“Tenho de saber quem sou. E quem sou é uma coisa interminável”
Acabada de chegar do Rio de Janeiro, onde viveu quatro anos, Alexandra Lucas Coelho preparava-se para concluir o seu grande romance sobre o Brasil, Deus Dará, quando uma ideia obsessiva se lhe meteu no caminho: a história de uma mulher que quer matar um homem. (...)

“Tenho de saber quem sou. E quem sou é uma coisa interminável”
MINORIA(S): Migrantes Pontuação: 6 Africanos Pontuação: 2 Mulheres Pontuação: 2 | Sentimento -0.12
DATA: 2015-05-01 | Jornal Público
SUMÁRIO: Acabada de chegar do Rio de Janeiro, onde viveu quatro anos, Alexandra Lucas Coelho preparava-se para concluir o seu grande romance sobre o Brasil, Deus Dará, quando uma ideia obsessiva se lhe meteu no caminho: a história de uma mulher que quer matar um homem.
TEXTO: Viajou pelo Médio Oriente, o Afeganistão e o México, viveu em Jerusalém e no Rio de Janeiro, e depois num minúsculo quintal no Alentejo. Escreveu quatro livros de viagem, um romance de amor, outro de fúria, está a meio de um terceiro, onde o pré-apocalipse no Brasil é contado numa língua imaginária, atlântica. É uma escritora que vem do futuro, a correr para o passado, em expansão por várias vidas, tão suas como a própria morte. Em movimento, de um lugar para o outro e da realidade para a ficção, embora não goste da palavra ficção, nem de verosimilhança. Prefere a verdade, mesmo inventada. Uma conversa com Alexandra Lucas Coelho. Assim nasceu, em dois meses, O Meu Amante de Domingo, publicado em Portugal pela Tinta da China e já com tradução prevista, pelo menos, em francês, pelo grupo editorial Éditions du Seuil. Falámos com Alexandra Lucas Coelho em Lisboa, ao chegar da Sérvia, depois de meses no Alentejo, e antes de partir de novo para o Brasil e Gaza. Porque não paras?Em primeiro lugar, porque posso. Não tenho filhos, nem ninguém que dependa de mim. E em segundo lugar porque quero. Sendo ateia e não acreditando noutra vida, sempre pensei que seria bom ter várias vidas nesta. Não quero encerrar-me numa possibilidade. Atrai-te a ideia de recomeço?Atrai-me a ideia de estar em movimento. Não necessariamente geográfico. Estar em movimento é um processo de expansão. Revejo-me muito na lógica do movimento antropofágico brasileiro, que vem dos índios. Comer o outro é uma forma de nos expandirmos. Por isso sempre me afligiu todo o processo que nos tenta reduzir, que nos tenta encaixar. Sempre vivi muito contra todos esses mecanismos que a sociedade naturalmente tenta impor aos indivíduos. Quando sentes que a missão está cumprida, partes para outro projecto. Não é estratégico, é muito pulsional. Porque não estou a tentar chegar a lado nenhum. Não me interessa o desfecho, mas o processo. Tenho horror a essa ideia, da sociedade capitalista, de que se vai ascendendo. Tenho horror à ideia de carreira. O poder nunca me interessou. Interessa-me a expansão. Das minhas possibilidades. Lendo o que escreves, percebe-se que as viagens e os acontecimentos não se sucedem por acaso, mas de acordo com uma lógica, como se uma coisa levasse a outra. É um mapa que vou construindo. Não vejo isto como uma sequência errática, talvez porque sempre soube exactamente o que queria fazer. Queria sair para o mundo e escrever. Isso determinou toda a forma como eu vivi. São duas pulsões tão fortes, que organizam tudo o resto. Nunca me senti perdida. O jornalismo foi uma etapa nesse percurso?O jornalismo foi uma forma de fazer isso, que agora se prolonga nos livros. Para mim, não se trata de uma interrupção. Mas implica um olhar diferente sobre as coisas e os lugares?Sim, mas porque se exige aos jornalistas que sejam diferentes das outras pessoas? Todos os escritores escrevem com tudo aquilo que são. O seu passado, a sua história. Mas as pessoas acham estranho que os jornalistas ponham no que escrevem algo da sua experiência jornalística. Porque se há-de estranhar que eu escreva sobre Gaza, se Gaza faz parte da minha vida, da minha biografia?Essas experiências passam agora por um processo de transfiguração?Para mim, o que sempre distinguiu o jornalismo da literatura é a liberdade. O jornalismo tem uma série de regras. O que se passa agora é que não tenho de obedecer a regra nenhuma. Estive recentemente, para escrever um conto, com total liberdade, nos Balcãs, uma zona que tinha visitado como repórter. Usei algumas técnicas da reportagem, como a forma como me oriento nos lugares, como procuro as pessoas. Mas depois não conversei com elas como se estivesse a fazer uma reportagem. Não estavas tão preocupada em recolher informações factuais?O texto que escrevi é a fusão que me interessa fazer. Tem elementos totalmente inventados, personagens que não existem, tem personagens do meu passado pessoal, alterados e misturados com a história, tem elementos da minha vida como repórter, e tem personagens reais. Isso tudo misturado chama-se ficção. Não gosto da palavra ficção, porque é demasiado redutora. Prefiro dizer: isto é um texto inteiramente livre, onde posso usar os elementos que me apetecer. Neste caso é um conto, podia ser um romance. A fronteira é sempre a liberdade. E o pacto que eu estabeleço com o leitor é esse. Nunca se percebe muito bem o que é da minha história e o que não é. Mas trata-se sempre de um trabalho de autobiografia. É o ponto de confluência em que a biografia se cruza com o lugar e se cruza com a História. Na reportagem, o elemento autobiográfico é muito reduzido, existe apenas no nosso olhar. Como leitor, a minha impressão é de que no anterior romance, E a Noite Roda, há uma ligação com a realidade evidente, e neste último, O Meu Amante de Domingo, a ligação é mais apagada. Este é o momento da transição para uma nova fase?Não vejo isso como uma transição. É um processo, em que certos elementos podem estar mais ou menos presentes. Os livros interligam-se. Eu estava a escrever um sobre o Brasil, mas ele resistia. Até que tive a ideia de escrever uma novela de sacanagem, em que uma mulher ia ter vários amantes, porque queria matar um homem. Isto começou a incrustar-se de tal forma, que telefonei à minha editora e disse: vou parar o romance e escrever outra coisa. O romance do Brasil tinha 200 páginas escritas, e tenciono escrever mais 200 ou 300. Vai ser parcialmente anterior a este e parcialmente posterior. E há uma ligação entre os dois. Eu queria na verdade construir uma ligação entre todos. Uma continuidade?Em O Meu Amante de Domingo a narradora corresponde-se com uma portuguesa que está a fazer pesquisa no Rio de Janeiro e que é amiga de um músico brasileiro de ascendência sírio-libanesa, que tinha decidido ir montar um centro cultural na Síria, o Karim. É o mesmo Karim que, em E a Noite Roda, é o anfitrião da narradora, quando ela se instala em Damasco, na casa de um brasileiro. No romance do Brasil, ele teria voltado, por causa da guerra. Dois irmãos dele são protagonistas do livro, e a sua casa no Rio de Janeiro é o centro do livro. Esse Karim tem alguma relação com a realidade?É totalmente inventado. Como nasceu O Meu Amante de Domingo?Nasceu da circunstância de eu estar numa casa, no meio do Alentejo, que era uma cozinha que se prolongava num quintal cercado por um muro. Vinha do Rio de Janeiro, uma cidade onde tudo me puxa para fora, para um lugar onde tudo me puxa para dentro. Este livro resultou disso. E do impacto, e da fúria que se foi gerando com a minha chegada a Portugal. A forma como a narradora fala reflecte esse estado de espírito?Algumas pessoas disseram que esta mulher tem uma linguagem desbragada, que significa que ela não domina aquilo que quer dizer. Ora eu acho que ela domina o que quer dizer. Por isso usa aquela linguagem. Acho que se fosse um homem ninguém diria que usa uma linguagem desbragada. Uma coisa são as consequências que teve, outra é a tua motivação. Sim, quero falar da minha motivação. No sexo confluem algumas das coisas mais poderosas sobre as quais alguém pode querer escrever. Tudo se projecta ali de alguma maneira. A vida e a morte, o espectro todo entre o prazer e a dor, todas as cambiantes de fracasso, dominação, violência, amor, entrega, recusa, medo, todos os fantasmas que se podem projectar. O sexo tem um poder metafórico enorme. E o uso de palavrões, habitual no Porto, refere-se a um universo alegórico em que todas as circunstancias da vida são traduzidas para situações sexuais, que significam relações de poder. Esta mulher usa palavrões porque é uma mulher do norte e é uma mulher em estado de fúria. Os palavrões estão ligados à fúria?Estão ligados à fúria e à pulsão de matar que atravessa o livro. De vingança. Matar, mas como pulsão de revolta. E de vitalidade. Porque é disso que se trata. Todo o processo deste livro é um processo de como ficar vivo. É uma mulher de 50 anos que quer matar, como forma de se manter forte, de sobreviver ao que lhe está a acontecer. Nisso, ela é mais do que si própria?Interessou-me criar uma narradora ligeiramente mais velha do que eu, mas na mesma faixa etária. Estas mulheres fazem parte da minha vida. A minha vida também é isto. E eu quero escrever sobre aquilo que está à minha volta, que me move e me motiva. Acho normal que tendo eu 47 anos queira escrever sobre esse facto. Temeste que isso não fosse compreendido?A 30 de Setembro acabei de escrever o livro e enviei-o para a Tinta da China. Mas mal o mandei decidi que não queria publicá-lo. Porquê?Estava exausta. Foi um processo fisicamente tão violento, eu trabalhei 12 horas por dia, li o texto vezes sem conta, eu já não podia com esta mulher. Só pensava: está péssimo e eu não o vou publicar. Foi violento fazer emergir isto tudo. Mesmo os diálogos. Para mim, a zona mais violenta do livro é o diálogo dela com o futuro Nobel. Eu nunca tinha escrito diálogos assim. Não sei muito bem de onde é que estas coisas vêm. De onde vem essa energia?A maior parte desse diálogo foi escrito logo exactamente assim. Saí de casa para ir fazer ginástica, veio-me uma frase à cabeça, voltei para o computador e escrevi 5 mil caracteres. Escrita automatica. Sim. Quase não trabalhei esse texto. A crítica foi positiva. Esses diálogos funcionaram, as pessoas identificaram-se. A questão do sexo foi pouco abordada pela crítica. Como se houvesse uma espécie de desconforto ou pudor. Por ser uma mulher a falar de sexo, com palavrões?Talvez o uso da expressão linguagem desbragada tenha a ver com isso. Uma mulher é suposto ser contida. Mas esta personagem representa uma mulher desobediente. Claro, não aceita esse lugar. E eu sinto que, ao contrário do que me aconteceu como repórter, em que não tenho memória de ter sido preterida ou tratada de forma incorrecta por ser mulher… Pelo contrário, em algumas situações isso foi até uma vantagem, nalgumas zonas do mundo, como por exemplo o Afeganistão, ao contrário do que possa parecer. Nunca tive nenhum director que me dissesse, não podes ir para a guerra do Iraque porque és mulher. Como escritora está a ser diferente?É uma conjugação de duas coisas: eu ter um percurso de quase 30 anos como jornalista, e ser mulher. A conjugação destas duas coisas permitiu por exemplo que o senhor secretário de Estado da Cultura, Jorge Barreto Xavier, na entrega do prémio APE, depois de ter feito na cerimónia declarações que confundem o Estado com o Governo, etc, me ter dito à parte que o meu discurso era primário. Não acredito que ele o fizesse se eu fosse um homem e não fosse jornalista. Porquê?Acho que ele o fez com o menosprezo de quem não leva a sério a pessoa que tem à sua frente, por eu ser uma repórter que começou há pouco tempo a publicar romances, e por eu ser mulher. A conjugação destas duas coisas faz com que, na hierarquia que imagino que presida ao comportamento do senhor secretário de Estado, ele me tenha tratado daquela forma. Não acredito que o tivesse feito com Mário de Carvalho, ou Lobo Antunes, se algum deles tivesse proferido um discurso crítico em relação ao Governo, ou ao Presidente da República, como eu fiz. Ele chegou ali, disse aquela série de disparates inacreditáveis, que noutras condições poderiam ter levado muito boa gente a questionar como é que um secretário de estado confunde Estado com governo, e afirma que um escritor que recebe um prémio de uma associação que também tem um fundo do Estado, deveria mostrar-se agradecido àquele Governo. A gravidade disto é extrema. É esse sentimento que está neste livro? A forma como sentes que as mulheres são tratadas, como o país é tratado. Esta fúria também é essa?Também é essa. Aquilo que aconteceu na cerimónia do prémio da APE esteve no meu espírito certamente quando escrevi este livro. O comportamento daquele governante, a sobranceria, o disparate, a arrogância daquele comportamento, e a falta de consequência pública e política daquele comportamento. E se eu quiser interpretar isso de uma forma lata percebo que aconteceu comigo porque mil outras coisas mais graves estavam a acontecer em Portugal. E não há espaço para noticiar tudo. O quadro era tão grave, que isto não era suficientemente grave para ter sido um caso. Há 10 anos teria sido impossível esta história não ter sido tratada por nenhum jornal. Mas nessa altura a situação do país não era o que é hoje, nem os jornalistas ganhavam o que ganham, nem tinham para fazer o que hoje têm. Hoje, quem está nas redacções trabalha 12 horas por dia e ganha 600 euros por mês, quando ganha. Também está no livro esse sentimento de injustiça e de impotência? As pessoas não se revoltarem, a passividade?A passividade, claro. Este episódio lamentável do prémio da APE aconteceu no dia 11 de Abril. Eu voltei do Brasil em Março. A cronologia é esta. Vinha de uma cidade como o Rio de Janeiro, e de repente estava ali num quintal com pouco mais de um metro quadrado, com um muro à volta. E a ver o que é hoje uma pequena cidade alentejana. Como o silêncio que eu lá buscava corresponde à desertificação de quem sempre foi dali e tem de ir para fora para arranjar trabalho. O fracasso que representa. O livro é o resultado de tudo isso. Mas há no livro uma certa proposta de redenção. Onde vês isso?Na revolta desta mulher. Não é necessariamente uma redenção. O que esta mulher diz é: eu fico viva. Eu posso dizer que não. E quero morrer. Há uma frase neste último filme de Godard, que creio que vem da Antígona - “Estou aqui para dizer ‘Não’ e para morrer”. A afirmação da vida passa por isso, por ter direito à nossa própria morte. Isto é muito importante para mim, que não sou crente. Se não vou delegar nada num deus, tenho de acreditar que a responsabilidade é toda minha, a força é minha, eu sou comandante de mim própria. Por isso me aborrece tanto que alguém me tente arrumar numa gaveta, me diga: tu és repórter, deixa-te estar aí quietinha. Ninguém me vem dizer que eu tenho de ficar ali quietinha. Porque desde criança que ninguém me vem dizer isso. É uma coisa vital para mim. Não me venham dizer para ficar ali quietinha, porque eu não vou ficar ali quietinha. Tens um problema com a autoridade. Exactamente, tenho um problema com a autoridade. Não quero mandar em ninguém, e não quero que ninguém mande em mim. Esta personagem parece representar uma revolta contra a autoridade. A própria ideia de vingança significa afirmação da sua vontade. Tenho horror à ideia de ficar no lugar. Como assim, tens de ficar no teu lugar? Eu tenho é de saber quem sou. E quem eu sou é uma coisa interminável. O poder sobre mim própria deve ser absoluto. É o único poder que me interessa. E isso está em causa?Está em causa permanentemente. Está em causa perante a Segurança Social, que me penhora a conta bancária sem me perguntar nada, perante o meu banco, perante os patrões com quem as pessoas têm de lidar ao longo da vida, todos os sistemas hierárquicos, todas as tentativas de dominação, as nossas relações, tudo. Mas ninguém é totalmente autónomo. Não, ninguém é. É uma luta constante, contra não só tudo aquilo que me tenta fragilizar exteriormente, seja o Estado, seja a polícia, sejam as autoridades, mas também em relação às minhas próprias vulnerabilidades e fraquezas. É um duelo constante. Mas é possível vencer. Sim, é possível. Quando eu achar que não é possível, dou um tiro na cabeça. E eu quero ter o direito de dar um tiro na cabeça. Em última análise, a morte é nossa. A morte é nossa. A vida é minha e a morte é minha. Sempre que te atiram para um lugar de vazio, te tentam reduzir, ao teu lugar, ao teu papel, ao teu caminho, tudo isso são pequenas mortes. Mas depois é preciso construir um colectivo, uma comunidade, porque vivemos todos juntos. Uma ideia de política. Este livro é político porque contém uma afirmação de força, de não-submissão. Há a responsabilidade de tentar construir alguma coisa. Sim, como se articula a liberdade do indivíduo, essa autonomia que eu defendo, com outra coisa em que também acredito - a dádiva que temos de ter em relação aos outros, porque vivemos com os outros. Eu não sou uma eremita. Quando foste para o Brasil, levavas uma grande expectativa em relação à força e entusiasmo colectivo daquele país. Depois houve uma desilusão?Não houve nenhuma desilusão. Apenas um processo de conhecer melhor o país onde estava. Primeiro há o impacto brutal daquela natureza. Aquilo tudo atravessa-nos. E a minha atitude era essa: eu queria deixar-me trespassar. A língua, a natureza, aquela energia. Eu queria sofrer o impacto de tudo aquilo. Fisicamente e não só. E queria ver o efeito que isso teria em mim. Para onde me atiraria. O que resultaria do meu encontro com aquele lugar. Sempre senti que foi uma grande sorte eu ter ido para o Brasil depois dos 40 anos. Não fui directamente, saí de Portugal, dei uma volta ao mundo e fui para o Brasil. E isso libertou-me daquela atitude dos portugueses que oscila entre a subserviência e a arrogância. O problema clássico da relação do ex-colonizador com o ex-colonizado. Exactamente. Ou fica todo o tempo a pedir desculpa, ou mantém uma postura sobranceira. Ter corrido o mundo libertou-te disso, por teres conhecido outras ex-colónias?Sim, eu andei a cobrir o colonialismo dos outros. Isso libertou-me para enfrentar a minha própria história. Para ser dura, ou irónica, quando tiver de ser. O Brasil foi absolutamente libertador para mim. Acho que não teria escrito O Meu Amante de Domingo se não tivesse vivido no Brasil. Libertou-te de que forma?A vida pode ser tão dura no Brasil… Claro que pode ser muito dura em muitos lugares do mundo, mas em talvez nenhum outro lugar eu tenha sentido como a vida pode ser dura, mesmo assim, haver alegria. E como essa alegria triunfa o tempo todo sobre a tristeza. A alegria no Brasil é o resultado de quem conheceu o fundo do fundo. É uma alegria que vem da tristeza, que a venceu. Por isso é uma alegria libertadora?Sim, eu passei a estar-me nas tintas para o que as pessoas achassem. Foi mais fácil começar a dizer “Eu”. E projectou-me para a nossa própria História, deu-me uma dimensão dessa História muito diferente, como uma outra possibilidade. Fez-te olhar a identidade portuguesa de forma diferente?Fez-me ver, como nunca, como a identidade está em movimento. E como ela é constantemente alterada. Isto é uma ideia que eu trouxe do México, na verdade. O México foi uma viagem decisiva para mim. É o México que me ajuda a decidir ir para o Brasil. Porquê?Esse encontro do colonizador com o Novo Mundo, com o índio, aquilo a Le Clezio chama o encontro do ouro com a magia. Foi uma viagem absolutamente mágica na minha vida. Foi nesse momento, em Maio de 2010, que eu decidi ir para o Brasil. Porque queria esse encontro, mas transportado para a nossa própria História, não a dos espanhóis. Não tinhas sentido isso noutras viagens, por exemplo no Médio Oriente?Não de uma forma tão física, tão carnal. O corpo no Médio Oriente não existe da mesma maneira. No México eu tive essa sensação. É como se, a certa altura, eu entregasse o próprio corpo. Deixo o meu corpo ali, seja o que for. No Brasil isso concretizou-se de uma forma muito poderosa. Isso devia-se apenas à surpresa que o Brasil foi para ti, ou também à mudança que o próprio Brasil experimentava?É a confluência de todas essas coisas, daquilo que eu trazia, do que aconteceu, do impacto que aquele território teve na minha biografia e na nossa História de portugueses. Nas crónicas via-se que estavas muito atenta ao que mudava no Brasil. Foi isso que eu achei quase mágico. Eu cheguei ao Brasil em 2010, numa altura em que o país se encontrava numa espécie de pujança todopoderosa. Os preços dispararam, tudo entrou numa loucura de consumo brutal. Uma euforia total. Simultaneamente eu estava a aterrar naquilo que podia ser uma terceira via do mundo (quando cheguei à praça Tahrir, no Cairo, os miúdos falavam-me do Lula). O Brasil parecia ser essa possibilidade de uma terceira via, entre os capitalismo e o socialismo, uma espécie de lugar novo que se podia construir à esquerda, mas na verdade eu aterrei numa das sociedades mais capitalistas do mundo. Aquilo era o auge de um capitalismo. Aquele capitalismo. Mas não deixava de ser desenvolvimento. Aqueles 40 milhões que emergiram da pobreza emergiram à custa de um brutal incentivo ao consumo, que depois não se reflectia em avanços na Educação, Saúde, etc. Nesse momento eu senti que havia uma atmosfera pré-apocalíptica. Para ti isso foi uma possibilidade de utopia que falhou?Tornou-se um prisma para ler o mundo. Simultaneamente, o Brasil está completamente voltado para dentro, e é um lugar à parte do mundo. Quem está lá não tem relação nenhuma, leitura nenhuma. Foi muito surpreendente perceber como o Rio de Janeiro, sendo uma cidade gigantesca, é tão provinciana. O Brasil é completamente autónomo, é como se fosse um grande quintal à parte do mundo. Isso é muito exaltante e ao mesmo tempo desesperante. Mas uma das coisas boas do Brasil é que nos rimos daquilo tudo, toda a gente se ri junta. Riem de si próprios. Sim, e isso também é uma boa aprendizagem. Talvez eu tenha perdido aí algum dramatismo. É a ausência de culpa?Sim, eu acho que o Brasil tem um efeito psicanalítico muito interessante na nossa mentalidade de portugueses. Eu, que tenho uma costela bastante melancólica e ansiosa, acho que o Brasil teve um grande efeito terapêutico. O que queres dizer com ver o mundo através do prisma Brasil?Por um lado havia uma autonomia quase infantil, que é fascinante para quem chega. Mas de repente fica-se naquela coisa que é o mundo-Brasil. Deus é brasileiro, há apenas o Brasil e o Universo. À medida que o tempo passa e tudo sedimenta, eu passei a olhar o mundo através do Brasil. Foi aí que eu comecei a sentir aquele clima pré-apocalíptico. O Brasil poderá ser precursor de algumas coisas que vão acontecer a nível global?Não é ser precursor, é uma coisa mais subterrânea. É mais ser antecessor. É como uma lupa. O Brasil deu-me chaves para eu conseguir olhar para determinadas realidades. A viagem que fiz à Amazónia teve para mim esse efeito muito decisivo. É impossível voltar da Amazónia e continuar a olhar para o mundo da mesma forma. O Eduardo Viveros de Castro, um antropólogo muito importante para mim, tem uma visão de fim do mundo próximo. De falência total do planeta. Estamos a correr para isso. O que se vê com essa lupa é o fim do capitalismo?A única coisa que posso dizer é que há um clima pré-apocalíptico e que isso vem da consciência da relação da Natureza com os homens. O Rio é uma cidade completamente à mercê da Natureza. A casa onde eu morava ficava no Cosme Velho, um bairro que na verdade está no meio da Tijuca, a maior floresta urbana do mundo. No jardim da minha casa havia macacos maiores do que eu, apareceu uma cobra na casa de banho, havia tucanos, árvores gigantescas, quando cai chuva é como se se abatesse uma catarata sobre nós. Temos a sensação de que a selva a todo o momento nos vai engolir, e que estamos a lutar com ela, mas somos ínfimos, porque tudo aquilo é muito mais forte, aquelas raízes, aquelas frutas, aquelas folhas, aquelas cores, aqueles cheiros, aqueles sons. Tudo aquilo é mais forte do que nós. Eu não vivia num apartamento num 5º andar no Leblon, protegido por grades. Eu estava no meio da floresta. Essa sensação de vulnerabilidade estende-se também à organização colectiva, ao sistema político?Sim, o absurdo que é estarmos a pensar que controlamos alguma coisa. Quando vemos as extensões gigantescas de terra que são ocupadas por plantações na Amazónia, os erros gigantescos que estão a ser cometidos…Por outro lado há o facto de 40 milhões de pessoas terem saído da pobreza, nos últimos anos. Esse clima de pré-apocalipse não será relativo? Não depende da perspectiva em que nos colocamos?Claro, as coisas não são preto e branco. Mas os perigos para o planeta não têm nada de relativo. Estamos a falar de coisas bastante objectivas. Para quem tinha fome era um pouco indiferente os perigos para o planeta. Uma forma pessimista de olhar para isto é: com o incentivo ao consumo, a esquerda, ao elevar 40 milhões da pobreza, neutralizou a revolta desses 40 milhões. Que pensarão essas pessoas se alguém lhes for dizer que foi um erro melhorar as suas condições de vida, porque agora perderam a vontade de se revoltarem?Não estou a fazer juízos. As coisas são assim. De facto houve 40 milhões de pessoas que sairam da pobreza, e isso é bom, ponto final. Não tem ‘mas’. Por outro lado, estamos a falar de um país com problemas terríveis de racismo, abusos policiais, violência extrema, onde 70 por cento dos jovens mortos são negros. Um país onde há uma guerra urbana, entre a polícia e os morros, e onde uma esmagadora maioria da população continua a ser sujeita ao que foram séculos de colonialismo, escravatura, repressão racial, ditadura. Tudo isso existe na vida do Brasil de hoje. E tudo isso se tornou pesado para ti pessoalmente? Foi por isso que regressaste?Não, o meu regresso deveu-se, antes de mais, à impossibilidade de viver lá, porque é demasiado caro. A partir do momento em que eu decidi viver com pouco dinheiro e escrever livros, que foi a decisão que eu tomei ao sair da redacção do Público, passou a ser impossível viver no Rio, que se tornou obscenamente caro. Terias ficado, se não fossem os motivos económicos?Talvez. Eu olho para o meu tempo no Brasil sem qualquer mágoa, e é maravilhoso poder voltar. Muitas pessoas importantes para mim estão lá. O Brasil foi, e continua a ser, parte da minha vida. Mas uma coisa que eu senti nos últimos meses que morei no Brasil, é que estava a tornar-se difícil escrever o livro lá. É muito difícil estar lá a viver e a escrever ao mesmo tempo sobre a cidade. Isso foi uma das razões que me fizeram pensar: agora preciso de me afastar. O livro é sobre o Brasil, ou é apenas passado lá?O livro passa-se todo no Rio de Janeiro. Chama-se Deus Dará, tem sete protagonistas, muito diferentes uns dos outros. Um deles é o Karim. Passa-se em sete dias seguidos da semana, embora de anos diferentes, de 2012 a 2014. A acção vai alternando entre eles, em vários pontos da cidade, que é no fundo a principal personagem. Dois dos protagonistas são portugueses. O livro começou a ser escrito antes das manifestações rebentarem no Brasil, e eu alterei-o muito por causa disso. É atravessado por um clima de pré-apocalipse. É escrito a pensar em leitores portugueses ou brasileiros?Não penso nisso. O livro tem várias linguagens. É também uma tentativa de trabalhar o português em várias zonas. Há personagens portuguesas e brasileiras, e há o narrador. A narração é feita na terceira pessoa. Os vários protagonistas têm vários sotaques, porque uns são da favela, outros da burguesia. Mas isto não pretende ser o romance de uma carioca, que eu não sou. Há-de ser exactamente aquilo que é: o romance de uma portuguesa que viveu no Rio de Janeiro, e que está a escrever um livro, com um narrador e sete personagens. Mas de uma portuguesa que se tenta aproximar o mais possível. Nas crónicas que escreveste para o PÚBLICO desde que foste para o Brasil usaste formas de português do Brasil, o que não é comum. Há algum statement nessa opção?Ainda hoje escrevi “autocarro”, porque estava a falar da Serra da Estrela. Se estou a falar do Rio de Janeiro, escrevo “Ônibus”, porque isso permite ver o autocarro no Rio de Janeiro. É uma forma de o transportar para lá. Eu encarei as crónicas como uma possibilidade de experiência da minha própria relação com a língua. Mas o facto de passares a escrever à brasileira…Eu não passei a escrever à brasileira. Escrevia naturalmente. Era uma tentativa de pensar aquilo que eu incorporei naturalmente. O vestígio, a marca que ficou naturalmente na minha língua. Isso ultrapassa a dimensão da língua, significa que também alargamos a nossa identidade? E que devemos abraçar isso?Óbvio. Pois se temos essa possibilidade. Como fala o narrador do teu livro?Escreve num híbrido, que não é uma coisa nem outra. É a fala de um português que foi para o Brasil?Não, o narrador não é português. É um misto, entre uma coisa e outra?É um narrador masculino, mas não é claro o que ele é. Ele diz que escreve numa espécie de língua atlântica. Na verdade aquilo é a língua que eu ouço na minha cabeça. É a língua portuguesa no melhor das suas possibilidades?O narrador escreve exactamente como lhe apetece. Tem essa liberdade. É o verdadeiro narrador omnisciente. E o Karim? Nasceu antes ou depois de teres ido viver para o Brasil?Não sei. Ele nasceu em E a Noite Roda, mas quando comecei a pensar no Deus Dará decidi logo que ele seria um dos protagonistas. E a Noite Roda foi começado em Portugal, mas terminado no Brasil. Eu queria escrever um romance que acontecesse no Rio, porque queria tratar a experiência de lá ter vivido quatro anos. Como o Karim era uma personagem carioca, construí o romance a partir dele. Mas quando comecei a escrever E a Noite Roda eu já sabia que ia para o Brasil. A criação do Karim está associada à ideia de que eu ia para o Brasil, embora eu ainda não morasse lá. E vais conseguir escrever sobre o Rio não estando lá?Na verdade, tudo o que escrevi deste livro, escrevi-o em 40 dias que estive isolada na casa de uma amiga, em Minas Gerais. Escrevi pouquíssimo no Rio. Procuras o silêncio para trabalhar, mas não aguentas mais de dois meses, e procuras de novo o ruído, onde as coisas acontecem, depois de novo o silêncio para escrever sobre elas. Sim, eu funciono por imersões. Foi assim com os romances que escrevi até agora. De repente fechava-me durante três semanas e escrevia intensamente. Mas agora será uma experiência diferente, porque a imersão passa a ser um continuum. Não sei bem como vou gerir isso. O método das imersões funciona para um repórter, que se recolhe de vez em quando para escrever. Para um escritor é difícil escrever intensamente e continuar a viver intensamente. A imersão funciona bem em períodos curtos. Quando começa a ser muito longa, a vida não pode ficar congelada. É preciso misturar a vida nisso. O que queres fazer a partir de agora?Tenho vários livros na cabeça. Depois deste, sobre o Rio de Janeiro, que quero publicar no Outono, vou escrever uma peça de teatro sobre a Síria. Depois um romance passado nos anos 80, sobre a minha adolescência nos Olivais. Será também uma fantasia musical, porque é contado através da música que eu ouvi nos anos 80. Haverá outro romance que tem a ver com a minha infância, os meus avós paternos e a minha relação com a Serra das Estrela e as Penhas Douradas. Será mais interior ainda e mais para trás ainda. Isto é um processo da frente para trás. Porque vais nessa direcção?Isto relaciona-se com a minha convicção de que tudo é biografia. Vamos entrando na biografia cada vez mais. Mas não é linear. Antes disso ainda haverá um romance sobre Gaza. E uma espécie de documentário em livro sobre os imigrantes portugueses no Brasil, embora para isso eu precisasse de um apoio. O que não me vejo mais a escrever é livros de viagens. Já não faz sentido para mim. Mas a realidade está sempre presente em tudo o que escreves. Isso continuará a ser uma marca?Nenhum destes livros, mesmo o da minha infância, que vai atravessar o Estado Novo, pode deixar de ter um elo contemporâneo. Terão sempre um laço com o presente. Não serão romances históricos. Porquê?Porque eu não busco a verosimilhança, mas a verdade. Não me interessa criar um artifício, uma ilusão, uma verosimilhança. Por isso não gosto da palavra “ficção”. Não estou a ver-me a criar ali uma bolha, nos anos 80, sem haver este arco que instale a distância e crie a perspectiva. Se a distância existe em mim, eu quero que essa distância esteja lá também. Porque eu quero lidar com isso mesmo, com o meu olhar sobre essa distância. Eu escrevo sobre os outros e com os outros, mas em última análise escrevo sobre mim. No sentido em que não posso ter a arrogância de escrever sobre mais ninguém. Veja o programa de Minha Língua, Minha Pátria, evento que vai reunir escritores portugueses e brasileiros em São Paulo
REFERÊNCIAS:
Isto é o Haiti
A Baixa de Port-au-Prince é uma das zonas mais perigosas do mundo para um estrangeiro. O povo está zangado. Irritado. Tem fome e diz-se traído. Cinco anos depois do sismo, milhões de pessoas continuam abandonadas. Reportagem de Luis Pedro Nunes e Alfredo Cunha (...)

Isto é o Haiti
MINORIA(S): Migrantes Pontuação: 6 Africanos Pontuação: 2 Mulheres Pontuação: 2 | Sentimento 0.0
DATA: 2017-09-24 | Jornal Público
SUMÁRIO: A Baixa de Port-au-Prince é uma das zonas mais perigosas do mundo para um estrangeiro. O povo está zangado. Irritado. Tem fome e diz-se traído. Cinco anos depois do sismo, milhões de pessoas continuam abandonadas. Reportagem de Luis Pedro Nunes e Alfredo Cunha
TEXTO: É esta capacidade absurda de espantar que torna a realidade imbatível perante a ficção. Que nos obriga a estar atentos e de espírito aberto para vos poder contar o que está para além do óbvio. E reparem que o “óbvio” aqui era a mais ignóbil das misérias e das desolações: seres humanos largados para viver numa encosta onde nem as pedras se seguram. O inesperado era este momento de discussão filosófica sobre a natureza das revoluções naquele penico do diabo. Há que perceber onde estamos. É gigantesco o pedaço de montanha raspada e semidesértica a 45 minutos de Port-au-Prince que se chega pela estrada mais perigosa e violenta do país, a infame N9. Foi ali, na agora baptizada Canaan 1, que foram recolocados uns cinco mil dos desalojados do sismo de há cinco anos que devastou grande parte da capital do Haiti e fez mais de 200 mil mortos (no total das cinco zonas Cannan, serão 300 mil realojados). O terramoto de 2010 fez, nas contas de então, um milhão e meio de desalojados numa nação que tem a mesma população que Portugal. Estes são os que sobram, pelos vistos. Foram enxotados da cidade para este canto. Quando se chega, tem-se alguma dificuldade em acordar o cérebro para o que ali se passa. O silêncio. A desolação. As barracas espalhadas pela calvície da montanha. O aspecto abandonado. O desprezo e descrença com que somos olhados. Só mais de uma hora depois, Pierre, um ex-motorista da capital, deixa cair a sua história. E sai em golfadas. Ex-emigrante nos EUA. Vida sofrida em Port-au-Prince até ao grande sismo. Exilado para ali. Deram-lhe 20 metros quadrados de terra seca numa encosta íngreme. Não há água. Electricidade. Nem escola para os miúdos. Muito menos emprego. Não perguntem como sobrevive. Ultrapassa sempre a nossa compreensão. “Só queria estar perto do centro da cidade, onde poderia roubar qualquer coisa para dar aos meus filhos. Aqui nem isso há. ” Na cidade, a maioria sobrevive com menos de um euro por dia. Estes estão nas dobras esquecidas do inferno. É aí, numa das saídas, que me cruzo com Leonel. Universitário de 23 anos ali desterrado agarrado ao sonho de fazer algo de bom pelo Haiti. E falamos de Voltaire. Nada bate o absurdo da realidade. Os demónios do inverosímil dançam naquelas encostas e rodopiam ao vento daquele dia que promete chuva. Rolamos pelo centro e as imagens que existiam da devastação do sismo — estas coisas agora medem-se em bombas atómicas — foram cauterizadas. Nada foi reconstruído. O Palácio, o Governo, tribunais. O Estado. O país ruiu. Mas a sua des-existência cicatrizou. Os desalojados já não estão por ali. O que dá a sensação de ter sido “resolvido”. Toda a zona baixa e onde o olhar alcança nas encostas das montanhas que rodeiam a cidade fazem de Port-au-Prince um extraordinário e abominável bairro de lata, um vomitado de pobreza naquele alguidar que podia ser uma baía idílica. É possível imaginar algo pior do que estar aqui onde as pessoas se atropelam sob o lixo, esgotos como larvas em carne podre? Bastou seguir na N9 até Cannan e falar com Pierre. E depois levar um estalo de Voltaire pelo cândido. Leonel: loucura, hein? O cheiro intenso a pneu queimado e a gasolina rasca que se sente sempre e me bloqueia as vias respiratórias deve estar a alucinar-me. Fixemo-nos numa imagem de quotidiano na mais movimentada avenida de Port-au-Prince. É o típico cenário de boulevard africana muito movimentada, cheia de pessoas que vão à sua vida, outras que vendem, outras cheias de pressa, outras sem pressa nenhuma numa amálgama de gente viva, outras com ar perdido, destroços, lixo e poças de água podre. O trânsito é caótico no som e nas cores, mas parado por estar estrangulado algures. A avenida tem o nome do herói libertador do país que foi Jacques Dessalines, um negro que em 1802, e por inspiração da Revolução Francesa, derrotou os próprios franceses fazendo do Haiti a primeira nação escrava a libertar-se nas Américas. Autoproclamou-se imperador e foi assassinado em 1806. Cá fora, as pessoas continuam normalmente em negócios típicos de rame-rame de pobreza e parecem ignorar-nos. Não na cabeça do nosso motorista, um latagão maduro da quase inexistente classe média de Port-au-Prince e que nunca pára por aquelas bandas. Não para o segurança armado que nos foi imposto para andar por ali e contrai os músculos do peito e respira fundo para libertar a adrenalina. Dentro do jipe, a ansiedade deles sente-se. Querem sair da zona rapidamente. O facto de o trânsito estar parado cria-lhes um stress que os faz discutir em crioulo. Não há pontos de fuga para o nosso carro caso seja atacado — tal como descrevem os relatos nos jornais sobre os raptos naquela área. A pistola sai da cintura e está debaixo da perna. Cada vez que se ouve o disparar da máquina fotográfica, o segurança a meu lado (um polícia civil) sente que é uma provocação para quem está lá fora. É isto o Haiti. Algo de trágico. Que vive uma situação mórbida e exaurida. Mas que se sabe que pode explodir para algo muito pior a qualquer momento. E tinham razão para estar nervosos? Sim. Se lermos os relatos de aviso das embaixadas em Port-au-Prince. É uma cidade perigosa, uma das capitais mundiais do rapto. Aquela avenida costuma ser o local ideal para ataques. Aliás, não se vê nenhum carro “bom” ou qualquer branco por ali. Passam-se dias sem que se veja um caucasiano sem que seja num lobby de hotel. Desde o sismo que as prisões ruíram e os criminosos se juntaram numa comunidade, a Cité Soley. Não muito longe desta avenida. Lá passamos. Uns miúdos com aspecto de gangues de Nova Iorque metem-se connosco. Esta é a favela mais perigosa do mundo, segundo a ONU. Soldados brasileiros das Nações Unidas montaram quartel com caveirões (dos que sobem as favelas do Rio) apontadas para lá. As ruas estão desertas. O nosso motorista acelera. Pena o tempo ser pouco. Dias depois, temos uma “dica” para entrar e falar com os “bosses”, mas já não vamos a tempo. Continuemos a rodar. A Baixa de Port-au-Prince já não tem deslocados do sismo, apenas taipais vermelhos a cobrir o que não vai ser reconstruído do sismo de há cinco anos: o palácio presidencial, a catedral, a assembleia. É como se o Estado tivesse sido amputado e agora os cotos sarados. As marcas da sua existência apagadas. Sim, já não há deslocados. Sabemos onde os despejaram, não sabemos?Voltemos ao tal caos que agora já faz algum sentido. Mulheres a cozinhar na rua para venda, homens a passar com um colchão que é um bem precioso, outros com madeira, uma mulher que grita que não quer ser fotografada, muitos “tac-tac” coloridos que agradecem a Jesus a protecção, gente de cara fechada, um homem que passa com uma shot-gun ao peito, pois deve ser segurança algures e todas as lojas têm um ou dois guardas fortemente armados. E o motorista que está cada vez mais nervoso. Temos de ir, temos de ir. Saco do bloco para anotar um apontamento e o segurança manda guardar à bruta. “Non, aqui não, aqui não. Pas photo! Pas photo!” Voltaremos mais vezes à Jean Jacques Dessalines Blv. Será quase sempre assim. Nós a querer sair para trabalhar. Segurança a não deixar. Só o presidente da AMI a manter a calma. Não se estará a exagerar? “Se ficasses aí sozinho, estarias morto e nu aí para trás em menos de uma hora”, diz com ar tranquilo. Relaxem. A maior parte do tempo, o armário estará entretido a trocar mensagens no iPhone e a meter-se com as miúdas nas caixas abertas dos transportes e a fazer sorrisinhos malandros. Eu vi. É o Haiti. É um vislumbre sobre o que se passa na alma colectiva do povo haitiano. Tétrico. Belo. Trágico. Ama-se. Detesta-se. Não se é indiferente. Os haitianos são orgulhosos e violentos. Posso dizer isso? Sim, dizia-me Max Beauvoir, líder supremo do vudu do Haiti, religião que independentemente de se dizer católica ou não é adoptada interiormente pela maioria dos haitianos. “Um povo escravo que se liberta de uns colonos brutais como foram os franceses não pode reger-se pela moral cristã do mal e do bem. Matar, quando se tratou de matar o colono, não podia colocar-se em termos de ser errado. ” O sismo de 2010 é apenas mais um episódio de uma história trágica. E que parece caminhar para uma nova tragédia. Quando se fala dos problemas que atingem o Haiti, não se ouve falar do sismo ou da falta de emprego. Ouve-se, invariavelmente, “os políticos”. O Haiti tem 150 partidos políticos. Tentar perceber a política é, no mínimo, tão absurdo como tentar aventurar-se pela Blvd Jacques Dessalines. A popularidade do Presidente eleito, o cantor Michel Martelim, que tanto prometeu, está pelas horas da amargura. As manifestações violentas repetem-se. Mesmo com todos os recursos constitucionais para evitar um regresso às ditaduras, este é um país que tende para a autocracia, segundo as análises feitas pelas intelligence e que as Foreign Policy publicam. Para mais, os financiadores e o mundo querem saber onde param os 10 mil milhões de ajuda que foram lançados para o Haiti após o sismo. Aparentemente, a taxa de desvio terá sido de 40%, o que nem é considerado muito para estes casos em que o caos é total e o nível de corrupção muito elevado. Falta é ter a noção do grau de devastação que o tal sismo de grau 7 provocou num país já destruído: em 35 segundos, quatro mil escolas ruíram. Mais de 25% dos funcionários públicos morreram. À noite, há duas TV do Haiti que estão a transmitir em directo o Carnaval da praça principal, lá onde deveria existir o palácio e o poder executivo e o judicial. Não se percebe nada do que a multidão faz. Mostram gente em caos a movimentar-se de um lado para o outro. Como se se tratasse de uma saída de um jogo de futebol. Horas disto. Comentários em crioulo que não entendemos. Não se passa nada, a não ser gente a andar de um lado para o outro. O Carnaval verdadeiro tem turistas americanos que “adoram esta loucura”. Deduzo que tem verdadeiros batalhões a fazer segurança. E de certeza que dizem algo como o que li no meu Facebook: “As gentes do Caribe são muito alegres e felizes. ” Garanto que não é verdade. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público.
REFERÊNCIAS:
Entidades ONU EUA
No bairro da Jamaica sobem-se escadas às apalpadelas
Moradores de quatro bairros na área metropolitana de Lisboa uniram-se para exigir direito à “habitação condigna”. IHRU diz que Prohabita tem verbas para autarquias fazerem realojamentos, mas não revela quanto (...)

No bairro da Jamaica sobem-se escadas às apalpadelas
MINORIA(S): Migrantes Pontuação: 6 Africanos Pontuação: 2 Mulheres Pontuação: 2 | Sentimento 0.0
DATA: 2018-12-18 | Jornal Público
SUMÁRIO: Moradores de quatro bairros na área metropolitana de Lisboa uniram-se para exigir direito à “habitação condigna”. IHRU diz que Prohabita tem verbas para autarquias fazerem realojamentos, mas não revela quanto
TEXTO: Aurora Coxi quer fazer um convite ao presidente da Câmara Municipal do Seixal e ao presidente do Instituto da Habitação e da Reabilitação Urbana (IHRU): “Venham passar uma semana numa das casas do bairro da Jamaica”, diz em frente a um dos blocos de “prédios” onde um café serve de ponto de encontro, jovens vendem desodorizantes e mulheres cortam pedaços de jaca de São Tomé. “É para terem a noção do porquê estarmos desesperados. Só conseguem sentir esta realidade na pele se fizerem essa troca. Ficavam um dia e fugiam!”, ironiza. Aos 26 anos, Aurora Coxi tem o filho mais novo, de sete meses, ao colo. Mãe solteira, partilha casa há pouco tempo com a irmã, nos prédios em frente aos blocos do Jamaica – ou bairro do Vale de Chícharos – no Fogueteiro. Aurora saiu dali depois de anos a viver num apartamento com vários problemas de humidade, e onde continuam a viver parte da família e amigos. A falta de condições das casas, como o excesso de humidade, infiltrações nas paredes e no chão e a ausência de ventilação, já provocaram problemas de saúde a crianças e adultos. Entra-se num dos apartamentos e o ar pesado, a humidade, chegam imediatamente ao corpo. Por isso Aurora, e moradores de quatro bairros da área metropolitana de Lisboa – o Jamaica, no Seixal, o Bairro 6 de Maio, na Amadora, o Bairro da Torre e Quinta da Fonte em Loures – assinaram uma carta que enviaram a várias entidades, incluindo ao presidente da República, para exigir o direito a uma “habitação condigna”, como prevê a Constituição e como as Nações Unidas vincaram sobre Portugal numa visita recente. A ideia é alargar a bairros com as mesmas problemáticas em todo o país, explicou uma das entidades que apoia, a Habita. Apesar de terem características diferentes, os bairros que se juntaram sob o chapéu Assembleia de Moradores dos Bairros querem “ser realojados com respeito", nuns casos, e querem que as casas sejam reabilitadas, noutros. Exigem também participar no processo de reavaliação do Programa Especial de Realojamento (PER) de 1993, que tinha como objectivo erradicar as barracas das áreas metropolitanas de Lisboa e do Porto. “Não queremos ser realojados em novos guetos, distantes dos centros urbanos e afastados dos nossos lugares de trabalho”, dizem. Por isso, foram ao IHRU esta semana. Luís Gonçalves, vogal do Conselho Directivo daquele instituto que esteve na reunião, disse ao PÚBLICO que há verbas do programa Prohabita, disponíveis para apoiar as câmaras em projectos de realojamento, mas o processo tem que ser desencadeado pelas próprias. Qual o valor dessas verbas, não especificou. Já a autarquia do Seixal, que considera as condições em que vivem as pessoas no Jamaica de “absolutamente inqualificáveis para o século XXI”, diz, através do gabinete de comunicação, que concebeu um novo modelo de realojamento social baseado na aquisição de casas, pelos próprios, sem recurso a novas construções. Mas “o realojamento social é uma competência do Estado Central, sendo que a autarquia há vários anos que tem procurado que os governos desenvolvam políticas de realojamento, mas sem sucesso”. A câmara está “em condições de avançar com custos partilhados entre os vários intervenientes – as famílias, os proprietários dos terrenos ilegalmente ocupados, o Estado Central” e a própria autarquia. Entretanto, os moradores do Jamaica vão improvisando. Há uma dezena de cafés, vários estão uns ao lado dos outros. “Isto é o Chiado”, brinca Aurora, ao passar pelo “quarteirão” onde se grelha comida nos pátios. Os nove blocos de tijolo vermelho são o esqueleto de uma obra que parou nos anos 1980, por falência do empreiteiro. Diz a autarquia (PCP) que os terrenos foram vendidos pela Caixa Geral de Depósitos à empresa Urbangol, que tem um projecto de urbanização para aquela zona. O complexo seria ocupado no início da década de 1990 por famílias de imigrantes, a maioria africanos das ex-colónias, que chegavam e iam construindo as suas casas, obtendo água e electricidade através de puxadas, e criando uma rede de esgotos improvisada. Neste momento, vivem 215 famílias no bairro, e segundo a Câmara Municipal do Seixal (CMS) nenhuma delas pertence aos 47 agregados registados no PER de 1993 -esses agregados já estão todos realojados, afirmam. Depois, mais famílias foram chegando. Nesta altura do ano anoitece por volta das 20h30, mas no Inverno fica tudo às escuras pelas 18h. Ficar tudo escuro significa não ver o degrau da escada seguinte, correr o risco de pôr o pé no sítio errado e ir parar a outro andar. Os degraus de cimento são de altura irregular. Não há corrimões. Alguns dos nove blocos têm as caixas de elevador a descoberto. Subir é ir às apalpadelas: pode-se chegar ao topo e no lugar do terraço haver outro apartamento, casa sobre casa. Mesmo assim, às escuras, crianças sobem com destreza o andar do bloco 10, à frente da mãe. Sem luz na via pública em frente aos prédios, tornando a zona ainda menos visível, o medo da associação de moradores é que a EDP corte a electricidade em todo o bairro. Durante anos, o Jamaica usou electricidade através de puxadas. Há pouco mais de um ano, a CMS e a Associação (de moradores) para o Desenvolvimento Social de Vale de Chícharos chegaram a um acordo com a EDP, que instalou um contador por bloco. A única solução para um local onde não se podem fazer licenças de habitação era ter uma instalação eléctrica como se fosse para uma obra, diz a empresa ao PÚBLICO através do gabinete de comunicação da EDP distribuição. Por sua vez, a câmara, que não concorda com esta solução, pôs contadores que possibilitam a leitura individual de cada habitação. Cabia à associação cobrar às famílias, mas a sua presidente, Dirce Noronha, 39 anos, viu-se numa situação da qual hoje se arrepende: muitos moradores desconfiavam, não pagavam, até porque diziam que nem direito a factura tinham. Depois bastava uma casa não pagar para o bloco todo ficar em dívida, e assim o aviso de corte se estender a todos. Desde Junho que todos deixaram de pagar. O caso agora está em tribunal, mas a EDP diz que, por enquanto, não está agendado um corte total. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. “Fomos transformados em escudos humanos”, diz Salimo Mendes, vice-presidente da associação. Dirce Noronha conta que foram tempos difíceis. “Não podia sair, as pessoas ameaçavam”. Enquanto caminha pelo Jamaica, vai mostrando alguns problemas como o esgoto e o lixo. “As pessoas têm que ter também brio e consciência, nem tudo é responsabilidade da câmara”, desabafa. Cai a noite no Jamaica. As janelas dos prédios vermelhos são os únicos pontos de luz. Os candeeiros públicos à volta estão desligados. A EDP diz ao PÙBLICO que desconhecia o corte, e que o iria resolver em breve.
REFERÊNCIAS:
Partidos PCP
Nos Países Baixos
Fiquei a pensar na falta que nos faz um museu das descobertas e semelhante ausência de complexos em relação a um passado, que foi o que foi, sem que possamos interferir. (...)

Nos Países Baixos
MINORIA(S): Migrantes Pontuação: 6 Africanos Pontuação: 2 Mulheres Pontuação: 2 | Sentimento 0.0
DATA: 2018-10-19 | Jornal Público
SUMÁRIO: Fiquei a pensar na falta que nos faz um museu das descobertas e semelhante ausência de complexos em relação a um passado, que foi o que foi, sem que possamos interferir.
TEXTO: Um português em turismo nos Países Baixos não pode deixar de dar uma volta de barco pelo labirinto dos canais de Amesterdão, ligados ao rio Amstel. Farid, o “capitão-guia” da minha embarcação, era euroafricano, de pai holandês e mãe marroquina. Ao passar perto da réplica do navio da Companhia das Índias Orientais (a VOC), que é a atracção maior do Museu Marítimo Nacional, falou, com indiscutível orgulho, da “idade de ouro” da Holanda, na primeira metade do século XVII, quando continuou o caminho da globalização que tinha sido iniciado pelos portugueses. E despachou o tema da escravatura, comentando que foi uma página negra de uma história muito rica. Nós temos em Almada uma reconstrução do último navio da carreira da Índia, mas fiquei a pensar na falta que nos faz um museu das descobertas e semelhante ausência de complexos em relação a um passado, que foi o que foi, sem que possamos interferir. Marcas da primitiva globalização estão por todo o lado na grande metrópole holandesa, seja na toponímia (por exemplo, a Praça de Suriname), seja na restauração (por exemplo, a gastronomia indonésia). O viajante luso não podia deixar de visitar a Sinagoga Portuguesa de Amesterdão. Foi mandada construir em 1670 pela comunidade sefardita portuguesa na que é hoje a Mr. Visserplein (Praça do Sr. Visser, um juiz que defendeu os judeus na Segunda Guerra Mundial). Perto, na Sint Antoniesbreesstraat (Rua Larga de Santo António), fica a Huis de Pinto, a casa de Isaac de Pinto (1717-1787), um rico judeu português, accionista da VOC, economista e filósofo. Karl Marx, que está a fazer 200 anos, cita Pinto no Capital para criticar o liberalismo económico. Não se pode falar dos judeus holandeses sem nomear o filósofo Bento de Espinosa (1632-1677), que era filho de um mercador expulso de Portugal pela intolerância religiosa. Espinosa nasceu e viveu em Amesterdão, mas foi banido da Sinagoga Portuguesa em 1656, tendo de abandonar a cidade. O chérem que sofreu é a punição máxima da religião judaica, mas, de início, nada fazia prever a heresia. Aprendeu o cânone hebraico, preparando-se para ser rabi. Conheceu aos 14 anos o Padre António Vieira, quando este visitou a comunidade portuguesa de Amesterdão. O abandono da tradição religiosa familiar deveu-se à sedução pelas ideias de Descartes (quando Espinosa nasceu, Descartes vivia em Amesterdão). Não admira, portanto, que na sua Ética a moral seja tratada no estilo da geometria cartesiana. Além de filosofar, Espinosa polia lentes para telescópios e microscópios, numa terra que viu nascer esses instrumentos. Morreu de doença pulmonar associada à poeira do vidro e está sepultado em Haia, que o homenageou com uma estátua no centro histórico. Ramalho Ortigão escreveu em A Holanda: “Quem nos dissesse no século XVI que o obscuro e desprezível judeu, pai de Espinosa, ao emigrar de Lisboa nos arrebatava uma riqueza comparável à dos imensos territórios do país brasileiro teria o ar de um utopista em delírio”. Mas foi mesmo assim: “Espinosa, tornado holandês pela intolerância do nosso despotismo católico, funda no país a que o rejeitámos as bases de um novo critério que põe a Holanda à frente de todo o grande movimento filosófico do mundo moderno. ”Sobre o Brasil: no coração de Haia está a casa de João Maurício de Nassau (1604-1679), de cognome “O Brasileiro” por ter sido governador de Pernambuco, a “Nova Holanda”. Ao serviço da Companhia das Índias Ocidentais (a WIC), edificou o Recife à maneira holandesa. Foi ele que, depois de ter tentado tomar a Bahia, enfrentou uma poderosa armada luso-hispânica em 1639. Em 1640 Vieira pregou na Bahia o Sermão pelo Bom Sucesso das Armas de Portugal contra as de Holanda, onde ameaçava deixar Deus se ele deixasse os portugueses. Como é sabido, Deus não deixou os portugueses. Em 1641 foi celebrado um primeiro tratado de paz em Haia entre a Holanda e Portugal, que conduziria a outro, ainda em Haia, vinte anos depois, pelo que João Maurício não tardou a regressar a casa. Hoje o turista pode ir, na capital holandesa, à Mauritshuis, que alberga um belo museu. É lá que pode ver a obra maior de Vermeer, Rapariga com o Brinco de Pérola, de 1665. A rapariga, cujo brinco resultou de duas breves mas geniais pinceladas, vale por si só uma visita à Holanda.
REFERÊNCIAS:
Étnia Judeu
Sistema de ensino perdeu quase 90 mil alunos em 12 anos
Em mais de uma década, as taxas de retenção passaram para metade. São os dados mais recentes que traçam o perfil do aluno. E que mostram ainda que o número de matriculados, do pré-escolar ao superior, não era tão baixo havia pelo menos 12 anos. (...)

Sistema de ensino perdeu quase 90 mil alunos em 12 anos
MINORIA(S): Migrantes Pontuação: 6 Africanos Pontuação: 2 Mulheres Pontuação: 2 | Sentimento 0.0
DATA: 2018-10-12 | Jornal Público
SUMÁRIO: Em mais de uma década, as taxas de retenção passaram para metade. São os dados mais recentes que traçam o perfil do aluno. E que mostram ainda que o número de matriculados, do pré-escolar ao superior, não era tão baixo havia pelo menos 12 anos.
TEXTO: As instituições de ensino do Continente perderam 89. 815 alunos, do pré-escolar ao ensino superior, entre 2005/2006 e 2016/2017. O número de inscritos no último ano lectivo (cerca de um milhão e 920 mil) nunca tinha sido tão baixo durante o período analisado. Os dados são do Perfil do Aluno 2016/2017, publicado este mês pela Direcção-Geral das Estatísticas da Educação e da Ciência (DGEEC), que compila informação sobre todos os tipos de cursos, incluindo os de formação de adultos. A redução não foi igual em todos os níveis de ensino. Só o básico perdeu 130 mil alunos, quando se compara os matriculados há 12 anos com os que estavam no sistema em 2017. Porquê? “É o efeito demográfico”, explica Paulo Peixoto, investigador do Observatório das Políticas de Educação e Formação do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra. O decréscimo da taxa de natalidade reflecte-se nestes números. O fenómeno poderia ser atenuado “se Portugal estivesse a acolher muita imigração com crianças nesse nível de ensino”, comenta o especialista. “Mas isso não está a acontecer. ”Já no secundário deu-se a alteração inversa. O número de estudantes que frequentavam o 10. º, 11. º e 12. º anos aumentou 16%. Passou-se de 326. 182 inscritos em 2005/2006 para 378. 548. Neste caso, Paulo Peixoto explica que o decréscimo da natalidade é compensado pela introdução, a partir de 2012/13, da escolaridade obrigatória até aos 18 anos. No período analisado pela DGEEC, as taxas de retenção passaram para metade. A diminuição foi mais acentuada no ensino secundário. Em meados dos anos 2000, 30, 6% dos estudantes do 10. º ao 12. º ano desistiam ou ficavam retidos. Em 2015/2016, eram 14, 9%. Quanto aos que concluíram estes níveis de ensino, registou-se um aumento de 17, 6% no básico e de 45% no secundário. De acordo com este relatório, os rapazes estão em maioria em todos os níveis de ensino. Com uma excepção: o ensino superior. Aí, as raparigas representam 53, 5% dos quase 356 mil matriculados. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. As escolas públicas continuam a receber a maioria dos alunos. O ensino privado assume um papel mais preponderante no pré-escolar (47, 7% dos estudantes matriculados) e no secundário (21, 4%). No 1. º ciclo estão no privado apenas 12, 6% dos alunos do sistema de ensino. Quanto aos alunos de outras nacionalidades, o Brasil domina. Dos 26. 491 brasileiros matriculados nas escolas portuguesas, quase metade estavam no ensino superior. Esse rácio é ainda maior para os estudantes angolanos, espanhóis, italianos, alemães, moçambicanos, polacos e holandeses. Em 2016/2017, havia quase dois milhões de estudantes matriculados. Desses, cerca de 5% (102. 814) tinham mais de 30 anos e quase 60% estavam no ensino superior. Entre os alunos com mais de 50 anos, o número de inscritos no básico (7415) estava muito próximo daqueles matriculados no ensino superior (7774).
REFERÊNCIAS:
Palavras-chave imigração educação
Manifesto de Breivik revela planeamento ao pormenor e um homem xenófobo e violento
A polícia norueguesa confirmou que o suspeito pelos ataques de Oslo e Utoya que causaram 93 mortos publicou um longo manifesto de mais de 1500 páginas horas antes da matança. O extenso documento (misto de manifesto político, diário e manual de instruções) revela planeamento ao ínfimo pormenor feito ao longo de anos por um homem anti-islâmico, xenófobo e violento. No dia dos ataques, Anders Behring Breivik escreveu no documento em inglês intitulado "2083 - A European Declaration of Independence": "Acredito que esta vai ser a minha última entrada". (...)

Manifesto de Breivik revela planeamento ao pormenor e um homem xenófobo e violento
MINORIA(S): Migrantes Pontuação: 6 Africanos Pontuação: 2 Mulheres Pontuação: 2 | Sentimento -0.2
DATA: 2011-07-26 | Jornal Público
SUMÁRIO: A polícia norueguesa confirmou que o suspeito pelos ataques de Oslo e Utoya que causaram 93 mortos publicou um longo manifesto de mais de 1500 páginas horas antes da matança. O extenso documento (misto de manifesto político, diário e manual de instruções) revela planeamento ao ínfimo pormenor feito ao longo de anos por um homem anti-islâmico, xenófobo e violento. No dia dos ataques, Anders Behring Breivik escreveu no documento em inglês intitulado "2083 - A European Declaration of Independence": "Acredito que esta vai ser a minha última entrada".
TEXTO: Segundo o diário norueguês VG, partes do manifesto político do documento foram copiadas de um texto do terrorista americano Ted Kaczynski, conhecido por Unabomber, responsável pela morte de três pessoas entre 1978 e 1995 e que enviava engenhos explosivos por correio. "Grandes fragmentos do recém divulgado "2083 - A European Declaration of Independence", supostamente escrito por Breivik, foram copiados", escreve o VG que cita o site de debate document. no. Segundo este forum, em algumas passagens Breivik adaptou termos de Kaczynski por palavras que estavam mais próximas do seu ideário extremista. O document. no aponta como exemplo o termo "esquerdismo" utilizado pelo Unabomber e que o suspeito dos atentados de Oslo substitui por "multiculturalismo" e "marxismo cultural". As forças de segurança norueguesas estão a analisar ao pormenor o documento que declara abertamente "guerra de sangue" aos imigrantes marxistas e que fala em lançar uma cruzada contra o "marxismo cultural". Segundo a polícia, a redacção do texto terá começado no Outono de 2009. No manifesto, Anders Behring Breivik aponta o terrorismo como o melhor "método para despertar as massas" e declara-se preparado para que o apontem como "o pior monstro desde a II Guerra Mundial". No final do documento aparecem várias fotografias do suspeito dos atentados. Nessas imagens aparece o mesmo homem que tem sido identificado pelos media como o alegado autor dos atentados e que surge armado com uma arma sofisticada, com mira telescópica, e envergando um fato anti-radiações. Eis alguns dos pontos do documento alegadamente escrito por Anders Behring Breivik, num resumo preparado pela CNN:- O autor descreve-se como um “Cavaleiro Justiceiro - Comandante dos Cavaleiros Templários Europeus” e um dos vários líderes do movimento nacional e pan-europeu de resistência patriótica;- Antecipa uma guerra civil na Europa em três etapas, a última das quais terminaria em 2083 (daí o título do documento) com a execução dos “marxistas culturais” e com a deportação dos muçulmanos;- A primeira etapa dessa guerra civil, que decorreria até 2030, teria como características a guerra declarada e a progressiva consolidação das forças conservadoras;- Entre 2030 e 2070, o autor prevê “formas mais avançadas de resistência das forças conservadoras e a preparação de um golpe de Estado pan-Europeu;- A etapa final - em que o autor estima que os países europeus terão uma média de entre 30 e 50 por cento de população muçulmana - irá centrar-se na “execução do multiculturalismo e do Marxismo cultural”, bem como dos “traidores”, na deportação dos muçulmanos e na “implementação da agenda política e cultural conservadora” em todo o Continente Europeu;- O autor diz que, pessoalmente, tem sido atacado repetidamente por muçulmanos: “‘Só vivi oito assaltos, tentativas de assalto e múltiplas ameaças. Nunca fui roubado ou espancado severamente por muçulmanos (um nariz partido foi o mais grave que me ocorreu) mas conheço mais de 20 pessoas que o foram. Conheço pelo menos duas raparigas que foram violadas por muçulmanos e tenho conhecimento de mais dois casos. Uma rapariga foi cortada na cara por muçulmanos”. - Radovan Karadzic - o sérvio-bósnio acusado de genocídio - é nomeado pelo autor como uma das pessoas que ele gostaria de conhecer, negando que este seja “um assassino e um racista” e dizendo, ao invés, que “pelos seus esforços de tentar livrar a Sérvia do Islão ele deveria ser considerado e recordado como um honrado cruzado e um herói de guerra europeu”;- O autor diz que se sentiu compelido à acção depois de o governo norueguês ter participado nos bombardeamentos de 1999 contra Belgrado durante a guerra do Kosovo, tendo por alvo o inimigo errado - “os nossos irmãos sérvios que queriam expulsar o Islão deportando os muçulmanos albaneses de volta para a Albânia”.
REFERÊNCIAS:
Partidos PAN
"Não vejo diferença entre Anders Breivik e a Al-Qaeda"
Arquitectonicamente, o bairro de Groenland não muda muito do resto de Oslo. Os prédios, não muito altos, são novos e antigos e continuam a paisagem de quem vem do centro. Mudam os nomes de restaurantes a anunciar kebabs, as lojas e as roupas que vendem, os supermercados com os enormes sacos de arroz basmati, caril e pasta de rosas. E muda também a população que de dia se espalha pelo resto da cidade. (...)

"Não vejo diferença entre Anders Breivik e a Al-Qaeda"
MINORIA(S): Migrantes Pontuação: 6 Africanos Pontuação: 2 Mulheres Pontuação: 2 | Sentimento 0.0
DATA: 2011-07-29 | Jornal Público
SUMÁRIO: Arquitectonicamente, o bairro de Groenland não muda muito do resto de Oslo. Os prédios, não muito altos, são novos e antigos e continuam a paisagem de quem vem do centro. Mudam os nomes de restaurantes a anunciar kebabs, as lojas e as roupas que vendem, os supermercados com os enormes sacos de arroz basmati, caril e pasta de rosas. E muda também a população que de dia se espalha pelo resto da cidade.
TEXTO: Groenland é o bairro com maior concentração de muçulmanos de Oslo, com raízes no Paquistão, Irão, Somália, Iraque, Marrocos, Turquia ou Sérvia. É também onde vêm morar alguns dos novos imigrantes que não têm parado de chegar nos últimos anos. Por isso não espanta que na zona de paragem dos transportes públicos haja barraquinhas a tentar vender cartões com chamadas internacionais mais baratas. As estimativas apontam para entre 100 a 150 mil muçulmanos numa Noruega de 4, 8 milhões de habitantes, mas alguns crêem que o número anda perto dos 200 mil. A comunidade mais antiga começou a chegar do Paquistão nos anos 1970. Foram os muçulmanos o alvo de Anders Behring Breivik, o terrorista que há uma semana matou 76 pessoas, 68 deles jovens a sangue-frio na ilha de Utoya - e todos ligados ao Partido Trabalhista no Governo. O alvo, não porque o terrorista tivesse tentado primeiro colocar aqui uma bomba, mas porque, no seu manifesto e naquilo que depois diria no tribunal, Breivik expressou claramente que o objectivo era causar o máximo dano possível ao Partido Trabalhista pela "importação em massa" de muçulmanos. Breivik define-se como o mensageiro de uma cruzada para salvar a Europa, purificá-la. Breivik pode não ter disparado aqui, mas o seu ódio contra os muçulmanos consegue ser mortífero. A explosão da bomba no edifício governamental ouviu-se neste bairro, a cerca de um quilómetro. Farhigo Diini, norueguesa que veio da Somália há 19 anos, sentada na cadeira da loja de uma amiga, nem acreditava. Primeiro achou que fosse um atentado ligado à Al-Qaeda. "É aquilo que estou habituada a ver. " Ela, como muitos muçulmanos, respiraram de alívio quando souberam que o terrorista era um norueguês não muçulmano. "As pessoas perceberam que não são apenas os muçulmanos que fazem ataques terroristas. " Exactamente isto vamos ouvir mais vezes no nosso percurso por Groenland, onde é difícil encontrar quem queira falar - sobretudo mulheres, que ou dizem não falar inglês, ou recusam ser entrevistadas. Farhigo Diini chorou de alívio primeiro e depois pelo que aconteceu à "Noruega", de que fala como sendo diferente do resto do mundo. Depois do 11 de Setembro, as coisas mudaram para os muçulmanos: são parados nos aeroportos, pela polícia, e olhados como se fossem "criminosos", mas aqui é diferente, diz. Quando chegou, teve direito a todos os benefícios sociais. É tratada como outro norueguês qualquer, diz. A Noruega tem uma alta taxa de integração - quase não há diferenças de participação no mercado de trabalho e na educação dos descendentes de imigrantes, segundo o Directório de Integração e Diversidade. Há, por isso, uma Noruega multicultural que funciona, considera Thomas Hylland Eriksen, professor de Antropologia da Universidade de Oslo que se dedica há anos ao multiculturalismo. Na Noruega, a população muçulmana, de várias origens, muitos seculares, está bem estabelecida: "As coisas vão bem a nível de trabalho, em questões de direitos de mulheres. " Nas comunidades imigrantes ou com raízes imigrantes, há uma "enorme mobilidade social, maior do que a tendência geral" - e os muçulmanos não são excepção. "O que é pena é que isso não é notado pela sociedade, que tem tendência a olhar apenas para os aspectos problemáticos. " O lado cruel
REFERÊNCIAS:
Palavras-chave direitos concentração tribunal educação comunidade social mulheres
Portuguesas envolvidas em casamentos por conveniência e bigamia no Reino Unido
Projecto de lei britânico quer combater casamentos por conveniência. Em 2012, foram denunciados 1891 casos suspeitos. (...)

Portuguesas envolvidas em casamentos por conveniência e bigamia no Reino Unido
MINORIA(S): Migrantes Pontuação: 6 Africanos Pontuação: 2 Mulheres Pontuação: 2 | Sentimento 0.0
DATA: 2013-10-27 | Jornal Público
SUMÁRIO: Projecto de lei britânico quer combater casamentos por conveniência. Em 2012, foram denunciados 1891 casos suspeitos.
TEXTO: Em apenas dois dias, uma portuguesa foi condenada por bigamia e outra presa por suspeita do mesmo crime devido ao envolvimento em casamentos por conveniência com imigrantes ilegais nigerianos no Reino Unido. Estes dois casos fazem parte de uma realidade mais alargada que chega a envolver redes criminosas. O parlamento do Reino Unido está agora a discutir um projecto de lei que pretende reduzir o risco de casamentos por conveniência usados para facilitar a imigração ilegal. Um casamento é considerado por conveniência quando um cidadão não europeu casa com outro de um país da União Europeia com a intenção de obter um visto de residência de longa duração, bem como o direito de trabalhar e reclamar apoios sociais. Actualmente, os noivos têm de entregar os papéis para o casamento 15 dias antes na igreja ou conservatória do registo civil, cujos dados serão afixados em edital, mas o governo quer estender este período para 28 dias e, em alguns casos, para 70 dias. O objectivo é permitir às autoridades investigar as suspeitas levantadas pelos conservadores ou sacerdotes. “Os casamentos por conveniência são um alvo fácil há muito tempo para imigrantes que procuram contornar as nossas leis de imigração, muitas vezes com a ajuda de redes criminosas”, afirmou recentemente o secretário de Estado para a imigração, Mark Harper. O ministério do Interior britânico calcula que, todos os anos, quatro a 10 mil pedidos de visto de residência no Reino Unido são feitos com base em casamentos por conveniência. Só em 2012, foram denunciados 1891 casos suspeitos, indicam números oficiais. O envolvimento de portugueses tem sido notado pelos serviços consulares, tendo em 2011 o então cônsul, José Macedo Leão, afirmado à agência Lusa de ter tido conhecimento de “pelo menos vinte”, acrescentando que nem todos lhe eram comunicados pelas autoridades britânicas. Quatro casamentos em dois anosTânia Aniceto, de 25 anos, foi condenada a 18 de Outubro a quatro anos de prisão por bigamia e por auxílio à imigração ilegal no Reino Unido após casar com quatro nigerianos no espaço de dois anos. A portuguesa só foi apanhada porque o seu nome e outro falso que também usava, Sandra Monteiro, levantaram suspeitas pois apareciam repetidos nas candidaturas dos homens para obter autorização de residência. Durante o julgamento confessou que cobrava 400 libras (470 euros) por cada casamento, que tiveram lugar entre Maio de 2010 e Junho de 2012 em quatro locais diferentes: Brent, Lewisham, Rochdale e Southwark. Uma acusação de posse de documentos de identificação falsa foi retirada, mas Tânia Aniceto acabou por declarar-se culpada de cinco crimes de auxílio à imigração ilegal e quatro de bigamia. Apenas dois dias antes, a 16 de Outubro, uma outra portuguesa de 22 anos foi detida em flagrante a casar com um imigrante nigeriano de 32 anos, em Harrow, no norte de Londres, aguardando agora julgamento. A polícia interrompeu a cerimónia numa conservatória do registo civil e confirmou as suspeitas de irregularidade quando questionaram cada um individualmente e perceberam que pouco sabiam sobre o respectivo noivo. Numa reportagem transmitida na Sky News, os agentes que conduziram a operação disseram suspeitar que a mulher, cuja identidade não foi revelada, já tinha casado antes nas mesmas circunstâncias. No últimos meses, foram vários os portugueses apanhados pelas autoridades em casamentos falsos: em Setembro, Naydyne Botelho, de 27 anos, e Cátia Lima, de 32 anos, foram condenadas a 12 meses e 16 meses de prisão, respectivamente. Ambas eram residentes em Londres mas foram detidas ao tentarem casar na Irlanda do Norte com dois homens do Bangladesh. Rede criminosaEm Novembro do ano passado, o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) desmantelou uma rede criminosa de casamentos de conveniência, auxilio à imigração ilegal e falsificação de documentos, numa operação em simultâneo em França e no Reino Unido. Segundo o SEF, esta rede criminosa dedicava-se a angariar homens e mulheres portugueses “em situação económica precária” para casarem com cidadãos estrangeiros em vários países europeus a troco de avultadas somas em dinheiro, entre 15 mil a 20 mil euros. Os casamentos realizavam-se em países como Espanha, França, Suécia, Reino Unido, Dinamarca e Alemanha e a maioria dos “noivos” era oriunda de países como a Índia, o Paquistão ou o Bangladesh, mas também da Nigéria.
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Amnistia Internacional acusa governos poderosos de bloquearem justiça internacional
Os governos poderosos bloqueiam os avanços da justiça internacional e colocam-se acima da lei no que diz respeito aos direitos humanos, protegendo os seus aliados e agindo apenas quando lhes é politicamente conveniente, denuncia a Amnistia Internacional (AI) no seu relatório de 2010, hoje divulgado. (...)

Amnistia Internacional acusa governos poderosos de bloquearem justiça internacional
MINORIA(S): Migrantes Pontuação: 6 Africanos Pontuação: 2 Mulheres Pontuação: 2 | Sentimento 0.099
DATA: 2010-05-27 | Jornal Público
SUMÁRIO: Os governos poderosos bloqueiam os avanços da justiça internacional e colocam-se acima da lei no que diz respeito aos direitos humanos, protegendo os seus aliados e agindo apenas quando lhes é politicamente conveniente, denuncia a Amnistia Internacional (AI) no seu relatório de 2010, hoje divulgado.
TEXTO: “A repressão e a injustiça encontram-se em florescimento num ambiente de falta de justiça global, condenando milhões de pessoas ao abuso, à opressão e à pobreza”, denuncia o secretário-geral interino da Amnistia, numa síntese do relatório divulgada ontem à tarde pelo ramo português da organização. A AI, que documenta abusos cometidos em 159 países, defende que crimes contra a humanidade possam ser julgados em qualquer parte do mundo e entende que os países que reivindicam uma liderança global “têm a responsabilidade de dar o exemplo”. É por isso que desafia países do G20 (20 maiores economias do mundo) que ainda não aderiram ao Tribunal Penal Internacional - Estados Unidos, China, Rússia, Turquia, Índia, Indonésia e Arábia Saudita – a fazerem-no. “Estes países deverão aproveitar a reunião internacional do Tribunal, que terá lugar em Kampala, Uganda, a 31 de Maio, para mostrar o seu apoio à instituição. ”A emissão, em 2009, de um mandado de captura para o Presidente sudanês Omar Al Bashir, por crimes contra a humanidade, é considerada um marco pela Amnistia, por mostrar que “nem líderes em exercício de funções estão acima da lei”. Mas a recusa em cooperar nesse caso manifestada pela União Africana é considerada “um péssimo exemplo”. O relatório documenta casos de tortura e maus-tratos em pelo menos 111 países, julgamentos injustos em pelo menos 55, restrições à liberdade de expressão em pelo menos 96 e dá conta da existência de prisioneiros de consciência em pelo menos 48. Em muitos países, organizações de direitos humanos e activistas foram atacados ou impedidos pelos governos de exercerem a sua actividade. Os conflitos “têm sido marcados por um escandaloso desrespeito” das populações civis em países como a República Democrática do Congo, o Sri Lanka, e o Iémen. Em Gaza e no Sul de Israel têm também provocado vítimas civis, recorda a AI, que se insurge igualmente contra os abusos sofridos por civis no Afeganistão, Paquistão, Iraque e Somália. “Na maioria dos conflitos, mulheres e raparigas foram vítimas de violação sexual e outros tipos de violência, exercida sobre elas tanto por forças governamentais como por grupos armados. "O relatório denuncia a restrição do “espaço de liberdade da sociedade civil e de vozes independentes” em países da Europa e da Ásia Central, como Rússia, Turquia, Turquemenistão, Azerbaijão, Bielorrússia e Uzbequistão. Na mesma região regista-se igualmente um crescimento de racismo, xenofobia e intolerância. Países como Arábia Saudita, Síria e Tunísia são apontados como exemplos de “intolerância governamental” face às críticas no Médio Oriente e Norte de África, onde os ataques de grupos armados, alguns alegadamente ligados à Al-Qaeda, têm aumentado a insegurança. Irão, China, Coreia do Norte e Birmânia são apontados como palco de repressão. No caso da região Ásia-Pacífico, a AI denuncia particularmente a exploração e violência contra imigrantes em muitos países, incluindo Coreia do Sul, Japão e Malásia. As centenas de assassinatos cometidos por forças de segurança em países como o Brasil, Jamaica, Colômbia e México, bem como a impunidade de violações de direitos relacionados com as políticas anti-terroristas dos Estados Unidos, compõem o retrato traçado para o continente americano. Violências várias contra mulheres em países como o México, a Guatemala, El Salvador, Honduras e Jamaica, são igualmente condenadas. Mas, apesar do quadro negro, a AI regista alguns progressos, designadamente a reabertura na América Latina de investigações sobre crimes protegidos por leis de amnistia, que levaram a julgamentos de antigos líderes por crimes contra a humanidade e às condenações do antigo Presidente do Peru, Alberto Fujimori, e do último Presidente militar da Argentina, Reynaldo Bignone, por crimes de rapto e tortura. Repressão e assassinato de dissidentes pelos governos da Guiné Equatorial e Madagáscar, repressão de qualquer tipo de críticas em países como o Egipto e o Uganda, são violações de direitos humanas destacadas em África, onde os desalojamentos forçados em países como Angola, Gana, Quénia e Nigéria se tornaram também uma tendência.
REFERÊNCIAS:
Palavras-chave direitos lei humanos violência tribunal negro racismo violação sexual mulheres maus-tratos pobreza assassinato abuso rapto xenofobia
Seis mil em defesa da Suécia multicultural
Felicia Margineanu está duplamente em choque. Primeiro, pelos avanços da extrema-direita no seu país; depois, porque desde que convocou uma manifestação de repúdio através do Facebook que o telefone não pára. Aos 17 anos, ainda antes de poder votar, esta é a sua estreia na política. (...)

Seis mil em defesa da Suécia multicultural
MINORIA(S): Migrantes Pontuação: 6 Africanos Pontuação: 2 Mulheres Pontuação: 2 | Sentimento 0.0
DATA: 2010-09-22 | Jornal Público
SUMÁRIO: Felicia Margineanu está duplamente em choque. Primeiro, pelos avanços da extrema-direita no seu país; depois, porque desde que convocou uma manifestação de repúdio através do Facebook que o telefone não pára. Aos 17 anos, ainda antes de poder votar, esta é a sua estreia na política.
TEXTO: Por causa dela, milhares de suecos (seis mil segundo a polícia) saíram à rua em Estocolmo na segunda-feira. Ouviam-se palavras de ordem como "Esmaguem os racistas", "Somos pela diferença" e "Sim à vida em conjunto, não ao racismo!". Vozes que antes tinham estado caladas e que agora desafiaram o conforto do sofá. "Depois das eleições havia muita gente a reagir com comentários furiosos. Em vez de ficar sentada, pensei no que poderíamos fazer", conta Felicia Margineanu por telefone ao PÚBLICO. Em duas horas teve duas mil respostas e o movimento foi crescendo. Filha de pai romeno e mãe sueca, Felicia nasceu na Suécia, e foi lá que sempre viveu. Não está na universidade porque quer concentrar-se apenas a fazer fotografia. No seu site podemos ver mulheres em traje de samba, meninas supersexy de véu e sem ele, negros em fato-de-banho e óculos escuros. Mas na rua há um mundo menos glamouroso e ela também tem olhado para ele. "Vejo racismo nas escolas, nos autocarros, em todo o lado. Pessoas que comentam coisas quando nos viramos, má educação. Mas as pessoas têm ignorado isso. " Não é uma especificidade sueca. "O racismo existe em toda a parte. Haverá também em Portugal. . . Quando não há trabalho, culpa-se os outros. E os outros são os imigrantes. " Na Suécia, são 14 por cento da população. "Os suecos pensam que os imigrantes lhes ficam com os empregos, e os imigrantes pensam que os suecos são todos racistas", diz Felicia. Ela, morena de olhos castanhos, já sentiu a discriminação na pele. "Mas não fico presa a isso. "O país tem resultados económicos invejáveis para qualquer dos seus parceiros europeus, com um crescimento de 4, 5 por cento, um por cento de défice (o menor da UE) e uma taxa de desemprego em queda (embora ainda ronde os 8 por cento, atingindo sobretudo jovens). Foi com uma campanha contra a imigração que o partido Democratas Suecos (SD), de Jimmie Akesson, conseguiu eleger 20 deputados, arrastando o país para um cenário de incerteza política. O primeiro-ministro Fredrik Reinfeldt ainda poderá conseguir uma maioria depois de contados os boletins enviados por correio bem como as primeiras votações, disse à Reuters um académico. Reinfeldt afirmara que tinha ficado aquém da maioria por sete mil votos. Os 5, 8 por cento conquistados pelo SD criaram um sismo que continua a reverberar. Com a sua entrada no Parlamento, fica em causa a imagem da Suécia moderada. E será mais difícil ignorar as questões que levanta. "Muita gente nem sequer conhecia bem o SD" antes de votar, comenta Felicia. "Mas acham que a imigração está a crescer tanto que vai tomar conta da Suécia. " Antes já era evidente um ambiente anti-imigração, diz. "As pessoas ficaram à espera de que alguma coisa acontecesse, passivamente. Agora vão ter que se esforçar mais", participando em manifestações, ou criando organizações para combater o racismo, defende. Um voto contra o sistemaOs resultados espantaram Anton Carlström. "Para ser franco, nunca pensei que o SD tivesse este apoio todo", diz ao PÚBLICO este estudante de Economia, de 21 anos, através de um chat no Facebook. Nem ele, nem talvez Reinfeldt. "Os outros partidos terão de se responsabilizar por não os terem convidado para os debates", afirma. Para alguns analistas ouvidos pela AFP, o voto no SD foi mais uma manifestação antipartidos tradicionais, "e sobretudo um descontentamento com os sociais-democratas [que tiveram o pior resultado de sempre] que os eleitores não conseguiram expressar de outro modo", refere Aake Hammarstedt, presidente social-democrata de Bromölla. Anton, que se diz de esquerda, parece concordar. E salienta que esta é "uma oportunidade de se começar a levar [o SD] mais a sério". Se for convidado para debates, rapidamente sairá de cena, acredita. Desde domingo que Anton vê outra Suécia, e não gostou. "A Suécia onde cresci é multicultural. "
REFERÊNCIAS:
Entidades UE