O mais procurado dos criminosos nazis vive tranquilamente em Budapeste
Laszlo Csatary, o criminoso de guerra nazi mais procurado vive tranquilamente em Budapeste há 17 anos, sob a sua verdadeira identidade, apesar de o Centro Simon-Wiesenthal ter informado a justiça húngara sobre o seu passado já há dez meses, denunciou esta organização. (...)

O mais procurado dos criminosos nazis vive tranquilamente em Budapeste
MINORIA(S): Migrantes Pontuação: 2 Mulheres Pontuação: 2 | Sentimento 0.116
DATA: 2012-07-16 | Jornal Público
SUMÁRIO: Laszlo Csatary, o criminoso de guerra nazi mais procurado vive tranquilamente em Budapeste há 17 anos, sob a sua verdadeira identidade, apesar de o Centro Simon-Wiesenthal ter informado a justiça húngara sobre o seu passado já há dez meses, denunciou esta organização.
TEXTO: Num prédio do XII bairro da capital húngara há uma caixa de correio com dois nomes: “Csatary/Smith”. Mas correspondem na verdade à mesma pessoa, diz a AFP: um homem de 97 anos, que foi chefe da polícia do “ghetto” da cidade de Kosice, que hoje fica na Eslováquia mas, na altura da II Guerra, era território húngaro e designava-se Kassa. Csatary era conhecido pelo sadismo. Usava um chicote à cintura e, segundo a AFP, que cita documentos descobertos pelo Centro Wiesenthal, gostava de o usar nas mulheres do “ghetto” de Kassa, chicoteando-as até fazer sangue, e obrigava-as a cavar trincheiras só com as mãos. Foram assassinados 15. 700 judeus de Kassa. A grande maioria foi deportada para o campo de extermínio de Auschwitz, na Polónia, durante a ocupação pela Alemanha nazi do que viria a ser o território da Checoslováquia. Em 1948, embora estivesse em fuga, Csatary foi condenado à morte na Checoslaváquia. Segundo o Centro Wiesenthal, refugiou-se no Canadá, em Montréal e Toronto, sob uma falsa identidade, onde se tornou negociante de arte. Mas em 1995, as autoridades canadianas descobriram a sua identidade – foi nessa altura que fugiu para a Hungria. Quem descobriu o paradeiro de Csatary na Hungria foram jornalistas do tablóide britânico “The Sun”, usando informações do Centro Simon Wiesenthal. Tocaram-lhe à campainha e ele veio à porta: “Não fiz nada, vão-se embora”, disse-lhes, antes de lhes bater com a porta na cara. O procurador adjunto de Budapeste, Jenö Varga, prestou declarações lacónicas à AFP: “Estamos a estudar as informações que nos foram transmitidas, nomeadamente pela imprensa. ”Mas Serge Klarsfeld, presidente da Associação de Filhos e Filhas de Deportados Judeus de França, minimiza o papel desempenhado por Csatary no Holocausto. “Hoje pode encabeçar a lista dos mais procuradso, porque os que restam têm entre 90 e 100 anos. Mas há 30 anos, havia 35 mil pessoas na lista”, disse na rádio Europe 1. “Restam muito poucos criminosos nazis em fuga. E os que sobram eram jovens na altura, portanto tinham poucas responsabilidades”, sublinha o francês. “É bom que nos empenhemos em perseguir os criminosos até ao seu último fôlego mas, por outro lado, estes não são mais do que comparsas ou figuras subalternas. ”Notícia corriga às 15h59: foram assassinados 15. 700 judeus de Kassa e não em Kassa
REFERÊNCIAS:
Palavras-chave morte guerra campo homem mulheres
Crise reavivou preconceitos e deixou marcas na Europa
O diálogo Norte-Sul melhorou, à conta da recuperação económica, mas permanecem ainda sinais dessa tensão. Os anos de brasa podem voltar se as dificuldades regressarem ao quotidiano dos europeus, como prova a vaga de refugiados. (...)

Crise reavivou preconceitos e deixou marcas na Europa
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 Mulheres Pontuação: 2 Refugiados Pontuação: 9 | Sentimento 0.0
DATA: 2018-12-04 | Jornal Público
SUMÁRIO: O diálogo Norte-Sul melhorou, à conta da recuperação económica, mas permanecem ainda sinais dessa tensão. Os anos de brasa podem voltar se as dificuldades regressarem ao quotidiano dos europeus, como prova a vaga de refugiados.
TEXTO: Após os anos da crise permanecem sinais da tensão que nesses duros tempos alimentou a incompreensão e a guerra verbal entre os europeus do norte rico e do sul endividado. Do Norte, vem a admiração pela presidência de Mário Centeno do Eurogrupo. Nessa condição, o ministro português tem instado a Itália a submeter a Bruxelas um novo Orçamento “em linha” com as regras orçamentais europeias, no que o Financial Times considerava, em Outubro, “uma notável inversão de papéis desde 2015”. Depois do terceiro programa de resgate financeiro concluído em Agosto de 2017 e de oito anos de ajustamento doloroso da sua economia, a Grécia não desiste das indemnizações que exige à Alemanha pela devastação da II Guerra Mundial: Atenas voltou a exigir reparações , sinal de que o ressentimento, sob a forma da outra face da moeda da austeridade imposta, ainda permanece. Estes são os mais recentes episódios, e certamente não os derradeiros, da dicotomia de um sul preguiçoso a viver às custas dos laboriosos contribuintes do norte da Europa. E da retaliação pelos desmandos da história. “Há um défice de democracia e tecnocracia em excesso na Europa, a divisão do Norte, que se apresenta como produtivo, e do Sul, de preguiçosos, foi evidente durante a crise, e agora há divisão leste/oeste, pelos refugiados”, comenta, ao PÚBLICO, André Freire, professor de Sociologia Política e de Políticas Públicas do Instituto Universitário de Lisboa, ISCTE. E resume numa frase a soma das duas condicionantes, défice democrático e pendor tecnocrático: “na Europa pode-se mudar de Governo, mas não de política. ”André Freire argumenta que as organizações europeias não têm pedigree democrático. “A própria Comissão Europeia tem uma legitimidade democrática limitada, indirecta, não eleita, que advém dos governos nacionais que, contudo, não são eleitos com um programa para a Europa”, sustenta. “A única instituição com legitimidade democrática é o Parlamento Europeu que não tem iniciativa legislativa, não forma Governo nem tem poder de censura sobre a Comissão, embora a partir do Tratado de Lisboa haja uma relação ténue entre o cabeça da lista mais votada e o presidente da Comissão”, insiste. “Além das questões da democraticidade, existe uma certa cristalização dos dogmas neoliberais”, acusa. “À excepção da Grécia, as crises de Portugal e Espanha são o resultado de um problema da arquitectura europeia, anterior à crise”, defende. E exemplifica: "a Comissão Europeia fez guerra à solução governativa em Portugal [maioria parlamentar de PS, Bloco de Esquerda e PCP], e não fez mais porque, entretanto, apareceu o Brexit. ”Pelo que não é optimista. “O horizonte é sombrio, não vejo grandes mudanças, agora reconhecem que Portugal usou uma receita diferente mas o Eurogrupo funciona à margem dos tratados”, sublinha. Os populismos são, para o professor universitário, “como as dores para o organismo”, ou seja, um sintoma da doença. “Não é por acaso que na Europa os mais desprotegidos são os mais cépticos, porque são os perdedores”, sintetiza: “os social-democratas abandonaram de algum modo as classes baixas, falam para nichos eleitorais das classes médias e para as elites urbanas. ”A inevitabilidade dos sacrifícios e a ausência de alternativas foram lugares comuns do discurso dos países do norte da Europa desde 2010, que chamaram a si a prerrogativa de traçar o caminho para a saída da crise. “As pessoas estão a sofrer” em Portugal e em Espanha, reconhecia o primeiro-ministro finlandês, Jyrki Katainen, em 2013, durante um debate no Parlamento Europeu. “Mas qual é a alternativa?” E argumentava: “Se estes países pararem a consolidação [orçamental], quem lhes vai emprestar dinheiro?”Postura semelhante era a de Wolfgang Schäuble que em 2016 se mostrava apreensivo quanto à constituição de um novo governo em Portugal suportado pelo acordo parlamentar à esquerda. “Portugal estava a ser bem-sucedido até entrar um novo Governo”, dizia, manifestando receio de que os compromissos não fossem respeitados. "Dou sobretudo atenção aos alemães que conhecem Portugal e, por isso, sabem do que falam", replicou o primeiro-ministro, António Costa, citando investimentos alemães em Portugal. Já antes, o ministro alemão instara Lisboa, em diversas ocasiões, a manter o rumo do governo anterior, aventando a possibilidade de um segundo resgate. A imagem de uma Europa do sul irresponsável e tentada a viver acima das suas possibilidades voltou à baila em 2017 com as polémicas declarações do ministro das finanças holandês, Jeroen Dijsselbloem, ao Frankfurter Allgemeine Zeitung. “Não posso gastar o meu dinheiro todo em bebida e mulheres e depois disso ir pedir a vossa ajuda”, afirmava o então presidente do Eurogrupo, para justificar que quem pede a solidariedade do Norte “também tem deveres”. Meses depois, já era o ministro das Finanças português, Mário Centeno, a receber elogios de Schäuble – numa referência de ironia corriqueira apelidou-o de “Ronaldo do Ecofin” – a posicionar-se para conquistar a presidência do Eurogrupo, o que se confirmaria no início de 2018. O estereótipo de um sul preguiçoso a viver às custas dos contribuintes do norte da Europa emergiu no discurso de políticos e dos media, quando os resgates financeiros, primeiro da Grécia e depois da Irlanda, se sucederam em poucos meses em 2010. O pedido de assistência financeira de Portugal anunciado pelo primeiro-ministro José Sócrates, a 6 de Abril de 2011, coincidiu com as últimas semanas de campanha para as eleições legislativas na Finlândia. A obrigatoriedade de aprovação no Parlamento de Helsínquia de qualquer pacote de ajuda aos países da zona Euro catapultou o tema para o centro do debate político e polarizou os discursos. O aumento exponencial da base de apoio do partido de extrema-direita “Verdadeiros Finlandeses" era um sinal de que o verniz tinha estalado. “Aqui, no Norte, consideram-nos vacas que devem ser mungidas, mas temos algo a dizer e não vamos deitar fora dinheiro”, afirmava, numa reportagem da RTP, Timo Soini, líder do partido nacionalista, que fez campanha sob o slogan “Os finlandeses primeiro”. Ao conquistar, no escrutínio de 17 de abril de 2011, 19% dos votos e 39 assentos parlamentares, quadruplicando o número de deputados de 2007, o partido tornava-se a terceira força e confirmava a desconfiança de parte da sociedade finlandesa aos programas de ajustamento. Ainda que os outros partidos rejeitassem uma “visão estereotipada” dos países do Sul, a ascensão da extrema-direita endureceu o discurso dos mais moderados face ao resgate a Portugal. As sondagens mostravam um país dividido: 47% dos finlandeses eram a favor, 39% estavam contra. A “falta de solidariedade” da Finlândia motivou editoriais em jornais portugueses e culminou no vídeo “O que os finlandeses devem saber sobre Portugal”, apresentado pela Câmara de Cascais no final de uma conferência no Estoril, que ganhou lastro nas redes sociais. Não só se proclamava a antiguidade de Portugal e as suas conquistas, mas também o apoio dado por Portugal à Finlândia, em “roupa e cereais”, durante a guerra russo-finlandesa de 1939-40. Uma resposta finlandesa surgiu nas redes sociais, mas a mensagem final era conciliatória: “Podíamos gozar com a difícil situação financeira em Portugal. Mas não o fazemos, porque o nosso coração e a nossa mente estão convosco”. A participação no pacote de ajuda a Portugal de 78 mil milhões de euros, acabaria por ser aprovada no Parlamento finlandês em Maio do mesmo ano. A ideia de que, nos países do Sul, se trabalhava pouco e se vivia à custa dos contribuintes do Norte, fora alimentada de forma agressiva, desde 2010, pelo tablóide de maior circulação na Alemanha. Os “gregos falidos” foram, durante o período dos resgates, o alvo do Bild que arrumava a questão de forma simples: de um lado, estavam os gregos “que bebem grandes quantidades de ouzo, vivem com reformas douradas ou cometem fraudes fiscais nas suas ilhas soalheiras”; do outro, “os alemães, ‘que se levantam todas as manhãs, trabalham o dia todo” e têm sido durante anos a vaca que fornece leite à Europa, devido aos impostos que pagam”, como resumia a AFP em 2015. Na imprensa grega, a resposta passou por evocar o passado nazi da Alemanha e a sua ambição de dominar a Europa. A chanceler Ângela Merkel e o ministro das Finanças Wolfgang Schäuble, foram retratados em caricaturas envergando o uniforme nazi. O jornal Dimokratia chegou a publicar, em 2012, a manchete “Memorandum Macht Frei” para descrever as condições do empréstimo exigidas ao país. Uma sondagem divulgada no mesmo ano pela revista Epikaira revelava que 77% dos gregos acreditavam que a Alemanha pretendia instituir um IV Reich. A narrativa simplista de um sul preguiçoso contaminou o discurso de figuras centrais da política europeia. “Em países como a Grécia, Espanha e Portugal, as pessoas não devem poder ir para a reforma mais cedo do que na Alemanha”, defendia Merkel, na campanha eleitoral em Maio de 2011. “Todos temos de fazer um esforço, isso é importante, não podemos ter a mesma moeda, e uns terem muitas férias e outros poucas”, avisava. “A chanceler deu a entender que os alemães estão a financiar uma espécie de prosperidade fácil nestes países”, analisava a Der Spiegel, reconhecendo que se isto não era novo na substância, “o tom certamente é”. Em Portugal, o confronto levou a que, no final de 2012, Marcelo Rebelo de Sousa, então comentador televisivo, divulgasse um vídeo, realizado em parceria com o social-democrata Rodrigo Moita de Deus, que procurava desfazer junto da população alemã, antes da visita da chanceler a Portugal, alguns mitos sobre os portugueses e a economia nacional. No vídeo, cuja exibição pública na Alemanha acabou por não ser permitida, mas que circulou nas redes sociais, realçavam-se os sacrifícios da população, faziam-se contas às relações comerciais entre os dois países e evidenciava-se que os portugueses trabalhavam mais horas do que os alemães, tinham menos férias e feriados e ganhavam, em média, metade. Novamente era atacada a falta de solidariedade dos parceiros do Norte, recordando-se que Portugal não tinha contestado, em 1990, a decisão da Alemanha de declarar a caducidade da sua dívida externa ou exigidas sanções, quando em 2005, esta infringira os limites do défice. A face mais visível da tensão foi Wolfgang Schäuble, autor das declarações mais polémicas sobre os países intervencionados, afirmando que estes eram “um pouco invejosos” do sucesso da Alemanha, espoletando uma onda de acusações de arrogância e paternalismo. A linha dura que adoptou nas negociações dos resgates deu azo a que os comentadores anunciassem o regresso da “questão alemã”. “Nós, os alemães, não queremos uma Europa alemã”, assegurava, no entanto, Wolfgang Schäuble num artigo de opinião, publicado no Guardian em Julho de 2013, em que admitia que o discurso público sobre a crise fora demasiadas vezes “dominado por recriminações mútuas e comentários populistas”. “Clichés e preconceitos nacionais, que acreditávamos estarem há muito ultrapassados, estão a levantar as suas feias cabeças novamente”, escrevia. A tensão ganhou um tom mais acintoso nos meses que anteciparam a cimeira, em Julho de 2015, na qual seria assinado novo acordo com a Grécia, nesta altura já liderado pelo Syriza de Alexis Tsipras. O recém-eleito governo helénico, que vinculara a um referendo o novo pacote de austeridade, já acusara Bruxelas de “terrorismo” e de “chantagem” sobre a população grega. Às acusações de falta de solidariedade, juntavam-se denúncias de hipocrisia. As reparações de guerra pela ocupação nazi da Grécia durante a II Guerra Mundial foram estimadas pelo Ministério das Finanças helénico em 280 mil milhões de euros e exigidas oficialmente à Alemanha. A maioria dos alemães já defendia a saída da Grécia do Euro e notícias de que Schäuble tinha proposto, no Eurogrupo, um Grexit temporário alimentaram a hostilidade. Um acordo acabou por ser atingido, mas caucionado por um reforço das medidas de austeridade e uma lista de garantias adicionais para satisfazer os credores, incluindo um polémico fundo de privatizações no valor de 50 mil milhões de euros. Muitos comentadores, críticos do acordo, falaram em “humilhação” do povo grego, o economista norte-americano Paul Krugman apelidou-o de “pura vingança” e, nas redes sociais, o hashtag #This is a Coup (Isto é um golpe de Estado), ganhou força no Twitter. O mal-estar estendia-se à oposição interna como ficava patente nas palavras de Reinhard Bütikofer, eurodeputado alemão do Grupo dos Verdes: “a Alemanha cruel, ditatorial e feia volta a ter um rosto e esse é o de Schäuble”. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Contudo, a maioria dos alemães apoiava a forma como Merkel e o seu ministro das Finanças tinham conduzido as negociações, segundo uma sondagem, citada pelo Guardian. A leitura de dissensão era rejeitada pela Comissão: “Não penso que o povo grego tenha sido humilhado e também não acho que os outros europeus tenham perdido a face. Este é um típico entendimento europeu”, afirmava Jean-Claude Juncker, presidente da Comissão Europeia. Mas na Grécia, o acordo foi recebido com frustração e desalento e os jornais gregos davam voz ao sentimento de derrota: “Afundem o país, ordena Schäuble”, escrevia o Efimerida Ton Syndakton. Será que a tensão norte-sul ainda sobrevive na linguagem ou o discurso mudou? Pedro Moreira, correspondente da TVI em Bruxelas desde 2007, acompanhou os resgates financeiros e a “poderosa” narrativa centrada na visão de que “a culpa da crise do euro e da falta de competitividade de certos países é das famílias quererem viver acima das suas possibilidades”. Neste confronto entre “virtuosos” e “pecadores”, o enfoque era colocado “no sofrimento” e na inevitabilidade dos sacrifícios, analisa, “como se fosse necessária uma expiação do pecado”. Essa narrativa que “contaminou o discurso político” à época, ainda prevalece, acredita o jornalista, apesar de se terem verificado “melhorias significativas”. “Ainda hoje temos isso, quando se fala da reforma da zona Euro que nunca avança, porque é preciso ter em conta os riscos morais”, exemplifica. Ainda assim, a crise ajudou os Estados-membros a conhecerem-se “melhor uns aos outros”, acrescenta, “e este discurso já não está tão presente”. O facto de a economia estar num ciclo positivo também ajuda. “Não há tanta pressão”, admite. “Não sei se uma crise voltasse agora, se não voltávamos a esta linguagem”. Quanto ao braço-de-ferro entre a Itália e a Comissão, Pedro Moreira coloca-o num patamar diferente, muito para além da dimensão económica e financeira que esteve na base da tensão entre norte e sul. “É uma situação diferente”, argumenta, ainda que a Itália tenha problemas económicos profundos. “O governo italiano está mais próximo dos discursos anti Europa que têm sido feitos na Hungria e na Polónia”, justifica. Uma “linguagem” também em voga na Europa, mas que reflecte uma tensão entre “europeístas e soberanistas” e “não tanto entre norte e sul”. “É outro problema”, conclui. J. F.
REFERÊNCIAS:
Partidos PS PCP
A segunda casa da síria Fatima tem a porta sempre aberta
Mezze quer dizer “prato para partilhar” e é sinónimo de mesa cheia. No Mercado de Arroios, em Lisboa, há agora um restaurante com este nome que se quer fazer de partilha. Dez refugiados, nove deles sírios, cozinham e servem à mesa enquanto nos permitem conhecê-los e recomeçam as suas vidas. (...)

A segunda casa da síria Fatima tem a porta sempre aberta
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 Mulheres Pontuação: 2 Refugiados Pontuação: 14 | Sentimento 0.0
DATA: 2018-07-19 | Jornal Público
SUMÁRIO: Mezze quer dizer “prato para partilhar” e é sinónimo de mesa cheia. No Mercado de Arroios, em Lisboa, há agora um restaurante com este nome que se quer fazer de partilha. Dez refugiados, nove deles sírios, cozinham e servem à mesa enquanto nos permitem conhecê-los e recomeçam as suas vidas.
TEXTO: O dia em que a Fatima entrou no Mezze e disse “esta já é a minha segunda casa” calhou ter sido “um dos piores dias, daqueles em que parece que nada funciona, como se fosse impossível ter tudo pronto a tempo ou chegar alguma vez a abrir”, confidencia-nos uma arquitecta, uma entre dezenas de pessoas que ajudaram a fazer nascer este restaurante no Mercado de Arroios, parte de um projecto mais amplo de integração de refugiados. “Essas palavras foram como uma botija de oxigénio, porque é isso mesmo que nós queremos, que a Fatima, a outra Fatima, a Shiraz, a Faten, a Rana, a Reem, o Bilal, o Rafat, o Yasser e o outro Yasser, que todos eles se sintam em casa”, recorda Francisca Gorjão Henriques, uma das fundadoras da Pão a Pão – Associação para a Integração de Refugiados do Médio Oriente. “Casa” foi uma das palavras mais usadas por Francisca, até há pouco tempo jornalista do PÚBLICO, na festa com que o Mezze se mostrou aos amigos e depois se abriu ao bairro. Foi na sexta-feira, dia 15, antes da abertura oficial, na última terça, e teve comida, música, dança e muitos, muitos sorrisos, alegria pura e olhos emocionados. Abrir um restaurante nunca é fácil. Fazê-lo contando o mais possível com doações e voluntários, menos ainda. O Mezze demorou a nascer e só foi possível graças “à generosidade de amigos e parceiros”, gente que na maioria nem se conhece e que talvez nem imagine como foi importante para começar a mudar a vida destas dez pessoas. “Não podemos devolver Damasco nem Alepo nem Ghuta nem Mossul a este grupo que temos o privilégio de ter connosco, mas podemos reconhecer-lhes a dignidade que nunca perderam, dar-lhes as ferramentas para fazer planos para o futuro e aceitar com gratidão o que têm para dar”, disse ainda Francisca no dia da inauguração. Afinal, este é o “primeiro restaurante em Portugal onde um grupo de pessoas que a lei designa por refugiados recebe formação e emprego a sério” e isso não é nada pouco num país que já recebeu perto de mil refugiados sírios e que tem trabalhado mais as soluções de acolhimento do que a integração. O Mezze quer-se mais do que um restaurante. É a tal casa de partilha, através da linguagem universal da comida, mas ali também terão lugar workshops e debates. O restaurante é a primeira “casa” com chão, paredes e tecto da Pão a Pão mas a ideia é fazer nascer muitas mais, quantas forem possíveis. “Estamos confiantes que o Mezze vai crescer, queremos fazer o milagre do pão, multiplicar esta partilha e levar o Mezze a outras paragens. Temos a certeza que vamos voltar a bater à vossa porta mas é com isso que se constrói uma casa e nela cabemos todos. Para que não tenhamos de ser mais ‘eles’ e ‘nós’, apenas ‘todos juntos’. ”Por agora, admite Francisca, este Mezze e o serviço de catering, que já está a fazer sucesso, é tudo o que a associação se pode concentrar em fazer. “Primeiro é preciso garantir o sucesso deste restaurante”, diz, antecipando que daqui a um ano a Pão a Pão pode estar a lançar-se noutras zonas do país. Isto se não aparecer entretanto gente a querer abrir os seus próprios Mezze enquanto faz crescer o projecto. “Sim, claro, isso era óptimo. ”Fatima, Shiraz, Faten, Rana, Reem, a Fatima-pequena (por ter idade para ser filha da Fatima grande), Bilal, Rafat, e os dois Yasser (um deles, o iraquiano, talvez se torne Adam em pouco tempo, agora que os colegas descobriram que é assim que a mãe o trata) já se movem pelo espaço do Mezze com desenvoltura. Um rectângulo com cozinha de um lado, casa de banho e despensa do outro, ao meio uma mesa corrida, para que quem chega se sente ao lado de quem está, 34 lugares mais uma esplanada onde cabem outras 20 pessoas. De frente para a cozinha, a parede que esconde as divisões mais pequenas está repleta de prateleiras com pedaços de Síria. Livros em árabe que Alaa Alhariri (outra fundadora da Pão a Pão) trouxe de uma viagem ao Líbano (é difícil encontrar livros em árabe por cá) e as fotografias de Alepo, Damasco ou Palmira que Fatima, Rafat ou Alaa disseram faltar na estante quando a viram já decorada com quadros, ilustrações de João Catarino, livros, jarros com flores e frascos com pickles. Faltam ainda fotografias de Mossul, a cidade iraquiana de onde vem o Yasser que também se chama Adam. Olhamos para outras fotografias, as do espaço que ali existia quando a Pão a Pão chegou, e percebemos melhor as palavras de Francisca. “Fazer o Mezze foi realmente como erguer uma casa, foram precisos tijolos e eles vieram, foi preciso um chão e ele chegou, foi preciso um tecto e ele cá está, foram precisas muitas outras coisas e o trabalho de muita gente. ” No que antes era quase uma ruína agora existe um restaurante bonito e luminoso, aberto para a rua, como os vários que rodeiam o Mercado de Arroios, o mesmo onde o Mezze vai buscar muitos dos seus ingredientes. No início do ano, estes dez refugiados e outros seis fizeram um curso na Escola de Hotelaria, em Campo de Ourique, Lisboa, tornado possível através de um protocolo com o Turismo de Portugal. Foi lá que pela primeira vez conhecemos Fatima, o seu filho Rafat, o padeiro Yasser, Faten e a sempre sorridente Shiraz. E foi lá que iniciámos uma conversa que ainda decorre, tendo sempre por perto Alaa, a síria que chegou a Portugal há mais de três anos com uma bolsa para acabar os seus estudos de Arquitectura. É uma das universitárias da Plataforma Global de Assistência a Estudantes Sírios, lançada pelo ex-Presidente Jorge Sampaio. A Pão a Pão foi fundada por Francisca, Alaa, Rita Melo e Nuno Mesquita, mas é justo dizer que nunca teria nascido sem Alaa ou se Alaa e Francisca nunca se tivessem cruzado. À pergunta “do que é que sentes mais falta do teu país”, Alaa respondeu “do pão”. Os dados estavam lançados. A associação quis privilegiar jovens e mulheres, por entender que é assim que mais contribui para a integração. A seguir foi espalhar a palavra e ver os refugiados aparecerem, perceber quem tinha condições para integrar o projecto, deixar-se encantar por cheiros e sabores do que estes já faziam nas suas cozinhas. Fatima nunca tinha pensado trabalhar num restaurante e agora é chef do Mezze. Rafat, que veio a medo para Portugal, hesitante em recomeçar de novo depois de quase três anos duros no Egipto, já tem dificuldades em pensar que algum dia sairá daqui. Yasser só queria ser padeiro e é dele o pão que Alaa e todos os que forem ao Mezze poderão comer. Shiraz foi sempre dona de casa e comida para ela é sinónimo de “festas, família e mesas grandes e cheias”, como a mesa comprida que ocupa o lugar central do Mezze. Faten, doceira pronta para qualquer serviço, chegou com duas filhas pequenas e nos primeiros dias mal saía de casa, em Oeiras. “O problema era a solidão”, não conhecer ninguém. A Pão a Pão (e o curso na Escola de Hotelaria) começou a mudar tudo. “Ela mal chegou e agora apanha o comboio todas as manhãs. Para mim, isso já conta imenso. Pode estar triste mas não deixa de vir, é difícil”, dizia-nos Alaa nos dias das conversas na Escola de Hotelaria. Ser sírio nos dias que correm não será fácil, mas a vida de Faten começou a complicar-se bem antes da revolução de 2011 e da guerra de absurdos que se seguiu. Em 2004, aos 23 anos, ficou viúva com três filhas, incluindo uma bebé acabada de nascer. Antes de casar, abandonara o curso de História e nunca trabalhou. Sobreviveu como pôde, com alguma ajuda da família, e em 2016 ganhou coragem para se pôr a caminho de algum lugar onde se sentisse segura e pudesse recomeçar. Agora, Faten já diz muitas palavras em português e sorri bastante mais do que há uns meses, orgulhosa com a sua farda branca, avental preto e a touca que lhe cobre os cabelos atrás do balcão onde a cozinha industrial do Mezze se encaixa como um puzzle perfeito. Na festa de inauguração, esta curda de Damasco até foi das primeiras a juntarem-se aos dançarinos curdos que puseram dezenas de sírios e portugueses a saltar numa roda sem fim. De braço dado a Shiraz, nascida no centro do Curdistão sírio, em Afrin, Faten saltou, dançou e riu como uma criança. Como as suas filhas e os filhos dos outros correram e riram, sírios de braços dados a portugueses, portugueses a tentar não passar grandes vergonhas e acertarem o mais possível nos passos de uma dança que Alaa avisara ser “muito difícil”. Se a festa de inauguração servir de exemplo, o Mezze já é um sucesso. Veio muita gente, entre vizinhas das bancas no mercado e vizinhos do bairro, curiosos, amigos dos portugueses da associação, dos sírios e do iraquiano Yasser. Dançou-se e cantou-se, música tradicional mas ainda mais hip-hop e aqui até se juntou Junior, um refugiado do Congo há poucos meses em Portugal. É segunda-feira, véspera da abertura oficial, e todos estão concentrados e um pouco tensos. “O fim-de-semana serviu para descansar, claro, agora é trabalho a sério, sem parar”, diz Rafat, o rapaz de 21 anos que cresceu demasiado depressa. Agora, para além de se considerar “chefe de família” (o pai morreu debaixo de bombas, em 2012; o irmão mais velho está na Turquia), sente o peso de ser o único empregado de mesa do Mezze a falar português – os pratos são muitos e de certeza que muitas também são as perguntas dos que ali já se sentam para almoçar ou jantar. Rafat chegou há 20 meses e aprendeu português depressa, nas aulas, mas ainda antes, nos três meses em que trabalhou num restaurante de kebabs num centro comercial. Começou por fazer de tradutor para a mãe e agora é graças a ele que toda a gente se entende no Mezze. Cozinheiras, ajudantes, empregados de mesa, os portugueses da associação e os dois portugueses contratados para gerir o restaurante, os chefs que têm aparecido para ajudar as sírias que tomam conta da cozinha mas também quem tem de saber pôr a mesa sempre da mesma maneira, saber qual o copo para água, sumo ou vinho. De certeza que Rafat chega sempre exausto a casa, mas a verdade é que ninguém parece ter mais vontade do que ele de fazer com que tudo isto dê resultado. “Estabilidade”, “rotinas” ou “tranquilidade” não são palavras que imaginemos ouvir a um rapaz de 21 anos, mas Rafat é especial. Trabalha desde os 14 anos, quando decidiu que queria parar de estudar e ajudar o pai no seu restaurante de kebabs e frango assado. No Egipto, teve ainda de se fazer costureiro, a profissão de um dos cunhados, para que a família pudesse sobreviver. Agora, só pensa em trabalhar (enquanto a mãe só quer que ele volte a estudar) e garantir uma vida melhor à mãe e aos irmãos mais novos. Tal como Faten, o sírio Yasser sorri muito mais por estes dias do que nos tempos das aulas da Escola de Hotelaria. A Yasser aconteceu quase tudo o que pode acontecer a quem decide fugir da Síria – no seu caso, saiu para evitar o serviço militar e não ser obrigado a matar outros sírios. Quase tudo talvez seja pouco, há muita gente que vive tragédia atrás de tragédia, mas Yasser teve mesmo todos os azares, tantos que o espanto é estar aqui, lúcido, de boné virado para trás, feliz a tornar bolas de farinha em círculos finos que faz saltar de uma mão para a outra (onde segura a bola de pano que ajuda a conseguir o tamanho certo). Uma espécie de malabarista a fazer magia, o tal pão de que Alaa sentia falta, o khobz que tem sempre lugar a uma mesa síria e que serve de colher para ir petiscando entre os diferentes pratinhos que formam a mezze. O jovem que chegou a Lisboa a fazer 22 anos, em Fevereiro, trabalha desde a adolescência, não por necessidade mas por gosto. Fazer pão, percebeu depressa, era a sua paixão. Tudo isto em Ghuta, a cidade dos arredores de Damasco onde ataques com gás sarin fizeram mais de 1400 mortos numa manhã de Agosto de 2013. Por essa altura, já o mais novo de cinco irmãos se preparava para fugir para o Líbano, experiência que descreve como “tortura” por ter sido maltratado por libaneses e por patrões que não lhe davam mais do que trabalho como ajudante com salário mínimo. Desencantado por estar num país onde um padeiro não é tratado com respeito, tentou a carpintaria. No primeiro de vários azares, cortou um dedo e esteve três meses sem trabalhar, “às vezes sem comida ou sítio para dormir”. Deixou o Líbano e foi para a Turquia, onde voltou a conseguir emprego numa padaria. Ali passou oito meses a juntar dinheiro para viajar para a Europa, mas um irmão foi raptado na Síria e tudo o que ele juntara serviu para o resgatar. Recomeçou e voltou a juntar o dinheiro para atravessar o Mediterrâneo num bote de borracha que acabou por conduzir quando quem devia ocupar-se do leme não apareceu. O pior ainda estava para vir e aconteceu na Grécia, já junto à Macedónia. Com a fronteira a abrir e a fechar, e perto de fechar indefinidamente, alguns refugiados receberam números para serem chamados a atravessar a linha. A Yasser coube o número 69, o último a passar tinha o 60. Foi aí que se sentiu “destruído” e “tratado como um animal”, mas ainda faltava roubarem-lhe a tenda e o dinheiro que lhe sobrava do campo de Idomeni (o acampamento sem quaisquer condições que nasceu junto à fronteira). “Desesperado” era palavra que já não chegava para descrever o seu estado. Depois de tanto azar, teve a sorte de se cruzar com membros da Jafrah, uma ONG constituída por refugiados. Voltou a amassar pão para distribuir por todos os que sobreviviam em Idomeni e assim, a ver o rosto dos que cheiravam o seu pão acabado de fazer, Yasser voltou aos poucos a ser Yasser e a acreditar na vida. Veio de Atenas para Portugal e depois do pão ainda serve às mesas com os outros rapazes. Shiraz também passou pela Grécia antes de aterrar em Lisboa. Veio com dois filhos, um adolescente e uma rapariga de 20 anos. O marido ficou em Alepo, uma filha já casada também. Olhando para esta mulher de traços fortes e beleza clássica, sorriso fácil, é difícil imaginar que esteve semanas sem sair de casa quando chegou a Portugal. É Shiraz que nos fala de comida com os olhos a brilhar, como se estivesse mesmo a rever na sua cabeça as festas de casamento e as quintas-feiras, dia “de sair e comer” com toda a família, ou as sextas, quando “fazemos churrasco e há pratos obrigatórios, como tabbouleh”, a salada levantina que leva bulgur e cebola roxa, salsa, menta, tomate e pepino, tudo picado pequeno. Lá em casa, quando Shiraz crescia, eram dez, sete irmãos e três irmãs, houve muita gente a casar. Nascida em Afrin fez de Alepo a sua casa, quando lá chegou depois de casar, aos 19 anos. A Alepo de Shiraz já não existe e talvez ela possa fazer de Lisboa a sua nova casa. É o que espera que aconteça, desde que o resto da família possa juntar-se-lhe. Para já, rodeou-se da comida que lhe lembra os que ficaram para trás: tabbouleh, mas também houmous (pasta de grão), fatoush (salada com pão frito), baba ganoush (pasta de beringela assada), falafel (bolinhas fritas de grão), shorbet addas (sopa de lentinhas), mujaddara (bulgur com lentilhas e cebola frita e adocicada), kibbeh (uma espécie de croquete de borrego com bulgur e nozes) ou as espetadas de borrego ou frango acompanhadas de um delicioso molho de iogurte. Comida para partilhar e para viajar, ao mesmo tempo que se percebe que os hábitos culinários de portugueses e sírios não são assim tão diferentes. O resultado é outro mas os ingredientes, incluindo parte das especiarias, são muito parecidos, como parecida é a cultura de passar horas à mesa, à volta de comida e em conversa animada. Na Síria, como em grande parte de Portugal, é difícil não comer bem. A diferença é que na Síria é mais fácil ser convidado a partilhar uma refeição por desconhecidos curiosos, com vontade de conhecer estrangeiros e de lhes falar da sua vida. No Mercado de Arroios, há a partir de agora uma pequena Síria, uma Síria feita por quem fugiu da guerra mas que se parece muito mais com o país que existia antes do conflito do que com aquele que existe agora. Segunda-feira, véspera da abertura oficial e chegam os diplomas da Escola de Hotelaria. Os seis que não estão no Mezze terão de lá passar para os recolher, incluindo Mouna, convidada pela associação a trabalhar no restaurante mas que decidiu tentar já o seu próprio negócio, de pastas e pickles e outras iguarias que descobriu que conseguia replicar em Lisboa. “Talvez seja cedo para ela, mas a ideia é mesmo essa. Dar-lhes ferramentas e deixar que sigam o seu caminho”, diz Francisca. “Do que mais gosto é de os ver a conviver com pessoas tão diferentes, gente com vidas que eles nem imaginavam na Síria”, diz Alaa. Gente que bebe vinho, por exemplo, ao contrário da maioria dos sírios do Mezze, que não toca em álcool. Mas tal como a carne halal (de animais mortos de acordo com determinados preceitos islâmicos) e as garrafas já convivem lado a lado no restaurante também a chef Fatima se vai habituar a ver os seus pratos ser acompanhados por um copo de vinho tinto. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Lisboa não tem nem nunca terá “o mesmo cheiro da terra quando chove” em Damasco nem “o cheiro do jasmim”, de que Fatima sente falta como qualquer damasceno. O mesmo cheiro que faz Faten fechar os olhos, enquanto acrescenta as saudades que sente “da visão de uma banca cheia de pickles nas ruas de Damasco" como se estivesse mesmo a ver os frascos empilhados em pirâmides. Mas Lisboa já tem o Mezze e lá dentro já há muitos cheiros da Síria. E foram Fatima e Faten e os outros que os trouxeram. Agora, bastaria que Fatima conseguisse trazer para cá o filho que não vê há cinco anos ou Faten encontre maneira de fazer chegar a Lisboa a filha de 18 anos que decidiu voltar para a Síria quando chegou à Turquia com a mãe e as irmãs. “A primeira pessoa que eu conheci quando cheguei” é como a Alaa às vezes se lembra de me descrever. Em rigor, eu fui apenas uma das pessoas que a Alaa conheceu no dia em que aterrou em Lisboa, antes de partir para Évora, onde estudou Arquitectura (agora está no ISCTE). Certo é que eu conheço a Alaa há bastante tempo e tenho por ela um respeito e carinho sem fim. E claro que conheço a Francisca, minha colega desde 2001 praticamente até ontem. Há uns meses, a Francisca perguntou-me se queria escrever os perfis de alguns dos sírios que iriam trabalhar no Mezze, perfis que aparecem nas ementas ao lado de ilustrações do João Catarino e que também irão estar o site do projecto. Claro que o fiz, eu que tanto queria encontrar formas de colaborar com a Pão a Pão. Foi assim que conheci estes sírios antes dos que agora podem saborear a sua comida no Mercado de Arroios e tive a sorte de poder começar a torcer por eles um pouco mais cedo do que a maioria. Este artigo encontra-se publicado no P2, caderno de Domingo do PÚBLICO
REFERÊNCIAS:
A viagem de todos os sonhos
Milhares de refugiados sírios estão a chegar à Alemanha, depois de, durante semanas, terem percorrido os Balcãs e a Hungria, a pé, de barco, de autocarro e comboio.Acompanhámos a viagem, de Budapeste a Munique. (...)

A viagem de todos os sonhos
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 Mulheres Pontuação: 2 Refugiados Pontuação: 14 | Sentimento 0.0
DATA: 2017-09-24 | Jornal Público
SUMÁRIO: Milhares de refugiados sírios estão a chegar à Alemanha, depois de, durante semanas, terem percorrido os Balcãs e a Hungria, a pé, de barco, de autocarro e comboio.Acompanhámos a viagem, de Budapeste a Munique.
TEXTO: Domingo à noite, compartimento 15, carruagem 10, comboio especial Viena-Munique. Os olhares e as vozes são filtrados por uma barreira narcótica de cansaço. Yussef tem 3 anos e está quase a chegar a casa. Vai a dormir, cheio de confiança. O irmão, Abud, recusa-se a descansar. É daqueles miúdos que não param. Mesmo a morrer de sono, atira-se para o chão, grita, puxa o cabelo ao pai, rebola no colo da mãe, pendura-se na janela, esperneia, exige atenção, quer mamar, ri à gargalhada, desata a chorar. Aliás, quanto mais cansado, mais eléctrico. E não se percebe de onde vem a energia que alimenta aquele corpinho de gafanhoto. Tem um ano de idade, um babygrow de pêlo branco com patas de urso e os olhos esbugalhados e vermelhos de sono e petulância. “Abud!” A mãe, Yathreb, 26 anos, está nas últimas. No limite das suas forças. “Abud! Vai ter com o pai!”Ahmad, 31 anos, levanta-se e leva o filho ao colo para o corredor. Tenta adormecê-lo, de um lado para o outro, evitando pisar os passageiros deitados no chão. “Aquele é um rapaz bom”, diz, apontando para Yussef, estendido como um anjo no banco do comboio. “Este é mau”. Todos os pais sabem que há dois tipos de crianças. Se umas são dóceis, sossegadas, comem e dormem a horas, já outras parecem ter vindo ao mundo para lhes roubar anos de vida. Funcionam em contraciclo. Ficam despertos quando todos dormem, mas adormecem quando é preciso sair de casa, e têm de ser levados ao colo. Abud, que agora despiu o babygrow de urso, e está descalço, de pijama cor-de-rosa, é um destes casos. “Quando precisamos de descansar, ele não deixa”, diz o pai. “Mas quando temos de atravessar uma fronteira a pé, clandestinamente, pela floresta, ou chegamos a um campo de refugiados, ele adormece, e temos de carregar com ele. Esta família só é feliz quando ele está a dormir”. Quando ele adormece e começa a sonhar está também na sua nova casa, na Alemanha, com o irmão e os pais. Budapeste, domingo de manhã. O parque Varosliget, nas imediações da estação de Keleti, está transformado em dormitório. Famílias inteiras ou grupos de homens acampam nos relvados entre o lago, o jardim zoológico e os castelos que são a atracção turística do parque. Sacos, mantas, tendas, roupas, garrafas de água dispõem-se ao longo dos caminhos, com a desordem própria de quem acabou de chegar e pode ter de partir a qualquer momento. “Dormíamos na estação, mas a polícia expulsou-nos a noite passada”, diz Karim, um sírio de 27 anos, calças rotas e muito sujas. “Estávamos na estação de Keleti há cinco dias, porque não nos deixavam apanhar nenhum comboio. Agora, muitos partiram a pé para a fronteira, mas nós estamos à espera de uns amigos, que ficaram detidos num campo próximo da fronteira sérvia”. Há grupos de refugiados nos passeios, nas entradas dos centros comerciais, nas passagens subterrâneas, nos acessos à estação de Keleti. São aglomerados dispersos, preparando-se para partir. Voluntários húngaros trouxeram roupa, sapatos e brinquedos para distribuir. Espalharam tudo no chão, na passagem que dá acesso às linhas férreas. Algumas mulheres aproveitam uns sapatos de criança, ursinhos de peluche, pouco mais. É óbvio que os refugiados não estão muito interessados nos donativos. A maioria quase nem traz bagagem, e não parece preocupar-se com isso. O importante é seguir viagem, não é transportar bens ou utensílios. “Quando chegarmos ao destino compraremos tudo o que precisamos”, diz Shadi, 39 anos, que veio num grupo de cinco homens. “Nós não vamos em busca de dinheiro, mas apenas de segurança. O dinheiro é fácil de obter, desde que haja paz”. Nas últimas semanas, milhares de refugiados sírios, misturados com outros de várias nacionalidades, atravessaram os Balcãs até à capital húngara, para daí seguirem para a Alemanha ou outros países da Europa ocidental. Mas o caminho foi-lhe barrado em Budapeste. Impedidos de entrarem nos comboios ou autocarros, apesar de terem dinheiro para comprar os bilhetes, foram-se amontoando na estação de Keleti. Mas sexta-feira, dia 4, algumas centenas deles tomaram uma decisão: caminhar até à fronteira austríaca. Iniciaram aquela a que chamaram a “marcha da liberdade”, preparando-se para percorrer centenas de quilómetros a pé, e não foram impedidos pela polícia húngara, como se temeu. As autoridades optaram aliás por enviar autocarros, que transportaram os refugiados até à fronteira. Aos que ainda se encontravam em Keleti, ou aí chegaram durante o dia, foi, desde o final da tarde, autorizado o embarque nos comboios que partiam para ocidente. À entrada do terminal de uma das linhas, um cartão escrito à mão em inglês indicava “Destino: Hegyesshalon, a 5 quilómetros da fronteira com a Áustria. Preço: 13 euros. Mudança de comboio aqui”. Uma seta apontava para um ponto num mapa desenhado a esferográfica: "Gyor”. Os refugiados começaram a comprar os seus bilhetes e, às 13h10m, hora marcada para a partida, surgiram de todas as direcções, numa fila imensa para entrar nas carruagens. O cais está repleto de polícias, e são eles que inspeccionam os bilhetes. A estação parece de súbito transformada numa zona militar. Onde reinava o caos, há agora uma ordem intimidante. A polícia não faz nada, excepto cortar os bilhetes e apontar o caminho para o comboio, e as pessoas avançam até à plataforma com ordem e sem grande alarido. A composição enche até não haver lugares sentados nem de pé, e arranca à hora marcada. Abdalrahman, de 15 anos, é o único homem da família, por isso é ele quem mostra os bilhetes ao revisor, que permanece sisudo, mesmo quando Isra’a, de 20 anos, irmã de Abdalrahman, sorri para ele. A tia, Zobaida, de 54 anos, olha para o chão. Estão os três muito bem vestidos, limpos, e trazem apenas uma pequena mochila cada um. Dir-se-ia que fazem uma pequena viagem de fim-de-semana, para visitar algum familiar. Mas vêm de Damasco e querem chegar à Suécia, onde têm amigos à espera. Compraram um “bilhete” completo, de que preferem não dizer o preço. O traficante garantiu que os deixava em Estocolmo, através de uma rede de contactos em vários países. O difícil seria chegar à Hungria, avisou ele. Depois, o caminho estaria aberto. Em parte tinha razão. As primeiras etapas foram duras. Chegar à Turquia e daí, da cidade de Esmirna, atravessar para a Grécia, Mitalini, depois para Kavala, Salónica, cruzar a fronteira para a Macedónia, e depois para a Sérvia. A “agência de viagens” informal tinha tratado de todos os meios de transporte, mas na fronteira da Sérvia com a Hungria abandonou-os à sua sorte. “Ficámos sozinhos, e tivemos de caminhar uns 3 quilómetros, pela floresta, à noite”, conta Isra’a. “Fomos obrigados a passar clandestinamente, porque a fronteira estava fechada, e com muitos polícias. Foi muito perigoso. Estávamos com um grupo muito grande, todos a andar em silêncio. Mas cinco rapazes foram apanhados. Foram presos e levados para um campo de detenção”. Isra’a, que usa óculos, xaile nos joelhos e um véu prateado na cabeça, faz o relato com um sorriso envergonhado, esperando uma compreensão especial para o que terá sido a primeira ilegalidade que cometeu na vida. É também a primeira vez que sai do seu país. Tem um ar de jovem de classe média alta, confundir-se-ia facilmente com uma estudante de Erasmus. É difícil imaginar como, com os seus dois acompanhantes, tão frágeis como ela, pode ter acabado de viver uma aventura tão desmesurada. Talvez eles próprios também não acreditem, ou, numa estratégia de preservar a inocência, perante si e os outros, se esforcem por fingir que nada aconteceu. Isra’a terminou este ano a licenciatura em Literatura Inglesa, e aceitou a decisão do pai de partir para a Suécia. Ele, engenheiro numa grande empresa de Damasco, e a mãe, irmã de Zobaida, juntar-se-lhes-iam em breve. “Há bairros nos arredores da cidade, muito perto da nossa casa, que estão a ser bombardeados, e onde morrem pessoas todos os dias. É muito perigoso ficar lá. O meu pai já tinha pensado tirar-nos do país, mas decidiu fazê-lo agora, porque muitas pessoas tiveram a mesma ideia. Ele achou que agora ia ser possível. Que era a altura certa. ”O comboio entra na ponte que separa Buda e Peste, nas duas margens do Danúbio. Os três sírios ficam indiferentes à beleza da paisagem. Pergunto a Isra’a se sabe o nome daquele rio. Não sabe. Ela e o irmão mantêm-se agarrados ao telemóvel durante grande parte da viagem, tentando captar algum sinal wifi. O comboio pára na estação de Tatabanya, onde há vários polícias na plataforma, o que sucederá em todas as outras paragens. Nenhum refugiado está interessado em apear-se antes da fronteira, mas a polícia mobilizou-se em grande escala para garantir que isso não acontece. Alguns agentes fardados entram no comboio e percorrem os corredores. Paramos em Gyor, mas alguém diz que afinal não é necessário mudar de comboio. Percebe-se vagamente que tudo foi alterado, que já não estamos num comboio normal, que uma lógica superior tacitamente se impôs. A partir daqui, já não há húngaros na viagem. Quem começasse agora a sonhar teria a certeza de que os líderes mundiais decidiram abolir vistos e fronteiras, e que se pode viajar livremente pelo mundo, onde uma nova ordem utópica é subitamente plausível. Na Síria, alguém teve a premonição misteriosa de que poderia partir, como se fosse portador de passaporte alemão ou britânico, sem ser detido em lado nenhum. E isso transformou-se numa ordem de acção, percorrendo à velocidade da luz a consciência colectiva. Hegyesshalon, início da tarde. Centenas de pessoas foram sendo depositadas num apeadeiro antes da pequena cidade perto da fronteira, para onde se preparam para avançar a pé. Mas o fascizante governo húngaro de Viktor Orbán mudou entretanto de política. Depois de várias semanas a impedir os movimentos dos refugiados, internando-os à força em campos prisionais, decidiu agora reencaminhá-los rapidamente para a Europa ocidental. “O meu sonho era entrar na zona da União Europeia”, diz Jamir, sírio, de 25 anos. “Percorri vários países, com grandes riscos, com o objectivo de chegar à Hungria. Aí tudo será diferente, pensei. Já estarei na Europa. A grande surpresa é que fui mais maltratado na Hungria do que em todos os outros países. Foi uma grande decepção. Afinal ainda não estava na Europa. ”Jamir, que diz já ter estado detido por uma milícia na Síria, não confia em ninguém, e só tem uma ideia na cabeça: a Noruega. Não sabe explicar porquê. Amigos falaram-lhe, viu uma vez um filme. Motivos pouco sólidos, mas não importa. Quer chegar à Noruega, e não acredita nos transportes públicos: tenciona apanhar um táxi. Talvez de Viena, se conseguir lá chegar. O preço não é problema. No cais da estação entra um comboio de alta-velocidade. Fará paragem em Hegyesshalon, mas o destino, está escrito nas carruagens, é Viena. Jamir, Isra’a, o irmão e a tia, mais umas centenas de pessoas, sobem a bordo. Um funcionário da estação ainda diz, em inglês: “Só para quem tem bilhete para Viena”. Ninguém tem, mas não é altura de discutir pormenores. A família de Isra’a passa de carruagem em carruagem, até encontrar lugar na 1ª classe. São compartimentos de luxo, ocupados por alguns húngaros e turistas, que rapidamente ficam cheios de sírios, com calças rotas e ténis sujos, sem bilhete nem passaporte. Ninguém fala com eles, mas também ninguém se queixa. Não aparece revisor, nem polícia, como se houvesse uma conspiração geral para discretamente os expulsar do país. O comboio nem pára na fronteira. Não há dúvida: o pequeno ponto azul do GPS do telemóvel surge a piscar no lado austríaco do mapa Google. Estendo o ecrã a Isra’a, que percebe imediatamente o que aquilo significa. “Finalmente estamos em segurança”, diz ela. “Refugiados, bem-vindos à Áustria”, dizem os cartazes. Um grupo de jovens voluntários e activistas está na estação distribuindo comida e bebidas, roupa, aconselhamento. Alguns seguram um papel que diz: “Tradutor. Árabe, inglês, alemão”. São muitos, e fazem os possíveis por transmitir afecto. Têm bancas com refeições quentes, distribuem kits para viagem. Isra’a treme de emoção. Está desorientada pela recepção calorosa, mas não pode perder tempo. Tem um número de telefone para onde deve ligar. O plano inclui permanecer alguns dias em Viena, até prosseguir a viagem pelo Norte da Alemanha e a Dinamarca, ficando por períodos mais ou menos longos em várias cidades, em casas ou hotéis. Tudo incluído no “pacote” previamente pago pelo pai, em Damasco. Faz o telefonema e dão-lhe uma direcção para onde se deve dirigir, de táxi. Toma cuidados para despistar os outros companheiros de viagem, despede-se e entra no carro com o irmão e a tia. Jamir fica parado, sozinho, no hall da estação, sem saber o que fazer. No meio da confusão, há correrias em direcção a uma outra plataforma. Uma composição especial está prestes a partir, já superlotada. Jovens voluntários encaminham os refugiados, dão-lhes mantimentos para a viagem, água, medicamentos. A atmosfera é de festa. “Viena-Munique”. Lê-se nas carruagens. “Ainda há lugar para mais alguns. Venham! Venham!” Jamir aproxima-se, indeciso, mas acaba por entrar. Eu sigo-o. Mais grupos trepam para as carruagens, hipnotizados pela palavra mágica — Munique. O comboio enche até ao sufoco. Os voluntários andam lá dentro, a entregar coisas, a falar com as pessoas. Ouço alguém perguntar-lhes se não faz mal não ter bilhete… Os jovens austríacos riem, distribuem abraços e carícias. “Não te preocupes. Ninguém te vai pedir um bilhete. ”Nos rostos de todos, o cansaço transforma-se numa euforia tingida de ingenuidade e loucura. Sentem que vão iniciar a viagem mais extraordinária das suas vidas. E no entanto, de todos estes passageiros, nenhum alguma vez visitou Munique, ou a Alemanha, ou até a Europa. É uma viagem para o desconhecido. E, uma vez chegados ao destino, o que acontecerá? Ninguém sabe. Nem isso os preocupa. É a Alemanha. Um fim em si mesmo. Acabou-se a infelicidade e o medo. Já ninguém desconfia de ninguém. Aqui chegados, façam deles o que quiserem. Levem-nos para campos de refugiados, façam-nos esperar meses, ou anos, por um documento de residência. Será sempre diferente, será sempre humano. Uma multidão endurecida pela guerra, agora dócil, feliz, rendida. Quem adormecesse sonharia com um paraíso chamado Alemanha. Compartimento 15, carruagem 10. “No Médio Oriente somos números. Na Europa somos tratados como seres humanos”, diz Ahmad, que partiu da Síria há 24 dias. Abud, o filho mais novo, não há meio de adormecer. De dez em dez minutos pede a mama à mãe, Yathreb. Yussef parece ter decidido só acordar na sua nova casa. “Eu minto-lhe”, admite o pai. “Ele quer compreender tudo, está sempre a fazer perguntas, e eu vou inventando explicações”. Disse-lhe por exemplo que os polícias húngaros que os levaram para a prisão eram soldados europeus que os protegeriam dos militares sírios que lhes bombardearam a casa. E que as noites passadas ao frio no campo prisional na Hungria eram um exercício de preparação para a neve do Inverno europeu, onde teriam a sua nova casa. Quem agora começasse a sonhar veria Guido, a personagem interpretada por Roberto Benigni, inventando histórias para o filho, no campo de concentração. Ahmad e a família vêm de Dara’a, a cidade do Sul da Síria onde começou o conflito. “Pensámos, ao princípio, que era uma Primavera, como na Tunísia e Egipto. Nunca pensámos que a guerra se tornasse interminável. ”Em 25 de Maio de 2012, a casa de Ahmad e Yathreb foi destruída por 13 bombas do exército governamental. Fugiram da cidade, e andaram de casa em casa, nos últimos anos. Yussef nasceu pouco depois, na Jordânia, onde tentaram refugiar-se. Ahmad, que é engenheiro agrícola de formação, trabalhou lá, com a ajuda de um primo que vive no país vizinho, mas acabou por ser expulso. Voltou, pagando mais de 1500 euros para passar a fronteira, para o nascimento do segundo filho, Abud. “Nos últimos três anos, vivemos em mais de 30 casas. Sempre a fugir de um lado para o outro, para nos pormos a salvo da violência. Até que, há dois meses, tomámos a decisão de partir. ”Era um empreendimento caro. Ao todo, Ahmad pagou 10 mil euros pela viagem. Só para os passaportes foram 4 mil, mais 1600 para o voo da Jordânia à Turquia. Não os tinha, mas conseguiu empréstimos da família e dos amigos. Todos o aconselharam a não levar mulher e filhos. Seria demasiado perigoso. O que os outros homens fazem é deixar a família num campo de refugiados na Jordânia ou Turquia, e partem sozinhos para a Europa. Mais tarde, com a situação estabilizada, viriam buscar os familiares. “Tentei encontrar pessoas de confiança que ficassem com os meus filhos, mas não encontrei. Fizemos então a opção mais arriscada: trazê-los. Se tivesse êxito, toda a missão estaria cumprida, enquanto para os outros ainda faltaria a parte mais importante. ”A parte mais dramática da viagem foi a travessia da Turquia para a Grécia. “Foi a máfia que organizou a viagem. Meteram 100 pessoas numa furgoneta, para uma viagem de 5 horas, onde mal podíamos respirar. Depois, mais 3 horas de barco. Ainda pensei desistir, mas não era possível. Eles tinham armas, e obrigaram-nos a entrar. Éramos 46 pessoas no pequeno barco, nove das quais crianças. No meio do mar, o barco começou a meter água, e acabou por afundar. Estivemos 45 minutos na água, a nadar, sem saber para onde. Tive de segurar os meus filhos no ar, com as mãos, enquanto tentava manter-me à tona. Não morreram por milagre. Os nossos companheiros de viagem, jovens que vinham connosco, sem família, ajudaram-me a salvar os meus filhos. Arriscaram a vida para não os deixarem morrer. ”Foram resgatados por um barco de pescadores gregos, levados para a ilha de Samos. “As crianças ficaram mais de 5 horas sem roupas, numa unidade militar. Um sítio onde não havia nada, nenhuma loja onde pudéssemos comprar agasalhos ou comida. Porque ficámos sem nada no naufrágio. ”Acabaram por ser metidos num barco para Atenas, 13 horas de viagem, de pé. De Atenas a Salónica, mais 9 horas de autocarro. Quando passaram a fronteira para a Macedónia, caminhando durante dez quilómetros (com Abud ao colo, sempre a dormir), e esperando mais três horas ao sol, foram agredidos por rapazes das povoações circundantes, que acabaram por ser presos pela polícia. Na fronteira entre a Macedónia e a Sérvia esperaram três dias na rua, sem água nem comida. Eram mais de 500 pessoas ali deixadas sem qualquer explicação. Os guardas não falavam inglês, e nem tentaram comunicar com eles. A travessia da Sérvia foi feita de uma vez só, de autocarro. “E a Hungria foi a grande surpresa. Inicialmente, fomos bem recebidos, com umas senhoras a darem comida e roupa, as televisões a fazerem entrevistas. Mas à noite, quando as câmaras se afastaram, e ficámos sozinhos com a polícia, a atitude mudou completamente. Trouxeram carros e levaram-nos para a prisão. Ficámos um dia a pão e água num campo militar. Os polícias eram agressivos para com as crianças, que tinham medo deles. A seguir levaram-nos para outro campo, perto da fronteira com a Roménia. ”Foi aí que Ahmad leu a notícia sobre Aylan, o menino sírio de 3 anos encontrado morto na praia, porque o barco onde seguia, na travessia para a Grécia, naufragou, precisamente como acontecera com a sua família. “Foi a primeira vez que chorei. Pensei em Yussef, que também tem 3 anos. Se tivesse acontecido alguma coisa aos meus filhos, toda a minha vida teria falhado. Chorei tanto naquele campo. Pensava: ‘O que foste fazer? Como puseste assim em risco a vida dos teus filhos! Aylan podia ser Yussef. E no entanto temos de agradecer a Aylan, porque foi a tragédia dele que mudou as atitudes na Europa. Yussef agora odeia o mar, diz que não quer ir à praia nunca mais. Mas Aylan morreu para que nós chegássemos aqui. ”Nesse campo, em Dicibrin, as condições eram ainda piores do que nos outros. Havia presos de delito comum. “Ficávamos na rua, ao frio. Pedimos cobertores para as crianças, mas não trouxeram. Ninguém falava inglês. Havia bichos. Eu ficava acordado toda a noite, a vigiar o sono dos meus filhos, com medo dos criminosos. ”Tentaram fugir. Umas duas mil pessoas tentaram chegar a Budapeste. Meteram-se num comboio, mas havia polícias em todas as estações, impedindo-os de se apearem. Voltaram a Dicibrin. Numa segunda tentaviva, partiram a pé. Caminharam duas horas, quiseram ficar num hotel, mas nenhum os aceitou. Voltaram para trás. Acabaram por conseguir apanhar um comboio para Budapeste. Daí, caminharam para a fronteira austríaca. “Uma mulher ensinou-nos o caminho, e partimos. Abud sempre ao colo. Surgiu um homem brasileiro que nos ajudou. Comprou bilhetes de comboio para 200 pessoas, até Hesysshalom. Andámos mais 5 quilómetros até à fronteira. Éramos umas duas mil pessoas. ”Na Áustria, foram recebidos calorosamente. “Era o inferno, agora era o paraíso. Vieram médicos, polícias, homens de negócios. Perguntei-lhes porque estavam ali. Disseram: para ajudar. Um homem veio falar connosco, levou-nos para casa dele, deixou-nos comer e tomar banho. ”Ahmad quer viver na Alemanha, porque acha que o país precisa dele. “É um país grande e rico, que precisa de trabalhadores, como precisou nos anos 60. A Alemanha cresceu devido aos Gastarbeiters turcos, dessa época. As pessoas que querem ir para a Escandinávia, fazem-no porque pretendem viver de subsídios. Eu não. Tenho ambição. Quero trabalhar muito, e fazer parte do crescimento de um grande país. ”Não pensa voltar à Síria. “A guerra lá vai durar pelo menos mais 35 anos. Só há dois tipos de pessoas que ficaram na Síria: os que não têm dinheiro nem ninguém que os ajude para sair, e os que lucram com a guerra. As pessoas tornaram-se más. Têm os corações negros. Todos querem combater. Durante duas gerações, ninguém vai querer a paz na Síria. Nem os sírios, nem os americanos, os russos, os sauditas e os iranianos. Todos estão a combater na Síria. ”Na janela correm as paisagens verdejantes da Áustria e da Baviera, mas nenhum dos sírios parece reparar. Ao cair da noite paramos em Salzburgo, durante uma hora. Depois viajamos por mais algumas horas, o que faz Ahmad pensar que o comboio já não vai para Munique. “Talvez já não haja espaço em Munique, e nos levem para outra cidade”, diz ele, depois de tentar informar-se com alguns dos voluntários. Mas não está preocupado. Qualquer cidade serve, desde que na Alemanha. Porque quando Yussef lhe pergunta onde é a nova casa, responde: “Na Alemanha. ” Ainda que a mulher, Yathreb, ainda sob a hipnose do tratamento afectuoso em Viena, optasse por viver na Áustria. “Talvez estejam à espera que o comboio da frente se esvazie, na fronteira, para poder avançar este”, tenta ele outra explicação, entusiasmado. Mas sempre chegamos a Munique, a meio da noite. Milhares de refugiados saem dos comboios e são encaminhados para recintos cercados, dentro da estação, onde terão de esperar por autocarros da polícia, que os levarão a alojamentos temporários, onde serão registados. Há agentes fardados por todo o lado, a conduzir os refugiados pelos caminhos determinados. Não é permitido sair dos percursos. Nos altifalantes, vozes falando em inglês com sotaque alemão dão instruções. “Please, walk to the right!”. Milhares de refugiados são conduzidos de um lado para o outro, cambaleantes. Quem começasse agora a sonhar talvez formasse na cabeça imagens arrepiantes de multidões trazidas em comboios sob ordens de soldados alemães. Um polícia grita para um sírio que tenta ultrapassar as grades, fugindo para a rua. Mas logo a seguir põe-lhe a mão na cabeça e diz a rir “Estou a brincar. Não tenhas medo. O caminho é por ali”. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Mais uma vez há comida e roupa, bebidas quentes. A multidão senta-se no chão e aguarda pacientemente. Mas não Jamir. Quer apanhar o seu táxi para a Noruega e não tem paciência para burocracias. Encosta-se a um canto, espera a oportunidade, e escapa por baixo da grade. Encontro-o mais tarde lá fora, a comer um hambúrguer no restaurante Subway. Disse-me que iria dormir ali, e de manhã procuraria o seu táxi. Quando começasse a sonhar estaria na Noruega.
REFERÊNCIAS:
Imprensa sueca identifica alegado autor de ataques em Estocolmo
A polícia sueca confirmou que as duas explosões que sábado causaram o pânico no centro de Estocolmo estão a ser investigadas como um “crime terrorista” e que o homem encontrado morto na rua é tido como principal suspeito. Um email enviado minutos antes do ataque – com referências à guerra no Afeganistão e a caricaturas do profeta Maomé – colocou as autoridades no rasto de radicais islâmicos e, e esta noite a imprensa sueca noticiou que o suposto atacante era um imigrante de origem iraquiana. (...)

Imprensa sueca identifica alegado autor de ataques em Estocolmo
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 Mulheres Pontuação: 2 Migrantes Pontuação: 9 | Sentimento -0.1
DATA: 2010-12-13 | Jornal Público
SUMÁRIO: A polícia sueca confirmou que as duas explosões que sábado causaram o pânico no centro de Estocolmo estão a ser investigadas como um “crime terrorista” e que o homem encontrado morto na rua é tido como principal suspeito. Um email enviado minutos antes do ataque – com referências à guerra no Afeganistão e a caricaturas do profeta Maomé – colocou as autoridades no rasto de radicais islâmicos e, e esta noite a imprensa sueca noticiou que o suposto atacante era um imigrante de origem iraquiana.
TEXTO: O incidente, num país até agora poupado pelo terrorismo, segue-se a meses de nervosismo na Europa, depois de Washington ter alertado para a possibilidade de um ataque no continente e da descoberta, em Outubro, de duas bombas dissimuladas em encomendas enviadas para os EUA a partir do Iémen. “Trata-se de um caso muito grave, que está a ser investigado como um crime terrorista”, confirmou Anders Thornberg, director de operações da Sapo, os serviços de informação e segurança suecos. Ainda assim, foi decidido não elevar o nível de alerta terrorista, revisto em Outubro devido a uma “mudança nas actividades” dos grupos extremistas locais. As investigações centram-se, para já, no homem encontrado morto pouco depois da segunda explosão. Segundo a imprensa sueca, trata-se de Taymour Abdulwahab, um iraquiano de 28 anos, residente no Sul do país. Seria dele o carro que explodiu minutos antes, a curta distância, numa das principais ruas comerciais do centro de Estocolmo, ferindo duas pessoas. A Sapo recusa confirmar quer a identidade do suspeito, quer a tese de atentado suicida – que seria o primeiro na história do país. Mas uma das primeiras pessoas a chegar ao local contou ao jornal Dagens Nyheter que o homem apresentava feridas graves na zona abdominal. “Parecia que ele tinha transportado alguma coisa que explodiu junto ao estômago”. O diário Aftonbladet acrescentou que, ao lado do corpo, foram encontradas bombas-tubo (engenhos artesanais, fabricados com peças metálicas) e um saco com pregos. Admite-se que algum dos engenhos tenha explodido antes do previsto. “Por sorte, parece ter-se tratado de um grande fracasso”, disse à AFP Bo Janzon, perito sueco em segurança, explicando que os engenhos citados “mostram que ele tinha intenção de matar e mutilar”. Pista islamistaAs suspeitas centraram-se na pista islamista depois de a agência de notícias TT ter revelado que, minutos antes do ataque, recebeu um email, com ficheiros de voz em árabe e sueco. Lá dentro prometia-se vingança contra a “guerra ao Islão” (referência habitual à missão da NATO no Afeganistão) e o apoio estúpido a Lars Vilks”, o cartoonista que em 2007 desenhou Maomé com corpo de cão. “Agora as vossas mulheres e crianças vão morrer como as nossas”, avisa o autor da mensagem, enviada também para a Sapo. Há muito que a secreta sueca alertara que grupos próximos da Al-Qaeda estariam a recrutar somalis a viver no país para a guerra no Corno de África – suspeita que contribuiu para aumentar o debate, e a tensão, no país em torno da imigração. A polícia rejeita conclusões precipitadas sobre a autoria do ataque. “Tanto quanto sabemos, ele agiu sozinho, mas temos de investigar a possibilidade de haver outros envolvidos”, disse à Reuters Thornberg. Mas os peritos dizem que os actos totalmente isolados são raros e os ataques recentes – como a tentativa falhada para explodir um avião sobre Detroit, no Natal de 2009 – mostram que, mesmo quem age sozinho, fá-lo a mando ou em colaboração com grupos radicais. Claude Moniquet, chefe do Centro Europeu de Informações Estratégicas e Segurança, prevê, por isso, que outros países europeus venham a reforçar a vigilância: “O ataque de Estocolmo poderá ter sido um sinal para outros potenciais atacantes agirem. ” Thornberg disse à AFP não ter indícios neste sentido, mas várias capitais apressaram-se a condenar o ataque e a pedir mais informações sobre o sucedido a Estocolmo.
REFERÊNCIAS:
Não Ficções: Álvaro de Campos beija-os a todos na boca
Descendo pela Via do Infante, invisível, sozinho, beijá-los-?-ia a todos na boca, coração rendez-?-vous da humanidade, pulmões cheios ?de água (...)

Não Ficções: Álvaro de Campos beija-os a todos na boca
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 Mulheres Pontuação: 2 Migrantes Pontuação: 5 | Sentimento 0.0
DATA: 2017-09-24 | Jornal Público
SUMÁRIO: Descendo pela Via do Infante, invisível, sozinho, beijá-los-?-ia a todos na boca, coração rendez-?-vous da humanidade, pulmões cheios ?de água
TEXTO: 1. Não desci do comboio como Álvaro de Campos porque já não havia bilhetes. Tudo esgotado: o comboio via Faro, o próximo barco, o polvo no barro, a sardinha assada. O ex-pescador Ostílio acaba de bater o seu recorde de transferências de Tavira Cidade/City para a Ilha/Island, uma vida nas redes, outra no ferry boat, a que ele chama reforma. Tem cara disso, engelhada de sol, e um nome que eu nunca tinha ouvido, pelo menos no masculino. 2. Tudo é velho onde fui novo, achou Campos, descendo do comboio aos 41 anos. Seis anos mais à frente, digo de outra forma, tudo é novo onde sou velha. Certo que Tavira não é a vila da minha infância, mas em Lisboa parece-me o mesmo (e tudo também esgotado, do cacilheiro à calçada). Já sei, é melhor que morrer de fome, e até me dizem que este ano o Algarve não está assim tão cheio. 3. Na verdade, não sei, só vi o pedaço de Faro a Tavira, e da última vez que tinha estado no Algarve ainda não se vendiam garrafas de meio litro de azeite a vinte euros, mesmo comprado no olival de origem, porque é um dos melhores do mundo, ao mesmo tempo que a pracinha da igreja de Tavira oferece uma variedade de aproximadamente vinte e três restaurantes indianos. Hoje, em Tavira Cidade/City os vendedores das lojas dos trezentos, que já não são dos trezentos, nasceram no Rajastão, usam turbante e vendem sardinhas de loiça. Entretanto, Álvaro de Campos, além de rua e biblioteca, é uma rota cultural incluindo a varanda onde escrevo. Ainda não localizei o Álvaro de Campos Coffee Shop & Restaurant, mas as críticas no Tripadviser contêm frases como I love Álvaro de Campos for the best vegetable soup in the world. Ah, amado ao nível do estômago, processado em forma de legume, um Álvaro de Campos enfim concreto, orgânico, vivo, depois de tanta vontade de tudo, o gatuno de estrada, as sombras na viela, as prostitutas, todos beijados na boca, pelo menos um momento, 4. Aquela casa das tias velhas que lhe liam a Nau Catrineta? Podia ser a minha morada em Tavira. A primeira vez que subi as escadas achei que era a pensão das Recordações da Casa Amarela, e a todo o momento o perfil de João César Monteiro seria projectado pelo sol da tarde, cigarrinho bruxuleando. Agora, ao fim de algumas noites, acho que afinal podia ser a casa das tias velhas de Álvaro de Campos, tiquetaque do relógio e tudo. Afinal ou também, porque a sombra de Campos seria quase a de César Monteiro, magro, curvado, cigarrinho bruxuleando, monóculo em vez de óculos. De resto, rangidos, estalidos, portas de bandeira, maçanetas de loiça, chão de tábua, mosaico. 5. Mas saindo colina acima, pela noite, parece-me que a casa de Campos teria de ser mais fidalga, talvez esta, com janelas em arco, ou aquela de sacada, palavra que Fernando Pessoa tanto usou, e agora, como tantas, se usa sobretudo no Brasil, duplicada em sentido (varanda, ou a percepção que de repente sai). Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. 6. Mais fidalga porquê? Porque fidalgo e judeu foi o passado que Pessoa deu ao seu duplo dois centímetros mais alto, engenheiro (in)capaz de toda a sensação. Então, em certo dia de 1930, Álvaro de Campos desembarca de volta a este horizonte de quintal e praia, e a vila da infância é afinal uma cidade estrangeira, distância entre tudo o que era, tudo o que não será, mais aguda por nela ver a sua própria cara. 7. Vem, claro, no lugar do próprio Pessoa, é o seu sensor avançado, em busca dos antepassados de Tavira. E, reparo agora, a travessa que todas as manhãs me leva de casa ao rio Gilão chama-se Jacques Pessoa. Não vou pesquisar, fica no talvez, quem sabe, um tetravô. Em Tavira podemos sempre recuar aos marcos da nacionalidade, por exemplo, chegando ao fim da ponte romana lá está, do lado direito, a placa em memória dos valorosos moradores de Tavira e de Faro que na crise política de 1383 a 1385 defenderam nesta ponte a causa de D. João I, mestre de Avis e nela proclamaram a vitória decisiva do Algarve na luta pela independência de Portugal. 8. Já neste Verão de 2015, a nacionalidade está mais para cerveja artesanal, flor de sal, chamando à vida um figo em várias línguas. Qualquer holandês-alemão-italiano-francês-espanhol dirá, de nariz no ar, em busca de casa para restaurar, como em Portugal se come bem, derivado ao clima mas não só, além, claro, da paz que não há nas duas margens do Mediterrâneo, a que vê os barcos partirem e a que vê os mortos a bordo. Descendo pela Via do Infante, invisível, sozinho, Álvaro de Campos beijá-los-ia a todos na boca, coração rendez-vous da humanidade, pulmões cheios de água.
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Étnia Judeu
Tragédia no deserto: 92 emigrantes encontrados mortos de sede no Níger
Os carros em que se deslocavam no deserto foram encontrados avariados. (...)

Tragédia no deserto: 92 emigrantes encontrados mortos de sede no Níger
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 Mulheres Pontuação: 2 Migrantes Pontuação: 18 | Sentimento -0.2
DATA: 2013-10-31 | Jornal Público
SUMÁRIO: Os carros em que se deslocavam no deserto foram encontrados avariados.
TEXTO: Noventa e duas pessoas foram encontradas mortas de sede no deserto , no Níger, a cerca de dez quilómetros da fronteira com a Argélia, em mais uma tragédia com emigrantes. As vítimas são sete homens, 33 mulheres e 52 crianças. Somam-se a cinco mulheres e jovens do mesmo grupo encontrados na última segunda-feira pelo Exército, disse nesta quinta-feira fonte militar. Todas as vítimas tinham iniciado no final de Setembro uma viagem para a Argélia e morreram no início de Outubro – acrescentou. Dois veículos em que se transportavam foram encontrados avariados. Dirigir-se-iam à cidade de Tamanrassett, que fica em pleno deserto do Sara, e que faz parte das rotas da imigração clandestina, diz o El País. O número de mortos foi confirmado por Almustapha Alhacen, director da organização não-governamental Aghir In’man (Escudo Humano, em tradução livre de tuaregue), que se deslocou ao local. “Os corpos estavam em decomposição. Foi horrível. Encontrámo-los em diversos lugares, num raio de 20 quilómetros e em pequenos grupos, sob as árvores, ou debaixo do sol. Nalguns casos vimos uma mãe e os filhos, noutros crianças sozinhas”, disse Alhacen. Alguns corpos, acrescentou, foram “devorados por chacais e outros animais”. De acordo com o departamento de coordenação dos Assuntos Humanitários da ONU (Ocha), em Niamey, capital do Níger, “cerca de 30 mil pessoas” emigraram para a Líbia entre Março e Agosto de 2013Cerca de 80 mil migrantes atravessam todos os anos o Sara, através do Níger, calcula o serviço das Nações Unidas. Notícia actualizada às 17:07 - Subida do número de mortos de 87 para 92.
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Partidos LIVRE
Portugal e Espanha negoceiam desembarque de 50 imigrantes na Líbia
Os embaixadores de Portugal e Espanha em Tripoli estão em processo de negociações com o Governo líbio para que 50 imigrantes, resgatados por um barco de pesca espanhol ao largo do país, sejam autorizados a desembarcar no porto da capital. De acordo com a edição online do “El País”, a embarcação “Corisco” resgatou ontem 50 imigrantes – 42 homens, cinco mulheres e três crianças – de origem subsariana e magrebina de um barco que se encontrava à deriva na costa líbia. O “Corisco”, propriedade de um espanhol e com uma tripulação de doze espanhóis e portugueses, pediu autorização para entrar no porto de Tripoli, para q... (etc.)

Portugal e Espanha negoceiam desembarque de 50 imigrantes na Líbia
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 Mulheres Pontuação: 2 Migrantes Pontuação: 13 | Sentimento 0.0
DATA: 2007-10-14 | Jornal Público
URL: https://arquivo.pt/wayback/20071014234300/http://ultimahora.publico.clix.pt/noticia.aspx?id=1307523
TEXTO: Os embaixadores de Portugal e Espanha em Tripoli estão em processo de negociações com o Governo líbio para que 50 imigrantes, resgatados por um barco de pesca espanhol ao largo do país, sejam autorizados a desembarcar no porto da capital. De acordo com a edição online do “El País”, a embarcação “Corisco” resgatou ontem 50 imigrantes – 42 homens, cinco mulheres e três crianças – de origem subsariana e magrebina de um barco que se encontrava à deriva na costa líbia. O “Corisco”, propriedade de um espanhol e com uma tripulação de doze espanhóis e portugueses, pediu autorização para entrar no porto de Tripoli, para que os imigrantes desembarcassem, mas não obteve resposta positiva. Desde ontem que permanece a cerca de 128 quilómetros da costa a aguardar um sinal das autoridades líbias. Em Tripoli, os embaixadores de Portugal e Espanha tentam agora que o grupo de imigrantes seja autorizado a receber apoio em território líbio. Citado pelo diário espanhol, José Ramón García Fuentes, presidente da Cofradía de Pescadores de Santa Pola, de onde o barco de pesca é originário, os imigrantes “encontram-se bem de saúde”, mas de acordo com a rádio Cadena SER, que conseguiu falar com o proprietário do “Corisco”, a situação a bordo é complicada, dada a falta de alimentos e espaço para receber tantas pessoas.
REFERÊNCIAS:
Palavras-chave homens mulheres alimentos
Morreu o Comandante Lassard dos filmes Academia de Polícia
George Gaynes tinha 98 anos e uma carreira feita sobretudo na comédia para cinema e televisão. (...)

Morreu o Comandante Lassard dos filmes Academia de Polícia
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 Mulheres Pontuação: 2 Homossexuais Pontuação: 9 | Sentimento 0.0
DATA: 2016-12-31 | Jornal Público
SUMÁRIO: George Gaynes tinha 98 anos e uma carreira feita sobretudo na comédia para cinema e televisão.
TEXTO: Arriscamos dizer que George Gaynes é um nome que a maioria de nós não conseguiria identificar de imediato como sendo de um actor, nem associar-lhe um rosto. Mas, se formos buscar a personagem que interpretou na saga Academia de Polícia, presença regular nas matinés de fim-de-semana na televisão portuguesa, é natural que muitos consigam lembrar-se de imediato de uma ou outra cena em que o distraído Comandante Eric Lassard, de atitudes inesperadas, toma conta da acção. Gaynes morreu na segunda-feira, em North Bend, Washington, aos 98 anos. A notícia foi confirmada ao diário The New York Times pela sua filha, Iya Gaynes Falcone Brown. Com uma carreira longa – retirou-se apenas em 2003, sendo Casados de Fresco o seu último filme -, George Gaynes é também conhecido pelo seu papel em Punky Brewster, uma popular sitcom americana dos anos 80 que lhe trouxe grande notoriedade quando o actor tinha já 67 anos. Nesta série para a NBC, Gaynes é Henry Warnimont, o administrador de um condomínio que, ao encontrar uma menina abandonada num dos apartamentos vazios, se torna seu pai adoptivo. A relação entre os dois, com um cachorrinho à mistura, é o fio condutor desta sitcom sobre a qual, lembra o diário americano, disse o actor: “As duas coisas que um actor mais teme são crianças e cães. Nesta série tenho os dois. ”A década de 80 foi, aliás, muito produtiva para Gaynes, que nasceu na Finlândia como George Jongejans, em 1917. O actor, que começou por ser cantor de ópera antes de se dedicar ao cinema e à televisão, teve no filme Tootsie (1982), em que contracena com um Dustin Hoffman em versão feminina e transformado numa estrela de telenovela, um dos seus melhores papéis. Dois anos mais tarde estreava-se como Eric Lassard no primeiro de sete filmes de Academia de Polícia (o último foi em 1994). O seu começo de carreira como cantor lírico (era barítono) deu-lhe, escreveram vários críticos, uma versatilidade invejável. Com uma infância e juventude passadas em França, Inglaterra e Suíça, Gaynes aterrou nos Estados Unidos depois da Segunda Guerra e juntou-se à Ópera de Nova Iorque, integrando diversas produções antes de começar a trabalhar na Broadway nos anos 1950, em espectáculos como Out of this World, de Cole Porter, e My Sister Eileen, com música de Leonard Bernstein. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Nas duas décadas seguintes, Gaynes fez carreira na televisão, participando em séries como The Defenders, Bonanza, Missão Impossível, Chicago Hope, Hogan's Heroes e The Six Million Dollar Man. A sua passagem pelo pequeno ecrã foi, aliás, duradoura e incluiu mais de 100 papéis em séries dramáticas e de comédia. A esse percurso recheado, devem juntar-se ainda os filmes, os musicais, óperas e operetas no EUA e na Europa. Apesar de ser um rosto imediatamente reconhecível, Geroge Gaynes nunca atingiu o estrelato, escreve a revista especializada Variety, e considerou-se sempre mais um actor do que um cantor lírico. O estrelato, ao que parece, não era coisa que o deslumbrasse, nem nos anos 80, em que ganhou grande notoriedade. Foi precisamente nessa altura em que, falando sobre o seu sucesso quando já tinha quase 70 anos, disse ao jornal The Times: “Já sou demasiado velho, já estou aqui há demasiado tempo para me entusiasmar com isso. É claro que fico feliz. A minha mulher está feliz porque podemos viajar mais e ela pode comprar uma nova capa para o sofá, mas conhecendo os caprichos do mundo do espectáculo, não posso levar [o sucesso] muito a sério. ”
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Entidades EUA
"Somos um país de medrosos"
É provavelmente o nome mais respeitado da psicanálise em Portugal. António Coimbra de Matos, 86 anos, dedicou grande parte da sua actividade ao estudo da depressão. Admite que estaremos provavelmente a viver um período de depressão colectiva. Deitámos o país no divã do psicanalista. (...)

"Somos um país de medrosos"
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 Mulheres Pontuação: 2 Homossexuais Pontuação: 6 | Sentimento 0.0
DATA: 2016-12-31 | Jornal Público
SUMÁRIO: É provavelmente o nome mais respeitado da psicanálise em Portugal. António Coimbra de Matos, 86 anos, dedicou grande parte da sua actividade ao estudo da depressão. Admite que estaremos provavelmente a viver um período de depressão colectiva. Deitámos o país no divã do psicanalista.
TEXTO: Entra-se no consultório e dá-se de caras com uma curva do Douro. A vista assombrosa de São Leonardo de Galafura transporta-nos para uma espécie de tempo mítico. Pendurada na parede em frente à porta, aquela fotografia é uma janela para as origens de Coimbra de Matos. Ao longo de duas horas de conversa, o psiquiatra e psicanalista, nascido em 1929, evoca por diversas vezes episódios da infância para ilustrar o que diz. Embora se tenha afastado da importância que a teoria psicanalítica clássica dá ao passado. António Coimbra de Matos é um ávido consumidor da ideia de futuro. A papelada que se amontoa na secretária a que nos sentamos, um de cada lado, revela o tipo de organização muito pessoal de quem privilegia a actividade à arrumação obsessiva. Fuma incessantemente e concede-se a si próprio o tempo necessário para responder a cada pergunta. Como se fosse a primeira vez que algumas das questões se lhe colocassem. Pode-se falar em estados de depressão colectiva?Pode. A depressão é uma coisa individual mas há situações em que aparecem mais casos depressivos. Em momentos de crise. Como agora. Diria que estamos a passar por uma depressão colectiva?Há uma maior incidência de depressões. Em certos momentos podemos falar de uma depressão colectiva. Isso foi muito evidente naquele caso muito falado da France Telecom. Em que houve uma série de suicídios de trabalhadores da empresa. Sim. Isso foi muito noticiado. Há pouco tempo foram divulgados números que revelam um aumento dos casos de suicídio em Portugal. Sim. Há um trabalho célebre, um trabalho seminal, em que o pai da Sociologia, o Durkheim, verificou que quando há guerras e revoluções a depressão e os suicídios diminuem porque as pessoas se revoltam. Quando as pessoas não se revoltam, é que se suicidam; quando se sujeitam, quando não têm condições para protestar com mais veemência. Na sua definição, segundo li, o que distingue a depressão normal da depressão patológica é justamente a capacidade de revolta. Sim. Em Portugal, não somos lá muito bons nisso, na capacidade de revolta colectiva, pois não?Não, somos um bocado passivos. Os espanhóis são muito mais agressivos, revoltam-se muito mais. Sim, nas imagens das manifestações em Espanha ou na Grécia vemos um grau de revolta que não identificamos em Portugal. Isso é verdade. Noto isso na área científica. Aqui em Portugal, vamos a um congresso e se dizemos: “Não estou nada de acordo com isso” dizem-nos logo: “Foste muito agressivo com aquele tipo”. Isso, num congresso internacional, é a coisa mais banal do mundo e ninguém leva a mal, nem diz que está a ser agredido. Somos mais susceptíveis?Sim. E mais delicados, mais medrosos. Somos um país de medrosos. É a velha ideia dos brandos costumes?Dos brandos costumes mas também da atitude do poder. O poder em Portugal sempre foi menos violento. Isso não facilita a revolta. O Salazar não matava, mandava prender. Franco matava mesmo e isso cria uma revolta maior. Somos um bocado passivos. Somos um país de medrosos. E considera isso mais negativo do que positivo?Sim, há uma sujeição maior. Umas vezes é mais negativo, outras vezes mais positivo. A nossa colonização foi muito melhor do que a colonização de outros países, nomeadamente de Espanha. Fizemos uma colonização mais respeitadora, mais suave. É capaz de haver gente nos estudos coloniais de cabelos em pé com essa ideia de que a colonização portuguesa terá sido branda; também houve grandes atrocidades. Mas não foi tão agressiva como a dos espanhóis, pelo menos na América Latina. Não tivemos um Cortés. Os espanhóis liquidavam aqueles indivíduos. Nós escravizávamo-los e tal. Vê uma continuidade de carácter ao longo dos séculos no povo português?Repare na nossa luta contra os árabes, no princípio da nacionalidade: conseguimos conquistar território mais facilmente porque o Afonso Henriques e os outros não matavam os árabes. A maior parte dos alcaides foram feitos governadores civis. Já os espanhóis chegavam lá e liquidavam os alcaides: substituíam-nos logo e às vezes até os matavam. Nós fomos mais diplomatas. Identifica nisso um traço de continuidade?Sim. Percebi-o muito cedo, ainda na instrução primária. Fiz a instrução primária numa aldeia do Douro e ouvia dizer que o Afonso Henriques era um mata-mouros. Eu inventei uma outra designação: não era um mata-mouros, era um fode-mouras [risos]. Eles conquistavam as mouras e não precisavam de liquidar os mouros. Na maior parte das vezes aproveitaram a estrutura montada pelos árabes. Os espanhóis não fizeram isso e tiveram muito mais dificuldade em conquistar. O facto de nos revoltarmos menos do que outros povos, significa que somos mais atreitos à depressão?Não sei dizer ao certo mas haverá vários factores para isso. Um dos factores é a nossa história, a expansão, as descobertas, os pais que saíam. Os homens iam para a guerra, iam para as colónias, para os descobrimentos, e os filhos ficavam com as mães. Nas famílias em que o pai está ausente, isso cria uma menor agressividade, fica-se mais passivo. Há um trabalho interessante da Professora Celeste Malpique, do Porto, precisamente sobre o pai ausente. Fez esse estudo nas zonas de Ovar e de Aveiro, onde os homens iam para a pesca do bacalhau. Isso lembra-me uma frase sua a explicar a diferença entre os papéis do pai e da mãe: quando a criança tem medo, a mãe dá-lhe a mão. . . . . . e o pai dá-lhe um pontapé no cu. O meu pai fez-me isso uma vez, tinha eu para aí uns dez, onze anos. Tinha montado um cavalo que lá havia e que era um bocado arisco. Estávamos no quintal da casa e o cavalo começa a empinar-se. Fiquei com medo e gritei pelo meu pai. Ele veio ter comigo e julguei que ia segurar-me o cavalo. Mas não. Pegou no chicote e dá duas porradas no animal. O cavalo largou-se, sai pelo portão da casa, pela estrada fora. Sei que perdi os estribos, agarrei-me ao selim, e ia a chamar ao meu pai filho da puta, cá por dentro [risos]. Mas nunca mais tive medo dos cavalos. Essa distinção de papéis entre o pai e a mãe ainda é assim tão clara?É. O homem, em relação à criança, tem uma atitude diferente da da mulher. O homem faz mais movimentos extensivos, para fora, periféricos, centrífugos. As mulheres fazem mais movimentos centrípetos. O homem pega no bebé e tem tendência para o pôr assim [demonstra, afastando os braços do corpo]. Há até pais que atiram a criança ao ar. Sim. As mulheres raramente fazem isso. Isto induz a um tipo de relação diferente. Os homens falam de uma forma mais grave, as mulheres de maneira mais melódica. Diria que essas características são inatas ou culturais?São inatas. Isto faz-se em todas as culturas. Em algumas será mais forçado. Como é que enquadra isso em realidades novas como a dos casais homossexuais com filhos?É difícil responder. Os casais homossexuais não são patogénicos. Não há perigo nenhum na adopção por casais homossexuais. Agora, é uma situação com um risco um bocadinho maior. A que nível?Mais facilmente pode haver dificuldades adaptativas. Por causa dos diferentes papéis que não estão preenchidos?Sim. E não só. Os casais heterossexuais são mais harmónicos. Nos casais homossexuais há mais frequência de conflitos, de separações. São menos estáveis, de uma maneira geral. Diz isso com base na sua experiência empírica ou em estudos publicados?Há estudos sobre isso. E depois é a experiência que temos de clínica. Tem detectado alterações a esse nível?Ocorrem mudanças na medida em que isso existe, é aceite, é cultural. As coisas melhoram. Os casais homossexuais tornam-se mais harmónicos por causa da aceitação. Numa cultura em que a homossexualidade não é aceite os casais envergonham-se, escondem-se, são criticados, há reparos. Portanto reagem a isso. Se são aceites sentem-se integrados. Voltando à ideia de depressão colectiva: sente-a no seu consultório?Não sinto muito. A clínica do consultório é de classe alta. Nos hospitais vê-se mais, há mais depressões. Parece-me que será assim, mas não tenho estatística nenhuma que o comprove. Com tanta coisa em transformação na sociedade, o que é que lhe parece mais comum a nível individual: o que permanece ou o que se altera?Mais do que a mudança nos quadros clínicos ou nas coisas que aparecem, é a mudança em mim próprio. São as coisas novas que vou descobrindo ou que vou investigando. Os homens iam para a guerra, para as colónias, para os descobrimentos, e os filhos ficavam com as mães. Nas famílias em que o pai está ausente, isso cria uma menor agressividade, fica-se mais passivo. De que tipo?A minha técnica hoje é muito diferente do que era há 20 ou 30 anos. O que é que mudou?Muita coisa. Até as concepções teóricas. A inovação, a investigação são a base de todo o movimento. Se a pessoa se fixa naquilo que descobriu ou que aprendeu, às tantas está fossilizada. É fácil ficar fossilizado nesta actividade?Em todas as actividades é fácil. Na nossa talvez mais porque é mais complexa, e as pessoas aprendem sempre muita coisa e depois repetem aquilo que já sabiam. As pessoas dizem-me isso: “Não percebo, você agora vem com umas ideias completamente diferentes”. Não sou nenhum maluco, fui vendo umas coisas, algumas ideias que tinha e que não estavam muito certas e entretanto fui trilhando outros percursos. Dê-me o exemplo de uma dessas alterações. Por exemplo, aprendi, e durante muito tempo procedi assim, que os sonhos nocturnos eram uma coisa muito importante, que nos davam grandes indicações. Hoje a minha teoria é que os sonhos nocturnos pouco nos dizem porque são um trabalho de memória. Portanto, a interpretação dos sonhos já não lhe interessa. Não. É muito mais importante aquilo a que chamo o sonho-projecto, os devaneios diurnos que temos. Esses é que estão virados para o futuro. Diz-se muitas vezes que o homem é um animal de hábitos, mas não é verdade. O macaco é um animal de hábitos, o homem é um animal criador, está sempre a criar coisas novas. E por isso criou uma civilização. O ser humano é de tal modo criador – e eu sou ateu! – que até criou um deus. Deus é uma criação do homem. Na psicanálise estou mais interessado no futuro do que no passado. A psicanálise clássica está sempre muito ligada ao passado: o que aconteceu com a mãezinha, com o paizinho. Eu ando mais ligado àquilo que a pessoa projecta no presente e para o futuro. No seu divã não lhe interessa aquilo que foram as vivências e as memórias recalcadas?Isso também é importante. Costumo dizer aos meus alunos, na brincadeira, que os analistas clássicos me fazem lembrar um condutor de automóveis que vai sempre a olhar para o retrovisor; depois espeta-se no primeiro eucalipto. Não é isso que me interessa. Dá-se uma vista de olhos de vez em quando mas olha-se em frente, fundamentalmente. Imagino que isso lhe valeu algumas antipatias ou mesmo inimizades dentro do meio da psicanálise. Sim, sim. E críticas. Porque é que há uma tão grande animosidade entre escolas terapêuticas?Como é uma ciência mais difusa, com menos certezas, é mais fácil formar essas escolas e crenças. Religiões, quase; seitas. Mas a propósito disso, há uns anos recebi um prémio nos Estados Unidos, e um dos analistas de lá, com quem depois me correspondi bastante, mandou-me um mail: “Mas isso que você disse é uma mudança total de paradigma, não é?” “Pois é”, disse-lhe eu. A que é que ele se referia?Precisamente a isto de que estávamos a falar, porque na psicanálise clássica o paciente repete muito as coisas que aprendeu na infância. A minha teoria é que ele, ao longo da vida, vai aprendendo coisas novas e vai mudando. E isso é que é o importante. Também reconstruímos e reinventamos o passado. Sim, mas vivemos do futuro, não do passado. Infelizmente nem sempre é assim, mas é assim que deve ser. Veja na política portuguesa: foi o problema do Sócrates, e antes do Sócrates do Guterres. . . Noutro dia dizia a um amigo meu: naturalmente, a culpa foi do Afonso Henriques, que conquistou isto aos mouros em vez de ir para a Galiza. Andamos a olhar demasiado para o espelho retrovisor?Andamos. De uma maneira geral, nos países europeus. Há um estudo que já tem uns 30 anos, de psicólogos e psicanalistas americanos, que se limitaram a investigar a década de 70. Foram buscar 400 artigos que vêm de duas revistas de psicanálise bastante conhecidas, seleccionaram 200 artigos escritos por psicanalistas europeus, e 200 artigos escritos por psicanalistas americanos. E só foram investigar uma coisa: o número de vezes que citavam Freud. A diferença era de dez vezes mais para os europeus. [risos] É o peso da história. E também a coisa cultural: os europeus são mais conservadores. É frequente ir-se a uma conferência sobre filosofia e ter de se ouvir falar no Aristóteles e no Platão. Sente-se mais americano, nisso?Muito mais. Aliás, tenho muito mais contacto com analistas americanos do que com analistas europeus. Esse prémio que me deram nos Estados Unidos, na Europa não mo davam. Deram-mo voluntariamente, foram eles que me seleccionaram, pelos meus escritos. Na Europa achavam que aquilo não tinha muito interesse. Revê-se mais no pragmatismo americano. No caso da análise, sim. Noutras coisas não. Noutros aspectos têm muitos defeitos. Mas os filósofos são muito mais pragmáticos. Os filósofos europeus estão presos às abstracções todas. Com a sua idade seria natural que o peso da experiência já tivesse uma prevalência maior do que o da tentativa de descobrir. As coisas evoluem investigando, não é acumulando conhecimentos. Como é que se dá, por exemplo, com a revolução tecnológica? Não vejo aqui nenhum computador. Não, porque os computadores já chegaram tarde demais e eu já não tinha muita paciência para aprender a lidar com aquilo. A minha secretária é que trata disso. Mas acho que é importante, aquilo é bom. Nunca usa computador?Não. Mesmo o telemóvel, uso-o mal. Sabe o que é o Instagram?Sei [risos]. Sabe o que é o Facebook?Também sei, mais ou menos. As redes sociais são apenas novas formas de comunicação ou parece-lhe que há o risco de mexerem com características fundamentais das pessoas?Penso que se não forem em excesso, não. Como tudo. A instantaneidade da comunicação terá alterado algumas das características relacionais que existiam na sua juventude?Não sei. Ouço os meus colegas, na faculdade de psicologia, dizerem: “Esta malta hoje não presta, no nosso tempo é que era bestial”. Pois, eu acho que os alunos agora são muito melhores do que eram no meu tempo. Muitíssimo melhores. Mais ávidos, mais interessados. A evolução é positiva. No meu tempo de estudante a maior parte dos colegas só pensava em futebol e em beber copos. Hoje vêem-se vários alunos e alunas interessados em filosofia, política, história. Não se reconhece, portanto, no discurso da crise de valores. Não, de maneira nenhuma. Os valores é que são outros. Em relação aos valores da religião, do pecado, são outros. Quais diria que são hoje os valores estruturantes?O primeiro de todos é a liberdade. E por outro lado o de haver menos proibições. A minha liberdade só acaba quando perturba a liberdade do outro. É a única proibição. Depois a moral: há um tipo de moral, a que chamo exógena, ou heterónoma, que vem ditada pelo outro. Pela religião, pelo partido político, pela cultura. E há uma moral endógena e autónoma, que depende simplesmente de o indivíduo ter empatia e compaixão pelo sofrimento do outro. Se me ponho no lugar do outro e fico preocupado se ele não está bem, construo a minha moral. Aquela que me é ensinada não tem interesse nenhum. Por exemplo, há uma coisa que é muito discutida e em que várias pessoas não estão de acordo comigo: continua-se a dizer que é preciso impor limites às crianças. Não é preciso impor limites nenhuns às crianças, é preciso simplesmente mostrar-lhes que a realidade tem limites; a realidade física e a realidade social. Se a criança bate com a cabeça na parede magoa mais a cabeça do que a parede [risos]. Se chama filho da puta ao pai, se calhar o pai fica chateado e deixa de brincar com ele, já não lhe apetece jogar à bola. É só isto. Continua-se a dizer que é preciso impor limites às crianças. Não é preciso impor limites nenhuns às crianças, é preciso simplesmente mostrar-lhes que a realidade tem limites. Há agora uns pediatras que dizem que as crianças ganharam um tal controlo, e uma tal atenção das famílias que se tornaram pequenos ditadores. Ah, isso é aquele idiota do Urra. Um cretino. O espanhol Javier Urra. Sim. Só diz idiotices [risos]. Mas tem cargos importantes: é professor catedrático na Universidade Complutense de Madrid e é, ou foi, o provedor dos menores em Espanha. Os livros dele têm várias edições mas é um homem execrável. Numa entrevista que li dele, acaba dizendo que castigava os filhos porque gostava muito deles. Bestial! [risos]Está mais próximo, nesse aspecto, do Dr. Spock. O Spock era muito melhor. Ou de Berry Brazelton. Esse é bom. Mas tem uma teoria com a qual não estou totalmente de acordo: diz que o bebé precisa de amor e disciplina. O bebé não precisa de disciplina, precisa de um ambiente ordenado, de um ambiente disciplinado. É diferente. Se um dia lhe derem a refeição às três horas, no dia seguinte às seis da tarde, noutro dia deitam-no às oito, e depois às onze. . . Isso é desestruturante. É. Se o ambiente for ordenado a criança integra-se nisso. Se eu, como professor, protesto por os alunos chegarem tarde à aula, não dá em nada. Agora, se eu chego a horas, ele habituam-se a chegar a horas. E o que é que faz quando há prevaricadores?No Centro de Saúde Mental e Infantil tínhamos dez ou onze equipas e fazia uma reunião por semana com cada uma delas, e uma vez por mês uma reunião geral com toda a gente. Essas reuniões eram às nove da manhã; das nove às onze. E as pessoas chegavam sempre atrasadas. Fiz várias coisas até que simplesmente escrevi num quadro, “quem chegar depois das nove e dez é favor não interromper”. Começaram a ir a horas. As pessoas protestam quando é imposto, mas se for dito com jeito acabam por colaborar. E há outra coisa: a ideia do nosso governo anterior era a de que as sociedades progridem por competição. Não, as sociedades progridem por colaboração. Não é nos períodos de guerra que se fazem as grandes descobertas, é nos períodos de paz. Há uma ideia muito difundida de que é o investimento militar que tem providenciado grandes avanços. . . Não. . . . até na área da psicologia. O Hitler é que dizia mais ou menos isso: que a guerra trazia desenvolvimento. Como é que encara a questão com que todos temos de nos confrontar: a ideia da morte?Fiz uma conferência aqui há tempos num congresso de filosofia em que me convidaram para falar sobre isso. Primeiro recusei, depois insistiram muito comigo. Pus uma condição: “Só se for falar ao mesmo tempo da sexualidade e da morte” [risos]. Todos temos uma angústia, que não é propriamente a angústia de morte, essa é comum nos animais; a angústia perante a morte imediata, o risco. Os homens e os macacos superiores - o orangotango, o gorila, o chimpanzé - já têm alguma consciência disso, têm aquilo a que chamo a angústia essencial. Uma angústia perante a finitude da vida. Têm consciência de que a vida tem um limite. Essa angústia não é totalmente resolvida, mas é resolvida em parte pelo que se chama a imortalidade simbólica. Sei que vou morrer daqui a uns anos, mas também sei que fiz algumas coisas que ficaram, que foram úteis. Ensinei algumas coisas porreiras a umas pessoas. Sei que vou morrer mas diverti-me mais ou menos. Fiz umas asneiras, mas também fiz algumas coisas bem feitas. Há uma certa satisfação, não vou vazio e insatisfeito. Essa consciência aumenta com o passar do tempo, ou nem tanto?Nem tanto. Temos é de ter sucesso em algumas coisas que fazemos. Se só se tem insucesso isso deprime, causa mau estar. Os americanos falam muito dos três “g”, a propósito do amor. Good, giving and game. Bom, generoso e divertido. O mundo deve ser bom, generoso e divertido. Isso é aplicado ao amor?Sim, ao amor e às relações em geral. Mas eles falam disto a propósito do amor. O bom amor é aquele que é good, giving and game (jogo, mas que eu traduzo para divertido). Também temos de aprender a viver com os momentos menos divertidos para não desistirmos à primeira contrariedade. Isso é outra teoria. A teoria da psicanálise clássica é a de que as dores são boas, que é preciso sofrer para ficar mais forte, para enrijecer o carácter. Não é nada a minha teoria. A dor é inevitável, não é boa. Há sempre insucessos, há sempre dores. Eu estava a referir-me à chamada gratificação imediata, cuja necessidade, segundo se diz frequentemente, tem vindo a crescer. Pois, a teoria clássica é a de que a gratificação imediata é má e que se deve educar para a frustração. Reduzir a frustração lenta e progressivamente, é o que ensinam os clássicos. Não é de facto a minha teoria. A frustração é sempre má e deve evitar-se. O que se deve fazer é outra coisa: é desenvolver a capacidade de espera, o que é diferente. Estou suado, vim a correr, apetece-me beber uma cerveja gelada. Mas percebo que se descansar um bocado a cerveja me vai saber muito melhor. Não é a mesma coisa que manter a frustração, ou que considerar a frustração útil. Há hoje patologias mentais novas?É difícil dizer mas há algumas. O DSM [o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais] agora é maior. O DSM é uma porcaria. Aquilo é um catálogo condicionado pela indústria farmacêutica para venderem mais medicamentos. Todos temos lá um lugarzinho. Sim, sim. E um medicamento apropriado. Quais são então as novas patologias?Há uma maior quantidade de traços de psicose, narcisismo, borderline. Porque há uma menor intimidade entre as pessoas. As relações são mais superficiais, menos íntimas, menos vinculadas, mais anónimas. De maneira que não há familiaridade. Deixou de haver a confiança, a colaboração mútua. Isso é um efeito da vida urbana por contraponto à vida rural?Claro, das grandes cidades. E do estilo de vida que as pessoas levam, também. Hoje as pessoas só são íntimas entre dois ou três amigos. No meu tempo era íntimo de todas as pessoas da minha aldeia. Mesmo nas cidades havia aquela coisa de bairro, as pessoas iam a casa uns dos outros. Hoje temos mais conhecidos do que amigos. Há uma diminuição da espessura afectiva dos laços. Não haverá, por outro lado, uma maior liberdade? Porque essa situação de antigamente era também de um grande controlo sobre os indivíduos. Sim. Nesse aspecto, sim. O que é que é preferível?Bom, os extremos serão sempre maus. Mas não sei se a situação de antigamente era assim de tanto controlo. As pessoas respeitavam mais os segredos, por exemplo. Hoje respeitam menos. Se pedir a um amigo seu para respeitar um segredo, ele di-lo logo na primeira esquina. Não tem grande confiança na natureza humana, pelos vistos. A vida actual é mais insegura. Existe isso da natureza humana?Existe, é um bocado diferente da natureza dos macacos, por exemplo [risos]. Mas reconhece a existência de padrões de comportamento, independentemente da cultura, da origem, do meio em que se cresceu?O problema dos valores é um problema posto do ponto de vista moral, quase religioso. Do ponto de vista ético, estético, também. Mas o importante é aquilo que tem valor para a vida, aquilo que é vital. O que acontece é que para o homem, por comparação com o macaco, é importante a beleza de uma rosa, o perfume de uma mulher. O que tem valor para a nossa vida não é só o cheiro a cio. Ou seja, não é só o aspecto pragmático. Também é pragmático: isto permite escolher melhor, saber quem é a pessoa. A selecção é muito mais complexa porque o número de dados que recolhemos é muito maior. Há muito mais variáveis em jogo. Muitíssimo mais. Para um macaco interessa que a fêmea esteja receptiva. Para o homem interessa que a mulher seja simpática, que goste dele; uma série de coisas. Agora, o que acho que tem pouco interesse são esses valores com sentido ético e moral. Como dizia um amigo meu que já faleceu: “O que interessa na mulher são as características morais, mas se for bonita ajuda”. Pode dizer-se que é um optimista?Sou. Acha que estamos a aperfeiçoar-nos?Sim, não tenho dúvidas. Apesar de todos os defeitos, cada vez se vive melhor. A curva da civilização é isto [desenha no papel uma curva], é ascendente. Mas a ascensão na subida não é contínua, há ciclos. E depois há a visibilidade social. Aqui há uns anos numa conferência com o Dr. Jorge Macedo – o historiador que foi director da Torre do Tombo –, houve uma coisa que não me agradou: ele falou muito da violência, referindo que a violência era muito grande nas cidades. E eu disse-lhe: “Parece impossível um professor de História estar a dizer-me isso; sabe melhor do que eu que no tempo do Marquês de Pombal a média de assassinatos era de um ou dois por dia em Lisboa, e Lisboa tinha cento e tal mil habitantes. Hoje tem 600 mil e se calhar são dois ou três por mês”. Há aqui um problema interessante: no tempo do Marquês de Pombal matava-se uma pessoa no Rossio e em Alfama ninguém sabia; hoje matam uma pessoa em Nova Iorque e logo à noite já sabemos. É uma ilusão, é um problema de visibilidade social. A visibilidade social tem a ver com um papel progressivamente maior dos media; os media são indutores de ansiedade?Não. Isso é outra história. Fiz parte de um grupo de trabalho organizado pela Maria Barroso, da Fundação Pro Dignitate. Fui um dos fundadores daquilo. E ela tinha essa ideia: porque se mostram as mortes, as revoluções? Isso não tem mal nenhum, a informação elucida as pessoas. Mas ainda há tempos ouvi o professor Daniel Sampaio, que é um tipo inteligente, dizer que não se podia falar do suicídio dos jovens porque isso contaminava, induzia outros. Pelo contrário; sabendo as pessoas os perigos que existem, não vejo perigo nenhum nisso. O perigo é não informar. Não vê sequer a possibilidade de isso contribuir para um acréscimo da ansiedade?Aí, o que acho é que o grande modelo é a própria natureza. O que não podemos é dar um acidente de automóvel e mostrar só o carro todo esborrachado, um tipo a deitar sangue. É mostrar a cena toda, mostrar a vida. Salientar só aquilo é que pode ser prejudicial e provocar grande ansiedade. Hoje temos a ameaça terrorista, a ameaça dos vírus, agora a ameaça do mosquito. Estamos a receber permanentemente estas doses de alarme…Já pensou que em vez de estarmos aflitos com o mosquito que transmite o Zika, devíamos pensar que isso pode ser um processo de resolver as dificuldades de proteínas, e começar a comer esses mosquitos num prato especial? [risos]. Com manteiga, um bocadinho de mel. . . Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Por qualquer razão não é nas proteínas do mosquito que as pessoas pensam em primeiro lugar. Mas podem começar a pensar nessa vantagem. Se por absurdo tivesse à disposição uma máquina do tempo, para onde escolheria viajar?Para o futuro. O passado passou, que é que ia fazer com o passado? Não gostava nada de voltar atrás, gostava de ter mais 100 anos à frente. O bife que me interessa é o que vou comer logo à noite, não é o que comi ontem [risos].
REFERÊNCIAS: