Ser uma it girl aos 65
Em 2008, o fotógrafo e blogger Ari Seth Cohen iniciou um blogue para dar expressão ao estilo feminino de mulheres com mais de 60 anos. Lyn Slater e Maye Musk – mãe do dono da Tesla – já foram sujeito de publicações e têm, por sua vez, milhares de seguidores nas próprias redes sociais. (...)

Ser uma it girl aos 65
MINORIA(S): Mulheres Pontuação: 5 Homossexuais Pontuação: 2 | Sentimento 0.0
DATA: 2018-07-19 | Jornal Público
SUMÁRIO: Em 2008, o fotógrafo e blogger Ari Seth Cohen iniciou um blogue para dar expressão ao estilo feminino de mulheres com mais de 60 anos. Lyn Slater e Maye Musk – mãe do dono da Tesla – já foram sujeito de publicações e têm, por sua vez, milhares de seguidores nas próprias redes sociais.
TEXTO: A primeira pessoa que Ari Seth Cohen conheceu em Nova Iorque, acabado de chegar de San Diego, na Califórnia, foi uma mulher. Estava “nos seus 90” e tinha um estilo “incrível”. Corria o ano 2008 — Barack Obama concorria pela primeira vez à presidência dos Estados Unidos, a falência do Lehman Brothers lançava ondas de choque pelo mundo e na Internet começavam a ganhar popularidade os blogues de estilo — mas “não se via imagens pulsantes de pessoas mais velhas”. Quatro meses depois, o fotógrafo começou a documentar “o estilo de rua inspirador dos nossos respeitados anciãos”. Deu ao blogue o nome Advanced Style. Nove anos, dois livros e um documentário mais tarde, soma hoje mais de 208 mil seguidores no Instagram e viaja pelo mundo de lente apontada — esteve recentemente em Sintra. Mas o espaço que ocupava sozinho em 2008 é hoje habitado por dezenas de mulheres de cabelo grisalho — e as suas centenas de milhares de seguidores. É o caso de Judith Boyd, enfermeira psiquiátrica reformada de 74 anos, que vive no Colorado. Foi co-gestora de uma loja de chapéus nos anos 1980 e agora publica no blogue Style Crone conjuntos com chapéus fabulosos. Já Valerie Von Sobel protagonizou a capa do segundo livro de Cohen (Advanced Style: Older & Wiser) e divide hoje o tempo entre as redes sociais, o trabalho de filantropia e as peças que escreve para o HuffPost. Maye Musk — além de instagramer é mãe de um dos empresários mais mediáticos do mundo, Elon Musk, dono da Tesla —, é modelo há cinco décadas e garante que hoje, com 69 anos, está “a trabalhar mais do que nunca”. E Lyn Slater deu o nome Accidental Icon ao blogue quando, durante a semana de moda de Nova Iorque, um conjunto de fotógrafos e pessoas na rua a confundiram com alguém famoso e desde aí não parou — no Instagram tem uma audiência de 251 mil. Embora Lyn Slater não se considere modelo “no sentido tradicional”, esta professora no curso de Serviço Social começou em Janeiro a ser representada pela agência londrina da Elite. Lyn criou o Accidental Icon em 2014. “Estava a sentir-me aborrecida com a vida académica”, conta ao P2, e queria “ter formas de me expressar criativamente”. Partindo da sugestão de começar um blogue, pensou em formas de fazer “algo diferente”, pegando nas competências que desenvolveu ao longo da carreira, na sala de aula — nomeadamente a capacidade “de manter-se actual aos olhos dos estudantes mais novos”. Algo que se provou decisivo no espaço competitivo dos blogues de estilo. Se grande parte destas plataformas são feitas de roles intermináveis de imagens de um conjunto de roupa sob todos os ângulos possíveis e imaginários, com uma ou duas linhas de texto, Accidental Icon é essencialmente o oposto. Geralmente, Slater publica uma ou duas fotografias dos conjuntos dignos de editoriais de moda — fotografados pelo seu parceiro, Calvin — acompanhados de textos provocantes, que normalmente terminam com uma interrogação. De cabelo branco até ao queixo, aparece ora numa elegante escadaria alcatifada com um longo casaco de veludo, ora sentada em escadas de rua vestindo umas calças de ganga rasgadas e uma gabardine metalizada. A lista cuidadosamente programada de estilistas vai de emergentes como Yajun aos mais emblemáticos Issey Miyake e Dries van Noten. “[Tenho] um guarda-roupa único, que não se vê nas lojas ou nas grandes marcas”, conta. Slater trabalha com algumas marcas, mas recusa ainda hoje publicidade na sua plataforma, pelo menos no sentido tradicional. “Preciso de ter controlo criativo sobre como é feito”, explica, acrescentando que hoje é bem mais importante o nível de “engagement” (envolvimento) nas redes sociais, do que o número de seguidores. Por isso, preocupa-se acima de tudo com a qualidade do conteúdo e autenticidade do mesmo. A relação performativa que tem com a moda vem da infância, dos tempos do colégio católico — quando passava horas em casa com um hábito emprestado, a imaginar como seria ser freira. Estávamos na década de 1950 e as mulheres que a rodeavam preenchiam os papéis tradicionais do sexo feminino — “eram mães, ficavam em casa”. Lyn conseguia perceber que muitas delas não estariam necessariamente felizes e “via as religiosas como uma possibilidade diferente de feminilidade”. As freiras “pareciam estar sempre em controlo”, explica ao P2 numa conversa telefónica. “De certa forma, governavam a escola. ”Slater resiste à ideia de estar a representar algum grupo da sociedade e não gosta de falar em idades, mas contenta-se com a noção de ser um exemplo positivo. “O que parece ter acontecido — especialmente com jovens — é que tenho sido vista numa perspectiva diferente de como as pessoas podem pensar no envelhecimento”, aponta. “Em vez de ser tudo tão negativo”, podem ver-se antes “as oportunidades que [a idade] pode oferecer”. “Diria que 98% dos meus seguidores têm entre 13 e 35 anos”, revela. “No outro dia recebi uma mensagem de uma rapariga de 26”, conta, por sua vez, Ari Seth Cohen. Tinha acabado de soprar as velas do bolo e estava preocupada por estar a envelhecer. Depois de ver o documentário Advanced Style — onde Cohen retrata sete nova-iorquinas, como Ilona, que aos 90 anos começou um espectáculo de cabaret —, a tal rapariga escreveu-lhe para contar que “mal podia esperar por ser como aquelas mulheres”. A “esperança” é a palavra-chave, reconhece Cohen. “Mostro mulheres que fazem pilates com 100 anos e recebo emails de pessoas a dizer assim: ‘Estava a chegar aos 60 e a começar a pensar que a minha vida ia acabar, mas vi esta mulher e percebi que há tanto mais à minha frente’”, conta. Para Cohen, o Advanced Style nunca teve que ver com consumismo, moda ou estilo. “Tem mais que ver com a atitude. Estas mulheres têm o poder de inspirar as pessoas a viver de uma forma mais vital, vibrante, activa. ”Maye Musk corrobora. “Trabalhar, continuar a ter estilo e sentirmo-nos bem parece ser aquilo com que as pessoas se entusiasmam”, comenta ao P2 por telefone, de Los Angeles. Curiosamente, são em grande parte as raparigas mais novas a abordá-la com mensagens de gratidão. Àquilo que partilha no Instagram chama boasts, uma mistura de post e do verbo boast (gabar-se, em português). “Tento ter algum sentido de humor”, conta Musk. O feed é um misto de fotografias do dia-a-dia, campanhas de publicidade — para marcas como Virgin Atlantic e Clinique —, dezenas de produções de moda — que já fez para Vanity Fair, Vogue Korea e Elle Quebec, entre outras. E, mais esporadicamente, fotografias ao lado de Ellon Musk — “Eu fui famosa primeiro!”, costuma dizer em entrevistas, meio a brincar. Enquanto o filho ocupa o tempo com o futuro dos carros eléctricos — e com a colonização de Marte —, a agenda de Maye tem estado cada vez mais preenchida, sobretudo depois de ter assinado recentemente contrato com a IMG Models, uma das mais prestigiadas agências de modelos do mundo. No Instagram é seguida por quase 58 mil pessoas e gosta do “poder” que isso lhe dá. Sobre uma coisa esta avó de dez netos não tem dúvidas: há “definitivamente” mais procura de modelos acima dos 60. “As pessoas estão a dar valor a mulheres mais velhas”, confessa. Nas passerelles, em Fevereiro, durante as apresentações semestrais dos criadores de moda, a diversidade de idades foi maior do que alguma vez tinha acontecido, com modelos acima dos 50 a participar em apresentações como as de Gareth Pugh, Simone Rocha, Dries Van Noten e J. Crew. De acordo com o theFashionSpot, 21 modelos nesta faixa etária desfilaram em Nova Iorque, Paris, Londres e Milão. Por comparação, na temporada anterior, tinham sido contratadas apenas 13. A semana da moda de Nova Iorque, neste Setembro, deu continuinidade à crescente tendência da diversidade na passerelle, com desfiles como o de Christian Siriano — que incluiu uma série de modelos plus size e modelos que desafiam as noções de género. Lyn Slater e Maye Musk desfilaram ambas para diferentes marcas, como Just In Case e Zero + Maria Cornejo, respectivamenteNatural do Canadá, Maye começou cedo a trabalhar como modelo e chegou a ser finalista no concurso Miss África do Sul, em 1969 — para onde foi viver com os pais, aos cinco anos, e onde passou grande parte da sua vida. Entretanto, concluiu um mestrado em Dietética e outro — já de volta a Toronto — em Ciências de Nutrição. A carreira de modelo foi sempre secundária ao trabalho. “Não pensava muito sobre isso, porque era dietista e tinha uma clínica privada”, conta. Os anos foram passando e os pedidos para trabalhos de modelo continuaram a chegar. “Era bom porque era uma mãe solteira. ”Do casamento efémero com o engenheiro Errol Musk nasceram três filhos. Elon é o irmão mais velho de Kimbal e Tosca Musk, que trabalham em restauração e televisão, respectivamente. Ao 50 anos, Maye mudou-se do Canadá, para onde tinha ido viver com os filhos depois da África do Sul, para Nova Iorque — numa altura em que a carreira deu um salto, com trabalhos para a Clinique e a Revlon — e aos 60 decidiu celebrar a ocasião deixando de pintar o cabelo. E assim mesmo, grisalha, foi o rosto de uma campanha da Virgin America e capa da New York Magazine. Em Março deste ano, a Vanity Fair chamou-lhe it girl. A perspectiva de Ari Seth Cohen sobre a idade sénior nunca foi igual à da maioria. Passou a infância em San Diego ao lado da melhor amiga, a avó — que descreve como uma mulher inspiradora e com estilo. A sua morte, em 2008, deixou-o “um pouco perdido” e o caminho que tomou levou-o a Nova Iorque, onde começou a ser constantemente exposto a mulheres nos seus 80 ou 90 anos, impecavelmente bem arranjadas e com “vidas entusiasmantes”. Ao mesmo tempo, reparava que não eram representadas pelos media, nem tão-pouco apareciam nos blogues de streetstyle. Algo que o deixava estarrecido. “Não se conseguiam relacionar com o que estava a acontecer na moda”, diz. Cohen olhava com estranheza para o facto de ninguém estar a prestar atenção e também para a forma como a conversa sobre o envelhecimento era sempre “negativa, clínica ou deprimente”. Respondeu com acção: começou a abordar pessoas nas ruas, a ouvir as histórias e a tirar fotografias e procurou enquadrar o projecto “de uma maneira que sabia que iria inspirar as pessoas do mundo da moda”. O Advanced Style “era uma forma de estar ligado à minha avó e de fazer algo criativo, mas também inspirar as pessoas que conhecia a olharem para o envelhecimento de forma diferente”. Em Portugal, o cenário é um pouco diferente. Entre as principais agências de modelos contactadas pelo P2, a opinião é consensual: a procura de modelos mais velhos é praticamente inexistente e nem tão-pouco existem modelos a trabalhar consistentemente na indústria da moda — como é o caso de Musk, que faz essencialmente editoriais, campanhas de moda e também alguma passerelle. À excepção de casos pontuais, os modelos agenciados acima de uma certa idade fazem um trabalho comercial. “Infelizmente, não conseguimos que vinguem. Algumas até poderiam brilhar, mas não temos abertura de espírito para isso”, aponta Fátima Carlos, head booker da Just Models. Tó Romano, um dos directores de Central Models, explica que “é raro uma revista de moda fazer um editorial com personagens de 70 anos”. “Logo”, continua, “não temos aqui alguém especificamente para trabalhar só nesse campo”. Fátima Carlos acredita que se trata de uma tendência que “a longo prazo” chegará também a Portugal. “Haverá ex-modelos com idades mais avançadas que continuam bonitas e que poderiam fazer este tipo de trabalho”, aponta, citando o caso de Kimberly Ribeiro, uma ex-bailarina agenciada na Just Models, com perto de 60 anos, que trabalha como modelo comercial. Para Tó Romano, é impossível ignorar o facto de que a esperança média de vida do ser humano é cada vez maior: “É absolutamente natural que a moda e a publicidade tenham ficado sensíveis a este fenómeno e deixem de fazer fotografia que tenha única e exclusivamente a superjuventude como referência. ”Já Hélio Bernardino, da Elite Lisbon, mostra-se mais céptico. “Aqui chega sempre tudo depois, já sabemos. Não existe ainda essa tendência e não sei se irá existir”, diz. “Duvido, porque as tendências de moda têm sempre que ver com as publicitárias e comerciais. E nós temos uma situação económica complicada — as pessoas com mais de 60 anos estão com dificuldades. ” Para já, garante que não é negócio. “Só para pôr uma pessoa na agência é um investimento enorme, em sessões fotográficas. Não vale a pena estar a investir para depois fazerem um ou outro editorial. ”Mas há casos que fogem à regra, como, por exemplo a recente campanha do criador português David Ferreira, com uma série de modelos, inclusive Conceição Rhodes, de 69 anos, da L’Agence. “Representamos muita gente acima dos 60 anos, tanto homens como mulheres. Estes agenciados fazem sobretudo trabalhos comerciais. Pontualmente fazem trabalhos editoriais, desde que sejam solicitados pelo mercado”, diz a directora da agência, Elsa Gervásio. Lyn Slater é muitas coisas ao mesmo tempo e nenhuma em específico. Na página de apresentação do blogue tem uma longa lista de frases que caracterizam o tipo de mulher que é — alguém que “repudia a invisibilidade”, lê-se por exemplo. Odeia ser “categorias”, diz. “Nunca fui só uma coisa, sempre fui alguém que está constantemente a mudar. Por isso a minha identidade é muito fluida. ”Apesar de não ter começado o blogue com uma mensagem política em mente, Lyn reconhece que está numa posição privilegiada para dar exposição a quem não a tem — mas, continua, “não acho que esteja a representar mulheres mais velhas”. Antes, “qualquer mulher ou homem dispostos a correr riscos, que procuram reinventar-se, que procuram resistir a definições de outros”. “Em vez de dizermos à moda ‘devem começar a ter modelos mais velhos’, devíamos estar a dizer ‘têm de ter pessoas reais como modelos’. ” E isso significa tudo: “Género, etnicidade, idade, sexualidade, deficiência. . . ”Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. São temas sobre os quais já se tem tentado falar nos últimos 30 anos. “Uma das razões que me têm levado a interessar cada vez mais por redes sociais e pelo mundo visual é porque acho que as pessoas estão cansadas de ter a mesma conversa de sempre. Novas imagens de seres humanos têm de começar a emergir. E acho que as pessoas vão estar muito mais interessadas em ter conversas se não tiverem de levar sermões”, desabafa. “Quando as pessoas me perguntam ‘como é que se sente em relação à idade?’, eu digo ‘olhem para as minhas fotografias, não tenho nada a dizer. ”Este artigo encontra-se publicado no P2, caderno de Domingo do PÚBLICO
REFERÊNCIAS:
Palavras-chave morte homens escola humanos campo filho mulher homem social sexo género mulheres sexualidade casamento rapariga
APAV cria versão em inglês para universitários sobre violência sexual
Estudantes estrangeiros têm agora acesso a informações úteis e e estratégias de prevenção contra a violência sexual (...)

APAV cria versão em inglês para universitários sobre violência sexual
MINORIA(S): Mulheres Pontuação: 5 Homossexuais Pontuação: 2 | Sentimento 0.25
DATA: 2015-05-01 | Jornal Público
SUMÁRIO: Estudantes estrangeiros têm agora acesso a informações úteis e e estratégias de prevenção contra a violência sexual
TEXTO: A Associação Portuguesa de Apoio à Vítima (APAV), no âmbito do Projecto Unisexo 2, que pretendeu intensificar os esforços de prevenção da violência sexual junto da população universitária de Coimbra, lança agora uma versão inglesa do microsite destinada aos estudantes do ensino superior. Devido ao elevado número de estudantes estrangeiros inscritos na Universidade de Coimbra, cerca de 4000 alunos de 100 nacionalidades diferentes, a APAV entendeu que seria necessária uma versão em inglês do microsite sobre Violência Sexual, facilitando, assim, o acesso de todos os alunos a informação prática e a estratégias de prevenção. O Projecto Unisexo 2 consistiu num concurso de cartazes proposto à comunidade académica de Coimbra, que visava a prevenção da violência sexual, onde foram ainda realizadas três conferências sobre a sexualidade assim como <i>workshops</i> para descontrução de mitos. Segundo dados do relatório anual da APAV relativo ao ano de 2014, no que diz respeito ao nível do ensino, 7, 6% das vítimas destes crimes frequentam o ensino superior (em 2013 eram 6, 9%). A APAV é uma associação que tem como missão apoiar as vítimas de crimes de agressão sexual, assim como as famílias e os amigos, através de apoio prático e genérico, emocional e especializado ao nível jurídico, psicológico e social. Texto editado por Andrea Cunha Freitas
REFERÊNCIAS:
Palavras-chave violência comunidade social sexual sexualidade
Guida Maria (1950-2018), uma actriz combativa e ousada
Morreu esta terça-feira a actriz Guida Maria. Protagonista de A Promessa, de António de Macedo, no cinema, fez longa carreira na televisão e nunca deixou o teatro – onde teve um dos seus grandes sucessos, Os Monólogos da Vagina. Nos palcos, aliás, procurou mulheres à sua imagem, frontais e destemidas. (...)

Guida Maria (1950-2018), uma actriz combativa e ousada
MINORIA(S): Mulheres Pontuação: 5 Homossexuais Pontuação: 2 | Sentimento 0.0
DATA: 2018-12-31 | Jornal Público
SUMÁRIO: Morreu esta terça-feira a actriz Guida Maria. Protagonista de A Promessa, de António de Macedo, no cinema, fez longa carreira na televisão e nunca deixou o teatro – onde teve um dos seus grandes sucessos, Os Monólogos da Vagina. Nos palcos, aliás, procurou mulheres à sua imagem, frontais e destemidas.
TEXTO: Lá fora, Glenn Close, Susan Sarandon, Kate Winslet, Whoopi Goldberg, Winona Ryder ou Melanie Griffith. Em Portugal, Guida Maria. As numerosas produções do monólogo teatral Os Monólogos da Vagina, da autoria de Eve Ensler, atraíram muitas das mais notáveis e mediáticas actrizes de todo o mundo. A estreia nacional ficou a dever-se a Guida Maria, que, em Outubro de 2000, se atirou a um texto pautado pela frontalidade e desassombro com que aborda a sexualidade feminina. Tal como acontecera nas maiores salas norte-americanas ou londrinas, também por cá foi um sucesso que se colou, com justiça, à pele da actriz, que faleceu esta terça-feira, aos 67 anos, no Hospital São Francisco Xavier, Lisboa, onde se encontrava hospitalizada desde o início de Dezembro. Foi vítima de um cancro no pâncreas. A notícia foi avançada à agência Lusa pelo encenador António Pires, declarando que a actriz morreu durante a manhã, “tranquilamente durante o sono”. O velório tem lugar na Basílica da Estrela, em Lisboa, desde o final da tarde desta terça-feira, de onde o corpo sairá, na quarta-feira, em direcção ao Cemitério dos Prazeres, para a realização do funeral. António Pires dirigiu Guida Maria em três ocasiões, a primeira das quais em Março de 2004, quando a actriz o convidou a assumir a encenação de Zelda, título com que rebaptizou The Last Flapper, peça de William Luce baseada nos diários de Zelda Fitzgerald. Pires era já um amigo da família, uma vez que há muitos anos que o seu percurso profissional se cruzara com a da actriz Julie Sargeant, filha da actriz e do músico Mike Sargeant. “Gostei muito de trabalhar com ela”, declara o encenador ao PÚBLICO. “Era uma actriz muito combativa, muito forte, com muita energia, muito determinada nos seus projectos – depois de ter saído do Nacional [a actriz integrou o elenco residente do Teatro Nacional Dona Maria II entre 1978 e 1998] começou a fazer os seus projectos pessoais, ia convidando encenadores para trabalhar com ela porque não conseguia ficar quieta. ”As características a que António Pires se refere – combativa, enérgica, determinada – correspondem, de alguma maneira, às personagens e aos textos de um universo marcadamente femininos (e feministas, em muitos casos) que Guida Maria escolheu para essas produções que ela própria desencadeava. Assim foi, por exemplo, com Os Monólogos da Vagina, quando viajou até Nova Iorque em busca de um espectáculo à sua medida e se reuniu com os agentes de Ensler para negociar a aquisição de uma peça esgotadíssima na Broadway e que montou com o encenador Celso Cleto para a estreia nacional no Casino Estoril. Zelda, por seu lado, levava para palco a história da mulher de F. Scott Fitzgerald, libertando a escritora, pintora e bailarina da sombra do escritor norte-americano. Antes da estreia, Guida Maria descrevia ao PÚBLICO a mulher que encarnava em palco como “uma intelectual numa altura em que as senhoras eram feitas para casar”. “Eram sempre mulheres muito fortes, com muita opinião sobre a vida, nada conformadas com a vida e com as injustiças e mulheres que marcaram as suas épocas – com as quais ela se identificava”, comenta António Pires acerca das protagonistas em que Guida Maria apostou nos últimos anos da sua carreira teatral e que desenvolveu, em larga medida, em paralelo com os seus papéis na televisão. “Era também assim – uma pessoa muito livre e que falava muito abertamente sobre as coisas. ”Esse perfil seria vincado sobretudo por Os Monólogos da Vagina. Depois da estreia no Casino Estoril, com o público a acorrer em barda (foram quase 20 mil espectadores), Guida Maria regressaria ainda por duas ocasiões ao texto – primeiro no Teatro Villaret, em 2002; depois partilhando o espectáculo com as actrizes Ana Brito e Cunha e São José Correia no Casino de Lisboa, em 2009. Aos monólogos voltaria ainda em 2015, com a peça de Franca Rame, Dario Fo e Jacopo Fo Sexo? Sim, mas com Orgasmo, dirigida também por António Pires e incidindo de novo nos interditos relacionados com a sexualidade, reforçando uma imagem de ousadia que não deixou de levar para palco. Mais recentemente, interpretou Os Malefícios do Tabaco, de Anton Tchékhov, numa encenação de Paulo Ferreira. A imagem de ousadia associada a Guida Maria como actriz vinha já de trás. Em 1973, ao protagonizar com João Mota uma cena de nudez no filme A Promessa, de António de Macedo, faria um enorme furor no taciturno meio cultural e social português – o filme estreou-se pouco antes do 25 de Abril, após uma troca de argumentos com a Censura. O impacto desse momento foi algo que, no entanto, sempre desvalorizou, salientando a normalidade de uma cena daquelas naquilo que o seu trabalho lhe exigia e considerando a decisão – numa entrevista a Ana Sousa Dias para o programa da RTP O Outro Lado – “um acto de coragem do realizador”. “Ela fazia um papel magnífico e era uma das forças daquele filme”, recorda ao PÚBLICO o realizador Lauro António, com quem filmaria mais tarde. A Promessa, de resto, significaria um episódio raro (até então) de chegada do cinema português ao Festival de Cannes – antes disso apenas Leitão de Barros, em 1946, e Bárbara Virgínia tinham estado presentes no certame –, onde François Truffaut, segundo lembrou Fernando Madaíl no Diário de Notícias, lhe terá perguntado: “Mas como é que uma cara tão bonita só fez um filme?”Com António de Macedo, Guida Maria filmou ainda O Princípio da Sabedoria (1975), A Bicha de Sete Cabeças (1978) e Os Emissários de Khalom (1988), tendo sido também dirigida por Artur Semedo (O Barão de Altamira, 1986), Rosa Coutinho Cabral (Serenidade, 1987), João Botelho (No Dia dos Meus Anos, 1992) e Lauro António (O Vestido Cor de Fogo, 1985). Lauro António cruzava-se regularmente com a actriz em encontros organizados por Jorge Vale na Casa da Comida, às Amoreiras (em Lisboa). “Estávamos a falar numa determinada altura e ela disse-me: ‘Estou farta de fazer de princesinha. ’ Eu perguntei-lhe se ela gostava de fazer de prostituta. Ela respondeu: ‘Adorava. ’” E foi assim que o realizador aumentou o papel que lhe atribuiu em O Vestido Cor de Fogo, permitindo-lhe fugir à imagem de “princesinha”. Depois dessas escapadas por terras do cinema, a actriz passou a ser vista sobretudo na televisão, participando em telefilmes, séries e telenovelas, tais como Riscos, Super Pai, a série brasileira O Bem Amado, Olhos de Água, Tudo por Amor, Amanhecer, Doida por Ti ou A Única Mulher (já em 2016). Nascida em 1950, filha do actor Luís Cerqueira, Guida Maria – assim baptizada porque, escrevia Fernando Madaíl, a mãe escolhia para os filhos nomes de personagens do livro As Pupilas do Senhor Reitor, de Júlio Dinis – foi desde cedo uma presença frequente nos palcos portugueses. Iniciou-se com sete anos, na peça Fogo de Vista, de Ramada Curto, e aos 12 teve o primeiro sabor de verdadeiro sucesso enquanto protagonista de O Milagre de Anne Sullivan, uma encenação de Luís de Sttau Monteiro do texto em que William Gibson relatava a história de Helen Keller. “Quase fiquei apaixonado por ela nessa altura”, recorda Lauro António, porque “era muito bonita e tinha uma força muito grande dentro dela que era muito visível”. “A Guida é de Campo de Ourique”, diz Jorge Silva Melo ao PÚBLICO, “aquele que conheci nos finais dos anos 50, e era la plus belle pour aller danser daquele bairro pequeno. ” O encenador nunca esquecerá “aquela matinée no Teatro Avenida” em que também a descobriu no papel de Hellen Keller, a “menina surda-muda que, ao fim de dois actos habilidosamente elaborados, conseguia dizer ‘Água’”. “Eu chorei. E a sala vinha abaixo. ”Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Após uma breve aproximação à LUAR no pós-25 de Abril, dedicou-se durante duas décadas às produções do Teatro Nacional Dona Maria II, que interrompeu apenas para frequentar a American Academy of Dramatic Arts, em Nova Iorque, com uma passagem ainda pelo Actor’s Studio. Ao longo dos anos passados no Nacional, Guida Maria representou os grandes textos do cânone teatral, de Garrett e Shakespeare a Gil Vicente, Brecht e Lorca. Com Lorca, aliás, teve a experiência dupla de representar mãe e filha em A Casa de Bernarda Alba: primeiro na sala lisboeta, foi uma das filhas de Eunice Muñoz; depois no Mindelo, em Cabo Verde, foi a matriarca e actuou parcialmente em crioulo. Foi também no Nacional que se aventurou pela primeira vez numa criação sua a partir do texto Shirley Valentine de Willy Russell, cuja tradução pediu a Silva Melo. Em 2009, desvelando a sua vida artística e abrindo portas para parte da sua intimidade, publicou com Rui Costa Pinto a biografia Guida Maria – Uma Vida. Aí recorda os seus diversos papéis, na ficção e fora dela, sendo certo que nunca deixou de desempenhar aquele que talvez melhor a defina – a de mulher combativa e ousada. Texto corrigido relativamente à data de estreia do filme A Promessa e acrescentada informação sobre os filmes portugueses em Cannes
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Partidos LIVRE
Como ser uma mulher inteira, uma lição de Aretha Franklin para Beyoncé
Muito antes de se falar em empowerment e em wokeness já Aretha Franklin havia descrito como uma mulher negra pode tomar as rédeas da sua vida. Quando virem Queen B a ser rainha, lembrem-se de que ela teve esta mãe. (...)

Como ser uma mulher inteira, uma lição de Aretha Franklin para Beyoncé
MINORIA(S): Mulheres Pontuação: 5 Homossexuais Pontuação: 2 | Sentimento 0.2
DATA: 2018-08-17 | Jornal Público
SUMÁRIO: Muito antes de se falar em empowerment e em wokeness já Aretha Franklin havia descrito como uma mulher negra pode tomar as rédeas da sua vida. Quando virem Queen B a ser rainha, lembrem-se de que ela teve esta mãe.
TEXTO: Às vezes tudo o que é preciso para chegar ao mito é uma ligeira alteração – como quando Clark Gable improvisou aquela fala que ficou para a História, "Frankly, my dear, I don’t give a damn", ou Artur Jorge introduziu Juary ao intervalo daquele Porto-Bayern que resultaria na primeira Taça dos Campeões Europeus dos azuis-e-brancos, em 1987. Alguém foge ao guião, ao que é expectável, introduz um dado inesperado e o caos solta-se e a História nasce. Como quando as irmãs de Aretha cantaram "sock it to me" nos coros de Respect. "Sock it to me". Expressões idiomáticas nem sempre têm uma tradução à letra, mas aqui o significado imediato é: mostra-me o que tens, mostra-me o que vales. Se fôssemos ingénuos, poderíamos, por um segundo, achar que havia aqui incentivo – mas não, a bravata com que a frase é dita torna-a um desafio: levanta a mão se quiseres, que eu não tenho medo de ti. Dizer isto, com esta lata – isto é aquilo a que chamamos História. Há uma ironia aqui: Respect – canção que, na versão de Aretha, toda a gente conhece – foi escrita por um homem, um extraordinário homem, Otis Redding. No original era um monólogo de um homem, cansado de trabalhar, que exigia que a mulher parasse de o aborrecer – na versão de Aretha é outra coisa, uma mulher que simplesmente não aceita não ser respeitada e que enfrenta quem não a respeita. Daí a importância da introdução daquela frase, "sock it to me", nos coros: era como se de repente ficasse claro para toda a gente que as mulheres não mais aceitariam o papel que lhes era votado pelos homens. "Sock it to me" era a verbalização de uma revolta, até então surda, sobre o papel que uma mulher (todas as mulheres) podia(m) assumir. Respect (na versão de Aretha) foi editado em 1967: 51 anos e um Me Too depois, as mulheres só agora estão a começar a realmente dizer "sock it to me". Aretha não achava que a canção fosse particularmente arrojada: "Toda a gente merece respeito, toda a gente quer respeito", disse um dia. "Eu só o pus na voz de uma mulher", acrescentou. Mas isso foi particularmente importante, mais ainda pela época em que a canção foi lançada: não só Respect se tornou bandeira do movimento feminista como a própria Aretha acabou por devir um ícone dos direitos das minorias – mais que isso: ela tornou-se a imagem da mulher que é capaz de se defender a si própria e diz o que tem a dizer. Muito antes de se falar em empowerment e em wokeness já Aretha havia descrito como uma mulher negra pode tomar as rédeas da sua vida. Respect não seria o que é se não fosse Aretha a cantar – e isto é importante: Aretha não está a cantar para demonstrar um ponto; ela está a cantar Respect porque cantar, de todos os pontos de vista possíveis, é a sua forma de se expressar. Ela não foi apenas a mulher que desafiou o seu homem – também foi a mulher que cantou (To be) young, gifted and black, ou Do right woman, do right man (que era feminista de uma forma marota, reclamando mínimos olímpicos sexuais) ou Think. Recapitular essas performances é uma maneira de dar conta da versatilidade de Aretha, bem como da abrangência do seu espectro emocional – mas na versão super-condensada, que reduz a sua carreira apenas a êxitos. Porque para sermos honestos ela é bem mais que um símbolo e a sua grande dádiva tanto às mulheres como ao resto da humanidade (e o resto, os homens, também podem tentar aprender com ela) foi não ter tentado dar lições, muito menos num só aspecto da vida, foi ter cantado tudo: o gospel, os blues, a soul. Do ponto de vista do negro crente, do negro pobre, do negro analfabeto, da mulher apaixonada e capaz de tudo pelo seu homem, da mulher que não se verga, da mulher que não tem vergonha de chorar, da mulher que não só não tem vergonha como assume o seu desejo. Isto foi o que ela deixou, não só a Beyoncé como a todas as mulheres e também aos menos maus dos homens: ser uma mulher negra que nunca tem vergonha de ser mulher, nem negra, nem tem medo do que sente, uma mulher inteira que (parafraseando Caetano) respeita as suas lágrimas e ainda mais a sua risada. Uma mulher que põe a voz toda em cada vocábulo. Aretha era uma voz gigante e comovente, mas era mais do que isso. Vão ao YouTube e vejam as suas aparições na televisão na década de 1960 e 1970: era uma mulher impositiva, sexual, mãe desde os 12 anos, sem medo. Isto aconteceu muito antes de Madonna, muito antes de Queen B, muito antes de Nicki Minaj. Mas quando vemos as Destiny’s Child a cantarem Survivor, quando vemos Beyoncé, de bastão de basebol na mão, a escavacar tudo o que lhe surge rua afora, podemos rastrear esta ascensão mediática actual de uma feminilidade completa, inteira, que foge aos padrões domésticos convencionais, até esse momento em que Aretha surge – na década de 1960 – pelos ecrãs de televisão adentro fazendo ver que uma mulher não é apenas aquele ser que chora na cozinha, a mulher também berra (e se ela berrava), também toma conta de si mesma, também exige uma sexualidade activa. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. O mundo, em particular o da pop, mudou muito desde essa época. Madonna explicitou essa urgência sexual, de mulher que não só aprecia sexo como o procura deliberadamente e usa o seu corpo. Mas leiam bem a letra de Do right woman, do right man: "If you want a do-right-all-day woman/ You've got to be a do-right-all-night man". A canção foi escrita por dois homens – mas é quando Aretha a canta que explode e é quando Aretha a canta que o seu significado se torna explícito. Tem um lado machista. O seu significado é: se queres uma mulher que trate do lar o dia todo, tens de tratar de mim a noite toda. Mas o simples facto de resgatar para as mulheres uma sexualidade de que, até então, pouco se falava tornava-a quase radical. Na altura pareceu uma revolução – mas na realidade foi de imediato adoptada pelas mulheres. Aretha tinha essa capacidade: qualquer canção que cantasse sobre pele, género ou liberdade era aceite. Ela dizia que tudo o que cantava vinha do fundo da alma e que para ela soul era só isso. Talvez tivesse razão: talvez fosse apenas uma voz gigante com aquela capacidade dos génios de traduzir musicalmente o que está no fundo da alma. Acontece apenas que no fundo da sua alma estava uma mulher que se recusava a não ser inteira. Quando virem Queen B a ser rainha, lembrem-se de que ela teve uma mãe. As mulheres ainda precisam de ouvir Aretha. Os homens têm de começar a ouvi-la.
REFERÊNCIAS:
Partidos BE
Estudo vai avaliar dor sexual nas portuguesas
A relação entre a dor sexual e o perfil psicossocial das mulheres portuguesas vai ser avaliada por um estudo da Universidade de Aveiro. Uma investigação pioneira no país, que pretende “ajudar a quebrar um tabu” e, a longo prazo, traçar um plano de tratamento. (...)

Estudo vai avaliar dor sexual nas portuguesas
MINORIA(S): Mulheres Pontuação: 5 Homossexuais Pontuação: 2 | Sentimento 0.5
DATA: 2012-01-04 | Jornal Público
SUMÁRIO: A relação entre a dor sexual e o perfil psicossocial das mulheres portuguesas vai ser avaliada por um estudo da Universidade de Aveiro. Uma investigação pioneira no país, que pretende “ajudar a quebrar um tabu” e, a longo prazo, traçar um plano de tratamento.
TEXTO: Em análise vão estar variáveis como a auto-estima sexual, o relacionamento com o parceiro e as crenças e afectos, que podem ser determinantes para a compreensão deste tipo de dor. Quem o diz é Cátia Oliveira, psicóloga e terapeuta sexual responsável pela investigação, que vem explorar uma área de estudos que, assegurou ao PÚBLICO, tem sérias limitações. Especialmente em Portugal, mas também a nível internacional, onde, diz Cátia, não há respostas quanto a métodos de tratamento. Para a investigadora, há primeiro que “perceber o que está a faltar” para, no futuro, agir no sentido do tratamento. Por agora, a dor sexual tem ainda de ser desmistificada, adianta Cátia Oliveira, uma vez que “a maior parte das mulheres não procura ajuda”, resignando-se com a dor. O que resulta no desconhecimento generalizado do problema, esclarece a terapeuta. Daí que o objectivo seja inferir se será uma dor mais próxima de algo crónico ou da disfunção sexual, ou ainda se, pelo contrário, se tratará de uma dor distinta. Para o efeito, pede-se a colaboração de mulheres entre os 18 e os 75 anos nos inquéritos, disponíveis no site da Unidade Laboratorial de Investigação em Sexualidade Humana (SexLab) da Universidade de Aveiro.
REFERÊNCIAS:
Palavras-chave ajuda sexual mulheres sexualidade
“Estripador de Lisboa” está vivo e mora perto de um dos locais do crime
Barra da Costa garante que encontrou o alegado assassino de três prostitutas na década de 1990. (...)

“Estripador de Lisboa” está vivo e mora perto de um dos locais do crime
MINORIA(S): Mulheres Pontuação: 5 Homossexuais Pontuação: 2 | Sentimento 0.1
DATA: 2013-10-12 | Jornal Público
SUMÁRIO: Barra da Costa garante que encontrou o alegado assassino de três prostitutas na década de 1990.
TEXTO: O analista criminal Barra da Costa diz que encontrou o “estripador de Lisboa”, que “está vivo” e mora perto de um dos locais onde terá assassinado três prostitutas nos anos 90, mas acredita que este não voltará a matar. Barra da Costa descobriu o paradeiro do alegado autor da morte de três prostitutas entre 1992 e 1993 enquanto elaborava o perfil deste homem, durante a investigação que fez para a sua tese de doutoramento. Esta deu origem ao livro Perfis Psicocriminais - Do Estripador de Lisboa ao Profiler, que conta com o prefácio da procuradora-geral adjunta Maria José Morgado. Em entrevista à Lusa, o investigador contou que durante a consulta do processo do “estripador de Lisboa” deparou com alguns aspectos até então desconhecidos, pelo menos para este antigo inspector-chefe da Judiciária. Por exemplo, a existência de uma impressão digital com 13 pontos característicos (com mais de 12 há uma certeza absoluta da impressão em relação à pessoa). Segundo este profiler criminal, trata-se de uma impressão recolhida de uma caixa de cartão com pacotes de leite, no local do último crime, na Póvoa de Santo Adrião. Uma outra era conhecida, mas com insuficientes pontos característicos para a obtenção de uma identificação. “Ninguém fala nesta impressão digital [com 13 pontos característicos], que consta do processo. Foi essa impressão digital que eu recolhi quando fiz a consulta do processo e que pedi a um colega meu que a relevasse em termos técnico-científicos para ser comparada”, afirmou. Mais tarde, prosseguiu, encontrou alguém que entroncou no perfil que construiu: “Sexo masculino, branco, na altura com 30-35 anos, reservado e solitário, vivendo perto do local [de um dos crimes], distante, fumando o tal cigarro [foi encontrada uma beata no corpo de uma das vítimas]”. O perfil apontou para alguém “com sentimentos profundos de raiva, ódio e rancor, direccionados para as mulheres, em especial aquelas que recaiam no seu tipo ideal de vítima, desenvolvidos durante anos, no decorrer dos quais foi criando e aperfeiçoando as suas fantasias”. Nome consta do processo“De média-baixa condição sócio-económica, estima-se que possua um coeficiente de inteligência dentro da média. A sua solidão encontra-se relacionada com sentimentos de inadequação que ele próprio sente perante si mesmo. Provavelmente é visto pelos demais como um sujeito reservado, estranho, mas incapaz de actos tão cruéis. Desconfiado, impulsivo e agressivo, sem capacidade para sentir qualquer empatia, tornou-se impermeável aos sentimentos e à dor dos outros. A sua crueldade, visível na forma como cometeu os crimes, é própria de alguém frio e indiferente”, disse. Depois, “limitei-me a dar-lhe um dia um copo com água, comparámos as impressões digitais que ficaram no copo com a tal impressão digital e. . . bingo”. O indivíduo que Barra da Costa acredita ser o “estripador de Lisboa” tem o mesmo nome que uma testemunha que consta do processo disse ter ouvido na noite de um dos crimes. “Uma testemunha terá ouvido a última das três vítimas gritar, com a voz abafada, ‘ó fulano, não me faças mal’ e “isso até está no processo e o nome está lá”, adiantou. Sobre as razões que terão levado aos crimes, Barra da Costa desvia-se um pouco das conclusões da sua tese, recuperando a morte do pai do estripador. “Penso que pode ter havido uma colagem afectiva, que este problema não lhe diz respeito essencialmente a ele, mas a alguém da família, nomeadamente o pai. E que em consequência dessa colagem ele tenha descarregado em outras pessoas a raiva que sentia pela natureza dessa morte. É essa ambivalência, entre o perfil realizado e os novos dados entretanto obtidos, que procuro ainda esclarecer”, disse. Em relação ao crime, o criminologista diz que este é de “natureza sexual”. “Estamos na presença de um serial killer meio atípico, que não retira daquele tipo de crime algo que se prenda essencialmente com a sexualidade. Ele tortura, causa terror, dor, mas não tira disso prazer, pois não há uma única relação sexual com as vítimas. Matar não satisfaz as suas necessidades, que são de caráter compulsivo, e por elas vai para além do homicídio, para pôr em prática as suas fantasias de cariz sexual”. “O prazer sexual dele vem do domínio. Do poder sobre a pessoa e de poder estripá-la, sempre viva. Não é sádico, porque torna as vítimas inconscientes e nessa fase ainda produz o estripamento, um ritual que é a sua assinatura, levando depois órgãos, os troféus. É um assassino por luxúria, hedonista”. Barra da Costa acredita que esta pessoa “não vai permitir contactos”, pois “socialmente não é muito atreita a isso”. “Voltará ele a atacar? É muito difícil, porque já não tem as mesmas características. Nem a idade, nem condições físicas para o fazer. As pessoas podem de alguma maneira ficar descansadas”, concluiu. Falhas na investigaçãoOs crimes do “estripador de Lisboa” já prescreveram, pelo que este homem não pode ser preso. Para Barra da Costa, a falha principal da investigação destes crimes foi de “ordem técnica”, uma vez que “não havia ainda condições para analisar todos os elementos, nomeadamente biológicos”, mas também o afastamento de quem na altura podia ter chegado ao assassino. Barra da Costa acredita que “o coordenador da investigação, João de Sousa, chegaria lá, caso não tivesse sido (mal) afastado”. “Há incompetência técnica e estrutural de quem superintende a investigação criminal em Portugal: o Ministério Público”, acusou.
REFERÊNCIAS:
Palavras-chave crime morte homicídio homem sexo sexual mulheres corpo sexualidade
A medicina ainda fala pouco da vagina
O Sexo e a Cidade deu grandes lições às mulheres. Aprenderam que os Manolos são os melhores sapatos do mundo, que comprar uma Louis Vuitton é como comprar ouro, um investimento, que mostrar as alças do soutien é cool. Aprendemos coisas deCidade, portanto. Também houve lições de Sexo: o sémen de alguns homens tem cheiro, as mulheres ejaculam, um pénis largo dá mais prazer do que um comprido mas fininho. Mas a maior lição de todas foi mais discreta. (...)

A medicina ainda fala pouco da vagina
MINORIA(S): Mulheres Pontuação: 5 Homossexuais Pontuação: 2 | Sentimento -0.18
DATA: 2010-12-27 | Jornal Público
SUMÁRIO: O Sexo e a Cidade deu grandes lições às mulheres. Aprenderam que os Manolos são os melhores sapatos do mundo, que comprar uma Louis Vuitton é como comprar ouro, um investimento, que mostrar as alças do soutien é cool. Aprendemos coisas deCidade, portanto. Também houve lições de Sexo: o sémen de alguns homens tem cheiro, as mulheres ejaculam, um pénis largo dá mais prazer do que um comprido mas fininho. Mas a maior lição de todas foi mais discreta.
TEXTO: Miranda: Qual é o grande mistério? A minha vagina, não a esfinge!Por mais sofisticadas - no vestir, no falar, no beber, no namorar - que as mulheres sejam, a vagina continua a ser, para elas, uma desconhecida. Vai-se aprendendo um bocadinho de cada vez. Às vezes, quando tudo corre mal, tira-se um curso intensivo. E há tanta coisa que pode correr mal. Sobretudo se nos lembrarmos que a vagina é uma cavidade e está rodeada por músculos. No corpo, o que mais se parece com ela é a boca, diz Isabel Ramos, fisioterapeuta especializada nas áreas da obstetrícia ginecologia e pediatria. "Uma das razões por que as mulheres sabem tão pouco da sua vagina é não a poderem ver. Mesmo usando um espelho, só podem ver por fora", explica a ginecologista e obstetra Teresinha Simões. Não podem, ou não querem. "Quanto faço exames, tenho um aparelho e as pessoas podem ver, mas muitas mulheres não querem. Algumas não sabem que a vagina não é um buraco aberto e têm medo de perder um tampão ou um preservativo", diz esta médica. Há duas explicações relacionadas que explicam tanto desconhecimento. A vagina está associada à sexualidade e esse ainda é um tema muito oculto na sociedade ocidental. Talvez por isso a medicina tenha demorado tanto tempo a falar dela, das suas funções e da sua saúde. A verdade é que a maioria das mulheres não teve quem lhe explicasse que a vagina é uma mucosa rodeada de músculos. E se estes músculos (o pavimento pélvico) têm um papel sexual importante, também são eles que suportam o útero, a bexiga e o intestino. Por isso, temos que lhes dar atenção, como damos atenção aos músculos da barriga ou dos braços. E, ao longo de toda a vida, sobretudo se pensarmos que a vagina é o canal natural para ter filhos, quem planeia tê-los precisa de fortalecer a musculatura. Rupturas e prolapsosQuando há lesões musculares, os órgãos ficam fora do lugar e aparecem os problemas. Podem ocorrer rupturas de ligamentos, alargamentos da vagina e prolapsos do útero, da bexiga, do intestino e, nestes últimos casos, aparece a incontinência urinária ou fecal. São múltiplos os factores que podem danificar os músculos do pavimento pélvico. Imaginemos uma mulher que trabalha numa grande cozinha e tem que carregar sacos de batatas e grandes panelões todo o dia; a força abdominal pode provocar danos. Também há factores genéticos. E o parto vaginal, sobretudo quando é prolongado e o bebé tem mais de quatro quilos. Às vezes, as mulheres nem dão por isso. Há 13 anos, quando teve o primeiro filho, Maria Tomás acreditou que estava tudo normal. A roupa de antes da gravidez servia-lhe. Não tinha quebras de energia, falta de apetite sexual, dores. . . "Só sentia um incómodo. Por exemplo, quando vestia calças de ganga. Havia uma impressão, sentia-me mais larga, mais aberta. "O primeiro filho demorou oito horas a nascer. O parto, induzido às 40 semanas, não correu bem. O bebé era grande, mais de quatro quilos. Foi um parto vaginal. Com dois dedos de dilatação - conta Maria -, deram-lhe a epidural. "Estive oito horas com dores e sem dilatar. Foi horrível. Tiveram que me dar uma segunda epidural quando a dilatação aumentou e depois foi rápido. Mas eu nem sequer olhei para o bebé, só queria que aquilo acabasse. "A seguir, veio "o normal". Não são as próprias mulheres quem diz que depois de dar à luz nunca mais se é a mesma?"Sim, achei que era mesmo assim. " E assim o "incómodo" permaneceu. Permaneceu quatro anos. "Quando engravidei pela segunda vez, fiquei um mês de repouso. Tinha uma vida mais stressante, mais agitada, mas sobretudo tinha a "barriga" muito em baixo e, para não haver riscos, fiquei em descanso", conta Maria Tomás, que tem 43 anos e é redactora de publicidade.
REFERÊNCIAS:
Palavras-chave filho mulher medo sexual mulheres corpo sexualidade vagina
O nome dele era Prince e uma parte do funk morreu
Estrela musical e autor de títulos tão emblemáticos como Purple rain e When doves cry foi encontrado morto em sua casa em Minneapolis aos 57 anos. (...)

O nome dele era Prince e uma parte do funk morreu
MINORIA(S): Mulheres Pontuação: 2 Homossexuais Pontuação: 2 | Sentimento 0.0
DATA: 2016-12-31 | Jornal Público
SUMÁRIO: Estrela musical e autor de títulos tão emblemáticos como Purple rain e When doves cry foi encontrado morto em sua casa em Minneapolis aos 57 anos.
TEXTO: "My name is Prince, and I am funky / My name is Prince, the one and only", apresentava-se no seu single My Name is Prince, de 1992. O ícone musical Prince morreu esta quinta-feira aos 57 anos, desaparecendo assim um dos mais profícuos autores das últimas décadas não só enquanto cantor mas também autor, instrumentista e performer. Um dos mais influentes artistas desde a década de 1970, é autor de Kiss, Little red Corvette, Purple rain ou When doves cry, alguns dos temas que marcam a sua história, durante a qual chegou a ser símbolo – literalmente – e a ser O Artista Anteriormente Conhecido como Prince, uma de várias facetas da sua crítica aos mecanismos da fama, da indústria e da tecnologia. A polícia tinha já confirmado que estava a acompanhar o caso de uma morte, que ainda não tinha identificado, na sua casa-estúdio em Paisley Park, em Minneapolis, no estado do Minnesota. A sua representante confirmou o seu falecimento à agência de notícias Associated Press, depois de o site TMZ ter anunciado a sua morte citando várias fontes sob anonimato. "É com profunda tristeza que confirmo que o lendário e icónico Prince Rogers Nelson morreu", disse a relações públicas Anna Meacham, citada pela Reuters. A causa da morte não foi revelada. O gabinete do Xerife local divulgou contudo que o músico foi encontrado inanimado num elevador de Paisley Park e que os paramédicos não conseguiram reanimá-lo, tendo-o declarado morto pouco tempo depois. O músico tinha cancelado no início do mês alguns concertos em Atlanta da digressão Piano & A Microphone Tour. Na semana passada, Prince chegou mesmo a ser hospitalizado de emergência por alguns dias. Mas no último sábado, o orgulhoso nativo de Minneapolis deu uma festa na sua propriedade de Paisley Park, lembra o diário local Star Tribune. Era ali que gravava, a pouca distância de sua casa, lembra Pedro Abrunhosa, que gravou e tocou no local com a banda de Prince, a New Power Generation, na década de 1990. "Ocupava sempre o estúdio D", onde "tinha o seu microfone" e "produzia as suas próprias coisas". Os bilhetes para a dance party de sábado custavam dez dólares e Prince esteve presente, orgulhoso da sua nova guitarra roxa e tocando piano brevemente. A sua doença recente estava na mente dos presentes, mas Prince disse-lhes: "Esperem uns dias antes de desperdiçarem as vossas orações. "Nos últimos anos, Prince afirmou-se criativamente também com a marcação de concertos quase de surpresa, rejeitando as pressões da Internet, limitando ao máximo as entrevistas e presenças mediáticas e associando-se a serviços de streaming como o Tidal como reacção à massificação da divulgação musical na Internet. As imagens dos seus concertos, sejam fotos ou vídeos, são escassas por pedido expresso do músico. A sua marca cultural é, porém, indelével – além da criação em nome próprio, escreveu canções para inúmeros artistas e tocou temáticas variadas, da sexualidade à política. Madonna está "devastada", Mick Jagger lamenta a perda de um "artista revolucionário" de talento "infinito". Para Aretha Franklin, era "música ao máximo". "Há um antes e depois do Purple Rain na vida de toda a gente; na música há um pré e um pós-Prince", postula ao PÚBLICO Abrunhosa, músico com "grande proximidade estética" com o trabalho do norte-americano e que o tem como uma das suas maiores influências. Em meados da década de 1990, Pedro Abrunhosa enviou uma maquete para Paisley Park, "uma espécie de santuário", e foi convidado a viajar até ao Minnesota – acabaria por gravar com a New Power Generation o seu segundo álbum, Tempo (1996), e o seu álbum ao vivo, gravado nos coliseus do Porto e de Lisboa, conta também com a banda do músico. "Prince é um clássico". O autor de Viagens e Silêncio, convidado para uma festa de 40 anos de Prince em Toronto em que o músico tocou – "era um multi-instrumentista notável" –, frisa a importância de Minneapolis para Prince e a importância de Prince para Minneapolis, cuja "cena musical é fascinante" e de onde é também oriundo Bob Dylan. "Tem uma grande tradição de música negra mas também uma grande tradição da música branca. Prince cruza essas vertentes. E é o James Brown e o Jimi Hendrix num só. "Para Paulo Furtado, também conhecido como The Legendary Tigerman, "foi o único músico da sua geração que compreendeu a essência da soul, do funk e de toda a música afro-americana". Fê-lo, acrescenta, "com uma capacidade de reformulação e de reinvenção impressionantes, como ainda mais ninguém fez": "A influência dele no mundo moderno e na música de hoje é enorme e é uma pena que tenha morrido tão cedo e com tanto ainda para dar. " Abrunhosa concorda, falando da forma como Prince "reinventa o blues e o o funk", como "o som da bateria, as linhas de baixo, a maneira de tocar guitarra" e, em suma, da "maneira imensa como Prince vivia a música". Prince Rogers Nelson nasceu em 1958 em Minneapolis. O pai era pianista e compunha canções, a mãe era cantora de jazz. Começou a trabalhar no final da década de 1970 e em 1984 lançou Purple Rain – uma afirmação criativa tripla. É um tema-chave dos anos 1980, o álbum que o impulsionou para o sucesso no mainstream e ainda o filme homónimo de Albert Magnoli que marca também a estreia de Prince como actor no cinema. Esse filme deu a Prince o seu único Óscar, de Melhor Banda Sonora Original, em 1985. Realizaria vários dos seus vídeos e alguns filmes, muitos dos quais no quinto estúdio de Paisley Park, como relata Pedro Abrunhosa. Em 1993 mudava o seu nome legalmente para o símbolo , mas mais tarde reverteria essa decisão e voltaria a ser conhecido como Prince. Ao longo da sua carreira editou 39 álbuns, a solo ou com a New Power Generation (anos 1990) ou as 3rd Eye Girl (década de 2010), dos quais dois editados em 2015 – HITnRUN Phase One e Two. Vendeu mais de cem milhões de discos. Recebeu sete Grammys e foi integrado no Rock and Roll Hall of Fame em 2004. Foi casado duas vezes, perdeu um filho ainda bebé e tornou-se Testemunha de Jeová e vegan. Apesar de ser cioso da sua privacidade são-lhe conhecidos vários romances com estrelas. Tinha acabado de anunciar que iria publicar as suas memórias em 2017. É uma incógnita o que sucederá agora com a obra. His Purple Badness. LOVE. A photo posted by Spike Lee (@officialspikelee) on Apr 21, 2016 at 10:25am PDTO músico Kalaf Ângelo classifica Prince como "importantíssimo" para a música - "Uma inspiração não só musical, mas também pela forma como reconstruiu a sua carreira e lutou pelos seus direitos. A forma heróica como Prince enfrentou as grandes editoras para reclamar os seus direitos e depois voltou ao mercado" é algo que destaca. No fundo, Prince era "um artista a defender a sua música no sentido mais puro", resumiu ao PÚBLICO. This is so heartbreaking?? I had this Prince pic drawn on my wall years ago because his music inspired so many R. I. P?? pic. twitter. com/60msa6hm3IEm Agosto de 2013 passou pela última vez por Portugal num concerto marcado com pouquíssima antecedência com a sua banda 3rd Eye Girl, no Coliseu dos Recreios. A sua ligação a Portugal passa também pela colaboração com a fadista Ana Moura. Tinha já actuado no Estádio de Alvalade em 1993, no Pavilhão Atlântico em 1998 - horas mais tarde esteve também na discoteca Lux - e no Super Bock Super Rock em 2010. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. O Presidente dos EUA lamentou a morte de "um dos mais dotados e prolíficos músicos do nosso tempo". "Poucos artistas influenciaram de forma mais distintiva o som e a trajectória da música popular", disse Barack Obama em comunicado. Músicos, actores ou realizadores estão a recorrer às redes sociais para manifestar o seu pesar pela morte de Prince. Um "King", apenas, para Questlove dos Roots, "His Purple Badness" para Spike Lee, num dia em que "as pombas vão chorar lágrimas púrpura", escreveu a actriz Rose McGowan. "O mundo perdeu muita magia", lamentou Katy Perry, "que génio", disse um Samuel L. Jackson "esmagado" no "pior dia de sempre" para Boy George, em que Justin Timberlake está "dormente. Atordoado". Russell Simmons postula uma frase por muitos repetida: "Rest in power, Prince. " com Isabel Salema
REFERÊNCIAS:
Entidades EUA
Entrevista a David Lodge: Sexo, catolicismo e comédia
Foi educado na religião católica. Passou pela revolução sexual como uma espécie de repórter, registando os acontecimentos sem participar neles. Transformou tudo isso em literatura. O escritor inglês David Lodge encerra hoje o Festival Internacional de Cultura, na Casa das Histórias Paula Rego. (...)

Entrevista a David Lodge: Sexo, catolicismo e comédia
MINORIA(S): Mulheres Pontuação: 2 Homossexuais Pontuação: 2 | Sentimento 0.0
DATA: 2016-12-31 | Jornal Público
SUMÁRIO: Foi educado na religião católica. Passou pela revolução sexual como uma espécie de repórter, registando os acontecimentos sem participar neles. Transformou tudo isso em literatura. O escritor inglês David Lodge encerra hoje o Festival Internacional de Cultura, na Casa das Histórias Paula Rego.
TEXTO: Não é fácil falar com David Lodge. As dificuldades de audição do escritor são conhecidas e públicas há muitos anos. Serviram-lhe até de mote para o romance A Vida em Surdina, um livro onde o protagonista se dá conta de que ao contrário da cegueira, que é trágica, a surdez é cómica; para todos menos para o próprio surdo. É provável que o tema venha também a ser tratado pelo escritor no segundo volume da autobiografia que está actualmente a escrever. O primeiro volume – publicado em Inglaterra no ano passado e ainda sem editor interessado em Portugal – cobre apenas metade da vida de David Lodge, agora com 81 anos. Uma vida marcada pela educação católica, pelo puritanismo sexual, por uma produtiva carreira académica e pela descoberta de um talento cómico posto ao serviço da literatura. As memórias do escritor, mais do que o retrato de uma circunstância, são o retrato de uma época. Deu-lhes um título optimista – Quite a Good Time To Be Born (qualquer coisa como Nascido em Boa Altura) – mas há muito que perdeu o optimismo dos anos do pós-guerra. Sentamo-nos frente a frente para que possa compensar pela leitura dos lábios aquilo que a deficiência auditiva não lhe permitir perceber. Qual diria que foi a mais extraordinária transformação social a que assistiu ao longo da sua vida?Talvez a invenção do microchip e as consequências que ele teve na vida de todos os dias: com os computadores e a digitalização da informação. Provocou efeitos de que ainda não conhecemos todos os resultados. Em particular, a facilidade de acesso à pornografia que, na verdade, está a dar cabo da vida de muitos jovens. Essa parece ser uma grande preocupação sua, visto que também a refere na autobiografia que publicou. É, sim. Talvez também por ser, por temperamento, monogâmico e por ter crescido com uma ética sexual bastante estrita, herdada do catolicismo. Isso alterou-se por completo com a revolução sexual e quando as pessoas passaram a poder viver juntas e a poder ter filhos fora do casamento, o que antes as teria sujeitado a uma grande reprovação social. Quando pensei perguntar-lhe qual a maior transformação social a que assistiu, pensei, depois de ter lido as suas memórias, que me falaria precisamente da revolução sexual dos anos 1960. Acertou. Teria sido o escritor que é se não tivesse observado de perto esse período?Foi algo que me forneceu muito material, sem dúvida. Quer dizer, a minha posição face à revolução sexual foi a de um correspondente de guerra, e não a de um participante nela. Vivi uma vida irrepreensivelmente monogâmica. Por escolha própria. Mas pude observar o fascínio desta questão. As relações sexuais estiveram presentes na ficção desde os tempos da Odisseia e da Ilíada. O quebrar de tabus dos anos 60 e 70 – de que eu não podia alhear-me – criou todo o tipo de conflitos e de problemas na sociedade. A sexualidade é algo de muito estranho, tanto pode servir de material para a comédia como para a tragédia. No seu caso, usou-o sobretudo num registo cómico. É verdade. Embora em Terapia tenha tratado dos aspectos negativos da experimentação sexual. Vivi uma vida irrepreensivelmente monogâmica. Por escolha própriaÉ por ter sido uma espécie de correspondente de guerra na revolução sexual que pensa em si próprio mais como uma criatura dos anos 50 do que dos anos 60, como já disse?Sim. Os anos 50 foram a década do pós-guerra. Tínhamos ganho e as pessoas estavam, em certo sentido, moralizadas. Eu fiz parte dessa geração que foi da escola primária à universidade. Algo que não aconteceu com os nossos pais e que eles nem sequer pensaram ser possível. Tínhamos, portanto, uma certa sensação de privilégio, sentimo-nos afortunados. A ideia de estudar Literatura durante três anos à custa do Estado era maravilhosa. Nesse tempo éramos bastante conservadores em matéria de costumes. Embora isto não fosse coisa de que eu me desse conta na altura. Durante a guerra, precisamente por estarmos em guerra, tinha havido uma certa licenciosidade. Houve bastante experimentação sexual, parece-me. Não passou por isso porque ainda era muito novo. Claro. Era ainda uma criança. Mas depois da guerra houve uma espécie de reversão. Os anos 50 foram um dos períodos mais puritanos da vida britânica. Havia um sentimento difuso de que era preciso voltar a uma vida normal. E vida normal significava casamento monogâmico, condenação do divórcio, as crianças postas no seu lugar. Um ambiente conservador contra o qual os anos 60 se revoltaram. No seu caso, o que é que o impediu de se revoltar: o catolicismo ou o amor, na sua relação concreta?Ambos, na verdade. Não sei em que medida foi bom ou mau eu e a minha mulher termo-nos conhecido no nosso primeiro dia na universidade. Estamos casados há uma eternidade. E eu não o lamento. Creio que isso mostra bem que tipo de temperamento é o meu, o mesmo do meu pai: sou naturalmente monogâmico. Gosto da segurança de uma relação em que possa confiar. Isso é uma questão de temperamento ou de educação?Não sei bem. Hoje em dia, tenho a impressão de que os jovens têm a expectativa de poder ter muitas experiências sexuais antes do casamento. Nas suas memórias descreve-se a si próprio como um jovem extremamente ingénuo que se casou virgem aos 24 anos. É verdade. Isso, hoje, seria altamente improvável. Agora até usam os telemóveis para se encontrarem com estranhos e terem sexo com eles. Algo que me parece qualquer coisa de anárquico. Só pode acabar mal. Mas admito que sou bastante conservador neste aspecto. Sou naturalmente uma pessoa cautelosa e conservadora. A pílula contraceptiva veio alterar muito os comportamentos. Não a encara como um progresso?Na verdade, não sei. A moral antiga tinha, evidentemente, os seus aspectos negativos, como o facto de haver pessoas presas em casamentos infelizes. O catolicismo inglês era extremamente puritano. Muito mais que o catolicismo mediterrânico, parece-me; mais capaz de conviver alegremente com contradições entre os princípios e a prática. Nós fomos criados num tipo de catolicismo à maneira irlandesa; extremamente repressivo e puritano, com medo do sexo. Toda a teologia moral católica acerca do sexo estava profundamente errada. Creio que foi a causa de problemas inultrapassáveis para os casais que tentavam seguir essas regras e que tentavam simultaneamente não ter demasiados filhos. Conta no seu livro que passou por isso. Sim. Tentámos, durante uns anos. Depois a minha mulher e eu, tal como muitos católicos, decidimos alterar isso. O problema foi mais grave na geração dos meus pais do que na minha. Pode dizer-se então que, em certo sentido, também beneficiou da revolução sexual. Nesse aspecto, creio que sim. O primeiro romance que escreveu, e que nunca chegou a ser publicado, chamava-se O Diabo, o Mundo e a Carne: era um livro catequético?Era, era. Quando o escrevi, não sabia nada acerca de nenhuma dessas coisas: nem do diabo, nem do mundo, nem da carne. Devia ter uns 17 ou 18 anos. Era um romance sobre o perigo das tentações?Sim. A ideia de pecado dominava a educação católica e a linguagem em que isso se expressava fazia-nos pensar que teríamos de prestar contas, espiritualmente, por tudo o que fizéssemos. Ou éramos bons ou éramos maus. E havia um número surpreendente de coisas que podiam fazer-nos ir para o inferno, por toda a eternidade, se morrêssemos em estado de pecado mortal. Era uma doutrina ridícula, aquela que nos era pregada dos púlpitos. Nessa altura a sua forma de tratar essas questões não era ainda cómica. Não. Embora já houvesse algumas ideias com graça. Ao preparar a minha autobiografia encontrei um conto que escrevi, no qual um jovem católico, que é também um aspirante a escritor, escreve uma história sobre uma situação em que o Papa o autoriza a pecar durante um dia, de modo a que ele possa passar por uma experiência que lhe permita escrever um romance. E o que é que ele faz?Não cheguei ao ponto em que se saberia o que ele vai fazer. O que é que acha que teria feito, nessa altura, se isso lhe acontecesse a si?Acho que sonhava poder. . . Não sei bem. Não vamos falar disso. É melhor não entrar em detalhes. Porque é esse primeiro romance que escreveu nunca chegou a ser publicado?Era completamente impublicável, extremamente ingénuo. Descreve-o na sua autobiografia como a história de um adolescente que deseja ter uma experiência sexual mas que é impedido pelas suas fortes convicções religiosas; era um auto-retrato?Sim, até certo ponto era. Na maior parte dos casos é isso que acontece com os primeiros romances. Só que naquele caso o herói não tinha tido uma educação católica, ao contrário de mim. A história era sobre dois jovens, ainda em idade escolar. A rapariga engravida. Meu Deus! É muito embaraçoso para mim falar disto, de tão absurdo que é. A rapariga engravida, o rapaz sente-se culpado mas descobre que ela, na verdade, preparou tudo para o seduzir. A gravidez complica-se, ela recusa-se a abortar e acaba por morrer, deixando o rapaz mergulhado na culpa. O livro inspirou-se em grande medida no facto de eu ter conhecido a família da minha mulher, uma família tipicamente católica; muito mais do que a minha. Eu era filho único e o meu pai não era católico. Usei esse conhecimento da forma como os escritores normalmente o fazem. Havia um número surpreendente de coisas que podiam fazer-nos ir para o inferno, por toda a eternidade, se morrêssemos em estado de pecado mortal. Era uma doutrina ridícula, aquela que nos era pregada dos púlpitos. Mas nessa altura ainda não eram casados. Não. Éramos só estudantes que andavam um com o outro, namorados. Porque é que ainda guarda o manuscrito desse romance que nunca publicou?Boa questão. Na verdade já não sou eu que o tenho. Ofereci-o à biblioteca da Universidade de Birmingham, juntamente com um conjunto de outros manuscritos. Não teme que alguém no futuro venha a publicá-lo, apesar de, na sua opinião, ser impublicável?Sendo eu próprio um académico e crítico literário, creio que aquilo pode vir a ter algum interesse para alguém. Nas minhas memórias deixei muito claro o que penso actualmente acerca daquele texto. Foi escrito por um rapaz muito imaturo, numa época em que os rapazes sabiam muitíssimo menos do que sabem os rapazes de hoje a respeito da sexualidade. Que balanço faz entre aquilo que sabiam os jovens da sua geração e o que sabem os jovens dos nossos dias?Pelo que me é dado perceber, os jovens de hoje sabem tudo. Conhecem todo o tipo de variação sexual e todo o tipo de desvios sexuais. Aprendem tudo no computador e ficam com uma visão extremamente distorcida acerca daquilo que é a vida sexual, o amor sexual. Parece-me que se sentem bastante intimidados por isso, em especial as raparigas, que me parecem perturbadas mas não têm coragem para o recusar. Tem netos?Tenho. Três netas. Adolescentes?Têm 14, 15 e 18 anos. Vem daí essa sua preocupação?Confio nos pais delas. E elas parecem-me ser raparigas muito bem formadas, devo dizer. Creio que têm o aconselhamento correcto por parte dos pais. Se houver raparigas a conseguir sobreviver neste ambiente sexual, julgo que serão elas. São extremamente inteligentes e muito tranquilas. À parte o sexo, como é que vê a geração das suas netas, em termos de preparação e de curiosidade intelectual?Em termos geracionais, todos os jovens de hoje se deparam com o problema de encontrar um emprego que esteja de acordo com as suas capacidades. A informatização reduziu a quantidade de empregos disponíveis, a economia não está brilhante e há muita gente a sair da universidade com cursos e a ter de ir para os chamados McEmpregos, o que é verdadeiramente chocante. Na minha geração, se tivéssemos um bom curso, tínhamos a certeza de encontrar um bom emprego. Há quem diga que esta é primeira geração cujas perspectivas de vida são piores do que as dos pais. Sim. Continuando, frequentemente, a viver com os pais, mesmo depois de terem estado na universidade. Chamam-lhes os “filhos boomerang”, que vão e voltam. Isso cria problemas complicados. Ainda há dias estive a ler sobre esses casos em que jovens adultos não têm dinheiro para ter uma casa própria, uma vida própria, a começar por uma vida sexual sem embaraços. Em que momento e de que modo é que descobriu que podia tratar de temas sérios, nos seus romances, num registo cómico?Já havia alguns elementos de comédia nos meus primeiros livros. O primeiro abertamente cómico foi O Museu Britânico Ainda Vem Abaixo. A veia cómica faz parte do seu temperamento?Sempre cá esteve. Mas foi ao conhecer um outro escritor, Malcolm Bradbury, que foi dar aulas para a Universidade de Birmingham e de quem me tornei amigo e colaborador, que a desenvolvi. Ele encorajou-me muito. Escrevemos juntos uma revista satírica e eu gostei muito dessa experiência e descobri que tinha um certo talento para aquilo, que podia fazer rir o público. Quando decidi escrever sobre o problema dos católicos e do controlo da natalidade, pensei: não escrevas sobre isso de uma forma séria, vai ser horrível de ler. Foi portanto uma decisão racional, não foi algo que lhe tivesse surgido espontaneamente. Foi um decisão, sim. Embora o assunto seja muito triste para quem o vive, não é algo com que o público em geral se relacione com facilidade se for apresentado de forma emocional. Decidi, portanto, recorrer à comédia. Apercebi-me do que havia de absurdo naquela situação de que os católicos eram vítimas. E percebi que era muito mais provável conseguir ser eficaz e alterar atitudes fazendo troça de tudo aquilo. Recorri a vários dispositivos cómicos: a farsa, a paródia e por aí adiante. Mas o romance que me tornou conhecido foi A Troca. Esse foi o seu primeiro livro premiado e há, nas suas memórias, uma história muito divertida sobre a cerimónia da entrega do prémio, dirigida por uma figura pública que encabeçava na altura uma campanha contra a pornografia. Sim. Isso foi realmente divertido e bastante irónico. O prémio foi-me entregue por um aristocrata inglês, um tipo famoso pelo seu puritanismo, com uma mentalidade verdadeiramente quadrada. Curiosamente é pai de duas boas romancistas. Uma delas, Antonia Fraser, foi mulher de Harold Pinter. Esse aristocrata encabeçava nessa altura uma autêntica cruzada. Estava muito alarmado com a pornografia nos anos 70. Agora deve andar às voltas na tumba, se tiver conhecimento do que acontece hoje em dia. Os meus filhos nunca discutem os meus livros comigo. Julgo que lhes causam um certo desconforto. Mas quanto a isso não posso fazer nada. Ele chegou a dizer claramente que não tinha gostado do seu romance durante a cerimónia de atribuição do prémio?Não. Embora tenha feito um discurso bastante indelicado, deixando claro que não aprovava o livro. Alguém que o encontrou à saída do comboio – ele foi de comboio de Londres a Leeds, onde se deu a cerimónia – disse que ele tinha ficado muito chocado porque o protagonista estava preocupado com o tamanho do seu pénis. O sentido de humor alguma vez funcionou para si como uma espécie de escudo protector para poder tratar questões delicadas – sexo e religião – que seria mais complicado abordar sem essa protecção?Acho que teve mais a ver com o efeito que se quer produzir no público. Para se escrever sobre o catolicismo num país em que os católicos são apenas dez por cento da população tem de se escrever de uma forma interessante para os não-católicos que não sabem nada sobre o tema. Eu tinha de falar daquilo sem parecer estar a debitar informação. É um desafio retórico e uso técnicas retóricas. Perguntei-lhe isto porque imagino que, ao tratar matérias tão delicadas, poderia enfrentar problemas com a sua comunidade e com a sua família. Sim. Há sempre uma certa estranheza na relação dos escritores, nomeadamente os romancistas, com as famílias. Há sempre um tio ou uma tia que acabam por ler o livro. Pois, e isso pode ser um problema porque as pessoas não lêem ficção com frequência. Ficção literária, pelo menos. E depois ficam muito chocadas. Aconteceu-lhe?Sim, sim. Os meus filhos nunca discutem os meus livros comigo. Julgo que lhes causam um certo desconforto. Mas quanto a isso não posso fazer nada. Consegue perceber o que é que lhes causa esse desconforto?A minha filha, em especial, não aprova as referências sexuais explícitas no que eu escrevo. É um pouco contida a esse respeito. É mais conservadora do que o pai?Sim. É mais dos anos 50 do que eu próprio. Mas julgo que isso é bastante comum. Há sempre uma certa tensão entre a vida criativa do escritor e a família dele. Embora a minha mulher lide muito bem com a minha obra. Percebe que a minha imaginação precisa de uma certa liberdade. Ela é muito boa a deitar abaixo gente que vem com comentários intrusivos a respeito dos meus romances ou que assume que é ela a mulher retratada nesses romances. Fá-lo com muita autoconfiança e pode até tornar-se bastante agressiva. Mas com os filhos é diferente. Na verdade, os filhos sentem-se sempre um pouco embaraçados pelos pais. Esse embaraço, no que diz respeito a questões sexuais, é absolutamente natural. A minha filha quer sempre ler os meus livros o mais depressa possível para verificar o que lá está e poder preparar-se. E as suas netas?Não me parece que leiam os meus livros. Não lêem ficção ou não lêem os seus romances?Não lêem os meus romances. Lêem alguma ficção mas não muita. Em parte por estarem mais orientadas para as ciências. Alguma vez sentiu que estava a autocensurar-se?Sim, isso aconteceu. Houve muitas situações em que não pude inspirar-me em casos reais que, sendo reconhecíveis, teriam provocado sofrimento a alguém. Nunca quis que isso acontecesse. Alguns escritores são bastante egoístas a esse respeito, parece-me. D. H. Lawrence aproveitou de forma reconhecível episódios passados com muita gente à sua volta, causando sofrimento a essas pessoas sem se importar com isso. Eu sou bastante escrupuloso a esse respeito. Uso inevitavelmente experiências dos outros mas disfarço-as bem, espero eu. Alguma vez teve queixas?Aconteceu-me uma ou duas vezes. Coisas menores e normalmente por acaso. Em O Mundo É Pequeno, tive de mudar o nome de uma personagem depois da primeira edição. Usei um nome que pensava ser invulgar e que afinal era bastante mais vulgar do que eu julgava. Alguém que tinha aquele nome queixou-se e concordei em alterá-lo nas edições seguintes. O título da sua autobiografia, Quite A Good Time To Be Born, é um título bastante optimista, embora não me pareça que o optimismo seja a sua principal característica. Não é. Não vejo nenhuma razão para se ser optimista. Embora a humanidade tenha demonstrado desde sempre um certo engenho perante as dificuldades. Mas será possível resolver o problema das alterações climáticas? Será possível disciplinar esta caótica multidão de milhares de milhões de pessoas de modo a levá-las a agir no sentido do interesse comum? Parece-me muito improvável. Há hoje muita coisa que, ao longo deste século, a nível planetário, pode vir a correr mal: as alterações climáticas, epidemias de muitos tipos, guerras religiosas, desastres nucleares e mais umas quantas de que não me consigo lembrar de imediato. Estamos num comboio rápido, cada vez a maior velocidade, e que a qualquer momento pode descarrilar. Não é por acaso que os romances distópicos, romances pessimistas quanto ao futuro, são hoje bastante populares. O que é que o levou a escrever sobre a sua vida?Creio que foi o facto de não ter nenhuma ideia para um romance. Desde há muito que pensava que quando não tivesse uma ideia para um novo romance escreveria as minhas memórias. Além disso, senti que se não o fizesse agora, em breve seria tarde demais. A minha memória começa a perder-se. Terá sido também uma espécie de ataque preventivo, antecipando-se a alguém que no futuro venha a escrever sobre si?Sim. Quis ser eu o primeiro a pôr em cima da mesa o meu próprio registo. Conhece bem aquilo de que os escritores são capazes, visto que já escreveu dois romances biográficos: um sobre H. G. Wells e o outro sobre Henry James. Sim. Houve uma espécie de progressão da ficção pura para o romance biográfico até à autobiografia. Em certo sentido, é uma deslocação da ficção para os factos. Confia mais nos factos ou na ficção?Parece-me que há, hoje em dia, uma disposição para confiar mais na escrita factual. O que talvez seja um erro. Houve uma grande mudança geral, em termos culturais, não apenas no romance como no cinema, na televisão e no teatro. É algo que se vê cada vez mais: as formas narrativas partem de um acontecimento concreto e depois desenvolvem-no. Por isso vemos tantas vezes a indicação: baseado em factos reais. Exacto. Chamamos-lhe romance porque um romance tem de retratar a consciência de uma pessoa de um modo impossível para um biógrafo. Um biógrafo não tem forma de saber o que as pessoas pensaram num determinado momento, a não ser que elas tenham posto esses pensamentos por escrito. É isso que o romance biográfico faz. O que é muito diferente de uma autobiografia, onde temos todos os dados à nossa disposição. Desde há muito que pensava que quando não tivesse uma ideia para um novo romance escreveria as minhas memórias. Se não o fizesse agora, em breve seria tarde demais. A minha memória começa a perder-se. Consegue imaginar um escritor do futuro a recriar a sua vida num romance?Acho que não sou suficientemente importante para merecer esse tipo de atenção. Há um aspecto quase complemente ausente das suas memórias: a política. Como auto-retrato político, o melhor que encontramos nela é uma descrição de si próprio, no anos 60, como “um homem monogâmico, casado, de princípios liberais, desconfiado dos extremismos ideológicos”; ainda se descreve assim politicamente?Sim. Excepto no facto de que já não sou um católico liberal. Sou um ex-católico ou um católico agnóstico. E em termos políticos?Nunca me empenhei muito politicamente. Sempre votei nos trabalhistas, excepto num período em que havia uma alternativa: o Partido Social-Democrata, formado a partir de uma cisão nos trabalhistas. Sou um moderado de centro-esquerda. Posso concluir que não tem grandes convicções políticas?Sim. Quer dizer, acredito numa sociedade justa na qual os pobres, os deficientes e assim sucessivamente sejam protegidos. Ou seja, voto em partidos que, estando no poder, me fazem pagar mais impostos do que aqueles que pago actualmente. Estou preparado para pagar impostos por uma sociedade mais justa. Nesse sentido sou ligeiramente de centro-esquerda. Mas não sou, por natureza, um revolucionário e desconfio de todo o tipo de burocracias. Isto vem-me de um incidente, que descrevo na autobiografia, quando fui impedido de fazer um exame de admissão escolar por não ter idade suficiente para isso. Foi um acontecimento que condicionou a minha educação e é por isso que sou tão mau a línguas e só falo inglês. O problema da esquerda é que quanto mais dogmática ela é, quanto mais ideológica se torna, mais poder dá à burocracia, permitindo-lhe interferir nas liberdades individuais. É um velho dilema: como equilibrar estes dois aspectos. Por isso digo que sou apenas ligeiramente de centro-esquerda. Na cidade onde vive, a segunda maior do Reino Unido, o resultado do "Brexit" foi 50-50; esteve tão indeciso no referendo como a sua cidade?Não. Eu votei pela permanência. Quase toda a gente da comunidade artística e intelectual, na Grã-Bretanha, votou pela permanência. Em Birmingham ganhou o voto pela saída por uma pequeníssima margem. Birmingham é um cidade muito representativa do todo. Ganha sempre o partido vencedor a nível nacional mas por pouco. Foi o que aconteceu no referendo. A margem de diferença foi exactamente aquela que aconteceu no país: muito pequena. Esperava aquele resultado?A minha primeira reacção foi de choque, como a da maior parte dos meus amigos. Todos pensámos que as pessoas acabariam por ser convencidas pelos argumentos económicos e pelos riscos da saída. Os britânicos não costumam ser pessoas de correr riscos. Neste mundo de hoje, tão focado na eficiência, qual lhe parece ser ainda o papel da literatura?A maior parte da literatura tem um conteúdo narrativo. Julgo que as pessoas continuam sedentas de narrativas. Basta pensarmos na televisão, permanentemente a jorrar histórias, algumas delas apenas tolas e triviais. Mas o que isto demonstra é o apetite por ficções que, usando diferentes níveis de sofisticação, dêem às pessoas dicas sobre a vida, sobre o que é ser outro, noutro lugar, com outras experiências. Por isso, haverá sempre lugar para novas narrativas sob diferentes formas de expressão. Parece-lhe que a literatura conseguirá resistir a esse constante jorrar de histórias no cinema e na televisão?A maior parte desses filmes e séries de televisão são baseados em romances. São eles o principal fornecedor de material. Julgo que há mais filmes baseados em livros do que a partir de guiões originais. Portanto, não vê ameaçado o papel do escritor. De modo nenhum. O que me parece ameaçado é a profissão de escritor. Mas as pessoas vão continuar a escrever, talvez distribuindo o seu trabalho de um modo diferente. Provavelmente na Internet. O problema é que são tantos os autores, que os bons se perdem por entre os maus. Deixámos de ter um sistema estável de distribuição da literatura que envolvia escritores, editores, agentes, livrarias. Esse modelo, que funcionou muito bem, está ameaçado. Por isso, não sabemos ainda qual será o futuro do romance literário. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Já tem alguma ideia para um novo romance?Tenho uma ideia vaga, sim. Espero começar um novo romance quando terminar a segunda parte da autobiografia. Será outro romance biográfico?Não. Se tropeçasse num tema que me parecesse interessante voltaria a fazê-lo. Mas, para voltar ao nosso ponto de partida, o problema do romance biográfico é o facto de termos, quase sempre, de escrever acerca da vida sexual da figura em causa. E é muito difícil tratar isso com autenticidade. Os dois escritores sobre quem escrevi – Henry James e H. G. Wells – são, possivelmente por razões antagónicas, caso especiais. James porque, tanto quanto sabemos, nunca teve uma relação sexual. Era basicamente assexuado. Wells era incrivelmente promíscuo e deixou um rol de provas do que fez, do que sentia e do que o sexo significava para ele. Há muito material a esse respeito. Portanto, esses dois não me colocaram problemas mas hesitaria em relação a muitos outros. Em última instância, a vida sexual de qualquer indivíduo tem muito de secreto. Não deixa de ser interessante, sendo alguém com uma vida sexual tão contida, como conta nas suas memórias, a importância que deu ao sexo nos seus livros. Talvez o tenha feito nos livros por não o ter feito na vida.
REFERÊNCIAS:
Partidos BE
Quando desci à cave de Ulrich Seidl
O desfile de uma parada, a dos que reganham vida nas suas caves, reino da liberdade em relação ao controlo social – contra a propaganda da “normalidade”. Preparemo-nos para descer à cave com Ulrich Seidl – In the Basement, IndieLisboa. (...)

Quando desci à cave de Ulrich Seidl
MINORIA(S): Mulheres Pontuação: 2 Homossexuais Pontuação: 2 | Sentimento -0.15
DATA: 2015-05-01 | Jornal Público
SUMÁRIO: O desfile de uma parada, a dos que reganham vida nas suas caves, reino da liberdade em relação ao controlo social – contra a propaganda da “normalidade”. Preparemo-nos para descer à cave com Ulrich Seidl – In the Basement, IndieLisboa.
TEXTO: Durante um breve período, colaborei com a equipa de pesquisa do filme In the Basement/Im Keller/Na Cave, de Ulrich Seidl, que passa dia 27 de Abril no IndieLisboa. Foi há alguns anos, e a oportunidade deste trabalho surgiu assim como num pequeno país como a Áustria, com um panorama cinematográfico ainda mais pequeno, tantas coisas surgem. O gabinete de produção de Seidl fica perto do canal do Danúbio, em Viena, rodeado de grandes blocos de apartamentos de um amarelo-ocre sujo. Ali as casas escondem-se entre as brumas que pairam perto das instalações de aquecimento urbano – curiosamente, também no Verão. No restaurante que ficava a duas ou três ruas de distância, havia excelentes semanas da caça selvagem e, por vezes, o aroma da sopa de miúdos chegava ao chamado mezanino, o piso intermédio do cinzento edifício burguês com uma porta pesada. Isto parece tudo mais triste do que é na realidade. Ou talvez não. Talvez eu goste simplesmente desta atmosfera. Sempre que a equipa se encontrava para conversar à volta da grande mesa de madeira da cozinha do gabinete, tomávamos o pequeno-almoço. Uma tarde, quando lanchávamos café e pão com compota, um colega mostrou-nos algo espantoso: a foto de um bebé no seu telemóvel. O praticamente recém-nascido, de grandes olhos azuis, estava com um ar bem-disposto. “Isto não pode ser verdade. ” O colega voltou a olhar para o telemóvel, com ar incrédulo, abanando a cabeça. Nós não percebíamos. “Encontrámos uma mulher que tem estes bebés. Produ-los e depois vende-os. ”“Na cave dela?”“Não, mas o que não existe ainda pode vir a existir. ”Na Cave não é um documentário. Nunca foi pensado como tal e também não é errado dizer que ele já utilizou o seu “método ficcionalizante” nos seus outros “documentários”. O exemplo da “mulher dos bebés” é ilustrativo: no filme, ela fecha-se na sua cave e tira os corpos de plástico de caixas de cartão. Para lhes pegar, para os acariciar, para os levar aos pisos da casa onde entra a luz do sol e lhes explicar certas coisas: “Aqui é onde normalmente se senta o papá e, quando aqui está, não quer ser incomodado”, diz, mostrando ao bebé de silicone o escritório. De regresso à cave, volta a guardar cuidadosamente os objectos da sua afeição e fecha a porta. Tem de ficar lá em baixo o que deve permanecer enterrado. A perversão é normal“Não pediria aos actores que fizessem algo que lhes fosse completamente alheio”, diz Seidl sobre a génese desta sequência. A mulher, a cave, os bonecos, esses existem e condizem uns com os outros; Seidl limita-se a ordenar as coisas no filme de forma diferente de como se apresentam na realidade. Na melhor das hipóteses, mostra com elas mais do que a verdade – em todo o caso, mais do que poderia ver a “mosca na parede. “Por vezes, conheço as pessoas ao longo de meses, passo tempo com elas e observo como fazem o seu dia-a-dia”, observa Seidl. “A partir desta experiência e reflectindo sobre ela – o que poderia fazer esta mulher na sua cave com as suas bonecas –, tive a ideia desta história e fi-la representar. Também concebo bem este método no sentido do actor, no sentido da história. Continuar com as coisas, ficcionalizá-las. Onde deveremos traçar o limite? Para mim, ele está na minha responsabilidade para com os actores. Quando penso que algo retira dignidade a alguém, ou que alguém é forçado a fazer alguma coisa de que, mais tarde, pudesse vir a envergonhar-se, não o faço. ”Seidl fica frequentemente surpreendido com a pesquisa, como ele diz, e o mesmo aconteceu connosco. Vimos muita coisa enquanto procurámos caves, sobretudo em Viena e nos arredores, em que as pessoas pudessem fazer coisas bizarras. Foi nessa altura que estive pela primeira e – se depender de mim – última vez numa feira de sexo. Encontrámos sempre, sem excepção, nuances da normalidade. Por exemplo, o casal em que ela manda o amado lamber o assento da tampa da sanita, para depois o recompensar pendurando-o pelos testículos, talvez não pratique a sua sexualidade como a maioria (dos austríacos?). Mas nem sempre não fazemos aquilo que não queremos. Diz um ditado, “quando tiveres vontade de rir, vai para a cave”, o que significa ir para um esconderijo quando não quisermos que ninguém veja que a vida nos corre bem e estamos felizes. Respeitabilidade, conservadorismo e catolicismo: assim se produz uma imagem austríaca, também adequada ao eleitorado do país, por oposição à liberalidade e até à libertinagem sexual. “Penso que, nos extremos, mostramos sempre algo de normal”, nota Seidl. O realizador de 62 anos é tímido e reservado, e não o faz por pose. É considerado um interlocutor difícil, em parte porque é muitas vezes empurrado para uma posição em que tem de se “justificar” por um olhar que “expõe”. Os retratos humanos universalmente válidos, por assim dizer, representam nos filmes de Ulrich Seidl uma via de acesso importante. Precisamente numa sociedade em que são correntes as visões absolutamente heróicas de como devemos ser, sendo, ao mesmo tempo, senhores de nós próprios – em termos económicos, sujeitos que gerem as suas vidas, mas são também “dominados” pela sua economia pulsional –, as pessoas são interessantes como seres com instintos e pulsões que são e sempre continuarão a ser. Nesta medida, as pessoas que encontramos nos filmes de Seidl contrariam uma utopia burguesa, uma propaganda daquilo a que se chama “normalidade” – e, naturalmente, a polémica é um dever da arte. Esta polémica artística não requer um esforço teórico particular. A sua força reside em tornar visível como as pessoas – se não sobretudo, pelo menos em parte – também são. Designadamente, também são inestéticas, escravizadas por obsessões. Isto resulta, em grande parte, do facto de entre a busca da felicidade e o seu atingimento se interporem obstáculos (individuais e sociais) que quase as forçam a ter comportamentos desviantes; simultaneamente, porém, esses comportamentos são inevitáveis. Se assim é, teremos de admitir que as chamadas perversões são, em larga medida, normais. Esta normalidade que, como todas as outras normalidades, pode resvalar para o abominável – por exemplo, o crime –, é o que mostram os filmes de Seidl, embora não se deva retirar daqui a conclusão de que este artista queira “apresentar” indivíduos como fenómenos marginais para os tornar desprezíveis. Os temas de Seidl são “sensacionais”, em primeiro lugar, porque lançam luz sobre o que está oculto e, em segundo, porque trabalham com sensações fortes. Uma das estratégias estéticas do realizador consiste em eliminar as fronteiras entre a comercial tentativa de chamada de atenção (por exemplo, através da exibição da sexualidade) e a investigação profunda de um fenómeno. Por conseguinte, no caso de Na Cave, não é importante saber se estas pessoas existem realmente pois, na autenticidade encenada de Seidl, elas representam algo que existe: a mais absoluta solidão. Desejo. Luto. “Absoluto” quer literalmente dizer desligado, separado, e o filme mostra como recorremos a substitutos quando nos sentimos isolados e como a satisfação substitutiva, na sua irrealidade fantasmagórica, nos gratifica. “Uma vez”, diz o realizador, “reparei que as caves da maior parte das casas estão muito mais bem decoradas que as áreas sociais. Isto não diz muita coisa?”Na casa em que Seidl cresceu, na região denominada Waldviertel, perto da fronteira com a República Checa, também havia uma cave: “Quando éramos pequenos, tínhamos um medo terrível de lá ir. Era fria, escura, um bom sítio para fechar alguém. Eu próprio fui lá fechado muitas vezes. ”Numa casa domina, por si só, uma tensão dialéctica que, nalguns casos, só na cave se desfaz. Trata-se da dialéctica entre o que é acessível publicamente e aquilo que, por razões privadas, permanece fechado. Pela obra de Seidl desfila uma parada de pessoas que reganham vida na cave, onde reina a liberdade em relação ao controlo social. A estratégia do realizador – a sua arte de agir eficazmente por meio das sensações – trabalha Na Cave com uma espécie de bilhetes-postais em movimento que, não raro, se transformam em mandados de captura e formam um panorama de comportamentos. Na montagem, através dos espaços em branco que deixa e da ordem que encontra, Seidl dá mais um passo rumo à abstracção. Num ponto central no filme, o trompetista Josef Ochs toca-nos um tema popular e confessa, já visivelmente etilizado: “Eu bebo demais. ” Comunica com a mulher a partir da cave batendo num tubo de aquecimento que vai até ao piso de cima. Do lado dela, por exemplo, duas pancadas significam que a comida está na mesa. Pouco depois, Ochs conta-nos, comovido, como na altura teria gostado de trazer imediatamente para a cave o seu presente de casamento, um retrato do Fuhrer, para ali o pendurar na parede. “As colecções devocionais não são crime”, declara para a câmara, bem informado. Políticos locais de um partido popular que, mais tarde, festejam alegremente com Ochs numa pequena divisão da cave, sob o retrato de Hitler, fazendo acaloradas saúdes, tiveram de se demitir após o lançamento do filme. Lamentavam, disseram. Deixarem-se filmar num espaço de culto nazi fora “uma péssima ideia”. “Não vejo os meus filmes como instrumentos de denúncia, nem mesmo em relação à política actual”, diz Seidl. “Vejo os meus filmes como políticos, sim, mas não quero lançar o descrédito sobre os meus actores ou fazê-los cair em desgraça. Os meus actores representam a generalidade das pessoas. Afinal, pego em coisas que acontecem na realidade e enceno-as. Capturo a realidade intencionalmente, não surpreendo os actores; só filmo aquilo que os vi fazerem. É assim que vejo Josef Ochs na sua cave, rodeado dos seus objectos de devoção nazis, eu e muitas pessoas na Áustria – acontece o mesmo um pouco por todo o lado. ”Num olhar mais ou menos sistematizador, podemos aperceber-nos de que é feito na cave um retrato do Estado e da sociedade: o amor de mãe – uma célula nuclear do Estado; a instituição de uma arte sem escala – um desejo de arte em ponto morto que funciona através da imaginação; a obscenidade política, que mantém letais pretensões ao poder a coberto da convivialidade; e, por último mas não menos importante, uma sexualidade que tem de ser encenada para ser vivida voluptuosamente: “Quando eu quero ser muito dominadora, vou com ele para a cave”, diz a amantíssima dominatrix ao seu limpador orgânico de sanitas. E se olharmos para as cenas de sexo tal como Seidl as olha com a sua câmara, temos de reconhecer que elas são antipornográficas. O momento mais forte de Na Cave pertence, de resto, a uma mulher. Frente a uma parede fracamente iluminada, está numa divisão subterrânea e conta como perdeu o homem que sempre lhe bateu. Bem, ela também o esfaqueou, mas isso é outra história. Segundos antes vimo-la curvada sobre uma mesa, com as nádegas nuas oferecidas ao seu senhor, para que a chicoteie. “Preciso disto”, diz, e os seus gemidos de prazer ecoam no pensamento quando ela, diante da parede e com o corpo todo artisticamente amarrado, encoraja outras mulheres a seguirem o seu exemplo: “Deixem os vossos maridos violentos, há sempre uma saída. ” (E, com isto, talvez ela queira dizer uma saída sem violência. )Nesta sequência culmina muito daquilo que o trabalho global de Seidl constitui: ele confronta o espectador com uma ambivalência que incomoda, que irrita, que suscita questões em vez de lhes dar resposta. Um incómodo que acontece e que, em certas circunstâncias, também é agradável. Seidl sabe que deve isso às suas personagens, porque as ama: ele não trai a sua dignidade; pelo contrário, porque elas puderam retirar-se a sua singularidade, o seu tratamento exige um respeito fundamental. “As pessoas que mostro não são freaks”, diz Seidl. “São pessoas normais que não estão totalmente ancoradas na norma social. Mas é assim que a maioria aparenta ser. Acho que é uma perspectiva arrogante, tanto de um certo público como dos críticos, quando se distanciam deles e os consideram freaks. ”Quando vi Ulrich Seidl beber café, era sempre forte e negro. O café e as roupas que veste. Casaco preto, calças pretas e botas de pele. Um autêntico cowboy citadino num gabinete de produção, um pouco como um proxeneta acanhado, provindo do meio intelectual. “Não procuro de modo nenhum fazer filmes psicologizantes”, diz, “com o lema, esta pessoa agora é assim porque viveu isto e aquilo na sua infância. Não, isso seria demasiado simples. O espectador retira muito mais quando é convidado e desafiado a relacionar consigo próprio aquilo que vê. Quero, sim, que o espectador olhe para si mesmo através daquilo que vê. Ao princípio, isso pode ser doloroso, porque conduz ao conhecimento. Mas o conhecimento também é libertador, e muitas pessoas ficam gratas por isso. ”Seidl sente-se muito próximo de Thomas Bernhard. “Também ele tematizou verdades desagradáveis, como eu, com muito humor. Quando leio Bernhard, muitas vezes não consigo impedir-me de rir alto. ”O próximo trabalho de Seidl será um filme histórico, baseado num argumento que escreveu há já 20 anos com o realizador austríaco Michael Glawogger, que morreu inesperada e tragicamente em 2014. A figura retratada será Grasl, herói lendário que era conhecido e temido há 200 anos, na Áustria, como uma espécie de Robin dos Bosques. Em tempos de monarquia e guerras napoleónicas, lutou com os seus próprios meios contra as enormes diferenças entre ricos e pobres. “Era um ladrão e um criminoso. Durante muito tempo, ninguém o conseguiu apanhar, mas acabaram por o enforcar aos 26 anos. ” Um dos temas centrais do filme será “a criminalidade que surge porque não se consegue viver de outra maneira ou porque não se pode viver com dignidade”. As pessoas são também rebeldes, nas suas caves? “Não creio”, responde Seidl. “Essas estão presas lá em baixo, com os seus problemas e as suas ânsias. E tenho muita, muita simpatia por elas. ”
REFERÊNCIAS: