Há duas centenas de oliveiras com mais de dois mil anos em Portugal
Através de um método considerado inovador, uma equipa da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro tem datado as oliveiras mais antigas de Portugal e arredores. Qual é o top 3? (...)

Há duas centenas de oliveiras com mais de dois mil anos em Portugal
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 Mulheres Pontuação: 2 | Sentimento 0.1
DATA: 2018-10-11 | Jornal Público
SUMÁRIO: Através de um método considerado inovador, uma equipa da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro tem datado as oliveiras mais antigas de Portugal e arredores. Qual é o top 3?
TEXTO: Quando nos confrontamos com uma oliveira milenar, é quase impossível não notarmos a sua majestosidade. Sendo uma boa parte da paisagem de Portugal dominada por oliveiras, quantas nasceram há mais de dois mil anos? De acordo com as datações feitas por uma equipa da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro liderada pelo engenheiro florestal José Luís Louzada, são cerca de 200. Em primeiro lugar, com 3350 anos, está uma oliveira em Abrantes. Logo a seguir, com 2850 anos, fica uma oliveira em Santa Iria de Azóia. E em terceiro está uma com 2450 anos em Monsaraz. Esta aventura para desvendar a idade das oliveiras começou porque André Soares dos Reis, proprietário da empresa Oliveiras Milenares – que vende oliveiras ornamentais –, queria garantir aos seus clientes quantos anos tinham essas árvores tão antigas. José Louzada aceitou o desafio e desenvolveu um método matemático que relaciona a idade com características do tronco, como o seu raio, diâmetro, altura ou perímetro. Nos modelos desenvolvidos, consegue-se – sem destruir a árvore e em árvores ocas – saber a idade de oliveiras até três mil anos. Até agora, José Louzada diz que já se dataram “aproximadamente 200” com mais de dois mil anos. “A grande maioria é portuguesa e meia dúzia é espanhola. ”Como este método pode ser adaptado a outras espécies, no futuro José Louzada gostaria de calibrá-lo para os castanheiros, por exemplo. Mas façamos um percurso pelo top 3 destas oliveiras anciãs. No primeiro lugar está uma oliveira situada em Mouriscas, no concelho de Abrantes. Tem um diâmetro de cerca de 2, 5 metros, 3350 anos e chama-se “oliveira do Mouchão”. Porquê? “ [Era] onde os pescadores se juntavam e o primeiro que chegava era o que ia pescar para a pesqueira [lugar no Tejo onde há armações de pesca] do Mouchão, que era muito boa para pescar”, conta Pedro Matos, presidente da Junta de Freguesia de Mouriscas. Além disso, é um local de memórias: “Sempre ouvi que era onde se jogava às cartas e [as pessoas] se abrigavam do mau tempo. ” Actualmente, é considerado arvoredo de interesse público e ainda produz azeitonas. A seguir, no pódio, está uma oliveira com 2850 anos em Santa Iria de Azóia, concelho de Loures. José Louzada até se recorda de uma história recente desta oliveira em meio urbano. “A dada altura, quiseram deitar abaixo a oliveira para alargar uma estrada”, revela. “Entretanto, houve algumas pessoas que se insurgiram e acharam que era um crime abater uma árvore majestosa. ” Como tal, a Associação de Defesa do Património Ambiental e Cultural de Santa Iria de Azóia contactou a equipa de José Louzada para se saber a idade dessa oliveira. “Quando as pessoas se aperceberam da antiguidade da árvore, a impossibilidade de fazer obras sem a sacrificar foi alterada completamente. ” José Louzada diz que até arranjaram o espaço que envolve a árvore e há placas a indicar onde fica. O top 3 termina com uma oliveira com 2450 anos em Monsaraz, e o seu tronco precisa de sete pessoas para a abraçar. Essa oliveira está entre outras (cerca de 20) e, como estão alinhadas, o engenheiro florestal salienta que se nota que houve ali intervenção humana para que se aproveitasse aquele olival. Se continuarmos pelo país fora, encontramos mais árvores milenares (nem todas com mais de dois mil anos) em Estremoz, Montemor-o-Novo, Lagoa, Beja ou Évora. Paremos em Évora, nomeadamente no Convento do Espinheiro. Aqui há uma oliveira com cerca de 1100 anos. Portanto, se o seu “nascimento” foi por volta do ano de 920, já terá visto o próprio convento a erguer-se no século XV. Este convento está ligado a várias lendas, como a visão da presença de Nossa Senhora sobre um espinheiro em chamas. Mas José Louzada destaca uma história sobre os encontros amorosos clandestinos entre um futuro rei português e uma filha dos reis católicos de Espanha, antes do seu casamento. “O príncipe subia através dessa oliveira para chegar aos aposentos da princesa. Entretanto, a coisa veio a descobrir-se e dizia-se que a princesa já não estava pura quando se consumou o casamento. Foi um imbróglio desgraçado. ”Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Mas nem só em Portugal se têm datado as oliveiras. Já se classificaram em Bordéus, Girona ou em Málaga. “A mais majestosa é a da ilha de Menorca, em Espanha. É muito grande”, descreve o engenheiro florestal, referindo que tem 2310 anos. Já agora, qual o segredo da longevidade das oliveiras? “Por um lado, estão bem adaptadas ao ecossistema mediterrânico. Mas há outra particularidade: têm uma grande capacidade de regenerar tecidos novos”, indica. “Quando se diz que têm dois mil anos, é óbvio que não há nenhuma célula com dois mil anos. À medida que a parte mais velha vai morrendo, vai rejuvenescendo e emitindo novos rebentos. ” São então estes novos rebentos que mantêm a perpetuidade desta árvore. “Faz este processo de forma quase infinita. Desde que não ocorra nenhum processo anormal à árvore, esta poderia ter uma longevidade quase eterna. ”
REFERÊNCIAS:
Palavras-chave crime filha princesa casamento
Figueira da Foz vai ter navios maiores e quer mais operações ferroviárias
Projecto envolve os principais operadores do porto e a Câmara Municipal. Objectivo é alargar o hinterland (zona de influência do porto) e abranger a zona Centro e Oeste. (...)

Figueira da Foz vai ter navios maiores e quer mais operações ferroviárias
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 Mulheres Pontuação: 2 | Sentimento 0.233
DATA: 2018-08-06 | Jornal Público
SUMÁRIO: Projecto envolve os principais operadores do porto e a Câmara Municipal. Objectivo é alargar o hinterland (zona de influência do porto) e abranger a zona Centro e Oeste.
TEXTO: Se em 2005 as dragagens efectuadas no porto da Figueira da Foz para aumentar de 5, 5 para 6, 5 metros o calado dos navios permitiu a duplicação da carga movimentada, há boas razões para crer que novas obras para aceitar embarcações de oito metros levem a um ainda maior aumento da procura. E não se trata só de crer. A Comunidade Portuária do Porto da Figueira da Foz, que é composta pelos principais empresas que ali operam, tem estudos de mercado que demonstram que basta um investimento de 16 milhões de euros para reposicionar aquela infra-estrutura no mapa dos portos marítimos nacionais. “O movimento portuário tem vindo a crescer imenso. Entre 2008 e 2017 passámos de um para dois milhões de toneladas movimentadas, sobretudo devido às obras de prolongamento do molhe Norte em 400 metros e às dragagens que permitiram receber navios com 6, 5 metros de calado”. Gonçalo Vieira, presidente da Comunidade Portuária, sublinha que a Figueira da Foz , entre 2008 e 2017 foi o segundo porto com maior crescimento médio anual (7%) logo a seguir a Sines (8%). Em média, os principais portos portugueses cresceram 4%. Operadores, carregadores e a própria câmara municipal querem agora avançar com um investimento de 16 milhões de euros para fazer três coisas relativamente simples: dragar até aos 10 metros para se poder receber navios com oito metros de calado, alargar a bacia de manobras do porto e melhorar a frente de acostagem através da expansão dos cais. A rentabilidade estimada do projecto permite que os privados estejam dispostos a entrar com 25% do financiamento, contando que o restante seja suportado em partes iguais pelo Estado e por fundos comunitários. Para Gonçalo Vieira este projecto é imprescindível até porque os navios de pequena dimensão que hoje ali atracam estão a desaparecer. “A quantidade que existe a nível mundial é muito reduzida e já não se constroem navios destas dimensões. Os que restam ligam alguns portos no Norte da Europa ou fazem cabotagem na costa de África. O futuro são os navios de maior calado e a Figueira da Foz não pode deixar de se preparar para os receber”. Navios de maior dimensão, significa maior capacidade de carga e por isso está em curso um plano de promoção do porto para atrair mais clientes. O presidente da Comunidade Portuária da Figueira da Foz diz que o projecto tem o apoio da ministra do Mar, Ana Paula Vitorino, e que o investimento previsto não é apenas importante pela movimentação das cargas que vai proporcionar, mas também pela dinamização do cluster da economia do mar, dado que dinamiza também a pesca, os desportos náuticos, a reparação naval e o turismo. “Já tivemos um navio de cruzeiro de pequena dimensão aqui atracado e contamos que as obras permitam receber mais “, diz Gonçalo Vieira. Mas o grande impacto do investimento é mesmo o alargamento do hinterland (zona de influência do porto) da Figueira da Foz e um maior uso da ferrovia dado que, em média, só dois comboios de mercadorias servem diariamente o porto. Trata-se de um transporte de pasta de papel da Altri que vem de Vila Velha de Ródão, mas Gonçalo Vieira, ele próprio director logístico da Navigator (antiga Portucel), diz que haverá condições para receber mais e maiores comboios quando os navios tiverem maior calado. A Comunidade Portuária da Figueira da Foz é uma entidade sem fins lucrativos destinada a defender os interesses do porto e dos seus operadores. É, por isso, composta pelos seus principais clientes. À cabeça está a Navigator (uma das maiores papeleiras do mundo e principal cliente do porto), seguindo-se a Celbi (grupo Altri), do mesmo ramo, e a Maltha Glass, Secil, Acembez, Fapricela e diversos fornecedores de madeira de pinho e argila. Integram ainda esta associação os operadores portuários Ylport (ex Liscont) e Operfoz, bem como a autarquia local. A Navigator foi reeleita para o segundo mandato na comunidade portuária, cargo que exerce através do seu director de logística, Gonçalo Vieira. Com um negócio que implica fazer chegar carga aos cerca de 130 países para onde aquela empresa exporta e com seis fábricas em Portugal (Figueira da Foz, Vila Velha de Ródão, Aveiro e Setúbal) às quais não pode faltar um abastecimento regular de matéria-prima, Gonçalo Vieira é um defensor da ferrovia como o modo de transporte mais eficiente e mais sustentável na cadeia logística. A sua actividade e experiência leva-o a afirmar que é urgente o país modernizar as linhas que possui, resolvendo estrangulamentos da rede ferroviária, ao invés de afectar recursos milionários em projectos de rentabilidade duvidosa como é o caso da linha Aveiro – Mangualde. “O importante é modernizar a linha da Beira Alta quanto antes”, diz, elogiando a estratégia do Governo em avançar com o plano de electrificação das linhas pois permite custos de transporte mais baixos e menos emissão de CO2. O responsável está atento a um concurso que a Infraestruturas de Portugal (IP) vai lançar em 2019 para a concessão do terminal de mercadorias da estação de Leiria e diz que isso vai permitir que as empresas do eixo industrial Leiria/Marinha Grande façam transportar os seus produtos em contentores para aquele terminal, que seguirão depois, em comboio, para a Figueira da Foz. Segundo os seus cálculos, basta um comboio com 24 vagões entre Leiria e Figueira da Foz para que o preço do contentor transportado seja 25% a 30% mais barato do que por via rodoviária. “A linha do Oeste é uma oportunidade que não está a ser aproveitada”, diz Gonçalo Vieira, que lamenta que a modernização prevista seja só de Meleças até às Caldas da Rainha e não se prossiga já com a electrificação de toda a linha pois, com a melhoria da infra-estrutura e electrificação da linha, os custos do transporte de mercadorias para a Figueira da Foz reduzir-se-iam consideravelmente. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. De resto, a ideia é que o hinterland se alargue até Alcobaça e Caldas da Rainha, cujas empresas exportadoras beneficiarão em escoar os seus produtos pela Figueira da Foz. Por outro lado, a Comunidade Portuária conseguiu que a IP não desmantelasse a antiga via férrea da Figueira da Foz a Pampilhosa e mantivesse o canal ferroviário, que poderá vir um dia a ser útil numa ligação directa para a Beira Alta e Espanha.
REFERÊNCIAS:
Palavras-chave rainha comunidade
“De nada serve termos um modelo de prevenção e combate se a paisagem não mudar”
Nas suas mãos está a reestruturação do todo o sistema de prevenção e combate no país, numa tentativa para que 2017 não se repita. Já há passos a serem dados para que a redução dos riscos deixe de ser o parente pobre nesta equação e para envolver todos os actores na resposta. Mas nada terá êxito se a paisagem não mudar, alerta. (...)

“De nada serve termos um modelo de prevenção e combate se a paisagem não mudar”
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 Mulheres Pontuação: 2 | Sentimento -0.5
DATA: 2019-03-14 | Jornal Público
URL: https://arquivo.pt/wayback/20190314165040/https://www.publico.pt/n1805104
SUMÁRIO: Nas suas mãos está a reestruturação do todo o sistema de prevenção e combate no país, numa tentativa para que 2017 não se repita. Já há passos a serem dados para que a redução dos riscos deixe de ser o parente pobre nesta equação e para envolver todos os actores na resposta. Mas nada terá êxito se a paisagem não mudar, alerta.
TEXTO: Tiago Oliveira é presidente da comissão instaladora da Agência de Gestão Integrada dos Fogos Rurais (AGIF) e está a preparar o Sistema de Gestão Integrada de Fogos Rurais, que irá coordenar e entrecruzar as estratégias de prevenção e combate. Quem combate, previne e quem previne, combate é uma das pedras de toque deste novo plano de ataque aos incêndios. Já estão a ser dados passos para a concretização desta estratégia mas só em 2019 se verão mudanças mais concretas. Na sua primeira entrevista, ao PÚBLICO e Renascença, diz acreditar que é desta que se vai mudar o paradigma mas não tem ilusões: Não é por haver uma melhor prevenção e melhor combate que se vai resolver o problema. Tem de se mudar a floresta. Como? Há pistas mas também não há ilusões: esqueçam a ideia romântica de recolonizar o país. Em Outubro, o primeiro-ministro anunciou uma reforma profunda do sistema de prevenção e combate a incêndios florestais. Nesta altura, que garantias é que pode dar que 2018 será diferente?2018 será certamente um ano difícil, tanto por questões meteorológicas, mas essencialmente porque há uma pressão grande para que as coisas corram bem. Vamos estar mais bem preparados, o esforço que está a ser feito é nesse sentido. Há uma maior discussão em volta do tema da prevenção, da limpeza do mato, as pessoas estão mais preparadas e têm mais consciência que a Protecção Civil começa em si mesmos. As autarquias estão envolvidas e entusiasmadas em fazer um trabalho mais consistente. Estamos a começar um trabalho que devia ter sido feito no passado e que não foi e agora estamos todos a fazer um bocadinho à pressa. Mas há uma preparação grande por parte do dispositivo da prevenção, com o ICNF e o Ministério da Agricultura a fazer bastantes coisas em termos de planeamento e obra, e há um reforço grande na musculatura do ataque inicial com a participação da GNR e dos GIPS [Grupo de Intervenção de Protecção e Socorro] e também com o envolvimento dos bombeiros e de outros órgãos da Protecção Civil. E como é que isso se pode avaliar na prática? A Comissão Técnica Independente que estudou os incêndios de Junho identificou várias falhas, que é suposto corrigir. Desde as telecomunicações até a gestão operacional dos meios. Em concreto, o que é que já está em curso, o que é que já está a mudar?Uma fractura exposta não se resolve com um penso rápido. Há problemas profundos que são sistémicos, que vieram à luz do dia com o relatório da CTI. Isso implica uma alteração grande. O modelo futuro está a ser discutido e analisado e também em fase de alguma aplicação. Ele vai funcionar a partir de 2019. A estrutura de missão a que eu presido - eu não presido à agência pois esse cargo vai ser nomeado por concurso através da CRESAP [Comissão de Recrutamento e Selecção para a Administração Pública] – tem de apresentar e implementar as recomendações da Comissão Técnica Independente, isso implica desenvolver um modelo para 2019/2021 e depois, avançar sobre novos territórios. Ou seja, é necessário alterar também a paisagem mas isso é um processo de mais longo prazo e tem a ver com reforma florestal. No curto prazo, há uma preocupação de ensinar às pessoas como é que elas devem proceder num incêndio, quer os portugueses, quer os estrangeiros que nos visitam. Preparar as aldeias, as áreas industriais, as pequenas casas isoladas, responsabilizando o proprietário, que pode agir com o apoio do município. Depois, o ataque tem de ser pronto e musculado para que os grandes incêndios não ocorram. Quando esses ocorrerem, a AGIF vai participar já enquanto estrutura embrionária e, através de peritos nacionais e internacionais, ajudar e apoiar a decisão. O problema é muito complexo e só com conhecimento vamos ultrapassar isto. Portanto, quanto a questões mais estruturais que foram anunciadas como tendo que mudar, como a gestão de meios aéreos na Força Aérea ou o profissionalismo de bombeiros, só serão respondidas lá para 2019, 2020. Não podemos esperar que isso aconteça já em 2018?Há orçamentos aprovados que estão a ser implementados e que indicam que 70% do dinheiro vai ser envolvido na da prevenção, portanto, já se está a dar um sinal de que as coisas estão a mudar para o lado da prevenção. No presente ano temos que estancar a hemorragia enquanto vamos fazendo o processo de transição. A Força Aérea já está envolvida, há um grupo de trabalho que irá produzir um relatório e a 19 de Março vai surgir mais um relatório da CTI que vai trazer novas informações que vão enriquecer o trabalho para o desenho do modelo futuro, Mas é preciso ter a campanha de 2018 bem estruturada, bem organizada, bem comandada. O General Mourato Nunes, que foi comandante da GNR durante muitos anos, está a liderar o processo dentro da ANPC [Autoridade Nacional de Protecção Civil]. É uma tarefa que depende dele e ele tem tido os recursos para fazer. Em 2019 já vai haver a implementação em algumas áreas piloto do modelo futuro. Vamos aprender com o processo, ver como é que está a ser internalizado pelos actores e vamos avançando até 2021, altura em que pretendemos ter o futuro modelo em total implementação em todo o território. Há depois aqui um aspecto muito importante: não é por haver uma melhor prevenção e melhor combate que vamos resolver o problema. Temos de mudar a floresta, o que implica ter uma floresta com mais pastorícia e mais gestão, isso vai demorar mais tempo. O que nós podemos garantir é que o sistema montado para 2018 tem o apoio das competências que necessita, que os peritos nacionais e internacionais estarão a ajudar enquanto nós montamos o sistema futuro, com uma prevenção e um combate mais integrado, com outro modelo de prevenção do risco. Se tudo isto é para arrancar mais a sério em 2019, tanto mais que até Dezembro de 2018 há apenas uma comissão instaladora da AGIF, como é que é até lá? Entidades como a Protecção Civil, a GNR, Forças Armadas, estão à espera de saber exactamente como é que fazem as suas directivas, como é que planeiam 2018. Que tipo de intervenção é que a estrutura de missão a que preside vai ter nestes processos específicos de cada uma destas entidades?Enquanto Comissão Instaladora da Agência vamos apoiar, com peritos nacionais e internacionais, o processo de decisão, quer a nível estratégico e operacional, quer ajudando o ICNF a planear algumas obras em alguns sítios importantes e quer a ANPC, em que os especialistas vão estar à disposição do comando Coronel Paixão para serem colocados em operações onde são relevantes e em sítios críticos. Não estamos à espera que 2019 chegue. 2018 é um ano muito importante para consolidar um conjunto de ideias e perspectivas: vai haver uma unidade mecanizada, vai haver observação aérea e coordenação de combate aéreo. Vai haver mais gente no terreno, mais GNR, mais gente no ar a fazer um trabalho melhor para que os meios aéreos sejam geridos de uma forma mais eficaz. A participação da comissão instaladora da futura agência faz-se através de instituições novas. Não está no nosso lado o comando e o controlo dos meios. É uma estrutura que injecta o conhecimento na operação. Saiu na quinta-feira em Diário da República a directiva operacional de prevenção e combate que estrutura e define claramente quem faz o quê e quando. Essas orientações estratégicas vão permitir que cada uma das organizações desenhe e implemente as suas directivas operacionais. A agência é um órgão de apoio, de facilitação, de coordenação, de avaliação e de melhoria contínua. É uma função que existe noutros países. Agora, é importante saber que, na nossa paisagem e com as alterações climáticas, ou mudamos o contexto ou qualquer modelo de prevenção e combate falhará havendo um ou dois incêndios de grande dimensão. O fogo é guloso pelo combustível e é isso que nós temos que mudar. Habituámo-nos a ter um sistema assente em três pilares: a prevenção a cargo do Ministério da Agricultura, a vigilância a cargo da GNR e o combate também tutelado pelo Ministério da Administração Interna. Como será no futuro?O modelo futuro, como já é enunciado na resolução do conselho de ministros de 21 de Outubro, vai assentar em duas prioridades. Essas duas prioridades são as pessoas, por um lado, e a floresta por outro. Isso implica que proteger pessoas e proteger a floresta implica meios, abordagens e técnicas diferentes. A ANPC ficará focada em proteger as pessoas, coordenando todas as entidades envolvidas na protecção da vida e dos bens, incluindo a limpeza da vegetação à volta das casas. Esse é o pilar da Protecção Civil. O outro pilar é o da floresta, do mundo rural, em que, com técnicas diferentes, vão estar pessoas envolvidas a fazer a prevenção e combate, ou seja: quem previne, combate e quem combate, previne. É um sistema com segmentação de prioridades e com a especialização dos agentes, tudo submetido a um comando único, não há dois patrões para o mesmo problema, há um. Que será quem?A Protecção Civil vai sempre coordenar todo o processo, vai comandar e liderar as operações. O que temos de ter é uma segmentação da especialização, ou seja, vamos ter no futuro dois pilares - um que protege pessoas, outro que protege a floresta e o mundo rural - mas os incêndios vão ser combatidos pelos mesmos actores. Os bombeiros, a GNR, as Forças Armadas e as autarquias são sempre fundamentais, vão ser o suporte destes dois pilares. E como é que isto acontece? O ataque inicial é feito pela equipa que está mais próxima, em triangulação. Se está resolvido, passa a histórico. Se não está, os meios começam a agregar-se em volta daquele evento e este começa a escalar em termos de gestão das operações. Aí entra a ANPC, como entra hoje, com um sistema de comando único. Nesse comando único há sectorização das operações e há um afluxo de especialistas para cada um dos sectores, uns mais florestais, outros mais de Protecção Civil. Enquanto o incêndio florestal é um incêndio em que as técnicas ofensivas são importantes, aplicadas no momento certo, no local correto com base em conhecimento, a perspectiva da Protecção Civil ao defender uma aldeia é defensiva, são usadas outras ferramentas, outras soluções. Faz sentido separar. Não é nada que já não tenha acontecido no passado mas agora vai ficar mais institucionalizado, vai haver mais competências profissionais do lado da floresta mas também vai mais competências profissionais do lado dos bombeiros. O que é que é importante aqui? Credenciação. Combate o incêndio quem tem credenciais para o fazer, quem tem conhecimentos para o fazer, cumprindo os standards internacionais. A Agência para a Gestão Integrada de Fogos Rurais (AGIF), criada por decreto-Lei 12/2018 de 16 de Fevereiro, está ainda na sua fase embrionária. Tiago Oliveira lidera a comissão instaladora, tendo já definido alguns dos principais pilares do Sistema de Gestão Integrada de Fogos Rurais, cujo planeamento, coordenação e avaliação é competência da AGIF. Esta estrutura responde apenas ao primeiro-ministro e as suas directivas condicionarão a actuação das estruturas que compõem o sistema, concretamente o Instituto da Conservação da Natureza e Florestas (ICNF), a quem caberá a prevenção, e a Autoridade Nacional de Protecção Civil (ANPC), responsável pelo combate. Montar este novo sistema, que alia prevenção e combate tal como aconselhado pela Comissão Técnica que avaliou o incêndio de Pedrógão, custará 150 milhões de euros. A AGIF será uma estrutura eminentemente técnica que terá, quando entrar em velocidade cruzeiro em 2021, 26 funcionários, com um orçamento de 1, 2 milhões de euros. No terreno haverá um comando único que orientará a actuação das estruturas da ANPC e o ICNF. Este último serviço, que tem vindo a perder recursos humanos e capacidade de intervenção há já vários anos, terá de ser reforçado, a sua presença nos distritos tem de ser efectiva e terá de ser capaz de absorver um conjunto de peritos cujo concurso de recrutamento começará em breve. Estes peritos, que podem ser bombeiros, militares, técnicos florestais ou sapadores, serão formados pela AGIF para as acções de prevenção e combate, passando para o ICNF em 2022. Haverá uma distinção clara entre o combate a grandes incêndios e a protecção de pessoas e bens e primeira intervenção. No primeiro caso, que exige uma forte componente técnica, as chamas serão enfrentadas com maquinaria, meios aéreos e pessoal formado especificamente em fogos florestais. Quer isto dizer que os bombeiros ficariam apenas com a defesa de pessoas e bens? Tiago Oliveira diz que não pois todos os que se mostrarem interessados poderão integrar a estrutura técnica de combate. Uma coisa é já dada como certa: a Escola Nacional de Bombeiros irá mudar e a formação irá integrar novas componentes. No futuro, ambos os pilares vão estar totalmente comprometidos politicamente, ou seja, há um dono do programa da floresta e há um dono do programa da protecção civil . Em cada pilar vai haver prevenção, vigilância, combate, rescaldo e recuperação, ou seja, há um dono político para defender a floresta, há um dono político para defender as pessoas e os bens e isto vai percolar pelas organizações. Vai haver um dirigente, vai haver recursos, vai haver responsáveis, vai haver orçamentos balanceados. O que é que é importante nisto tudo? Informação, análise de dados, conhecimento de meteorologia, predictabilidade do apoio à decisão, coisa que tem sido uma pecha e que nós, lá está, mais uma vez este ano vamos tentar injectar no sistema. Teremos peritos internacionais a apoiar a decisão. Temos que ganhar esta batalha, não só este ano, mas nos próximos anos, porque o futuro do país, o interior, depende da nossa capacidade de gerir a paisagem e criar um território menos vulnerável ao fogo. Indo ao problema de fundo: vivemos num clima mediterrâneo, onde o fogo sempre esteve presente, as espécies, aliás, até estavam adaptadas a isso. Com a intervenção humana houve desflorestação, houve alteração de espécies. Mas entretanto, o interior despovoou-se e a natureza ocupou espaços antes cultivados, os matos cobrem os terrenos, há monoculturas, enfim, há o problema que conhecemos. Dificilmente voltaremos atrás no repovoamento do interior, com a agravante que as alterações climáticas irão potenciar mais secas e, portanto, mais incêndios. Isto parece um problema irresolúvel, é verdade?É um problema difícil, complexo, que vai exigir o empenho e o envolvimento de todos e o suporte de políticas públicas, integradas, inteligentes e focadas no longo prazo. Para tal é muito importante ter a ciência a apoiar estas decisões todas, porque a pressão é de curto prazo, as eleições são de quatro em quatro anos e os políticos têm uma lógica de curto prazo. Mas não nos podemos esquecer que Portugal está muito vulnerável a alterações climáticas e é preciso maturidade e independência para tomar decisões difíceis e elas vão ter de ser tomadas. O interior é uma delas e vai ser muito difícil implementar a ideia romântica de recolonizar o país. Sem pessoas, como é que se vai fazer?Um território abandonado não quer dizer um território não gerido. Mas temos de ser capazes de criar, através da floresta e da silvo-pastorícia, territórios que atraiam emprego qualificado, que atraiam pessoas, em particular, mulheres férteis que permitam a perpetuidade das famílias naqueles locais. Vai haver menos gente daqui a 10, 15 anos. Mas isso não significa paisagem não gerida. O que temos é de ter capacidade de atrair quadros qualificados, com lideranças locais para fazer mudar e para fazer acontecer alterações no território. Isso implica usar a floresta e a silvo pastorícia como âncoras, porque é da água, da sombra, do silêncio, da nossa memória, do oxigénio, da caça, de todos os outros produtos que a floresta gera que nós também dependemos. Temos de saber gerir o nosso território e confrontamo-nos com um desafio muito grande, que é: como é que isto se faz? Como é que conseguimos inventar uma nova paisagem que seja mais viável?Mas o certo é que as políticas de revitalização do sector florestal não têm dado certo, aliás, há quem diga que são praticamente inexistentes. Não há um investimento sério em, por exemplo, as madeiras nobres, que seria importante neste caso, serrações, etc. No modelo futuro, segmentamos e colocamos dentro da ANPC a protecção das pessoas e das vilas. O outro pilar irá colocar 60 a 70% do território sob administração do ICNF, tutelado pelos ministérios do Ambiente e da Agricultura. Essa pressão vai fazer com que esses ministérios se envolvam mais no problema. Vão ter que resolver o problema das políticas públicas e de orçamentos associados à prevenção e também apoiar o combate, vão ter um dispositivo integrado nessa perspectiva. Mas qual é a paisagem, qual é o território que queremos? Isso é outra unidade de missão. Vai haver mais pressão da opinião pública sobre as políticas públicas e a sua eficácia. A agência vai ter uma espécie de técnicos especializados, que é uma incubadora que depois transita para dentro do ICNF, que vai ter de lidar com a questão estabelecendo uma relação diferente com os proprietários e com o movimento associativo. O nosso modelo assenta no associativismo, e isso implica uma maior partilha de responsabilidades, implica separar aquilo que é a totalidade dos prédios daquilo que são as necessidades da gestão. Na pastorícia, por exemplo, um rebanho com 100 ovelhas com um pastor não permite ter um quadro bem qualificado a tomar conta daquele rebanho. Mas para ter duas mil ovelhas, tem de intervir num espaço maior, ocupando outros territórios e isso implica alterar a titularidade, implica alterar o acesso à terra, implica uma reforma profunda. Neste momento está em curso a obrigatoriedade da limpeza das faixas de combustível em volta da populações e das casas. As pessoas estão um pouco desinformadas sobre o assunto, não sabem muito bem o que têm que fazer. Além disso, não existem empresas suficientes para responder a tão grande procura. Não teria sido preferível, face à falta de meios humanos e financeiros, definir claramente quais são as faixas de combustível onde deveria haver uma intervenção para conseguir controlar um incêndio grande, em vez de estar a dispersar meios e os recursos pelo território, em locais que até podem nem ser cruciais?A lei é igual para todos e todos têm que ser mobilizados a cumpri-la. A lei está aprovada e não me compete comentá-la. Pelo menos, o tema da prevenção aparece na agenda logo em Janeiro, coisa que nunca tinha visto, e está a haver um grande movimento por parte dos proprietários, dos municípios, das pessoas, que estão a fazer o máximo para fazer o melhor que podem. Há 40 anos que não acontecia muita actividade nesta área. Este é um princípio. Podemos melhorar? Podemos e nesse sentido, em relação ao que queremos implementar nos anos que vêm, já envolvemos a Ordem dos Engenheiros para que haja mais conhecimento sobre que árvores cortam, que mato é que tem de sair. A intervenção será suportada por um guia de boas práticas. França, Estados Unidos começaram essa experiência há mais anos. França tem um debate grande sobre o que limpar, o que não limpar, Barcelona também tem este conflito entre proprietários e Estado. Portanto, nós estamos a começar e como todos aqueles que começam a dar novos passos, nem sempre o fazem na cadência certa mas acho que a direcção é correta. Há aldeias que pela sua circunstância geográfica, pelo seu histórico de incêndios, pela sua vegetação, são mais prioritárias para uma intervenção agressiva, quer pelas autoridades, quer pelos proprietários. Essa prioridade deve ser cumprida. Mas a lei é a lei, importa mobilizar a sociedade neste sentido. Haveria formas diferentes de fazer a comunicação, mas acho que é importante que também se perceba que a situação é de risco, que o país está colocado perante uma urgência e todos somos parte da solução. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Estamos a falar muitas vezes, de populações idosas e sem meios e um problema que entronca é a pressão para que apostem em espécies autóctones ou mais resistentes ao fogo. Como é que se convence um proprietário a investir nestas espécies, cujo rendimento virá daqui a uma geração ou duas em vez de investirem em pinheiro ou eucalipto, que dará um retorno mais rápido?Isso sai um bocadinho fora do âmbito da nossa estrutura de missão que é a prevenção e combate e se o sistema estiver organizado já é um contributo grande para que o proprietário perceba o risco de uma forma diferente e diga “eh pá, isto está a mudar e eu já posso investir na floresta!” No entanto, ele não o irá fazer no médio prazo e isso vai obrigar a que façamos as contas e consigamos influenciar, enquanto estrutura de missão, a elaboração e melhoria da reforma da floresta. Enquanto estrutura de missão temos a função de criar uma agência que seja flexível e pequena, que contribua para ajudar o primeiro-ministro a pensar e a reflectir sobre estas matérias de operações de combate. Mas resolvendo isso, fica todo o resto – que é a parte mais importante - para resolver e como é que vamos mobilizar os proprietários num contexto de risco, numa economia descapitalizada? Tem de haver aqui um grande esforço da sociedade para pensar modelos mais eficazes. De nada serve termos um modelo de prevenção e combate se a paisagem não mudar. A paisagem tem de mudar em três perspectivas: floresta gerida, conservação da natureza e silvo-pastoríciaSe soubesse o que sabe hoje voltava a aceitar esta tarefa?Eu sou uma parte da solução, eu não sou a solução. Por um lado, sou um porta-voz do conhecimento e contactos que estou a trazer: vem gente de todos os lados, da Austrália, África do Sul, do Canadá , que nos podem ajudar a fazer uma coisa mais bem-feita. Não vou conseguir fazer tudo, vou tentar fazer o meu melhor. Não tenho a certeza de tudo, ninguém tem a certeza de nada. Com humildade e perseverança, e muito conhecimento, eu acho que vamos chegar a um sítio melhor. Sim, voltava a aceitar.
REFERÊNCIAS:
Entidades GNR
Museu Nacional do Brasil era o “maior museu de história natural da América Latina”
Fundado durante a época colonial, o Museu Nacional foi antes casa da família real. Tinha 20 milhões de peças, incluindo o fóssil mais antigo da região. "É uma catástrofe insuportável", diz um dos vice-directores. (...)

Museu Nacional do Brasil era o “maior museu de história natural da América Latina”
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 Mulheres Pontuação: 2 | Sentimento 0.1
DATA: 2018-11-25 | Jornal Público
SUMÁRIO: Fundado durante a época colonial, o Museu Nacional foi antes casa da família real. Tinha 20 milhões de peças, incluindo o fóssil mais antigo da região. "É uma catástrofe insuportável", diz um dos vice-directores.
TEXTO: Não era só a mais antiga instituição científica e de história natural do Brasil, era “o maior museu de história natural da América Latina”, afirmou ao site G1 Cristiana Serejo, uma das vice-directoras do Museu Nacional do Rio de Janeiro, consumido por um incêndio na noite de domingo. Com um acervo de 20 milhões de peças, o Museu Nacional, que chegou a ser residência da família real portuguesa e da família imperial brasileira, teve origem no antigo Museu Real, fundado por decreto do rei João VI, em 1818, quando o país era ainda uma colónia portuguesa, há exactamente 200 anos. O objectivo da sua criação passava por disseminar o conhecimento e o estudo das ciências naturais pelo Brasil. Com a independência do Brasil, em 1822, passa a chamar-se Museu Imperial e Nacional; depois, com a implantação da República, em 1889, recebe finalmente o nome de Museu Nacional. Grande parte do que viriam a ser as suas colecções foi reunida ainda durante os períodos da Regência e do Império – incluindo as trazidas do chamado Museu do Imperador, uma das salas do Paço da Boa Vista. Tanto D. Pedro II, que foi o último imperador do Brasil, como a sua mãe, a Imperatriz Leopoldina, tinham grande interesse pelo coleccionismo e pelo estudo das ciências naturais. As peças etnográficas vindas das ilhas Sandwich para o Imperador Pedro I, assim como múmias egípcias que este tinha adquirido, são disso exemplo. No museu estava também um diário da Imperatriz Leopoldina e um trono do Reino de Daomé, oferecido em 1811 ao então príncipe regente D. João VI. O Paço de São Cristóvão, na Quinta da Boa Vista, também conhecido como Palácio de São Cristóvão ou Palácio Imperial, onde se erguia o Museu Nacional, foi a primeira residência da família real portuguesa e ali nasceu a princesa Isabel. Depois do golpe que derrubou D. Pedro II, pertenceu à família imperial brasileira e viria ainda a abrigar, durante um breve período, a primeira Assembleia Constituinte da República. Com a proclamação da República e depois de a família imperial ter sido banida, os aposentos do palácio foram bastante descaracterizados e grande parte do seu mobiliário foi leiloado. Antes, a zona onde se localiza o palácio integrara uma quinta jesuíta nos arredores do Rio de Janeiro. A ordem religiosa foi expulsa em 1759, altura em que a propriedade foi dividida. Para além das peças doadas directamente pela família real portuguesa, as primeiras colecções foram constituídas ainda a partir do património reunido pela Casa dos Pássaros, antiga Casa de História Natural, criada pelo vice-rei Luiz de Vasconcelos e Sousa em 1784, e por diferentes colecções particulares, incluindo a do geólogo alemão Abraham Gottlob Werner (1749-1817). Espécies geológicas, mineralógicas e zoológicas recolhidas por diferentes naturalistas estrangeiros no Brasil também foram ali reunidas. Da colecção do museu fazia também parte o meteorito Bendegó, o maior alguma vez encontrado no Brasil e o 16. º a nível mundial. Por ser constituído de ferro maciço, o objecto sobreviveu a altas temperaturas. Estava no museu desde 1888, tendo sido encontrado no interior do estado da Bahia no final do século XVIII. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Integraram também o acervo inicial do museu uma colecção de objectos mineralógicos doada pelo príncipe da Dinamarca e uma colecção ornitológica oferecida pelo Museu de Berlim. Entre os objectos mais valiosos do museu conta-se o fóssil mais antigo da América Latina, conhecido como Luzia, com quase 12 mil anos. O museu albergava também o Centro de Documentação de Línguas Indígenas (CELIN), especializado na documentação de materiais linguísticos textuais e sonoros das diferentes línguas indígenas e variedades do português do Brasil. Só 3000 objectos estavam em exibição permanente e actualmente apenas dez dos seus 30 espaços estavam abertos. Desde 1946 que o Museu Nacional estava associado à Universidade Federal do Rio de Janeiro. “É uma catástrofe insuportável. São 200 anos da herança deste país. São 200 anos de memória. São 200 anos de ciência”, lamentou, ouvido pela TV Globo, outro vice-director do museu, Luiz Duarte. “São 200 anos de cultura e de educação. ”
REFERÊNCIAS:
Palavras-chave cultura educação estudo princesa
Papa diz que os católicos não devem procriar "como coelhos”
O líder da Igreja Católica defende a “paternidade responsável” e recusa a ideia de que os católicos devem ter o maior número possível de filhos. (...)

Papa diz que os católicos não devem procriar "como coelhos”
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 Mulheres Pontuação: 2 | Sentimento 0.0
DATA: 2015-07-22 | Jornal Público
URL: https://arquivo.pt/wayback/20150722182005/http://www.publico.pt/1682749
SUMÁRIO: O líder da Igreja Católica defende a “paternidade responsável” e recusa a ideia de que os católicos devem ter o maior número possível de filhos.
TEXTO: Para o Papa Francisco, os bons católicos “não devem procriar como coelhos”. Numa conferência de imprensa a bordo do avião que o transportou de Manila, nas Filipinas, para Roma, o líder da Igreja Católica recusou a ideia de que os casais católicos devem ter o maior número de filhos possível, mas sublinhou que é contra a contracepção artificial. Estas declarações surgem depois de um jornalista perguntar a Francisco o que diria a uma família católica que tem mais filhos do que economicamente lhe é possível, mas a quem a Igreja proibe de fazer contracepção. Nas Filipinas, o Papa foi confrontado com a realidade de milhares de crianças abandonadas nas ruas por pais que não as conseguem sustentar. “A abertura à vida é uma condição do sacramento do matrimónio, mas isso não significa que os católicos devam fazer crianças em série. Falei com uma mulher, grávida do seu oitavo filho depois de sete cesarianas, e disse-lhe: ‘Você quer deixar órfãs sete crianças’”, contou o Papa, defendendo que o exemplo desta mãe “é de irresponsabilidade”, embora reconheça que, para os mais pobres, um filho é visto como um tesouro. Em resposta, a mulher disse ao Papa Francisco que confiava em Deus. Ao que ele lhe respondeu: “Deus deu-te os meios para seres responsável. Alguns crêem, perdoem-me a expressão, que para serem bons católicos devem ser como coelhos”, rematou. Alguns casais são assim, reconhece Luís Cabral, presidente da Associação Portuguesa de Famílias Numerosas (APFN), mas essa é uma “posição incorrecta que não revela uma maternidade responsável. Uma pessoa que teve várias cesarianas corre o sério risco de deixar os filhos sem mãe e isso não é admissível”, diz ao PÚBLICO. “O nosso sentido vem na linha do que a Igreja sempre disse: a paternidade deve ser responsável e as decisões de ter muitos filhos devem pertencer ao casal”, acrescenta Luís Cabral. Esta ideia está patente na Carta dos Direitos da Família, de 1983, onde se diz que o casal “tem o direito inalienável de constituir uma família e de determinar o intervalo entre os nascimentos e o número de filhos que desejam”. Anterior a este documento assinado pelo Papa João Paulo II está a encíclica Humanae Vitae, saída do Concílio Vaticano II, outorgada por Paulo VI, onde se fala da “paternidade responsável” como missão do casal. Francisco, durante a mesma conversa com os jornalistas, apelidou Paulo VI de "profeta", porque se preocupou com o "neomalthusianismo universal" que "procura controlar a humanidade". Francisco referiu, aos jornalistas, que os especialistas recomendam três filhos por casal. "A ideia-chave que a Igreja defende é a paternidade responsável. Como é que esta se faz? Pelo diálogo. Este existe no seio da Igreja, nos grupos matrimoniais, nos especialistas, nos pastores", insistiu o Papa. Maria José Vilaça, presidente da Associação de Psicólogos Católicos, confirma que esse apoio existe em grupos no interior das paróquias mas também é feito por associações e outras organizações. Um apoio que pode começar ainda durante o namoro e que se estende às famílias. Para a psicóloga, o que Francisco diz não é novo mas "é inovadora" a forma como o diz. "O que faz é dizer às pessoas para usarem a razão. É dizer que Deus nos deu a razão não para procriarmos como animais mas para nos reproduzirmos como seres humanos. "Regular a natalidadeDesde 1968, quando a Humanae Vitae foi publicada, que a Igreja não pede aos católicos que procriem como coelhos, antes indica como devem regular a natalidade, começando por lhes lembrar a sua “missão de paternidade responsável”. Esta passa por respeitar as “leis biológicas que fazem parte da vida humana”. No que diz respeito às condições físicas, económicas, psicológicas e sociais, a “paternidade responsável exerce-se tanto com a deliberação ponderada e generosa de fazer crescer uma família numerosa, como com a decisão, tomada por motivos graves e com respeito pela lei moral, de evitar temporariamente, ou mesmo por tempo indeterminado, um novo nascimento”, recomenda a encíclica, que condena os métodos de regulação artificial da natalidade. Francisco, com as suas declarações, também sublinha que é contra a contracepção artificial, o que Duarte Vilar, director executivo da Associação para o Planeamento da Família (APF), lamenta. “É lamentável que uma instituição com a importância da Igreja Católica continue a defender ideias de há 50 anos [desde o Concílio Vaticano II], quando, do ponto de vista humano, apenas uma minoria usa métodos naturais”, diz, acrescentando que em Portugal, um país maioritariamente católico, só 2% das mulheres usam esse tipo de métodos. O país é o segundo do mundo onde mais se usam contraceptivos, a seguir à Noruega.
REFERÊNCIAS:
Palavras-chave direitos lei humanos filho mulher minoria mulheres
A profissão mais sexy do século XXI
De entre as novas profissões criadas merece destaque aquela que se poderá designar em português por engenheiro, cientista ou analista de dados. (...)

A profissão mais sexy do século XXI
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 Mulheres Pontuação: 2 | Sentimento 0.0
DATA: 2018-10-19 | Jornal Público
SUMÁRIO: De entre as novas profissões criadas merece destaque aquela que se poderá designar em português por engenheiro, cientista ou analista de dados.
TEXTO: A capacidade para automatizar determinadas tarefas, que começou com a primeira revolução industrial e se reforçou com os inúmeros desenvolvimentos tecnológicos posteriores, trouxe consigo uma questão que continua por responder: a automação cria ou não desemprego, ao tornar desnecessárias certas profissões? Aqueles que acreditam que a tecnologia não criará desemprego argumentam com o facto de que novas profissões estão permanentemente a ser criadas pelas alterações tecnológicas, muitas das quais não existiam há apenas poucas dezenas de anos, tais como gestor de redes sociais, engenheiro de aplicações móveis e web designer. De entre as novas profissões criadas pelas tecnologias da quarta revolução industrial merece, porém, destaque aquela que se poderá designar em português por engenheiro, cientista ou analista de dados (traduções sempre desconfortáveis dos originais em inglês: data engineer, data scientist e data analist), descrita pela Harvard Business Review em 2012 como “a mais sexy do século XXI”. Mas o que é um engenheiro de dados e, exactamente, o que faz? É uma pergunta de difícil resposta, porque esta área é, por inerência, multidisciplinar e multifacetada. Genericamente, um engenheiro, ou analista, de dados tem como função principal extrair valor dos dados disponíveis numa empresa, instituição ou serviço. Para tal, deve ter a capacidade de compreender as questões que têm de ser respondidas, processar e estruturar os dados por forma a poderem ser analisados, e, por fim, executar as análises estatísticas e tirar as inferências necessárias para extrair conhecimento dos dados. Um dos casos mais paradigmáticos desta abordagem teve lugar em 2002, numa loja da empresa de distribuição Target, em Minneapolis, EUA. A empresa guardava registos das aquisições dos clientes e foi pedido a um analista, graduado em Estatística e em Economia, que tentasse identificar, com base no historial de compras, se uma cliente estava ou não grávida. A análise dos dados demonstrou que existiam padrões de compras que permitiam efectivamente prever, com grande precisão, se uma cliente estava grávida. Por exemplo, a aquisição de loções hidratantes acentuava-se marcadamente no segundo trimestre de gravidez, assim como a aquisição de suplementos de cálcio, magnésio e zinco. Este caso tornou-se conhecido, porque, com base nesta análise, a loja começou a enviar coupons de produtos para bebés às clientes identificadas como estando grávidas, aumentando as vendas, mas causando também alguns efeitos colaterais. O episódio mais divulgado teve lugar quando um pai irado apareceu na loja, perguntando a razão por que tinham enviado à sua filha adolescente cupões para berços e roupas de bebés. O gerente desculpou-se profusamente e até ligou uns dias mais tarde para reforçar o pedido de desculpas, mas foi atendido por um pai consternado que se desculpou pelo comportamento anterior e lhe disse que a filha estava efectivamente grávida e iria ter um bebé no mês de Agosto seguinte. Este episódio, e outros semelhantes, levaram a que a loja passasse a disfarçar o envio de coupons para mulheres grávidas, juntando-os a outros coupons mais genéricos, mantendo assim o efeito positivo nas vendas, mas reduzindo as complicações. Se ignorarmos as questões éticas subjacentes, este caso particular ilustra a abordagem geral que um engenheiro de dados deve ter para extrair valor da informação existente. Com base no historial e no conhecimento do negócio, os dados são transformados e analisados, por forma a revelar padrões de comportamento que são úteis para a definição de políticas de actuação. Esta abordagem pode ser usada em praticamente todos os domínios da economia e da sociedade e penso ser útil sugerir, a título meramente exemplificativo, algumas áreas de aplicação que são de interesse nacional, nas áreas do território, mobilidade, saúde e recursos naturais. Uma análise estatística das ocorrências de incêndios em Portugal poderá permitir determinar quais os factores que aumentam o risco de incidente e/ou de propagação descontrolada do mesmo. Será o factor mais importante o tipo de árvores plantadas (nomeadamente os eucaliptos), a topografia do terreno, a inexistência de quebra-fogos, a demora na resposta dos bombeiros ou a hora da deflagração? A análise dos dados acumulados que, tanto quanto sei, nunca foi feita, poderá dar importantes informações sobre as políticas a seguir no futuro. A análise dos dados de ocupação e mobilidade de uma grande cidade, como Lisboa, poderá permitir determinar quais as acções a tomar para reduzir a congestão e a poluição, através do controlo dos semáforos, horários dos transportes públicos e restrições ao tráfego. Este é, aliás, um dos objectivos do Portal de Dados Abertos de Lisboa, que disponibiliza aos potenciais interessados um manancial cada vez maior de informação sobre a cidade, que poderá ser transformada, por engenheiros de dados, em políticas de actuação com valor económico e social. A análise integrada da informação disponível em bases de dados da área da saúde poderá ajudar a tornar mais eficaz o sistema, reduzindo os custos e melhorando a qualidade do serviço. Para tal será necessário integrar muitas bases de dados diferentes, e também criar algumas novas, mas o valor acrescentado deste tipo de informação é, potencialmente, enorme, como já foi demonstrado por numerosos países e estados, entre os quais o estado de Nova Iorque, como já aqui referi numa anterior crónica. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. A aplicação de técnicas preditivas aos dados históricos da pesca de espécies com valor económico poderá permitir detectar padrões relevantes que permitam optimizar a captura e assegurar a sustentabilidade das reservas piscícolas, um recurso essencial para o futuro do país. Este conjunto, necessariamente limitado, de exemplos permite perceber a razão pela qual um engenheiro (ou analista) de dados é, idealmente, uma pessoa com uma formação muito variada. Para além da uma sólida formação em estatística, em inteligência artificial aplicada à análise de dados (especialmente aprendizagem automática e inferência) e em computação, um analista de dados precisa de conhecimentos do domínio que lhe permitam dirigir a análise. Para os exemplos que dei atrás serão particularmente valiosos analistas de dados com formação de base em Agronomia ou Engenharia Florestal, Engenharia de Transportes, Gestão de Sistemas Hospitalares e Ciências do Mar. Mas, naturalmente, estas áreas são apenas exemplos de aplicação, a lista é quase infindável. Face às necessidades do mercado e tal como já acontece com muitas outras escolas e universidades, o Instituto Superior Técnico identificou a necessidade de passar a oferecer formação específica nesta área. Assim, a partir de 2019, irão ser oferecidas formações em Engenharia e Ciência de Dados, ao nível executivo e de formação profissional avançada, incluídas na iniciativa Técnico+, que integrará toda a formação de curta duração do IST. Existe também o plano para oferecer um curso de mestrado nesta área, mas tal só acontecerá quando o IST conseguir convencer a Agência de Avaliação e Acreditação do Ensino Superior (A3ES) de que uma formação flexível nesta área, acessível a partir de diversas formações básicas e sem pré-requisitos demasiado específicos, é relevante e do interesse do país.
REFERÊNCIAS:
Entidades EUA
Atividade física, exercício ou desporto?
Em 1975 falava-se em incentivar o "desporto para todos". Hoje promovemos a prática de "atividade física", em todas as suas formas. O que aconteceu entretanto? (...)

Atividade física, exercício ou desporto?
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 Mulheres Pontuação: 2 | Sentimento 0.0
DATA: 2018-10-19 | Jornal Público
SUMÁRIO: Em 1975 falava-se em incentivar o "desporto para todos". Hoje promovemos a prática de "atividade física", em todas as suas formas. O que aconteceu entretanto?
TEXTO: Sobretudo para quem nasceu antes de 1980, a expressão “vou fazer desporto” servia para tudo o que tinha a ver com fazer atividade física. Nos anos 70 do século XX apareceu na Europa e também em Portugal o movimento “desporto para todos”, que procurava generalizar a prática desportiva a todas as pessoas, de todas as idades. Nasci em 1970 e lembro-me de ter na parede do meu quarto de criança autocolantes deste movimento, que o 25 de abril também ajudava a democratizar. Lembro-me, por exemplo, dos que tinham crianças e avós em brincadeiras ativas. E recordo especialmente o cartaz de uma menina com tranças e sorriso na cara, a praticar um salto de cavalo por cima das costas de um menino. Tudo isto era desporto. Entretanto, vieram os anos 80 e com ele o jogging, presença frequente nas séries de TV, normalmente com atores de calção curtinho e meia branca. E logo a seguir a Jane Fonda e com ela o fitness, com a perneira colorida e o elástico para o suor na testa — que John McEnroe (curiosamente um desportista) imortalizaria. E assim começava a divulgar-se para a população a ideia de fazer exercício físico. Na altura, algo como um “desporto” que se fazia para melhorar a saúde ou a aparência. Mas que, na verdade, já não era desporto como tradicionalmente definido. Paralelamente, a prática dos desportos tradicionais crescia muito nos anos 70 e 80, bem como a procura de locais e oportunidades para todos o praticarem, sobretudo crianças e jovens. Foi notável a iniciativa de clubes desportivos e recreativos, que expandiam a oferta de equipas de futebol, basquetebol, voleibol e andebol, mas também da prática de natação, judo, rugby, ténis e das várias ginásticas. Para quem vivia em Lisboa ou na linha de Cascais, instituições como o Ginásio Clube Português ou o Sport Algés e Dafundo foram marcantes em vários destes desportos, mesmo com presenças Olímpicas. Infelizmente, estes dois clubes são ainda hoje exceções de um setor – o movimento associativo representado pelo clube desportivo local – que foi perdendo o fulgor de outrora. Pese embora iniciativas recentes para o apoiar. No espaço público, bem como em “fatia de mercado” e representatividade social, o desporto tradicional perdeu terreno para as novas e várias formas de exercício físico e, em poucos anos, muitos dos clubes desportivos locais parecem ter-se transformado em clubes de fitness. Contudo, é de destacar a semelhança entre o propósito do "desporto para todos" dos anos 70 e a corrente do exercício físico das décadas seguintes: melhorar o bem-estar dos cidadãos através do movimento físico. De facto, tanto o desporto tradicional como o exercício estruturado (ex. atividades de fitness) podem promover a saúde. Tal como a dança, a caminhada, qualquer brincadeira ativa, subir escadas, fazer ginástica de grupo, ou ir para o emprego ou para a escola de bicicleta. Hoje sabemos que todos são importantes para um país que se quer mais ativo. Surgiu assim a necessidade de uma expressão que reflita o facto de todas as formas de movimento humano serem potencialmente benéficas para a saúde, mas também úteis para o desenvolvimento social e económico. A adoção da designação "atividade física" cumpre esse critério e é por isso hoje consensual e universalmente abrangente. É adotada por todos os países e instituições governamentais internacionais, também como uma meta para que se atinjam os Objetivos para o Desenvolvimento Sustentável do planeta em 2030. Aliás, a fotografia deste artigo é reflexo da perceção de que o termo "desporto" não serve para caracterizar o que fazem estas pessoas. A novidade é que "exercício físico" também não!Uma analogia pode ser útil: "atividade física" é como "alimentação". É para todos, pois todos nos mexemos no dia-a-dia, tal como todos nos alimentamos diariamente (uns mais, outros menos; uns melhor, outros pior). Atividade física inclui todas as formas de motricidade humana, tal como alimentação inclui todos os comportamentos alimentares (de beber água da torneira a saborear um prato confecionado). E inclui também tudo o que é necessário para lá chegar: ir ao ginásio, escolher usar mais as escadas no dia-a-dia – ou comprar alimentos e preparar uma refeição para a família. São ambos termos abrangentes, como chapéus de sol grandes que, no seu território, incluem tudo sob a sua sombra. Já "desporto" é assim como a restauração (e juntamos a culinária para ajudar à analogia). Em ambos os casos, precisam de um local próprio para se “praticarem”; ambos têm regras próprias (vinagre na mousse de chocolate não funciona!); e nem sempre fazem bem à saúde, como demonstra a ocorrência de lesões graves em desportistas e as calorias (tantas vezes excessivas) da dita mousse. Embora atividade física e alimentação sejam acessíveis a todos, ambas comportam elementos de exclusividade, como são disso exemplo o atleta de alta competição ou o superchefe com estrela da marca de pneu. É importante não esquecer que tanto o desporto como como a culinária/restauração, sendo atividades e setores bem circunscritos, apresentam características que os tornam insubstituíveis e bens a proteger para a sociedade como um todo: são fonte (e expressão) de educação, cultura e tradição, em ambos os casos com uma história longa e rica. E o exercício, onde fica na analogia? O exercício físico é como uma dieta ou plano alimentar. Um como o outro não são para todos, mas para quem precisa. Têm uma finalidade específica – geralmente proteger ou melhorar algum aspeto da saúde – e ambos contêm princípios técnicos e científicos que fazem com que devam ser prescritos e supervisionados por profissionais diferenciados, para garantir que são seguros e eficazes. Pelo contrário, a atividade física e a alimentação saudável devem ser recomendados por todos e dirigidos a todos. Faria sentido Portugal ter um Programa Nacional para a Promoção da Dieta (qualquer que fosse)? Não. Tal como não faz sentido existir um Programa Nacional para a Promoção do Exercício. E é por isso que não existe. Conclui-se que a atividade física pode ser exercício físico, pode ser desporto, mas pode também ser algo que fazemos de outras formas. Estas especificidades são importantes porque se traduzem em diferentes opções para uso do tempo e dos nossos recursos (pensando no cidadão) mas também diferentes opções políticas e económicas (pensando na população). Embora exista uma relação, dizer que devemos promover o desporto, mesmo que "para todos", é diferente de dizer que devemos incentivar a atividade física. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Assim, fará sentido que o Estado tenha simultaneamente um Programa Nacional para a Promoção da Atividade Física (como tem o Ministério da Saúde, através da Direção-Geral da Saúde) e um Programa Nacional de Desporto para Todos (como tem o Ministério da Educação, através do Instituto Português do Desporto e Juventude), mesmo quando existe uma Lei de Bases da Atividade Física e do Desporto que claramente diferencia os dois setores de atividade?Faz, porque promover o desporto e valorizá-lo socialmente é um objetivo com elementos comuns mas outros diferentes do de termos uma população mais ativa. Faz, porque envolve mais recursos e mais agentes na promoção da atividade física, desportiva e não-desportiva, abrangendo assim mais contextos de atividade e chegando potencialmente a mais pessoas. Faz, mas apenas se todos os programas, e todos os agentes envolvidos, convergirem naquilo que os une – a promoção da saúde, bem-estar e o desenvolvimento dos cidadãos e do país – à semelhança do que acontece nos melhores exemplos internacionais (ex. , o Reino Unido) e não instrumentalizarem a sua ação para fins demasiado setoriais ou vincadamente políticos. Faz, se existirem plataformas intersetoriais onde as metas para promover a atividade física (de todas as formas) sejam discutidas e os processos para lá chegar sejam articulados sendo assim muito mais eficazes. E faz, se aceitarmos que os desígnios do país – bem como o uso da melhor terminologia – não podem estar isolados dos desígnios internacionais que instituições como a Comissão Europeia, a Organização Mundial da Saúde, ou mesmo o Comité Olímpico Internacional definem atualmente – e no topo estão o desenvolvimento sustentável do planeta e uma vida com saúde para todos. Felizmente, na promoção de (todas as formas de) atividade física, Portugal tem uma equipa cada vez mais unida, joga hoje ao ataque e recentemente marcou um daqueles golos que ficam na memória!
REFERÊNCIAS:
No parque do Kastelo, a alegria das crianças é sentir o vento e a água no corpo
O Kastelo, o único centro do país de cuidados continuados para crianças com doenças crónicas, ganhou um parque com muita água para os que não podem ir aos parques aquáticos tradicionais, porque estes não estão adaptados às suas necessidades. A inauguração é esta quinta-feira. (...)

No parque do Kastelo, a alegria das crianças é sentir o vento e a água no corpo
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 Mulheres Pontuação: 2 | Sentimento 0.8
DATA: 2018-08-31 | Jornal Público
SUMÁRIO: O Kastelo, o único centro do país de cuidados continuados para crianças com doenças crónicas, ganhou um parque com muita água para os que não podem ir aos parques aquáticos tradicionais, porque estes não estão adaptados às suas necessidades. A inauguração é esta quinta-feira.
TEXTO: Não há escorregas nem piscinas ou canoas que andam em carris a alta velocidade. Mas “Gabi” não se importa. Nem ele nem os outros miúdos para quem a água que agora jorra no jardim do Kastelo é mais do que suficiente para os fazer sorrir. “Enfermeira Teresa, por que é que o parque se desligou?”, repara “Gabi”, mal os repuxos de água param. “Gabi” ou António Gabriel Ferreira Pinto — foi ele quem se apresentou assim — tem cinco anos e é um dos 23 meninos que o Kastelo, em Matosinhos, o único centro do país de cuidados continuados para crianças com doenças crónicas, acolhe no momento. “Gabi” foi saudável até aos três anos, mas uma infecção, cuja origem ainda é desconhecida, atingiu-lhe toda a parte motora. Já foi ao banho no novo (e único) parque lúdico de aparelhos aquáticos, adaptados a crianças com mobilidade física muito reduzida, que o Kastelo vai inaugurar esta quinta-feira. Tê-los debaixo de água e sentir-lhes a alegria faz, por momentos, esquecer — a eles e a nós —, as limitações que os tornam diferentes e lhes vão diariamente complicando a vida. Há uma semana e meia que Teresa Fraga, a directora técnica, enfermeira especializada em cuidados intensivos pediátricos, que pôs este Kastelo de pé, diz que ali se faz história. "Faz-se história porque crianças ligadas a um ventilador podem agora frequentar um parque diariamente". É o caso de “Gabi” e de Albino que não vivem sem ajuda para respirar. O parque fica nas traseiras do edifício principal, rodeado de um enorme jardim, uma horta, uma quintinha com ovelhas, numa área plana onde é fácil levar as crianças de cadeira de rodas e pô-las debaixo da água. E fica junto a umas grandes tílias que lhes dão a sombra que precisam depois do banho. A água jorra por repuxos que saem do chão, ou por equipamentos mais elevados, que permitem que os meninos e meninas que conseguem pôr-se de pé possam lá andar por baixo. “O importante aqui é o lazer, a estimulação sensorial, a reabilitação e, claro, a brincadeira”, nota Teresa Fraga. A construção de um parque aquático no centro até nem estava nos planos da directora. Mas um dia, no Verão do ano passado, mostraram-lhe uma notícia sobre a abertura de um parque aquático no Texas para crianças com deficiência. Trata-se do Morgan’s Inspiration Island, na cidade de San Antonio, no Texas. Abriu em Junho do ano passado e é o primeiro parque aquático no mundo pensado para receber crianças com problemas de mobilidade. Oferece, por exemplo, cadeiras de rodas impermeáveis, tem um sistema de controlo da temperatura de água, para que quem tem sensibilidade ao frio possa usufruir de todas as actividades, tem áreas silenciosas para pessoas sensíveis ao ruído e pulseiras que localizam crianças que se percam. Leu o artigo, contactou uma associação americana envolvida no projecto, e chegou à conclusão mais óbvia: era "importantíssimo" que estes meninos tivessem a oportunidade de estar num parque com água como aquele. A partir daí, reuniram-se grandes doses de persistência para pôr de pé esta obra. Com a campanha “70 Mecenas no Kastelo”, um evento de angariação de fundos, angariaram 70 mil euros, que cobriram metade do investimento ali feito. “Para já, é o suficiente para estas crianças”, diz Teresa. Foi mais um passo para tornar a vida destes miúdos o mais próxima possível da dos meninos mais saudáveis. “Para as crianças foi dar-lhes qualidade de vida, aumentar-lhes a esperança e fazer com que elas se sintam iguais a outras crianças consideradas saudáveis”, sublinha. O Kastelo não quis que estas novas valências ficassem apenas reservadas a quem é utente do centro. Por isso, aos sábados e domingos durante a tarde, de Maio a Setembro, as portas vão estar abertas a quem quiser usufruir do espaço. Terá o custo de cinco euros por família. Enquanto esperam por entrar na água, estão atentos à banda que ensaia a apresentação para a inauguração. E “Rafa” está desejoso por entrar na água, diz Teresa, que já lhe conhece as manhas de ginjeira . Rafael tem cinco anos, ainda que a idade aqui seja um mero número e não conte muito para o acompanhamento que é feito a estas crianças. “Nós não funcionamos com a idade, é mais com as competências que eles apresentam”, diz Raquel Pereira, 24 anos, a terapeuta ocupacional que o acompanha. “Rafa” tem um traumatismo cranioencefálico. Teve um desenvolvimento normal até cerca dos dois anos, mas depois um acidente deixou-o com dificuldades na mobilidade e sem expressão. Nos últimos meses, sublinha Raquel, tem mudado muito. “Já é possível perceber o que ele gosta, o que não gosta”. O trabalho de Raquel é expor estas crianças aos diferentes estímulos do meio ambiente, trabalhar a parte sensorial. A ocupação delas é brincar, por isso, parte da avaliação que lhe é feita, tem em conta a forma como o fazem. “Muitas destas crianças nunca tiveram experiências como outros meninos da sua idade”, repara. O parque aquático acaba por ser diferente nisso, ao dar-lhes oportunidades que eles nunca tiveram. “O importante é mesmo a qualidade de vida, o relaxamento, o conforto”, nota. O trabalho que é feito pelos profissionais deste centro acaba por ser muito multidisciplinar. “Aqui trabalhamos muito em equipa. Nota-se muita diferença dos outros sítios por causa disso. Acaba por ser a nossa família também, como se fossem os nossos primos, os nossos filhos”, sublinha a terapeuta. Neste momento, o centro acolhe 23 crianças, das quais 20 (dez internadas e dez em regime de ambulatório) estão ao abrigo da Rede Nacional de Cuidados Continuados Integrados, e três são particulares. Têm doenças metabólicas e neuromusculares, paralisias cerebrais, traumatismos cranioencefálicos e doenças auto-imunes. Rodrigo, de nove anos, tem uma paralisia cerebral, que o faz ter uma mobilidade mais reduzida. Entrou no ano passado para o centro, e o progresso tem sido lento, mas Rodrigo "tem ganhado algumas coisas". Já é capaz de dar alguns passos com ajuda, explica Helena Teixeira, 25 anos, fisioterapeuta enquanto o põe na água e começa a trabalhar-lhe as coxas para que ganhe mais mobilidade e seja “mais eficaz na marcha”. As primeiras vezes que começaram a trabalhar no chão ele resmungava muito, conta. Não havia riso para ninguém. Mas assim, sob a água, nem parece que estão a trabalhar, nota a técnica. “Para todos os profissionais foi uma aprendizagem e uma maneira de eles evoluírem e crescerem. De aprenderemos todos a gerirmos as nossas emoções, porque não é fácil trabalhar aqui. Nunca sabemos quando a doença crónica nos pode acontecer”, diz Teresa. Teresa Fraga, de 55 anos, já viu “muito sofrimento, muito desespero” nos corredores do hospital. Enfermeira especialista, sempre trabalhou nos cuidados intensivos neonatais e pediátricos em hospitais do Porto. Um dia, conta como uma mãe a marcou. O filho nascera “com problemas gravíssimos” e os pais, ambos com 21 anos, não tinham onde o colocar. “Foi um desespero”, recorda. Quando passava em frente da casa onde hoje é o Kastelo, em São Mamede de Infesta, dizia para si muitas vezes: "Se me saísse o Euromilhões, comprava esta casa para criar aqui uma instituição para as crianças com necessidades especiais. Para ajudar as mães a ter mais qualidade de vida". O certo é que a 24 de Junho de 2016, mesmo sem Euromilhões, conseguiu abrir as portas da primeira unidade de cuidados continuados e paliativos pediátricos do país e na Península Ibérica, diz a sua fundadora. A associação Nomeiodonada, à qual Teresa preside, transformou um antigo palacete num centro que quer dar a meninos com doenças graves e incuráveis, alguns em fase terminal, uma vida o mais normal possível, reduzindo o tempo que somam fechados em hospitais. Além de dirigir o Kastelo, Teresa ainda trabalha nos cuidados intensivos pediátricos no Centro Hospitalar do Porto. "Também não podemos perder aquela mão, aquele traquejo para ajudar estes meninos". Com ela, trabalham 34 profissionais ali no centro, entre terapeutas, o professor e a educadora, a psicóloga, a assistente social, auxiliares e enfermeiros. O centro tem capacidade para 30 crianças. Desde a abertura, já apoiaram cerca de 70 que chegaram de Beja a Mirandela. O trabalho que é ali desenvolvido valeu-lhe um lugar entre os quatro finalistas portugueses (a par do Instituto “i3S”, do Centro de Negócios do Fundão e do Museu do Património da Vista Alegre) dos Prémios RegioStars, atribuídos pela Comissão Europeia, e que visam destacar projectos originais e inovadores apoiados por fundos europeus. Os vencedores serão conhecidos a 9 de Outubro. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Teresa Fraga costuma dizer que "sentir o vento é sinal de liberdade, de que não se está fechado". Por isso, ali a criança só usa o quarto para dormir à noite. Não estão acamadas. Vão circulando, mesmo os que precisam de ajuda para respirar. Aqui, não há limite para a felicidade das crianças. “Basta vê-los que ficamos logo satisfeitos. Eles acabam sempre por nos ensinar muita coisa”, diz a enfermeira. Estas crianças são diferentes, têm mais esperança. O “Gabi” costuma dizer que um dia ainda vai andar, correr. Não sabe se tal será possível ou não, mas a esperança mantém-se nele. A filosofia do Kastelo “é dar vida aos dias das crianças e não dias à vida”. Que vivam intensamente cada dia, já que o futuro deles é o agora. Que vivam sempre com a alegria de poder sentir o vento e a água a bater-lhes no corpo.
REFERÊNCIAS:
Palavras-chave filho ajuda social criança doença corpo
O riso de Agustina
A história de Agustina Bessa-Luís é a história de uma figura iconoclasta. Mesmo depois de a saber, e até de a compreender, não se acredita que exista uma criatura assim. Adentrámo-nos nesta estranheza pela mão da filha, Mónica Baldaque. Entrevista de Anabela Mota Ribeiro (...)

O riso de Agustina
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 Mulheres Pontuação: 2 | Sentimento 0.0
DATA: 2019-06-06 | Jornal Público
SUMÁRIO: A história de Agustina Bessa-Luís é a história de uma figura iconoclasta. Mesmo depois de a saber, e até de a compreender, não se acredita que exista uma criatura assim. Adentrámo-nos nesta estranheza pela mão da filha, Mónica Baldaque. Entrevista de Anabela Mota Ribeiro
TEXTO: “Esta é a minha história que a memória abreviou. . . ”, escreve Agustina Bessa-Luís na sua autobiografia. Uma história em que são protagonistas um pai jogador que vivia entre a presa e o predador, uma mãe que repetia provérbios, uma figura inverosímil de quem herdou o espírito aventureiro, o avô Lourenço. Os gregos diziam que Eros tinha duas setas diferentes, uma de chumbo e outra de ouro. A pessoa atingida pela primeira sofria a paixão, a pessoa atingida pela segunda era o objecto da paixão. Eram duas formas de a paixão ser vivida. O que há de mais enigmático na natureza humana parte daí. ” E qual é a paixão de Agustina? “Começa por ser eu própria. Não posso viver sem essa paixão, que não tem outra significação senão a aliança profunda com a vida humana. ” Agustina, a enigmática, diz coisas que iluminam o coração da vida. Isto que acabaram de ler, disse-o perante uma plateia, em Serralves, em 2003. Disse-o como quem escreve páginas de um romance, revelando uma vontade indómita, cosida com a raiz da existência. Escritora amada, Agustina Bessa-Luís pertence à categoria dos que transformam a sua idiossincrasia num elemento reconhecível por todos (mesmo pelos que não a leram ou conhecem de perto). Como é o mundo agustiniano? É sem catalogação possível, pasmoso, livre. Esta semana, Agustina faz 92 anos. Este ano, passam 60 anos sobre a edição d’ A Sibila. Nos dias 14 e 15, discute-se na Gulbenkian a Ética e a Política na sua obra, no primeiro congresso internacional dedicado à autora organizado pelo Círculo Literário Agustina Bessa-Luís (www. clabl. pt). A obra continua a ser reeditada (Os Incuráveis é a peça mais recente). A conversa com a filha, Mónica Baldaque, permite saber de uma mulher e de uma escritora. Que são uma, como se verá. Agustina está retirada desde 2006. Deixou de escrever. Como olharia para a maneira como olhamos para ela? Rindo-se. Seguramente. Como é que vamos apresentar Agustina? A genial?, a sem medo?, a perversa?, a barroca (assim lhe chamava Óscar Lopes)? Estes são alguns dos epítetos mais comuns. Todos lhe servem. O que é para além disso talvez não tenha definição. Verdadeiramente, aquilo que ela é está no riso. No riso?É uma das características fundamentais da minha mãe, da vida dela e do estar dela com os outros. O riso não tem que ver com a troça. Tem que ver com um segredo, com o mistério, com o estar numa outra dimensão. Há um provérbio judaico que diz: “O homem pensa, Deus ri. ” Acho que aí a minha mãe está perto de Deus. O riso dela é como se fosse o riso de Deus. O riso de quem tudo vê? E que compreende, engloba a totalidade do que vê. Sim, sim. E de quem sente uma harmonia em relação a tudo. Nas coisas triviais, o que é que a fazia rir? Num plano mais imediato, fazia-a rir o absurdo. Situações absurdas. A resposta de um taxista, um comentário de uma pessoa na rua. A par do riso, vinha a nota, o explorar a situação na escrita. Ocorre-lhe uma situação absurda de que tenha tirado prazer e riso?Era tão constante. . . A minha mãe tinha uma modista de quem gostava muito e onde ia frequentes vezes. Essa modista, que era uma mulher muito Porto, de classe média, tinha um neto com um atraso ligeiro. Muito mentiroso. Uma vez, a avó estava muito preocupada porque ele nunca mais aparecia. A certa altura aparece com ar tranquilo. A avó, aflita: “Onde é que estiveste?” Ele explica, virado para a minha mãe: “Aconteceu-me uma coisa muito estranha. Vinha para cá e vinha um senhor na minha direcção. De repente, o nó da gravata dele começou a desfazer-se. A gravata escorregou por ele abaixo e enfiou-se num bueiro. Fiquei a olhar para o senhor, o senhor a olhar para mim. Estávamos sozinhos na rua — o que era absurdo, porque era a Rua de Cedofeita — e tentámos tirar a gravata do bueiro. Não conseguíamos, e começou a vir gente que estava às janelas. Perdemos este tempo todo e não conseguimos tirar a gravata, avó. ”Foi um delírio. A minha mãe divertiu-se imenso com esta história. Gostava imenso de ir à modista para que esta lhe contasse histórias do neto. Portanto, o que contradiz a pompa, o que escangalha o composto, a vitalidade das pessoas comuns, a sua imaginação sem rumo — tudo isto a prendia. Sim. No inconsciente, [o rapaz] achou que a minha mãe seria a interlocutora ideal para uma história absurda como aquela. Acho que chegou a escrevê-la. Voltemos às definições iniciais: a sem medo. N’O Livro de Agustina, escreve: “Aos três anos, em Espinho, eu saí do hotel, sozinha, com um vestido de voile azul-claro e um ar de grande aventura. Tenho ainda essa aspiração de caminhar sem rumo, dizem que é um fio de epilepsia. Talvez seja. Talvez a liberdade seja um sintoma epiléptico. ”A relação com o medo. . . A mãe herdou isso, como eu herdei, e os meus filhos herdaram, da família. A sensação de ter medo — dos outros, de alguma coisa, de uma situação — foi coisa que nunca existiu. Estava completamente banida. É na família que a minha mãe pega. Diria que em quase todos os livros aparece alguém. Utiliza-os como figuras que estão guardadas na caixa e que vai buscar, de vez em quando, para fazer este papel, e aquele e aquele. Como é isso possível, ainda mais numa sociedade amedrontada como a nossa? Temos medo de pessoas, do futuro, da guerra, do concreto e do inconcreto. Penso que essa ausência de medo vem de uma segurança que a pessoa tem em relação a si própria. Com a certeza de dominar o que quer que seja. Sentia isso no meu avô, no pai da minha mãe. O pai é uma figura fundamental na vida de Agustina. Tem a certeza de que pode dominar um cataclismo. De onde lhe vinha essa confiança?Em primeiro lugar, era um jogador. Agustina diz que o pai lhe paga a edição d’ Os Super-Homens, “não porque acreditasse muito nela, mas porque não perdia a ocasião de apostar num provável vencedor”. Era um grande jogador. Depois era um aventureiro. Um homem que saiu de Portugal criança, com 12 anos. Foi para o Brasil, para fazer fortuna. Foi à aventura e aguentou-se. O que contava da experiência no Brasil era muito pouco. Imaginamos o que não terá vivido por lá. . . O que é que imaginavam? A sua mãe falava disso? Ela queria saber o que tinha sido essa vida no Brasil?Pouco. Deve ter passado maus bocados. Foi trabalhar com um tio, muito pouco tempo. Rapidamente se desinteressou. A vocação dele era jogar. Tudo o que pertence a esse mundo, com certeza não é o mais saudável, o mais honesto. Nunca ouvi da sua mãe um juízo sobre a vida do pai no Brasil ou sobre o seu passado mais dúbio. Nunca houve em ninguém. O avô da minha mãe acedeu a que a filha casasse com esse homem, sabendo da vida dele, e aceitando com gosto que entrasse para a família. O avô é uma personagem, e de que maneira! A minha mãe pega nele n’Os Incuráveis (que saiu agora, em reedição). A grande figura da família é ele, o avô Lourenço, que era um homem do Douro. O pai (da minha mãe) era de Amarante. A gente de Amarante era muito valente. Grandes jogadores de pau. O Zé do Telhado foi mestre de pau do avô Lourenço. Tinha um pé, sempre, fora da lei. Um bocadinho. Só o bastante para lhe dar um certo entusiasmo. Esse pé fora da lei dava-lhes uma graça romanesca. Pai e avô parecem personagens de romances de meninas bem comportadas, que arrebatam e insubordinam a ordem estabelecida quando chegam — na transgressão. É. [riso]Do lado da sua avó materna, a família era mais regular. Sobre o encontro da mãe e do pai, lê-se n’O Livro de Agustina: “Há uma cena num filme de Manoel de Oliveira, o Vale Abraão, em que um desconhecido, num restaurante, lhe oferece um prato de figos. Foi assim que meu pai abordou a jovem Laura, que estava vestida de preto, não por luto mas por promessa. ”Fui muito criada com a minha avó. Sobretudo depois de ela morrer, fui refazendo muitas das suas atitudes. Acho que a minha avó fingiu muito, toda a vida. Fingiu! Senão, porque é que casou com um homem daqueles? Alguma coisa a leva a escolher isso. Devia casar com um advogado, um engenheiro, um homem mais certo. De resto, teve essa oportunidade. O grande gosto da vida dela teria sido ser actriz. Em criança e adolescente, representava, dizia poemas. Claro que foi reprimida pelos pais porque isso tinha uma conotação muito duvidosa. Agustina fala muito do gosto que tem pelo music hall, por ver as bailarinas enfileiradas. Ela mesma queria ser bailarina. E tinha uma paixão pelo cinema. Mas não sabia do gosto da mãe pela representação. A mãe e a tia. Essa tia ficou sempre solteira. Era uma mulher excêntrica. A minha mãe retrata-a numa série de livros. Era espanhola, como a minha avó, e tinha atitudes incríveis, que divertiam toda a gente. Por exemplo, ia às mesmas modistas da irmã. Modistas caras. Vestiam muito bem. Quando chegavam a casa, a primeira coisa que essa tia fazia aos vestidos era cortar-lhes as mangas. E andava assim, com aquilo esfarrapado. Estou a ouvi-la falar dessas pessoas e percebo que Agustina é uma síntese de todas essas criaturas, singulares, não conformes. Por outro lado, faz deles uma matéria-prima privilegiada para os romances. Os personagens dos livros, mais do que tudo, são a família?Sim, é na família que a minha mãe pega. Diria que em quase todos os livros aparece alguém. Utiliza-os como figuras que estão guardadas na caixa e que vai buscar, de vez em quando, para fazer este papel, e aquele e aquele. Utiliza-os na escrita com uma sofreguidão de vampiro. Diz na autobiografia: “Escrever, entrar no coração das pessoas, beber-lhes o sangue, avançando sempre, criando enredos e fazendo saltar os personagens das páginas. Há pouca gente que percebe que escrever é uma espécie de danação em que às vezes se têm encontros com Deus. ” Quem foram as pessoas a que recorreu mais e que transformou em personagens?A mãe dela. A tia. O pai. Imensas vezes. O avô Alfredo, inúmeras vezes. O tio, irmão da mãe. Foi uma pessoa que ela adorou e que morreu jovem. Há uma carta que ele escreve à minha mãe (ela tinha 12 ou 13 anos) de Moçambique, onde estava a trabalhar como engenheiro: é assombrosa. Falava de quê?Em todas as cartas que escreveu, e escreveu muitas, sobretudo à irmã (minha avó), falava do país, da vida, das pessoas. O gosto pela escrita na minha mãe vem também do tio e do avô. O avô Lourenço escrevia com pretensões. Vemos isso no diário que deixou. Há nele uma escrita e uma intenção peculiares; e uma vontade de que aquilo venha a ser lido pelos descendentes. Morreu quando a minha mãe tinha três anos. Como foi tão forte a marca dele se conviveram tão pouco?Ele morreu, mas dá-me a impressão de que permaneceu. A memória do que foi a vida dele chegou até mim. Qual é o essencial da história do avô Lourenço, que fascinou tanto a sua mãe?Ela lembra-se de ter subido para a cama dele, onde estava doente. Mas não pode lembrar-se de mais. Foi um homem que teve uma vida no Douro, numa terra pequenina. Estudou. O pai morreu quando ele tinha 13 anos. Herdou uma fortuna, à época grande, que estourou em muito pouco tempo. A minha mãe nunca se entendeu a si própria como uma personalidade resolvida. Estou a dizer-lhe isto a partir da leitura de cartas que tenho feito. Cartas à mãe dela. Sempre escreveu à mãe de uma forma que não é muito normal. Era como se escrevesse a si própria. Estourou em quê?Estroinices. Mulheres, jogo?Jogo, não. Não era dado. Em negócios que não resultaram. Em viagens. Gastou de uma maneira pouco previdente. Entretanto, teve um padrasto porque a mãe casou de novo. Era um intelectual, que tentou que o enteado estudasse. Realmente consegue fazer o curso de Engenharia. Trabalha no Norte, em Espanha, em África. Casa uma primeira vez com uma mulher muito excêntrica, de Santa Comba Dão. Ao que dizem, rica. Tiveram dois filhos. O rapaz epiléptico, a rapariga tuberculosa. Casa uma segunda vez com a espanhola, a minha bisavó. E tem sempre uma vida e umas atitudes inesperadas. No dia em que vai para Lisboa para embarcar para África, a mulher está a dar um lanche às amigas, na casa do Douro. Ela recebe um telegrama a dizer que ele está a embarcar. E tudo isto é recebido com naturalidade. Pelos filhos, pela mulher. A vida continua. O marido viria, um dia. Havia essa liberdade que uns davam aos outros de ser como eram. Ninguém tinha medo de magoar o outro? É, muitas vezes, o que tolhe as pessoas, este afecto. Acho que não. Nunca se pensou nesses termos, magoar. “Ele é assim. ” Havia um respeito, acima de tudo. Um respeito pela individualidade, pela sua vontade. Total, sim, sim. Além de usar estes personagens, usa-se a si mesma? Em que livros Agustina está mais na primeira pessoa?Não como personagem central, mas, às vezes, sinto-o, Agustina aparece intrometida numa personagem. Dá a impressão de que aquela personagem não diria aquilo. É ela, Agustina, que está a dizer. Porém, há uma personagem que é ela do princípio ao fim. A Germa, d’ A Sibila. Essa é ela há 60 anos. É a mesma que foi sendo, pelos livros fora? Parece que Agustina é sempre Agustina, que estamos a lidar com as mesmas pessoas, os mesmos temas. Apesar dos sucessivos livros e de diferentes registos. Completamente de acordo. Depois, há obras que saem um bocadinho disso. O Vale Abraão, a Fanny Owen. No Vale Abraão estou a ver essas tias, figuras durienses. São pessoas de lá, que existiram, com quem Agustina teve convívio. De certo modo, são um prolongamento da família. A Fanny é uma história exacta, com aquelas pessoas, que existiram. As pessoas existem ou existiram sempre? Agustina repetia que não tinha imaginação. Existiram. Propriamente inventar, a partir de coisa nenhuma, não inventava. Vai buscar aquilo que acha que é traduzível em romance ao concreto. A teia principal é constante. O que é que apontaria como traços dominantes nesta manta?O que está sempre lá são as relações familiares. É uma constante e uma preocupação. Explorar até ao infinito essa dinâmica. E daí se compreende o fascínio por Freud, que leu, e a que voltou, recorrentemente, como quem lê um grande romancista. Freud, Jung, devorava. Devorava e estudava. Tentava compreender as pulsões? Ouvir o inconsciente?Sim. Nessa procura de entender a alma, ela estava sempre incluída. De uma forma discreta. A minha mãe nunca se entendeu a si própria como uma personalidade resolvida. Estou a dizer-lhe isto a partir da leitura de cartas que tenho feito. Cartas à mãe dela. Sempre escreveu à mãe de uma forma que não é muito normal. Era como se escrevesse a si própria. A mãe era um interlocutor seguro, que saberia ouvi-la. O que a minha mãe dizia caía num poço, não era comentado, não era censurado. Em que circunstâncias escrevia cartas à mãe? Em que períodos?Sempre. Toda a vida escreveu à mãe. Como quem fala. Como quem fala a pensar. Acho que a minha mãe não é uma pessoa que se ame. Reconhecemos nessas cartas a escrita, o olhar da Agustina? Podiam ser páginas de romance?Hum. Algumas, talvez. Há descrições que podiam fazer parte de um romance. Mas não era a intenção dela. A intenção era a de se centrar nela. Essas cartas aproximam-se mais do registo de um diário?Talvez. [Aproximam-se] do diário, da confissão. Confissão no sentido de tentar explicar a sua atitude perante muitas coisas. Não é uma confissão de uma culpa. É no sentido de uma entrega e da interrogação. Ela confessava-se à mãe sem biombos?Sem biombos. Foi uma correspondência que li há bastante tempo, não me lembro bem. . . Tudo isto está a ser objecto de trabalho sistemático por parte da Lourença [filha de Mónica e neta de Agustina]. Podia confessar a sua vulnerabilidade?A minha mãe, vulnerável?Agustina era vulnerável a quê?Verdadeiramente, a nada. [riso]Temos a ideia de que todos temos zonas de sombra e vulnerabilidade. Não consigo descobrir. A minha mãe, às vezes, era, não direi vulnerável, mas sensível à injustiça [de que era alvo]. Mas rapidamente transformava isso noutra coisa qualquer. Num vestido, numa carteira. Nem sequer isso [a injustiça] permanecia muito tempo. A relação de Agustina com a mãe é central. Mas esta parece ter uma rivalidade que não existe na relação, igualmente central, com o pai e o avô. Concorda? Não parece uma relação cúmplice. . . Acho que a relação mãe-filha, filha-mãe é das coisas mais misteriosas que há. É tão forte, tão violenta, tão inacessível o profundo dessa relação. É impossível definir por palavras. Cumplicidade é uma palavra que eu retiraria. Seja qual for a mãe, seja qual for a filha. É de uma relação superficial. A minha mãe tentou, tentou, trabalhou esse tema em toda a obra. Está para lá do amável, do compreensivo, do necessário. A obra em que senti que havia uma aproximação mais forte a esse tema é A Ronda da Noite. Foi o último livro que escreveu. Sinto que foi a despedida, consciente. Nunca a vi trabalhar com um esforço interior tão grande como na escrita desse livro. Havia uma entrega, uma ausência. . . A minha mãe sempre escreveu mantendo a disponibilidade em relação a toda a gente, à família, aos problemas domésticos. Nesse, não. Voltamos à Ronda mais tarde, quando falarmos da última etapa. Ainda em relação à mãe dela: a mãe rasgou o testamento do avô de Agustina dizendo que ela não precisava dele; já tinha a inteligência, que era o seu tesouro. Claro! [riso]Claro? O que isto pressupõe é a plena consciência, de todos, da inteligência prodigiosa de Agustina. Encarada como um dom. Mas o episódio traz-me a competição entre elas. Numa frase: será que Agustina se sentiu muito amada pela mãe? Admirada, sabemos que sim. O que é que eu acho? Acho que a minha mãe não é uma pessoa que se ame. Como?Não! Ela é de tal maneira uma força tão poderosa, tão poderosa, que nem em criança podia suscitar esse sentimento. Então suscita o quê? O espanto? A assombração?Suscita temor. Porque não se reconhece aquele objecto estranho?É. Inclusivamente a mãe dela. Havia uma cerimónia entre as duas. Também em relação aos amigos. Ao irmão. Até o pai. Sendo ele um homem tão independente e tão seguro, tinha uma cerimónia em relação à filha. Não tem que ver com amor. Por isso ela diz: “Nasci adulta, morrerei criança. ” Como criança adulta, não suscitava esse amor. Suscitava o desafio. Os outros sentiam-se desafiados pela sua presença. Presença, apenas. Nem era preciso mais. Isso manteve toda a vida. É muito impressionante o que diz. O que nos liga, em primeiro instância, é o amor. Mas no caso de Agustina parece que falamos de uma criatura que não obedece a nenhum destes critérios, a nenhuma destas regras de funcionamento. Foi assim que ela se habituou a olhar para ela mesma. Repare no amor, nas obras. Como é que ela o trata? Está-se sempre na iminência de um estado de amor. Mas está-se sempre na iminência de esse estado se transformar noutra coisa. Que vem a ser a coisa importante. Uma guerra. Um crime. Estou a lembrar-me da Fanny. O desenvolvimento [da história] conduz à morte dela, quase por vontade própria, à morte dele, também, porque não há outra saída. A morte traduz a falta de imaginação para resolver situações difíceis. Na Ema [Vale Abraão], como é que se resolve o amor? Com a morte dela. Como é que A Sibila resolve uma tentação de um estado de amor? Morre. O amor é sempre um empecilho. Ou um caminho para qualquer coisa. Um caminho. No caso de Agustina, essa outra coisa que é linda, para citar o poeta, nunca é o amor. Não, não é. Nunca descobri que essa outra coisa fosse o amor. E o sexo, que importância tem no universo de Agustina? O sexo é olhado como uma força geradora, animal, que não sabemos de onde vem. A sua importância reside no facto de ser um motor, um agente de mudança?Na vida familiar, o sexo não era referido como matéria relevante. Mesmo comigo, nunca houve uma atenção especial sobre isso. Embora eu sinta nos livros que aparece com um certo poder. Mas é sempre, também, transformável noutra coisa. Dá a impressão de que são passadas que a minha mãe dá. Depois varre e caminha em frente. O choro era uma coisa que não imaginava nela. E era completamente insensível quando me via chorar. Queria era afastar essa imagem de ao pé dela. Achava que era uma perda de tempo. Abordámos a ideia de Agustina estar pronta desde sempre, madura à nascença. O retrato que dá dela n’ A Sibila é prova disso. Esta ideia está também contida no aforismo que já citou: “Nasci adulta, morrerei criança. ” Há também uma famosa carta de Teixeira de Pascoaes que se refere à estreante Agustina como uma “escritora dotada do instinto do real” — o que poderíamos, ainda hoje, dizer. O que é que ela dizia acerca deste tema?Sempre sentiu que estava preparada, segura. Considerava isso um dom. E que tinha vindo ao mundo, a este tempo com um propósito. Mas que não se esgotava aí [nesse tempo]. [Nos estudos que temos feito], estamos na fase “Agustina e o inacabado”. É isso. A própria vida de Agustina é um inacabado. Tudo isto vai continuar. Tem outros capítulos. Os outros capítulos serão, por exemplo, uma exegese da sua obra?Não, serão ela própria, noutra galáxia. [gargalhada]Sempre teve a noção de ser imortal? De resto, numa entrevista, falando do post-mortem, disse: “Nem todos podem ser imortais. ” Com a clara noção de que ficava. Volto a dizer: isto não é uma prerrogativa da Agustina, achar que é imortal. Todos na família acham que são imortais! Até porque não dão muita importância à morte. O facto de uma pessoa morrer. . . Continua-se com o almoço, com o jantar, com as rotinas. Como se fosse — e é! — a coisa mais natural sair daqui e ir para outro sítio. Nunca foi empolado [o tema da morte], nunca foi drama. Desaparecer daqui não quer dizer que não permaneça de outra maneira, com outra forma de presença. Como é que foi quando morreu o pai?Foi uma morte esperada, porque esteve muito tempo doente. Estávamos a viver em Esposende nessa altura. A minha mãe sentiu a partida do seu pai com desgosto. Nunca a vi chorar. Nunca chorou à sua frente mas percebia que ela chorava, sozinha?Eu nunca a vi chorar. Não sei se chorava. Nunca pressenti que pudesse ter estado a chorar. O choro era uma coisa que não imaginava nela. E era completamente insensível quando me via chorar. Queria era afastar essa imagem de ao pé dela. Achava que era uma perda de tempo. E desnecessário. O que a vi reter da morte do pai foi a descrição do dia e do que aconteceu quando saiu o caixão do Douro para o cemitério de Travanca. Foi um nevão enorme, que cobriu tudo. Já em Março. A minha mãe reteve isto como um sinal. Um sinal de qualquer coisa, não sei o quê. Mas para ela foi importante. Noutra entrevista, que lhe fiz em Serralves, perante a plateia, em 2003, refere-se à quantidade de pessoas que assistiram ao funeral, apesar do frio e da neve. Ficou tocada com isso. Estava muita gente a esperá-lo. Pessoas até que ela não conhecia. E uma figura misteriosa. Apareceu ao longe, comovido, homem. A minha mãe fixou-o. Nunca soube quem era aquela figura. Diz de si, jovem: “Meu irmão dizia aos amigos que eu era um génio, o que não ajudava nada. Nesse tempo trocava correspondência com desconhecidas só pelo gosto epistolar, e via que exercia um poder sobre elas que não era vulgar. Não as considerava amigas, mas sim o pretexto para eu escrever mais e mais. ‘Eu não preciso de amigos, preciso de quem me leia’, dizia eu. ” Sempre teve a noção do seu valor. Sempre. E nunca teve dúvidas de que ficaria?Várias vezes a ouvi dizer que a obra estava fora do tempo. Que poderia vir a ser importante mais tarde. E entendida de outra maneira. Nunca a viu com angústia em relação ao que fazia?Não!Como é que era a cara dela a escrever? Via-a?Às vezes, via. Ficava completamente entregue e ausente de tudo o mais. Faz-me essa pergunta e lembro-me de situações. . . Uma vez, tinha seis, sete anos, entrei na sala onde a mãe estava a escrever. Com a prancheta nos joelhos, a manta nos joelhos. Quase tive medo. Só de olhar para ela. Porque não era a minha mãe. Era uma pessoa que estava ali de tal maneira compenetrada em qualquer coisa que eu não sabia bem o que era. . . O que é que podia provocar aquele ar, aquele transe?Estava enovelada sobre si?, fisicamente essa era a posição?Sim, e num maple com orelhas, o que também a envolvia. É sabido que o seu pai, de quem não falámos ainda e que tem uma importância enorme na vida da sua mãe, passava à máquina os manuscritos. Esse processo fazia-se como?O meu pai não se limitava a transcrever. Havia coisas que não percebia. Ou não percebia a letra, embora estivesse habituadíssimo a ela, ou achava que o sentido não era claro. Fazia observações. Era sempre muito mal recebido! A minha mãe acabava de escrever um livro e desligava-se em absoluto dele. Já nem sabia quem era fulano nem sicrano. Logo?Era um desligar imediato. Portanto não se interessava. Não queria voltar à história. Era o pior tempo da casa, esse em que o meu pai estava a passar à máquina. Era o mais desestabilizado possível, uma guerra entre duas linguagens. Era a fuga da minha mãe a dar qualquer explicação e a insistência do meu pai, com a formação do Direito, e a exigência do rigor, do que tem de ser bem entendido, a querer obtê-la. O meu pai foi fundamental. Não só no trabalho de transcrição como no de procura de documentos, livros, leituras. A relação deles era muito desigual? Ele tinha o sentimento que se tem por uma criatura tão singular como ela, que se idolatra?A ideia que tenho é que havia um entendimento muito profundo entre os dois. E, da parte do meu pai, uma admiração muito grande pela obra da minha mãe; e uma vontade imensa de que fosse reconhecida, bem sucedida nas intervenções públicas. A minha mãe reconhecia as qualidades que o meu pai tinha, e tem. Com ele, não pode haver falhas. A minha mãe é muito mais solta. Se fosse preciso pôr uma data que não correspondia, punha. Achava que tanto fazia. Mas considerava essas qualidades do meu pai importantes para ela. Eram o tipo de casal que tem gestos de carinho ou nunca os viu assim?Vejo agora. No passado, nunca vi. Apesar de sentir que havia uma relação de casal, um tratamento atento e carinhoso. Tocar o ombro, agarrar a mão: só agora? Agora que estão entregues um ao outro e à velhice?Sim. Agora vejo e quase não me apetece ver, sabe? Não é aquilo a que eu estava habituada. É comovente. O tempo e a situação de doença da minha mãe. . . Não sei se lhe podemos chamar doença. Como é que lhe chama?Chamo-lhe uma ausência. Todo este processo da minha mãe é muito complicado, muito estranho. A minha mãe sempre disse que não tinha nada que ver com médicos. Quando começou a ter sintomas de qualquer coisa do foro neurológico, disse que o que tinha era uma depressão profunda. É o que eu acho que ela tem. Começou a aprender a viver com ela. Já lá vão oito anos. Teve um derrame cerebral em 2006, é assim?Dizem que sim. Ela diz que não. Todos os sintomas desse dito derrame foram vindo aos bocadinhos. A fala, o andar, o deglutir. Depois recuperava. Por isso é que nunca achou necessária a presença de médicos. Dizia que sabia o que se estava a passar. Acredito que sim. E lendo o último livro que escreve, [percebe-se] que o que aconteceu a seguir é a sequência natural. O que conta do estado da sua mãe não coincide exactamente com a doença de Alzheimer. . . Mas a [minha] mãe não tem Alzheimer. Então teve um derrame seguido de um apagamento de si própria?Sim. Nunca perdeu a consciência, de quem é, de onde está, da família. Simplesmente fechou-se num quarto. E deixou de escrever. Mantém o gesto, o movimento da escrita. É capaz de escrever. Não é capaz de engendrar um mundo. A caligrafia mantém-se?Agora é natural que esteja mais debilitada, mas até há um ano era exactamente a mesma. Sem hesitação. O que é que escreve? Cartas, notas?Não escreve nada. Nós dizemos: “Mães, escreve esta frase”; e ela escreve, direitinho. A Ronda da Noite, escrito em 2006, meses antes do derrame: é um livro de preparação para a morte?, é um livro de despedida?Preparação para a morte, não. De zanga, porque vai morrer?, porque vai envelhecer?Não. A preparação para a morte: acho que foi a vida toda. A Ronda da Noite foi o registo de uma memória que ela não queria que ficasse dita de outra maneira. Queria que a mãe dela fosse recordada assim. O sítio onde aquilo se passa tem muita importância no imaginário dela. É uma quinta, que foi vendida. Como tudo. Esses rastos de lugares, de casas, a mãe foi-nos apagando. Vendeu não por necessidade?Não por necessidade. Era de família. A mãe dela era assim. Tinha a tentação de mudar. Sair daqui e ir viver para ali. Fechar a casa. Esse gosto nómada, aventureiro, sempre existiu na minha mãe. Encontrei no outro dia, no Eugénia e Silvina, a razão de ser disto: “Um sinal de luto profundo é o abandono do lugar onde se vive e se têm recordações. ” Parei aqui. Pensei se este abandono sistemático dos lugares pela minha mãe quereria dizer luto. Quereria dizer um abandono das recordações? Com certeza, sim. É a cuidadora de uma mãe debilitada e também uma das cuidadoras do seu espólio. Como está entre estes dois papéis?Ao lidar mais de perto, mais atentamente com a obra dela, e sem a palavra dela ao lado, que era o que normalmente tinha (tinha a minha mãe disponível para lhe fazer perguntas), procuro, procuro-a. Leio a obra dela nessa perspectiva: a da razão de ser disto e daquilo, deste comportamento e deste pensamento. Não é bem a escritora. . . É o desvendar, no fundo, da minha mãe. Dela como figura mãe. Ela como figura mãe, ela como pessoa estão na obra que escreveu, nas entrelinhas?Sempre. Agustina continua a ter gosto nos vestidos?Aiii, sim! Sim! De que maneira. Quer dizer qualquer coisa. Lembro-me de ouvir Agustina falar com mais alegria de um bordado do que de Dostoiévski. [gargalhada] Isso continua presente. Aí não houve derrame nenhum! Eu entro na sala; se vou mais bem vestida, porque fui a um jantar ou almoço, a mãe tem um olhar absolutamente fulminante. Chama-me e começa a ver o que tenho. Dos pés à cabeça. Os sapatos, a roupa, a carteira. Olha-me com uma expressão. . . sei lá! De fúria. Como quem diz: “Tu usas isso! Tu podes usar isso. E eu não. ” Não digo que seja inveja. Mas uma certa. . . Impotência perante a velhice? Porque já não pode. Já não pode ir às lojas, já não pode ir a Paris buscar as coisas, já não pode escolher. É a única vez em que sinto que a mãe está na plena posse das suas capacidades. De onde vem este gosto pelos vestidos? Um dos aforismos mais famosos: “O sucesso não vale tanto quanto um vestido novo. ”Tem razão. Não era uma boutade?, acreditava nisso?Absolutamente sim! Há tempos foi lá a casa uma pessoa visitá-la. Muito ternurenta, com aquele ar “coitadinha da senhora dona Agustina”. A mãe ouviu tudo, impassível. A senhora foi-se embora. A mãe: “Estava tão mal vestida!” [gargalhada]Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Extraordinário. É. Articulou tudo muito bem articulado. Enquanto tiver esse gosto. . . É sinal de que está aqui, sendo ela. PUB
REFERÊNCIAS:
Sobre a noite passada: A Guerra dos Tronos é a mais vista – e é a história d’O Dragão e o Lobo
O episódio final da penúltima temporada da série mais popular – bateu novos recordes – deixa os leões para trás e revela novidades para leitores e espectadores. Série pode voltar só em 2019. (...)

Sobre a noite passada: A Guerra dos Tronos é a mais vista – e é a história d’O Dragão e o Lobo
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 Mulheres Pontuação: 2 | Sentimento 0.033
DATA: 2019-07-10 | Jornal Público
SUMÁRIO: O episódio final da penúltima temporada da série mais popular – bateu novos recordes – deixa os leões para trás e revela novidades para leitores e espectadores. Série pode voltar só em 2019.
TEXTO: Este texto contém spoilers sobre o episódio O Dragão e o LoboTantas pessoas, tão pouco tempo. N’A Guerra dos Tronos televisiva houve menos episódios e mais, muito mais gente frente ao ecrã neste Verão de 2017. Mas se A Guerra dos Tronos se fez sempre de tantas, mas tantas pessoas, “quando chegamos ao fim da temporada, o universo contrai-se”, diz um dos seus autores, David Benioff. O Dragão e o Lobo, título simbólico do episódio de fim de temporada, matou e juntou personagens há muito em rota de colisão – e agregou 16, 5 milhões de pessoas só nos EUA. É um novo recorde que confirma o estatuto da série como a maior do momento. O Dragão e o Lobo, transmitido domingo à noite nuns EUA em que competia com os prémios da MTV e com Twin Peaks perto do fim, tornou-se no episódio mais visto de sempre da série. É um crescendo constante, o desta penúltima temporada de uma série televisiva que parece feita à medida para a era Twitter e que, segundo os dados citados pela Hollywood Reporter, só nos EUA tem reunido em torno de cada episódio 31 milhões de pessoas. É um número da “velha televisão”, dos acontecimentos como as finais desportivas ou dos tempos com muito menos canais, especialmente significativo por se tratar de audiências de um canal de televisão pago. Atinge-se juntando expedientes da “nova televisão”, os visionamentos diferidos, o streaming nas várias plataformas oficiais, a compra de pacotes on-demand. Exclui os números internacionais (o primeiro episódio bateu também recordes para o canal português, o SyFy) e os ilícitos, aqueles que fizeram da série uma recordista também da pirataria. Enquanto as audiências se expandem, o mundo criado em 1996 por George R. R. Martin contrai-se, como resumiu Benioff no vídeo Inside the Episode que acompanha cada capítulo no YouTube. Estes clips são também explicadores, não só da intriga mas também das motivações de dois autores – D. B. Weiss e David Benioff trabalham sobre o universo denso de fantasia e guerra que Martin alicerçou em regras bem definidas. Chega-se ao fim com menos gente a bordo (oito personagens e um dragão estão na lista de baixas da temporada) e com todas mais próximas. A intriga pôs pela primeira vez, ou pela primeira vez em muito tempo, uma panóplia de nomes centrais numa arena – os Lannister, os irmãos Clegane, Snow, Daenerys e seus acólitos. “É um desafio, por que há tantas vias diferentes por onde seguir, mas o facto de estarmos centrados no esforço de convencer Cersei [Lannister] a recuar e aceitar tréguas, isso deu-lhe uma espinha dorsal”, diz D. B. Weiss sobre esta escolha. Mas o episódio de 1h20 de duração realizado por Jeremy Podeswa não se chama O Dragão e o Leão, mas sim O Dragão e o Lobo. Animais que simbolizam casas de Westeros, mas também o fogo e o gelo (personificado) que dá nome à série literária que inspira a série televisiva – A Canção de Gelo e Fogo. Esse momento que os argumentistas criaram em torno de uma rainha e de uma casa que já foi grande, a Cersei cuja bandeira tem um leão, só evidencia como as peças antigas estão espalhadas num tabuleiro tomado por novos jogadores. Sejam eles os guionistas Weiss e Benioff e a televisão, sejam os jovens líderes que eliminam um estratego como Mindinho, para quem o caos era uma escada até se revelar, afinal, a morte na ponta de uma adaga. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Há dias, Martin voltou a frisar que “a série de livros e a adaptação televisiva vão por caminhos diferentes”, como disse à edição norte-americana do jornal Metro. Mas Weiss e Benioff claramente ainda sentem o peso da herança dos livros, apesar do novo ritmo acelerado da série e do atropelo de algumas regras de Martin que mantêm plausível e sólido um mundo de dragões, videntes, ressurreições e geoestratégia convencional. Nos últimos minutos do episódio, confirma-se a parentalidade de uma personagem central (senão mesmo titular) e revela-se um dado novo para neófitos televisivos e fanáticos dos livros e do ecrã. “O desafio com esta sequência era encontrar uma forma de apresentar informação que pelo menos uma boa parte do público já tinha de uma forma dramática e excitante e com um novo elemento”, diz D. B. Weiss no vídeo oficial da HBO. Chama-lhe uma “bomba de informação”. Ou, como resume delicadamente Benioff, saber que afinal o famoso Jon Snow é Aegon Targaryen, “o herdeiro de direito do Trono de Ferro” e sobrinho da rainha Daenerys, com quem acaba de se envolver numa relação incestuosa, “enlameia as águas”. Para acabar de contar a história na televisão restam seis episódios, ainda sem data de transmissão – há um ano, já se aludia à possibilidade de a série só voltar em 2019; o director de arte da série disse ao PÚBLICO que em Julho já estaria a trabalhar no terreno na oitava temporada; fontes da produção disseram à Hollywood Reporter que a rodagem começa já em Outubro mas que pode durar até Agosto de 2018. Desde o início que a série tenta dizer, primeiro sussurrando e depois gritando, o que a personagem Jaime Lannister resumiu segunda-feira sem grande poesia: “Isto não é sobre casas nobres. Isto é sobre os vivos e os mortos”. É uma das personagens que muda de rumo e segue um novo caminho, tal como Martin aludia. Alan Sepinwall escreve, no Uproxx, que “A Guerra dos Tronos tem de mudar para a sua temporada final”. Matt Zoller Seitz avisa, no Vulture, que “agora esta [já] é uma A Guerra dos Tronos diferente”. Uma história que envolve milhões de pessoas pelo globo aproxima-se do fim com muitos pequenos clímaxes concentrados nas suas últimas horas de TV. Neste final, a imagem que fica é tanto do novo candidato a rei, um jovem lobo dragão, quanto de outro rei, gélido e ameaçador, a derrubar a única muralha entre o reino dos vivos e o exército dos mortos. "A seguir ao alimento, abrigo e companhia, as histórias são o que mais precisamos no mundo", como diz o escritor Philip Pullman. Esta é contada por dois autores que já mostraram saber qual a rota e as jogadas que a sua audiência e essa categoria apaixonada que são os "fãs" quer ver, mas que jogam com cartas antigas, com marcas que acumulam enormes expectativas.
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