Teresa Lobo: “A mulher pode fazer tudo aquilo que se prepare para fazer”
Maria Teresa Cárcomo Lobo faleceu no Rio de Janeiro a 8 de Dezembro, aos 89 anos. O PÚBLICO republica online o destaque sobre ela que editou a 5 de Agosto de 2002. Para a história ficou como a primeira mulher a integrar um governo em Portugal: foi subsecretária de Estado com Marcello Caetano. Um grande passo, que aparece apenas como uma etapa de uma vida cheia de realizações e de projectos. (...)

Teresa Lobo: “A mulher pode fazer tudo aquilo que se prepare para fazer”
MINORIA(S): Africanos Pontuação: 2 Mulheres Pontuação: 10 | Sentimento 0.0
DATA: 2018-12-29 | Jornal Público
SUMÁRIO: Maria Teresa Cárcomo Lobo faleceu no Rio de Janeiro a 8 de Dezembro, aos 89 anos. O PÚBLICO republica online o destaque sobre ela que editou a 5 de Agosto de 2002. Para a história ficou como a primeira mulher a integrar um governo em Portugal: foi subsecretária de Estado com Marcello Caetano. Um grande passo, que aparece apenas como uma etapa de uma vida cheia de realizações e de projectos.
TEXTO: Aos 73 anos, Maria Teresa Cárcomo Lobo tem entre mãos duas tarefas de monta — levar a cabo o seu doutoramento e coordenar o levantamento da Carta Judiciária do Brasil para a UNESCO. São mais dois passos de uma vida de desafios que a si mesma, desde que ainda jovem afirmava, em Luanda, a sua certeza de que ia cursar Direito: “Não sei quando vou, nem como vou, mas eu sei que vou. ” Tanto que aos 59 anos acabou por ser juíza federal do Rio de Janeiro. Isto, depois de ser gestora, advogada, consultora, deputada à Assembleia Nacional e subsecretária de Estado da Saúde e da Assistência do primeiro Governo de Marcello Caetano. Hoje, desdobra-se em aulas, livros, artigos, palestras e conferências e é uma intransigente defensora da paridade no exercício de cargos. Até porque acha que a mulher possui uma visão mais abrangente da sociedade do que o homem, fruto do facto de ser mãe. Sustenta que a educação seja feita em função de pessoas e não de homens e mulheres, dando assim origem a um outro tipo de sociedade. E lança um desafio às mulheres — o de não se inibirem perante a possibilidade do exercício do poder político: “Estou no poder porque sou competente. E porque sou competente estou aqui e vou desempenhar esse lugar na integralidade das suas exigências. ”Está a preparar a tese de doutoramento na Universidade Católica de Lisboa sobre. . . “A condição jurídica da mulher na União Europeia”, fazendo a interligação entre a posição jurídica da mulher no quadro da Comunidade e em cada um dos Estados-membros. Como vê o papel da mulher em relação ao poder?Sempre me preocupei muito com o papel da mulher. Na minha família fomos educados numa perspectiva de que não há limites à mulher. A mulher, como o homem, têm de se realizar na plenitude das suas faculdades. Nós somos cinco, três raparigas e dois rapazes, e fomos educados com absoluta igualdade de obrigações, a maior liberdade e a máxima responsabilidade também. Então, sempre pensei que não havia qualquer limite para a mulher. Para isso, porém, é preciso que haja políticas públicas bem definidas a esse respeito, que haja o apoio das autoridades públicas, das empresas privadas, numa palavra, da sociedade como um todo. Essa sua atitude perante a vida, que vem da sua educação, permitiu-lhe criar condições para desempenhar cargos de poder, deputada, subsecretária de Estado, juíza. Sim, o juiz no ordenamento brasileiro é um órgão de soberania. Pelo que viu, pelo que viveu, pensa que há, de facto, entraves sociais e obstáculos à participação da mulher na política?Há, sem dúvida. Um dos pontos que vou tocar na minha tese é precisamente a participação nas estruturas do poder. É evidente que a abertura dada pelos canais oficiais à participação da mulher vai reflectir também um novo tipo de sociedade, de homem, de governante. Hoje, não podemos prescindir em absoluto das energias vitais de uma nação e a mulher é uma das energias mais vitais. Agora, é preciso dar-lhe condições para que haja essa compatibilização. Por isso é que, em relação ao campo específico da maternidade, devem existir derrogações no sentido de uma discriminação positiva. Os entraves são postos só pelos homens ou também pelas mulheres?Também pela mulher. Ela se autocensura, se autolimita, não encara com naturalidade a sua ascensão ao poder, o que deve fazer com firme determinação, ou seja: “Estou no poder porque sou competente. E porque sou competente estou aqui e vou desempenhar esse lugar na integralidade das suas exigências. ”Esses obstáculos são fruto de. . . Da tradição, da educação, sobretudo da educação. Como vê o facto de a educação atribuir logo às meninas e aos meninos um papel social?É um erro de base. Vai depender, portanto, da própria estrutura familiar, como aconteceu connosco. Naquela altura, havia, por exemplo, colégios para raparigas e colégios para rapazes e o meu pai pôs-nos logo num colégio misto: vão estar juntos rapazes e raparigas porque é a preparação para a sociedade. E cada mulher e cada homem tem que ser entendido como uma entidade que tem que se desenvolver. É a pessoa em si. É o respeito pela própria pessoa, devendo arriscar o que for necessário com esse objectivo. Eu, por exemplo, quando fui fazer o concurso para juiz federal, arrisquei muito. Isso foi nos anos 80. Foi em 1987, tomei posse em 1988. Tive que fechar o escritório, vivia da minha advocacia. Tinha algumas economias, poucas, mas equacionei o problema em termos de ser empresária de mim mesma. E, se os empresários correm riscos, eu vou correr este risco investindo na carreira da magistratura federal. Diziam: “Ah, mas você depois pode ir para o Nordeste?” “Eu vou para o Nordeste, porque é que não hei-de ir?” Já quando eu estava no Banco Nacional Ultramarino (BNU), em Moçambique, corri a ex-colónia toda, desci às minas de carvão do Moatize, no Norte, corri aquelas estradas todas, independentemente de ser mulher. Ali eu não era mulher, era uma funcionária, uma técnica do BNU. É assim que eu raciocino. Essa igualdade, a paridade é possível?É possível, leva o seu tempo, porque tem que se partir da educação de base, na família, a educação depois a nível oficial, nos liceus, nos programas, na questão dos papéis que são atribuídos a cada um, no fundo a da dimensão do género, não há masculino e género feminino. E em todas as políticas temos que ter a participação da mulher, porque ela vai trazer uma visão própria, porque ela realmente é reprodutora, ela é que vai dar origem à continuação da espécie. Não se pode esquecer isso. As tentativas de promover a igualdade são ou não muitas vezes decorativas?Pôs o dedo na ferida. Há a questão do modismo. É preciso que a mulher não se deixe utilizar para cargos políticos apenas para dar uma satisfação a, muitas vezes, um modismo político, no sentido de que é conveniente ter uma mulher num cargo importante na vida política nacional. Mas no Brasil há quotas. Há quotas. Aqui a lei não passou?Não. Ah, não passou. Mas em França passou. É a tal coisa, desigualar para igualar. É uma coisa passageira, temporária. Para que a mulher se convença da sua capacidade. Às vezes a mulher, como já referi, é usada para fins eleitoreiros ou meramente conjunturais. É aproveitado o facto de ela ser mulher, sem que a isso corresponda a competência, a própria assunção por ela de novos poderes, de um novo papel. Há dias, li um discurso da comissária europeia para os assuntos da mulher que dizia isso: a mulher deve precaver-se quanto a ser utilizada como uma pedra de xadrez. A mulher pode usar esse ser usada para se afirmar ou não? Se for isso, até estimamos. Vamos aproveitar todas as possibilidades de nos afirmarmos. Mas, muitas vezes, isso não acontece. Muitas vezes, a mulher aparece só para aparecer, para fazer de boi de piranha, como se diz no Brasil. E aí perde ela e perde também o género feminino. Por uma má actuação de uma mulher vai-se logo fazer a generalização. As mulheres são mais observadas do que os homens?Muito mais. Em todo o mundo. No Brasil, hoje já há uma grande abertura, temos imensas juízas, algumas governadoras, mas estão aparecendo prefeitas, que estão tendo um papel importante. Aos poucos a sociedade está reconhecendo a tal dimensão do género nas políticas públicas. O que acha das quotas?Como disse no depoimento ao PÚBLICO, em 2000, eu acho que é importante temporariamente. Porque se não os partidos fecham as portas às mulheres. Como um instrumento. Exactamente. Há muitas mulheres em órgãos de poder social, mas, depois, o salto para o poder político executivo não acontece. Porquê? A senhora, que esteve lá, como vê esta dificuldade?Vai depender muito do perfil da mulher e da sua convicção quanto às suas reais possibilidades. Portanto, é uma questão de pessoas, de personalidade, não de sexo. Fundamentalmente é uma questão pessoal. O que é preciso também é que a mulher não se sinta diminuída, se fez uma opção de não participar na vida pública e de se dedicar só aos seus deveres familiares. É uma questão de opção. E qualquer das opções tem que merecer respeito. O que é preciso é que uma mulher que não está a exercer uma função pública — ou porque optou, ou porque, pelas circunstâncias, ficou só restrita ao lar — desenvolva a sua sensibilidade através de participação em trabalhos comunitários, que esteja atenta ao mundo que a rodeia, político, social, económico e cultural, para se desenvolver como cidadã, porque é a principal veiculadora dos valores de cidadania para os seus filhos. Está a falar da função de educadora da mãe. É importantíssimo. A educação de base familiar tem que ser devidamente potencializada. As sociedades investem nisso? Por exemplo, aqui em Portugal, investe-se muito pouco no papel de formação da família e da mulher. Fala-se muito em família, num sentido anacrónico e bafiento, algo pesado. Mesmo a nível mundial, a família é usada muitas vezes esquecendo o papel fundamental da célula familiar e o papel a mulher. A própria família tinha de ser muito potencializada e ajudada para que possa, como família, exercer o seu papel social. A família como todo ou reconhecendo os indivíduos lá dentro?Não, não. Com o indivíduo lá dentro. Até que ponto a diferença de sensibilidade entre homens e mulheres influencia e afasta as mulheres do poder? Há quem diga que o poder é uma coisa para a sensibilidade masculina. Não concordo. Tudo depende do que se entende por poder e por sensibilidade. É claro que a mulher tem a sua visão, até mais abrangente do que o homem, porque ela é mãe. Se nós hoje vivemos numa sociedade globalizada, em que tudo tem que ser equacionado sob um ângulo abrangente, a mulher está mais bem preparada do que o homem, porque ela tem uma visão mais abrangente. Não me parece ser uma questão de sensibilidade. A política também tem que ser sensível. Hoje temos que ter o ser humano no cerne das nossas preocupações, das políticas. Portanto, não concorda que há uma espécie de uma razão inata que afasta as mulheres do poder?Não, não, não, em absoluto. E temos exemplos de grandes políticas em que a sensibilidade feminina não impediu que elas fizessem aquilo que os interesses nacionais naquele momento exigiam. É o caso da Margaret Thatcher defendendo as Malvinas. É o caso da Golda Meir, é o caso da Indira Gandhi. Mas as mulheres exercem o poder de modo igual aos homens?Acho que não. É a igualdade na diversidade. O maior contributo dela é trazer a visão mais abrangente, mais profunda do que o homem. Como li há dias, a mulher é o traço de eternidade na movediça qualidade. Essa é a grande questão que está a ser debatida na própria União Europeia. Acabar com todo e qualquer resquício de discriminação, sem pôr em causa que há uma diferença, até de natureza. Mas isso não deve ser utilizado para subestimar ou obstaculizar a posição da mulher. A mulher pode fazer tudo aquilo que se prepare para fazer. Se for ser política, é política, se tiver que passar revista à guarda de honra, ela passa revista à guarda de honra, se for preciso pegar numa espingarda para se defender, ela pega na espingarda para defender o seu país, o seu lar, seja o que for. A mulher é um ser completo e é preciso que essa completude seja traduzida, que os poderes públicos, que as políticas públicas lhe dêem essa possibilidade. A mulher tem que atingir esse estado com a maior naturalidade, como se fosse normal. Eu estou aqui porque sou um ser humano e tenho capacidade. E essa naturalidade desarma as pessoas, abala preconceitos pré-constituídos. Ficou chocada quando ouviu Durão dizer que a Europa estava sem rumo e sem timoneiro. Pasma com a falta de convicção e de interesse pela União Europeia que grassa em Portugal. Assim como se preocupa com o atraso português. E garante que o desenvolvimento e a democracia passa pela educação. O que faz o equilíbrio das sociedades? Quais são as apostas para o desenvolvimento?A prioridade é a educação. A educação é fundamental, é a trave mestra, a pedra angular do desenvolvimento e é uma das grandes manifestações da democracia. A educação a todos os níveis e abrangendo toda a comunidade. É evidente que, quando digo educação, tenho de contemplar um universo maior, a saúde, o meio ambiente, a habitação, tudo isso eu englobo no conceito de educação. Isso é fundamental para que um país se possa desenvolver. A justiça é também uma coisa que me preocupa muito. Num país como o Brasil, em que a justiça é um órgão de soberania, o magistrado tem um papel de extraordinária importância no desenvolvimento. Essa é hoje uma das grandes preocupações do Banco Mundial, a justiça como um factor indispensável para o desenvolvimento; uma justiça que não seja corrupta, que não seja ineficiente, que procure tanto quanto possível não demorar a decisão do caso. Justiça como fiscalizadora?E garantidora da cidadania. Norberto Bobbio diz uma coisa muito certa: o problema do nosso tempo não se resume à outorga de direitos. Porque os direitos estão outorgados em quase todas as cartas constitucionais do mundo, está lá, está declarado. O problema maior é efectivar esses direitos e a efectivação cabe ao poder judiciário. Outro problema é o da formação. Hoje, o juiz não pode olhar só para o cenário nacional, tem de ter uma visão internacional. A senhora tem-se dedicado muito às questões da economia. Não se pode dissociar o direito da economia hoje. Do seu trabalho resulta que aponta como paradigma para o desenvolvimento da América Latina muito mais o modelo da União Europeia do que o modelo dos EUA. Porquê?Na América Latina não há uma cultura de integração, nem vontade política. A II Guerra deixou a Europa exaurida e não havia outra solução, outra alternativa, se não unir-se. Na América Latina não há essa solidariedade, o abrir mão de algumas coisas em proveito de outras. Acha mesmo o modelo europeu melhor?Acho, desde que se adapte à economia sul-americana. Para mim, o paradigma do Mercosul será a União Europeia, guardadas as devidas distâncias, atendendo ao próprio ritmo do desenvolvimento. Isso exige uma grande preparação. É preciso preparar não só os dirigentes, como os advogados, como os promotores, como os juízes. O papel do Estado ainda se justifica ou deve ficar tudo na mão do livre arbítrio do mercado?Não. Tem de haver essa presença do Estado. Mas também da sociedade civil através das ONG. É preciso que se dê importância aos novos actores e não se resumir tudo só no Estado. Mas o Estado não pode deixar de ser regulador e fiscalizador. O desenvolvimento é sempre um desenvolvimento integrado, um todo em que não se pode separar o económico do social. Como disse no II Colóquio Internacional de Direito Tributário em Buenos Aires, a economia social deve ser considerada um factor produtivo, na medida em que dá sustentabilidade à sociedade da informação, a qual se deve caracterizar pela sua capacidade de reduzir a exclusão social e de criar novas oportunidades para todos os grupos, ou seja, a finalidade social deve merecer a mesma importância que se dá à sustentabilidade económica, uma vez que sistemas de protecção social sólidos e de boa qualidade são parte necessária do desenvolvimento económico. Quanto tempo esteve sem vir a Portugal?Vim duas ou três vezes só. Como é que vê o país?Primeiro vejo um grande desenvolvimento de infra-estruturas, estradas, auto-estradas. Não tenho elementos, mas o que tenho lido nos jornais é que há graves problemas na educação, na saúde. E o facto de, no relatório do PNUD, Portugal vir em 28º lugar?É extremamente preocupante. Eu acompanho quando o Conselho da União Europeia faz considerações sobre a economia de cada um dos Estados-membros. No fim do ano, a crítica a Portugal foi bastante incisiva quanto ao défice público. E o líder do PS, Ferro Rodrigues, já disse que avaliaram mal, sobrestimaram as receitas e subestimaram as despesas. O país com maior défice é Portugal. Depois há outra coisa, o primeiro-ministro dizer que a Europa está à deriva. Eu fiquei assim um pouco chocada, confesso. Porque é fundamental ganhar a confiança dos cidadãos. O cidadão tem que ter confiança na União Europeia, tem que saber que é parte da UE, que está no centro das preocupações da UE. Por que, se não tiver esse concurso do cidadão, nenhum projecto de integração vai avante. As pessoas não sentem que fazem parte de um projecto. É isso que eu noto. Há dias falei com dois juízes desembargadores e eles disseram-me assim: “Ah, nós não sabemos quase nada de direito comunitário, nem está nas nossas preocupações. ” Fiquei um pouco admirada. É preciso fazer esse grande esforço. As faculdades, as escolas têm que preparar para, mantendo a individualidade portuguesa, o perfil histórico, dar-lhe dimensão europeia. Não tenho visto uma convicção muito forte de que isto é Europa. E dizer que a Europa está à deriva, não tem timoneiro, isso, então, causa-me uma certa perplexidade, por que Portugal é membro da União Europeia, fazendo, portanto, parte da equipagem do barco europeu. O que é para si a lusofonia?É de uma importância extraordinária. E que também não está a ser devidamente potencializada, nem perspectivada. E falo pelo Brasil. Temos a CPLP, mas não se vê nada de concreto, de palpável. Hoje faz um evento, amanhã faz outro evento. É só retórica. Era importante, porque isso é uma força nossa. Num mundo de globalização, era extraordinário que o sentido da lusofonia fosse devidamente equacionado, traduzido em realizações concretas. Então teríamos o indivíduo lusófono que tinha os pés na América, na Europa, na África e, com Timor, também na Ásia. Que entende por realizações concretas?Por exemplo, vamos fazer a harmonização da linguagem jurídica, dos próprios conceitos jurídicos, dos impostos. Eu sugeri à Universidade Cândido Mendes que uma das teses de mestrado fosse precisamente a harmonização fiscal na CPLP. Foi aceite. Três ou quatro mestrandos ficaram entusiasmados. Mas não houve a mínima receptividade dos países. Só Angola mandou a legislação. A dinamização cabia à secretaria-geral da CPLP que tem sede aqui em Lisboa. O que é que está fazendo? Não fazem nada. “Vai haver negros que vão ascender politicamente"Juíza federal, Maria Teresa Lobo orgulha-se das conquistas que as novas gerações da justiça brasileira têm conseguido no combate à corrupção. Já sobre o racismo diz que ele é mitigado, mas reconhece que, apesar das quotas, ainda está por conseguir a ascensão dos negros brasileiros aos cargos de poder político. Benedita da Silva teria sido eleita governadora do estado do Rio de Janeiro, se tivesse sido ela a candidata logo de início, sendo mulher, negra e favelada?Possivelmente sim, porque o eleitorado do Rio de Janeiro é extremamente Interessante em termos de abertura. Benedita tem grande simpatia popular. É uma mulher equilibrada, de bom senso, afável, que se expressa muito bem, nunca deixando de lado a dimensão social dos problemas, até porque ela já os viveu. Então na escolha do poder político não se coloca o problema do racismo no Brasil?De uma maneira geral, não. E certamente não no Rio de Janeiro. Aí, até pode intervir como um factor positivo. A Benedita é negra, é favelada, mas conseguiu superar as condições adversas e afirmar-se no cenário político nacional. Mas há racismo no Brasil?Não se pode negar que existe, mas em meu entender é um racismo mitigado. Envergonhado?Talvez. Acha isso positivo, o ser envergonhado? Comparando com a sua experiência em Moçambique, passaram 30 anos, mas. . . Não, não é positivo. Mas mostra, pelo menos, haver consciência do preconceito e de uma visão errada do racismo em termos de uma discriminação indevida e injusta. Havia racismo em Moçambique?Mais ostensivo. Por que há tão poucos negros em cargos de poder?Essa é uma realidade inegável. Todavia, está em curso uma política de discriminação positiva através de fixação de quotas para negros nas universidades, nos serviços públicos, para que se desigualem as condições de acesso para se chegar a uma efectiva igualdade. O importante é haver condições para uma igualdade de oportunidades. Uma igualdade material e não meramente formal. É paradigmático, por exemplo, que sendo São Salvador da Bahia a maior cidade negra fora de África. . . Salvador é uma mescla de culturas com predomínio da cultura negra, onde existe uma grande aculturação, porque o negro da Bahia é um negro que se estima, que não tem preconceitos de inferioridade. Mas quem é o poder na Bahia? António Carlos Magalhães e os seus sucedâneos?Não se pode negar a grande influência de António Carlos Magalhães e a sua grande penetração no meio popular. Trata-se de um político carismático, mas nada disto tem a ver com o racismo, sendo talvez um resquício do coronelismo de outros tempos. Como disse, estabeleceram-se quotas para negros, citando neste ponto o Supremo Tribunal Federal que já adoptou a política de quotas. No poder político nada. Quando é que se teve um ministro federal negro no Brasil? Já tivemos governadores, senadores, diplomatas. Ministro acho que não, nenhum. É estranho, não é?Por enquanto. Mas em futuro não muito distante não haverá obstáculo a essa ascensão, porque é inegável uma evolução nesse sentido. Não tarda, hão-de aparecer brasileiros negros no executivo, no exercício das mais altas funções. É evidente que precisamos de ter mais negros no poder, mas não por serem negros, mas por serem competentes e integrarem a sociedade brasileira. Vai haver negros que, pelos seus méritos, vão ascender politicamente. E a corrupção?Existiu e existe, como aliás em todo o mundo. No Brasil, o que importa ressaltar, é que não predomina já aquele sentimento de impunidade que existia. Temos, no Brasil, um Ministério Público muito actuante composto de jovens decididos, embora por vezes, movidos pelo seu ideal, extrapolem no exercício das suas atribuições, o que, porém, é preferível à omissão e à inércia. O mesmo sentido de ética está também presente no poder judiciário, embora, como é evidente, haja excepções. Está em vigor uma lei de responsabilidade fiscal que é um grande passo em frente — os administradores não podem ultrapassar um determinado limite, são responsáveis por isso. Já não é permitida a situação de, nos últimos meses de governo, gastar indiscriminadamente deixando uma herança bastante negativa para o próximo. Há uma lei também muito severa, a lei do colarinho branco, relativa a crimes do sistema financeiro. Acresce também uma imprensa investigativa que bastante tem contribuído na denúncia de casos de corrupção. A qualidade do jornalismo brasileiro é reconhecida. Ele é que levanta a ponta do icebergue, embora, por vezes, exagere nessa ânsia investigativa. Outro aspecto importante no combate à corrupção é a quebra do sigilo bancário e do sigilo fiscal autorizada por decisão judicial fundamentada. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Também já há prisões, não é?Temos personalidades de vulto presas. Quem é que esperava ver, por exemplo, o ex-presidente do Senado ser preso e algemado? Também existem juízes presos sem qualquer regalia. Onde é que há uns anos isso era possível? Há uma mudança de mentalidade e para isso contribuiu muito esta nova geração de magistrados e procuradores e a actuação da imprensa. Como julga que é possível vencer a ruptura entre o Brasil do Nordeste e o do Sul? Há um hiato que se nota até na altura das pessoas, por causa da fome, da subnutrição. O Brasil não é um país, é um continente, com todo o seu arsenal de desigualdades que sempre marcam o Norte e o Sul. Perderam-se, infelizmente, oportunidades excelentes de transpor esse hiato, mas a percepção de que o Brasil tem de se firmar no comércio mundial está levando o Governo a olhar mais cuidadosamente o Nordeste no seu grande potencial de crescimento de que cito a agro-indústria e o turismo. O Nordeste foi, sem dúvida, prejudicado pelo sistema do coronelismo. É a herança portuguesa. Sim, a sua parte menos positiva. O que importa é sobrelevar os pontos positivos e eliminar os negativos dessa herança. Isso é que faz uma nação, que não enjeita o seu passado na construção do seu futuro.
REFERÊNCIAS:
O português João Fernandes está na lista dos 100 mais influentes da arte
Revista Art Review publicou a sua lista Power 100 e João Fernandes, o subdirector do Museu Rainha Sofia, está a meio da lista, juntamente com o director da instituição – é o único português no top. (...)

O português João Fernandes está na lista dos 100 mais influentes da arte
MINORIA(S): Africanos Pontuação: 2 Mulheres Pontuação: 10 | Sentimento 0.5
DATA: 2018-11-24 | Jornal Público
SUMÁRIO: Revista Art Review publicou a sua lista Power 100 e João Fernandes, o subdirector do Museu Rainha Sofia, está a meio da lista, juntamente com o director da instituição – é o único português no top.
TEXTO: A revista Art Review publicou esta semana a sua lista Power 100, que identifica a cada ano as pessoas mais influentes do mundo da arte, e a 51. ª posição é ocupada pela dupla de directores do Museu Rainha Sofia, em Espanha: o director Manuel Borja-Villel e o subdirector João Fernandes. O português é uma das novas entradas deste top, a par do movimento #MeToo, do poeta e crítico Fred Moten e da artista Nan Goldin. Os dois responsáveis pelo museu madrileno, um dos mais importantes museus de arte contemporânea da Europa – onde está a Guernica de Picasso –, são elogiados por serem os “chefes do radical Rainha Sofia” e porque “resistem ao apelo da exposição blockbuster”. Manuel Borja-Villel é director do museu desde Janeiro de 2008 e João Fernandes juntou-se-lhe em 2012, depois de ter dirigido o Museu de Serralves desde 2003. Sob esta direcção, diz a Art Review, o Rainha Sofia “tem um desígnio mais radical” – a revista acrescenta que “Fernandes foi um activista comunista de relevo na sua juventude” – “numa altura em que o capitalismo ameaça reduzir os públicos a ‘autómatos consumidores e obedientes’”, como disse este ano, e cita a revista, o próprio Borja-Villel. São destacadas exposições como aquela que dedicaram ao sul-africano William Kentridge, ao americano George Herriman, a Fernando Pessoa, à espanhola Dora García, ao artista luso-brasileiro e activista Artur Barrio ou ao dadaísmo russo, no fundo uma programação que tem dado espaço a “nomes cujo trabalho não é necessariamente ubíquo no circuito de museus nacionais”. Manuel Borja-Villel e João Fernandes estão a meio de uma lista de 99 personalidades e um movimento – o #MeToo, que ocupa a terceira posição na lista de 2018, é o único movimento numa lista encimada pelo galerista David Zwirner e pelo pintor Kerry James Marshall e de que constam ainda Miuccia Prada (20. ª), Ai Weiwei (quinta), os galeristas Iwan e Manuela Wirth (sexta), Hans Ulrich Obrist (sétimo) ou Nan Goldin, uma nova entrada para uma artista veterana que agora se destaca também pelo seu activismo na área do mecenato e contra a família Sackler, gigantes da indústria farmacêutica ligados ao fabrico de opiáceos e ao apoio às artes.
REFERÊNCIAS:
Étnia Africano
Protestos no Porto, Braga e Lisboa contra a "cultura da violação"
Movimentos sociais saem à rua sob o lema "Mexeu com uma, mexeu com todas", na sequência de um presumível caso de abuso sexual num autocarro no Porto. (...)

Protestos no Porto, Braga e Lisboa contra a "cultura da violação"
MINORIA(S): Africanos Pontuação: 2 Homossexuais Pontuação: 6 Mulheres Pontuação: 10 | Sentimento 0.0
DATA: 2017-05-25 | Jornal Público
SUMÁRIO: Movimentos sociais saem à rua sob o lema "Mexeu com uma, mexeu com todas", na sequência de um presumível caso de abuso sexual num autocarro no Porto.
TEXTO: Uma vasta coligação de movimentos sociais marcou para quinta-feira, dia 25, às 18h, protestos simultâneos em Lisboa, Porto e Braga. As três concentrações, sob o lema “Mexeu com uma, Mexeu com todas. Não à cultura da Violação!”, decorrem uma semana depois da divulgação de um vídeo do possível abuso sexual de uma jovem num autocarro no Porto, durante a Queima das Fitas. A Rede 8 de Março, que reúne cidadãos mas também vários movimentos sociais, é a entidade coordenadora da concentração em Lisboa. Joana Grilo, membro da organização, explica que “o movimento começou no Porto e rapidamente se alastrou para as outras cidades do país”. Apesar da convocatória surgir na sequência do caso da Queima das Fitas, a responsável afirma que a organização recusa qualquer “instrumentalização da vítima e do vídeo” do incidente. No entanto, a organizadora aproveita para condenar que seja ”visto como normal um vídeo com uma agressão deste género e que as pessoas não entendem o quão violento é para todas as mulheres a difusão de um vídeo destes”. “Infelizmente são coisas normalizadas, mas não devemos esquecer que qualquer uma de nós podia estar naquele vídeo e por isso não podemos deixar que isto passe em limpo”, disse. A responsável explica ainda que o protesto de quinta-feira será uma concentração, e não uma marcha. “Vamos ficar na Praça Luís de Camões para dar a todos a hipótese de participarem quando saírem do seu trabalho”, explica Joana. Na convocatória feita através do Facebook, a organização sublinha que “a cultura da violação é aquela que encara as mulheres como objectos sexuais e de consumo masculino”. “É o entendimento de que as mulheres não são seres autodeterminados e donas da sua sexualidade”, lê-se no texto. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. No Porto, a concentração de quinta-feira decorre na Praça Gomes Teixeira. Em Braga, o protesto está marcado para a Avenida Central. Tal como em Lisboa, as manifestações acontecem às 18h. O evento é organizado por associações feministas, anti-racistas, de defesa de direitos das pessoas LGBT e movimentos sociais como a Associação Plano i, Marcha Mundial das Mulheres, Parar o Machismo, Construir a Igualdade – Rede de Activistas Feministas, Panteras Cor de Rosa, Precários Inflexíveis, SOS Racismo ou UMAR. Texto editado por Pedro Guerreiro
REFERÊNCIAS:
Palavras-chave direitos cultura concentração racismo consumo violação igualdade género sexual mulheres sexualidade abuso lgbt
Uma menina de meses entre mais de mil migrantes, um recorde nas chegadas por barco a Espanha
Fontes espanholas culpam autoridades marroquinas pelo grande número de migrantes subsarianos que atravessaram o Estreito de Gibraltar nos últimos dias. (...)

Uma menina de meses entre mais de mil migrantes, um recorde nas chegadas por barco a Espanha
MINORIA(S): Refugiados Pontuação: 6 Migrantes Pontuação: 6 Mulheres Pontuação: 9 | Sentimento 0.5
DATA: 2014-08-13 | Jornal Público
SUMÁRIO: Fontes espanholas culpam autoridades marroquinas pelo grande número de migrantes subsarianos que atravessaram o Estreito de Gibraltar nos últimos dias.
TEXTO: Foram mais de 1100 pessoas nos últimos quatro dias, que se lançaram ao mar em pequenas embarcações, fazendo-as avançar com pequenos remos de menos de um metro, o mais longe que conseguiram. Saíram de Marrocos e chegaram à zona de Cádiz. A marinha espanhola tem-se desdobrado em salvamentos: uma manta, umas bolachas, água para quem passa do pequeno barco à segurança das lanchas espanholas. Entre todos estes migrantes, a maior surpresa: uma menina de alguns meses que acabou por entrar num barco sem os pais, que ficaram em terra por uma altercação com polícia marroquina. Já desde 2010 que não havia tantas pessoas a passar, dizem as autoridades espanholas. O dia de terça-feira, com cerca de 900 chegadas, quebrou o recorde de um dia em Agosto de 2006 com 512 imigrantes a chegar por mar. Quem trabalha em salvamentos diz que não se lembra de ver nada parecido. Óscar Sánchez, da tripulação de um dos barcos, a zarpar entre costa e mar trazendo pessoas, diz que não se lembra de nunca ter visto nada assim. Há algumas razões: o mar estava calmo, havia pouco vento, e a segurança aumentou noutras fronteiras como em Ceuta e Mellila (em Mellila uma nova barreira tem sido intransponível para a grande maioria dos imigrantes, mas numa imagem surreal ontem cerca de 80 estiveram horas em cima da barreira, tentando entrar). Mas fontes da polícia espanhola falam de uma outra razão: a permissividade de Marrocos, pressionado também pelo grande número de pessoas que esperam, em campos improvisados, a altura certa para passar, segundo o diário El País. “O que se faz quando uma banheira está quase a transbordar? Abre-se um pouco o relo para deixar sair parte da água”, exemplificava um agente espanhol que trabalha em imigração. Um dos espanhóis envolvidos nas operações de salvamento nota: “Não temos visto barcos patrulha de Marrocos em nenhuma parte do caminho. Normalmente passamos por uns cinco ou seis. ”Entre as muitas crianças resgatadas destacava-se a bebé com menos de um ano que ficou sozinha no barco. A fotografia no diário El País mostrava-a a dormir, parecia serena, na coberta laranja, manuseada por mãos com luvas de latex. A idade era imprecisa (“alguns meses”) e tudo o resto eram números: chegou com febre (38, 5 graus), dormiu sem pestanejar das 11h às 17h, tem cinco dentes, bebeu dois biberões de leite de seguida, e deixou cair quatro lágrimas (“não mais”). Pressão em Itália e FrançaNa primeira metade de 2014, tentaram passar o Mediterrâneo mais de 75 mil pessoas, diz a Agência da ONU para os Refugiados (ACNUR). Cerca de 800 morreram. O número é já maior do que o número total do ano de 2013. Entre estas 75 mil pessoas estão incluídas 10. 500 crianças, dois terços das quais viajaram sozinhas. Se Espanha se alarmava com o número de migrantes, Itália contabilizava o resgate de cerca de 3400 pessoas das suas águas desde o fim-de-semana. Na sequência do desastre de Lampedusa em Outubro de 2013, com 366 mortos, as autoridades lançaram uma operação de patrulha dos mares e socorro de embarcações em perigo. Um responsável do ministério do Interior de Itália apontou que foram salvas mais de 98 mil pessoas desde o início do ano: “São pessoas que não vêm fazer turismo, mas vêm sim por desespero. Muitos continuam a morrer nas tentativas de atravessar o Mediterrâneo, apesar dos nossos esforços”, disse à agência francesa AFP. Outra travessia potencialmente perigosa é já dentro da Europa: os imigrantes que tentam atravessar de Calais (França) para Dover, porque é mais fácil trabalhar no Reino Unido sem documentos. Nos últimos dias, em Calais, tem havido uma série de confrontos – entre a polícia e os imigrantes, entre grupos de imigrantes, entre traficantes e imigrantes. As autoridades francesas anunciaram um aumento de polícia para “lidar com a pressão migratória extremamente forte no porto de Calais”, disse o presidente da Câmara. Segundo o responsável, o número de imigrantes no local nas últimas semanas chegou a 1200, “um aumento da ordem de 50% em poucos meses”.
REFERÊNCIAS:
Entidades ONU
Quem são os novos ministros?
António Costa desenhou um Governo com 17 ministros, quatro dos quais mulheres. Eis os perfis. (...)

Quem são os novos ministros?
MINORIA(S): Refugiados Pontuação: 6 Animais Pontuação: 2 Migrantes Pontuação: 6 Africanos Pontuação: 2 Mulheres Pontuação: 9 | Sentimento 0.136
DATA: 2015-11-25 | Jornal Público
SUMÁRIO: António Costa desenhou um Governo com 17 ministros, quatro dos quais mulheres. Eis os perfis.
TEXTO: Aos 57 anos, o investigador Manuel Heitor torna-se ministro da Ciência e do Ensino Superior – pasta que conheceu bem como secretário de Estado durante seis anos, entre 2005 e 2011, período em que José Mariano Gago foi o ministro responsável por essas duas áreas nos governos socialistas de José Sócrates. Professor catedrático, Manuel Heitor era até agora director do Centro de Estudos em Inovação, Tecnologia e Políticas de Desenvolvimento (do Instituto Superior Técnico de Lisboa, ou IST), que fundou em 1998. Foi no IST que se licenciou em engenharia mecânica, em 1981. Quatro anos depois, doutorou-se no Imperial College, em Londres, também em engenharia mecânica, a que se seguiu um pós-doutoramento na Universidade da Califórnia em San Diego, em 1986. Depois da formação e estadia no estrangeiro, desenvolveu a sua carreira académica e de investigação no IST, na área de mecânica de fluidos e combustão experimental. A partir do início da década de 1990 dedicou-se também ao estudo de políticas de ciência, tecnologia e inovação, incluindo políticas e gestão do ensino superior. Foi pela primeira vez para um governo com o antigo ministro Mariano Gago, como secretário de Estado da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior. Mariano Gago, que morreu em Abril deste ano, já antes disso tinha sido ministro da Ciência, entre 1995 a 2002, nos governos de António Guterres, e foi quem em Portugal deu peso político à investigação científica. Para pôr a ciência na agenda política, Mariano Gago escreveu o livro Manifesto para a Ciência em Portugal, apresentado há 25 anos, em 1990, e que era um programa de governo para esta área. É a partir deste legado que, ao longo deste ano, Manuel Heitor tem estado envolvido na organização de várias homenagens a Mariano Gago e no lançamento de um novo manifesto para a ciência como um desígnio nacional (“O conhecimento como futuro – Uma nova agenda política para a ciência, a tecnologia e o ensino superior em Portugal”), no qual se defende o aumento do dinheiro do Estado para a investigação. “Passados 25 anos sobre o Manifesto para a Ciência em Portugal é imperativo reafirmar que a ciência é necessária, para todos; apostando nas pessoas, na sua formação exigente e motivada, prosseguindo o sucesso do desenvolvimento científico e tecnológico; urge, em suma, reclamar a ideia forte de que Portugal é país de ciência (…)”, escreveu num artigo de opinião em Maio no PÚBLICO, em co-autoria com Maria Fernanda Rollo, da Universidade Nova de Lisboa. “Investir na ciência é, como há 25 anos, investir no futuro de Portugal. ”Agora que está à frente da pasta da Ciência, Manuel Heitor vai decidir se vai desfazer muitas das políticas científicas dos últimos quatro anos do Governo Pedro Passos Coelho – a começar pela avaliação muito polémica que a Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT) fez aos centros de investigação do país (o programa eleitoral do PS prometia um novo processo de avaliação) e a acabar nos cortes nas bolsas de doutoramento e pós-doutoramento. Teresa FirminoÉ um regresso a casa. Manuel Caldeira Cabral volta ao Ministério da Economia, já não como assessor, mas agora na qualidade de ministro, aos 47 anos. Professor na Universidade do Minho, o economista esteve no grupo de peritos que elaboraram o cenário macroeconómico do PS antes das eleições. Mas a sua ligação ao PS é anterior a isso. Não só trabalhou com Manuel Pinho e de Fernando Teixeira dos Santos entre 2009 e 2011, como fez parte do grupo de conselheiros económicos de António José Seguro quando este era secretário-geral do PS. Durante o último Governo de José Sócrates, pertenceu ao Conselho para a Promoção da Internacionalização e participou no grupo de acompanhamento da estratégia 2020. Não tem cartão de militante, mas a ligação ao PS manteve-se. Até Abril dividiu as aulas na Universidade do Minho com a elaboração do conjunto de propostas em matéria de economia e finanças que serviram de base ao programa eleitoral de Costa. E nas eleições de 4 de Outubro, foi o cabeça-de-lista, como independente, no círculo de Braga. Do grupo dos 12 economistas, Caldeira Cabral é um dos três que chegam a ministro (a par com Mário Centeno e Vieira da Silva). No rescaldo das negociações do PS com os partidos à esquerda, apareceu a falar como putativo ministro, sublinhando recentemente à Antena 1 a convicção de que os investidores “sabem que o PS tem políticas macroeconómicas estáveis”. Caldeira Cabral licenciou-se em 1992 em Economia na Universidade Nova de Lisboa, onde viria a fazer um mestrado em Economia Aplicada em 1996, e mais tarde concluiu o doutoramento na Universidade de Nottingham. Em 2004, precisamente o ano em que se doutorou, foi para Timor-Leste dar aulas na universidade, num projecto de cooperação da Fundação das Universidades Portuguesas. E três anos depois voltaria a Timor, de novo como professor. Antes de se dedicar à carreira académica a partir de 1993, o economista chegou a trabalhar como assessor na Associação Portuguesa de Seguradores e, antes, como jornalista. Sempre com a economia em pano de fundo: escreveu no Diário Económico e no Semanário Económico. No currículo tem vários projectos de investigação sobre comércio internacional e exportações. Um trabalho recente, elaborado com outros colegas da Universidade do Minho, centrou-se no tema Internacionalização do Sector da Saúde Nacional nos Mercados de Angola, Brasil, EUA e Alemanha. Pedro CrisóstomoJá desde a anterior liderança socialista de António José Seguro que esta deputada navegava pelos assuntos do Mar. Foi uma das pessoas que prepararam as matérias relacionadas com o tema no documento programático que Seguro apresentou antes das eleições europeias. E teve de partilhar essas competências quando António Costa assumiu a liderança do PS. A sua relação com as questões marítimas já vem de trás. Com a sua passagem pela secretaria de Estado dos Transportes teve de tratar de temas paralelos. Essa tutela fez sentido para quem é licenciada em Engenharia Civil, com um mestrado em Transportes. Mas que foi interrompida quando entrou em conflito com o seu ministro, Mário Lino. Foi directora de uma revista sobre o Mar, denominada Cluster do Mar. Mas nestes primeiros meses terá de convencer os peritos do sector, que ainda a encaram como uma nomeação suportada mais pela confiança política do futuro primeiro-ministro do que pela sua competência nesta área. Nuno Sá LourençoA nomeação de Eduardo Cabrita para ministro adjunto resulta muito da proximidade e confiança que tem com o líder do PS. Foi colega de António Costa na universidade e seu secretário de Estado adjunto de quando o futuro chefe de Governo tutelou a Justiça no último Governo de António Guterres. Depois disso, esteve ainda no Governo de José Sócrates, como secretário de Estado adjunto, com a tutela da Administração Local. A sua escolha para um ministério sem pasta resulta da intenção de Costa poder contar com Cabrita para a gestão das questões políticas no quotidiano do Governo. As últimas vezes que o cargo surgiu num organigrama governativo foi com Santana Lopes, que nomeou Rui Gomes da Silva para o cargo e Durão Barroso, que escolheu José Luís Arnaut para o posto. Com António Guterres, o cargo pertenceu primeiro a José Sócrates e depois a António José Seguro. Nuno Sá LourençoO seu cargo mais mediático foi o de presidente da ERC – Entidade Reguladora para a Comunicação Social, entre 2006 e 2011, precisamente durante governos socialistas, porém, é na área do Direito que José Azeredo Lopes tem feito toda a sua carreira académica. Actualmente é chefe de gabinete do presidente da Câmara do Porto, Rui Moreira, de quem foi também o mandatário da candidatura, em 2013 – e fora um dos primeiros subscritores do movimento Dar o Porto ao Manifesto que incentivaram Moreira a avançar para a autarquia. É comentador televisivo e em jornais e gosta de se apresentar como boavisteiro. Licenciou-se em 1984 na Faculdade de Direito da Universidade Católica do Porto, onde se mantém como professor desde então em disciplinas de direito internacional, primeiro como assistente, depois professor auxiliar, agora associado. Tem leccionado sobretudo nas áreas do direito internacional público e criminal. Foi ali que se doutorou em Ciências Jurídico-Políticas com a tese Entre Solidão e Intervencionismo. Direito de Autodeterminação dos Povos e Reacções de Estados Terceiros, em 2002. Do seu currículo consta uma longa lista de artigos e participações em júris de mestrados e doutoramentos essencialmente com temas jurídicos – mais em questões de diplomacia mas poucas relacionadas com a Defesa. Diplomado no Institut Européen des Hautes Études Internationales (Nice) em 1985, no início da década de 90 foi auditor da International Law Academy, em Haia, tendo participado em diversos grupos de trabalho e missões internacionais – foi relator das missões dos observadores internacionais da consulta popular em Timor-Leste e do sector judicial do Banco Mundial a Timor, ambas em 1999. A sua ligação aos media começou em 2002, quando foi convidado para integrar o grupo de trabalho sobre o serviço público de televisão, criado por Nuno Morais Sarmento (PSD), coordenado por Helena Vaz da Silva. Em representação do mesmo ministro negociou em 2003 um acordo de auto-regulação entre as televisões e acompanhou a sua execução até ao final de 2005. Maria LopesFilho de enfermeiros, começou a sua vida política como animador cultural da Comissão de Moradores da Ramada Alta, no Porto. Aos 58 anos, é um dos mais experientes ministros deste Governo. Foi secretário de Estado da Administração Educativa (1999-2000), ministro da Educação (de 2000/2001), ministro da Cultura (2001/2002), dos Assuntos Parlamentares (2005/2009) e da Defesa (2009/2011). Integrou o “núcleo político” dos Executivos de José Sócrates. É adepto do Salgueiros, professor universitário (da Faculdade de Economia da Universidade do Porto), especialista em sociologia da cultura contemporânea, foi cronista do PÚBLICO e comentador da TVI, de onde saiu agastado com a forma como a estação o tratou. As suas críticas são, em regra, duras. Gosta de polémicas. Em 2010 escreveu um livro chamado Os Valores da Esquerda Democrática, em que afirmava que o diálogo do PS com a sua esquerda não deveria ser “preferencial”. A sério? “Sim [risos]. Espero boa polémica a esse propósito. . . ”, respondeu, divertido. Agora que vai chefiar a política externa, aqui fica um sinal do que pensava, em plena crise do Euro: “Portugal não pode fazer outra coisa que não seja o consenso na Europa e na zona euro. Nós queremos Europa, queremos o euro, faremos o que for necessário. Com a simplicidade e a clareza que as linhas políticas devem ter. ” Paulo PenaDa Segurança Social para as Infra-estruturas e Planeamento. As reformas da segurança social que ajudou a implementar na altura do primeiro governo de José Sócrates, quando foi secretário de Estado de Vieira da Silva, é talvez o aspecto mais relevante do currículo do economista que vai tomar posse como ministro do Planeamento e Infra-Estruturas do governo liderado por António Costa. Com 39 anos de idade, esteve nos dois governos de José Sócrates, e também foi eleito deputado nas eleições de 2011, pelo distrito de Portalegre. Em Outubro do ano passado, e numa altura em que era vice-presidente da bancada socialista e responsável pelas áreas de orçamento e finanças, renunciou ao cargo por razões “profissionais”, e para se dedicar à actividade privada na área da consultoria. Pedro Marques fez então saber que suspendeu a sua intenção de se afastar da actividade política activa, que lhe havia surgido mais cedo, apenas para colaborar com o esforço de vitória de António Costa, quando este desafiou Antonio José Seguro para eleições primárias no partido. Luísa PintoConstança Urbano de Sousa é uma aposta pessoal de António Costa, com quem este trabalhou quando foi ministro da Administração Interna, entre 2005 e 2007. Nas últimas legislativas, Constança Urbano de Sousa foi eleita deputada pelo círculo do Porto já com o objectivo de integrar o Governo no caso de António Costa ser primeiro-ministro. Num momento em que a Europa vive problemas como o terrorismo e os refugiados, António Costa aposta numa especialista em assuntos de justiça, segurança, asilo e emigração. Constança Urbano de Sousa é professora na Universidade Autónoma e foi conselheira e coordenadora da Unidade Justiça e Assuntos Internos da Representação Permanente de Portugal junto da União Europeia. Durante a presidência portuguesa da UE, presidiu ao Comité Estratégico Imigração, Fronteiras e Asilo (CEIFA) da União Europeia. São José AlmeidaToca piano e é especialista em Direito Económico. Doutorada, com agregação, e catedrática da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra, Maria Manuel Leitão Marques tem 63 anos e é conhecida por ter sido a criadora do Simplex, o ambicioso plano de modernização administrativa, cuja unidade de missão coordenou, quando António Costa era ministro de Estado, em 2005. Chegaria a secretária de Estado da pasta. Nasceu em Quelimane, Moçambique, mas aos 17 dias de idade já estava a caminho da metrópole. Gosta de viajar. Já subiu, de barco, todos os rios portugueses navegáveis. Já teve um blogue (Causa Nossa), alimentado agora pelo marido, Vital Moreira. A burocracia, diz, “ameaça a nossa competitividade internacional e o nosso bem-estar”. De esquerda, do Benfica e da Académica, inscreveu-se no MES, logo após o 25 de Abril, e terminou aí, “sem grandes saudades”, a sua militância partidária. Agora ocupará uma das pastas mais relevantes do novo Executivo. E garante que não gosta “de falhar”. Paulo PenaFrancisca Van Dunem nasceu em Luanda há 60 anos e é a primeira mulher negra a assumir um cargo de ministra em Portugal. Conhece a Justiça por dentro. Procuradora há mais de 30 anos, ocupou nos últimos oito anos um dos cargos mais importantes do Ministério Público, como procuradora-geral distrital de Lisboa, responsável pelo maior dos quatro distritos judiciais do país. Acreditando que a Justiça deve ser transparente e prestar contas, foi pioneira ao criar um site onde se reporta diariamente a actividade do Ministério Público. Dirigiu igualmente o Departamento de Investigação e Acção Penal de Lisboa, onde antecedeu Maria José Morgado, e esteve, nos anos de 1980, na Alta Autoridade contra a Corrupção. É casada com o professor catedrático da Universidade de Lisboa, Eduardo Paz Ferreira, especialista em Direito Fiscal e Finanças Públicas, e antigo sócio do ministro socialista Sousa Franco, com quem fundou um escritório de advogados. “É uma magistrada altamente qualificada e de uma honestidade a toda a prova”, resume Alberto Pinto Nogueira, antigo procurador-geral distrital do Porto, que trabalhou com Francisca Van Dunem na Alta Autoridade contra a Corrupção e no Conselho Superior do Ministério Público. A violência contra os idosos e a violência doméstica são dois temas que lhe são caros. Apesar das funções de relevo que tem vindo a ocupar nos últimos anos, Van Dunem tem primado sempre pela discrição. Veio para Portugal aos 18 anos, para tirar o curso de Direito. No ano passado concorreu aos lugares existentes no Supremo Tribunal de Justiça para procuradores e ficou no terceiro lugar, podendo ainda vir a ocupar um lugar de juíza conselheira se entretanto abrirem vagas. Um dos poucos perfis sobre Francisca Van Dunem, feito pela revista Visão em 2007, dá conta de que a magistrada coordenou megaprocessos relacionados com o tráfico de armas na PSP e a corrupção na Marinha. Gosta de cozinhar, de arte — cinema incluído — e de música clássica, mas nem todos lhe apreciam a distância que mantém para com os subordinados. Foi representante de Portugal no Comité Europeu para os Problemas Criminais no Conselho da Europa. A procuradora-geral distrital de Lisboa chegou a ser representante do governo português junto do conselho de administração do Observatório Europeu do Racismo e da Xenofobia no início dos anos 2000. Em 2012, em entrevista ao PÚBLICO, dizia: "No discurso político, a questão racial continua a ser tabu, manifestamente. Percebo que a abordagem não é fácil. Construiu-se a ideia de que os portugueses eram propensos à miscigenação, misturavam-se culturalmente e que, portanto, isso era um indicador de que não discriminavam racialmente. Eu digo 'não'. "Apesar de, na altura, confessar que nunca tinha sentido discriminação no local de trabalho, e que não achava que a justiça portuguesa discrimine, não tinha dúvidas quanto ao facto de existir racismo em Portugal. "Falta a abordagem franca da questão. Era importante encararmos isso como um problema que, se calhar, nem é assim tão difícil de resolver. Há uma componente educacional, mas é preciso investir nela. ” Mariana Oliveira e Ana Henriques, com Joana Gorjão HenriquesO nome do novo ministro do Ambiente parece ter sido escolhido a dedo para levar a cabo uma das promessas do Governo de António Costa: reverter as reformas no sector da água e dos resíduos que acabam de ser concretizadas pelo executivo de Passos Coelho. João Pedro Matos Fernandes era, desde Janeiro de 2014, presidente das Águas do Porto, a empresa municipal responsável pelo abastecimento e saneamento na Cidade Invicta. E o Porto é um dos municípios que se têm manifestado contra a reforma do sector das águas, que resultou na fusão de 19 sistemas que gerem a água “em alta” – ou seja, da fonte até aos reservatórios municipais – em apenas cinco, para harmonizar preços entre o litoral e o interior. Matos Fernandes, de 47 anos, é engenheiro civil e já teve uma passagem pelo Ministério do Ambiente, durante o primeiro Governo de António Guterres. Foi adjunto e depois chefe de gabinete do secretário de Estado Ricardo Magalhães, quando o ambiente estava nas mãos da ministra Elisa Ferreira, entre 1995 e 1999. Antes disso, tinha trabalhado na Comissão de Coordenação da Região Norte, entre a conclusão da sua licenciatura em Engenharia Civil na Universidade do Porto e a de um mestrado na área das infra-estruturas de transportes, no Instituto Superior Técnico. Não voltou a integrar os quadros do ministério no segundo Governo de Guterres, mas ainda foi nomeado, em 2000, como coordenador de uma equipa para acompanhar a colocação em prática dos planos de ordenamento da orla costeira – que, até hoje, não estão cabalmente concretizados. Nessa altura, já estava no sector privado, na Quaternaire Portugal, uma consultora para projectos de desenvolvimento local e regional, da qual foi administrador até 2005. Voltou aos cargos públicos um mês depois do regresso do PS ao Governo, com José Sócrates, depois dos curtos governos de Durão Barroso e Santana Lopes (PSD). Assumiu, em Abril de 2005, a posição de vogal da Administração dos Portos do Douro e Leixões (APDL). Entre 2008 e 2012 foi presidente da APDL. Depois de uma passagem por Moçambique, foi convidado a assumir a presidência das Águas do Porto em Janeiro de 2014, pelo recém-empossado presidente da câmara municipal, o independente Rui Moreira. Além do dossier do sector das águas, o novo ministro do Ambiente terá também de desfazer outra das medidas emblemáticas do seu antecessor, Jorge Moreira da Silva: a privatização da Empresa Geral de Fomento, o braço da administração central na área do tratamento do lixo. A reversão da privatização e das fusões na água são duas das medidas que estão nos acordos que o PS fez com os demais partidos de esquerda. Ricardo GarciaQuando o secretário-geral do PS, António Costa, o convidou para integrar as listas por Viana do Castelo às eleições legislativas de 4 de Outubro, Tiago Brandão Rodrigues pensou em dizer que não. Foi esse “o primeiro impulso”, confessou ao PÚBLICO em entrevista neste Verão. Aos 38 anos — e apesar de nunca ter sido militante em nenhum partido —, o cientista doutorado em Bioquímica pela Universidade de Coimbra é o novo ministro da Educação do Governo liderado por António Costa. Nasceu em Paredes de Coura e sempre se considerou “um homem de esquerda”. Madrid, Dallas e Cambridge são cidades que conhece bem: viveu, estudou e trabalhou em todas elas — 15 dos últimos 16 anos foram passados no estrangeiro. Para concorrer como cabeça de lista do PS pelo distrito de onde é natural, Tiago Brandão Rodrigues deixou para trás um lugar de investigador na Universidade de Cambridge, em Inglaterra. Há cinco anos que se dedicava a estudar, no laboratório Cancer Research UK, técnicas de detecção precoce do cancro. No fim de 2013, apresentou na revista Nature Medicine uma técnica de ressonância magnética que provou conseguir detectar mais cedo e com maior precisão esta doença. Saltou para os noticiários, foi capa de revista, deu muitas entrevistas sobre a investigação que o apaixona, ganhou visibilidade e reconhecimento nacional. Vê na escola pública e na educação para todos dois “dos pilares-mores da democracia”, sem esquecer a ciência, pasta para outro ministro. Em campanha pelo Alto Minho, Brandão Rodrigues notou “alguma resignação” por parte das pessoas. Acreditava, contudo, que o PS conseguiria “criar as condições para construir melhor”. “Não temos que baixar as expectativas de ter um Estado que as assista, um Serviço Nacional de Saúde com esperança e uma escola que as eduque”, sublinhou. A um mês das legislativas, garantiu estar preparado para fazer parte de um meio “aparentemente não tão consensual”. Acredita que a cultura científica pode ter um contributo importante na política, “que não é um quadrado fechado”. Ana Maria HenriquesEra um quase-desconhecido até António Costa o ir buscar para coordenar o cenário macroeconómico que serviu de base ao programa eleitoral do PS, mas rapidamente se tornou num “ministro-sombra” das Finanças. Em pouco tempo já era dado como muito provável num elenco governativo socialista. O papel que Mário Centeno assumiu nos últimos meses, em particular nas negociações do PS com os partidos à esquerda, colou-lhe ainda mais essa figura à pele. Centeno, doutorado em Economia pela Universidade de Harvard (EUA), fez carreira no Banco de Portugal. Entre 2004 e 2013 foi director adjunto do Departamento de Estudos Económicos, até Carlos Costa o indicar como conselheiro especial da administração depois de o economista tentar, sem sucesso, chegar à liderança daquele importante departamento. Centeno, especialista na área do trabalho, professor no ISEG (Lisboa) e na Universidade Nova, fez parte, em 2006-2007, da Comissão do Livro Branco das Relações Laborais. Quando o seu nome surgiu como coordenador da equipa dos “12 apóstolos” do programa económico do PS, foi de imediato cunhado como “liberal”, um “rótulo” em que Mário Centeno não se revê. “Culturalmente, sou de esquerda”, comentava o economista à Visão há poucas semanas, já eleito deputado independente pelo PS. Numa série de conversas publicadas pelo PÚBLICO em 2011 — as Entrevistas sobre o futuro —, Centeno foi um dos protagonistas. A reforma do mercado de trabalho era o tema incontornável, num ano que viria a ficar marcado pela chegada da troika e o início de uma série de alterações na legislação laboral. A ideia-chave: “A lei [do trabalho] protege, mas as pessoas não se sentem protegidas. ”As entrevistas que deu nos últimos meses não foram isentas de polémica. Ao Financial Times — que no desfecho das negociações do PS com o Bloco de Esquerda, PCP e Os Verdes já o apresentava como o mais do que provável ministro das Finanças —, o economista tentava tranquilizar as dúvidas sobre o cumprimento das metas orçamentais e motivaria mesmo uma alfinetada do Bloco de Esquerda, por dizer que “ninguém com bom senso pensará em não pagar as dívidas que contraiu”. “Vamos continuar a reduzir o défice e a dívida, mas a um ritmo mais lento”, assegurava ao jornal britânico, no mesmo dia em que no Parlamento afirmara: “[O PS] assume as suas responsabilidades europeias e honrará todos os compromissos do país. ”Quando voltar a falar no Parlamento, tudo o que ali disser, mesmo que nos próximos dias antes de ser empossado, já terá por baixo a responsabilidade explícita da assinatura de ministro. Pedro CrisóstomoO nome de João Soares para ministro da Cultura foi uma surpresa. Depois da morte recente de Paulo Cunha e Silva, vereador da Cultura do Porto, ter afastado aquela que era apontada como a solução mais evidente para a pasta, António Costa faz regressar este socialista de 66 anos a um passado longínquo. No currículo do filho de Mário Soares e de Maria Barroso na área da gestão da cultura destaca-se, entre 1990 e 1995, a vereação desse pelouro na Câmara de Lisboa, que depois veio a presidir (1995-2002). Como vereador, deve-se a João Soares a criação da Videoteca de Lisboa, em 1991, da Casa Fernando Pessoa, em 1993, ou a abertura ao público do Arquivo Fotográfico Municipal em 1994. Foi durante o período em que foi vereador que se deu Lisboa Capital Europeia da Cultura em 1994, na altura presidida por Vítor Constâncio, numa sociedade de capitais públicos que juntava a autarquia e a Secretaria de Estado da Cultura. “Não percebo” foi a primeira reacção que o PÚBLICO ouviu quando começou a testar esta escolha de António Costa junto dos meios culturais. Mas também houve quem observasse que a aposta não era assim tão surpreendente: um gestor cultural de Lisboa reconheceu que a expectativa das pessoas da área é que “dentro do padrão que conhecem, seja nomeado um agente cultural”, mas notou que isso não tem resultado nas últimas experiências, quer as da coligação de direita, quer as do PS. “O que é importante é que seja alguém com peso no Governo e no partido”, acrescenta, lembrando que João Soares – ex-candidato a líder do partido e ex-presidente da Câmara de Lisboa – é, além do mais, “uma pessoa combativa”. De facto, João Soares foi o primeiro dos apoiantes de António José Seguro que saiu em defesa do actual líder do PS, quando se começava a desenhar o acordo à esquerda. Foi Costa, aliás, que o repescou para as listas do PS. Uma leitura possível é também a de que Soares não chegou ao Ministério da Defesa porque o futuro primeiro-ministro deu prioridade à pasta da Cultura, onde precisava de um peso pesado para substituir a malograda hipótese de Cunha e Silva. E João Soares terá sido a solução. A par do seu trajecto no PS, João Soares nunca escondeu a sua ligação à Maçonaria, à qual aderiu em 1974, e que vê como um corolário natural da "tradição republicana e laica" em que se enquadra. Di-lo numa entrevista de 1999 ao Expresso, acrescentando que é "muito pouco assíduo" e que não aprecia os rituais maçónicos. Mas é com a profissão de editor que aparece registado na página do grupo parlamentar do PS. Foi no final de 1975 que João Soares lançou, com Victor Cunha Rego, a editora Perspectivas & Realidades, da qual ainda hoje é proprietário, e que inaugurou a sua actividade com a publicação de O Triunfo dos Porcos, de George Orwell, uma sátira à União Soviética de Estaline. I. S. /L. C. /L. M. Q. Médico, gestor e coordenador do programa político do PS para a área da saúde, o nome de Adalberto Campos Fernandes para a pasta da Saúde não surge como uma novidade, já que fez toda a campanha ao lado de António Costa e manifestou disponibilidade para eventualmente vir a ser ministro. Licenciado em Medicina e especialista em Saúde Pública, o também professor da Escola Nacional de Saúde Pública foi presidente do Centro Hospitalar Lisboa Norte (Hospital de Santa Maria e Hospital Pulido Valente) e esteve também à frente do Hospital de Cascais. De momento, liderava a comissão executiva do SAMS — Prestação Integrada de Cuidados de Saúde, o sistema de saúde dos bancários. Pelas instituições em que passou, ficou conhecido por conseguir equilibrar as contas. Trabalhou também no Millennium BCP, na área de seguros de saúde. Além da licenciatura em Medicina, Campos Fernandes fez várias formações posteriores, sobretudo na área da gestão, nomeadamente na Escola Nacional de Saúde Pública (ENSP) da Universidade Nova de Lisboa e na Universidade Católica Portuguesa. Completou também o Programa de Alta Direcção de Unidades de Saúde da Escola de Direcção e Negócios da AESE. Na ENSP, leccionava cadeiras relacionadas com Administração Hospitalar, Gestão em Saúde e Políticas de Saúde. Menos de uma semana antes de integrar o Governo de António Costa, o agora ministro da Saúde defendeu a sua dissertação de doutoramento em Administração da Saúde, dedicada a um tema muito actual: a relação ou combinação entre público e privado na saúde. O título da tese é A Combinação Público-Privado em Saúde: Impacto no desempenho no sistema e nos resultados em Saúde no contexto português. Segundo descreveu o economista da Saúde Pedro Pita Barros, no seu blogue, a dissertação “reflecte a experiência profissional do autor, além de ter tido uma recolha de informação própria (questionários e entrevistas)”. “A pergunta crucial que é natural surgir é ‘deve o sector privado crescer mais?’, interessante em si mesma e também pelo que possa ter de implicações para políticas futuras no campo da saúde. A resposta não foi evasiva (como poderia ter sido), tendo o autor defendido que o sector privado deve ter as características, incluindo aqui a dimensão, que melhor sirva o serviço público”, descreveu Pita Barros. Em Junho, Campos Fernandes, numa sessão de apresentação dos programas sectoriais dos partidos, garantiu que, caso o PS viesse a formar Governo, daria prioridade, na área da saúde, ao tema das doenças crónicas, do envelhecimento e da inovação. Uma das ideias passava por transformar a Linha Saúde 24 numa espécie de “centro de contacto” do SNS, através do qual os cidadãos conseguissem facilmente garantir o acesso a consultas, exames complementares e cirurgias. Campos Fernandes defendia que é também urgente rever as taxas moderadoras — ideia que acabou por ser agora incluída no programa do Governo, com os contributos do BE e PCP. Os socialistas não defendem o fim das taxas, mas Campos Fernandes adiantava, na altura, que a ideia é isentar do pagamento quem chega a um hospital referenciado pelos cuidados primários, Linha Saúde 24 ou INEM. Romana Borja-SantosJosé António Vieira da Silva, de 62 anos, regressa à Praça de Londres para assumir o cargo de ministro da Segurança Social e do Trabalho. O deputado já tinha ocupado a pasta no primeiro Governo de José Sócrates (2005-2009) e foi o rosto da reforma da Segurança Social de 2006, conseguida com o acordo das confederações patronais e da UGT e muito elogiada pelas instituições internacionais. Embora o programa de Governo do PS fale na necessidade de diversificar as fontes de financiamento da Segurança Social e de discutir o assunto na concertação social, nesse domínio Vieira da Silva considera-se “conservador”. Numa entrevista ao PÚBLICO em 2014, o deputado criticava um eventual alargamento do desconto das empresas à riqueza produzida: “Não creio que seja um bom sinal dizer que paga mais a empresa que cria mais riqueza. Se cria mais riqueza, tem um papel de arrastamento na economia que vai gerar salários noutros sítios”. Mas já fazer depender a taxa social única da natureza dos contratos (a prazo, definitivos) “é uma medida justa”, mas “difícil de aplicar” num contexto de crise. Vieira da Silva foi o ministro que, em 2006, promoveu um acordo para o aumento do salário mínimo nacional , assinado na Comissão Permanente de Concertação Social pelas quatro confederações patronais (CIP, CCP, CAP e CTP) e pelas duas centrais sindicais (UGT e CGTP). O seu mandato à frente do Ministério da Segurança Social ficou ainda marcado por alterações à legislação laboral muito criticadas pela CGTP. É uma das figuras de destaque do PS e vai ter nas mãos vários dossiers importantes. No imediato, terá de apresentar à concertação social a proposta de aumento do salário mínimo, mas é também pelo seu ministério que passará a redução da taxa social única dos trabalhadores que ganham até 600 euros. No acordo assinado com o Bloco de Esquerda, o PS propunha-se ainda criar um grupo de trabalho para elaborar um plano nacional contra a precariedade e outro para estudar as pensões não contributivas e as medidas de combate à pobreza. Licenciado em Economia e professor universitário, Vieira da Silva já tinha sido secretário de Estado da Segurança Social na primeira legislatura de António Guterres (1999-2001), depois secretário de Estado das Obras Públicas (2001-2002) e, mais recentemente, no último mandato de Sócrates, ministro da Economia ((2009-2011). Raquel MartinsO novo ministro da Agricultura de António Costa é um repetente no cargo. Luís Manuel Capoulas Santos, de 64 anos, foi titular deste ministério entre 1998 e 2002, depois de, entre 1995 e 1998, ter assumido a Secretaria de Estado da Agricultura e do Desenvolvimento Rural e das Pescas. O actual deputado do PS, licenciado em Sociologia, tem trabalho feito no Parlamento Europeu (PE), onde esteve entre 2004 e 2014, e pelo qual recebeu o prémio de melhor deputado na área da agricultura, atribuído pela revista de actualidade política The Parliament. O seu nome está em, pelo menos, sete relatórios e recomendações do PE. Amigo de José Sócrates, Capoulas Santos foi relator de medidas emblemáticas do sector como a proposta do PE que estabeleceu regras para os pagamentos directos aos agricultores, no âmbito da Política Agrícola Comum. Ana Rute Silva
REFERÊNCIAS:
Ninguém diz a Angélique Kidjo quem ela deve ser
É a última grande diva da música africana que faltava ao quadro de honra do Festival Músicas do Mundo. A cantora do Benim Angélique Kidjo actua amanhã em Sines, apresentando um disco que pretende recontar a História do mundo desde Adão e (sobretudo) Eva (...)

Ninguém diz a Angélique Kidjo quem ela deve ser
MINORIA(S): Refugiados Pontuação: 6 Africanos Pontuação: 5 Mulheres Pontuação: 9 | Sentimento 0.0
DATA: 2015-05-01 | Jornal Público
SUMÁRIO: É a última grande diva da música africana que faltava ao quadro de honra do Festival Músicas do Mundo. A cantora do Benim Angélique Kidjo actua amanhã em Sines, apresentando um disco que pretende recontar a História do mundo desde Adão e (sobretudo) Eva
TEXTO: Angélique Kidjo passou a infância e a adolescência no Benim a ouvir dos seus pais que ninguém podia escolher por ela, que só a ela cabiam as decisões da sua vida. E desde cedo entreviu os pequenos e contínuos choques que tal postura poderia provocar num mundo habituado a girar sobre si próprio num andamento completamente distinto. Por não controlar cada passo da sua mulher, o pai de Angélique era frequentemente questionado acerca da sua masculinidade e justificava-se dizendo que se a mulher era feliz nalguma coisa ele devia estar a acertar. À medida que crescia, Angélique começou a exasperar-se com o facto de o pai sentir necessidade de se justificar, de se explicar perante aqueles que continuavam a abanar a cabeça em incredulidade, censurando aquela família em que não era a férrea vontade máscula a ditar e a autorizar os movimentos de cada um. Mas serviria de lição: a liberdade de um caminho implica muitas vezes o confronto com a desconfiança, a falta de entendimento e a intolerância para a diferença. É um teste permanente. Apesar de ser uma lição que Angélique Kidjo repete sob várias formas durante uma entrevista, recordando ensinamentos parentais como alicerces para a sua recusa absoluta em deixar-se aprisionar por aquilo que terceiros possam pensar, projectar ou esperar da sua vida e de cada uma das suas acções, também as capas dos discos que circulavam em casa desde pequena foram responsáveis por perceber que não havia portas trancadas para a crescente vontade de se entregar por inteiro à música. Os irmãos mais novos da cantora aventuravam-se já com bandas e os pais acreditavam que o desporto e a música ajudavam a edificar personalidades mais sólidas e preparadas para lidar com os outros, mas seriam as capas dos LP a abanar-lhe as certezas e a mostrar-lhe que o mundo exterior podia ser mais consonante com o seu mundo interior. “Esses álbuns que os meus irmãos traziam para casa vinham da América ou da Europa”, recorda. “E tinham quase sempre homens brancos na capa, ou então, em menor número, homens negros. Lembro-me que a primeira vez que vi uma mulher negra foi a Aretha Frankin, a cantar em inglês, e pensei ‘Uau, uma afro-americana pode ser artista, mesmo sendo mulher’. Quando se é mulher em África e se canta música que não é tradicional, é-se considerada prostituta. ”Na altura, era essa a regra que encontrava nas ruas e no universo próximo. Tudo mudou quando Kidjo percebeu que já alguém ousara, antes de ela pensar verdadeiramente em fazê-lo, furar essas convenções esburacadas e desde sempre caducas. Ao ver-se diante da capa de Pata Pata, álbum publicado pela sul-africana Miriam Makeba em 1967, as peças do futuro da jovem cantora reordenaram-se num segundo. “Aquilo deu-me a volta à cabeça!”, garante. “Se ela conseguiu fazer isto, então eu também vou conseguir, ninguém me vai impedir e vou fazer aquilo que quero. ”Vencido esse constrangimento moral, Angélique começaria rapidamente a travar uma outra batalha que se mantém até hoje. Parece haver em torno da sua obra, desde o início, uma obsessão de contornos quase laboratoriais para analisar a percentagem de África contida nas suas canções. Tendo crescido a ver e ouvir as rodelas de vinil de James Brown, Fela Kuti, Ebenezer Obey, Johnny Haliday, Jimi Hendrix, Louis Armstrong, Ella Fitzgerald, Wilson Pickett e todo o santo disco que tivesse os selos Motown ou Stax a rodar no gira-discos, Kidjo enfiou desde sempre todo esse vasto referencial dentro dos seus concertos e das suas canções. “Às vezes olho para trás e pergunto-me como pode a minha memória ter absorvido tanta música”, espanta-se hoje. “Mas, na verdade, desenvolvi a minha memória a fixar todas as partes das músicas de que gostava – as guitarras, os baixos, as baterias, as segundas vozes, lembrava-me de tudo. ”Esta capacidade de se relacionar com músicas tão diferentes encontra igualmente explicação na forma como um dos irmãos mais velhos lhe desmontou os preconceitos e a fez repensar a música. De início, quando o rapaz levava música clássica para casa, Angélique reagia e falava com a boca perto do seu coração popular, dizendo-lhe “Mas que raio de música é essa? Isso é estúpido!” Em vez de a forçar a ouvir, o irmão desatou a adaptar e a tocar peças de Beethoven no banjo. E, de repente, acendeu a sua curiosidade. Daí que Angélique Kidjo se abespinhe quando ouve, uma e outra vez, que a sua música “não é africana o suficiente”. “África está em toda a música, goste-se ou não, e é impossível fazê-la desaparecer”, contraria. E ri-se quando a observação parte de europeus ou de norte-americanos rodeados de rock, pop, música electrónica – “devem achar que isso não veio tudo de África”. “A nossa música é inclusiva”, contrapõe, argumentando que a música africana não se faz difícil e se deixa espalhar por todos quantos a queiram levar consigo, independentemente de cores, línguas ou origens. Voltar a EvaEve, belíssimo álbum que Angélique Kidjo lançou já este ano, rodeando-se de gente que não nega, precisamente, a africanidade da sua própria música – Kronos Quartet, Dr. John, Rostam Batmanglij (dos Vampire Weekend) ou os músicos de jazz Steve Jordan e Christian McBride –, um portento rítmico adornado com melodias que nunca se deixam abocanhar pela previsibilidade, vem já de longe, desde que em 2005 integrou a delegação de uma missão humanitária, em visita a refugiados do Darfur num acampamento instalado no Chade. Desde então, conta a cantora, a sua cabeça caída sobre a almofada nunca mais passou a significar repouso total. “Aquilo que estava acontecer era que as mulheres eram violadas sempre que saíam do campo para ir buscar lenha que lhes permitisse cozinhar a comida dos miúdos e dos homens. Os homens ficavam lá sentados, sabendo do perigo que elas corriam e não as acompanhavam para as proteger ou ajudar. Depois olhavam para elas vitimizando-as, mostrando desprezo por elas”, relata. “É horrível – ao ouvir isto, a nossa boca fica aberta e o nosso coração dói, todo o corpo dói. Somos mesmo seres humanos quando permitimos que isto aconteça aos outros?”Esta condição da mulher africana, de sacrifício e superação de dificuldades e violências por vezes infligidas pela própria comunidade, ficou a ressoar na cabeça de Angélique Kidjo, há vários anos a braços com o trabalho da sua ONG (Fundação Batonga) em apoio da escolaridade das raparigas do continente, lutando pela erradicação do tétano ou contra a mutilação genital feminina. Nessa mesma viagem, com a UNICEF, “acendeu-se uma luz” na chegada ao Quénia. “Ao ver que aquelas mulheres lutam para encontrar comida para os miúdos e mantêm os seus sorrisos e ainda cantam, pensei como podia mostrar isto ao resto do mundo. E disse às mulheres quenianas que então encontrei: 'Quero que as pessoas oiçam as vossas vozes, quero que oiçam a alegria e a resiliência no vosso canto'. ” Essas vozes, ouvimo-las logo a abrir Eve (em M’Baamba), em diálogo com a sua, justapondo-se ao seu percurso. Kidjo conta que é daqui, do encontro com estas mulheres africanas, que retira a força para “ver o melhor que existe em cada situação – é o que elas fazem todos os dias para criarem os seus filhos, para conservarem a humanidade e se manterem de pé. ” E é algo que a cantora revisita mentalmente sempre que lhe dizem que, por ser africana, tem o acesso vedado a determinado programa de televisão, a apresentar-se em sítios onde não percebem a língua em que canta, enfim, de cada vez que alguém lhe sugere que pode e deve amputar um pouco da sua identidade para se adaptar a uma formatação prévia. “Sempre que me tentam rebaixar e atirar para o gueto, é nestas mulheres que penso”, reafirma. Não há surpresas: Eve vai buscar o seu título à Eva que nos dizem ter tentado Adão com uma maçã. E aquilo para que Angélique Kidjo está, mais uma vez, a apontar é o seu sentimento de injustiça e deturpação de igualdade perante uma História do mundo que tem sido invariavelmente contada por homens. Desde a primeira mulher. “Nós aceitamos e vamos avançando”, comenta, mas tal como nos tribunais “há sempre dois lados para uma história: o lado da defesa e o da acusação. Nesta história da Humanidade, temos sido acusadas desde Adão e Eva. Não é preciso duas pessoas para haver sexo? Então porque somos culpadas por isso? Ela tentou-o com uma maçã? Adão não tinha cérebro? Adão não tinha livre arbítrio para escolher? Podemos escrever os livros que quisermos, mas essa história tem de ser contada de forma diferente ou desaparecer. ”O pai vem à conversa recorrentemente. Foi ele quem lhe ensinou que “um homem que diminui uma mulher não é um homem, é um cobarde”, e foi ele quem a empurrou para fora do país quando o Benim se transformou num regime marxista – em 1972, quando um golpe de Estado instalou Mathieu Kérékou no poder durante quase duas décadas –, em que a liberdade de expressão ficara severamente comprometida. “Se pensarmos bem, a ideologia comunista não é má de todo, mas quando uma ideologia prega e diz às pessoas o que devem fazer e não as deixa serem donas da sua vida torna-se uma ditadura”, diz, explicando a sua saída, primeiro para Paris, depois para Nova Iorque, onde ainda vive, aos 54 anos. Se tinha de ter cuidado com o que dizia – sob pena de ser encarcerada ou pior ainda –, Angélique não estava disposta a viver no seu país. Hoje como nessa altura, a sua vida guia-se pela mesma máxima que atravessa a sua autobiografia, Spirit Rising: “Ninguém me vai dizer quem devo ser. " “Ninguém tem escrito na testa em bebé que vai ser presidente deste ou daquele país, que vai ser isto ou aquilo. Claro que há circunstâncias que podem ser mais benéficas e mais fáceis para alguns porque a vida é mesmo assim, mas já alguém viu uma criança acabada de nascer com as mãos cobertas de ouro? Não, pois não?” Não, não há notícias de tal. E enquanto assim for, não contem com o silêncio de Angélique Kidjo.
REFERÊNCIAS:
Partidos LIVRE
Família afegã condenada no Canadá por homicídio em “crimes de honra”
Três membros de uma família de imigrantes afegãos no Canadá foram condenados à prisão pelo homicídio de quatro mulheres da família – três adolescentes e a primeira mulher do pai – no que foi descrito como um “crime de honra”. (...)

Família afegã condenada no Canadá por homicídio em “crimes de honra”
MINORIA(S): Mulheres Pontuação: 9 Migrantes Pontuação: 3 | Sentimento 0.0
DATA: 2012-01-30 | Jornal Público
SUMÁRIO: Três membros de uma família de imigrantes afegãos no Canadá foram condenados à prisão pelo homicídio de quatro mulheres da família – três adolescentes e a primeira mulher do pai – no que foi descrito como um “crime de honra”.
TEXTO: Os procuradores sustentaram que o patriarca se tornara gradualmente mais violento por as três filhas adolescentes quererem ter namorados – duas tinham já namorados às escondidas – e usarem roupas que classificava como “impróprias” e “em desafio” aos seus valores culturais e religiosos. O pai da família, Mohammad Shafia, assim como o irmão das raparigas e a mãe foram todos condenados a uma pena de 25 anos de prisão, tendo sido concluído que afogaram as quatro vítimas, colocaram os corpos no carro e empurraram o veículo para o Canal Rideau perto de Kingston, Ontário, em Junho de 2009, no regresso de uma viagem da família às Cataratas do Niágara. “A razão aparente destes vergonhosos homicídios foi que as quatro [vítimas] ofenderam a sua noção distorcida de honra”, afirmou o juiz, Robert Maranger ao pronunciar a sentença contra Shafia, a mulher Tooba Yahya e o filho Hamed. A família, de dez pessoas, viva em Montreal desde 2007, tendo antes residido na Austrália, no Paquistão e no Dubai, desde que partiram do Afeganistão em 1992. A primeira mulher de Shafia, Rona Amir, que não podia ter filhos, vivia com a família e apoiava os desejos das raparigas – Zainab, Sahar e Geeti, de 19, 17 e 13 anos, respectivamente – de viverem conforme as normas ocidentais.
REFERÊNCIAS:
Palavras-chave filho mulher prisão
“As mulheres estão mais preparadas para o amor”
Frank Tallis é pragmático: "Ser feliz não se resume ao amor", embora o procuremos e o queiramos viver a vida toda. O psicólogo clínico britânico escreveu um livro no qual identifica as doenças do amor. (...)

“As mulheres estão mais preparadas para o amor”
MINORIA(S): Mulheres Pontuação: 9 Homossexuais Pontuação: 5 | Sentimento 0.5
DATA: 2018-05-28 | Jornal Público
SUMÁRIO: Frank Tallis é pragmático: "Ser feliz não se resume ao amor", embora o procuremos e o queiramos viver a vida toda. O psicólogo clínico britânico escreveu um livro no qual identifica as doenças do amor.
TEXTO: A capa e o título e até a citação do escritor Ian McEwan – "Mergulha fundo na própria essência do amor" – podem ser enganadores. Este não é um romance, embora o professor e psicólogo clínico Frank Tallis já os tenha escrito. O Romântico Incurável e outros casos de desejo e loucura é um livro de psicologia sobre as doenças do amor. Contando pequenas histórias de doentes que acompanhou em consulta, o especialista britânico vai identificando algumas doenças com a intenção de ajudar o leitor a prevenir comportamentos porque a linha que separa o amor normal do anormal é muito ténue. Nesta entrevista faz algumas revelações – não há donzelas perfeitas, nem príncipes encantados – e deixa o alerta: "Há uma ilusão que, se encontrarmos a pessoa certa, seremos felizes, mas é preciso mais do que isso. Ajuda muito, mas não é o suficiente. "No que diz respeito ao amor, há séculos que a natureza humana é a mesma, não muda?Não, não muda, nem no que diz respeito às doenças relacionadas com o amor. Há referências desde o tempo dos egípcios, na poesia, onde é dito que os amantes procuram os médicos porque se sentem febris e instáveis. Os gregos e os romanos também as reconheceram, os poetas de todas as culturas. . . Nos séculos IX e X foram escritos livros por médicos islâmicos, mas as doenças do amor só foram levadas a sério a partir do século XVIII, no Ocidente. Depois houve uma altura, que perderam a importância e a medicina deixou de reconhecer algumas delas. E continuamos a desvalorizá-las?Sem dúvida e mal, infelizmente. Mesmo quando o amor é normal, há sintomas ligados à obsessão, à euforia ou à depressão. Só que quando o amor é uma doença, esses sintomas podem ser catastróficos. Por exemplo, no mundo, 10% dos homicídios estão relacionados com o ciúme; a rejeição pode levar ao suicídio, sobretudo entre os mais jovens que não têm maturidade para lidar com isso. Portanto, se olharmos para as evidências, o amor deve ser levado a sério e a sociedade não o faz. Continuamos a ridicularizar quem está apaixonado e devíamos lidar com mais sensibilidade, desde muito cedo. Isso aprende-se, por exemplo, na escola? Porque aí é ensinada a educação sexual, mas não o que é o amor. Os dois [o amor e a educação sexual] deveriam andar juntos! Na escola fala-se sobre o ter sexo no contexto de uma relação amorosa, mas depois não exploram o que isso é, nem as consequências de estar numa relação amorosa. Quando estudei psicologia, em oito anos de formação, tive apenas uma palestra sobre o Amor Romântico e o tom foi quase como se fosse uma piada. E no entanto é, com frequência, a coisa mais importante na vida das pessoas, que nascem, vivem, procuram um companheiro, apaixonam-se, querem ter uma família e que os seus filhos encontrem o amor. E se não for a escola, podem ser os pais? É que por vezes, o que os filhos vêem são discussões. . . Muitas vezes, quando os pais são um mau exemplo, os filhos quando crescem não sabem como amar e limitam-se a copiar o modelo dos pais. Por exemplo o ciúme sexual: tendem a ser os homens a senti-lo em relação às mulheres, querem controlá-las através da violência, agredindo-as e até matando-as. Por isso, mais uma vez, o amor é um assunto sério. O que é um amor normal?O psicólogo norte-americano Robert Sternberg desenvolveu a Teoria do Amor, ele diz que para um amor ser consistente são necessários três parâmetros: paixão, tem de haver atracção sexual, que não dura para sempre; intimidade, temos de gostar da pessoa, é mais do que ser amigos, é preciso haver um sentido de proximidade; e tem de haver compromisso mútuo. É uma fórmula simples mas consistente porque quando algo de errado acontece, percebemos que algum destes três indicadores falhou. Por exemplo, se só tivermos a intimidade mas não houver atracção sexual, então é uma relação fria. À medida que envelhecemos, o sexo é menos importante?Sim. Escreve sobre o caso de uma viúva que sentia falta do sexo com o marido, com quem pouco partilhava. A intimidade não deveria ser mais importante?É preciso haver intimidade, amizade, comunicação, mas o que esse caso mostra é que o sexo pode ser poderoso. É uma forma de amor e esse caso contraria o que pensamos sobre relacionamentos. É uma excepção. A maior parte das pessoas quando se apaixona é claro que quer ter relações sexuais mas, quatro ou cinco anos depois, o sexo torna-se menos importante e as pessoas continuam a ter relações que as preenchem completamente. O sexo é importante porque mostra um grau de compatibilidade, o nojo é muito importante. O nojo?(Riso) Sim, por exemplo, há muitas culturas no mundo em que as pessoas não se beijam porque é nojento. E quando temos sexo percebemos que é tão íntimo, que partilhamos fluídos, que há partes do nosso corpo que estão associadas a coisas menos higiénicas, mas para podermos usufruir do acto sexual é preciso suprimir todos esses pensamentos. A compatibilidade sexual tem a ver com a nossa capacidade de suprimir o que é considerado nojento. Portanto, tem muito significado, não é uma coisa simples, o sexo é muito importante. E é mais importante para os homens do que para as mulheres?Sim. Quando fazia terapia de casal, normalmente, as mulheres queixavam-se de que eles não falavam, não partilhavam as suas emoções, que se tornaram nuns estranhos; já eles queixavam-se de elas não quererem ter relações sexuais. Isso significa que, num determinado momento da relação, homens e mulheres querem coisas diferentes?Parece que sim, se olharmos apenas para a prática clínica. Mas agora há muitos dados disponíveis na Internet, por exemplo, há análises sobre as perguntas que as pessoas põem ao Google, falamos de milhões e milhões de pessoas que na intimidade do seu lar fazem perguntas e há uma queixa comum entre as mulheres – “o meu namorado não quer ter sexo comigo”. E isto é muito revelador. São mulheres que perguntam? E os homens?Eles perguntam sobre o tamanho do pénis e coisas estúpidas com que se preocupam…Então o que significa essa queixa feminina?O que a Internet nos permite ver é que as mulheres preocupam-se com o sexo. Isto significa que quando, algumas, chegam à terapia não sentem confiança para dizer, tal como os homens, “eu quero ter mais sexo”. É uma questão cultural?Sim, são os estereótipos que prevalecem. Por isso, uma mulher não fala de sexo, mas de emoções?Na prática clínica acontece muitas vezes ouvirmos uma pessoa a dizer uma coisa, quando quer dizer outra. E aqui pode ser o mesmo: as mulheres também estão insatisfeitas sexualmente, mas falam de sentimentos. É muito complexo e é uma das razões por que escrevi o livro, para mostrar que estes temas são complicados. Se lermos colunas de aconselhamento em revistas, livros de auto-ajuda, as respostas são sempre tão simples, mas a realidade não é assim. É importante resistir, sobretudo na prática clínica é preciso olhar para cada pessoa como única, como aquela mulher para quem o sexo era tudo, ou seja, é importante resistir à simplificação. Quem são os seus leitores, estudantes de psicologia e psiquiatria?Não. Qualquer pessoa que já esteve apaixonada! Qualquer pessoa que já tenha procurado um ex-namorado no Google, isso mostra que há alguma obsessão. O livro não é só de estudos de caso, é uma exploração de todas as áreas do amor e do sexo. A editora diz que este é um livro que será mais lido pelas mulheres, mas os homens também precisam de o ler. Porquê?Porque os homens não pensam sobre o amor, pensam sobre sexo, mas não percebem que quando buscam o sexo, este pode vir com o amor. E essa é uma experiência que os deixa confusos, que pode ser esmagadora. Curiosamente, as mulheres estão mais preparadas para o amor. E, no entanto, elas “googlam” sobre a falta de sexo. Isso significa que há uma mudança na forma como olham para o amor?Não. As mulheres têm uma visão mais alargada do sexo no contexto de uma relação, enquanto os homens têm um problema com as emoções. Muitos dos casos de pessoas que não conseguem lidar com a intensidade das emoções são de homens que são mais imaturos, que não estavam preparados e, por isso, quando se apaixonaram e não resultou foi devastador para eles. É porque são imaturos que quando chegam à meia-idade procuram mulheres mais jovens?Sim! (risos) É verdade, porque em primeiro lugar dão prioridade ao sexo. Uma das consequências dessa opção é que esses homens mais velhos acabam por tornar-se muitíssimo ciumentos das suas jovens mulheres. Esperam que a beleza e a juventude delas lhes traga o paraíso na Terra e torna-se num inferno. Isso significa que o amor e a felicidade deveriam ser sinónimos?Deveriam ser, mas não o são frequentemente. Na verdade, na nossa cultura, se olharmos para o amor romântico, é quase como se acreditássemos que este tem de ser atormentado, que o nosso coração tem de se rasgar. É muito interessante olharmos para a história do amor romântico, a sua origem é islâmica, tem a ver com a o anseio da alma por Deus. Os trovadores não compreenderam que este amor era uma alegoria e confundiram os objectivos espirituais com os terrenos, importando uma série de expectativas irrealistas para o amor, a ideia de encontrar uma mulher perfeita. São expectativas e ninguém está à altura. Em particular para as mulheres, isto é muito exigente, o ser linda e perfeita. Mas as mulheres também procuram o “príncipe encantado”. Não é o mesmo princípio?Sim. Contudo, essa é uma ideia que vem reforçar a falta de poder das mulheres e uma série de outros estereótipos que não devem ter lugar no mundo moderno. Mas o amor romântico continua à procura das mulheres bonitas e perfeitas e que estas assim o serão para sempre. É isso que nos faz querer ser “felizes para sempre”?Nós queremos isso, mas temos de ser realistas. Primeiro é impossível porque alguém [no casal] vai morrer primeiro. É preciso perceber que os primeiros sentimentos não vão durar para sempre e que temos de reconhecer que ser feliz não se resume ao amor, que há imensas coisas na nossa vida que nos completam. O amor pode resistir a coisas menos boas como o desemprego ou a morte de um filho?Se olharmos para o divórcio, esta é a experiência mais traumatizante por que as pessoas têm de passar – a morte do amor –, a par da morte de um filho ou do companheiro. Quando o amor morre é apreendido como a pior coisa que pode acontecer. Por isso é importante ter uma vida preenchida, realizada. Há uma ilusão que, se encontrarmos a pessoa certa, seremos felizes, mas é preciso mais do que isso. Ajuda muito, mas não é o suficiente. Precisamos de ter vida própria?Sim. Para medir o quão autêntico é o amor é preciso ver quanto tempo consegue um casal estar longe e continuar apaixonado, porque cada um é uma pessoa, um indivíduo. Porque nunca se é um só. Mas não é essa a ideia: ser um só?Lá vem outra vez a ideia islâmica do amor romântico que chegou ao cristianismo. Mas é uma ideia bonita!Linda! E, de certa maneira é verdade quando o casal tem filhos, ou seja, a ideia que o amor se estende para a eternidade, mas as pessoas são indivíduos. Se investirmos toda a nossa vida noutra pessoa, não é uma boa ideia porque um dia pode ir-se embora. Por isso, funciona melhor se os indivíduos se complementarem verdadeiramente, mas nunca serão um só. Essa individualidade de que fala pode levar-nos a trair mais? No livro diz que 20 a 40% dos homens casados e entre 20 a 25% das mulheres casadas traem e que 70% dos namorados são infiéis. Eventualmente, mas há aspectos na sociedade moderna que vão noutra direcção. Por exemplo, os jovens que evitam ter relações sexuais. É uma nova tendência?Sim e preocupante. Não é uma coisa dos EUA por razões religiosas?Não. Também está a acontecer no Reino Unido. Mas no Reino Unido a taxa de gravidez adolescente é muito alta. Por isso, essa tendência pode ser boa!(Riso) O que estamos a assistir é que os jovens têm medo de ter relações sexuais porque vêem pornografia na Internet e pensam que é aquilo que lhes é exigido, uma performance ininterrupta com múltiplos orgasmos, com muitas companheiras. As raparigas temem que lhes seja exigido fazer coisas com as quais não se sentem confortáveis. Este é um verdadeiro problema no Japão, com o governo preocupado com o futuro do país, porque estes jovens isolam-se e evitam o sexo. Então, voltamos a falar da necessidade de educar?Sim, na escola. É importante fazer as pessoas compreenderem que quando nos apaixonamos há emoções que são normais, alertar os mais novos para a complexidade do amor e que podem sentir-se instáveis, obsessivos, que podem ter um rival que desejam matar, que todas essas coisas fazem parte da vida e que se souberem como geri-las, melhor. Há amor à primeira vista?Se olharmos para os dados, 70% das pessoas acredita que sim, 50% diz que já o experimentou, mas se pensarmos racionalmente é impossível. Como é que olhamos para alguém, pela primeira vez, e acreditamos que "estava escrito nas estrelas"? Não pode ser verdade. Pesquisas recentes sugerem que as pessoas sentem uma forte atracção sexual, juntam-se, o cérebro prega-lhes uma partida e pensam que é amor, mas na maior parte das vezes é luxúria. (Risos) Depois, as pessoas reescrevem a sua história. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Porque precisam de o fazer, porque o amor não é racional. Não é racional e não temos controlo sobre ele, mas em última instância podemos dizer que é um mecanismo de evolução, como diria Darwin. Podemos escolher não ter sexo, mas pomos em risco a sobrevivência da espécie. Em 20 mil anos, o amor não mudou, interpretamos, com instrumentos culturais, sociais, mas é profundo, está gravado no nosso cérebro e no nosso corpo. Vemos que há mudanças subtis, mas a linguagem base do amor permanece inalterada. Os homens tendem a exibir-se, as mulheres tendem a escolher. O sexo é importante até a questão da procriação estar resolvida. Há padrões que se mantêm os mesmos. Mesmo quando se criam sociedades utópicas ou disruptivas, acabam por não ter sucesso, e voltam à família tradicional. No final o amor vence?Sim. E o amor é tudo o que precisamos (Love is all we need)?Não. Eu não concordo com Paul McCartney. É importante, mas precisamos de outras coisas!
REFERÊNCIAS:
Religiões Cristianismo
Comprimento dos dedos pode dar “pistas sobre sexualidade” das mulheres
A diferença de comprimento entre os dedos indicador e anelar na mão esquerda de uma mulher podem indicar que seja lésbica ou bissexual, indica um estudo da Universidade de Essex. (...)

Comprimento dos dedos pode dar “pistas sobre sexualidade” das mulheres
MINORIA(S): Mulheres Pontuação: 9 Homossexuais Pontuação: 21 | Sentimento 0.0
DATA: 2018-10-19 | Jornal Público
SUMÁRIO: A diferença de comprimento entre os dedos indicador e anelar na mão esquerda de uma mulher podem indicar que seja lésbica ou bissexual, indica um estudo da Universidade de Essex.
TEXTO: É mais provável que as mulheres que têm o dedo indicador mais comprido do que o dedo anelar sejam lésbicas ou bissexuais indica um estudo da Universidade de Essex, no Reino Unido, publicado na revista Archives of Sexual Behavior. A explicação está na quantidade de testosterona a que essas mulheres foram expostas enquanto estavam no útero. Para apurar estes resultados, foram estudados os comprimentos dos dedos de 18 pares de gémeas monozigóticas (isto é, idênticas) — uma delas heterossexual e outra não-heterossexual. “Porque estas gémeas são geneticamente idênticas, as diferenças na exposição pré-natal a androgénios [hormona sexual masculina], reflectidas nos diferentes comprimentos dos dedos, podem contribuir para a discordância”, lê-se na introdução do trabalho. Normalmente, os dedos indicador e anelar de uma mulher têm o mesmo comprimento. No caso dos homens, um dos dedos é maior do que o outro. E, de acordo com este estudo, nas mulheres lésbicas ou bissexuais também — mas apenas na mão esquerda. “A investigação sugere que a nossa sexualidade é determinada no útero e é dependente da quantidade de hormonas masculinas a que estamos expostos ou da forma como os nossos corpos individuais reagem a essa hormona, sendo que quem está exposto a altos níveis de testosterona aumenta a probabilidade de ser bissexual ou homossexual”, afirma Tuesday Watts, investigadora do Departamento de Psicologia e uma das autoras do estudo, investigadora do Departamento de Psicologia, citada num comunicado de imprensa da universidade. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Isto porque, apesar de os gémeos monozigóticos partilharem 100% do material genético, estudos anteriores apontam para que aproximadamente um terço dos gémeos se desenvolvam em placentas separadas. As “placentas podem regular de forma diferente o nível de testosterona transferida da mãe para o feto”, lê-se nas conclusões do estudo. “Para uma gémea, mas não para a outra, a exposição a níveis elevados de androgénios pode ter aumentado a probabilidade de uma orientação" não-heterossexual. Por isso, olhar para a mão de uma mulher “pode dar uma pista sobre a sua sexualidade”, resume Tuesday Watts. O mesmo não se aplica aos homens. Neste estudo, foram também analisados 14 pares de gémeos do sexo masculino. Em alguns casos, os gémeos não-heterossexuais tinham os dedos mais compridos, mas “não houve uma diferença significante entre os gémeos heterossexuais e não-heterossexuais em qualquer uma das mãos”, conclui o estudo.
REFERÊNCIAS:
Palavras-chave homens mulher sexo estudo sexual mulheres sexualidade homossexual bissexual
Rapazes sofrem mais com insultos homofóbicos do que raparigas
Estudo envolveu alunos entre os 12 e os 14 anos e as conclusões apontam para uma maior discriminação entre rapazes no que respeita a insultos homofóbicos. (...)

Rapazes sofrem mais com insultos homofóbicos do que raparigas
MINORIA(S): Mulheres Pontuação: 9 Homossexuais Pontuação: 16 | Sentimento 0.5
DATA: 2014-05-26 | Jornal Público
SUMÁRIO: Estudo envolveu alunos entre os 12 e os 14 anos e as conclusões apontam para uma maior discriminação entre rapazes no que respeita a insultos homofóbicos.
TEXTO: Os rapazes são as principais vítimas de bullying homofóbico nas escolas, de acordo com um artigo integrado num estudo realizado em contexto nacional, por investigadores do Instituto de Educação da Universidade do Minho, do Centro Avançado de Sexualidades e Afectos e do Instituto Superior de Psicologia Aplicada. O artigo, intitulado (In)visibilidade do Bullying Homofóbico no Contexto Escolar Português, está incluído numa investigação que decorreu ao longo de três anos lectivos, entre 2010/2011 e 2012/2013, numa escola pública de Braga. Apesar de ter sido recentemente apresentado, o artigo ainda vai ser publicado este ano numa revista científica, à semelhança dos outros artigos que fazem parte deste estudo. Foi especificamente o bullying homofóbico, que inclui insultos com nomes ou frases de carácter sexual como “maricas, gay, bicha, florzinha, maria-macho, fufa, lésbica”, entre outros, aquele que registou as maiores diferenças entre rapazes e raparigas. Entre os rapazes, 3, 8% do 7. º ano foram vítimas deste comportamento; 6, 2% no 8. º e 11, 5% no 9. º. Entre as raparigas, as percentagens são mais baixas e nunca ultrapassam os 2, 6%, neste caso, no 9. º ano, e sendo abaixo dos 1, 2% no 7. º e 8. º anos. Em comum, neste ponto específico, surge o facto de as percentagens aumentarem de valor de ano para ano, o que leva o investigador principal, Paulo Costa, do Instituto de Educação da Universidade do Minho, a perguntar: “O que se passa nas escolas?”. E temer “o que se passará no secundário”. Para além disso, os investigadores mostram-se preocupados com a discriminação de que são alvo os rapazes: “É um dado muito preocupante, que mostra que a área da educação sexual e para os afectos tem de ser uma realidade nas escolas. Estes temas têm de ser debatidos, estes comportamentos não podem ser tolerados, tem de se respeitar a diferença”, defende Paulo Costa, sublinhando que o bullying é um fenómeno “invisível” e que, muitas vezes, os miúdos têm dificuldade em pedir “ajuda” em casa. “Até se acham merecedores daqueles comportamentos”, alerta o investigador, frisando que os adolescentes e pré-adolescentes também imitam os comportamentos que existem na sociedade. “Às vezes são os próprios adultos a reforçar estes comportamentos. É preciso ter muito cuidado”, alerta. Prevenir o fenómenoSem descurar que os estereótipos sobre as meninas também pesam quando o assunto é discriminação, Paulo Costa entende que as ideias sobre masculinidade e virilidade afectam “bastante” os rapazes: “Quem não se enquadra, sofre bastante”, diz, adiantando que o estudo incluiu sessões em que os alunos foram motivados a “intervir” e a tornarem-se “elementos pró-activos” na prevenção do fenómeno. Os investigadores que participaram neste estudo, que começou por ser divulgado pela agência Lusa, entendem que a prevenção passa por “uma intervenção multidisciplinar que envolva toda a comunidade escolar” e que a diversidade sexual e familiar deve ser uma prioridade nos currículos, para além de se apostar em políticas escolares anti-bullying e anti-discriminação que tenham as crianças e jovens “como parceiros”. No que toca ao bullying sexual, no qual se inclui o bullying homofóbico, os dados mostram que 5, 4% das meninas de 12 anos (do 7. º ano) foram vítimas deste tipo de comportamentos, aumentando o número de casos para 6, 2% no 8. º e para 11, 6% no 9. º ano. O bullying sexual incluiu terem sido tocadas em partes íntimas, o que as deixou tristes e desconfortáveis, terem sido alvo de gestos obscenos que as magoaram, e ainda insultadas com nomes ou frases de carácter sexual. As mesmas atitudes não apresentam, segundo os autores do estudo, diferenças significativas nos rapazes: 8, 9% no 7. º ano; 12, 5% no 8. º; e 16, 7% no 9. º. Tanto rapazes como raparigas são vítimasOs dados desta investigação, liderada pelo Instituto de Educação da Universidade do Minho, mostram ainda que, no que respeita ao bullying globalmente considerado, cerca de um terço dos meninos de 12 anos já foram vítimas de algum comportamento, número que aumenta para 45% entre os rapazes de 13 anos e que é de 39, 7% entre os que têm 14. O bullying globalmente considerado inclui agressões físicas, verbais, ameaças, cyberbullying – através de mensagens na Internet e nas redes sociais - e também o sexual. Nas raparigas, os dados não apresentam grandes diferenças: 30, 4% no 7. º ano; 38, 8% no 8. º; e 24, 4% no 9. º.
REFERÊNCIAS:
Palavras-chave escola educação ajuda comunidade estudo sexual gay discriminação bicha lésbica