Métodos naturais que a Igreja defende “não são tão naturais como isso”
Para o padre Anselmo Borges, “é dada ao ser humano a tarefa de transformar a própria natureza”. (...)

Métodos naturais que a Igreja defende “não são tão naturais como isso”
MINORIA(S): Mulheres Pontuação: 2 Homossexuais Pontuação: 2 | Sentimento 0.1
DATA: 2015-05-01 | Jornal Público
SUMÁRIO: Para o padre Anselmo Borges, “é dada ao ser humano a tarefa de transformar a própria natureza”.
TEXTO: O padre, teólogo e professor universitário, Anselmo Borges, defende que há “uma certa contradição” no que respeita aos métodos naturais defendidos pela Igreja Católica. “Os chamados métodos naturais que a Igreja indica não são tao naturais como isso, porque não actuam de modo cego. Foi o ser humano que descobriu que a natureza tem as suas leis e utiliza isso. Portanto, há aqui uma certa contradição. O ser humano descobriu e agora usa-os com inteligência. ”O docente defende que, “quando se é contra os métodos artificiais, pressupõe-se uma natureza fixa, estática, petrificada”: “A natureza humana é histórica e interventiva. É dada ao ser humano a tarefa de transformar a própria natureza. Nós vivemos transformando o mundo. Por natureza, o humano é um ser artificial, vai criando cultura. A questão dos métodos também faz parte dessa cultura. ”O também padre e médico, José Manuel Pereira de Almeida, salienta que, no que toca a métodos naturais, “é importante uma educação e uma formação”: “A fiabilidade ou infabilidade diz respeito ao modo como são aplicados. Para alguns, conhecer bem os ciclos e a regularidade ou irregularidade dos ciclos, é mais difícil. Mas não significa que não seja um bom método, depende de cada caso. ” Sobre o método, a Direcção-Geral de Saúde aponta as mesmas cautelas: métodos “difíceis de utilizar quando em presença de ciclos irregulares como por exemplo na adolescência” e que implicam, por exemplo, “uma observação cuidada das modificações fisiológicas do corpo da mulher” e “o registo diário dos dados”. O director executivo da Associação para o Planeamento da Família, Duarte Vilar, salienta que em Portugal, um país maioritariamente católico, só 2% das mulheres usam esse tipo de métodos. O país é o segundo do mundo onde mais se usam contraceptivos, a seguir à Noruega. Desde 1968, quando a Humanae Vitae foi publicada, que a Igreja não pede aos católicos que procriem como coelhos, antes indica como devem regular a natalidade, começando por lhes lembrar a “paternidade responsável”. Esta passa por respeitar as “leis biológicas que fazem parte da vida humana”. No que toca às condições físicas, económicas, psicológicas e sociais, a “paternidade responsável exerce-se tanto com a deliberação ponderada e generosa de fazer crescer uma família numerosa, como com a decisão, tomada por motivos graves e com respeito pela lei moral, de evitar temporariamente, ou mesmo por tempo indeterminado, um novo nascimento”, recomenda a encíclica, que condena os métodos de regulação artificial da natalidade. Para Graça Mira Delgado, presidente do Movimento Defesa da Vida, associação que promove a educação sexual e o planeamento familiar, a encíclica de Paulo VI foi mal interpretada e, por isso, rejeitada: "A Humanae Vitae foi rejeitada por aceitar tacitamente o uso de contracepção hormonal, mas desde essa altura que a Igreja defende uma paternidade consciente, generosa e responsável. E é isto que o Papa Francisco, na sua linguagem muito simples e próxima das pessoas, diz quando afirma que não devem procriar como coelhos. "Não faz sentido falar em contracepção natural, mas em regulação, sublinha a presidente da Associação de Psicólogos Católicos, Maria José Vilaça. "A Igreja não educa para a contracepção mas para a regulação natural. A contracepção implica uma visão redutora do homem, da sexualidade, da própria vida que é vista como uma ameaça e de Deus", adianta. Graça Mira Delgado defende que o mais importante é a liberdade das pessoas. Se um casal quer ter muitos filhos não deve ser apelidado de irresponsável, mas deve ser respeitado pelas suas opções. "Não é o médico, o enfermeiro, o pai ou o padre que decidem; é a mulher que escolhe na sua relação com Deus", diz, lamentando a pressão que muitas vezes estas sentem por parte da sociedade.
REFERÊNCIAS:
Palavras-chave lei cultura educação mulher homem sexual mulheres corpo sexualidade
Rachel Cusk: “Sermos nós é muito problemático"
Uma mulher, professora de escrita, ouve as histórias de quem a rodeia e o romance constrói-se a partir dessa condição de ouvinte. Depois de umas memórias polémicas, Rachel Cusk regressa com um romance sobre o que é ser anónimo, quase invisível, para se questionar a si e à ideia de romance. (...)

Rachel Cusk: “Sermos nós é muito problemático"
MINORIA(S): Mulheres Pontuação: 2 Homossexuais Pontuação: 2 | Sentimento 0.2
DATA: 2017-06-02 | Jornal Público
SUMÁRIO: Uma mulher, professora de escrita, ouve as histórias de quem a rodeia e o romance constrói-se a partir dessa condição de ouvinte. Depois de umas memórias polémicas, Rachel Cusk regressa com um romance sobre o que é ser anónimo, quase invisível, para se questionar a si e à ideia de romance.
TEXTO: No romance A Contraluz a protagonista recorre a uma imagem para caracterizar o momento que vive. Lê-se: “o seu trabalho saltara de trás de um arbusto e atacara-a. ” É o momento em que Faye, a professora de escrita criativa criada por Rachel Cusk (1967), tenta reerguer-se. Mas a imagem pode ser aplicada à própria Rachel depois de se ter exposto, e ao seu divórcio, no livro de memórias Aftermath - On Marriage and Separation (2012). Nele, a escritora britânica fez um exame minucioso do seu casamento de dez anos, revelando com amargura e negrume o processo de separação, enquanto indagava como refazer a vida com as suas filhas. O livro foi tão louvado quanto criticado, levantando então questões éticas que, entretanto, já ouvimos repetidas nos livros do norueguês Karl Ove Knausgaard – os seis volumes de A Minha Luta – e na tetralogia A Amiga Genial, da italiana Elena Ferrante. Um e outra (ela, então, sob anonimato) revelando sob a forma de romance, uma intimidade cheia de interditos: a traição, a inveja, o ciúme, as reticências quanto à maternidade, o lado mais negro e menos visível, o domínio do doméstico, o privado. Cusk fez isso em 2012 e já o havia feito onze anos antes em A Life’s Work, confissão sobre a experiência menos doce de ser mãe. Os dois livros, ao contrário dos de Knausgaard ou Ferrante, foram apresentados como não-ficção. E o seu trabalho atacou-a, tanto que depois de Aftermath, fê-la repensar ainda mais o seu lugar na literatura onde continua a não querer romper com o seu grande compromisso: a verdade. Autoria:Rachel Cusk QuetzalQue verdade? Ficcional, real, há fronteiras? Quais? São perguntas subjacentes ao seu mais recente romance traduzido em Portugal, A Contraluz (Quetzal), o primeiro de uma trilogia onde a escritora indaga sobre o fim de um tempo. Pessoal e civilizacional. E se questiona sobre o valor do sofrimento. A busca da perfeição, a relação com a falha, o que é ser mulher ou a ilusão que pode haver da ideia de verdade. Na vida ou na literatura. Indo ao limite. “Achava que a própria ideia de um eu verdadeiro podia ser ‘ilusória’", lê-se neste romance que vai aos clássicos para tentar erguer alguma coisa nova a partir de um silêncio quase trágico. A tragédia que se adivinha como a actualidade de Faye, nome escrito apenas uma vez, ou a da civilização que começou na Grécia onde decorre a acção, e que é passado e presente. Com uma escrita cirúrgica, Rachel Cusk, autora de nove romances, contos, três livros de não-ficção, finalista e vencedora de prestigiados prémios literários, controversa, admiradora de Virginia Woolf e Thomas Bernard, apurou ainda mais o seu trabalho com a linguagem para tentar ir ao cerne, à tal verdade, e escolheu para isso partir de um modo de ser. Ser silencioso. Ouvir, calar, esquecer. O silêncio enquanto lugar de escrita e de construção de identidade, mas também o da testemunha para depois contar. É um silêncio primordial e que não tem como sinónimo ser invisível. Faye vive nessa espécie de anonimato enquanto tenta equilibra-se numa nova identidade que não sabe ainda bem qual é. Tudo em que acreditava, os valores nos quais se construiu, parece ter ruído. É o pouco que o leitor vai sabendo dela através do que ela ouve dos outros. Pergunta-se a Rachel Cusk como é Faye e a resposta é que é como qualquer um de nós. Vamos com ela a essa descoberta pessoal, à especulação sobre quem somos a partir de um romance onde as histórias se sucedem e não têm necessariamente que se cruzarComo fez a transição de umas memórias, polémicas, para esta trilogia onde quase se esconde? Correspondeu a uma mudança de vida e o trabalho seguiu essa mudança. Mas, limitando-me a falar do processo artístico, senti-me tentada pela memória por razões muito pouco emocionais. Há certas áreas da vida que me parecem precisar da forma da memória e servem para escrever sobre experiências comuns como ter um bebé, ou o divórcio, onde o que está em causa é o facto de todo o problema sermos nós, daí esse olhar, o nosso, ser tão essencial, crucial para contar essas experiências, independentemente de serem ou não verdadeiras. O que percebi é que o problema reside em como é que esta forma é recebida pelo leitor. Ele assume totalmente que se trata de uma confissão, qualquer coisa muito pessoal. Ah, então é assim que a Rachel sente! Senti uma grande frustração. E, no entanto, não achei que me estivesse a expor mais nas minhas memórias do que me exponho nos meus romances. Apenas parece. Mas o facto de ser apresentado como memória sugere essa confissão. Sim. Mas num romance parecia demasiado artificial. Agora eu queria outra coisa, uma espécie de terceira forma, deixando aquelas duas tentativas – romance e memória – para trás. Tentei encontrar um modo de ser pessoal, íntima, sem anexar uma pessoa. Escolheu para protagonista de A Contraluz uma mulher que está a passar por um divórcio, mas que é quase invisível. Sabemos muito pouco sobre Faye. Construiu-a para depois a tornar invisível?Aquilo que identifiquei como sendo problemático no romance como o entendemos é o conhecimento do próprio romance sobre si mesmo. Parece um Deus. De onde vem esse conhecimento? O romance sabe tudo; lembra-se de tudo, sabe o que foi dito no passado, para que futuro caminha o presente. Isso tem qualquer coisa de falso e decidi romper. Eu queria um narrador que tivesse alguma coisa a ver com o que é a verdadeira fundação da história: ser alguém a contá-la. Mas esse narrador, essa pessoa, não fingiria ser ou saber tudo o que se passa no mundo; saberia tanto quanto as pessoas que vivem o momento presente e não estão sempre a pensar na continuidade da história porque a estão a viver. Cada frase, cada palavra que escrevi tem em conta esse elemento e tudo o que sobra da personagem é um esboço, o contorno. Faye aparenta ser uma pessoa invisível, mas de facto é uma pessoa. Como é Faye, na sua cabeça?Parte do livro convoca o leitor a participar nessa descoberta. Quando escrevi achei que ninguém o iria ler porque ele não permite escapar; o leitor tem de se mover como se fosse Faye e é preciso que isso funcione. E Faye quase não se vê, quase não fala. Claro que fiz o meu trabalho de imaginar como ela é. E ela é qualquer pessoa, qualquer pessoa naquela posição, a ouvir outras pessoas. É uma mulher, está a viver o meio da sua vida, perdeu as suas formas tradicionais de identidade, provavelmente está a atravessar a crise da meia-idade, que vem de perceber que as coisas que acreditava serem reais não passaram de construções, porque foi dessa forma que cresceu, a acreditar que eram valiosas. O falhanço de Faye é uma espécie de falhanço comum. A diferença é que ela está a escrever o livro e a mostrar impaciência, ou então a ser demasiado indulgente. É como qualquer pessoa nessas circunstâncias, alguém a escolher ouvir ou não ouvir. Ela escolhe ouvir. . . Ouvir é um verbo interessante. Silêncio pode ser outra palavra para o seu comportamento. Acho que a relação que se estabelece é muito semelhante à da terapia. Não há uma conversa, ou como num jogo de ténis, uma jogada e a devolução. O que é que o terapeuta faz quando fica em silêncio? De alguma forma está a defender-se a si mesmo, a reservar a sua identidade, possivelmente porque não quer participar. Ou porque tem medo ou isso não ajude a outra pessoa. A situação terapêutica é uma descrição da vida, do mundo, em que não se pode alcançar a conversa. Acho que é isso que se passa com Faye e que ela procura, ouvir-se a si mesma a ser descrita através dos monólogos dos outros. Esteve muito ligada a clubes de leitura, ao modo de como um livro é apreendido ou lido. Como é que isso interfere com o seu trabalho de escrita?A minha experiência de escrita é a de qualquer coisa completamente privada. Depois há o momento em que me livro disso, as reacções surgem e fico sempre surpreendida. É essencial que o processo seja hermético. Mas quando terminei este livro pensei que talvez fosse impossível de ser lido. Porquê?Porque o lugar onde o leitor se situa num romance é um espaço para se fixar. Ele fica ali e alguém lhe diz: "uma mulher entra na sala e parece-se assim. . . " E as imagens vão passando por ele. Faye não nos dá esse sítio onde ficar e eu questionei-me como seria o leitor não ter onde se situar. Se ele for capaz de sobreviver às primeiras páginas [risos] quase o ouço desabafar: “quando é que isto vai parar, quando é que irei ser tratado devidamente enquanto leitor?”E joga com o tempo. A forma como o romance é construído desafia a cronologia e um certo sentido de evolução. A dado momento escreve que estamos todos viciados na narrativa da melhoria, que “ela até conseguiu infectar o romance, embora o romance nos esteja agora a infectar em retaliação, e por isso esperamos das nossas vidas o mesmo que nos habituámos a esperar dos livros; mas esta noção de vida como uma progressão é algo pelo qual já não tenho desejo. ”Sim. Como no real, as coisas acontecem por camadas, a ideia de sucessão de acontecimentos, de ordem, é da ficção. O romancista e o romance não têm de saber tudo. E o romancista não tem de construir o romance como um deus, encenando a realidade. Quando vamos assistir à rodagem de um filme vemos a acção, mas se recuarmos vemos o set de filmagem. Todas essas camadas se assemelham à realidade. Uso a linguagem para esse efeito. É muito agradável perceber que não preciso de descrever Paris porque se eu disser Paris cada pessoa pode construir de imediato a sua cidade. Eu digo Paris e na cabeça do leitor aparece Paris apenas a partir dessa palavra. Sabemos o que é. Enquanto escritora, quero livrar-me do peso do conhecimento útil. Ter uma professora de escrita como protagonista permite-lhe uma reflexão sobre o que é a escrita e de como se pode inovar o romance. Sim. E também sobre o sentido de posse das pessoas em relação à linguagem e às histórias. Isso está muito polarizado. A escrita criativa prova que toda a gente pensa que é escritor. O que é isto de ser escritor? Quero aprofundar isso, fazer essa distinção. Em A Contraluz ninguém está a escrever. As personagens falam, a sua escrita é a conversa. A pessoa que está a escrever este livro não diz nada. Há uma referência a Emily Bronté e a O Monte dos Vendavais para falar da visão subjectiva. Heathcliff e Cathy olham pela janela e vêem coisas diferentes, “Heathcliff aquilo que teme e detesta, Cathy aquilo por que anseia e do qual se sente privada”. A perspectiva, no romance, é crucial. É o modo, mais uma vez, onde cada um – também autor e leitor – se situa. O livro é muito sobre isso?Completamente. A janela permite construir a nossa própria ideia sobre o que se vê. Ela não está a dizer o que devemos ver. O que é terrível e é maravilhoso. Isso pode-nos tornar-nos inseguros. Por vezes queremos que nos digam o que verSomos deixados sozinhos. A solidão atravessa o livro. Sim e quis escrever mais dois livros nesta forma. Demorei a entrar. No fim de A Contraluz fazem-se muitas perguntas. Eu teria de tentar responder. O tema revelou-se muito maior, maior do que eu seria capaz de lidar num só livro. A ideia de verdade está muito presente. A verdade em ficção e a linha ténue entre ficção e realidade. Percebi muito isso enquanto mulher, o modo como as mulheres vivem as suas vidas envoltas numa espécie de verdade pessoal, privada, e numa de representação pública. Não são necessariamente honestas. Como é que elas ligam essas duas facetas. Há toda uma indústria cultural à volta dessa ideia da mulher. Por que esse modo institucional foi uma criação masculina e as mulheres tentam copiar os modelos masculinos para mostrar que são capazes?Exacto. Há um modo de lidar com esse assunto: politizá-lo. Depois desta fase dramática da vida de Faye, onde se inclui o casamento, ter filhos, uma agenda activa, onde se vive de acordo com o que está marcado, o tempo para viver, para amar, etc. , no fim tudo colapsa. As ideias sobre amor e casamento, mesmo quando nos convencemos que elas ainda existem, são recuperadas do lado romântico do amor e da sexualidade. A posição de Faye é muito dramática. As suas perdas são reais e isso é verdade para muitas, muitas pessoas. A pergunta é no que é que essas verdades, ou essa verdade, se tornaram? Pode-se dizer "aqui está uma mulher a viver a vida pública", mas podemos saber o que é que ela realmente pensa ou é apenas uma mulher anónima a circular sem o espectáculo completo de família, crianças? Qual é a verdade dela? Isso parece-me o topo da montanha, o jogo mais interessante. Se conseguir chegar lá, a vista será vasta. Ela é uma mulher em sofrimento. Sim. Qual é o valor desse sofrimento? Qual é o seu valor moral ou a sua mais-valia moral? E se é verdade que há algum tipo de honra que se adquire através do sofrimento, se sofrer no fim conduz a algum tipo de verdade? É isso? E se é isso, é justo? É isso que é a justiça?Ir atrás dessa pergunta é a intenção da trilogia?É sobretudo o tema do terceiro livro que estou a escrever, qual é o valor desse sofrimento. Há um valor?Não sei. É uma pergunta gigantesca. É por isso que convoca para aqui as grandes tragédias, como a Odisseia?Sim. Porque a ideia da honra através do sofrimento está na base da visão da tragédia grega. Este romance decorre na Grécia num momento dramático da história grega. E em que se fala da morte da Europa que anda a arrastar-se e nasceu sobretudo ali. Quis trazer a Grécia enquanto lugar fundador da literatura. Na Odisseia há a ideia básica de que a história é qualquer coisa que nos é contada nestes termos: isto é o que me está a acontecer. Há sempre a ideia da testemunha, de alguém que esteve lá e conta. É a isso que quero voltar para depois retrabalhar. Todos somos testemunhas de alguma coisa. É isso que nos faz querer contar histórias e a leva a dizer que todos queremos ser escritores?É escritor quem é capaz de escrever esse testemunho sem falsificar o registo. A nossa subjectividade vai interferir com a verdade, e prestar contas à verdade é muito difícil; requer sermos capazes de nos diminuirmos, de encolhermos. É o que Faye faz. Se o nosso ego for muito grande não somos capazes de ver claramente, tão claramente quanto possível. Porque acha que neste momento há tanto interesse na literatura sobre o eu?Acho que há um cansaço colectivo e uma vontade de trazer as coisas para fora, revelar, consciente ou inconscientemente. Karl Ove Knausgaard escreveu muito bem sobre o desejo doentio, o da falsificação, das histórias de Hollywood, o falso relato da vida, onde se perde o sentido mais profundo de realidade neste tempo em que muitas histórias parecem estar a chegar ao fim, incluindo a ficção do amor, por exemplo, o amor romântico e o casamento. Quantas pessoas terão de ser destruídas nessa ficção até todos dizerem, ok, chega desse final feliz e dos sinos. Não acreditamos nisso. Há uma exaustão colectiva. No fim sabemos que somos reais porque sentimos dor, porque sofremos. O sofrimento pessoal é o lugar que as pessoas estão a tentar descobrir para encontrar um sentido de realidade. Acho que estou a tentar fazer qualquer coisa diferente porque no fim quero despersonalizar estas coisas e fugir desse eu. Isso é possível?Essa é a questão. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Como é que, sendo uma figura pública – escritora –, foge desse eu?Terei de o fazer antes, no que escrevo. Serei capaz? Sermos nós é muito problemático. Mas as pessoas não dão muita atenção ao meu trabalho. Não sei. Muitas vezes há quem se zangue muito. Já se zangaram muito comigo, apesar de eu ser muito menos visível, do que por exemplo Knausgaard. Magoa-aSim, magoa. Não estou interessada em me proteger, mas quero cuidar-me. Importa-me a crueldade. Isso é o que assusta, quando as pessoas são abusivas em relação ao meu trabalho. Assusto-me por toda a gente. Está a escrever o terceiro romance da trilogia. Sente-se mais perto das respostas às perguntas que deixou em aberto neste primeiro?Estou a tentar ser mais substancial enquanto pessoa. Isso tem a ver com estar a ficar mais velha, acho, a ver as minhas filhas ficarem mais velhas, e a enfrentar esta fase da vida, pessoal e colectiva, em que muitas coisas parecem estar a chegar ao um fim. Serenidade é tudo o que quero e não tenho. Estou a tentar chegar lá. Sacrifiquei-me ao meu trabalho a um nível extremo e a questão é: é assim que quero continuar? Sim, acho que quero, mas aprendendo a viver um pouco. Esse é o meu próximo passo.
REFERÊNCIAS:
Palavras-chave morte mulher negro medo espécie mulheres sexualidade casamento divórcio
Jesus Cristo nunca existiu
O mediático e prolífico filósofo francês Michel Onfray publicou um livro imenso que descreve a história da civilização judaico-cristã, desde o seu nascimento até à sua iminente Décadence. (...)

Jesus Cristo nunca existiu
MINORIA(S): Mulheres Pontuação: 2 Homossexuais Pontuação: 2 | Sentimento 0.0
DATA: 2017-06-02 | Jornal Público
SUMÁRIO: O mediático e prolífico filósofo francês Michel Onfray publicou um livro imenso que descreve a história da civilização judaico-cristã, desde o seu nascimento até à sua iminente Décadence.
TEXTO: Não sabiam? Jesus Cristo nunca existiu. E nunca ninguém nos disse isso. Ou melhor: muitos historiadores, arqueólogos e investigadores até o fizeram, mas os seus trabalhos nunca conseguiram impor-se. O último que decidiu abordar de forma brilhante este tema tabu é Michel Onfray, em Décadence (Flammarion). Um livro ambicioso, com 600 páginas, mas que se devora de um fôlego. “O judaico-cristianismo triunfa não porque é verdade, mas porque é poder armado, coacção policiária, astúcia política, intimidação marcial. (. ) A civilização judaico-cristã constrói-se sobre uma ficção: a de um Jesus que não terá jamais tido outra existência senão alegórica, metafórica, simbólica, mitológica. Não existe desta personagem qualquer prova tangível no seu tempo: com efeito, não se conhece qualquer retrato físico dele, nem na História da Arte que lhe seria contemporânea, nem nos textos dos Evangelhos, onde não se encontra qualquer descrição da personagem. (. ) Esta ausência de corpo físico real parece prejudicar um exercício racional conduzido de forma correcta. No entanto, é com base neste puro delírio que se vai construir o pensamento ocidental judaico-cristão. ”Michel Onfray, apoiando-se em numerosas referências e em textos incontestáveis, lança-se à desconstrução da “fábula” de Jesus Cristo, sobre a qual repousa a nossa civilização. Mas também expõe de maneira incisiva as incoerências, as contradições, os absurdos, as mentiras, as violências, os crimes e as loucuras que balizaram a construção da civilização ocidental. Dessa acumulação de acontecimentos, retira as pistas que explicam o sucesso inicial da conquista judaico-cristã do mundo, e depois as etapas do seu enfraquecimento. Autoria:Michel Onfray FlammarionEm primeiro lugar, a concepção contranatura do corpo humano que a religião cristã impõe: “O corpo de Jesus criança obedece às mesmas leis que o corpo de Jesus adulto: ele não come, não bebe, não ri, não dorme, não sonha, não sofre; não tem qualquer desejo, não se lhe conhece qualquer paixão; não é afectuoso, não é amável com o seu pai, até lhe desobedece; não tem qualquer relação com as raparigas, e a única mulher da sua comitiva é a sua mãe. ” E a propósito de Paulo de Tarso (São Paulo), o primeiro verdadeiro obreiro da conquista cristã, que vai projectar as suas próprias deficiências físicas na doutrina cristã: “(. ) o ódio dos corpos e da carne, o desprezo das mulheres e da sexualidade, o convite à castidade ou à abstinência, a noção de uma virgem que dá à luz ou a imitação do cadáver do Corpo de Cristo, eis alguns dos padrões do corpo judaico-cristão, infligidos aos ocidentais durante mais de mil anos e que procedem em linha directa do corpo débil e doente de Paulo de Tarso. (. ) o seu propósito ensinou a milhões de homens e de mulheres o prazer no sofrimento. ”Em seguida, Onfray estuda longamente o papel primordial da violência física no processo de conquista, e desenha uma comparação cruel entre as palavras de paz e de amor de Cristo e o seu desvirtuamento por parte daqueles que se apresentam como os homens de Deus. Como Constantino, o primeiro imperador romano a abraçar a religião cristã: “Este homem que não hesita em matar e mandar matar, em dizimar a sua família e a sua comitiva, que elimina a sua própria esposa e o seu filho com o pretexto de que eles teriam mantido uma relação obscura, não é nem um intelectual ou um filósofo, nem um poeta ou um pensador; é um senhor da guerra cínico e brutal, uma máquina de matar e destruir tudo o que se coloque no seu caminho. É ele que vai impor o cristianismo ao Império e fazer dessa pequena seita, escolhida pelas suas características para assegurar o seu poder de monarca único sobre o Império, uma religião planetária. ”Michel Onfray oferece numerosos exemplos desses massacres perpetrados em nome de Deus, ao longo da História. Por exemplo, aquando da conquista da América pelos colonos espanhóis no século XV: “(o padre e historiador) Las Casas descreve os índios como simples e doces, bons e generosos, pacíficos e obedientes. (. ) Os cristãos espanhóis comportam-se com eles como se fossem lobos, tigres e leões em face de gazelas: ‘(. ) tudo o que fazem é desfazê-los em pedaços, matá-los, inquietá-los, afligi-los, atormentá-los, e destruí-los através de crueldades estranhas, novas, variadas, jamais vistas, jamais lidas, jamais ouvidas. ’ Dos três milhões que compunham aquela comunidade, não haverá agora mais do que 200, escreve o dominicano. (. ) Por que razões terão os cristãos exterminado este povo que nunca os tinha ofendido, criticado ou atacado? Pelo ouro, pela prata e pelas riquezas, pelo poder, as honras e a ambição, pelos títulos e pelo domínio. ”Quando acontece em Lisboa, em 1755, o dramático terramoto que arrasa a cidade, a Igreja vê nisso um sinal da cólera de Deus e aí encontra uma oportunidade de sobrecarregar o povo martirizado, desprezando as provas científicas. “Em Lisboa, Deus contrai a doença que em breve lhe vai lançar”, escreve Onfray. Para compreender a perda de influência da religião cristã, o autor desenvolve ao longo da obra várias teses: a primeira, como já vimos, é a negação da realidade (humana, científica) a favor da efabulação. A segunda tese que explica o enfraquecimento da nossa civilização é que o ressentimento e a maldade se apoderam dos homens, para assim se vingarem das suas tristes existências, favorecendo os regimes violentos: a Revolução Francesa de 1789, depois os mar-xismos-leninismos, depois os fascismos. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. A Igreja compromete-se com todos os regimes fascistas, e é isso que levará à sua perdição, acabando por se descredibilizar: “O fascismo protegeu efectivamente o cristianismo contra a ameaça bolchevique. O cristianismo oficial tornou-se assim o companheiro de estrada de todos os fascismos — o primeiro, de Mussolini, mas também os que se seguiram, como o de Franco em Espanha, o de Hitler na Alemanha, o de Pétain em França, e mais tarde o dos coronéis na Grécia, ou os das ditaduras da América do Sul nos anos 70 (. ). As tropas soviéticas libertaram Berlim. Hitler suicidou-se no seu bunker a 30 de Abril de 1945. O que faz o Vaticano? Continua a apoiar o regime derrubado. A Igreja nunca teve uma palavra de condenação das atrocidades nacionais-socialistas após a morte do Fuhrer. Mais: tendo-se mostrado incapaz de ajudar um único judeu a escapar à morte programada pelos nazis, ela organiza uma rede que, através dos mosteiros e de passaportes do Vaticano (. ), permite aos dignitários nazis abandonar a Europa e assim escapar aos tribunais. ”O ciclo da religião cristã não é o único objecto de estudo deste livro. O autor consagra numerosas páginas ao nascimento e à ascensão do Islão. Demonstra, como sempre através de sólidas referências históricas e da análise de textos religiosos, que as três religiões do Livro, os três monoteísmos, utilizam métodos de conquista e de dominação semelhantes. E, de uma forma geral, com as mesmas consequências sobre as sociedades humanas. Michel Onfray passa em seguida em revista a época contemporânea, com as revoluções culturais dos anos 70 e o aumento de influência das correntes filosóficas que, na sua opinião, ignoraram e inverteram o antigo sistema de valores; a hegemonia dos meios de comunicação modernos e dos novos tempos mediáticos, curtos, demasiado curtos, fúteis, imbecilizantes; a mutação do mundo artístico, que já não fala de Deus e se vira para uma produção contemporânea desconcertante; a evolução dos costumes e o lugar concedido às minorias. Aqui o discurso torna-se bastante contestável, mas no sistema de pensamento de Michel Onfray, e é ele que o garante, não há lugar a qualquer julgamento de valor, simplesmente à observação dos factos, nada mais do que os factos. Seja. Deixamos ao leitor a tarefa de definir a sua própria ideia. Qualquer que ela seja — e é esta a tese principal de Décadence —, toda a civilização apenas se constrói sobre uma religião. “Uma civilização não produz uma religião, é a religião que produz a civilização. ” E quanto mais a religião definha, mais o fim se aproxima. Não digam que não foram avisados.
REFERÊNCIAS:
Religiões Cristianismo
“O verdadeiro impacto dos sixties foi a normalização da ideia de que nós podemos mudar o mundo”
Samantha Christiansen é professora assistente na Universidade de Marywood, Pensilvânia, EUA. Co-organizou o seminal The Third World in the Global 1960s (2013, Berghahn) e publicará ainda este ano, na Bloomsbury, o livro Global Sixties. Autora prolífica, é uma das mais emergentes vozes no estudo da história global do protesto e do "terceiro mundo". (...)

“O verdadeiro impacto dos sixties foi a normalização da ideia de que nós podemos mudar o mundo”
MINORIA(S): Mulheres Pontuação: 2 Homossexuais Pontuação: 2 | Sentimento 0.2
DATA: 2018-06-21 | Jornal Público
SUMÁRIO: Samantha Christiansen é professora assistente na Universidade de Marywood, Pensilvânia, EUA. Co-organizou o seminal The Third World in the Global 1960s (2013, Berghahn) e publicará ainda este ano, na Bloomsbury, o livro Global Sixties. Autora prolífica, é uma das mais emergentes vozes no estudo da história global do protesto e do "terceiro mundo".
TEXTO: The Third World in the Global Sixties oferece duas das mais importantes intervenções historiográficas que mudaram o modo como olhamos para os anos sessenta. A primeira implica olhar para estes como um fenómeno global. A segunda sugere que os pensemos a partir das relações que tiveram com as dinâmicas do “sul global”. Pode explicar a necessidade destas intervenções?No que diz respeito ao primeiro ponto trata-se essencialmente de uma questão de exactidão na representação da época. Esta foi muito mais global nas mentes e nas acções dos actores históricos do que a historiografia antiga sugeria. Enquanto historiadores temos um papel importante na definição do passado. Ao tomar certas decisões que enfatizam ou privilegiam a experiência ocidental – por conveniência, familiaridade ou outra qualquer motivação – estas tendem a perpetuar-se no campo da história. Todos tendemos a trabalhar em cima de estruturas estabelecidas. O caso do estudo dos anos sessenta não é único, claro: é apenas parte do modo sistémico como o poder e o privilégio se auto-reproduzem. Em muitos sentidos, é isto que os global sixties procuravam confrontar! Eu acho que o trabalho do Arthur Marwick é um bom exemplo deste modelo ocidental. Apesar de ter sido claramente inovador no estabelecimento de conexões transatlânticas, bem como em colocar algum do enfoque na expressão cultural, temos de nos interrogar se um trabalho que apenas incluiu um caso do “sul global” pode ser definidor dos Sessenta. A questão central é não procurar definir modelos ou parâmetros baseados no Ocidente e depois procurá-los em espaços não-ocidentais, com o objectivo de os considerar parte da mesma investigação. Ora isto não é uma análise global e oferece um modo muito redutor de pensar o mundo. E quanto ao segundo ponto?A inclusão do “terceiro mundo” ou do “sul global” e a promoção do estudo sobre como os Sessenta globais influenciaram e foram influenciados pelas dinâmicas que ocorreram nestas áreas previamente negligenciadas (pela historiografia) abrem novos territórios para pensar os anos Sessenta. Mudam o modo de pensar o “sul global” e, claro, obrigam-nos a reconsiderar o que tomamos por adquirido em relação ao “norte global”. O modo como o campo mudou nos últimos dez anos, no sentido de dar mais relevo às narrativas do “sul global”, demonstra bem as recompensas associadas a estas operações. O que explica, em seu entender, o atraso em incluir o “sul global”, até em função do evidente impacto das dinâmicas no “terceiro mundo” no Ocidente?Sempre existiram trabalhos reconhecendo dimensões globais, mas esse reconhecimento era esporádico e casuístico no que diz respeito ao que era tratado. E os pressupostos sobre o que contava como sendo o estudo dos sixties estavam muitas vezes enraizados em experiências e vieses ocidentais. Eu acho que as razões mais óbvias se prendem com privilégios inerentes dos académicos do “norte global” e com os tópicos favorecidos no estudo deste último. É realmente desafiador para alguns verem os que estão no “sul global” como actores na história (ou no presente), não apenas como objectos da história. (Eu uso “terceiro mundo” – que designa uma ideia geográfica, política e temporal específica – quando me refiro aos anos Sessenta porque “sul global” é um anacronismo. ) Eu não acho que a exclusão tenha sido intencional (ou mesmo completa) e específica da historiografia centrada nos estudos dos anos Sessenta. Por um lado, foi inércia, por outro um reflexo da academia. Como alguns dos nossos colegas sugerem, a figura do “heróico combatente pela liberdade do ‘terceiro mundo’” substituiu a antiga figura do camponês e do operário como símbolo de visões do mundo marxistas e soviéticas. Este processo exemplifica o modo como a mudança social nas sociedades ocidentais foi condicionada por inspirações externas?Não acho que o combatente pela liberdade alguma vez se tenha tornado um símbolo das mundivisões soviéticas. A União Soviética persistiu associada aos trabalhadores urbanos e industriais e aos projectos do Estado. E acho que as personalidades do “terceiro mundo” têm de receber o crédito desta mudança no simbolismo quando pensamos no socialismo e no marxismo. Líderes pós-coloniais como Nehru, Nkrumah ou Nassar, entre outros, participaram conscientemente nesta redefinição do marxismo em termos do “terceiro mundo”. Claro que Mao também teve um papel decisivo nesta produção de imagem. O papel das guerrilhas do “terceiro mundo” na proliferação global de uma imagem de si como figuras emancipatórias também precisa de ser relembrado: Che Guevara e Ho Chi Minh, por exemplo, conheciam bem o poder simbólico da figura do combatente pela liberdade. Todos estes actores também compreendiam o ambiente mediático global e usaram-no de modo eficaz para criar um “produto” que os revolucionários ocidentais consumiram com entusiasmo. O que explica isto no seu entender?No que diz respeito ao efeito de inspiração externa, eu acho que isso tem que ver com o facto de a revolução do “terceiro mundo” ser mais obviamente contra-hegemónica: a guerrilha é, literalmente, uma luta revolucionária visando a transformação do Estado e da sociedade, e isso é muito mais romântico que uma reforma legislativa ou uma negociação social no interior de um Estado hegemónico. Eu acho que a hegemonia, na Europa Ocidental e nos Estado Unidos, é desmoralizadora, em certo sentido. Ou talvez um reflexo da desmoralização. Acho ainda que este processo tem que ver com a total, ou quase total, repressão governamental de organizações comunistas e socialistas no interior do bloco ocidental, especialmente nos Estados Unidos. Esta dizimou a esquerda ligada a sindicatos no período do entre-guerras e no pós-II Guerra. Depois do Estado ter atacado e prejudicado tão eficazmente os trabalhadores organizados, faz sentido que a esperança da revolução venha associada a outro símbolo. Acha que podemos falar dos anos Sessenta como uma década de globalização de modalidades de protesto social?Numa das primeiras considerações que valorizaram o transnacionalismo nos anos Sessenta, Erik Zolov falou deles como um “repertório partilhado” e eu acho que esta ainda é a melhor forma de interrogar a dimensão global dos sixties. Não estou certa que possa ser contida numa década, contudo. O processo talvez tenha começado no período entre-guerras, com o uso que Gandhi deu aos meios de comunicação social na sua tentativa de exportar a sua estratégia de protesto anticolonial. Esta foi traduzida para os EUA com o Movimento dos Direitos Civis antes dos anos Sessenta. E depois temos a vaga de descolonização, após a Segunda Guerra Mundial, que partilhou várias modalidades de protesto. Mas podemos por certo dizer que nos anos Sessenta nós vemos o processo de globalização das modalidades de protesto social a atingir um outro patamar. Há formas de o demostrar. A questão da periodização é sempre complicada. A organização da história em décadas, problemática. Como olha para as baias cronológicas comummente estabelecida para pensar os Sessenta e mais especificamente 68?Este número contempla o trabalho de Marwick e a proposta dele [1958-1974] baseia-se num pressuposto válido, ainda que seja aplicável à experiência Ocidental. No Paquistão, que tenho trabalhado de forma mais intensa, esses anos são marcados por um estranho conjunto de pontos de apoio. No meu trabalho, com uma perspectiva alargada sobre os sixties, sustento que para os compreender temos de começar com o fim da Segunda Guerra Mundial, mas não diria que não incluiria todo esse período nos sixties per se. Para mim, eles começam, em espírito, com a constatação de que as promessas do pós-guerra não estão a ser cumpridas e quando as pessoas engendraram acções reivindicativas baseadas nessa premissa. Pode ter tido diferentes pontos temporais em sítios diferentes. Quanto a “1968”, nunca gostei desta designação por vários motivos. Penso que força uma teleologia para as eras anteriores e posteriores a 1968 que limita a nossa compreensão e desvaloriza a natureza ad-hoc de muitos daqueles movimentos. De certa forma, rejeito a fixação em 1968, ainda que, para ser honesta, eu própria tenha participado na minha quota-parte de conferências e eventos comemorativos em cada ano que termina em 8. Mesmo se nos limitarmos ao mundo Ocidental, os sixties são vistos de forma diferente. Em alguns espaços da esquerda e da direita são vistos como essencialmente um momento de ruptura. Para os primeiros, eles representam o abandono da centralidade da luta de classes. Acha que há paralelos?Existem similitudes nesses dois polos do espectro na medida em que ambos se fundam numa visão simplificada dos sixties. Essa é uma ideia que a investigação académica tem procurado abalar, especialmente aqueles de nós que olham a partir de uma perspectiva global. Os sixties não foram apenas culturais, nem somente políticos, nem compreenderam apenas jovens em protestos e guerrilheiros do “terceiro mundo”. A luta de classes esteve muito presente em várias dimensões e ambientes, mas intersectou com outros factores identitários. Ao invés de apenas falar dos trabalhadores e trabalhadoras brancas nas fábricas, a luta de classes expandiu-se para incluir as mulheres negras que trabalhavam como amas ou o agricultor do Gana que cultivava cacau para exportação global numa nova economia pós-colonial, ou o trabalhador vietnamita que estava a ser realojado nos strategic hamlets que faziam parte do esforço de guerra americano. Isto não representou uma perda de centralidade da luta de classes – foi uma expansão da noção do que era a classe trabalhadora globalmente e uma matização completa do significado de classe. Estes não são o tipo de contextos de luta de classes que Marx imaginou, mas continua a ser luta de classes e não perceber isso traduz-se numa miopia infeliz sobre o que significa falar de luta de classes. Eu diria que a emergência do capitalismo neoliberal fez mais pela destruição da ideia de luta de classes do que qualquer coisa que aconteceu nos anos 60, por isso vejo sempre esta asserção como problemática. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. E quanto àqueles que a vêem como uma época de dissolução moral?Quanto à degradação moral, é também resultado de uma concepção estereotipada dos sixties que simplesmente não é aplicável à maioria do mundo neste período. Também não houve uma ruptura moral assim tão acentuada, houve antes uma negociação geracional de normas sociais característica de tantas outras épocas – os jovens nos sixties não estavam a testar mais as normas morais do que as flappers e os músicos de jazz testaram nos anos Vinte, por exemplo. Por outro lado, há vários grupos sociais e “gerações” que acreditam que a década de 60 foi marcada por uma profunda transformação das atitudes e referências morais, sociais e culturais. Acho que os Sessentas tiveram um efeito transformador, ainda que alguns dos eventos não tenham tido um impacto tão grande quanto as memórias deles nos fazem crer. Creio que o que os sixties representam é o potencial para a mudança social, moral e cultural, e que tal pode ser atingido se houver essa intenção. Ainda que nem todas as tentativas de mudança tenham perdurado, ou obtido sucesso sequer, o verdadeiro, duradouro impacto dos sixties foi a normalização da ideia de que nós podemos mudar o mundo, e que todos somos participantes num projecto para o fazer. Muitas lutas culturais, em torno do género, da sexualidade e da raça estão a reemergir hoje com vigor. Há alguma semelhança com o que aconteceu nos anos 60?Absolutamente. Tanto num sentido emancipatório, à medida que indivíduos se sentem no direito de formular reivindicações ao Estado e à sociedade em nome do respeito, dignidade e direitos que merecem, mas também nas contra-reacções. Os sixties deram origem a uma Nova Direita, e muitos conservadores e reaccionários beneficiaram de uma retórica de pânico moral. A onda de populismo de direita, que procura responder a uma suposta dissolução das normas sociais e culturais, espelha os sixties e as suas sequelas de múltiplas formas.
REFERÊNCIAS:
Entidades EUA
Maio de 68: da fotografia como fábrica de imagens icónicas
A exposição Icônes de Mai 68, na Biblioteca Nacional de França, refaz a história da cobertura fotográfica do movimento para mostrar que a memória visual do Maio de 68 é também uma construção cultural. (...)

Maio de 68: da fotografia como fábrica de imagens icónicas
MINORIA(S): Mulheres Pontuação: 2 Homossexuais Pontuação: 2 | Sentimento 0.5
DATA: 2018-06-21 | Jornal Público
SUMÁRIO: A exposição Icônes de Mai 68, na Biblioteca Nacional de França, refaz a história da cobertura fotográfica do movimento para mostrar que a memória visual do Maio de 68 é também uma construção cultural.
TEXTO: Dia 6 de Maio de 1968: em frente à Sorbonne, o jovem Daniel Cohn-Bendit, vestindo blazer de espinha e camisa branca [na verdade é cor-de-laranja, mas já lá vamos], dá de caras com um polícia de intervenção equipado a preceito, olha-o directamente nos olhos e atira-lhe um sorriso mais convidativo do que provocador, como se lhe perguntasse sem palavras: “De certeza que não preferias estar deste lado?”. Captada a preto e branco pelo fotógrafo de guerra Gilles Caron, esta é talvez a imagem icónica por excelência do Maio de 68, reproduzida até à exaustão em jornais, revistas e capas de livros sempre que se assinala, como agora, um aniversário redondo da revolta estudantil. O curioso, no entanto, é que, ao contrário de outras imagens de Caron logo difundidas na imprensa, quase ninguém viu esta fotografia em 1968. Só veio a ser publicada em meados de Junho desse ano numa revista de pequena tiragem destinada a profissionais de fotojornalismo. O percurso que retrospectivamente a transformou num símbolo visual da revolta estudantil constitui o primeiro núcleo da exposição Icônes de Mai: les images ont une histoire, comissariada por Audrey Leblanc e Dominique Versavel, que pode ser vista até final de Agosto na Biblioteca Nacional de França (BNF), em Paris, e que além de fotografias, provas de contacto, cartazes, catálogos e outros documentos, reúne também uma extensa selecção dos jornais e revistas que cobriram os acontecimentos de Maio de 68, e depois os seus subsequentes aniversários. Mas o propósito da exposição não é propor mais uma história fotográfica do movimento, é antes desocultar os mecanismos de construção mediática que foram compondo aquela que é hoje a memória visual colectiva do Maio de 68. Um processo que envolveu os critérios de escolha das agências de comunicação, das redacções dos jornais ou da indústria das revistas, mas também as contradições de um fotojornalismo então mais do que nunca empenhado em prestar testemunho objectivo do presente, ao mesmo tempo que ia alimentando um sistema que procurava desesperadamente imagens excepcionais e icónicas. Voltando à fotografia de Gilles Caron, o que salta à vista no pólo inicial da exposição, intitulado La fabrique d’un icône, é que este fotógrafo da recém-criada agência Gamma, que ele próprio ajudara a fundar em 1967, esteve longe de ser o único dos profissionais presentes nesse dia a aperceber-se do potencial icónico da cena do estudante rebelde a sorrir para o CSR [sigla de Compagnies Républicaines de Sécurité]. Pelo contrário, poucos o terão falhado, a julgar pela quantidade de imagens desse mesmo momento que esta mostra conseguiu recolher. E ao contrário do que sucedeu com a foto de Caron, só tardiamente popularizada, muitos desses trabalhos foram publicados em jornais e revistas logo nos dias seguintes. No entanto, se a cena é sempre a mesma, não há duas fotografias iguais. Nas páginas da Paris Match, por exemplo, Georges Melet mostra Dany le Rouge de sorriso já um pouco mais aberto, e por isso também menos insinuante, e a opção pela fotografia a cores destaca o olho azul arregalado e o seu indomado cabelo ruivo, a condizer com a camisa, que afinal, vê-se agora, é cor-de-laranja. Mas a fotografia que teve maior impacto na época foi talvez a tirada por Jacques Haillot, um fotógrafo que cobriu a Revolução dos Cravos e que viria a morrer em 1998 num acidente de viação em Portugal. Quando Haillot premiu o disparador, o sorriso do líder estudantil já tinha dado lugar a uma genuína gargalhada. E é a partir desta sua imagem, reproduzida no L’Express, que o “atelier popular” que ocupara a Escola de Belas Artes de Paris, onde foi produzida muita da mais conhecida iconografia do Maio de 68, criou os célebres cartazes com a cara de Cohn Bendit e os slogans “Somos todos ‘indesejáveis’” e “Somos todos judeus e alemães”. Uma glória efémera, porque em 1978, quando se comemoraram os dez anos do movimento, era já a foto de Gilles Caron, e não a de Haillot, que começava a monopolizar os dossiers que a imprensa dedicou à efeméride. Um processo de consagração que começou discretamente em 1970, quando a imagem foi seleccionada para uma exposição de cinco fotógrafos da Gamma. Caron já era então admirado, sobretudo entre os colegas de ofício, pelas suas imagens da fome no Biafra durante a guerra civil nigeriana, ou pela sua cobertura da Guerra dos Seis Dias em Jerusalém. Mas a sua consagração definitiva como grande fotógrafo do Maio de 68 só ocorrerá em 1977, quando a Gamma, então a celebrar o seu décimo aniversário, dedica uma grande homenagem ao seu malogrado repórter, que em Abril de 1970 desaparecera sem deixar rasto no Cambodja, numa zona controlada pelos Khmers vermelhos. A sua imagem do face a face paradoxalmente distendido entre o campeão da insolência juvenil e o representante da sisuda autoridade do Estado veio mesmo a ser seleccionada, em 1999, para o livro Les 100 Photos du Siècle, da jornalista e cineasta Marie-Monique Robin. Mas se a história desta imagem revela os meandros da construção de um ícone visual, outro capítulo da exposição – De la photographie d’actualité au symbole – apresenta-nos o caso ainda mais estranho da chamada “Marianne de 68”. Os media contribuíram certamente para amplificar a aura de Cohn Bendit, mas quando chegaram a ele, os acontecimentos na Faculdade de Nanterre – que estiveram na origem da criação do Movimento do 22 de Março, e em parte serviram de gatilho ao próprio Maio de 68 – já tinham começado a consagrá-lo como o mais carismático dos jovens líderes da contestação estudantil. Já a celebridade conquistada pela “Marianne de 68”, que na verdade se chamava Caroline Bendern e era uma jovem aristocrata inglesa, mostra como essa busca de ícones visuais trouxe também ao primeiro plano da fotografia (em sentido literal e figurado) personagens que eram pouco mais do que figurantes de ocasião. Captada pelo fotógrafo Jean-Pierre Rey, a imagem de uma bela rapariga empoleirada às cavalitas de um manifestante e a agitar uma bandeira da Frente de Libertação Nacional vietnamita – destacando-se da mole de estudantes e operários que desfilavam na grande manifestação unitária de 13 de Maio – é hoje talvez a única fotografia do Maio de 68 cuja celebridade é comparável ao Cohn Bendit de Gilles Caron. Não admira. É uma bela fotografia. Quase lhe poderiam ser endereçados esses versos que Sophia dedicou a Ifigénia: “(…) E o seu rosto voltado para o vento, / Como vitória à proa dum navio, / Intacto destrói todo o desastre”. No entanto, e uma vez mais, a valorização desta imagem (escolhida, aliás, para o cartaz da exposição) levou o seu tempo. E o mérito de Rey não foi ter descoberto uma rapariga de bandeira em punho e pressentido que esse motivo daria uma imagem mais forte e surpreendente do que outras possíveis abordagens fotográficas da manifestação. Ou também foi, mas essa intuição partilhou-a com vários dos fotojornalistas presentes. Se uma semana antes muitos tinham percebido que o encontro de Cohn Bendit com o polícia era a fotografia do dia, neste dia 13 quase se diria que estavam a competir num concurso temático a ver quem tirava a melhor fotografia de uma rapariga em cima dos ombros de alguém e com uma bandeira na mão. Mas ao contrário de outras imagens de raparigas com bandeiras que tiveram difusão mais célere, mas também mais efémera, a fotografia de Rey só foi publicada mais de um mês após ter sido tirada, num número da Paris Match que saiu a 15 de Junho e assinalou o reaparecimento da revista, que tinha sido ela própria afectada pelas greves e estivera um mês fora das bancas. Esta tardia reportagem fotográfica da manifestação ocupa duas páginas, com quatro imagens em pequeno formato, incluindo a “Marianne” de Rey e uma outra de uma rapariga em ombros, mas empunhando um cartaz. Já a foto em destaque, ocupando uma página inteira e parte doutra, essa mostra… uma rapariga em ombros agitando uma bandeira. Mas a dela é a bandeira negra dos anarquistas, que a revista terá achado que sublinhava melhor o radicalismo dos manifestantes, e que fez acompanhar da legenda: “Pela primeira vez numa manifestação popular, liceais e bandeiras negras”. A adolescente anarquista não tardará, todavia, a ser esquecida, e em 1978 é já a imagem de Caroline Bendern que serve de ícone visual feminino a um movimento cujas reivindicações libertárias também se estendiam à sexualidade. Escolhida então para a capa de um livro de Patrick Poivre d’Arvor sobre a cobertura que os fotógrafos da agência Gamma tinham feito dos grandes acontecimentos mundiais de 1968, a “Marianne” de Jean-Pierre Rey chega também finalmente à capa da Paris Match, que dez anos antes lhe tinha reservado um modesto papel secundário. Uma sexagenária Caroline Bendern voltará em 2008 à capa da revista, desta vez posando junto à foto de 1968, para uma vez mais contar a sua história. Chegara a Paris vinda de Nova Iorque, onde conhecera Andy Warhol e Lou Reed e trabalhara como manequim, e estava em Paris a fazer um filme quando se juntou à “manif” de dia 13. Doíam-lhe os pés, pediu a um rapaz (no caso, o pintor e poeta Jean-Jacques Lebel) que a levasse às cavalitas, e quando viu que estava a ser observada por fotógrafos, o instinto de manequim levou-a a fazer pose. E acrescenta: “Maio de 68 não teve grande importância na minha vida, mas essa foto sim”. Quanto mais não seja porque o avô, aristocrata e milionário, a deserdou. E os vários processos que ela própria depois interpôs contra Rey a exigir direitos pela fotografia não deram em nada. Mas na perspectiva desta exposição, o ponto mais curioso do seu depoimento é a sugestão de que o avô a deserdou em 1968 porque ficou furioso quando a viu na capa da Paris Match, algo que não pode ter acontecido, mas que contribui para reforçar a ideia (falsa) de que a imagem aquiriu de imediato grande notoriedade. Muito devedora dos trabalhos de investigação da historiadora Audrey Leblanc, Icônes de Mai: les images ont une histoire mostra como a procura e o favorecimento mediático de imagens com elementos icónicos, não sendo surpreendente numa época em que a cultura popular, na música, no cinema, na publicidade, se estava a especializar na produção de ícones – em 1967, Guy Debord chamara “sociedade do espectáculo” a esse novo mundo povoado de “imagens-objectos” –, condicionou a memória visual do Maio de 1968 (e o próprio facto de falarmos hoje apenas do Maio de 68, esquecendo os acontecimentos talvez menos glamourosos de Junho, é já um resultado dessa memória culturalmente construída). Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. O reverso desta espécie de darwinismo fotográfico em que vencem os mais icónicos também ajuda a explicar, por exemplo, o apagamento quase completo da fotografia a cores nas evocações visuais do movimento, uma “amnésia mediática” sublinhada noutro capítulo da exposição, onde se desmente com abundantes exemplos a convicção retrospectivamente criada de que o arquivo fotográfico do Maio de 68 era essencialmente um acervo de imagens a preto e branco. E o núcleo final de Icônes de Mai chama a atenção para um exemplo óbvio de imagens que foram desprezadas justamente por delas estarem ausentes quaisquer ícones reconhecíveis: as fotografias, muito numerosas mas muito pouco reproduzidas, da chamada “noite das barricadas”, de 10 para 11 de Maio. São imagens que mostram como nenhumas outras a dimensão da revolta. Mas estas fotografias, tiradas à noite, de multidões anónimas e de ruas esventradas e bloqueadas por pilhas de parelelos, tábuas, grades, até carros voltados ao contrário, não tinham uma leitura tão imediata, nem se prestavam tão eficazmente a servir de símbolo visual do espírito do tempo, como a insolência de um jovem estudante a sorrir para um polícia ou o dramatismo hierático de uma nova e bela Mariana (irmã da que Delacroix pintara em celebração dos “três gloriosos” dias da revolução de Julho de 1830) a conduzir o seu povo juvenil à liberdade.
REFERÊNCIAS:
Entidades MAI
Euphoria: os teus pais podem não te deixar ver esta série
A série tem Drake como produtor-executivo e uma ninhada de actores jovens que assumem o papel de alunos numa escola secundária. Não tem como objectivo ser controversa ou dar glamour ao mundo da droga, antes mostrar o seu lado sombrio – e que é possível sair dele. (...)

Euphoria: os teus pais podem não te deixar ver esta série
MINORIA(S): Mulheres Pontuação: 2 Homossexuais Pontuação: 2 | Sentimento 0.0
DATA: 2019-07-10 | Jornal Público
SUMÁRIO: A série tem Drake como produtor-executivo e uma ninhada de actores jovens que assumem o papel de alunos numa escola secundária. Não tem como objectivo ser controversa ou dar glamour ao mundo da droga, antes mostrar o seu lado sombrio – e que é possível sair dele.
TEXTO: Tem drogas, sexo, álcool, drama e transforma uma “miúda da Disney” numa toxicodependente de 17 anos que snifa droga às escondidas depois de uma visita falhada a uma clínica de reabilitação — é Zendaya quem assume o papel de protagonista. Falamos de Euphoria, a nova série da HBO que traz para a ribalta temas sensíveis, em parte baseados na própria batalha com a droga do seu criador, Sam Levinson. Estreia-se esta segunda-feira, 17 de Junho (um dia depois da estreia nos EUA), na plataforma de streaming HBO Portugal. “Vai haver pais que vão ficar completamente perturbados”, assumiu o realizador da série, citado pela Hollywood Reporter. “Não quero desencadear nada, mas também temos de ser autênticos. Acho que as pessoas percebem se estamos com paninhos quentes e se não mostramos o alívio que as drogas podem representar. Perde o impacto”, reconhece Levinson, que conta que sentiu vontade de experimentar heroína depois de ver o filme Requiem for a Dream — agora, está sóbrio há mais de uma década e quis retratar nos ecrãs o efeito devastador da droga. Baseada no drama israelita com o mesmo nome (que teve uma temporada entre 2012-2013), Euphoria aglomera um elenco de estrelas em ascensão: além de Zendaya, tem Sydney Sweeney, Storm Reid, Austin Abrams, Hunter Schafer, Algee Smith, Alexa Demie, Barbie Ferreira e Jacob Elordi. São oito episódios de quase uma hora, todos com nomes de canções rap (à excepção do primeiro). Com Drake como produtor-executivo, a banda sonora é alvo de atenção redobrada, indo de Beyoncé a Jorja Smith — e até a Paul Anka. Para Zendaya, o tom da narrativa contrasta com os seus trabalhos anteriores: a actriz e cantora subiu para o estrelato com a sua participação na série Shake It Up e K. C. Agente Secreta (ambas da Disney). “Não acredito que algum dos meus fãs de oito anos saiba [da existência desta série]. E mesmo que saibam, não acredito que os pais os deixassem ver”, diz, em entrevista ao The New York Times. “É um salto assustador. Mas acho que estava na altura de fazer isto”, admite, dizendo que voltar ao estilo Disney seria como “estar a repetir para sempre o mesmo ano na escola”. Ainda que se foque no consumo de droga, fala-se também de depressão, insegurança, redes sociais, (trans)sexualidade. O PÚBLICO assistiu aos quatro primeiros episódios e há nudez, violência e cenas explícitas — tanto de consumo de droga como de relações sexuais —, razão que levou a HBO a contratar um “coordenador de intimidade” para garantir conforto e um ambiente de filmagens “seguro”. Ainda assim, o rapper Astro desistiu a meio das gravações por causa da natureza das cenas que teria de filmar — mas não houve uma justificação oficial para a sua saída. Foi substituído por Algee Smith. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. E numa indústria que nos habitua sobretudo a ver nudez feminina, a série está também a ser notícia pela quantidade de corpos masculinos que põe a nu: só no primeiro episódio, aparecem cerca de 30 pénis — sobretudo devido a uma cena nos balneários, um tributo ao filme Carrie, que ainda assim foi cortada para a versão final (antes eram mais de 80). Euphoria é uma série que tenta acompanhar com maturidade os traumas da adolescência, que quer ir além da controvérsia com um certo equilíbrio. É “forte”, mas a crítica do Guardian considera-a uma das séries “mais audazes e eficazes” deste ano. “Sei que não é suposto dizê-lo, mas as drogas até são fixes. Até que estragam a tua pele. E a tua vida, e a tua família”, reconhece a protagonista Rue Bennett num dos episódios. Mas o actor Eric Dane, que faz de pai de um dos adolescentes e que tem também um historial com o consumo de droga, não acredita que “alguém vá ver isto e pensar que as drogas são fixes”. “Esta não é uma série que dá glamour ao consumo de droga, de forma alguma”: mostra o sombrio mundo da toxicodependência “como ele é”, sendo que a única “beleza” é o seu abandono.
REFERÊNCIAS:
Entidades EUA
“Quando tentamos censurar a linguagem das pessoas, estamos a tentar censurar os sentimentos”
A neurocientista britânica Emma Byrne escreveu o livro Dizer Palavrões Faz Bem. “Há muitas coisas más a acontecer no mundo, por isso, praguejar pode ajudar-nos a todos”, defende. (...)

“Quando tentamos censurar a linguagem das pessoas, estamos a tentar censurar os sentimentos”
MINORIA(S): Mulheres Pontuação: 2 Homossexuais Pontuação: 2 | Sentimento 0.0
DATA: 2018-11-30 | Jornal Público
SUMÁRIO: A neurocientista britânica Emma Byrne escreveu o livro Dizer Palavrões Faz Bem. “Há muitas coisas más a acontecer no mundo, por isso, praguejar pode ajudar-nos a todos”, defende.
TEXTO: Dizer Palavrões Faz Bem é o livro da neurocientista britânica Emma Byrne, publicado pela editora Planeta recentemente. Neste, a autora defende, numa escrita muito livre e colorida com os ditos palavrões, que dizê-los faz bem à saúde mental e também à física — ajuda mesmo a aliviar a dor, diz. Como investigadora, a autora defende o uso do calão e do praguejar, baseando-se na investigação científica em áreas como a neurociência, a antropologia, a psicologia e a sociologia. E, escreve, a própria gosta e diz muitos palavrões. Em périplo pelo mundo para apresentar o seu livro ou a fazer conferências — actualmente está na Noruega —, o PÚBLICO entrevistou-a por email. PÚBLICO: Defende que os palavrões fazem bem. Cabe aos pais introduzi-los na educação dos filhos?Emma Byrne: Podemos ter a certeza de que os nossos filhos vão aprender a dizer palavrões, seja no recreio da escola, seja na música, seja nos filmes. Por isso, é muito melhor que nós, pais, superemos o medo de os nossos filhos praguejarem e falemos com eles sobre isso!O que fazer quando eles dizem palavrões aos quatro ou cinco anos?Aos quatro ou cinco anos, a maioria das crianças ainda está a aprender sobre as emoções, as suas e as dos outros. Falar sobre os sentimentos que surgem quando se dizem palavrões é a melhor maneira de os ajudar a entender por que é que as pessoas os dizem (e por que é que há momentos em que podemos não querer dizê-los!). Mas explicamos-lhes por que é uma “má” palavra ou estimulamo-los a usá-las? Em vez de classificar as palavras como “más” ou “boas”, podemos falar sobre serem “fortes” ou “suaves”. Algumas palavras têm um efeito poderoso, e o praguejar, em particular, provoca fortemente as nossas emoções. Falar sobre o poder de dizer palavrões ou usar o calão é mais eficaz do que simplesmente bani-lo da nossa casa. Existem novos palavrões? Quem decide que uma palavra é “boa” ou “má”?Há mudanças ao longo do tempo. Por exemplo, em inglês, [o escritor medieval] Chaucer usou a palavra “cunt” nos anos 1300 como um termo perfeitamente inocente, e hoje é dos termos mais fortes no idioma inglês. Mas as palavras também saem do léxico dos palavrões, como “bloody”, que foi censurado na Grã-Bretanha durante muito tempo, mas que agora passa despercebido. Por que defende que é bom para a alma e para o corpo praguejar ou dizer palavrões?Novamente, tudo se resume às emoções. Embora ainda não tenhamos a certeza de quais as emoções que são desencadeadas quando dizemos palavrões, sabemos que acontece alguma coisa. Por outro lado, a força desses sentimentos já foi provada em muitas experiências que tinham como objectivo aumentar a nossa força física e resistência, e também para nos ajudar a suportar melhor a dor. Os palavrões ajudam a curar?Podem ajudar em experiências dolorosas, reduzindo a quantidade de dor que sentimos. Também podem ajudar-nos a expressar simpatia. Por exemplo, dizer a alguém que parece que está a ter um dia de merda é uma maneira poderosa de mostrarmos que entendemos o que se está a passar com essa pessoa. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Por que está a maioria dos palavrões relacionada com sexo?Isso varia enormemente de cultura para cultura. Em países que têm menos tabus sobre sexo (e, curiosamente, relações mais iguais entre homens e mulheres), chamar nomes [ligados ao sexo] é menos comum. Por exemplo, na Holanda, os palavrões estão mais relacionados com doenças do que com a sexualidade. No que diz respeito à linguagem, as mulheres tendem a comportar-se melhor do que os homens. Porquê? Eu não diria que nos comportamos melhor: certamente somos julgadas mais duramente do que os homens por usarmos qualquer tipo de linguagem forte, não apenas por praguejarmos. A zanga, a raiva, a frustração tendem a ser julgadas mais duramente nas mulheres do que nos homens. Mas isso está a mudar, à medida que as mulheres aprendem a expressar os seus sentimentos mais fortes em lugares em que se sentem seguras. Em público e online, as mulheres continuam a ser mais propensas à crítica e ao ataque do que os homens por se expressarem. Diria que não são as mulheres que precisam de se comportar melhor. Nesta era do #MeToo, como a gerimos com o uso dos palavrões?O problema não é dizer palavrões. Muitos violadores que são poderosos, famosos ou não, usaram a sua capacidade de destruir reputações e carreiras para abusar sexualmente de mulheres e homens. Pelo contrário, a capacidade de praguejar ou dizer palavrões para expressar a dor e a raiva de se ser vítima de abuso ou violado é muito catártica. Quando tentamos censurar a linguagem das pessoas, estamos realmente a tentar censurar os seus sentimentos. A raiva por trás do movimento #MeToo merece ter a sua voz. Quais têm sido as reacções ao livro?Para mim, tem sido surpreendente a quantidade de mulheres que já me disseram que o livro as ajudou a superar a sua vergonha de ter sentimentos fortes, expressos em palavras fortes. Há muitas coisas más a acontecer no mundo, por isso, praguejar pode ajudar-nos a todos.
REFERÊNCIAS:
Partidos LIVRE
Pesquisas por pornografia aumentam no Natal. “Há uma alegria no ar”
“Sexo” e “pornografia”. Na semana do Natal as pesquisas feitas no Google aumentam. Investigadores dizem que pode ser porque estamos mais alegres. Mas há outras hipóteses. (...)

Pesquisas por pornografia aumentam no Natal. “Há uma alegria no ar”
MINORIA(S): Mulheres Pontuação: 2 Homossexuais Pontuação: 2 | Sentimento 0.8
DATA: 2018-12-19 | Jornal Público
SUMÁRIO: “Sexo” e “pornografia”. Na semana do Natal as pesquisas feitas no Google aumentam. Investigadores dizem que pode ser porque estamos mais alegres. Mas há outras hipóteses.
TEXTO: “Vejo pornografia essencialmente porque gosto, quando me apetece. Vejo porque me excita, porque me dá ideias, porque gosto de pessoas, de corpos e de sexo. ” Este é o testemunho de Alex que falou ao PÚBLICO por email. Diz que não tem preferências específicas de acordo com a altura do ano e que não nota um interesse maior por filmes do género na semana do Natal. “Só se for por estar de férias e ter mais tempo livre. ” Mas, mesmo assim, não lhe parece que haja diferença. “Não creio que seja particularmente significativo em comparação com quaisquer outras férias que tenha. ”A tendência geral, porém, é de aumento das pesquisas no Google por termos como “sexo” e “porno” (e as suas equivalentes em inglês) na semana entre o Natal e o Ano Novo. Os dados do Google Trends — plataforma que agrega estatísticas sobre as tendências de pesquisa no motor de busca — permitem analisar o interesse por um (ou vários) termos pesquisados ao longo do tempo. Ao momento em que o termo atingiu o pico de popularidade atribui-se o valor 100 e todos os outros oscilam em função desse número. À excepção do pico na altura do Natal, o interesse manifestado pelas pesquisas por sexo e pornografia é relativamente estável no início do ano, cresce ligeiramente no Verão e decresce entre Outubro e Novembro. Também é maior quando há períodos de férias e festividades e aos fins-de-semana. Um zoom aos números do mês de Dezembro (entre 2014 e 2017) permite analisar a popularidade diária destes termos. O sábado e o domingo são, tal como nos outros meses, os dias em que há um maior interesse. Além disso, é nos dias 26 e 27 que há um aumento na busca por sexo na Internet — uma tendência que se acentua ainda mais se for fim-de-semana. No dia 24 o interesse está por norma abaixo da média para o mês e aumenta no dia 25. Joana Gonçalves-Sá, professora na Nova School of Business and Economics (SBE), é uma das autoras de um estudo de 2017 que se foca na análise da sazonalidade do interesse sexual, medido através das pesquisas no Google. Os investigadores cruzaram a utilização de termos relacionados com sexo e pornografia com a análise das emoções no Twitter para perceber o que podia explicar o aumento durante as festividades. Analisaram 10% dos tweets gerados entre 2010 e 2014 em 130 países e chegaram à conclusão que “no Natal, há um sentimento muito específico que não detectamos noutras alturas do ano”, aponta Joana Gonçalves-Sá. Notaram também que “quanto mais alegre o ambiente, mais pesquisas por sexo existem”. Isto vem confirmar “que há uma espécie de alegria no ar que desperta o interesse sexual”. Apesar da grande variedade de palavras e expressões usadas para pesquisar sobre o tema, os investigadores optaram por utilizar a expressão “sexo” que, explica Joana Gonçalves-Sá, está “muito correlacionada” com todas as outras, para fazer esta análise. A especialista nota ainda que “as pessoas pesquisam cada vez menos por sexo e mais por sites específicos que conhecem”, mas verificou-se que todos os termos “mantêm estes picos” relacionados com o Natal nos países cristãos e com o Eid-al-Fitr — a celebração muçulmana que marca o fim do jejum imposto pelo Ramadão — nos países muçulmanos. A ideia do trabalho era avaliar quais as causas do maior interesse sexual nesta época (que depois se traduz, nos países de maioria cristã, em mais nascimentos em Setembro do que em qualquer outro mês do ano) e perceber se tinha mais a ver com factores culturais ou biológicos. Algo que nunca tinha sido feito. Os investigadores concluíram que é um fenómeno eminentemente cultural porque os padrões são semelhantes entre os países cristãos e entre os muçulmanos dos hemisférios Norte e Sul. “Às vezes, ao olharmos para os perfis de pesquisa, conseguíamos adivinhar se era um país cristão ou muçulmano. ” Isto porque nos países onde se celebra o Natal o pico é nessa altura, e naqueles em que se assinala o Ramadão há um decréscimo seguido de uma subida durante o Eid-al-Fitr. Dois investigadores norte-americanos, Patrick Markey e Charlotte Markey, também analisaram as tendências de pesquisa no Google Trends para os Estados Unidos. Foram além da procura por pornografia — sites de encontros e pesquisas por prostituição também foram considerados — e concluíram que, pelo menos nos EUA, há dois ciclos por ano: um no início do Verão e outro no Inverno, em particular em Dezembro. A professora da Nova SBE admite que não é possível saber se “a população que está no Twitter é a mesma que está no Google a ver sites pornográficos”. No entanto, “temos uma amostra tão grande que é muito improvável que não exista sobreposição”. O médico psiquiatra e sexólogo Júlio Machado Vaz nota que é difícil traçar um perfil. “Não há um consumidor padronizado de pornografia. ” Pode ser uma mulher, um homem, um casal. E nota, também, que nem todos terão a mesma motivação para aceder (ou pelo menos procurar) estes conteúdos. “Uns estão mais contentes, cheios de espírito natalício, e outros estão mais em baixo. Para algumas pessoas o consumo de pornografia é um antidepressivo. ”Há ainda um outro grupo, o daqueles que “consomem pornografia por sistema ou até compulsivamente”. Mas uma coisa é certa, diz Machado Vaz: “Ninguém começa a ver pornografia no Natal quando nunca o fez. Pelo menos não é o mais habitual. ”Hoje, somos “menos conservadores” do que antes e já conseguimos ver o exercício da sexualidade “como um direito”. Em geral, “as pessoas sentem-se mais livres para se expressarem sexualmente”. Especialmente entre os mais velhos e as mulheres, nota Zélia Anastácio, professora no Instituto de Educação da Universidade do Minho. Avisa, porém, que há formas “mais ou menos positivas” de exercer esses direitos. “Pode ser positivo no sentido em que as pessoas quebram as amarras e inibições que tinham e o sentimento de culpa e passam a perceber que ter um relacionamento sexual prazeroso é um direito, faz parte da condição humana. ”Por outro lado, “pode ser algo negativo quando associado à promiscuidade, à multiplicidade de parceiros, sem os cuidados que as pessoas precisam de ter para evitar os contágios”, aponta Zélia Anastácio. Uma questão ainda a ter em conta é “alguma falta de respeito”. Porque “se uma pessoa é permissiva e a outra abusa um pouco mais então há uma diferença entre poder de negociação”. Os 40 anos que o psiquiatra e sexólogo Júlio Machado Vaz tem passado a “ouvir pessoas” também lhe permitiram testemunhar a transformação na relação entre os portugueses e a pornografia. “No início eu não ouvia mulheres a falar de pornografia. Agora ouço. ”Daniel Cardoso, professor na Universidade Lusófona, também reconhece que há uma “maior abertura e diversificação das práticas sexuais” entre os portugueses. E que as diferenças entre géneros são menores. Mas mesmo assim frisa que “Portugal é um dos países onde se reportam menores taxas de masturbação feminina”. Porquê? “É fruto da nossa cultura. Há uma espécie de barreira social. ”Daniel Cardoso, professor na Universidade Lusófona e autor de uma tese de doutoramento sobre a relação entre os jovens, as novas tecnologias e a sua sexualidade, não descarta a hipótese de o espírito natalício motivar o consumo de pornografia. Mas lança outras possibilidades. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Dado que é uma altura que pode ser stressante, “a masturbação pode servir como estratégia de libertação de stress”. E avisa: “Não há uma só razão para ver pornografia. É algo complexo. ”Quanto aos mais jovens, a professora no Instituto de Educação da Universidade do Minho, Zélia Anastácio, diz que a visualização de pornografia pode prender-se com uma “maior disponibilidade”, por ser tempo de férias. “Acredito, por relatos que tenho, que isso acontece entre grupos de amigos e em crianças com irmãos mais velhos que são expostas a esses conteúdos”, nota. Quanto aos adultos, sugere que, como esta é “uma altura de apelo às emoções e afectos, as pessoas que estão sozinhas sentem-se um bocadinho pior e esta acaba por ser uma compensação”. Curiosamente, os dados do tráfego no Pornhub, um site que agrega conteúdos pornográficos, não confirmam o aumento revelado pelos dados do Google no consumo de pornografia nos dias de Natal em Portugal. A 24 de Dezembro, os acessos vindos de Portugal diminuem 61, 9% e a 25, a quebra é de 18, 3%. Olhando para os meses do ano, o Dezembro é um dos menos populares entre os portugueses que recorrem ao Pornhub: há uma quebra de 1, 7% em relação à média anual.
REFERÊNCIAS:
A sociedade actual num espelho baço
As personagens de Burgueses Somos Nós Todos ou Ainda Menos são gente comum em vidas melancolicamente triviais. Onze contos em que Mário de Carvalho escarnece do actual padrão social. (...)

A sociedade actual num espelho baço
MINORIA(S): Mulheres Pontuação: 2 Homossexuais Pontuação: 2 | Sentimento -0.14
DATA: 2018-08-03 | Jornal Público
SUMÁRIO: As personagens de Burgueses Somos Nós Todos ou Ainda Menos são gente comum em vidas melancolicamente triviais. Onze contos em que Mário de Carvalho escarnece do actual padrão social.
TEXTO: As personagens dos 11 contos que compõem o novo livro de Mário de Carvalho são, sobretudo, burgueses e aqui, por burguês, talvez se deva entender gente comum, conforme a um padrão; gente fora da margem, pouco desafiadora de convenções sociais — a não ser muito secretamente, muito intimamente; gente que questiona pouco, gente banal com quotidianos mais ou menos iguais, um desejo de conforto e apreciação. Gente que, mais ou menos, pode ser cada um de nós, ou talvez nem tanto. Dessa perspectiva, em Burgueses Somos Nós Todos ou Talvez Menos, o escritor olha-os/nos e ficciona-os/nos à luz de um poema do então muito jovem Mário Cesariny, Litania Para Os Tempos de Revolução, que contém uma ironia que se assume inspiradora para Mário de Carvalho: “Burgueses somos nós todos/ ou ainda menos. / Burgueses somos nós todos/, desde pequenos”. Escrito nos anos 40, faz parte do livro Nobilíssima Visão que o poeta surrealista publicou em 1959 e onde falava, no essencial, da vidinha, o real do dia-a-dia na vida de gente com pouco que contar. Autoria: Mário de Carvalho Porto Editora Ler excertoEsse é o desafio arriscado. Como escrever sobre esse quotidiano de pouca acção onde o enredo tem lugar secundário face à forma de o contar, ou seja, onde o ambiente, as circunstâncias, os estados de alma merecem mais atenção do que o que se poderia chamar de trama ou mesmo desenlace, porque já sabemos que no fim se morre e irá certamente haver uma doença e, se não for doença, haverá uma traição? Enfim, o comum com algumas peculiaridades. E isso na vida de uma cidade, Lisboa, com pessoas de classe média, média alta, homens e mulheres, em teias urdidas de forma a que haja espaço para silêncio e perplexidade de modo a que o leitor as possa complexificar com a sua própria experiência. E ele, o leitor, está convocado para isso desde o início pelo próprio autor, numa espécie dedicatória. “A autoridade autoral (passe o étimo pleonástico) tem limites. Mas vós haveis de levar o texto a vastidões que o autor nem vislumbrou. Fareis deste livro o que ele vier a ser. A tal burguesia, sabe-se lá, poderá, afinal, ter os seus encantos. . . ”E, dito isso, burgueses e abjectos, somos, pois, todos nós ou ainda menos no provocador jogo de espelhos que o título propõe, ou pressupõe, e que está implícito nos contos, todos percorridos por uma ironia mais negra do que aquela a que Mário de Carvalho já habituou quem o lê. No primeiro, a amante de um recém-viúvo cheio de culpa entrega-lhe os diários que a mulher dele lhe confiou justamente a ela. Nesses cadernos, ela escreve sobre homens com quem se envolveu, semente para uma paranóia em crescendo onde se questiona a intenção e o conteúdo de tais escritos com o homem a embarcar numa investigação enlouquecida para descobrir quem foram esses amantes e a razão daquela “agressão póstuma tão perversa”. Noutro, um homem, também recém-viúvo, propõe-se reencontrar as suas oito melhores amigas, no regresso ao seu país que é também a tentativa falhada de um ilusório regresso à juventude, as crises de sexualidade, o homem que estranha encontrar-se num almoço de antigos colegas de liceu, outro que contrata pela primeira vez uma prostituta aos 64 anos; alguém que vê os últimos dias de um amigo, e outro ainda que vai a um funeral peculiar, o da ex-mulher, e só por isso a peculiaridade, porque os funerais são trivialidades na vida de um homem de certa idade bem como a paisagem que os circunda. “Luz pungente a dar-lhe, pertinaz agressão do branco, os recortes, vistos ao longe, teia de linhas cinzentas em quebradas geometrias. Agora, a surpresa da franja abatida dum anjo a chorar numa esquina, uma proclamação republicana — falta-lhe uma letra — escondida numa frontaria, a reboada de solas, tosses, rumorejos, dando tempo ao tempo e ao bocejo, já que não se pode dar à eternidade. Cumprido pois o rito, uma e outra vez. Deveria era ser ele mais espaçado nesta altura da vida, cada funeral em sua alínea, chavetas bem arrumadas, para que as pedras e as figuras, os mortos e os vivos não se confundissem tanto. E cada qual fosse tratado como o ser especial e único garantido em todo o nascimento. ”São histórias de médicos, engenheiros, professores, todos às voltas com o desencanto, a amargura, a traição, o tédio e o cinismo. Casais com pouco assunto e a ganância dos filhos na hora da morte; gente em crise como a de que falava o poema de Cesariny, em narrativas perpassadas por uma melancolia quase permanente que torna o tal humor, ou sarcasmo, mais sombrio e que é o verdadeiro filtro para ler estas histórias comuns de gente mais ou menos comum, gente conforme, convencional que Mário de Carvalho descreve no estilo que aqui nunca se confunde com outro: a linguagem, a escolha de cada palavra para que seja a certa e tudo se ajuste só por causa dela, há o ritmo e algum desconforto no riso que tudo provoca a quem lê.
REFERÊNCIAS:
Palavras-chave morte homens mulher homem doença espécie mulheres sexualidade negra prostituta
Estas bonecas querem sexo. E sedução
Têm inteligência artificial, podem ser personalizadas e custam milhares. É sexo com silicone – mas não falta quem veja riscos. (...)

Estas bonecas querem sexo. E sedução
MINORIA(S): Mulheres Pontuação: 2 Homossexuais Pontuação: 2 | Sentimento 0.0
DATA: 2018-12-30 | Jornal Público
SUMÁRIO: Têm inteligência artificial, podem ser personalizadas e custam milhares. É sexo com silicone – mas não falta quem veja riscos.
TEXTO: Há engenheiros a pôr cérebros nas sex dolls, as bonecas criadas para o prazer sexual de quem as compra. O Projecto Samantha – nome de código para um programa de computador capaz de simular emoções humanas – é prova disso. Ganha corpo (de silicone) numa robô poliglota com o mesmo nome, que quer sexo, mas só depois de ser seduzida. É o trabalho mais famoso do seu criador. “As chamadas sex dolls são a forma mais rápida para testar e chamar atenção para o ‘cérebro’ que criei, num sistema robótico com uma aparência muito realista e disponível a nível industrial”, explica ao PÚBLICO o especialista espanhol em nanotecnologia que desenvolveu a robô. Chama-se Sergi Santos, tem 38 anos, e encomenda bonecas sexuais de todo o mundo para as personalizar e lhes dar inteligência. A primeira versão – conhecida como Silicon Samantha – é uma boneca morena, de olhos azuis e cabelos compridos. O corpo lembra uma heroína de banda desenhada (magra, mas com o abdómen tonificado e seios grandes), com pele de silicone (para simular uma textura suave e realista), e um esqueleto metálico que lhe permite suportar movimentos mais robustos. Não anda, mas mexe a cabeça e os braços. A fama, porém, vem mesmo do novo “cérebro”, que lhe permite interagir com os utilizadores. “Há claramente um mercado para estas bonecas e eu quero desenvolvê-las”, diz Santos. “As pessoas vão preferir uma boneca mais humana, que saiba reagir, que não fique imóvel, que não goste de tudo. É preciso que exista um desafio. ”A mulher de Santos ajudou-o a ter uma perspectiva feminina. O protótipo vem com vários sensores espalhados pelo corpo, que permitem à robô saber onde está a ser tocada, e desencadeiam reacções de maior ou menor agrado. “Não está pronta para ter sexo logo à partida”, avisa o engenheiro. As respostas e interacções que a robô permite dependem do “estado cerebral” em que se encontra. Vem com três: divertido (onde vê a outra pessoa como um mero amigo), romântico, e sensual. Se ficar satisfeita, a boneca consegue simular um orgasmo, o que – segundo Santos – é uma das funcionalidades que atrai mais pessoas. “Muitos clientes que me contactam querem que a máquina goste da experiência. Isto está programado para acontecer se existir uma progressão na interacção, do toque de mão, aos beijos, ao sexo. Não tem de existir penetração. ”É um pedido que chega a muitos profissionais que desenvolvem estes robôs. Do outro lado do Atlântico, a boneca americana Harmony – que fala inglês e está a aprender português (com sotaque brasileiro e europeu) – está a ser desenvolvida na íntegra pela Realbotix. Também não gosta quando os utilizadores vão directos ao assunto sem a conhecer primeiro. “Não estamos a criar um produto descartável. Os conteúdos que temos são desbloqueados à medida que se interage com ela”, explica Guile Lindroth, o brasileiro de 49 anos que se encarrega da programação da robô. Está a trabalhar no projecto há cerca de dois anos, altura em que a sua empresa de inteligência artificial, a NextOS, criou uma parceria com a Realdoll (que produz corpos masculinos e femininos de silicone), porque havia cada vez mais clientes à procura de bonecas com inteligência. A empresa também está a desenvolver versões masculinas. Um em cada cinco clientes são mulheres, que mostram interesse tanto em figuras masculinas, como femininas. “Conquistar a boneca torna-se um jogo e os utilizadores percebem que podem ter outro tipo de relacionamento com ela. Não serve só para sexo”, frisa Lindroth. “Acima de tudo é um companheiro para combater a solidão, porque está disponível 24 horas por dia. Pode ajudar pessoas a combater problemas sexuais, mas também pode ajudar as pessoas a ganhar confiança e a serem menos tímidas. ”É fácil agradar a Harmony. Muitas das conversas terminam com a boneca a dizer: “Que bom saber isso. Está sempre a ensinar-me coisas interessantes”. Mas também se zanga, às vezes. “Programamos coisas simples que geralmente aborrecem qualquer mulher, como dizer que está gorda ou feia, ou não interagir com ela durante vários dias”, diz Lindroth. Quem se opõe a este tipo de máquinas não se convence. “Definir sexo como uma experiência exclusiva entre humanos é necessário para motivar uma prevenção consciente de comportamentos violentos contra mulheres, homens e crianças”, argumenta Kathleen Richardson, uma investigadora de ética robótica da Universidade de Montford, no Reino Unido. Desde 2015 que organiza campanhas contra a produção de robôs humanóides para sexo. “A vertente de companheirismo anunciada por alguns destes robôs é uma apropriação total do que outros robôs – criados para serviços de saúde ou educação – fazem”, acrescenta. “Os sexbots, como o nome indica, têm um objectivo. A maioria terá apenas três orifícios, uns sensores extras, e mecanismos de vibração. Não vão ajudar a desenvolver a inteligência artificial ou qualquer tipo de tecnologia útil à humanidade. ”Definir sexo como uma experiência exclusiva entre humanos é necessário para motivar uma prevenção consciente de comportamentos violentosPorém, há anos que a evolução tecnológica e a indústria de entretenimento para adultos andam lado a lado. No começo dos anos 1990, quando a Amazon e a eBay estavam a dar os primeiros passos, o americano Richard Gordon já desenvolvia um sistema de cartões electrónicos para fazer transacções em sites para adultos. Muito antes do Skype ou do Facebook Messenger, os sites de pornografia já permitiam ver vídeos em directo e comunicar com outros utilizadores através de uma câmara ligada ao computador. No ramo dos robôs sexuais, o desenvolvimento da Silicon Samantha, por exemplo, tem permitido ao criador explorar sistemas de processamento de linguagem natural, transições emocionais, memória e aprendizagem. O preço destas bonecas permite o desenvolvimento de sistemas cada vez mais complexos. A Harmony, por exemplo, pode ser completamente personalizada dos pés à cabeça pelos clientes. Além do nome do corpo, define-se o sotaque e os traços de personalidade (divertida, invejosa, aventureira, intelectual, ingénua). Completamente equipada com microfones, auscultadores e sensores, o preço pode chegar aos 20 mil dólares (17. 500 euros). Quem quiser apenas a inteligência artificial sem corpo, pode descarregar uma aplicação móvel e pagar uma subscrição anual de 20 dólares. Já a Samantha não tem um preço máximo definido. Depende dos materiais, e funcionalidades que o cliente quiser. No entanto o criador concorda que quem procura estas bonecas quer, acima de tudo, uma experiência sexual. “É desperdício investir nestas robôs só para sexo, mas quem as compra sabe que está a comprar máquinas”, diz Santos. “A inteligência artificial não equivale a ter vontade própria. Isso a Samantha não tem. Ela percebe como interagir com humanos, mas não decide sozinha. ”O objectivo não é criar um humano artificial, mas uma alternativa para explorar a sexualidade. “A Samantha pode ser um extra, uma experiência a três sem a preocupação com doenças, enlaces amorosos, ou sentimentos complicados. Há mulheres que também estão interessadas nestas máquinas para experimentar outras coisas”, diz Santos. “É preciso pensar fora da caixa. ”Há cada vez mais formas de o fazer. Além da Samantha e da Harmony, a Roxxxy, a Android Love Doll, e a Suzie Software são outras opções. Variam entre os quatro mil e os 13 mil euros. Não falta quem alerte para os possíveis riscos deste tipo de robôs. A possibilidade de ciberataques (com robôs a revelarem informação confidencial sobre os clientes ou a serem controladas por atacantes) está entre as questões mais urgentes para alguns profissionais legais. “Qualquer aparelho que inclua microfones e câmaras é um perigo para a privacidade”, explica Neil Brown, um advogado britânico que se especializa em problemas que envolvem tecnologia. “Já há brinquedos sexuais que podem ser controlados via internet. São estes elementos, e aparelhos que deixam de funcionar e causam acidentes, que devem ter um impacto no futuro próximo. ”Este mês, a Fundação para a Robótica Responsável publicou um relatório para promover o debate. Num dos inquéritos mencionados, dois terços dos homens e até 30% das mulheres já era a favor dos robôs sexuais. Além da questão da privacidade, explorar a utilização destas máquinas por criminosos, violadores, pessoas com demência (incapazes de se aperceberem que se trata de um robô) estão entre os temas sugeridos. "Qualquer aparelho que inclua microfones e câmaras é um perigo para a privacidade"Katherine Richardson, a investigadora para quem estas máquinas podem motivar comportamentos violentos, opõe-se à discussão. “Não quero ver dinheiro de fundos públicos e, quem sabe, da União Europeia para conferências a debater e a ajudar o financiamento destes serviços, ” argumenta. “Está-se a promover a criação de objectos humanóides que podem ser programados para serem submissos. ”Mas ignorar o tema não vai travar o desenvolvimento destes robôs, alertam os académicos a favor de uma conversa aberta. “Uma coisa é ser-se ético, outra é ser-se moralista. Uma proibição geral a qualquer tecnologia é negativo se não avaliar criticamente os problemas”, diz Kate Devlin, uma investigadora da universidade britânica de Goldsmiths, que organiza debates e conferências sobre sexo e tecnologia. Acredita que com o tempo a ideia de que estes aparelhos se destinam, exclusivamente, a “homens tristes, solitários e socialmente ineptos” vai mudar. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Apesar do tabu em volta das robôs sexuais (e das suas antecessoras, as simples sex dolls), o imaginário humano é populado por estas máquinas há décadas. Em 1972, o livro satírico Mulheres Perfeitas falava de uma vila norte-americana com esposas robóticas. Em 2001, o filme Inteligência Artificial, de Steven Spielberg, já tinha robôs masculinos no ramo da prostituição. Mais recentemente, em 2016, a série Westworld, da HBO, apresentou um parque de diversões criado com personagens robóticas com quem os visitantes podem satisfazer os seus desejos mais obscuros. Mas Sergi Santos é pessimista. “As pessoas têm vergonha”, diz. Recebe entre dois a quatro pedidos de informação por semana (de homens e mulheres) sobre o desenvolvimento das suas robôs, mas antecipa que este mercado continuará escondido. “É ridículo. Continuamos a destruir o planeta, a abusar-nos uns aos outros, mas as pessoas estão é preocupadas em admitir que gostam de sexo. Poucas falarão sobre ter sexo com uma boneca, mesmo que seja algo por que tenham curiosidade. ”
REFERÊNCIAS:
Palavras-chave homens humanos educação mulher prostituição sexo sexual mulheres corpo sexualidade feminina vergonha