sobrinho Simões. Tal como Sobrinho Simões, Fátima Carneiro destacou-se no seu percurso profissional enquanto investigadora do Instituto de Patologia e Imunologia Molecular da Universidade do Porto (Ipatimup), agora integrado no I3S (Instituto de Investigação e Inovação em Saúde). Especializou-se em cancro do estômago, tendo participado em diversas descobertas nesta área, com especial relevo para a forma hereditária do tumor gástrico. Fátima Carneiro assinou mais de 250 artigos científicos ao longo da carreira, que construiu com sucesso, mas longe da atenção mediática. Foi no final de Setembro que os holofotes se acenderam e “a patologista mais influente do mundo” foi apresentada ao país. Fátima Carneiro transformou a atenção que a deixa desconfortável numa oportunidade para reclamar mais e melhor para a patologia, “central na medicina”. Foi nessa altura que, numa entrevista ao P2, partilhou, sem vaidade, a sua determinação, dedicação e generosidade. No piso superior, no seu gabinete, Fátima Carneiro falou sobre a carreira que concilia a actividade clínica, a direcção de um serviço hospitalar, as aulas como professora catedrática e a investigação. E o resto da vida. Apesar de se perder na recordação dos tempos de menina em Angola, a conversa voltava sempre ao trabalho. “Um fervilhar diário”, assegurou a todos os que imaginam que um patologista é um médico calado e sozinho, debruçado em cima de um microscópio dia após dia. Falou-se da dureza de confirmar uma suspeita de cancro presa numa amostra minúscula de uma lâmina e da importância que o olhar de um patologista pode ter na procura de uma possível solução ou, pelo menos, explicação. Lembrou o momento em que escolheu ser patologista em vez de pediatra. Defendeu a formação médica contínua e disse que quer deixar uma marca nesse capítulo durante o mandato como presidente da Academia Nacional de Medicina de Portugal. “Obter um título [de médico] não me confere competência. Eu tenho de me actualizar”, referiu, sugerindo uma maior responsabilização das estruturas pela oferta de acções de formação pós-graduada e também a introdução de testes online de autodiagnóstico para os médicos poderem avaliar os seus conhecimentos. No final de duas horas de entrevista, regressou, apressada, para o gabinete, deixando a sensação de que a fizemos gastar muito do seu precioso tempo. No seu serviço, a patologista mais influente do mundo tinha um aluno de Medicina à espera e, em cima da secretária, estava ainda uma pequena caixa com lâminas de amostras de um tumor de uma vesícula biliar para analisar. Durante a entrevista, desabafou mais do que uma vez o incómodo com a tarefa que foi forçada a adiar: “Tenho aqui estas lâminas para fazer diagnóstico que não vou poder fazer agora. Estou a prejudicar os doentes por vossa causa. ” Andrea Cunha FreitasO major Vasco Brazão estava em missão na República Centro-Africana (RCA) quando a sua família foi surpreendida por inspectores da Polícia Judiciária (PJ) nas buscas à sua casa em Lisboa. Nessa manhã, o então director da Polícia Judiciária Militar (PJM), coronel Luís Vieira, era detido, bem como elementos da PJM, da GNR e um civil. O major e o coronel sabiam que estavam a ser investigados pela PJ há mais de um ano. Tinham recuperado o material de guerra furtado em Tancos, e isso merecera-lhes elogios das chefias militares e políticas. O próprio ministro da Defesa, à data, José Azeredo Lopes, foi felicitado pelos seus pares numa reunião da NATO. O Ministério da Defesa — que tutela a PJM — saía bem do caso depois do vexame do roubo de Tancos, noticiado pela imprensa europeia. Na torrente mediática sobre as buscas a casas e escritórios e as detenções dos suspeitos para interrogatório, na última semana de Setembro, o nome de Vasco Brazão foi o que mais vezes foi referido. No conjunto dos nove arguidos no âmbito da Operação Húbris, era o único que se encontrava fora do país, o que lhe terá dado visibilidade aos olhos da opinião pública. É, pelo menos, o que nota quem encontra uma suposta ligação entre o momento das buscas e detenções e uma alegada tentativa de descredibilizar o oficial que liderou a equipa de investigadores da PJM às duas mortes no curso 127 dos Comandos. O major estivera em Portugal de férias e poderia facilmente ter sido detido, mas a operação só foi lançada na manhã a seguir ao seu regresso à RCA, estando por isso ausente no momento das detenções. Seja como for, a semana em que os 19 militares se sentaram pela primeira vez no banco dos réus (no julgamento às circunstâncias das mortes nos Comandos) foi a mesma em que o major Vasco Brazão ficou conhecido por ser o arguido mais aguardado dos nove. Foi detido à sua chegada ao aeroporto, ouvido ao longo de mais de dez horas, em duas ocasiões, e sujeito a uma medida de coacção de obrigatoriedade de permanência na residência e impedimento de contactar com militares ou com os restantes arguidos. A investigação, que chefiou, às mortes por desidratação extrema dos dois recrutas, em Setembro de 2016, durou dez meses e culminou com aquilo que porventura poucos acreditariam ou desejariam: a acusação de oito oficiais, oito sargentos e três praças, todos militares do Exército do Regimento de Comandos, a maioria instrutores, por 539 crimes de abuso de autoridade por ofensa à integridade física. Mais tarde, viria a receber um louvor pela “clarividência, determinação e assinalável capacidade de organização, materializada no volume e qualidade processual apresentada”. As suspeitas, no caso dos Comandos, apontavam para crimes militares e seria a PJM a investigar. O mesmo não aconteceu com o roubo em Tancos, cuja investigação foi entregue à PJ pela então procuradora-geral da República, Joana Marques Vidal. A PJM, aqui também com o investigador-chefe Vasco Brazão, ficou oficialmente a colaborar com a PJ. A estratégia de defesa e a interpretação da forma como a PJM alinhou no esquema para recuperar o material de guerra são distintas quer se trate do major ou do coronel Luís Vieira, que dirigiu a PJM. Brazão admitiu ter recorrido a um informador, escudando-se no conhecimento posterior que a PJM terá dado à tutela. Vieira, que se encontra em prisão preventiva, manteve o silêncio. Os contornos pouco claros do recurso a informadores pelas polícias servem para quem, por um lado, diz não existir aqui qualquer crime, alegando ser esta uma prática frequente e necessária, e, por outro, para quem acusa, dizendo que nenhuma linha separa, neste e noutros casos, um informador de um suspeito de um crime. No recato exigido pelo segredo de justiça e na proporcional limitação de acesso ao processo, por ele imposta, a defesa tem a missão de recuperar a imagem de um “homem honrado”, como afirmou o seu advogado, Ricardo Sá Fernandes. Enquanto também porta-voz da PJM, o major tinha como objectivo projectar uma imagem da PJM como órgão de investigação criminal necessário, com uma função pouco conhecida e contestada, mas definida e justificada pelo Código de Justiça Militar. Vasco Brazão deixou a PJM, no início deste ano, para ingressar de novo no Exército e partir em missão para a RCA, onde foi chefe das operações do quartel-general de apoio à missão de manutenção de paz da União Europeia, que junta 12 Estados-membros. O major estaria numa fase da carreira em que poderia ser promovido a tenente-coronel. Agora, entre a PJM, sob tutela do Ministério da Defesa, e o Exército, dependente das Forças Armadas, quem o quererá? Ana Dias CordeiroDentro e fora da sala do hemiciclo, os deputados dos vários partidos conseguem conquistar alguma notoriedade: uns porque são líderes de bancada, outros porque são dirigentes partidários, outros ainda porque têm espaços de comentário televisivo. Há ainda os casos em que os deputados se tornam célebres por darem a cara por uma causa política ou social. Noutras situações, são as polémicas que tomam conta do seu nome (quase) desconhecido do grande eleitorado. Ainda que possa ser um fenómeno breve. Aí são notícia de telejornal e saem da sombra. Foi o que aconteceu este ano a José Silvano, Emília Cerqueira e Maria das Mercês Borges, todos deputados do PSD, que ganharam notoriedade nacional, mas não pelos melhores motivos. No caso de José Silvano, o deputado foi eleito em 2015 pelo círculo de Bragança, distrito onde foi presidente de câmara durante 12 anos. O seu nome já tinha sido notícia nacional por causa de uma coligação parlamentar (só CDS e PAN se colocaram à margem) para tentar, em segredo, alterar a lei financiamento dos partidos. José Silvano era o coordenador da bancada do PSD nessa comissão. Depois, a sua visibilidade aumentou quando foi nomeado secretário-geral do PSD, em Abril deste ano, em substituição de Feliciano Barreiras Duarte, deputado e ex-secretário de Estado que mostrou ter irregularidades no currículo académico. Mas foi o registo de uma falsa presença (e dúvidas sobre outra) numa sessão plenária da Assembleia da República que catapultou o nome de José Silvano. O Expresso noticiou, em Outubro, que o secretário-geral tinha registado com a sua palavra-passe no computador a presença numa sessão quando, na mesma tarde, estava a 400 quilómetros de distância numa iniciativa partidária. Quem teria então feito o log in no computador? O caso arrastou-se durante uma semana, uma das mais penosas desde que Rui Rio é líder do PSD. O próprio Silvano pediu, em conferência de imprensa, uma investigação do Ministério Público (o que viria a acontecer), o que pressupunha desconhecer quem teria acedido ao seu computador. Mas no dia seguinte o mistério seria desvendado, depois de o mesmo semanário ter confrontado Emília Cerqueira, a sua colega de bancada, com imagens da sessão plenária em causa que apontavam para que fosse a autora do log in. A deputada, advogada, eleita por Viana do Castelo, assumiu que entrou com a palavra-passe de José Silvano para aceder a ficheiros de que precisava. Com esse gesto assinalou (“inadvertidamente”) a presença do secretário-geral do PSD no Parlamento. Emília Cerqueira quis dar a ideia de que a troca de passwords no grupo parlamentar é banal, numa conferência de imprensa, transmitida em directo, pelas televisões. Foi essa opção que Maria Mercês Borges, deputada eleita por Setúbal, recusou ao também ser notícia por ter dado como presente (para contabilização do quórum) na votação da generalidade do Orçamento do Estado o seu colega Feliciano Barreiras Duarte, que esteve na sessão durante a manhã e saiu por causa de uma emergência familiar. Em comunicado, a deputada anunciou a demissão dos cargos que ocupava. Já Emília Cerqueira deu a cara na televisão. Visivelmente acossada pela polémica, a deputada assumiu ser natural do “Alto Minho” para deixar uma frase que escandalizaria Lisboa: “Agora toda a gente se preocupa como um bando de virgens ofendidas numa terra onde não há virgens. ” Virgem ou não, até houve quem se ofendesse nas bancadas do Parlamento, mas por pudor ficou em silêncio. Sofia RodriguesQuando o ano de 2018 começou, ainda não suspeitavam do que os 12 meses seguintes lhes iriam reservar. Mas, para todos eles, o ano que agora termina não será apenas mais um. Jovane Cabral, Gedson Fernandes e Diogo Leite confirmaram as suas qualidades como futebolistas promissores que, ainda crianças, lhes foram detectadas e conseguiram chegar ao topo. Exemplo paradigmático é o caso de Jovane Cabral. O avançado do Sporting começou o ano de 2018 no banco de suplentes da equipa secundária dos “leões”, que defrontou o Sporting de Braga B, no Minho. A mais recente estrela da formação sportinguista só entrou no relvado já na parte final da partida, substituindo o quase anónimo Budag Nasyrov. O médio azerbaijano joga agora na I Liga daquele país asiático, vestindo a camisola do FK Zira. Segundo o site Transfermarkt, especializado em avaliações dos jogadores de futebol, o passe de Nasyrov tem um valor de mercado de 125 mil euros. Já Jovane Cabral é escolha assídua na equipa principal do Sporting (jogou em 18 encontros esta temporada e marcou quatro golos) e tem um valor de mercado, segundo o referido site, de 3 milhões de euros. Percursos mais ou menos semelhantes tiveram Diogo Leite e Gedson Fernandes. Titulares, respectivamente, nas equipas de FC Porto e Benfica, que se defrontaram a 6 de Janeiro, no centro de estágios dos portistas, em Gaia, num clássico de equipas B, ambos foram subindo patamares. Diogo Leite é o mais recente herdeiro de uma linhagem de defesas-centrais formados no FC Porto, com o selo de qualidade. Bruno Alves, que aos 36 anos continua a ser chamado à selecção portuguesa, Ricardo Costa, Ricardo Carvalho, Jorge Costa ou Fernando Couto, todos eles internacionais portugueses, foram lançados muito cedo na equipa principal portista. Diogo Leite aproveitou da melhor forma a lesão do reforço Mbemba, no início da temporada, e a oportunidade perdida por Chidozie, para mostrar as suas qualidades. Estreou-se a titular na equipa principal “azul-e-branca” ao jogar uma final - a da Supertaça, ganha ao Desportivo das Aves. E só com a chegada de Militão ao Dragão, o jovem perdeu algum espaço. O FC Porto, contudo, não tem dúvidas de que Diogo Leite será uma aposta de futuro. Por isso mesmo o futebolista, de apenas 19 anos, viu o seu contrato prolongado até 2023, tendo uma cláusula de rescisão de 15 milhões de euros. Gedson Fernandes também não se amedrontou quando Rui Vitória o chamou pela primeira vez para jogar com a camisola da equipa principal do Benfica. O médio de 19 anos foi titular no jogo frente ao Fenerbahçe, a primeira mão da 3. ª pré-eliminatória da Liga dos Campeões. Desde esse jogo, foi ganhando o seu espaço e, ao contrário de Diogo Leite, nem a contratação de um reforço no defeso (Gabriel) lhe retirou espaço. Ainda sem a compleição física que o pode ajudar na posição central que costuma ocupar no relvado, Gedson vai mostrando que os 250 euros e as 25 bolas que o Benfica pagou ao Frielas para ficar com o miúdo que jogava a avançado e decidia os jogos sozinho quando tinha nove anos foram bem empregues. Dos três, foi o único que já foi chamado à selecção nacional por Fernando Santos e no dia em que soube da sua convocatória o Benfica anunciou a renovação do contrato com a sua nova coqueluche, prolongando a sua ligação ao clube até 2023 com uma cláusula de rescisão de 120 milhões de euros. A afirmação de Jovane Cabral no Sporting também é precoce. Vindo de Cabo Verde com 16 anos, fez a sua formação na academia “leonina”, em Alcochete, viveiro de inúmeros craques. Contudo, a sua chamada à equipa principal sportinguista acaba por ser feita à custa da desistência do clube — ou pelo menos do seu treinador na altura, José Peseiro — noutro rebento da formação: Matheus Pereira. Jovane fez a sua estreia com a camisola principal dos “leões” quando entrou para o lugar do seu colega de equipa a 12 de Outubro de 2017, numa partida frente ao Oleiros, da Taça de Portugal. Meses mais tarde, viu Peseiro compará-lo ao seu antigo colega em termos elogiosos. “São estes jogadores que a formação tem de ter. É este carácter que queremos. Não é os que fogem quando não são titulares. Este não foge. ”E o Sporting não quer mesmo que Jovane fuja. Por isso, tal como os seus rivais, já renovou o contrato com o cabo-verdiano, que optou por representar a selecção portuguesa em vez da insular, esticando a ligação com os “leões” até 2023 e fixando a cláusula de rescisão em 60 milhões de euros. Jorge Miguel MatiasO ano de 2018 não podia ter começado de forma mais auspiciosa para João Ribas. No dia 25 de Janeiro, o jovem adjunto que Suzanne Cotter tinha ido buscar aos Estados Unidos assumia a direcção do Museu de Serralves. Escolha unânime de um júri internacional, Ribas, então com 38 anos, tinha um currículo invulgarmente sólido, mas construído sobretudo na América, onde vivera a maior parte da sua vida, e apesar de ter assinado algumas exposições importantes nesses anos de colaboração com Cotter, como a retrospectiva de Helena Almeida, continuava a ser uma figura um pouco secreta. Mas começava o ano de 2018 num cargo que prometia dar-lhe finalmente a visibilidade que até aí lhe faltara. Prometia e deu, embora não talvez exactamente a que teria desejado. Já como director, Ribas inaugurava em Junho a exposição Zero em Comportamento, na qual é tentador entrever, retrospectivamente, um sibilino aviso à navegação. Composta de obras do acervo de Serralves, propunha-se esta “apresentar gestos de irreverência ou desobediência, quer dirigidos a instituições, como a escola ou o museu, quer a formas de repressão ou controlo”. No mês seguinte, o novo director dava ao PÚBLICO uma grande entrevista, na qual assumia que a sua geração tinha “a obrigação de repensar o museu como instituição”, tornando-o “um espaço de resistência ao mercado, mas não de exclusão”. E, num primeiro sinal de divergências internas, recusava-se a confirmar se a exposição de Joana Vasconcelos no Guggenheim de Bilbau viria mesmo para Serralves. Depois foi sempre a acelerar: em Setembro, explica ao Ípsilon que a exposição Robert Mapplethorpe: Pictures não terá “salas escondidas” e, quando esta abre com uma zona interdita a menores de 18 anos e o jornal chama a atenção para o facto, Ribas anuncia a sua demissão. É o início de uma dura polémica, que servirá também para revelar publicamente as crescentes tensões entre a administração e a equipa do museu. Ribas acusa a administração de Ana Pinho de “violação continuada” da sua autonomia, esta responde acusando-o de deslealdade e acabam a digladiar-se numa insólita audição parlamentar destinada a apurar se houvera de facto censura em Serralves. O caso começa a morrer aí e finar-se-á de vez com a mais do que provável recondução de Ana Pinho para um novo mandato. Mas quando Ribas parecia destinado, após meses de súbita e algo traumática notoriedade, a deixar a ribalta, o início de Novembro trouxe a notícia de que a candidatura que apresentou com a artista Leonor Antunes venceu o concurso da DGArtes e deverá ser a escolhida para representar Portugal na Bienal de Veneza. Para João Ribas, 2018 foi um ano de extremos. Se o seu percurso profissional um dia merecer uma retrospectiva, talvez seja mesmo avisado criar uma zona reservada para este ano hardcore. Luís Miguel QueirósAlguns brasileiros terão descoberto Jair Messias Bolsonaro em Abril de 2016, durante a votação do impeachment de Dilma Roussef, quando o ex-militar ofereceu o voto aos “militares de 64” (golpe que iniciou a ditadura), “contra o comunismo e pela memória do coronel Alberto Ustra, o pavor de Dilma Roussef”, dedicando assim a sua contribuição para derrubar a Presidente ao seu próprio torturador, símbolo da crueldade do regime que durou até 1986. Mas a maioria nunca tinha ouvido o seu nome a 23 de Julho, quando o Partido Social Liberal (PSL) o apresentou como candidato às eleições presidenciais — muitos continuavam sem o reconhecer a meio de Setembro, depois de ser alvo de um atentado, numa altura em que as sondagens antecipavam que perderia contra qualquer adversário na segunda volta. Deputado federal há 27 anos, Bolsonaro fez aprovar dois projectos de lei. Se tinha seguidores, não era pela actividade parlamentar, mas pela postura de permanente provocador convidado para programas de rádio e televisão por ser garantia de escândalo. Sem desperdiçar oportunidades para alimentar esta persona, o deputado soube fazer da crise aberta pela Operação Lava-Jato (que desde 2014 destruiu a crença dos brasileiros no poder executivo e legislativo) a sua rampa de lançamento. Mais do que votar em alguém, para muitos tornou-se fundamental votar “anti-Lula” ou anti-Partido dos Trabalhadores. Messias ou mito, como o descrevem parte dos 57, 7 milhões que o elegeram Presidente aos 63 anos, Bolsomito soube apresentar-se como parecendo sempre dizer a verdade (o antipoliticamente correcto há anos na moda entre determinada direita radical) e como um outsider. Em campanha, repetiu afirmações misóginas, homofóbicas ou racistas, entre o elogio da violência e do fascismo: prometeu acabar com “os movimentos sociais e os coitadismos”; matar, prender ou expulsar “esquerdistas, petistas e bandidos” e acabar com a lei que garante atendimento médico a vítimas de violação. Também disse que preferia ver “um filho morto do que homossexual” e que o erro da ditadura “foi torturar e não matar” os opositores. Como o mundo aprendeu com o americano Donald Trump, o filipino Rodrigo Duterte, o húngaro Viktor Orbán ou o italiano Matteo Salvini, não vale a pena esperar que haja um Bolsonaro candidato e outro Presidente. O brasileiro quer de facto diminuir a maioridade penal para 16 anos, facilitar a posse de arma, proteger ainda mais os polícias envolvidos em mortes (“bandido bom é bandido morto”), reescrever os manuais escolares para que contem “a verdadeira” história da ditadura ou acabar com o apoio às organizações de direitos humanos. Com um país polarizado como nunca e tendo juízes e militares a seu lado, agora que é “mito”, dificilmente recuará face à oposição no Congresso ou perderá a atitude autoritária. Sofia LorenaEra uma tragédia anunciada. E depressa ecoaram vozes do lado do país que só se lembra do interior quando as desgraças acontecem a pedirem que António Anselmo, o presidente da Câmara de Borba, se demitisse. Afinal, haviam sido feitos estudos e reuniões com a Direcção Regional de Energia do Alentejo (DREAL), Direcção Regional do Ambiente e Recursos Naturais do Algarve (DRARN) e câmara que alertaram para a instabilidade dos taludes das pedreiras que fizeram parte da Estrada Municipal 255 desabar e arrastar consigo cinco pessoas. Mas António Anselmo não se demitiu. “Isso é para os fracos”, disse. Durante aqueles dias, entre o colapso da estrada, a 19 de Novembro, o autarca disse-se sempre de “consciência tranquila” sobre o incidente, assumindo que “nunca na vida” tinha sido informado dos perigos daquela estrada, que a administração central passou para a autarquia em 2005. Teve sempre um discurso directo, telegráfico, por vezes distante, quando respondia às questões colocadas pelos jornalistas. Numa terra habituada aos desastres, poucas vozes se levantaram a pedir a demissão do presidente. Os borbenses vêem-no como um “bom rapaz” e reconhecem-lhe o trabalho feito ao longo destes cinco anos à frente da autarquia. Mas o trabalho de António Anselmo com os borbenses começou ainda em 2001, quando se tornou presidente das freguesias de Matriz, por um mandato, e depois de São Bartolomeu, durante dois mandatos, ambas no concelho de Borba, sempre eleito como independente em listas do Partido Socialista. Em 2013, deu o salto para a câmara. Quis candidatar-se como independente numa lista do PS, mas os socialistas viraram-lhe as costas. António Anselmo retaliou. Fundou o MUB (Movimento Unidos por Borba) e ganhou as eleições, mas sem maioria absoluta. Depois de quatro anos “muito duros”, em que encontrou a autarquia muito endividada, o que impôs a Borba ter “uma troika dentro da troika” para endireitar as contas - como disse a jornais locais -, voltou a concorrer. E ganhou com maioria absoluta. Como presidente, concentra em si os pelouros do Planeamento, Ordenamento do Território e Urbanismo, Protecção Civil, Desenvolvimento Económico, Equipamento Rural e Urbano. Por isso, aquela estrada que desapareceu estava sob a sua alçada directa. Tal como grande parte da população daquela zona, também ele está ligado ao negócio das pedreiras, o que não é incompatível com as suas funções na autarquia. É sócio de uma empresa de fabrico de artigos de mármore. Detém 50% da Carapinha & Anselmo Lda, microempresa com 19 anos e um volume de vendas de 80 mil euros. E é também vogal do conselho de administração da EDC Mármores - Empresa Gestora das Áreas de Deposição Comum dos Mármores, da qual a Câmara de Borba, e outros três municípios vizinhos, é accionista e que está em processo de insolvência. Com a cidade a fazer o seu luto, é tempo de se começarem a exigir responsabilidades. “Quando chegarem as conclusões, cá estaremos”, disse António Anselmo, dizendo-se disponível para assumir as responsabilidades, que foi sacudindo ao longo deste tempo sobre uma estrada centenária que a terra engoliu e que dificilmente voltará a existir. Cristiana Faria MoreiraNos primeiros dias de 2018, não eram muitos os portugueses que conheciam Pedro Siza Vieira, na altura já membro do Governo, mas com a discreta pasta de ministro-adjunto. Antes, tinha-se destacado como um advogado que circulava nos corredores do poder em representação da influente sociedade Linklaters, com papel decisivo em dossiers quentes como a nacionalização do Banif, a reprivatização da TAP ou a OPA da EDP, sempre do lado dos privados. Agora, que o ano caminha para os seus últimos dias, a presença regular do ministro da Economia na comunicação social já torna mais difícil que consiga escapar aos olhares indiscretos quando caminha pelas ruas à volta da Horta Seca. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. A ascensão de Siza Vieira na hierarquia mediática do Governo começou com algumas polémicas, entre elas, a que levou ao pedido de escusa de participar em assuntos relacionados com a energia por ter assessorado a China Three Gorges (CTG), a dona da EDP. Pelo caminho, ainda esteve na mira das críticas por ter participado na elaboração do pacote Capitalizar, que acabou por facilitar a OPA da CTG na EDP, ou por tutelar agora o turismo, onde a sua mulher é uma figura de destaque como presidente executiva da Associação da Hotelaria de Portugal. E teve também uma ameaça de incompatibilidades a pender sobre ele, devido ao caso de uma imobiliária aberta por si na véspera de ir para o Governo. Uma questão que acabou arquivada pelo Tribunal Constitucional. Como ministro da Economia, desde Outubro, o protagonismo de Siza Vieira não tem parado de aumentar: desde os elogios das entidades patronais, aos anúncios de linhas de financiamento sectoriais, passando pelas inúmeras entrevistas sobre as oportunidades que o país está a criar, os apoios comunitários que continuam a dinamizar a economia ou a diplomacia empresarial que decidiu assumir. Siza Vieira até, no final da última semana, deu a cara pela importância de resolver a greve no Porto de Setúbal que estava a afectar a Autoeuropa, “roubando” o palco à sua colega do Mar, Ana Paula Vitorino. O advogado já não é um ministro desconhecido dos portugueses e 2018 foi o ano em que tudo mudou na vida pública de Pedro Siza Vieira. Pedro Ferreira Esteves
REFERÊNCIAS:
O mundo das vítimas e dos pobres tem direito à sua utopia
Serge Bozon põe uma professora, Isabelle Huppert, a reconstruir-se – reconstruindo, à sua maneira incendiária, uma hipótese de relação com o subúrbio, de que se aproxima através de um aluno impossível. Madame Hyde é a ficção da atracção da França branca pela França mestiça: ou seja, um filme político. (...)

O mundo das vítimas e dos pobres tem direito à sua utopia
MINORIA(S): Africanos Pontuação: 2 Mulheres Pontuação: 2 Homossexuais Pontuação: 6 Asiáticos Pontuação: 6 | Sentimento -0.4
DATA: 2018-07-05 | Jornal Público
SUMÁRIO: Serge Bozon põe uma professora, Isabelle Huppert, a reconstruir-se – reconstruindo, à sua maneira incendiária, uma hipótese de relação com o subúrbio, de que se aproxima através de um aluno impossível. Madame Hyde é a ficção da atracção da França branca pela França mestiça: ou seja, um filme político.
TEXTO: Madame Hyde é um filme social rarefeito pela fábula. Uma professora que é um fracasso na escola do subúrbio, Madame Géquil (Isabelle Huppert), é torturada pelos alunos. Um dia torna-se fosforescente, transforma-se em Madame Hyde, e “toca” no insolente Malik (Adda Senani). A sua luminescência queima-o: Malik abre-se, enfim, ao conhecimento. Que não é coisa benigna: os gestos de Géquil/Hyde, por exemplo, são tanto de agressão como de transmissão. É uma comédia burlesca – metafísica, se a palavra não for pesada. Pensamos em anteriores filmes de Serge Bozon, La France (2007), em que uma mulher se faz passar por homem na frente de batalha da Primeira Guerra Mundial, ou Tip Top (2013), em que duas investigadoras da polícia investigam a propria polícia… também em Madame Hyde o olhar das personagens vagueia, pressentindo harmonias que dificilmente encontram nas suas vidas: eis a razão da atracção de uma professora branca pela França mestiça do subúrbio. Madame Hyde é também um filme melancólico. E político. É por aqui que começamos a conversa com Serge Bozon, 45 anos, homem que entusiasma a abstracção do seu discurso com uma perigosa coreografia física: um perigo à mesa, diante de chás e cervejas os gestos de transmissão podem ter o efeito de agressão. Em Madame Hyde, como em Tip Top, há o “nós” e os “outros”, uma França branca e uma França mestiça. Mas não é simples oposição; a personagem de Isabelle Huppert olha de longe para o subúrbio, para a Cité 2000, como uma “possibilidade”. . . quase utópica. Sim, completamente. Constato algo de banal, a oposição entre uma França branca e uma França colorida, entre a França das cidades e a dos subúrbios. Mas quero fazer uma ficção, não um filme social de reportagem das dificuldades reais de cada personagem. Quero inventar coisas, para que seja mais surpreendente – e, por isso, talvez mais político. Em Tip Top todos os brancos estão obcecados pelos árabes. Nas mulheres, desde logo, sexualmente: o marido da personagem de Isabelle Huppert é árabe, o marido de Sandrine Kiberlain é árabe [Huppert e Kiberlain são duas inspectoras que investigam a morte de um informador da polícia de origem argelina]. Há quem aprenda árabe para ler o Corão. Em Madame Hyde é igual. A personagem de Isabelle é um fracasso, é uma professora que não consegue ensinar, mas à noite põe-se a olhar para o subúrbio. Na sua relação com Malik, que é o pior aluno da escola, ela vai conseguir que ele se abra à Ciência. Isso na vida passa-se em várias fases, no filme está concentrado numa aula de Geometria – as coisas tornam-se mais intensas assim, mais simples e elegantes. Não é realista, mas torna a perturbação mais clara, logo a superação também é mais pura. Isto para dizer que quero tratar questões sociais como o racismo ou o subúrbio não como um assunto de vítimas, dos pobres, o que é o lugar-comum da ficção, mas para fazer esses mundos serem também portadores de utopias. Os espaços são fundamentais. É neles, no subúrbio, que tudo se desencadeia, é para eles que a personagem de Isabelle olha como possibilidade. O que atrai a ficção é esse subúrbio, onde ela acaba por ir. E é essa a transformação, ir até ao fim da sua atracção. Como quem vai atrás de uma luz, seguindo Malik. A relação do rap com o subúrbio, no filme, também é particular; é um rap que não é realista, é pop, cheio de sentimento. Não me interessava um rap que imitasse “o rap do subúrbio”, mas um rap que, sendo “contra a escola” – e o meu filme é “pela escola” –, guardasse um lado juvenil, quase elegíaco, como a pop. Para resumir: o subúrbio é não só um terreno ideal para inventar personagens que não sejam vítimas mas também um terreno em que do ponto de vista fílmico há muito a fazer. Numa conversa com o cineasta Bruno Dumont a propósito de Ma Loute (2016), filme em que utilizou vedetas e não-profissionais, ele falava do fascínio, e do medo, dos primeiros em relação aos segundos. Admitia que tinha utilizado isso como eco da luta de classes. Compreendo o que ele diz. Em Madame Hyde, à parte Isabelle Huppert, Romain Duris e José Garcia, os outros não eram actores. Nem eram amadores. Por que é que os actores têm medo? Um não-actor, como não está à vontade, pode sentir-se intimidado. E quando as pessoas são tímidas e têm de fazer alguma coisa, dá-se uma excitação e uma inquietude mais difíceis de encontrar por um actor, que está muito bem nos seus sapatinhos. Os actores podem invejar isso. Mas atenção, há uma coisa desagradável em Ma Loute: temos a impressão de que Dumont está a gozar com os actores. Disso não gosto – às vezes sente-se que goza com Juliette Binoche e que ela interpreta mal e é ridícula. No meu filme não se trata de ridicularizar Huppert através dos proletários não-actores. Como Huppert é uma actriz sempre angustiada, nunca descontraída, o que se passa entre a timidez e a reserva de um não-actor e a tensão dela é coisa do mesmo nível. Não há nada no filme contra o estatuto de star de Isabelle, o que há no filme é tudo a favor do que há de mais frágil em Isabelle. Em Tip Top ela era muito assertiva, aqui é muito frágil – nessa nova fragilidade pode haver um acordo com a fragilidade dos não-actores, não uma oposição. Numa entrevista na estreia de Elle (2016), Isabelle Huppert disse-me: “interpreto cada vez menos”. E que por isso o filme podia ser visto como um documentário de uma actriz no plateau a reagir. De acordo. Mas esse não é o meu filme. Precisamente. Quando fiz Madame Hyde já a conhecia, houve menos tensão do que em Tip Top. Em França, Isabelle é associada a papéis autoritários, o que pode ir até à violência e ao sadomasoquismo. Queria pegar nela de forma oposta, queria-a frágil, porque fracassa profissionalmente, tímida, humilhada, etc. Vai transformar-se, mas não de maneira espectacular. Não se transforma em super-professora: continua na fragilidade, e acaba por colapsar. Procurava um lugar para Isabelle em que ela fizesse gestos que não fossem os seus, em que estivesse com menos munições. No início de Tip Top, na primeira semana de rodagem, ela estava contrafeita. Dou direcções precisas. Para uma cena, disse-lhe: “Estás aqui, depois vais para a esquerda, olhas para ali, ali aproximas-te. . . ”. Ela respondeu: “Não sou uma marioneta. Tens de me deixar encontrar a forma de me movimentar no espaço, de mexer o meu corpo, e em função disso fazes a mise-en scène. ” Eu retorqui: “Não”. E “não” porque pensei na mise en scène durante quatro anos e não quero mexer nela, “não” porque pensei coisas para a personagem na cena. E “não” porque precisamente queria que ela se sentisse constrangida no jogo. Quando chegou a vez de Madame Hyde ela já sabia isso, já não houve esse problema entre nós. Filmo em 35 milímetros, não se pode ver o que se faz, não há rushes, é à antiga. Fazemos poucos takes, porque a película é cara. Trabalho com uma definição de luz para cada plano – o que significa que a cada mudança de plano tudo tem de ser mudado. Isabelle adora ensaios e eu sou contra, porque procuro preservar o mistério. Foi então preciso que Isabelle se libertasse do que tinha a ver com a imagem, com a aparência. E o que se passou é que foi ela que me deu coisas e eu reagi em função delas. Não tenho teorias nem método, foi caso a caso. Na última cena de aula, ela deu-me muito, muito. Fiquei comovido. Tinha-lhe dito: “É preciso que caias e que te levantes, que caias e que te levantes, é preciso que a personagem tente o impossível, continuar a sua aula, o que não vai conseguir” – e ela investiu isso de um desespero absoluto. Falemos de gestos. Há aquela sequência em que Malik simula o bigode de Hitler e a professora levanta a mão. Um gesto. . . . . . bizarro. Porque tanto é de agressão como parece querer transmitir algo. . . É isso mesmo. Nisso Madame Hyde é cinema mudo. Há algo, em Malik e na professora, que nos reenvia para os “monstros” de Tod Browning, para o Freaks, por exemplo. Adoro isso. Existe essa ideia de monstruosidade nas personagens: num caso é exterior, física, no caso dela é uma monstruosidade secreta. No romance [O Estranho Caso do Dr. Jeckyll e de Mr. Hyde, de Robert Louis Stevenson], Hyde é tudo o que Jeckyll reprime: a sexualidade, a violência. Madame Hyde não é isso. Mesmo no caso da primeira cena em que ela “mata”, é para proteger Malik. A monstruosidade no filme não serve a distinção entre Bem e Mal, espelha antes uma fragilidade. A fraqueza de Malik são as suas pernas; a de Marie Géquil é ser um fracasso como professora. Isabelle, e é por isso que adoro trabalhar com ela e que vou voltar a fazer um filme com ela, é uma actriz que tem uma forma de estilizar os gestos. Não são gestos naturais, que se diriam do quotidiano, que respiram uma evidência do quotidiano. São gestos estranhos – há sempre um lado de excentricidade, como no cinema mudo. Não sei de onde é que isso lhe vem, eu próprio me surpreendo, e é por aí que muito da personagem não passa pelo "bla bla bla" ou pelo argumento. Há coisas que Isabelle inventa sozinha. Às vezes sou eu que lhe dou o ponto de partida – esse gesto de que falou, que tem de facto tanto de agressão como de continuidade, fui eu que propus. Mas sobre o mudo, sobre essa conexão [James] Whale/Browning: é verdade, mas enveredaria mais pelo lado burlesco. Um burlesco – grande palavra agora – metafísico. Sim, menos trivial. As personagem olham sempre para longe. . . É mais sonhador. . . Há um lado melancólico no seu cinema. As personagens desejam sempre estar noutro lugar, o olhar delas vagueia com a consciência de outra dimensão, a que não se consegue chegar. . . Vejo o que quer dizer. Os meus filmes são diferentes, espero nunca repetir o mesmo, mas em cada um há o apelo de um longínquo. Há uma busca, se calhar um sentimento de perda. Estou a improvisar, porque nunca tinha pensado nisso. . . mas sim, a ideia de um exterior inacessível com uma harmonia própria que dificilmente as personagens encontram nas suas vidas. Como pegar em pleno numa “questão social”, a educação, sem a transformar na declinação dum sermão: Serge Bozon mostra. Onde é que se coloca no cinema francês, território que foi demarcado nos anos 30 pelo “realismo”?Os anos 30 e os anos 70 foram as décadas maiores do cinema francês. Porquê os anos 30? Porque, e tal como em Hollywood, onde isso era mais visível, a noção de género ainda não estava fixada, nem a gramática de cada um dos códigos, tudo se comunicava. Um mesmo filme podia ser comédia musical, filme de aventuras, filme erótico, e a alegria efusiva de tudo misturar. Pense em Steamboat Round the Bend [1935], de John Ford: é uma comédia sobre o Mississípi, é filme étnico, tudo é possível. Isso existia no cinema francês, isso existia na cabeça de alguém como Julien Duvivier [1896-1967], com um misto de excentricidade e de realismo bruto, o mundo parecendo caótico. Nos anos 70, que adoro, por razões políticas e sociais, houve a ressaca das esperanças revolucionárias, que fez com que as pessoas tivessem ficado sozinhas. Não é por acaso que Eustache, Rohmer, Godard, Rivette fazem os seus melhores filmes nessa década: estavam todos em momentos de solidão, tiveram de se voltar para si próprios para encontrarem na raiva, na solidão, os seus recursos. Pegue em Une Mulher é Uma Mulher [1961], de Godard, ou em Bando à Parte [1964], e a seguir em Número Dois [1975] – aqui já não há nada do “somos jovens e belos e andamos pelos museus, pomos música na jukebox e engatamo-nos”; há algo de mais duro. Essa dureza dá um lado mais comovente. Este é o cinema de que gosto. De qual é que venho? Tenho gostos clássicos: diria Guitry, Pagnol, Renoir, Jacques Becker, Bresson, Tati um pouco; toda a Nouvelle Vague, e toda a escola [das produções] Diagonale [Jean-Claude] Biette, [Paul] Vecchialli. . . Há cineastas recentes de quem me sinto próximo: Patricia Mazuy, Alain Guiraudie. Quando tinha 25 anos, escrevia para uma revista, La Lettre du cinéma, e tínhamos – eu, Vincent Dieutre, Pierre Léon, Axelle Ropert [a sua argumentista] – uma noção de grupo, um pouco como a Nouvelle Vague. Queríamos fazer filmes e fizemos. E dispersámo-nos. Mas ficámos marcados pela ideia de que se fazemos protótipos, ou seja filmes estilizados, é porque queremos ficar próximos de um cinema popular: a estilização não vem do cinema de arte e ensaio. O que pode haver de mais estilizado do que um peplum? Quando vemos Zombie [1948], do [Jacques] Tourneur. . . é estilizado, é fantástico sonhador, é fantástico atmosférico, mas ele fazia isso para o público mais popular. Tenho um amor enorme pelo cinema popular, sobretudo quando é mais delirante, como a série B. As cenas à noite de Madame Hyde foram feitas a pensar no giallo, no cinema de terror italiano, que tinha uma sofisticação na luz e na colocação dos actores em campo mas não era cinema de arte e ensaio. Quando alguém me diz que Madame Hyde é original, que não se sabe de onde vem, penso: é um filme sobre o subúrbio, é um filme sobre a escola que questiona o que é ensinar, é um filme em que há elementos fantásticos, e lembro-me que Brisseau fez isto, em De Bruit et de Fureur [1988], que vi em miúdo, e que era poesia em filme. . . mas aí ficamos no círculo da arte, e o meu objectivo, como em O Menino Selvagem [1970], do Truffaut, é sair do círculo da arte e mostrar o que é aprender. No caso do Truffaut é simples: é aprender a ler, a escrever e a falar. No caso de Madame Hyde tudo se passa mais tarde, trata-se de aprender a raciocinar, a argumentar, a colocar um “portanto” entre cada frase, a resolver um problema sem números, só pela reflexão. Não é trivial. La France podia ser o título dos outros filmes. As suas longas tratam do exército, da polícia, da escola. Imagino que não esteja a picar o ponto das instituições. . . [risos] Não, se não seria Frederick Wiseman. A minha co-argumentista é que tem as ideias. A minha “coisa” é a mise-en-scène, a montagem, não sou forte em argumento, Nunca sou eu a encontrar o ponto de partida, é ela. Sem ela não seria capaz de fazer filmes. Sim, leio os jornais todos os dias, leio o Libé [Libération]. Mas o meu ponto de vista é outro na questão do político e do social. Olhemos para Clint Eastwood, para um filme como Mystic River [2003], que frequentemente é pesado no seu negrume. De repente ele faz Grand Torino [2008], em que há um único branco num bairro asiático, e reaparece uma frescura que tinha perdido, que havia em A Última Canção [1982], reaparecem um humor e um sentido do presente. . . Só pelo facto de a personagem não saber quais os rituais daquela comunidade, quais as palavras a dizer. É o mesmo que faço ao misturar Isabelle Huppert e um actor que não é um actor. Engendra um prazer de cinema que não acontece quando ficamos no círculo habitual. É uma forma à parte de fazer político e social no cinema francês. Sim, seria menos à parte se estivesse em Portugal. Se pensarmos num filme como A Fábrica de Nada [Pedro Pinho, 2017], e na sua dimensão de comédia musical, mesmo que sejam três minutos num filme de três horas, ou naquilo que Miguel Gomes ensaiou em As Mil e uma Noites [2015], nas variações possíveis que não opõem cinema social a cinema popular. . . Não há um academismo no cinema português. Cada cineasta é um protótipo, isso oferece resistência à fixação de uma narrativa. . . Muito justo. Já em França há demasiados filmes demasiado parecidos. Estou isolado, sim, em todo o caso tento evitar a oposição entre arte e ensaio, entre o cinema cultural chique e o cinema comercial. Não é que os meus filmes façam milhões; falo em comercial na relação com as personagem, com a comicidade, com a ingenuidade e com os actores. Tento que os filmes saiam desse tipo de fronteiras. Até porque, se há convenções no cinema comercial, também as há no cinema de arte e ensaio. Por exemplo, há vários hoje a fazerem um sub-[Pedro] Costa. A metamorfose é central nos seus filmes. Há sempre um ser que se transforma, quase sempre uma mulher. Em que “laboratório” é que as coisas, as ideias, lhe surgem ou acontecem? Começa pela ideia de uma mulher a transformar-se?Não, depende. É a Axelle Ropert que me propõe: “Isto interessa-te?”. Escrevo sempre com a Axelle, e passa-se como se passa com Isabelle no plateau: não fico horas a falar da personagem, não atiro referências; quanto muito isso passa-se num segundo instante, ou quando o filme acaba e começo a reflectir. É só a partir da montagem que começo a ser analítico. Antes é excitação, é adrenalina. Na altura de La France eu não estava interessado no subúrbio e nas questões dos árabes, hoje estou e trata-se de encontrar uma ideia que toque nesses assuntos. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Para Madame Hyde, Axelle propôs-me Stevenson, nos nossos dias, no subúrbio, e com uma mulher. Foi isso que me excitou. O mesmo para Tip Top. Os policiais assentam numa rivalidade mimética entre o assassino e o polícia, em que o assassino está rodeado de mulheres e de droga e o polícia é melancólico. É um cinema de macho triste, homossexual reprimido e deprimido. Por isso a ideia em Tip Top era fazer um policial com mulheres, em que elas eram não só a polícia – logo, sem possibilidade de rivalidade mimética com o assassino – como eram a polícia da polícia, porque o trabalho delas é investigar a polícia. Sobre Madame Hyde. . . porquê uma mulher? Porque queria trabalhar com Isabelle mas também porque a transformação tornava-se mais romanesca: há uma fragilidade à partida. E porque há uma inversão: José Garcia, o marido, é o homem de casa, é ele que cozinha e que trata dela, o que dá um lado de excentricidade. Se fosse a mulher a dona-de-casa e a personagem em transformação o homem, seria uma coisa mais macho. Mas é verdade que a metamorfose estava na base de La France [uma mulher veste-se de homem e parte para a frente, na Primeira Guerra Mundial, ao encontro do marido]. Axelle propôs: “O que achas de um filme de guerra em que uma mulher se traveste?”. Nunca tinha reflectido muito nisto, e agora reparo que o meu próximo projecto é uma variação contemporânea de Don Juan, em comédia musical.
REFERÊNCIAS:
Étnia Asiático Árabes
Festival para Gente Sentada apresenta Nils Frahm e Marlon Williams em Braga
Os concertos acontecem no Theatro Circo, no GNRation e no centro da cidade de Braga. O festival, que acontece pela segunda vez, reúne vários nomes emergentes da música alternativa internacional. (...)

Festival para Gente Sentada apresenta Nils Frahm e Marlon Williams em Braga
MINORIA(S): Africanos Pontuação: 2 Mulheres Pontuação: 2 Homossexuais Pontuação: 6 Animais Pontuação: 7 | Sentimento 0.0
DATA: 2018-11-25 | Jornal Público
SUMÁRIO: Os concertos acontecem no Theatro Circo, no GNRation e no centro da cidade de Braga. O festival, que acontece pela segunda vez, reúne vários nomes emergentes da música alternativa internacional.
TEXTO: O Festival para Gente Sentada regressa a Braga para a segunda edição, na sexta-feira e no sábado, com o alemão Nils Frahm, o neozelandês Marlon Williams e a sul-africana Alice Phoebe Lou como principais nomes do cartaz. Com concertos no Theatro Circo, no GNRation e no centro da cidade de Braga, o evento reúne vários nomes emergentes da música alternativa internacional, como a catalã Núria Graham, e outros valores do panorama nacional, como os Riding Pânico ou Filipe Sambado. Os dois dias arrancam no centro da cidade, pelas 19h00, com West Coast Man, projecto de Pedro Costa, na sexta-feira, e a banda lisboeta Madrepaz no sábado, com actuações na Rua do Castelo antes do jantar. Pelas 22h00 de sexta-feira, Alice Phoebe Lou apresenta ao público o blues e a fusão de estilos que caracteriza a cantautora sul-africana, com o álbum de estreia "Orbit", de 2016, a dar lugar, ainda este ano, ao próximo registo de estúdio, "Paper Castles". Lou, de 25 anos, lançou no final de 2017 o EP "Sola", além de um livro de poesia, notabilizando-se com a música "She", criada para o filme "Bombshell: The Hedy Lamarr Story", que entrou na lista final de candidatos às nomeações ao Óscar de Melhor Canção Original. Uma hora depois, segue-se Marlon Williams, neozelandês de 27 anos que participou, já este ano, no filme "Assim Nasce Uma Estrela", realizado por Bradley Cooper e a quarta versão da história, com Cooper e Lady Gaga nos principais papéis (que sucedem às 'duplas' Janet Gaynor e Fredric March, no original de William Wellman, 1937, Judy Garland e James Mason, de George Cukor, 1954, e Barbra Streisand e Kris Kristofferson, de Frank Pierson, 1976). Em Braga, Marlon Williams vai apresentar o sucessor ao álbum de estreia homónimo, de 2015, intitulado "Make Way for Love", lançado já este ano, tendo sido nomeado como Melhor Artista Masculino pelo Variety Artists Club da Nova Zelândia. À noite, o GNRation volta a acolher propostas lusas, com a dupla Medeiros/Lucas marcada para as 00:30 e Filipe Sambado pelas 02:00 da madrugada de sábado. No segundo e último dia, o palco do Theatro Circo recebe a catalã Núria Graham, a apresentar o álbum de 2017 "Does It Ring a Bell?", naquele que é já o terceiro disco da jovem cantora de 22 anos. Nils Frahm, o cabeça de cartaz do festival, sobe ao palco pelas 23:00 de sábado, mostrando "All Melody", editado este ano e apresentado cinco meses antes no Porto, no festival Primavera Sound. O compositor, produtor e intérprete de Hamburgo é reconhecido por uma abordagem pouco convencional ao piano, em que combina sonoridades clássicas e electrónicas, além de ferramentas de percussão. Ao longo da carreira, o músico de 36 anos colaborou já com músicos como Ólafur Arnalds ou Woodkid, e lançou bandas sonoras para teatro ou para cinema, a que se somam nove álbuns em nome próprio. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. IAN, o projecto da violinista russa Ianina Khmelik, da Orquestra Sinfónica do Porto Casa da Música, abre o palco do GNRation pelas 01:30 da madrugada de domingo, trazendo o 'trip hop' e a eletrónica alternativa para o festival. Seguem-se os portugueses Riding Pânico (02h30), já depois de começar o 'dj set' do actor Nuno Lopes, noutra sala do espaço bracarense, no encerramento do evento. O festival nasceu em Santa Maria da Feira, onde se realizou até 2014, tendo passado para Braga no ano seguinte. Desde o começo, o evento já contou com nomes como Devendra Banhart, Robert Fisher, Woven Hand, Low, Tindersticks, entre outros.
REFERÊNCIAS:
Palavras-chave circo cantora pânico
Causa antitouradas e Educação Visual disputam reunião com Passos Coelho
Em dois meses foram criados 1008 movimentos no portal do Governo. Os sete finalistas têm duas semanas para convencer apoiantes e dia 19 esgrimem argumentos num debate. Quem ganhar reúne-se com Passos. (...)

Causa antitouradas e Educação Visual disputam reunião com Passos Coelho
MINORIA(S): Africanos Pontuação: 2 Mulheres Pontuação: 2 Homossexuais Pontuação: 6 Animais Pontuação: 13 | Sentimento 0.0
DATA: 2012-03-05 | Jornal Público
SUMÁRIO: Em dois meses foram criados 1008 movimentos no portal do Governo. Os sete finalistas têm duas semanas para convencer apoiantes e dia 19 esgrimem argumentos num debate. Quem ganhar reúne-se com Passos.
TEXTO: Sérgio Caetano olha para a Catalunha e fica orgulhoso por "finalmente ter sido contrariada uma tradição enraizada, mas que já não fazia sentido nos dias de hoje". É isso que tenciona argumentar perante o primeiro-ministro, se o seu movimento Abolição das Corridas de Touros for o escolhido para ter uma audiência com Pedro Passos Coelho, na sequência de um concurso que o Governo lançou no seu portal na Internet. Vai bem lançado: foi o que reuniu mais apoiantes até agora - tinha ontem à tarde 6148 seguidores. Já José Alberto Rodrigues gostaria que o executivo recuasse na intenção de acabar com a disciplina de EVT - Educação Visual e Tecnológica, e por isso criou, em nome da associação de professores desta disciplina, o movimento Em Defesa da Educação Visual e Tecnológica. A intenção do Governo é dividir os conteúdos de EVT pelas áreas curriculares de Educação Visual, Educação Tecnológica e Tecnologias da Informação e da Comunicação, e reduzir para metade o tempo semanal destas áreas. Esta solução é um "claro desinvestimento na formação artística" e "aumenta a dispersão curricular dos alunos", considera José Alberto Rodrigues, professor de 38 anos, que diz falar em nome dos 2000 membros da associação. Em Portugal há 7000 professores de EVT a exercer actualmente. Os 2700 seguidores arregimentados até aqui colocam a EVT em segundo lugar no ranking de movimentos, visto como "uma oportunidade para fazer ouvir a voz destes professores". Longe do primeiro, José Rodrigues espera, porém, uma surpresa: que o gabinete abra uma excepção às regras do concurso e que permita que o primeiro-ministro receba os dois movimentos. "Representamos as duas categorias mais populares: a defesa dos animais e a Educação", argumenta. Jornalista desempregado, morador em Castelo de Paiva, Sérgio Caetano, de 37 anos, diz que inscreveu o seu movimento antitourada como um "simples cidadão e não como activista". Não está ligado a nenhuma organizações de defesa dos animais, apenas ao ambiente através da Associação de Defesa do Vale do Paiva. Diz-se "surpreendido" pela adesão que a sua causa teve. De tal maneira que os adeptos da tourada não gostaram: o blogue Naturales - Correio da Tauromaquia Ibérica apelou aos defensores da tourada que votassem na EVT para que o antitourada não fosse recebido por Passos Coelho. Ambos realçam a inovação da iniciativa do Governo de abrir a porta a uma audiência com um movimento criado assim espontaneamente. "É importante haver uma aproximação entre o poder de decisão e as pessoas", diz Sérgio Caetano, enquanto o professor de EVT realça o "estímulo aos cidadãos para que participem efectivamente na vida pública". Mas avisam que agora a fasquia está alta. "A partir do momento em que se criam expectativas destas [o Governo] tem que compensar o cidadão. A audiência não pode ser só para ouvir, terá mesmo que tomar algumas medidas", avisa Sérgio Caetano. Mil ficaram pelo caminhoDesde 10 de Janeiro foram criados no novo portal do Governo 1008 movimentos - a larga maioria no primeiro mês. A equipa que gere esta espécie de concurso recusou 148 propostas. Muitos movimentos têm um número de seguidores residual, mas as temáticas são muito variadas. Além da educação, as áreas mais escolhidas são as da economia, finanças, política, saúde, justiça e governo. Não há, porém, movimentos sobre casamento homossexual ou racismo. Mas é possível encontrar vários movimentos em defesa da cannabis, da legalização da prostituição e do feriado no Carnaval.
REFERÊNCIAS: