Em Arraiolos ainda há tapeteiras a bordar contra a crise
Câmara luta há mais de dez anos pela certificação do tapete, imagem de marca daquela vila alentejana. Na última década fecharam mais de metade das lojas mas ainda há resistentes. (...)

Em Arraiolos ainda há tapeteiras a bordar contra a crise
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 Mulheres Pontuação: 2 | Sentimento 0.0
DATA: 2015-05-01 | Jornal Público
SUMÁRIO: Câmara luta há mais de dez anos pela certificação do tapete, imagem de marca daquela vila alentejana. Na última década fecharam mais de metade das lojas mas ainda há resistentes.
TEXTO: Está a ver um tapete de Arraiolos? Veja melhor. "Apalpe", dizem as tapeteiras. Se for autêntico, bordado naquele concelho onde a técnica passou de mães para filhas, há-de ser irregular ao toque. A lã é baça e se calhar até cheira a ovelha. Se parecer demasiado perfeito e a lã brilhar de tão sedosa, desconfie. Pode estar a comprar gato por lebre, provavelmente vinda da China, mesmo que esteja no coração do Alentejo. A falsificação dos tapetes de Arraiolos anda de mãos dadas com a crise que abalou o negócio há mais de uma década. Paula Ramalho, proprietária da loja Arte em Casa aberta no centro da vila há 35 anos, tem uma teoria: “Há uns 15 anos andou por aqui um senhor que comprou uma série de tapetes e levou-os para a China". Poucos meses depois já havia réplicas à venda no mercado. Começou assim um capítulo negro na história desta arte secular. Segundo a autarquia, em 2003 existiam em Arraiolos 26 empresas de tapetes. Actualmente são pouco mais de dez. Na Rua Alexandre Herculano, uma via estreita e pedonal no centro da vila, as lojas de tapetes contam-se pelos dedos de uma mão. Até a Kalifa, a casa mais antiga (fundada em 1916), fechou – embora neste caso tenha sido mais a morte do patriarca a ditar o fim do negócio familiar. A marca subsiste porque foi vendida. Em contrapartida, em vários pontos do país e mesmo no concelho surgiram espaços comerciais onde se vendem tapetes semelhantes aos de Arraiolos – em lã e tela, com o ponto cruzado oblíquo e desenhos que já têm séculos –, produzidos fora do concelho, em grandes quantidades e a preços inferiores aos de fabrico genuíno, ou até superiores. “Há quem diga que são feitos à máquina, mas não sei se acredito”, diz Paula Ramalho, de 42 anos, tapeteira desde os "seis ou sete". Outra tapeteira, Antónia Franco, de 57 anos, acrescenta que os tapetes falsificados também evoluíram na técnica, dificultando a distinção. "Antigamente virávamos o canto do avesso e víamos que não era perfeito mas hoje [o desenho] já tem a forma de espiga", como manda a regra, afirma. Há mais de uma década que a Câmara de Arraiolos e os produtores de tapetes lutam pela certificação deste produto que se transformou na imagem de marca da pacata vila do distrito de Évora. Em 2001, a Assembleia da República aprovou por unanimidade a criação do Centro para a Promoção e Valorização do Tapete de Arraiolos, que iria estabelecer critérios para a definição do autêntico tapete. Criou-se um grupo de trabalho e a proposta de estatutos do centro chegou em 2006 ao gabinete do então secretário de Estado do Emprego e da Formação Profissional, Fernando Medina, actual vice-presidente da Câmara de Lisboa. Nos termos da proposta, a autarquia deveria ceder o espaço para a instalação do centro e caberia ao Estado o financiamento da maioria das despesas correntes, naquele ano estimadas em 96 mil euros. Desde então o processo andou por vários ministérios: Cultura, Economia e Finanças. Actualmente, segundo o ministério da Economia, o dossiê está na gaveta do secretário de Estado do Emprego, Octávio de Oliveira. Contactado pelo PÚBLICO através do assessor de imprensa, o gabinete do governante não deu resposta em tempo útil. "O país tem mais a perder com as imitações feitas no estrangeiro do que se valorizar o produto que é autêntico", diz a presidente do município, Sílvia Pinto (CDU). Perante esta demora a câmara tem apostado em iniciativas de promoção, como “O Tapete está na Rua”, que se realiza este ano de 5 a 10 de Junho. Nestes dias há tapetes estendidos nas ruas da vila e pendurados nas varandas dos edifícios do centro histórico. Na edição do ano passado foi fabricado um tapete com 240 quilos, o maior alguma vez feito na vila, uma espécie de grito de alerta para a necessidade de proteger este património. Também em Junho, a autarquia espera entregar à UNESCO a candidatura do tapete e da tradição associada a Património Imaterial da Humanidade. Seis séculos de históriaApesar das lojas fechadas ainda há mulheres a bordar em casa. Só a casa Lóios, onde trabalha Antónia Franco, dá serviço a mais de 30 bordadeiras, todas mais velhas. "As jovens até podem aprender mas não fazem disto profissão", constata, enquanto desmancha uma almofada, sentada numa pequena cadeira de madeira. Ao lado, no chão, tem um enorme tapetão para recuperar preenchendo os desenhos já "comidos" pelo tempo. Nos últimos anos, o restauro de tapetes usados foi a tábua de salvação para muitas lojas.
REFERÊNCIAS:
Houve canibalismo na colónia inglesa de Jamestown
No Inverno de 1609-1610, numa colónia na América do Norte houve actos de canibalismo, mostram vestígios ósseos agora encontrados. (...)

Houve canibalismo na colónia inglesa de Jamestown
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DATA: 2015-05-01 | Jornal Público
SUMÁRIO: No Inverno de 1609-1610, numa colónia na América do Norte houve actos de canibalismo, mostram vestígios ósseos agora encontrados.
TEXTO: As descrições falam de um Inverno terrível, o de 1609-1610, na colónia inglesa de Jamestown, na Virgínia. Havia uma seca de vários anos, as tribos índias atiravam aos ingleses para matar, mesmo a água dos poços não seria potável. A população estava no limite. Os cavalos, os cães, os gatos, as cobras e as ratazanas tornaram-se alimentos. Até o couro dos sapatos serviu de comida, segundo os relatos. Agora, a descoberta arqueológica de parte do crânio e de uma tíbia de uma jovem inglesa de 14 anos mostrou que o derradeiro tabu tinha sido ultrapassado: os colonos ingleses praticaram canibalismo naquele horrível Inverno. Jamestown foi uma das várias colónias inglesas na América do Norte, fundada em 1607. A seca e a incompatibilização com as tribos índias fizeram com que, no Inverno de 1609, os ingleses estivessem isolados dentro das muralhas da colónia, que ficava junto ao rio James. Nesse Inverno, 80% da população morreu, segundo a revista National Geographic. Entre esses mortos estava a jovem Jane, uma inglesa cuja tíbia e parte do crânio foram encontrados no local arqueológico de Jamestown pela equipa liderada por William Kelso, do Projecto Redescoberta de Jamestown, e por James Horn, do Centro de História Colonial de Williamsburg, na Virgínia, Estados Unidos. Estes vestígios encontraram-se no que em tempos foi uma cave, junto com ossos de cavalos e cães, que foram devorados pelas pessoas. Os ossos da jovem inglesa foram enviados para o Museu Nacional de História Natural, do Instituto Smithsonian, na cidade de Washington, onde o antropólogo forense Douglas Owsley analisou os vestígios. O crânio da rapariga tinha vários cortes na face, marteladas no osso da testa e na base do crânio. O objectivo seria retirar o cérebro, os músculos da bochecha e a língua. Partes que entravam em receitas gastronómicas do século XVII, refere um comunicado do museu. “Os fragmentos de osso recuperados têm padrões de cortes e de pancadas que mostram uma completa falta de hábito em preparar a carne”, diz Douglas Owsley. “No entanto, há uma intenção clara de desmembrar o corpo e remover a carne e o cérebro do crânio para o consumo”, acrescenta o antropólogo, citado pela revista Wired. “Pela experiência que tenho com esqueletos pré-históricos, [as marcas nos restos de Jane] são absolutamente consistentes com os actos de canibalismo encontrados nesses casos [pré-históricos]. ”Naquela altura, houve relatos de canibalismo em Jamestown, mas nunca se tinham encontrado provas físicas. Os investigadores defendem que é provável que Jane já estivesse morta quando o corpo foi alvo de canibalismo. “Esta descoberta é fenomenal”, considera Julia King, arqueóloga da Faculdade de St. Mary de Maryland, que estudou estas colónias do século XVII. Em declarações à revista Science, a investigadora diz que isto obriga a uma reviravolta no estatuto do índio norte-americano, considerado selvagem pelos colonos europeus. “Há provas de que as pessoas civilizadas [os europeus] foram forçadas ao canibalismo. ”
REFERÊNCIAS:
Palavras-chave carne consumo corpo alimentos rapariga cães morta
As maravilhas, o carteiro de Konchalovsky, o menino das mamãs, o corpo de Depardieu e a cabeça de Dafoe
Alguns dos títulos que farão a nossa temporada são exibidos em antestreia no festival. Ficam aqui algumas propostas, para quem não quiser esperar - e para depois repetir. (...)

As maravilhas, o carteiro de Konchalovsky, o menino das mamãs, o corpo de Depardieu e a cabeça de Dafoe
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DATA: 2015-05-01 | Jornal Público
SUMÁRIO: Alguns dos títulos que farão a nossa temporada são exibidos em antestreia no festival. Ficam aqui algumas propostas, para quem não quiser esperar - e para depois repetir.
TEXTO: Da abertura, com Saint-Laurent, de Bertrand Bonello, a Mamã, de Xavier Dolan, no encerramento, o Lisbon & Estoril Film Festival exibirá uma série de títulos fora de competição - 21 -, selecção que é resultado do que esteve na montra dos mais importantes festivais internacionais e que chegará às salas portuguesas nos próximos meses. Alguns deles serão dos títulos mais falados da temporada. Ficam aqui algumas propostas, para quem não quiser esperar - e para depois repetir. The Postman's White Nights, de Andrei KonchalovskyNo final do concurso da 71ª edição de Veneza, em Setembro, chegou um filme: The Postman’s White Nights. Um filme depois do fim da URSS, depois do fim do “socialismo romântico”, um filme orgulhoso, aristocrático, feito com o que restou das epopeias - como Siberiade (1979), do próprio Konchalovsky - e que se ergue dessas cinzas com um lirismo e um sorriso triste arrebatadores. Evoca Boris Barnet ou Aleksandr Medvedkin. Um filme "depois do fim" da carreira de Konchalovsky, que há muito parecia ter-se perdido entre a Rússia e os EUA, apesar de Os Amantes de Maria, em 1984, ou de Comboio em Fuga, em 1985? As histórias de uma aldeia numa região remota da Rússia, aldeia de gente sem representação oficial (diz o realizador que o “camponês” já não existe para o estado russo). São os cães, os gatos, o álcool, as mulheres sozinhas que se masturbam. A História tornou-os irrelevantes, mas a História ali parece irrelevante - há um foguetão lançado em fundo, ninguém repara. Um carteiro faz a ligação deste mundo ao resto do mundo, mas por pouco tempo. A Internet já chegou aos lagos. Sábado, 15, Monumental, 21h30Mamã, de Xavier DolanFoi decisivo para a afirmação pública da maturidade do cineasta Xavier Dolan um filme como Tom à la ferme (2013), pela forma como, ao suspender a aceleração folclórica que parecia imparável e em rota para o desastre, o cinema do realizador do Quebeque deixava os espectadores, tal como as personagens, pendurados no fio do desejo. Isso permitiu que Dolan regressasse com Mommy a um motivo autobiográfico, a relação com a mãe, que estava na origem da primeira longa, J’ai tué ma mère (2009), e o refundasse gloriosamente. Encontrando um centro de gravidade para o histrionismo do seu cinema e para a voracidade pagã do vernáculo quebequense junto de actrizes habituais, como Anne Dorval (a mãe) ou Suzanne Clément (a amiga) – o filho, Antoine Olivier Pilon, é uma versão graúda, imprevisível, grotesca e comovente do Macaulay Culkin de Home Alone, ou seja, é tocado espiritualmente pelo Alex/Malcolm McDowell de Laranja Mecânica. É uma efémera história de folie à trois, contra tudo e todos. Domingo, 16, Monumental, 19hAs Maravilhas, de Alice RohrwacherMuitos perguntaram no último Festival de Cannes porque é que Le Meraviglie, de Alice Rohrwacher, não explicava as coisas. Essa é uma das maravilhas de Le Meraviglie: dizer sem explicar, dizer por exemplo que a família do filme tem certamente um passado, que não interessa qual é ou qual foi, mas de que se quis afastar, fugir, para criar à margem o espírito da sua colmeia - de que é zelador o pai, personagem que exerce a sua tirania com amor. Não é um filme (só) sobre o "coming of age", tambem não é só um filme sobre um mundo fechado que é tocado e alterado pela contacto com exterior, e que assim se dissolve. Não, Rohrwacher não decide nada para a “sua” família: devolve-a ao seu tempo e ao seu sono. E assim de Será que vai Nevar no Natal, de Sandrine Veysset (1996) dissolve-se no Satyricon, de Fellini (1969)2ª, 10, Centro Congressos do Estoril, 21h30Welcome to New York e Pasolini, de Abel FerraraNo Festival de Cannes, em Maio, quando apresentou Welcome in New York, sobre Dominique Strauss-Kahn, Abel Ferrara aproximara, em conversa com o PÚBLICO, a figura de DSK de Pier Paolo Pasolini, personagem do filme que apresentaria meses depois no Festival de Veneza em Setembro: pela coragem da solidão, dizia ele, porque em ambos a solidão seria uma afirmação herética. Possibilidade, então, de confrontar um corpo uivante com um thinking head?Em Welcome in New York Ferrara teve à disposição o corpo de Gérard Depardieu, que em si mesmo é uma afirmação escandalosa, e com esse escândalo a personagem de D. S. K. aparecia como figura do universo do cineasta, como se a ele pertencesse antes do mais (como o Harvey Keitel de Polícia sem Lei, por exemplo). Já em Pasolini Willem Dafoe é um impressionante duplo do cineasta desaparecido, é verdade, é a sua imagem; mas é, antes de mais, uma figura sem corpo, um invólucro para um pensamento - perante o qual Ferrara aparece dócil, reverente, dir-se-ia mesmo paralisado. Welcome to New York, Sábado, 8, Centro de Congressos do Estoril, 17h30; 2ª, 10, Monumental, 14h30Pasolini, Domingo 9, Centro Centro de Congressos do Estoril, 21h30 ; 2ª 10, Monumental, 21h30
REFERÊNCIAS:
Entidades EUA
Bloco de Esquerda foi ao mercado propor mais apoios aos idosos
Reposição integral das pensões e convergência com o valor do salário mínimo, gabinetes de apoio a idosos em todas as freguesias, descontos nos transportes públicos e equipamentos culturais, medidas de apoio na saúde e habitação são algumas das medidas apresentadas. (...)

Bloco de Esquerda foi ao mercado propor mais apoios aos idosos
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 Mulheres Pontuação: 2 | Sentimento 0.25
DATA: 2015-05-01 | Jornal Público
SUMÁRIO: Reposição integral das pensões e convergência com o valor do salário mínimo, gabinetes de apoio a idosos em todas as freguesias, descontos nos transportes públicos e equipamentos culturais, medidas de apoio na saúde e habitação são algumas das medidas apresentadas.
TEXTO: Já cheira a campanha eleitoral para os lados do Bloco de Esquerda. Esta quinta-feira, Catarina Martins pegou num panfleto com propostas bloquistas para resolver alguns problemas de idosos e reformados e foi até ao concorrido mercado de Benfica, em Lisboa. Recebeu elogios e protestos, sorrisos e caras fechadas, e até uma proposta original: que se candidate à Presidência da República. Um grupo de activistas do Bloco, com mais de 60 anos, juntou-se para reunir, no que chamou de “Manifesto +60”, propostas especialmente dirigidas à população de mais idade nas áreas dos apoios sociais, saúde, habitação, e até da desburocratização. Entre as medidas estão a reposição integral das pensões no curto prazo e convergência das mais baixas com o salário mínimo nacional, a reforma sem penalizações aos 40 anos de contribuições ou aos 65 anos de idade. Mas também a garantia de médico de família para toda a gente, a criação de mais urgências básicas, o aumento das camas de internamento no Serviço Nacional de Saúde, e a criação de um gabinete de apoio ao idoso em cada freguesia que ajudaria a tratar de questões burocráticas como o IRS ou processos de apoios sociais, enumerou Catarina Martins aos jornalistas. Parte das medidas incluídas neste Manifesto +60 já foram concretizadas em projectos de lei ou de resolução e entregues no Parlamento; outras ainda serão colocadas por escrito e submetidas à Assembleia da República nestes últimos três meses da legislatura. As relativas à saúde e à reposição das reformas já foram apresentadas, descreve Catarina Martins, acrescentando que a proposta de convergência de pensões já foi “feita em parte”, ao passo que a do gabinete de apoio local tem sido feita ao nível das autarquias pelos eleitos do Bloco. Este trabalho de colação de propostas para os idosos e reformados será extensível a outras áreas porque, diz Catarina Martins, o partido quer aproveitar o contributo decorrente de diversos grupos de trabalho de militantes para a construção do seu manifesto eleitoral. “Essa é a melhor forma de se construir um programa: participando, ouvindo as pessoas nas várias áreas e indo fazendo este trabalho de forma faseada. Este grupo é de activistas com mais de 60 anos, que juntou os contributos de especialistas em segurança social, economistas e conseguiu construir propostas com bastante robustez”, elogiou a porta-voz. Questionada pelo PÚBLICO se esta aproximação à sociedade pretende contrariar a tendência de descida dos resultados do partido nos últimos tempos – houve quem, no mercado, a aconselhasse a “estudar melhor a situação porque têm deixado fugir muita gente” – e sobre a sua expectativa para as legislativas, Catarina Martins preferiu responder ao lado. “As pessoas têm cada vez mais a noção de que a alternância entre PSD e PS não tem significado uma diferença de políticas. E com isso muitas pessoas têm tantas vezes do seu voto enquanto instrumento da mudança porque sentem que falta quem possa ser alternativa. Este é o momento para as pessoas compreenderem que a próxima AR vai ser muito diferente e que a relação das forças que lá estiverem vai determinar a capacidade do pais se defender”, disse a bloquista. E rematou: “Só quando as pessoas sabem que são chamadas a participar, que é ouvida a sua vida, os seus problemas e a sua solução e que ela é debatida, é que sabem que a política responde ao que verdadeiramente importa e não é um mero jogo de cadeiras. ”Na passeata de quase uma hora pelos corredores do mercado de Benfica, por entre bancas de fruta, legumes e peixe, Catarina Martins foi distribuindo beijos e explicações económicas sobre o papelinho que entregava. Houve quem a recebesse com entusiasmo, fazendo-lhe elogios e algumas ironias - "o primeiro-ministro também gosta muito de si, vê-se bem pela maneira como lhe fala", brincava uma senhora. Mas também quem recusasse falar-lhe ou receber o panfleto, uns de forma mais educada, outros refilando alto e bom som. "Porque é que não se candidata à Presidência da República? Queremos mais mulheres porque elas têm mais força. A menina ou a Mortágua", disse-lhe Luísa Proença, ali peixeira há 30 dos seus 56 anos de vida, enquanto escolhia, da banca, umas pescadinhas para uma cliente. "Só aceito papéis de partidos de esquerda. . . " avisou enquanto o guardava na prateleira de mármore "para ler mais tarde". O mesmo tinha feito Júlia Ferreira, para poder servir os morangos a uma cliente. Natural de Viseu, Júlia, que vende no mercado de Benfica há 40 anos, diz não ter direito a qualquer reforma. "Não descontei [para a Segurança Social] e quando me fui inscrever pediram-me muito dinheiro em atraso. Eu não tinha. E fiquei assim. " Diz não ter direito a qualquer apoio porque o marido, ainda no papel mas não na vida em comum ou na habitação, recebe uma reforma de um valor que não permite a Júlia aceder a apoios. Por isso, tem que "continuar na venda".
REFERÊNCIAS:
Partidos PS PSD
O doutor Zeca mostra a sua aldeia ao país
A propósito do seu novo livro, Trás-os-Montes, o Nordeste, editado pela Fundação Francisco Manuel dos Santos, José Rentes de Carvalho fez uma visita guiada à sua aldeia. (...)

O doutor Zeca mostra a sua aldeia ao país
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 Mulheres Pontuação: 2 | Sentimento 0.0
DATA: 2017-06-02 | Jornal Público
SUMÁRIO: A propósito do seu novo livro, Trás-os-Montes, o Nordeste, editado pela Fundação Francisco Manuel dos Santos, José Rentes de Carvalho fez uma visita guiada à sua aldeia.
TEXTO: Cheirava a terra acabada de arar. Não se via vivalma na aldeia de Estevais, no Mogadouro. Apenas alguns cães e gatos preguiçavam pelas ruas. De repente, junto ao cemitério velho, três mulheres vestidas de preto a fazer renda. “Ainda somos da família do doutor Zeca”, afiançou uma delas, associando de imediato a presença de jornalistas ao lançamento do novo livro de José Rentes de Carvalho, Trás-os-Montes, o Nordeste. Por estes lados, José Rentes de Carvalho é o doutor Zeca, que com a mulher dá de comer aos cães e aos gatos que por aí andam, mesmo quando está lá fora, na Holanda. "Detestava quando a minha mãe me dizia: ‘Zequinha, olha o leite’", haveria de contar, ao percorrer a aldeia, quarta-feira de manhã, com um magote de jornalistas, quase todos vindos de Lisboa de avião, convidados a entrar na casa que o avô dele construiu e ele recuperou, no lagar usado pela vizinhança para fazer azeite, no cemitério velho que há-de acolher as suas cinzas, caso venha a morrer na Holanda e a ser cremado. Na véspera, tudo era quietude. As nabiças, os tomates, os alhos e as alfaces, que ali servem de prova de vida, trazem melancolia ao escritor, de 87 anos. “Porque os vejo sair manhã cedo, os que foram rapazes da minha geração, agora trôpegos, doentes, este num tractor inútil para chão tão pequeno, aquele de carroça e burra manca, um outro a pé, o cão ao lado, sacho ao ombro, todos a iludir-se de que vão para um trabalho”, lê-se no livro, editado pela Fundação Francisco Manuel dos Santos. “Que não vão, sabem-no eles melhor que eu. A horta, mais dois palmos de terra aqui, um olival além, meia dúzia de amendoeiras, uns quantos pés de vinha, é essa a sua terapia. ”Mesmo sem ler o livro, as três mulheres falavam na mesma realidade. “Esta foi para fora, aquela foi para fora, aquele foi para fora”, dizia Maria Lurdes, que é "da idade do Doutor Zeca" e mãe das outras duas, apontando as casas alinhadas pela rua abaixo. Restam umas 80 pessoas, quase todas com muita idade. Há um casal com uma criança, outro com outra, outro com duas, outro com três. Estudam na vila, a uma dúzia de quilómetros, onde também fica o centro de saúde, a segurança social, o tribunal. O escritor e editor Francisco José Viegas, ao apresentar o livro na tarde de terça-feira, na Biblioteca Municipal Trindade Coelho, na vila, tocou na ferida. “Toda a gente se queixa do deserto. O deserto em que se transformou o Nordeste transmontano, o deserto que invade e devora as aldeias abandonadas, o deserto que se instala no planalto de Miranda, o deserto que se estende depois de Vimioso, o deserto que rodeia a mais bela das igrejas de Trás-os-Montes (que é a desconhecida basílica de Santo Cristo do Outeiro), o deserto que enfrenta a fronteira, o deserto que caminha no meio do rio”, discursou. “Periodicamente, no meio do deserto ouvem-se vozes. A de José Rentes de Carvalho é distinta e percebe-se em tudo o que escreve. ”A vida melhorou nas últimas décadas, mas não tanto como noutras partes do país. “Infelizmente, no Nordeste transmontano, o desânimo, para não dizer o desespero, é hoje demasiado visível nos rostos, na falta de actividade, no escasso consumo, nas urgências dos hospitais, nas escolas que fecham por falta de crianças"O seu Trás-os-Montes, sublinhou Francisco José Viegas, não é o “reino maravilhoso de antanho, o prior, o medo do inferno, a adoração religiosa da paisagem, o pequeno contentamento dos homens humildes sempre bons”. O seu Trás-os-Montes é outro. Nele cabe "uma galeria de gente heróica, lúbrica, ladina, pateta, pacóvia, malandra, espertinha, orgulhosa, humilde, amável, cheia de defeitos perigosos e de virtudes escondidas, isolados do mundo, regressados do mundo, ricos remediados e pobres sem lugar a não ser no cemitério". E o que traçou agora foi um “retrato no fio da navalha, pessoalíssimo, revoltado, conformado com as circunstâncias com as personagens, inconformado com o destino e com os resultados”. Não se ocupa de Trás-os-Montes inteiro naquelas 79 páginas, que, segundo afirma, “não teria escrito” se não tivesse sido desafiado por António Araújo, director de publicações da Fundação Francisco Manuel dos Santos. Fica-se pelo seu Nordeste. E o seu Nordeste “é como que um enclave, limitado aos concelhos de Mogadouro, Moncorvo, Freixo-de-Espada-à-Cinta e Alfândega da Fé, tendo por fronteiras meridionais a margem direita do Douro e, na outra, essa espécie de farol mítico que é a estação do Pocinho”. Começou por fazer aquilo a que Francisco José Viegas chamou uma “arqueologia do Nordeste”. “Não é só a recordação de um passado de miséria, desgraça e abandono, mas de um tempo tão sem esperança, e tão dramaticamente medieval nas condições de vida, que nós, esses velhos, sentimos dificuldade em conciliar a relativa abundância em que agora nos encontramos, com a memória da realidade em que fomos criados”, explicou o autor terça à tarde a uma plateia deliciada, que anuía com a cabeça. Havia nas ruas de Estevais, agora asseadas, uma sujidade medieval. “De Setembro à Primavera mantinha-se nas aldeias o hábito secular que durou até fins dos anos 50 de cobrir as ruas com palha, que depois, molhada da chuva e das penicadas de mijo e bosta que se atiravam das janelas calcada pelos passantes e os animais, fumegava e fermentava até que, podre bastante, fosse recolhida para ser levada para as hortas, os amendoais e olivais, seu único e muito biológico adubo. ” Quem acreditará nisto, agora?, questionou. “Retretes não havia, aliviam-se novos e velhos, homens, mulheres e crianças atrás dos muros. O penico era um luxo que poucos tinham, e em caso de doença se ia pedir emprestado. Só quem as sofreu acreditará nas nuvens de moscas, mosquitos e moscardos que enxameavam as ruas e as casas. ”Foi, admitiu José Rentes de Carvalho, um privilegiado. Os pais casaram-se em Estevais no início de Agosto de 1929 e ele nasceu volvidos nove meses em Vila Nova de Gaia. Quer o pai, quer o avô paterno eram guardas-fiscais. A casa familiar era um “oásis” rodeado pela miséria alheia. Nunca lhe doeu a desgraça dos de Gaia como lhe doía a dos de Estevais, onde passava as férias de Páscoa, Verão e Natal. Por razões políticas, saiu de Portugal. Viveu no Rio de Janeiro, em São Paulo, em Nova Iorque e em Paris. Em 1956 instalou-se em Amesterdão. Desde 1998, alterna três meses de Amesterdão com três meses de Estevais. Entroncado, espadaúdo, de baixa estatura, parece-lhe evidente que é àquela terra e àquela gente que pertence. Conta que em 1964 lhe disse um médico: “Que é estrangeiro não preciso de adivinhar, chega o nome e o sotaque, mas estou quase certo que nasceu numa região montanhosa, de pouca vegetação, a uma altitude entre os setecentos e os mil metros, com ar muito puro, clima seco. ”A vida melhorou nas últimas décadas, mas não tanto como noutras partes do país. “Infelizmente, no Nordeste transmontano, o desânimo, para não dizer o desespero, é hoje demasiado visível nos rostos, na falta de actividade, no escasso consumo, nas urgências dos hospitais, nas escolas que fecham por falta de crianças, nas lojas onde cada vez é mais frequente o letreiro 'Passa-se', nas carreiras que ainda há pouco iam e vinham cheias, e agora, por vezes, nem meia dúzia de passageiros transportam”, nota. No livro, aponta o dedo acusador: “Mau grado sempre ter tido entre os seus filhos gente de importância, mesmo aqueles que ao longo do tempo e dos governos têm ocupado posições de relevo, em geral demonstram um singular desapego pelo desenvolvimento e bem-estar da província que lhes foi berço, antes alinhando com a tendência de que Trás-os-Montes é longe, Trás-os-Montes é pobre, é atrasado. E escondido nesse Trás-os-Montes geral, o Nordeste transmontano de certeza lhes parece longínquo e desagradável como a Patagónia. ”Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Desconfia do futuro e do que querem fazer dele. “Garantem que querem desenvolver o turismo. Mas estudaram o assunto? Há planos de verdade? Coordenação? Meios? Fizeram um apanhado das infra-estruturas?”, questiona. “Não acham curioso, para não dizer tristemente cómico, que Mogadouro disponha de um aeródromo, pretenso chamariz para turistas endinheirados que cheguem pelos ares, mas que na vila não haja um hotel? E a propósito: quantos hotéis há no Nordeste Transmontano que mereçam esse nome e ofereçam os serviços que deles se espera? Louve-se o esforço das instalações de turismo rural. ”O presidente da câmara, Francisco José Guimarães, ainda não tinha tido tempo para ler o livro todo, mas já chegara àquelas páginas. “Por muita vontade que o município tenha, não está fácil”, queixou-se. A população está reduzida a nove mil, menos de metado do que era nas décadas de 1950 e 1960. “O executivo aprovou um regulamento de apoio à iniciativa empresária em que o município dá oito salários mínimos por emprego criado. ”Pior mesmo é o acesso aos cuidados de saúde, conclui José Rentes de Carvalho. “Tenho um seguro de saúde holandês. Se adoecer em Estevais e não estiver consciente, a minha mulher telefona para o seguro e eles tratam de tudo. Vou de táxi para o aeroporto e de avião para Amesterdão”, diz. Mas é ali, em Estevais, que quer ser cinza, pó, nada.
REFERÊNCIAS:
Gente perdida por entre a poeira
Entre teatralidade e movimento coreografado, Olga Roriz quis afastar-se de alusões literais em Síndrome . (...)

Gente perdida por entre a poeira
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 Mulheres Pontuação: 2 | Sentimento 0.0
DATA: 2017-09-24 | Jornal Público
SUMÁRIO: Entre teatralidade e movimento coreografado, Olga Roriz quis afastar-se de alusões literais em Síndrome .
TEXTO: Depois do mergulho num pesadelo espesso e negro — a cidade de Alepo devastada, o flagelo sírio, de Antes que Matem os Elefantes (2016) — Olga Roriz (Viana do Castelo, 1955) precisou de voltar ao ponto onde ficou, como se algo estivesse por dizer: o que resta, como se reage e o que se sente depois de uma calamidade? Para Síndrome o desafio era, pois, encontrar um universo diferenciado que, sem tempo ou lugar precisos, se ligasse ao da peça anterior. O cenário, agora mais despojado, diluiu referentes directos, embora retendo elementos da obra de 2016: um palco pós-cataclísmico, repleto de terra e pedras, papeis amarrotados a esvoaçar, figuras sonâmbulas a carregar destroços em baldes de plástico, num absurdo e maquinal impulso de reconstrução. E se na outra peça, a dança foi, em face do tema, abordada com certo pudor, Roriz confiou no seu saber-fazer e apostou aqui num registo sobretudo coreográfico e abstracto. Porventura iremos recordar sempre aqueles sete vultos a vaguear em cena num alvoroço de poeira. de Olga Roriz (direcção). Estreia mundialCompanhia Olga RorizTeatro Municipal de São Luiz, 30 de Junho, 21hSala cheiaDesde logo Síndrome envolve plateia e palco num poderoso enleio. Primeiro, o silvo de rajadas de vento e a luz pálida e rasante sobre o terreno pedregoso. Depois, a escuridão de breu, sucessivos clarões ténues a pulsar sobre a cena: distinguimos, à vez, um homem que caminha sem rumo com uma mala de couro desbotado, um vulto apavorado agachado ao canto, uma cadeira de alumínio vazia, o corpo enlameado do homem que agora jaz, inanimado, sob a velha mala. Neste chiaroscuro sépia, pensamos na pintura renascentista ou no desespero mudo de seres solitários de escuros sobretudos coçados, a vasculhar nos escombros, na quietude tensa, monocromática, das cidades após os bombardeamentos da Segunda Guerra Mundial. Sons de sinos distantes, silêncios cerrados, respirações ofegantes, a repetição quase opressiva da solene e trágica Sinfonia nº4 de Arvo Part, impregnam Síndrome, do início ao fim, numa angústia contida. A planura emocional densa, deliberada, é a passos rompida por arremedos de protesto: um casal tenta partilhar um abraço e uma gabardine, uma mulher insiste em beijar um homem desfalecido [recordamos o icónico dueto com Inês morta (Pedro e Inês, 2003)], em ímpetos amorosos deslocados, inconclusivos. Um personagem corre à toa e vocifera palavras incompreensíveis; um grupo de punho erguido enfrenta a plateia, num esboço de revolta. Um rapaz acossado emaranha-se nas pernas de outro, num terror convulsivo. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Entre teatralidade e movimento coreografado, Roriz quis afastar-se de alusões literais. Encontrar estados de alma, a experiência do humano perante a catástrofe. O intuito generalizante corre, quiçá, o risco de esbater o seu próprio fio dramatúrgico. O que, na cena final [três mulheres de longos cabelos encharcados e elegantes vestidos compridos, machados de terra e água, plasticamente agradáveis, no marcado estilo da coreógrafa que conhecemos desde As Troianas (1984)], se vem acentuar. Acabam por ser as ocasiões mais claramente evocativas (os textos ditos são extremamente visuais), como o reviver meticuloso do interior da casa destruída onde antes se habitou, a luz sobre a face de Carla Ribeiro, a descrever avulsas cenas de rua, ou o lamento melancólico de sabor oriental da (única) canção que se escuta (Fields of sorrow, dos Kroke) a criar distensão emotiva e alguns dos momentos mais conseguidos.
REFERÊNCIAS:
Palavras-chave guerra mulher negro homem mulheres corpo morta
Jane Goodall, a “nossa” campeã olímpica de “triatlo”
Será incalculável o número de vidas, humanas e não humanas, que Jane Goodall tocou com a sua mensagem. (...)

Jane Goodall, a “nossa” campeã olímpica de “triatlo”
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 Mulheres Pontuação: 2 | Sentimento 0.0
DATA: 2017-06-02 | Jornal Público
SUMÁRIO: Será incalculável o número de vidas, humanas e não humanas, que Jane Goodall tocou com a sua mensagem.
TEXTO: Se os “chimpólogos” (aka – forma carinhosa de designar os primatólogos que estudam chimpanzés, os nossos parentes mais próximos) tivessem Olimpíadas, Jane Goodall seria a nossa única campeã de triatlo. Na modalidade “desafio aos preconceitos sociais e científicos” esteve na vanguarda. Na modalidade “descoberta científica” foi a primeira a reconhecer que os nossos parentes mais próximos partilham connosco muitos traços comportamentais e a identificar o seu uso complexo de ferramentas. Na modalidade “conservação e protecção dos nossos recursos naturais”, será a única primatóloga que abdicou de uma incrível carreira científica de mais de duas décadas, para se dedicar, na íntegra, a trabalhar intensamente o tema da conservação do mais precioso e indispensável bem da humanidade: a natureza e tudo o que a ela pertence. O sucesso em todas as categorias deste triatlo é fulminante. Jane, juntamente com Dian Fossey (que seria pioneira no estudo dos gorilas), e Biruté Galdikas (que se dedica à conservação dos orangotangos), foram muitas vezes chamadas “Trimates” ou “Anjos de Leakey”, porque Louis Leakey, o famoso paleoantropólogo que descobriu alguns dos fósseis de ancestrais humanos mais famosos de África, seleccionou e encorajou as três jovens mulheres a iniciarem os primeiros estudos de campo com os grandes símios. Na transição dos anos 50-60 ser mulher e abraçar esta aventura não era comum, nem era fácil. Louis Leakey suspeitava que conhecer o comportamento dos nossos parentes mais próximos vivos podia ser uma chave para entender os nossos ancestrais extintos. Também suspeitava que, para entender estes fascinantes seres, seriam necessárias mentes totalmente “limpas” do que se ensinava nos currículos de comportamento animal da época – animais tinham números e não nomes. Animais não tinham emoções ou personalidades. Leakey tinha razão quando escolheu candidatas que não tinham qualquer treino académico. Foi esta combinação, da sensibilidade feminina, ingenuidade académica, determinação para ir num barco de Inglaterra até África, e resiliência, aguentando meses de espera em Gombe, na Tanzânia, até começar a poder aproximar-se de um dos grupos de chimpanzés, que produziu o sucesso daquela que é, até hoje, a figura mais emblemática da história da primatologia. Uma das frases que melhor descreve o impacto que as descobertas de Jane tiveram na comunidade científica dos anos 60 terá sido a que Leakey escreveu no famoso telegrama de 1963, respondendo à mensagem de Jane anunciando que tinha visto os chimpanzés a fazerem ferramentas para pescar térmitas: “Now we must redefine ‘tool’, redefine ‘man’, or accept chimpanzees as humans” (“agora temos que redefinir ferramenta, redefinir humanidade ou aceitar os chimpanzés como humanos”). Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Mas foi a última, e mais nobre, categoria deste triatlo, que transformou Jane num ícone verdadeiramente global. Nos anos 80, ao sobrevoar Gombe e vendo que a floresta tinha praticamente desaparecido na totalidade, e que tudo se tinha transformado numa enorme savana, dedicada a plantações de cultivo (que nada duram em solos pouco férteis), foi visionária em intuir que ambos humanos e chimpanzés enfrentavam uma crise, que rapidamente se tornou uma “epidemia” mundial: o desespero por garantir os mesmos recursos, protecção e comida. E ainda mais visionária em promover a ideia de que a solução para o problema da conservação dos recursos naturais e da protecção da vida selvagem tem de passar por uma solução integrada, liderada pelas comunidades locais que habitam as zonas a proteger. Já são mais de 30 anos dedicados a viajar mais de 300 dias por ano, de trabalho árduo, intenso, personalizado, para levar aos quatro cantos do mundo a mensagem que ela própria designa “hope”. Será incalculável o número de vidas, humanas e não humanas, que Jane Goodall tocou com a sua mensagem, bem como o número de mudanças reais, em termos de políticas de conservação, locais e globais, que foram possíveis devido à influência desta personalidade ímpar. Jane é a prova de que a vontade de um indivíduo pode desencadear uma mudança global. Na primatologia é bem conhecido o que designamos como “efeito Jane Goodall”. A nossa profissão tem muito mais mulheres do que homens, e isso deve-se, em grande parte, à mesma influência que Jane continua a ter na geração que hoje tem 21 anos, tal como teve na minha geração e anteriores. Jane não se lembrará, mas em 2012, partilhámos uma bebida (a minha última durante muito tempo!) em Gombe, enquanto víamos o pôr do Sol. Em 2013 voltamos a ver-nos e escreveu no seu livro, enquanto sorria ao ver a minha muito visível barriga de grávida: “For Andrés, follow your dreams” e disse-me: “É a primeira vez que dedico um livro a alguém que ainda não nasceu!”
REFERÊNCIAS:
Étnia Aka
“Dá-me gozo estragar o bonitinho”
Republicamos aqui a entrevista que o Ípsilon fez a Armando Silva Carvalho em 2007, a pretexto do lançamento de O Que Foi Passado a Limpo, compilação da sua obra poética. (...)

“Dá-me gozo estragar o bonitinho”
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 Mulheres Pontuação: 2 | Sentimento 0.5
DATA: 2017-06-02 | Jornal Público
SUMÁRIO: Republicamos aqui a entrevista que o Ípsilon fez a Armando Silva Carvalho em 2007, a pretexto do lançamento de O Que Foi Passado a Limpo, compilação da sua obra poética.
TEXTO: Armando Silva Carvalho acabou de lançar, na Assírio & Alvim, O Que Foi Passado a Limpo, onde reúne quarenta anos de trabalho poético, desde Lírica Consumível (1965) a Sol a Sol (2005). Nunca lhe faltaram sinais exteriores de reconhecimento, incluindo prémios literários, mas escreveu-se pouco sobre a poesia. Ele não liga muito. Diz que já está habituado a “causar uma certa estranheza”. Nunca apreciou poemas “bonitinhos” e, se escreveu alguns, foi porque se esqueceu de “torcer o pescoço à rima”. Ao aproximar-se, agora, dos 70 anos, confessa um desejo: “Gostava de escrever poemas políticos”. O Que Foi Passado a Limpo abre com um longo texto do poeta e ensaísta José Manuel de Vasconcelos. Além desta, não me lembro de muitas outras abordagens de fundo à sua poesia. . . Penso que não há mesmo mais nenhuma. E não acha isso insólito?Já estou habituado à reacção das pessoas e da crítica. Não tenho tido problemas com os críticos, no sentido de dizerem que os meus livros são horrorosos, mas acho que o que escrevo causa uma certa estranheza. E há grandes confusões: ou sou anti-lírico, ou sou satírico, ou sou um continuador espúrio do Alexandre O’Neill. Penso que tenho uma vertente lírica que não é levada em consideração. Neste prefácio, José Manuel de Vasconcelos faz uma abordagem mais abrangente. Porque é que não está na Poesia 61 [colectânea constituída por cinco livros autónomos, assinados por Maria Teresa Horta, Fiama Hasse Pais Brandão, Casimiro de Brito, Luiza Neto Jorge e Gastão Cruz]? Conhecia aquelas pessoas, colaborou com elas na Antologia da Poesia Universitária…Conhecia as pessoas, mas não havia grande intimidade. Penso que eles próprios não estavam interessados em criar nenhuma escola. Aquilo aconteceu por acidente, e depois acabou por se transformar em algo que foi considerado uma posição nova. Não sei bem dizer porque é que não estou lá. Foi por acaso. Aquelas pessoas, por qualquer razão, aproximaram- se naquele momento e decidiram publicar aquilo. Mas depois cada qual fez a sua vida, em termos de trabalho poético. Já na altura eram poetas bastante diferentes. Completamente diferentes. Talvez o Gastão [Cruz], mais do que todos os outros, tenha organizado as coisas dele em função de uma determinada forma de encarar o trabalho poético. Lírica Consumível saiu em 1965, mas escreveu-o antes, uma vez que o livro já ganhara o Prémio de Revelação da Associação Portuguesa de Escritores. Tinha vinte e poucos anos. Tendo em conta a sua idade, e o facto de se tratar de uma obra de estreia, não era já um livro um tanto programático?O que havia de sentido programático era em relação a mim próprio e a leitura que eu fazia do Portugal da época. Tinha também a ver com as minhas origens, com o modo como eu cheguei à universidade, com a visão que tinha do mundo académico. E do mundo burguês, eu que vinha de um universo completamente rural. Acho que tudo isto está na Lírica Consumível. Apesar de algumas semelhanças ao nível dos processos de construção com poetas como Gastão Cruz ou Fiama. . . Tínhamos afinidades. Era a fruta da época. . . …mas não lhe parece que, já nesses seus primeiros livros, se sente como que uma suspeita da poesia, uma certa dessacralização da palavra poética, que o distingue desses autores?Essa ideia é interessante, mas penso que aquilo que há de dessacralizante naquilo que escrevo é o resultado da minha relativa ignorância. É um pouco forte o que estou a dizer, mas a verdade é que o que eu lia, em termos de poemas, não me espantava o suficiente para que eu levasse aquilo demasiado a sério. Talvez seja o espírito do homem do campo, que é sempre muito desconfiado. (E não estou aqui a defender o homem do campo, que, aliás, já não existe. ) Havia sempre qualquer coisa que me fazia ficar de pé atras. Vou dar um exemplo. A dada altura senti muito a influência do João Cabral de Melo Neto, fiquei muito espantado com aquilo, gostava imenso. E pensei: isto pode ser feito assim dentro da minha casa, da minha fábrica. Mas o que eu lia do Melo Neto eram alguns poemas ou excertos, e três ou quatro críticas que o Gaspar Simões lhe fez. Daí eu dizer que essa dessacralização é fruto da ignorância. Não sou, realmente, um autor muito culto. Mas há muitas referências culturais na sua poesia. Sim, mas essas referências são um pouco para espantar. E traduziu vários poetas e ficcionistas…A tradução já veio depois. Tem sido aproximado de Alexandre O’Neill, como disse, mas o seu humor parece ser bastante mais duro. Gosto muito do texto do O’Neill. É muitíssimo trabalhado, coisa que o meu não é, mas penso que ele estava de certo modo integrado naquilo mesmo que criticava. Era um anti-burguês dentro da burguesia. Eu não estava mesmo integrado. Isto pode parecer uma pose da minha parte. Hoje sou um burguês como outra pessoa qualquer, mas, nessa época, quando escrevi os primeiros livros, não era mesmo. Também o Cesariny nunca foi um burguês, em termos de comportamento. Tenho uma grande admiração por ele. Mas nessa altura não lia muito nem um, nem outro. O autor que lia com mais intensidade era o Mário de Sá-Carneiro. Os poetas da sua geração, mesmo os que procuravam uma linguagem mais distante do uso comum, davam muita atenção ao modo como os poemas soavam, e moviam-se num território vocabular que não transgredia assim tanto as fronteiras convencionais do poético. O seu jogo parece ter sido outro desde o início, quer pelo modo como ia buscar palavras a múltiplas proveniências, quer pelo que se diria ser uma sabotagem deliberada da eufonia. A construção, o bonitinho, o composto sempre me fizeram confusão. O O’Neill dizia que não gostava do bonito, mas estava a fazer bonito. Nos seus últimos textos, sente-se muito essa construção. E há quem defenda que, num poema, a construção está acima de tudo. Não tenho essa posição, mas é aceitável. A mim, dá-me gozo estragar o bonitinho, porque a musicalidade convencional, a metáfora adjectivada, tudo isso é-me bastante acessível. Há até testemunhos disso: volta e meia, aparece nos seus livros um soneto em decassílabos impecáveis…Pois, às vezes esqueço-me de torcer o pescoço à rima. Essa recusa do “bonitinho” não justificará a tal estranheza da crítica a que há pouco se referiu?Há uma frase do António Ramos Rosa que ficou quase como um “slogan”. Ele escreveu que eu era “anti-lírico por excelência”. Nunca disse mal do que escrevi, até pelo contrário, mas nessa frase conseguiu sintetizar tudo o que então se dizia dos meus textos. A mim parece-me que já nos primeiros poemas, independentemente de também serem de crítica social e política, há ali de vez em quando um transbordar lírico muito forte. Num texto de O Alicate [1972], invectiva “os poetinhas [que] marujam na versátil confusão dos versos”. Já estou velho, e quando agora leio isso faz-me confusão. O que é que me levou a escrever aquilo? O sangue na guelra? O estar despeitado por uma razão ou por outra? Hoje não escreveria isso. Mas, descontada a terminologia, foi sempre mantendo uma atitude crítica em relação ao modo como a literatura se foi tornando indistinguível de outros produtos de consumo. E saberá do que fala, uma vez que foi técnico de publicidade. A grande tragédia da minha vida foi ser publicitário. Digo isto muito seriamente. Uma vida que fui obrigado a viver de forma. . . Esquizofrénica?Exactamente, a palavra é essa. Nessa altura, a publicidade era vista pelos bem pensantes como um trabalho quase de prostituição. O facto é que não consegui arranjar emprego com o curso de Direito, e também não me interessava muito ser advogado. E na função pública estava proibido de trabalhar por razões políticas. Eu achava que um dia poderia ir para a diplomacia. Via o Saint-John Perse, esses tipos, o Paul Claudel, e achava que era o que me convinha. Sentava-me a uma secretária e tinha tempo para fazer versos. Não fazia mais nada, só versos, e andava com uma faixa ao peito. É ridículo, mas é verdade que pensava nisto. Também podia ter ido para Medicina. E se calhar devia ter ido. Houve um professor que insistiu muito comigo, mas acabei por ir para Direito. Sempre com a expectativa de que um dia o Salazar ia morrer – caía de uma cadeira qualquer –, e depois havia liberdade e eu podia ir para a diplomacia. Em Portuguex [1977], usa o discurso publicitário para criticar o país e, em certa medida, também a própria publicidade. Esse livro tinha muita coisa misturada – eu usava várias estruturas textuais – e acho que aquilo ficou um pouco amalgamado, uma confusão. Nessa altura, não havia trabalho nas agências publicitárias. Estava tudo parado. Passávamos o tempo em reuniões de comissões de trabalhadores. Eu estava lá no meu gabinete e ia escrevendo aqueles textos. Agora, noutro registo, poeticamente, fiz uma coisa, chamada Armas Brancas, que considero um trabalho honesto sobre o desenvolvimento da chamada revolução. Mas praticamente ninguém deu por isso. É um texto de que nunca se falou, mas tenho orgulho nele. Não era panfletário, era um texto, desculpe a palavra, reflexivo sobre o que se estava a passar. Escrevi quase diariamente – só faltou pôr as datas –, mais ou menos até ao Natal de 1975. Não pôs datas, mas acrescentou notas. . . São umas notas um bocado pretensiosas, mas achei que as devia dar. Por exemplo, pus num poema alguns chavões do Abraham Moles, e achei que devia justificar isso. Outras notas são indicativas de episódios, uma ocupação, uma manifestação. Referi as notas, porque elas deveriam ter deixado claro para os leitores da época qual era o pretexto do livro. Pois, se calhar também as pus com essa intenção pedagógica. Embora os poemas de Armas Brancas sejam autonomizáveis, vê o livro como um único texto?Sim, não é propriamente um diário, mas é um escrever ao lado do que se estava a passar, com atenção aos fenómenos sociais e políticos. E tive a pretensão de encontrar uma linha de interpretação racional, sem andar atrás dos foguetes, nem com euforias excessivas, como acontecia com a maior parte das pessoas. Em 1983 publicou Alexandre Bissexto, que é consensualmente reconhecido como um ponto alto da sua obra. Nada fazia prever que estaria depois 12 anos sem voltar à poesia. Entretanto, escreveu ficção. Fiz um ou dois romances e também contos. Regressa com Canis Dei, onde a presença de Deus não parece ter já a carga irónica que tinha em Alexandre Bissexto. Conciliar a existência de Deus com o mal do mundo é uma dificuldade teológica clássica. Mas esse Deus que irrompe na sua poesia com Canis Dei parece nascer justamente do mal. O livro tem um ambiente pestífero. O Bissexto, como lhe chamo, é um livro um pouco litúrgico. Está muito ligado à minha profissão, por assim dizer, de ajudante de padre. Em miúdo eu ajudava na missa, na liturgia, na paramentação. Mas nunca tive fé, ou tive apenas períodos muito curtos com fé. O Alexandre Bissexto está muito preso à liturgia católica. No Canis Dei, nem liturgia, nem Deus. Ou um Deus só por oposição, por carência, por incapacidade de ver no mundo um sinal que me leve a conceber a existência dele. Já essa referência à peste era uma coisa que andava muito no ar: a irrespirabilidade da existência, uma natureza que deixara de ter sítio, que estava completamente disfuncional. Falava-se muito das chuvas ácidas. Havia essa ideia de apocalipse, de terror, um mundo em que o próprio homem – ou Deus, sendo o homem feito à sua semelhança – estava a levar isto cada vez mais depressa até à etapa final. Há duas palavras recorrentes na sua poesia, que atravessam todos os livros: cão e mar. Trinta anos antes de Canis Dei, escreve no poema O Peso das Fronteiras: “Esse sou eu. Um cão dentro do túnel”. . . É um texto abusadamente lírico. Aí eu assumo a posição de cão. E não faz o mesmo em Canis Dei?Sim, obviamente. A noção de cão, para mim, é a de um animal dependente. Não é o que defende, é o que depende. A minha experiência com cães vem sobretudo da infância, dos perdigueiros que o meu pai tinha na aldeia, que eram animais submissos, solícitos. E essa carga que eu transporto na metáfora “cão”. E o mar também é o da infância, o mar do Baleal. A minha aldeia fica a 15 quilómetros do mar, mas para se lá chegar, nesse tempo, era uma odisseia. O meu pai punha uns burros em cima da camioneta e, quando deixava de haver estrada, eram os burros que transportavam os haveres. No seu último livro, Sol a Sol, diz que “O mar é um vasto céu de belas caixas cranianas”. É uma imagem estranha. Muito estranha. Quando ma disse, agora, eu próprio fiquei espantado. É também uma imagem violenta. José Manuel dos Santos aproxima Canis Dei de Vulcão de Luís Miguel Nava, que me parece um dos livros mais violentos da poesia portuguesa contemporânea. Desse ponto de vista, Canis Dei até nem será o melhor exemplo. Mas na generalidade dos seus livros há, de facto, uma violência pouco comum na nossa lírica. Ainda em relação ao mar: eu costumo pensar que ele só nos dá o que nele pomos. E eu ponho lá muito pouco. A Sophia ia lá buscar – como é que era? – os momentos todos que não viveu. Espantam-me as pessoas como ela, a quem o mar inspira aquelas imagens de tanta beleza. Eu tento interrogar o mar, a ver se ele me responde, mas a resposta é sempre absurda. Aquele infinito de água devolve-me um absurdo também infinito, sem fundamento, que é a minha vida e a dos outros. Onde vejo mais violência é em alguns animais. Nas gaivotas. A gaivota, coitada, nunca mais sai dos versos. Entra num poema, sai, e vai logo para outro. Mas é um animal predador extremamente desagradável. Na gaivota encontro a violência da vida, da sobrevivência, mas no mar, quando ele está liso, só vejo algo que está morto. O que é curioso, uma vez que é dali que vem tudo o que vive. O seu penúltimo livro, Lisboas, parece ser um livro um pouco diferente dos outros. É talvez o mais fácil de ler, não é?É um livro de circunstância. Tinha de apresentar um projecto para me darem uma bolsa e lembrei-me daquilo. Só tinha escrito um ou dois poemas, que acrescentei ao projecto, para exemplificar. Há tempos vi na Internet uma coisa escrita por um brasileiro que esteve em Lisboa, comprou o livro, e gostou muito. Mas, depois, já falava de comidas, de coisas pitorescas da cidade. Eu pensei: bem, o homem quase transforma o livro. . . Num guia turístico?Sim, num guia. Hoje escreveria uma coisa completamente diferente. Acho que tem razão quando diz que é o livro mais facilmente percorrível. Não digo que roce o pitoresco, mas pode ter alguns toques de bairrismo ou coisa que o valha. Quando disse “fácil de ler”, a intenção não era de todo pejorativa. Mas parece ser um livro menos “sabotado” ao nível da escrita. Tem alguns desses tais poemas. . . À Carlos de Oliveira, não é?, com as sílabas todas muito bem medidas. Esse, sim, é que era um grande trabalhador do verso, e que nunca foi devidamente apreciado como poeta. Ficou sempre na sombra de dois ou três nomes muito mais conhecidos, e mais acessíveis. Tenho uma grande admiração por ele. No que escreve, há muitas referências à infância. Mas não é uma infância nada idílica. Pois não. O Borges dizia que o pior do homem é sempre a infância. E a dele parece ter sido a de um menino de ouro, com tudo o que havia de melhor em termos de cultura. A minha não foi mesmo nada idílica. Sabia lá o que era um livro, quanto mais ter uma biblioteca. Andei sempre a tentar denegar a infância, a ver se ela me deixava de vez, mas claro que nunca me deixou. Agora, quando vou à aldeia, tenho encontros, às vezes simpáticos, com pessoas da minha idade, mas nunca farei as pazes com aquele mundo. A ignorância da burguesia urbana do que era a vida no campo fazia-me confusão. Essa vida também já não existe, mas mesmo na época, naquilo que eu lia, não encontrava um conhecimento profundo do que era ser-se originário do mundo rural. Nem nos neo-realistas, apesar dos seus clichés. Essa ignorância exasperava- me, e talvez esteja aí a mola que me acicatou para que eu tivesse este tipo de violência face a tudo o que me rodeava. Ninguém me marginalizava, mas eu marginalizava-me a mim próprio para depois poder agredir o outro. Em Sol a Sol, cruza a sua infância com a de Fiama Hasse Pais Brandão. . . Há um poema em que ando a brincar com as nossas infâncias. Com aquilo que eu supus que pudesse ter sido a dela, porque não a conheci. Nem sequer era assim tão íntimo dela como se possa pensar. E não conversávamos muito sobre poesia, ainda que a Fiama não fosse como a Luiza Neto Jorge, que gostava de falar de tudo menos de poesia. Era fantástica. Em termos de escrita, não está mais próximo da Luiza Neto Jorge do que de qualquer outro dos chamados poetas de 61?Ao nível da escrita, é verdade. Em termos eróticos, ela é extraordinariamente violenta. Conheço poucos homens – até não conheço nenhum – que cheguem lá perto. Eu posso aproximar-me, mas ela vai muito à frente. Por contraste com a primeira fase da sua obra, os seus últimos livros parecem um pouco mais apaziguados. Concorda?Alguém até disse que o Sol a Sol parecia póstumo. Os últimos livros são mais pacificadores. Lutar por quê? Pela sobrevivência? Às vezes nem me apetece. Por causas sociais? Gostaria, antes de morrer, de escrever poemas políticos. Mas não sei como. Mas boa parte do que escreveu não é poesia política?Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Penso que sim. Mas, agora, gostaria de a escrever de uma forma muitíssimo mais directa. O problema é encontrar a linguagem certa, para que aquilo não soe completamente fraudulento e amorfo. É muito difícil. Mas a ideia de que não há nada a fazer, essa aceitação, irrita-me. Já não posso ouvir falar do fim das ideologias. O que é que isso quer dizer? Só porque acabou o pseudo-socialismo, ou o pseudo-pseudo-comunismo na pseudo-União Soviética? Isso não quer dizer nada. Foi um acontecimento histórico, foi um falhanço, mas porque é que não podem existir outras possibilidades? Gostaria de ter a esperança, nestes anos que me restam, de que isto não é para acabar tudo de vez, se bem que tudo me diga que é mesmo para acabar, e nada me diga o contrário. Sente-se uma efervescência na humanidade, nos cidadãos, nos consumidores – é esta a melhor palavra –, como se quisessem apressar o fim disto tudo. Mas como eu não tenho filhos nem sobrinhos, talvez não saiba o que querem estes jovens de hoje. Há um autor recente, José Miguel Silva, que me parece ter resolvido bem o problema de encontrar uma linguagem eficaz para a poesia política. Gosto imenso. Mas como sou muitíssimo mais velho do que ele, já não o posso copiar. Estes que escrevem a tal poesia do quotidiano começam a ter uma linguagem – e uma linguagem que eu aceito, e sou velho –, que ultrapassará toda aquela imagética, todas aquelas metáforas que tínhamos há vinte anos e que iriam tornar-se insuportáveis.
REFERÊNCIAS:
Seis corpos, uma instrução: manterem-se de pé
Em Celui qui Tombe , Yoann Bourgeois coloca seis corpos sobre uma plataforma giratória e elevatória com uma instrução simples: tentarem manter-se de pé. Um propósito simples que oferece um espectáculo belíssimo, pleno de sugestões, que encerra os Dias da Dança e segue para o FIMFA. (...)

Seis corpos, uma instrução: manterem-se de pé
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 Mulheres Pontuação: 2 | Sentimento 0.0
DATA: 2017-06-02 | Jornal Público
SUMÁRIO: Em Celui qui Tombe , Yoann Bourgeois coloca seis corpos sobre uma plataforma giratória e elevatória com uma instrução simples: tentarem manter-se de pé. Um propósito simples que oferece um espectáculo belíssimo, pleno de sugestões, que encerra os Dias da Dança e segue para o FIMFA.
TEXTO: Yoann Bourgeois tem “uma relação muito ambivalente com a queda”. Formado em artes circenses, aprendeu e tomou como regra fundamental a ideia de que a queda é inaceitável. Nos mais variados malabarismos, em trapezismos e noutras disciplinas do circo, a queda é o fim, é o falhanço, é o corte abrupto com a manutenção da ilusão. “De início, quando se está a aprender, tudo bem, ainda pode acontecer”, diz Bourgeois ao Ípsilon. “Mas depois, com o avançar do tempo, torna-se cada vez mais inaceitável. E a razão pela qual é inaceitável, hoje creio já ter percebido, é porque conduz à imobilidade. ”Em Celui que Tombe, peça que o artista francês apresenta a 13 de Maio enquanto espectáculo de encerramento dos Dias da Dança, no Coliseu do Porto, e a 20 e 21 no Festival Internacional de Marionetas e Formas Animadas (FIMFA), no Teatro São Luiz, em Lisboa, a iminência da queda é constante. Sobre uma plataforma giratória ou elevatória, seis bailarinos correm, andam, rendem-se à boleia do movimento numa sequência de alternativas de, individual ou colectivamente, se relacionarem com essa força cuja origem desconhecem. É impossível não pensar em ratos a correr dentro de gaiolas, a correr para o entretenimento de terceiros, a correr como animais que apenas eternizam um ciclo vicioso. E é difícil não pensar também no mito de Sísifo, quando os seis bailarinos correm para não sair do mesmo lugar, correm para nunca se aproximarem verdadeiramente de algum lado, correm, caem, levantam-se e retomam uma marcha que sabemos estar condenada a repetir-se nesta mesma sequência uma e outra e outra vez. “A leitura de O Mito de Sísifo, o livro de Albert Camus, foi algo que me marcou imenso há alguns anos e que ressurge com muita frequência no meu trabalho”, confirma Yoann Bourgeois. “E não apenas no Celui qui Tombe, porque me interessa muito essa questão de reflectir sobre a impossibilidade de resolver o sentido. É a razão pela qual, por exemplo, num outro espectáculo tenho uma escada que vai para lugar nenhum. Um imenso vazio. Esse vazio é uma condição para se levantar este tipo de questões. ” E essas questões podem, naturalmente, implicar a manutenção de uma situação sem sentido, a subjugação a regras ditadas não se sabe bem por quem, a forma cruel como a mecânica da vida atira corpos por terra, cuspindo-os sem qualquer misericórdia, a maneira como a obrigação de uma actividade física constante para resistir à queda se destina a manter aquelas pessoas exaustas e lhes roubar a capacidade de se entregarem quer a uma disponibilidade mental de combate quer simplesmente a uma pouco culpada e pecaminosa ociosidade. As implicações políticas e éticas são de tal forma sugeridas por um dispositivo que carrega também uma extraordinária beleza poética, que Bourgeois se arrepia só de pensar que o seu papel, ao colocar seis homens e mulheres a terem de responder àquele estímulo por si criado, pode ser comparável ao de um deus que manipula os seus “filhos”. Para si, a resposta dos bailarinos dá-se perante uma dinâmica geológica, diante de fenómenos físicos que existem na Terra e que não são criados ou controlados pelo Homem. “Simplesmente damos-lhes uma forma para que se tornem perceptíveis”, justifica. Coreografia:Yoann Bougeois Coliseu do Porto, Porto, Sábado, 13 de Maio de 2017 às 21h30O certo é que, sejam manipulados por acção humana ou respondam pura e simplesmente a uma dinâmica geológica, os seis bailarinos comportam-se como seis pinos atirados ao ar por um malabarista, mantendo o exercício em curso, a habilidade usada em resposta circular e de aparência infinita, por a queda ser inaceitável — como antes dizíamos. Só que começávamos este texto com uma citação de Yoann Bourgeois confessando ter uma relação ambivalente com a queda. Yoann sabe que, se pensa a queda como inaceitável, esse é um reflexo condicionado, uma natureza que lhe foi colada à pele pela formação no circo, acredita ser-lhe intolerável sem discernir com clareza quanto disso existe realmente em si e quanto é resultado dessa construção. Celui qui Tombe é também uma provocação que lança na sua própria direcção, como se inquirisse quanto daquilo que reconhece como seu lhe pertence de facto e não é simplesmente ditado pelo mundo que o rodeia. “Creio que em toda a minha obra”, afirma, “a um nível muito íntimo tento aceitar a queda, tento aprender a cair. Tento acolher o prazer que há nisso. ” A resposta, talvez de quem acredita que o melhor remédio será virar a sua fraqueza contra si própria, poderá estar no trampolim — adoptando uma outra prática física de agilidade e equilíbrio que o possa levar a saborear a queda. Celui qui Tombe foi o espectáculo de abertura da importante Bienal da Dança de Lyon em 2014, primeiro espectáculo de raiz circense a alguma vez ser montado sobre o palco da Ópera de Lyon. E nasceu de um “longo processo de pesquisa” que Yoann Bourgeois vem desenvolvendo há vários anos. A mesma pesquisa, que originou vários espectáculos anteriores, decorre da disciplina que foi aprimorando em várias escolas circenses e em que responde àquilo que sempre lhe interessou no circo: “a amplificação dos fenómenos físicos”. A plataforma giratória e elevatória sobre a qual os seis intérpretes correm, andam ou tentam resistir sem cair à verticalização do plateau foi o dispositivo que Yoann procurou para que “manifestasse princípios físicos e mecânicos elementares, como a força centrífuga, a gravidade, o equilíbrio e a oscilação”. “Aquilo de que precisava era devolver esses fenómenos à sua condição mais simples”, explica. “Essa pesquisa de simplificação habita-me ao longo de todos estes anos de processo, o que me leva a concluir que quanto mais a pesquisa avança mais se simplifica. Não é um processo que tende para a sofisticação ou a complexificação; é algo que se aproxima de qualquer coisa essencial. A plataforma é a forma de representar diferentes fenómenos e o seu impacto sobre um pequeno grupo de homens e mulheres. ”Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Embora com uma óbvia base coreográfica, Celui qui Tombe não segue uma partitura de absoluta precisão. Quase se pode resumir a uma única instrução: os seis devem tentar manter ou recuperar o equilíbrio. Para Bourgeois, o início e o final do espectáculo estão bem delineados, mas tudo o que acontece entre esses dois momentos deve obedecer a uma estrutura suficientemente mutável para que nunca chegue a cristalizar, nunca se torne uma repetição daquilo que já foi feito e conserve uma reacção tão espontânea quanto possível quaisquer que sejam os movimentos assumidos e ditados pela plataforma. A Yoann agrada-lhe a ideia de que a peça possa resumir-se à tentativa de os seis se manterem de pé, algo que tem uma óbvia ressonância de luta pela manutenção da dignidade. Em todos os muitos sentidos que Celui qui Tombe admite, o da luta através da verticalidade, da resistência e da oposição é certamente um dos mais imediatos e de maior impacto, mesmo que por vezes sejam apenas corpos a descrever uma corrida de enorme e simples beleza, contrariando um indiferente movimento mecânico. Admitindo que a imagem da resistência política lhe é cara, Yoann Bourgeois diz que gosta de “um público numa sala de espectáculos em que uma criança pode rir ao lado de um adulto que está a sentir medo”. É também com essa multitude de sentidos possíveis em mente que o malabarista, actor, bailarino e coreógrafo — actualmente co-director do Centre Coréographique National de Grenoble, juntamente com Rachid Ouramdane, também ele com presença nesta edição dos Dias da Dança — diz ter seleccionado para a banda sonora do espectáculo músicas tão distintas quanto a interpretação de Frank Sinatra do clássico My way (depois de vertido para inglês por Paul Anka a partir do original francês) ou a popularíssima ária Casta diva da ópera Norma, de Bellini. Ao espalhar estas pistas suficientemente distintas, Yoann pretende deixar uma esticada amplitude de interpretações e de estabelecimento de relações entre aquilo que se ouve e que acontece sobre a plataforma — “acredito que a diferença de registos permite que se possa contar todas as histórias”, defende. A escolha de temas populares e reconhecíveis cumpre assim um consciente efeito de familiaridade, como se esse facto, sobreposto ao movimento, facilitasse a sua compreensão em vez de lhe emprestar uma aura impenetrável. De cada vez que um corpo cai ou ameaça cair uma mão pode ajudar a recuperar a postura e retomar a marcha. É nesse sentido que Bourgeois defende que “os motivos físicos põem sempre em causa a solidariedade ou falta dela”. “Todos os espectáculos preconizam uma relação com o colectivo — se há uma sala para assistir e um espectáculo a decorrer, mais do que os temas é a relação com os espectadores que produz um efeito político. ” É sempre aí que Yoann tenta chegar. Quer haja ou não uma mão que segure um corpo em desequilíbrio no palco, aquilo que o seduz é sempre o que cada gesto concretizado, falhado ou recusado pode encontrar em quem assiste. É nessa falta de controlo que tudo acontece. Caso contrário, tal como recusa com os bailarinos, estaria apenas a assumir um papel de manipulador.
REFERÊNCIAS:
Palavras-chave homens homem criança medo mulheres corpo circo
O México de Frida Kahlo fechou o Portugal Fashion
Nuno Baltazar apresentou a sua 26.ª colecção que em breve estará à venda: "O desfile deve ser um teaser para o consumo", defende. (...)

O México de Frida Kahlo fechou o Portugal Fashion
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 Mulheres Pontuação: 2 | Sentimento -0.1
DATA: 2017-06-02 | Jornal Público
SUMÁRIO: Nuno Baltazar apresentou a sua 26.ª colecção que em breve estará à venda: "O desfile deve ser um teaser para o consumo", defende.
TEXTO: O presidente Marcelo foi ao Portugal Fashion e assistiu ao desfile de uma colecção criada a partir de uma “carta de Frida Kahlo a Diego Rivera que mostrava o seu inconformismo, o lado corrosivo e ao mesmo tempo apaixonado e forte”, conta o designer Nuno Baltazar. A mistura de cores vivas foi definida a partir não do “México tradicional”, mas dos “ambientes onde [Frida Kahlo] se movimentava — o ateliê e o bairro onde vivia (Bairro Azul)”, por exemplo. Apesar de se tratar de uma colecção direccionada para a estação quente, Nuno Baltazar diz que, para si, “é apenas a colecção 26”. “Não lhe chamo uma colecção de Verão, abandonei essa formalidade”, revela. O criador saltou a última temporada de apresentações para, desta vez, mostrar as propostas que chegam em breve à sua loja no Porto. Junta-se a um crescente número de designers a experimentar modelos alternativos ao formato clássico de apresentações — com o designado see now, buy now. “Um desfile deve ser um teaser para o consumo”, comenta, acrescentando que o “envolvimento” que se gera à volta dos desfiles é positivo para os próprios retalhistas, se as peças estiveram imediatamente à venda. Jessica Athaíde e Raquel Strada pisaram a passerelle com cartazes onde se lia “girls can’t wait” ("as raparigas não podem esperar", em português) e “it’s my look now” ("agora é o meu visual"). Hugo Costa e Carla Pontes — dois designers que chegaram ao Portugal Fashion através da plataforma Bloom — sucederam à apresentação de Nuno Baltazar. Hugo Costa traduziu as “explorações glaciares e a necessidade que os seres humanos têm de explorar e conhecer coisas novas” numa colecção dominada por macacões em tons frios com fitas soltas, e Carla Pontes juntou numa nova colecção elementos de colecções anteriores. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Quem abriu o dia de desfiles foi Luís Buchinho, que escolheu o sétimo andar do parque de estacionamento Silo Auto para mostrar a sua colecção “inspirada no litoral português, com todos os ambientes que se pode encontrar nele — pescadores, falésias, rochas, varinas, redes de pesca e barcos, por exemplo”. Traduzindo para têxtil, passaram pelo alcatrão leggings estampadas com as matrículas das traineiras, gabardines com padrões de redes de pesca ampliadas e camisas de flanela repensadas. Micaela Oliveira, mais conhecida pelas suas colecções de noivas, estreou-se no calendário do Portugal Fashion com uma colecção repleta de vestidos compridos e pêlos. Coube a Miguel Vieira colocar o último ponto na 40. ª edição do Portugal Fashion. Fê-lo com a mesma colecção que levou a Milão, em Janeiro, e a Nova Iorque, em Fevereiro. "É uma colecção baseada em três técnicas que tentei explorar ao máximo: o enrugado — feito com um molde macho e fêmea —, o aglutinato — que transporta os fios de baixo para cima — e os plissados (inclusive em peles). "
REFERÊNCIAS:
Palavras-chave humanos consumo