A guerra na Síria roubou as pernas a Ahmad. O basquetebol devolveu-lhe o ânimo
Ahmad chegou à primeira divisão turca de basquetebol em cadeira de rodas, Anwar conseguiu uma prótese para a sua perna amputada e Whalid move-se com mais conforto. Em Esmirna há um centro de reabilitação, financiado pela UE, que ajuda refugiados a recuperar de ferimentos de guerra e acompanha portadores de deficiências graves. (...)

A guerra na Síria roubou as pernas a Ahmad. O basquetebol devolveu-lhe o ânimo
MINORIA(S): Migrantes Pontuação: 2 Refugiados Pontuação: 14 | Sentimento 0.0
DATA: 2018-12-31 | Jornal Público
SUMÁRIO: Ahmad chegou à primeira divisão turca de basquetebol em cadeira de rodas, Anwar conseguiu uma prótese para a sua perna amputada e Whalid move-se com mais conforto. Em Esmirna há um centro de reabilitação, financiado pela UE, que ajuda refugiados a recuperar de ferimentos de guerra e acompanha portadores de deficiências graves.
TEXTO: A Ahmad, Anwar e Whalid une-os a nacionalidade síria, a vida de refugiados, na Turquia, e até o local de onde vêm, Alepo. Têm, no entanto, necessidades médicas e perspectivas de vida totalmente distintas. Os motivos que os levaram até ao Centro de Reabilitação Física de Esmirna são, por isso, também diferentes. Mas entre recuperar a vontade de viver, conseguir uma prótese para andar ou obter uma cadeira de rodas para se deslocar com maior conforto não há grande diferença. São todos triunfos notáveis para quem sobreviveu à guerra na Síria e conseguiu ultrapassar as limitações do acesso à saúde na Turquia para melhorar a sua vida. No âmbito da protecção temporária concedida em 2014 pela Turquia aos cidadãos da Síria, os mais de 3, 5 milhões de refugiados deste país que residem no país têm de acesso gratuito a determinados serviços, como a Saúde. Esse privilégio não inclui tratamento especializado. Uma realidade difícil para feridos de guerra, deficientes e doentes com necessidades especiais que não têm, na maioria dos casos, capacidade para pagar medicamentos e tratamentos. Foi com a missão de facilitar o acesso dos refugiados mais vulneráveis a tratamento especializado que abriu o centro de reabilitação de Esmirna — um dos bons exemplos que nasceu do polémico acordo entre a União Europeia e a Turquia — que incluiu a deportação para a Turquia de todos os requerentes de asilo que chegassem à Grécia de forma irregular — que Bruxelas e Ancara mostraram a um grupo de jornalistas, entre eles o do PÚBLICO. Financiado pela UE através do mecanismo de assistência aos refugiados, acordado com o Governo de Recep Erdogan em 2016, este centro situado numa rua estreita do bairro de Kahramanlar é gerido por duas organizações não-governamentais: a Müdem e a Relief International. Ahmad Razie entrou no centro carregando o fardo de ser um refugiado em situação vulnerável. Tem 23 anos e não sente nada da cintura para baixo. Quando a guerra civil rebentou na Síria, em 2011, trabalhava como canalizador. Fazia um serviço numa escola nos arredores de Alepo quando uma das paredes do edifício desabou, atingida por uma bomba. Os que estavam com ele escaparam, mas Ahmad perdeu o uso das pernas. Tinha 18 anos e entrou em profunda depressão. A decisão de fugir para a Turquia deu-se um ano mais tarde, quando elementos de grupos militares ligados ao regime de Bashar al-Assad começaram a visitar a região de Alepo. “Apareciam a recrutar pessoas, algumas à força. Eu e os meus irmãos tivemos medo e, de um dia para o outro, abandonámos a casa, a família e os amigos, para partir para um lugar desconhecido”, conta em voz baixa Ahmad, que é corpulento, tímido, de braços fortes e pernas magras. Apesar dos esforços dos irmãos, as passagens por Kilis e Karamamaras, já na Turquia, não animaram Ahmad, que se fechava cada vez mais em casa e “não queria ver ninguém”. Foi em Esmirna que as coisas começaram a mudar. Convidado por uma organização local para participar num jogo de basquetebol em cadeira de rodas, experimentou e gostou. Numa das sessões com um psicólogo clínico no centro de Kahramanlar, reflectiram sobre o que sentira ao jogar e como isso o fazia esquecer, por momentos, os problemas: “Nunca tinha jogado basquetebol, nem sequer gostava. Mas o jogo teve um grande impacto na minha vida e deu-me um novo ânimo para sair de casa e fazer amigos”. Para além do trabalho psicológico, o centro ajudou Ahmad a encontrar um clube. Hoje faz parte da equipa de basquetebol em cadeira de rodas do Karsiyaka Sport Club e aguarda pela licença de jogador para poder viajar e competir. “O basquetebol pode vir a abrir-me portas no futuro e, ao mesmo tempo, é uma boa forma de passar o tempo e ter uma vida social. Neste momento estou mais focado nesta segunda parte, mas não rejeito a primeira. Se melhorar, talvez possa tornar-me num jogador famoso. Porque não?”, lança Ahmad. O optimismo de Ahmad encontra paralelo em Basma. Esta síria de 35 anos perdeu o marido na guerra e tem à sua guarda cinco filhos. O filho mais velho, Anwar, tinha 13 anos quando deu entrada num hospital de Alepo, com um ferimento grave na perna direita, esmagada por um bloco de pedra que se soltou após um bombardeamento aéreo. Foi amputado do joelho para baixo. “A perna dele podia ter sido salva, mas os hospitais em Alepo não estavam em condições por causa da guerra. Foi mal amputado, segundo nos disseram aqui na Turquia”, diz a mãe. Sem ajudas para cobrir os custos da reabilitação de Anwar, foi o centro que avaliou a sua perna, intercedeu junto das autoridades turcas para lhe arranjar uma prótese e o ajudou, com sessões de fisioterapia, a familiarizar-se com ela. Depois de algumas tentativas falhadas, o rapaz tem hoje uma prótese especialmente desenhada para si. “Já não sinto dor. Consigo andar facilmente, consigo correr e até jogo futebol”, diz um tímido, mas orgulhoso, Anwar. A luta de Whalid Alimo move-se por um objectivo menos ambicioso que a de Anwar ou Ahmad, mas não menos importante: o conforto mínimo. O rapaz de 16, explica o pai Mohamed, tem uma doença congénita relacionada com falta de oxigénio no cérebro. Whalid não consegue falar, andar ou ser independente. Comunica por gestos e sons, que só Mohamed, a mulher e os outros três filhos do casal conseguem decifrar. Ao contrário de Anwar, Basma ou Ahmad, a vida da família de Whalid na Síria “não era boa antes da guerra”. “Gastei todas as minhas poupanças à procura de ajuda para o meu filho e por isso vivíamos em muito más condições”, narra Mohamed, tristemente. “Na Síria é o Governo que distribui as cadeiras-de-rodas, mas é necessário ficar em lista de espera e aguardar cerca de dois anos. Pedi ajuda há 15 anos, não recebi os apoios que nos prometeram e a cadeira nunca chegou”. O desabamento de um prédio muito próximo do local onde a família vivia, em Alepo, atingindo num ataque aéreo, afectou Whalid — que desde essa altura fica fisicamente stressado quando houve um barulho intenso. E fez a família entender que não poderia ficar muito mais tempo na Síria. “Depois de uma viagem de carro até à fronteira, perto de Kilis, entrei na Turquia carregando o meu filho nos braços”, conta Mohamed, interrompendo de vez em quando o discurso para acalmar um agitado Whalid. Há quatro anos chegaram a Esmirna, mas a barreira linguística manteve-os isolados da comunidade turca. Só recentemente é que Mohamed soube da existência do centro. Mal entrou em contacto com os seus funcionários, arranjaram-lhe rapidamente a ansiada cadeira de rodas para Whalid — que entretanto cresceu e já não pode ser carregado pelo pai. O centro fez ainda um relatório médico, que será apresentado a um hospital e permitirá o acesso a tratamento adequado especificamente para a deficiência do rapaz. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. “Durante muito tempo não sabíamos que tipo de assistência precisava. A nossa prioridade era mantê-lo confortável”, confessa Mohamed, encolhendo os ombros. “A cadeira de rodas teve um impacto incrível na sua vida. E com esse conforto, podemos finalmente focar-nos em procurar tratamento para o Whalid”. O jornalista viajou a convite da Comissão Europeia
REFERÊNCIAS:
Entidades UE
Trump quer “olhar para o que se está a passar na Suécia”. Aqui está o que se passa por lá
O Presidente americano referiu-se a um ataque na Suécia que nunca aconteceu. Depois justificou a declaração com uma reportagem que ligava o fluxo de refugiados ao aumento da criminalidade. Mas será este o cenário na Suécia? (...)

Trump quer “olhar para o que se está a passar na Suécia”. Aqui está o que se passa por lá
MINORIA(S): Migrantes Pontuação: 11 Refugiados Pontuação: 14 | Sentimento 0.2
DATA: 2017-02-21 | Jornal Público
SUMÁRIO: O Presidente americano referiu-se a um ataque na Suécia que nunca aconteceu. Depois justificou a declaração com uma reportagem que ligava o fluxo de refugiados ao aumento da criminalidade. Mas será este o cenário na Suécia?
TEXTO: O Presidente Trump causou confusão durante um comício na Florida no domingo quando disse: “Vejam o que aconteceu ontem à noite na Suécia. Suécia. Quem é que havia de acreditar nisto?”. Trump depois mencionou as cidades francesas de Nice e Paris e a capital belga, Bruxelas. As três cidades europeias foram atacadas por terroristas ao longo dos últimos dois anos. Embora Trump não o tenha dito explicitamente, as suas observações foram amplamente percebidas nos Estados Unidos e no estrangeiro como uma sugestão de que tinha ocorrido um ataque na Suécia na noite de sexta-feira. Trump tentou clarificar as suas observações, ao tweetar no domingo: “As minhas declarações sobre o que se está a passar na Suécia referem-se a uma reportagem que passou na Fox News sobre imigrantes na Suécia”. Trump referia-se provavelmente a uma entrevista com o realizador Ami Horowitz no programa da Fox News, Tucker Carlson Tonight, que começou a circular nas redes sociais pouco tempo depois do discurso de Trump na Florida. Horowitz responsabilizou os refugiados por o que ele diz ser uma onda de crime na Suécia. As alegações do realizador foram desde aí alvo de escrutínio, tal como noticiou o jornal sueco Dagens Nyheter esta segunda-feira. Dois polícias suecos entrevistados por Horowitz disseram que os seus comentários foram retirados do contexto. Um deles, Anders Göranzon, acusou o realizador de ser um “louco”. Estas alegações de Horowitz impulsionaram as pesquisas no Google sobre informação acerca das estatísticas de crime na Suécia nas últimas semanas. Na verdade, o interesse na matéria nunca foi tão alto nos últimos quatro anos. As referências de Trump sobre a Suécia parecem sugerir que a abordagem do país ao acolhimento de refugiados e os seus efeitos nas taxas de criminalidade devem ser um sinal de alerta. Mas foram as observações do Presidente justificadas?“Absolutamente não”, afirma Felipe Estrada Dörner, professor de criminologia na Universidade de Estocolmo. A sua resposta foi repetida esta segunda-feira por múltiplos especialistas que estão familiarizados com as estatísticas da criminalidade sueca. Globalmente, a taxa de criminalidade média da Suécia caiu nos últimos anos, diz Dörner. Essa queda tem sido observada para casos de violência letal e agressões sexuais, duas das mais graves categorias de crime. Além disso, uma análise do jornal sueco Dagens Nyheter, realizada entre Outubro de 2015 e Janeiro de 2016, chegou à conclusão de que os refugiados eram responsáveis por apenas 1% de todos os incidentes. Os investigadores advertem, no entanto, que a segregação e o desemprego de longo prazo dos refugiados podem ter um efeito negativo nas taxas de criminalidade da Suécia no futuro. A Alemanha, o outro país europeu que registou um número semelhante de refugiados per capita em 2015, também refutou as alegações de que o fluxo levou a um aumento da criminalidade. “Os imigrantes não são mais criminosos do que os alemães”, afirmou um porta-voz do ministro do Interior em Junho. De maneira geral, os níveis de criminalidade na Alemanha diminuíram no primeiro trimestre de 2016, afirmaram as autoridades no ano passado. No entanto, o cepticismo tem persistido na Alemanha, Suécia e noutros lugares. Um estudo do Pew Research Center, realizado no início de 2016, indicou que 46% dos suecos acreditavam que os refugiados no país “são mais culpados pelo crime do que os outros grupos”. Relatos sobre alegados encobrimentos da polícia dos crimes de refugiados podem ter contribuído para a desconfiança em relação às estatísticas oficiais. Os criminologistas dizem também que alguns dos casos receberam atenção pública desproporcional, criando uma percepção distorcida entre os suecos. “O que nós estamos a ouvir é um exagero muito, muito extremo baseado em alguns eventos isolados”, explicou Jerzy Sarnecki, um criminologista na Universidade de Estocolmo ao jornal Globe e Mail em Maio, quando a cobertura de crimes relacionados com refugiados atingiu o pico. Existe um dado em que a Suécia lidera efectivamente as estatísticas de criminalidade internacionais: casos notificados de violação. Quando três homens raptaram uma mulher em directo no Facebook, o incidente fez manchetes por todo o mundo. Mas os criminologistas afirmam que os refugiados não são a razão pela qual a Suécia tem este extraordinário número de violações. “As [definições de] violações diferem entre países”, diz Dörner. “Na Suécia, várias alterações na legislação foram realizadas para incluir mais casos de crimes sexuais como casos de violação”. A definição na Suécia daquilo que constitui violação é agora uma das mais alargadas do mundo. Os números variáveis, bem como outras medidas suecas para facilitar as queixas de violação, podem ter afectado as estatísticas. Os especialistas suecos em criminalidade também não concordam que os imigrantes criaram as chamadas zonas a evitar na Suécia – áreas que alegadamente são demasiado perigosas para os suecos nativos entrarem e que são efectivamente controladas por criminosos. “Essa percepção é fabricada”, diz Dörner. Mas ele e outros apontam que o fluxo de refugiados coloca desafios à Suécia, só que não da forma como está a ser retratada por alguns. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. “Mesmo que não existam ‘zonas a evitar’ como alegado na propaganda, existem problemas em torno de crimes e distúrbios em vários subúrbios das cidades suecas, onde grupos de imigrantes tendem a ser excessivamente representados”, afirma Henrik Selin, director de diálogo intercultural no Instituto Sueco. “A Suécia definitivamente, tal como outros países, [enfrenta] desafios no que toca à integração de imigrantes na sociedade sueca, com níveis mais baixos de emprego, tendências de exclusão e também problemas relacionados com crimes”, diz Selin. Existem poucas provas, no entanto, de que a Suécia se tenha transformado num país sem lei, como às vezes é descrito no estrangeiro. Exclusivo PÚBLICO/The Washington Post
REFERÊNCIAS:
Palavras-chave crime homens lei violência exclusão ataque mulher violação estudo desemprego
Estudo mostra impacto económico positivo da concessão de asilo
Economistas franceses analisaram 30 anos em países europeus, Portugal incluído. E garantem que refugiados não são um fardo económico para os países de acolhimento. Pelo contrário, contribuíram para aumentar as receitas líquidas em cerca de 1%. (...)

Estudo mostra impacto económico positivo da concessão de asilo
MINORIA(S): Migrantes Pontuação: 11 Refugiados Pontuação: 14 | Sentimento 0.213
DATA: 2018-06-21 | Jornal Público
SUMÁRIO: Economistas franceses analisaram 30 anos em países europeus, Portugal incluído. E garantem que refugiados não são um fardo económico para os países de acolhimento. Pelo contrário, contribuíram para aumentar as receitas líquidas em cerca de 1%.
TEXTO: Os requerentes de asilo que se deslocam para a Europa reduziram o desemprego e contribuíram para dinamizar as economias dos países de acolhimento. E não sobrecarregaram as finanças públicas, asseguraram cientistas. Depois de analisarem os dados económicos e relativos às migrações dos últimos 30 anos, uma equipa de economistas franceses liderada por Hippolyte d’Albis, da Escola de Economia de Paris, concluíu num estudo publicado na quarta-feira na Science Advances, que os requerentes de asilo melhoraram o Produto Interno Bruto e aumentaram as receitas líquidas em cerca de 1%. De acordo com este estudo – que incluiu dados de Portugal, além da Áustria, Bélgica, Dinamarca, França, Alemanha, Irlanda e Espanha, entre outros países –, os requerentes de asilo começaram a contribuir mais para o PIB dos países de acolhimento após três a sete anos de permanência. "Por exemplo, se houver um migrante por cada 1000 habitantes, o PIB aumenta em média 0, 17% por habitante imediatamente e pode crescer ate 0, 32% no segundo ano. A taxa de desemprego baixa 0, 14 pontos. Fomos surpreendidos pela clarexa destes resultados", afirmou Hippolyte d’Albis, o principal autor, numa curta entrevista à revista francesa L'Obs. Os refugiados levam mais tempo a ter um efeito positivo na economia dos países de acolhimento do que os migrantes, segundo o estudo, mas contribuem mais pagando impostos do que aquilo que o Estado gasta com eles, entre outros efeitos, explica um comunicado de imprensa do Centro Nacional de Investigação Científica francês. Este estudo surge numa altura em que se agudizam as hostilidades face à entrada de migrantes na Europa, após a crise de 2015, quando mais de um milhão de refugiados provenientes do Médio Oriente, da Ásia e África chegaram à Europa. O relatório anual do Alto-Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR) divulgado terça-feira mostrou que o número global de refugiados cresceu 2, 9 milhões em 2017, fixando-se num recorde de 25, 4 milhões. De acordo com os economistas franceses, que se debruçaram sobre os dados relativos ao período temporal entre 1985 e 2015, os requerentes de asilo, – ou seja, imigrantes que demonstram medo de serem perseguidos nos seus países de origem –, estão longe de serem um fardo para quem os acolhe. “O cliché que equipara a imigração internacional a um fardo para os países de acolhimento pode ser desfeito”, escreveram os economistas do Centro Nacional Francês de Investigação Científica, da Universidade de Clermont-Auvergne e da Universidade Paris-Nanterre. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. A Grécia, porta de entrada na Europa da maior parte dos migrantes que fugiram da guerra civil na Síria, não foi incluída neste estudo, porque os dados fiscais anteriores a 1990 não estavam disponíveis. Citado pela Reuters, Chad Sparber, professor associado de economia na Colgate University, nos Estados Unidos, sublinhou que este estudo funciona como “um lembrete” de que os argumentos económicos contra a abertura de portas aos migrantes não têm adesão à realidade. Sparber reconheceu, contudo, que a entrada massiva de imigrantes pode ser percepcionada negativamente pelos nacionais dos diferentes países de acolhimento. “Há pessoas que perdem ou sofrem”, declarou, para defender uma “imigração em equilíbrio”.
REFERÊNCIAS:
Palavras-chave guerra escola imigração medo estudo desemprego
Merkel e Orbán discordam sobre a "humanidade" da Europa
Chanceler alemã sublinha que ao falar-se de migrantes são precisos "valores" porque "são pessoas que vêm até nós". Orbán responde que ao não deixar passar milhares de refugiados para a Alemanha, a Hungria está a mostrar "solidariedade". (...)

Merkel e Orbán discordam sobre a "humanidade" da Europa
MINORIA(S): Migrantes Pontuação: 11 Refugiados Pontuação: 14 | Sentimento 0.0
DATA: 2018-08-06 | Jornal Público
SUMÁRIO: Chanceler alemã sublinha que ao falar-se de migrantes são precisos "valores" porque "são pessoas que vêm até nós". Orbán responde que ao não deixar passar milhares de refugiados para a Alemanha, a Hungria está a mostrar "solidariedade".
TEXTO: Enquanto em Berlim a chanceler alemã dizia ao primeiro-ministro húngaro que ao falar de políticas de migração e asilo se estão a discutir vidas de pessoas e um valor fundamental europeu, a “humanidade”, o seu ministro do Interior estava em Viena onde junto do chanceler austríaco anunciou planos para conversações com Itália destinadas a “fechar” a rota Sul de migração. Merkel recebeu Viktor Orbán após dias em que a questão da imigração e asilo esteve no topo da agenda política alemã devido ao conflito com o líder bávaro e ministro do Interior Horst Seehofer (os dois chegaram a um acordo na noite de segunda para terça-feira). Na conferência de imprensa conjunta, os líderes da Alemanha e Hungria concordaram em discordar. Merkel sublinhou que são valores que estão em causa: “Nunca iremos esquecer que esta é uma questão de pessoas, pessoas que vêm até nós, e que isso tem a ver com a mensagem básica da União Europeia: humanidade”, declarou a chanceler. “Acredito que a humanidade é a alma da Europa", disse. “A Europa não pode simplesmente distanciar-se dos que precisam e sofrem. ”Orbán, que tem seguido uma política ferozmente anti-refugiados (por exemplo, o seu Governo criminalizou a ajuda a refugiados), disse que a Hungria se sente lesada ao ser acusada de falta de solidariedade, já que fez um grande esforço para proteger a fronteira Sul da União Europeia. Se não o fizesse, disse Orbán, todos os dias entrariam entre quatro a cinco mil pessoas que iriam em direcção à Alemanha. “A Hungria tira assim um enorme peso dos ombros à Alemanha”, disse. “Isto também é solidariedade. ”Enquanto isso, em Viena, o ministro alemão do Interior, Horst Seehofer, reunia-se com o chanceler austríaco para falar dos planos de ter três centros de trânsito na fronteira com a Áustria para requerentes de asilo que cheguem ali mas se tenham registado noutros países, parte do plano que acordou com Merkel. Os dois concordaram que estes requerentes de asilo seriam enviados para o país onde fizeram o primeiro registo (como ditam as regras europeias, que não têm sido sempre seguidas pois põem pressão acrescida nos países de entrada) e não para a Áustria. Como poderia a Alemanha assegurar que as pessoas retornam a esses pontos?, perguntaram jornalistas. Seehofer admitiu que a questão era demasiado complexa e que Merkel teria de negociar com os líderes de Itália e Grécia. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Enquanto Seehofer estava em Viena, na Alemanha as primeiras sondagens pós-acordo confirmam o que muitos jornalistas vinham a comentar: que a discussão deixou os dois líderes, e os seus partidos, a CDU e o seu partido-gémeo na Baviera, a CSU, feridos. Uma sondagem da estação de televisão pública ZDF mostrava que ainda assim uma maioria diz que Seehofer saiu mais enfraquecido do que Merkel (46% Seehofer, Merkel 39%). Pior para o bávaro, a maioria dos inquiridos na sondagem dizem que ele não deveria continuar no cargo de ministro do Interior: 69% são de opinião de que deveria demitir-se – uma maioria mesmo na Baviera, onde 59% têm esta opinião. A discussão começou com uma exigência de Seehofer evitar chegadas de pessoas que já tinham requerido asilo noutros países à Alemanha e o acordo centrou-se na fronteira da Baviera com a Áustria. Mas ainda esta quinta-feira o jornal Rheinische Post citava dados da polícia mostrando que 73% das entradas irregulares no país em 2018 não ocorrem na fronteira com a Áustria na Baviera, mas sim através de outras fronteiras e nos aeroportos e portos alemães.
REFERÊNCIAS:
Palavras-chave imigração ajuda
A segunda casa da síria Fatima tem a porta sempre aberta
Mezze quer dizer “prato para partilhar” e é sinónimo de mesa cheia. No Mercado de Arroios, em Lisboa, há agora um restaurante com este nome que se quer fazer de partilha. Dez refugiados, nove deles sírios, cozinham e servem à mesa enquanto nos permitem conhecê-los e recomeçam as suas vidas. (...)

A segunda casa da síria Fatima tem a porta sempre aberta
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 Mulheres Pontuação: 2 Refugiados Pontuação: 14 | Sentimento 0.0
DATA: 2018-07-19 | Jornal Público
SUMÁRIO: Mezze quer dizer “prato para partilhar” e é sinónimo de mesa cheia. No Mercado de Arroios, em Lisboa, há agora um restaurante com este nome que se quer fazer de partilha. Dez refugiados, nove deles sírios, cozinham e servem à mesa enquanto nos permitem conhecê-los e recomeçam as suas vidas.
TEXTO: O dia em que a Fatima entrou no Mezze e disse “esta já é a minha segunda casa” calhou ter sido “um dos piores dias, daqueles em que parece que nada funciona, como se fosse impossível ter tudo pronto a tempo ou chegar alguma vez a abrir”, confidencia-nos uma arquitecta, uma entre dezenas de pessoas que ajudaram a fazer nascer este restaurante no Mercado de Arroios, parte de um projecto mais amplo de integração de refugiados. “Essas palavras foram como uma botija de oxigénio, porque é isso mesmo que nós queremos, que a Fatima, a outra Fatima, a Shiraz, a Faten, a Rana, a Reem, o Bilal, o Rafat, o Yasser e o outro Yasser, que todos eles se sintam em casa”, recorda Francisca Gorjão Henriques, uma das fundadoras da Pão a Pão – Associação para a Integração de Refugiados do Médio Oriente. “Casa” foi uma das palavras mais usadas por Francisca, até há pouco tempo jornalista do PÚBLICO, na festa com que o Mezze se mostrou aos amigos e depois se abriu ao bairro. Foi na sexta-feira, dia 15, antes da abertura oficial, na última terça, e teve comida, música, dança e muitos, muitos sorrisos, alegria pura e olhos emocionados. Abrir um restaurante nunca é fácil. Fazê-lo contando o mais possível com doações e voluntários, menos ainda. O Mezze demorou a nascer e só foi possível graças “à generosidade de amigos e parceiros”, gente que na maioria nem se conhece e que talvez nem imagine como foi importante para começar a mudar a vida destas dez pessoas. “Não podemos devolver Damasco nem Alepo nem Ghuta nem Mossul a este grupo que temos o privilégio de ter connosco, mas podemos reconhecer-lhes a dignidade que nunca perderam, dar-lhes as ferramentas para fazer planos para o futuro e aceitar com gratidão o que têm para dar”, disse ainda Francisca no dia da inauguração. Afinal, este é o “primeiro restaurante em Portugal onde um grupo de pessoas que a lei designa por refugiados recebe formação e emprego a sério” e isso não é nada pouco num país que já recebeu perto de mil refugiados sírios e que tem trabalhado mais as soluções de acolhimento do que a integração. O Mezze quer-se mais do que um restaurante. É a tal casa de partilha, através da linguagem universal da comida, mas ali também terão lugar workshops e debates. O restaurante é a primeira “casa” com chão, paredes e tecto da Pão a Pão mas a ideia é fazer nascer muitas mais, quantas forem possíveis. “Estamos confiantes que o Mezze vai crescer, queremos fazer o milagre do pão, multiplicar esta partilha e levar o Mezze a outras paragens. Temos a certeza que vamos voltar a bater à vossa porta mas é com isso que se constrói uma casa e nela cabemos todos. Para que não tenhamos de ser mais ‘eles’ e ‘nós’, apenas ‘todos juntos’. ”Por agora, admite Francisca, este Mezze e o serviço de catering, que já está a fazer sucesso, é tudo o que a associação se pode concentrar em fazer. “Primeiro é preciso garantir o sucesso deste restaurante”, diz, antecipando que daqui a um ano a Pão a Pão pode estar a lançar-se noutras zonas do país. Isto se não aparecer entretanto gente a querer abrir os seus próprios Mezze enquanto faz crescer o projecto. “Sim, claro, isso era óptimo. ”Fatima, Shiraz, Faten, Rana, Reem, a Fatima-pequena (por ter idade para ser filha da Fatima grande), Bilal, Rafat, e os dois Yasser (um deles, o iraquiano, talvez se torne Adam em pouco tempo, agora que os colegas descobriram que é assim que a mãe o trata) já se movem pelo espaço do Mezze com desenvoltura. Um rectângulo com cozinha de um lado, casa de banho e despensa do outro, ao meio uma mesa corrida, para que quem chega se sente ao lado de quem está, 34 lugares mais uma esplanada onde cabem outras 20 pessoas. De frente para a cozinha, a parede que esconde as divisões mais pequenas está repleta de prateleiras com pedaços de Síria. Livros em árabe que Alaa Alhariri (outra fundadora da Pão a Pão) trouxe de uma viagem ao Líbano (é difícil encontrar livros em árabe por cá) e as fotografias de Alepo, Damasco ou Palmira que Fatima, Rafat ou Alaa disseram faltar na estante quando a viram já decorada com quadros, ilustrações de João Catarino, livros, jarros com flores e frascos com pickles. Faltam ainda fotografias de Mossul, a cidade iraquiana de onde vem o Yasser que também se chama Adam. Olhamos para outras fotografias, as do espaço que ali existia quando a Pão a Pão chegou, e percebemos melhor as palavras de Francisca. “Fazer o Mezze foi realmente como erguer uma casa, foram precisos tijolos e eles vieram, foi preciso um chão e ele chegou, foi preciso um tecto e ele cá está, foram precisas muitas outras coisas e o trabalho de muita gente. ” No que antes era quase uma ruína agora existe um restaurante bonito e luminoso, aberto para a rua, como os vários que rodeiam o Mercado de Arroios, o mesmo onde o Mezze vai buscar muitos dos seus ingredientes. No início do ano, estes dez refugiados e outros seis fizeram um curso na Escola de Hotelaria, em Campo de Ourique, Lisboa, tornado possível através de um protocolo com o Turismo de Portugal. Foi lá que pela primeira vez conhecemos Fatima, o seu filho Rafat, o padeiro Yasser, Faten e a sempre sorridente Shiraz. E foi lá que iniciámos uma conversa que ainda decorre, tendo sempre por perto Alaa, a síria que chegou a Portugal há mais de três anos com uma bolsa para acabar os seus estudos de Arquitectura. É uma das universitárias da Plataforma Global de Assistência a Estudantes Sírios, lançada pelo ex-Presidente Jorge Sampaio. A Pão a Pão foi fundada por Francisca, Alaa, Rita Melo e Nuno Mesquita, mas é justo dizer que nunca teria nascido sem Alaa ou se Alaa e Francisca nunca se tivessem cruzado. À pergunta “do que é que sentes mais falta do teu país”, Alaa respondeu “do pão”. Os dados estavam lançados. A associação quis privilegiar jovens e mulheres, por entender que é assim que mais contribui para a integração. A seguir foi espalhar a palavra e ver os refugiados aparecerem, perceber quem tinha condições para integrar o projecto, deixar-se encantar por cheiros e sabores do que estes já faziam nas suas cozinhas. Fatima nunca tinha pensado trabalhar num restaurante e agora é chef do Mezze. Rafat, que veio a medo para Portugal, hesitante em recomeçar de novo depois de quase três anos duros no Egipto, já tem dificuldades em pensar que algum dia sairá daqui. Yasser só queria ser padeiro e é dele o pão que Alaa e todos os que forem ao Mezze poderão comer. Shiraz foi sempre dona de casa e comida para ela é sinónimo de “festas, família e mesas grandes e cheias”, como a mesa comprida que ocupa o lugar central do Mezze. Faten, doceira pronta para qualquer serviço, chegou com duas filhas pequenas e nos primeiros dias mal saía de casa, em Oeiras. “O problema era a solidão”, não conhecer ninguém. A Pão a Pão (e o curso na Escola de Hotelaria) começou a mudar tudo. “Ela mal chegou e agora apanha o comboio todas as manhãs. Para mim, isso já conta imenso. Pode estar triste mas não deixa de vir, é difícil”, dizia-nos Alaa nos dias das conversas na Escola de Hotelaria. Ser sírio nos dias que correm não será fácil, mas a vida de Faten começou a complicar-se bem antes da revolução de 2011 e da guerra de absurdos que se seguiu. Em 2004, aos 23 anos, ficou viúva com três filhas, incluindo uma bebé acabada de nascer. Antes de casar, abandonara o curso de História e nunca trabalhou. Sobreviveu como pôde, com alguma ajuda da família, e em 2016 ganhou coragem para se pôr a caminho de algum lugar onde se sentisse segura e pudesse recomeçar. Agora, Faten já diz muitas palavras em português e sorri bastante mais do que há uns meses, orgulhosa com a sua farda branca, avental preto e a touca que lhe cobre os cabelos atrás do balcão onde a cozinha industrial do Mezze se encaixa como um puzzle perfeito. Na festa de inauguração, esta curda de Damasco até foi das primeiras a juntarem-se aos dançarinos curdos que puseram dezenas de sírios e portugueses a saltar numa roda sem fim. De braço dado a Shiraz, nascida no centro do Curdistão sírio, em Afrin, Faten saltou, dançou e riu como uma criança. Como as suas filhas e os filhos dos outros correram e riram, sírios de braços dados a portugueses, portugueses a tentar não passar grandes vergonhas e acertarem o mais possível nos passos de uma dança que Alaa avisara ser “muito difícil”. Se a festa de inauguração servir de exemplo, o Mezze já é um sucesso. Veio muita gente, entre vizinhas das bancas no mercado e vizinhos do bairro, curiosos, amigos dos portugueses da associação, dos sírios e do iraquiano Yasser. Dançou-se e cantou-se, música tradicional mas ainda mais hip-hop e aqui até se juntou Junior, um refugiado do Congo há poucos meses em Portugal. É segunda-feira, véspera da abertura oficial, e todos estão concentrados e um pouco tensos. “O fim-de-semana serviu para descansar, claro, agora é trabalho a sério, sem parar”, diz Rafat, o rapaz de 21 anos que cresceu demasiado depressa. Agora, para além de se considerar “chefe de família” (o pai morreu debaixo de bombas, em 2012; o irmão mais velho está na Turquia), sente o peso de ser o único empregado de mesa do Mezze a falar português – os pratos são muitos e de certeza que muitas também são as perguntas dos que ali já se sentam para almoçar ou jantar. Rafat chegou há 20 meses e aprendeu português depressa, nas aulas, mas ainda antes, nos três meses em que trabalhou num restaurante de kebabs num centro comercial. Começou por fazer de tradutor para a mãe e agora é graças a ele que toda a gente se entende no Mezze. Cozinheiras, ajudantes, empregados de mesa, os portugueses da associação e os dois portugueses contratados para gerir o restaurante, os chefs que têm aparecido para ajudar as sírias que tomam conta da cozinha mas também quem tem de saber pôr a mesa sempre da mesma maneira, saber qual o copo para água, sumo ou vinho. De certeza que Rafat chega sempre exausto a casa, mas a verdade é que ninguém parece ter mais vontade do que ele de fazer com que tudo isto dê resultado. “Estabilidade”, “rotinas” ou “tranquilidade” não são palavras que imaginemos ouvir a um rapaz de 21 anos, mas Rafat é especial. Trabalha desde os 14 anos, quando decidiu que queria parar de estudar e ajudar o pai no seu restaurante de kebabs e frango assado. No Egipto, teve ainda de se fazer costureiro, a profissão de um dos cunhados, para que a família pudesse sobreviver. Agora, só pensa em trabalhar (enquanto a mãe só quer que ele volte a estudar) e garantir uma vida melhor à mãe e aos irmãos mais novos. Tal como Faten, o sírio Yasser sorri muito mais por estes dias do que nos tempos das aulas da Escola de Hotelaria. A Yasser aconteceu quase tudo o que pode acontecer a quem decide fugir da Síria – no seu caso, saiu para evitar o serviço militar e não ser obrigado a matar outros sírios. Quase tudo talvez seja pouco, há muita gente que vive tragédia atrás de tragédia, mas Yasser teve mesmo todos os azares, tantos que o espanto é estar aqui, lúcido, de boné virado para trás, feliz a tornar bolas de farinha em círculos finos que faz saltar de uma mão para a outra (onde segura a bola de pano que ajuda a conseguir o tamanho certo). Uma espécie de malabarista a fazer magia, o tal pão de que Alaa sentia falta, o khobz que tem sempre lugar a uma mesa síria e que serve de colher para ir petiscando entre os diferentes pratinhos que formam a mezze. O jovem que chegou a Lisboa a fazer 22 anos, em Fevereiro, trabalha desde a adolescência, não por necessidade mas por gosto. Fazer pão, percebeu depressa, era a sua paixão. Tudo isto em Ghuta, a cidade dos arredores de Damasco onde ataques com gás sarin fizeram mais de 1400 mortos numa manhã de Agosto de 2013. Por essa altura, já o mais novo de cinco irmãos se preparava para fugir para o Líbano, experiência que descreve como “tortura” por ter sido maltratado por libaneses e por patrões que não lhe davam mais do que trabalho como ajudante com salário mínimo. Desencantado por estar num país onde um padeiro não é tratado com respeito, tentou a carpintaria. No primeiro de vários azares, cortou um dedo e esteve três meses sem trabalhar, “às vezes sem comida ou sítio para dormir”. Deixou o Líbano e foi para a Turquia, onde voltou a conseguir emprego numa padaria. Ali passou oito meses a juntar dinheiro para viajar para a Europa, mas um irmão foi raptado na Síria e tudo o que ele juntara serviu para o resgatar. Recomeçou e voltou a juntar o dinheiro para atravessar o Mediterrâneo num bote de borracha que acabou por conduzir quando quem devia ocupar-se do leme não apareceu. O pior ainda estava para vir e aconteceu na Grécia, já junto à Macedónia. Com a fronteira a abrir e a fechar, e perto de fechar indefinidamente, alguns refugiados receberam números para serem chamados a atravessar a linha. A Yasser coube o número 69, o último a passar tinha o 60. Foi aí que se sentiu “destruído” e “tratado como um animal”, mas ainda faltava roubarem-lhe a tenda e o dinheiro que lhe sobrava do campo de Idomeni (o acampamento sem quaisquer condições que nasceu junto à fronteira). “Desesperado” era palavra que já não chegava para descrever o seu estado. Depois de tanto azar, teve a sorte de se cruzar com membros da Jafrah, uma ONG constituída por refugiados. Voltou a amassar pão para distribuir por todos os que sobreviviam em Idomeni e assim, a ver o rosto dos que cheiravam o seu pão acabado de fazer, Yasser voltou aos poucos a ser Yasser e a acreditar na vida. Veio de Atenas para Portugal e depois do pão ainda serve às mesas com os outros rapazes. Shiraz também passou pela Grécia antes de aterrar em Lisboa. Veio com dois filhos, um adolescente e uma rapariga de 20 anos. O marido ficou em Alepo, uma filha já casada também. Olhando para esta mulher de traços fortes e beleza clássica, sorriso fácil, é difícil imaginar que esteve semanas sem sair de casa quando chegou a Portugal. É Shiraz que nos fala de comida com os olhos a brilhar, como se estivesse mesmo a rever na sua cabeça as festas de casamento e as quintas-feiras, dia “de sair e comer” com toda a família, ou as sextas, quando “fazemos churrasco e há pratos obrigatórios, como tabbouleh”, a salada levantina que leva bulgur e cebola roxa, salsa, menta, tomate e pepino, tudo picado pequeno. Lá em casa, quando Shiraz crescia, eram dez, sete irmãos e três irmãs, houve muita gente a casar. Nascida em Afrin fez de Alepo a sua casa, quando lá chegou depois de casar, aos 19 anos. A Alepo de Shiraz já não existe e talvez ela possa fazer de Lisboa a sua nova casa. É o que espera que aconteça, desde que o resto da família possa juntar-se-lhe. Para já, rodeou-se da comida que lhe lembra os que ficaram para trás: tabbouleh, mas também houmous (pasta de grão), fatoush (salada com pão frito), baba ganoush (pasta de beringela assada), falafel (bolinhas fritas de grão), shorbet addas (sopa de lentinhas), mujaddara (bulgur com lentilhas e cebola frita e adocicada), kibbeh (uma espécie de croquete de borrego com bulgur e nozes) ou as espetadas de borrego ou frango acompanhadas de um delicioso molho de iogurte. Comida para partilhar e para viajar, ao mesmo tempo que se percebe que os hábitos culinários de portugueses e sírios não são assim tão diferentes. O resultado é outro mas os ingredientes, incluindo parte das especiarias, são muito parecidos, como parecida é a cultura de passar horas à mesa, à volta de comida e em conversa animada. Na Síria, como em grande parte de Portugal, é difícil não comer bem. A diferença é que na Síria é mais fácil ser convidado a partilhar uma refeição por desconhecidos curiosos, com vontade de conhecer estrangeiros e de lhes falar da sua vida. No Mercado de Arroios, há a partir de agora uma pequena Síria, uma Síria feita por quem fugiu da guerra mas que se parece muito mais com o país que existia antes do conflito do que com aquele que existe agora. Segunda-feira, véspera da abertura oficial e chegam os diplomas da Escola de Hotelaria. Os seis que não estão no Mezze terão de lá passar para os recolher, incluindo Mouna, convidada pela associação a trabalhar no restaurante mas que decidiu tentar já o seu próprio negócio, de pastas e pickles e outras iguarias que descobriu que conseguia replicar em Lisboa. “Talvez seja cedo para ela, mas a ideia é mesmo essa. Dar-lhes ferramentas e deixar que sigam o seu caminho”, diz Francisca. “Do que mais gosto é de os ver a conviver com pessoas tão diferentes, gente com vidas que eles nem imaginavam na Síria”, diz Alaa. Gente que bebe vinho, por exemplo, ao contrário da maioria dos sírios do Mezze, que não toca em álcool. Mas tal como a carne halal (de animais mortos de acordo com determinados preceitos islâmicos) e as garrafas já convivem lado a lado no restaurante também a chef Fatima se vai habituar a ver os seus pratos ser acompanhados por um copo de vinho tinto. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Lisboa não tem nem nunca terá “o mesmo cheiro da terra quando chove” em Damasco nem “o cheiro do jasmim”, de que Fatima sente falta como qualquer damasceno. O mesmo cheiro que faz Faten fechar os olhos, enquanto acrescenta as saudades que sente “da visão de uma banca cheia de pickles nas ruas de Damasco" como se estivesse mesmo a ver os frascos empilhados em pirâmides. Mas Lisboa já tem o Mezze e lá dentro já há muitos cheiros da Síria. E foram Fatima e Faten e os outros que os trouxeram. Agora, bastaria que Fatima conseguisse trazer para cá o filho que não vê há cinco anos ou Faten encontre maneira de fazer chegar a Lisboa a filha de 18 anos que decidiu voltar para a Síria quando chegou à Turquia com a mãe e as irmãs. “A primeira pessoa que eu conheci quando cheguei” é como a Alaa às vezes se lembra de me descrever. Em rigor, eu fui apenas uma das pessoas que a Alaa conheceu no dia em que aterrou em Lisboa, antes de partir para Évora, onde estudou Arquitectura (agora está no ISCTE). Certo é que eu conheço a Alaa há bastante tempo e tenho por ela um respeito e carinho sem fim. E claro que conheço a Francisca, minha colega desde 2001 praticamente até ontem. Há uns meses, a Francisca perguntou-me se queria escrever os perfis de alguns dos sírios que iriam trabalhar no Mezze, perfis que aparecem nas ementas ao lado de ilustrações do João Catarino e que também irão estar o site do projecto. Claro que o fiz, eu que tanto queria encontrar formas de colaborar com a Pão a Pão. Foi assim que conheci estes sírios antes dos que agora podem saborear a sua comida no Mercado de Arroios e tive a sorte de poder começar a torcer por eles um pouco mais cedo do que a maioria. Este artigo encontra-se publicado no P2, caderno de Domingo do PÚBLICO
REFERÊNCIAS:
A viagem de todos os sonhos
Milhares de refugiados sírios estão a chegar à Alemanha, depois de, durante semanas, terem percorrido os Balcãs e a Hungria, a pé, de barco, de autocarro e comboio.Acompanhámos a viagem, de Budapeste a Munique. (...)

A viagem de todos os sonhos
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 Mulheres Pontuação: 2 Refugiados Pontuação: 14 | Sentimento 0.0
DATA: 2017-09-24 | Jornal Público
SUMÁRIO: Milhares de refugiados sírios estão a chegar à Alemanha, depois de, durante semanas, terem percorrido os Balcãs e a Hungria, a pé, de barco, de autocarro e comboio.Acompanhámos a viagem, de Budapeste a Munique.
TEXTO: Domingo à noite, compartimento 15, carruagem 10, comboio especial Viena-Munique. Os olhares e as vozes são filtrados por uma barreira narcótica de cansaço. Yussef tem 3 anos e está quase a chegar a casa. Vai a dormir, cheio de confiança. O irmão, Abud, recusa-se a descansar. É daqueles miúdos que não param. Mesmo a morrer de sono, atira-se para o chão, grita, puxa o cabelo ao pai, rebola no colo da mãe, pendura-se na janela, esperneia, exige atenção, quer mamar, ri à gargalhada, desata a chorar. Aliás, quanto mais cansado, mais eléctrico. E não se percebe de onde vem a energia que alimenta aquele corpinho de gafanhoto. Tem um ano de idade, um babygrow de pêlo branco com patas de urso e os olhos esbugalhados e vermelhos de sono e petulância. “Abud!” A mãe, Yathreb, 26 anos, está nas últimas. No limite das suas forças. “Abud! Vai ter com o pai!”Ahmad, 31 anos, levanta-se e leva o filho ao colo para o corredor. Tenta adormecê-lo, de um lado para o outro, evitando pisar os passageiros deitados no chão. “Aquele é um rapaz bom”, diz, apontando para Yussef, estendido como um anjo no banco do comboio. “Este é mau”. Todos os pais sabem que há dois tipos de crianças. Se umas são dóceis, sossegadas, comem e dormem a horas, já outras parecem ter vindo ao mundo para lhes roubar anos de vida. Funcionam em contraciclo. Ficam despertos quando todos dormem, mas adormecem quando é preciso sair de casa, e têm de ser levados ao colo. Abud, que agora despiu o babygrow de urso, e está descalço, de pijama cor-de-rosa, é um destes casos. “Quando precisamos de descansar, ele não deixa”, diz o pai. “Mas quando temos de atravessar uma fronteira a pé, clandestinamente, pela floresta, ou chegamos a um campo de refugiados, ele adormece, e temos de carregar com ele. Esta família só é feliz quando ele está a dormir”. Quando ele adormece e começa a sonhar está também na sua nova casa, na Alemanha, com o irmão e os pais. Budapeste, domingo de manhã. O parque Varosliget, nas imediações da estação de Keleti, está transformado em dormitório. Famílias inteiras ou grupos de homens acampam nos relvados entre o lago, o jardim zoológico e os castelos que são a atracção turística do parque. Sacos, mantas, tendas, roupas, garrafas de água dispõem-se ao longo dos caminhos, com a desordem própria de quem acabou de chegar e pode ter de partir a qualquer momento. “Dormíamos na estação, mas a polícia expulsou-nos a noite passada”, diz Karim, um sírio de 27 anos, calças rotas e muito sujas. “Estávamos na estação de Keleti há cinco dias, porque não nos deixavam apanhar nenhum comboio. Agora, muitos partiram a pé para a fronteira, mas nós estamos à espera de uns amigos, que ficaram detidos num campo próximo da fronteira sérvia”. Há grupos de refugiados nos passeios, nas entradas dos centros comerciais, nas passagens subterrâneas, nos acessos à estação de Keleti. São aglomerados dispersos, preparando-se para partir. Voluntários húngaros trouxeram roupa, sapatos e brinquedos para distribuir. Espalharam tudo no chão, na passagem que dá acesso às linhas férreas. Algumas mulheres aproveitam uns sapatos de criança, ursinhos de peluche, pouco mais. É óbvio que os refugiados não estão muito interessados nos donativos. A maioria quase nem traz bagagem, e não parece preocupar-se com isso. O importante é seguir viagem, não é transportar bens ou utensílios. “Quando chegarmos ao destino compraremos tudo o que precisamos”, diz Shadi, 39 anos, que veio num grupo de cinco homens. “Nós não vamos em busca de dinheiro, mas apenas de segurança. O dinheiro é fácil de obter, desde que haja paz”. Nas últimas semanas, milhares de refugiados sírios, misturados com outros de várias nacionalidades, atravessaram os Balcãs até à capital húngara, para daí seguirem para a Alemanha ou outros países da Europa ocidental. Mas o caminho foi-lhe barrado em Budapeste. Impedidos de entrarem nos comboios ou autocarros, apesar de terem dinheiro para comprar os bilhetes, foram-se amontoando na estação de Keleti. Mas sexta-feira, dia 4, algumas centenas deles tomaram uma decisão: caminhar até à fronteira austríaca. Iniciaram aquela a que chamaram a “marcha da liberdade”, preparando-se para percorrer centenas de quilómetros a pé, e não foram impedidos pela polícia húngara, como se temeu. As autoridades optaram aliás por enviar autocarros, que transportaram os refugiados até à fronteira. Aos que ainda se encontravam em Keleti, ou aí chegaram durante o dia, foi, desde o final da tarde, autorizado o embarque nos comboios que partiam para ocidente. À entrada do terminal de uma das linhas, um cartão escrito à mão em inglês indicava “Destino: Hegyesshalon, a 5 quilómetros da fronteira com a Áustria. Preço: 13 euros. Mudança de comboio aqui”. Uma seta apontava para um ponto num mapa desenhado a esferográfica: "Gyor”. Os refugiados começaram a comprar os seus bilhetes e, às 13h10m, hora marcada para a partida, surgiram de todas as direcções, numa fila imensa para entrar nas carruagens. O cais está repleto de polícias, e são eles que inspeccionam os bilhetes. A estação parece de súbito transformada numa zona militar. Onde reinava o caos, há agora uma ordem intimidante. A polícia não faz nada, excepto cortar os bilhetes e apontar o caminho para o comboio, e as pessoas avançam até à plataforma com ordem e sem grande alarido. A composição enche até não haver lugares sentados nem de pé, e arranca à hora marcada. Abdalrahman, de 15 anos, é o único homem da família, por isso é ele quem mostra os bilhetes ao revisor, que permanece sisudo, mesmo quando Isra’a, de 20 anos, irmã de Abdalrahman, sorri para ele. A tia, Zobaida, de 54 anos, olha para o chão. Estão os três muito bem vestidos, limpos, e trazem apenas uma pequena mochila cada um. Dir-se-ia que fazem uma pequena viagem de fim-de-semana, para visitar algum familiar. Mas vêm de Damasco e querem chegar à Suécia, onde têm amigos à espera. Compraram um “bilhete” completo, de que preferem não dizer o preço. O traficante garantiu que os deixava em Estocolmo, através de uma rede de contactos em vários países. O difícil seria chegar à Hungria, avisou ele. Depois, o caminho estaria aberto. Em parte tinha razão. As primeiras etapas foram duras. Chegar à Turquia e daí, da cidade de Esmirna, atravessar para a Grécia, Mitalini, depois para Kavala, Salónica, cruzar a fronteira para a Macedónia, e depois para a Sérvia. A “agência de viagens” informal tinha tratado de todos os meios de transporte, mas na fronteira da Sérvia com a Hungria abandonou-os à sua sorte. “Ficámos sozinhos, e tivemos de caminhar uns 3 quilómetros, pela floresta, à noite”, conta Isra’a. “Fomos obrigados a passar clandestinamente, porque a fronteira estava fechada, e com muitos polícias. Foi muito perigoso. Estávamos com um grupo muito grande, todos a andar em silêncio. Mas cinco rapazes foram apanhados. Foram presos e levados para um campo de detenção”. Isra’a, que usa óculos, xaile nos joelhos e um véu prateado na cabeça, faz o relato com um sorriso envergonhado, esperando uma compreensão especial para o que terá sido a primeira ilegalidade que cometeu na vida. É também a primeira vez que sai do seu país. Tem um ar de jovem de classe média alta, confundir-se-ia facilmente com uma estudante de Erasmus. É difícil imaginar como, com os seus dois acompanhantes, tão frágeis como ela, pode ter acabado de viver uma aventura tão desmesurada. Talvez eles próprios também não acreditem, ou, numa estratégia de preservar a inocência, perante si e os outros, se esforcem por fingir que nada aconteceu. Isra’a terminou este ano a licenciatura em Literatura Inglesa, e aceitou a decisão do pai de partir para a Suécia. Ele, engenheiro numa grande empresa de Damasco, e a mãe, irmã de Zobaida, juntar-se-lhes-iam em breve. “Há bairros nos arredores da cidade, muito perto da nossa casa, que estão a ser bombardeados, e onde morrem pessoas todos os dias. É muito perigoso ficar lá. O meu pai já tinha pensado tirar-nos do país, mas decidiu fazê-lo agora, porque muitas pessoas tiveram a mesma ideia. Ele achou que agora ia ser possível. Que era a altura certa. ”O comboio entra na ponte que separa Buda e Peste, nas duas margens do Danúbio. Os três sírios ficam indiferentes à beleza da paisagem. Pergunto a Isra’a se sabe o nome daquele rio. Não sabe. Ela e o irmão mantêm-se agarrados ao telemóvel durante grande parte da viagem, tentando captar algum sinal wifi. O comboio pára na estação de Tatabanya, onde há vários polícias na plataforma, o que sucederá em todas as outras paragens. Nenhum refugiado está interessado em apear-se antes da fronteira, mas a polícia mobilizou-se em grande escala para garantir que isso não acontece. Alguns agentes fardados entram no comboio e percorrem os corredores. Paramos em Gyor, mas alguém diz que afinal não é necessário mudar de comboio. Percebe-se vagamente que tudo foi alterado, que já não estamos num comboio normal, que uma lógica superior tacitamente se impôs. A partir daqui, já não há húngaros na viagem. Quem começasse agora a sonhar teria a certeza de que os líderes mundiais decidiram abolir vistos e fronteiras, e que se pode viajar livremente pelo mundo, onde uma nova ordem utópica é subitamente plausível. Na Síria, alguém teve a premonição misteriosa de que poderia partir, como se fosse portador de passaporte alemão ou britânico, sem ser detido em lado nenhum. E isso transformou-se numa ordem de acção, percorrendo à velocidade da luz a consciência colectiva. Hegyesshalon, início da tarde. Centenas de pessoas foram sendo depositadas num apeadeiro antes da pequena cidade perto da fronteira, para onde se preparam para avançar a pé. Mas o fascizante governo húngaro de Viktor Orbán mudou entretanto de política. Depois de várias semanas a impedir os movimentos dos refugiados, internando-os à força em campos prisionais, decidiu agora reencaminhá-los rapidamente para a Europa ocidental. “O meu sonho era entrar na zona da União Europeia”, diz Jamir, sírio, de 25 anos. “Percorri vários países, com grandes riscos, com o objectivo de chegar à Hungria. Aí tudo será diferente, pensei. Já estarei na Europa. A grande surpresa é que fui mais maltratado na Hungria do que em todos os outros países. Foi uma grande decepção. Afinal ainda não estava na Europa. ”Jamir, que diz já ter estado detido por uma milícia na Síria, não confia em ninguém, e só tem uma ideia na cabeça: a Noruega. Não sabe explicar porquê. Amigos falaram-lhe, viu uma vez um filme. Motivos pouco sólidos, mas não importa. Quer chegar à Noruega, e não acredita nos transportes públicos: tenciona apanhar um táxi. Talvez de Viena, se conseguir lá chegar. O preço não é problema. No cais da estação entra um comboio de alta-velocidade. Fará paragem em Hegyesshalon, mas o destino, está escrito nas carruagens, é Viena. Jamir, Isra’a, o irmão e a tia, mais umas centenas de pessoas, sobem a bordo. Um funcionário da estação ainda diz, em inglês: “Só para quem tem bilhete para Viena”. Ninguém tem, mas não é altura de discutir pormenores. A família de Isra’a passa de carruagem em carruagem, até encontrar lugar na 1ª classe. São compartimentos de luxo, ocupados por alguns húngaros e turistas, que rapidamente ficam cheios de sírios, com calças rotas e ténis sujos, sem bilhete nem passaporte. Ninguém fala com eles, mas também ninguém se queixa. Não aparece revisor, nem polícia, como se houvesse uma conspiração geral para discretamente os expulsar do país. O comboio nem pára na fronteira. Não há dúvida: o pequeno ponto azul do GPS do telemóvel surge a piscar no lado austríaco do mapa Google. Estendo o ecrã a Isra’a, que percebe imediatamente o que aquilo significa. “Finalmente estamos em segurança”, diz ela. “Refugiados, bem-vindos à Áustria”, dizem os cartazes. Um grupo de jovens voluntários e activistas está na estação distribuindo comida e bebidas, roupa, aconselhamento. Alguns seguram um papel que diz: “Tradutor. Árabe, inglês, alemão”. São muitos, e fazem os possíveis por transmitir afecto. Têm bancas com refeições quentes, distribuem kits para viagem. Isra’a treme de emoção. Está desorientada pela recepção calorosa, mas não pode perder tempo. Tem um número de telefone para onde deve ligar. O plano inclui permanecer alguns dias em Viena, até prosseguir a viagem pelo Norte da Alemanha e a Dinamarca, ficando por períodos mais ou menos longos em várias cidades, em casas ou hotéis. Tudo incluído no “pacote” previamente pago pelo pai, em Damasco. Faz o telefonema e dão-lhe uma direcção para onde se deve dirigir, de táxi. Toma cuidados para despistar os outros companheiros de viagem, despede-se e entra no carro com o irmão e a tia. Jamir fica parado, sozinho, no hall da estação, sem saber o que fazer. No meio da confusão, há correrias em direcção a uma outra plataforma. Uma composição especial está prestes a partir, já superlotada. Jovens voluntários encaminham os refugiados, dão-lhes mantimentos para a viagem, água, medicamentos. A atmosfera é de festa. “Viena-Munique”. Lê-se nas carruagens. “Ainda há lugar para mais alguns. Venham! Venham!” Jamir aproxima-se, indeciso, mas acaba por entrar. Eu sigo-o. Mais grupos trepam para as carruagens, hipnotizados pela palavra mágica — Munique. O comboio enche até ao sufoco. Os voluntários andam lá dentro, a entregar coisas, a falar com as pessoas. Ouço alguém perguntar-lhes se não faz mal não ter bilhete… Os jovens austríacos riem, distribuem abraços e carícias. “Não te preocupes. Ninguém te vai pedir um bilhete. ”Nos rostos de todos, o cansaço transforma-se numa euforia tingida de ingenuidade e loucura. Sentem que vão iniciar a viagem mais extraordinária das suas vidas. E no entanto, de todos estes passageiros, nenhum alguma vez visitou Munique, ou a Alemanha, ou até a Europa. É uma viagem para o desconhecido. E, uma vez chegados ao destino, o que acontecerá? Ninguém sabe. Nem isso os preocupa. É a Alemanha. Um fim em si mesmo. Acabou-se a infelicidade e o medo. Já ninguém desconfia de ninguém. Aqui chegados, façam deles o que quiserem. Levem-nos para campos de refugiados, façam-nos esperar meses, ou anos, por um documento de residência. Será sempre diferente, será sempre humano. Uma multidão endurecida pela guerra, agora dócil, feliz, rendida. Quem adormecesse sonharia com um paraíso chamado Alemanha. Compartimento 15, carruagem 10. “No Médio Oriente somos números. Na Europa somos tratados como seres humanos”, diz Ahmad, que partiu da Síria há 24 dias. Abud, o filho mais novo, não há meio de adormecer. De dez em dez minutos pede a mama à mãe, Yathreb. Yussef parece ter decidido só acordar na sua nova casa. “Eu minto-lhe”, admite o pai. “Ele quer compreender tudo, está sempre a fazer perguntas, e eu vou inventando explicações”. Disse-lhe por exemplo que os polícias húngaros que os levaram para a prisão eram soldados europeus que os protegeriam dos militares sírios que lhes bombardearam a casa. E que as noites passadas ao frio no campo prisional na Hungria eram um exercício de preparação para a neve do Inverno europeu, onde teriam a sua nova casa. Quem agora começasse a sonhar veria Guido, a personagem interpretada por Roberto Benigni, inventando histórias para o filho, no campo de concentração. Ahmad e a família vêm de Dara’a, a cidade do Sul da Síria onde começou o conflito. “Pensámos, ao princípio, que era uma Primavera, como na Tunísia e Egipto. Nunca pensámos que a guerra se tornasse interminável. ”Em 25 de Maio de 2012, a casa de Ahmad e Yathreb foi destruída por 13 bombas do exército governamental. Fugiram da cidade, e andaram de casa em casa, nos últimos anos. Yussef nasceu pouco depois, na Jordânia, onde tentaram refugiar-se. Ahmad, que é engenheiro agrícola de formação, trabalhou lá, com a ajuda de um primo que vive no país vizinho, mas acabou por ser expulso. Voltou, pagando mais de 1500 euros para passar a fronteira, para o nascimento do segundo filho, Abud. “Nos últimos três anos, vivemos em mais de 30 casas. Sempre a fugir de um lado para o outro, para nos pormos a salvo da violência. Até que, há dois meses, tomámos a decisão de partir. ”Era um empreendimento caro. Ao todo, Ahmad pagou 10 mil euros pela viagem. Só para os passaportes foram 4 mil, mais 1600 para o voo da Jordânia à Turquia. Não os tinha, mas conseguiu empréstimos da família e dos amigos. Todos o aconselharam a não levar mulher e filhos. Seria demasiado perigoso. O que os outros homens fazem é deixar a família num campo de refugiados na Jordânia ou Turquia, e partem sozinhos para a Europa. Mais tarde, com a situação estabilizada, viriam buscar os familiares. “Tentei encontrar pessoas de confiança que ficassem com os meus filhos, mas não encontrei. Fizemos então a opção mais arriscada: trazê-los. Se tivesse êxito, toda a missão estaria cumprida, enquanto para os outros ainda faltaria a parte mais importante. ”A parte mais dramática da viagem foi a travessia da Turquia para a Grécia. “Foi a máfia que organizou a viagem. Meteram 100 pessoas numa furgoneta, para uma viagem de 5 horas, onde mal podíamos respirar. Depois, mais 3 horas de barco. Ainda pensei desistir, mas não era possível. Eles tinham armas, e obrigaram-nos a entrar. Éramos 46 pessoas no pequeno barco, nove das quais crianças. No meio do mar, o barco começou a meter água, e acabou por afundar. Estivemos 45 minutos na água, a nadar, sem saber para onde. Tive de segurar os meus filhos no ar, com as mãos, enquanto tentava manter-me à tona. Não morreram por milagre. Os nossos companheiros de viagem, jovens que vinham connosco, sem família, ajudaram-me a salvar os meus filhos. Arriscaram a vida para não os deixarem morrer. ”Foram resgatados por um barco de pescadores gregos, levados para a ilha de Samos. “As crianças ficaram mais de 5 horas sem roupas, numa unidade militar. Um sítio onde não havia nada, nenhuma loja onde pudéssemos comprar agasalhos ou comida. Porque ficámos sem nada no naufrágio. ”Acabaram por ser metidos num barco para Atenas, 13 horas de viagem, de pé. De Atenas a Salónica, mais 9 horas de autocarro. Quando passaram a fronteira para a Macedónia, caminhando durante dez quilómetros (com Abud ao colo, sempre a dormir), e esperando mais três horas ao sol, foram agredidos por rapazes das povoações circundantes, que acabaram por ser presos pela polícia. Na fronteira entre a Macedónia e a Sérvia esperaram três dias na rua, sem água nem comida. Eram mais de 500 pessoas ali deixadas sem qualquer explicação. Os guardas não falavam inglês, e nem tentaram comunicar com eles. A travessia da Sérvia foi feita de uma vez só, de autocarro. “E a Hungria foi a grande surpresa. Inicialmente, fomos bem recebidos, com umas senhoras a darem comida e roupa, as televisões a fazerem entrevistas. Mas à noite, quando as câmaras se afastaram, e ficámos sozinhos com a polícia, a atitude mudou completamente. Trouxeram carros e levaram-nos para a prisão. Ficámos um dia a pão e água num campo militar. Os polícias eram agressivos para com as crianças, que tinham medo deles. A seguir levaram-nos para outro campo, perto da fronteira com a Roménia. ”Foi aí que Ahmad leu a notícia sobre Aylan, o menino sírio de 3 anos encontrado morto na praia, porque o barco onde seguia, na travessia para a Grécia, naufragou, precisamente como acontecera com a sua família. “Foi a primeira vez que chorei. Pensei em Yussef, que também tem 3 anos. Se tivesse acontecido alguma coisa aos meus filhos, toda a minha vida teria falhado. Chorei tanto naquele campo. Pensava: ‘O que foste fazer? Como puseste assim em risco a vida dos teus filhos! Aylan podia ser Yussef. E no entanto temos de agradecer a Aylan, porque foi a tragédia dele que mudou as atitudes na Europa. Yussef agora odeia o mar, diz que não quer ir à praia nunca mais. Mas Aylan morreu para que nós chegássemos aqui. ”Nesse campo, em Dicibrin, as condições eram ainda piores do que nos outros. Havia presos de delito comum. “Ficávamos na rua, ao frio. Pedimos cobertores para as crianças, mas não trouxeram. Ninguém falava inglês. Havia bichos. Eu ficava acordado toda a noite, a vigiar o sono dos meus filhos, com medo dos criminosos. ”Tentaram fugir. Umas duas mil pessoas tentaram chegar a Budapeste. Meteram-se num comboio, mas havia polícias em todas as estações, impedindo-os de se apearem. Voltaram a Dicibrin. Numa segunda tentaviva, partiram a pé. Caminharam duas horas, quiseram ficar num hotel, mas nenhum os aceitou. Voltaram para trás. Acabaram por conseguir apanhar um comboio para Budapeste. Daí, caminharam para a fronteira austríaca. “Uma mulher ensinou-nos o caminho, e partimos. Abud sempre ao colo. Surgiu um homem brasileiro que nos ajudou. Comprou bilhetes de comboio para 200 pessoas, até Hesysshalom. Andámos mais 5 quilómetros até à fronteira. Éramos umas duas mil pessoas. ”Na Áustria, foram recebidos calorosamente. “Era o inferno, agora era o paraíso. Vieram médicos, polícias, homens de negócios. Perguntei-lhes porque estavam ali. Disseram: para ajudar. Um homem veio falar connosco, levou-nos para casa dele, deixou-nos comer e tomar banho. ”Ahmad quer viver na Alemanha, porque acha que o país precisa dele. “É um país grande e rico, que precisa de trabalhadores, como precisou nos anos 60. A Alemanha cresceu devido aos Gastarbeiters turcos, dessa época. As pessoas que querem ir para a Escandinávia, fazem-no porque pretendem viver de subsídios. Eu não. Tenho ambição. Quero trabalhar muito, e fazer parte do crescimento de um grande país. ”Não pensa voltar à Síria. “A guerra lá vai durar pelo menos mais 35 anos. Só há dois tipos de pessoas que ficaram na Síria: os que não têm dinheiro nem ninguém que os ajude para sair, e os que lucram com a guerra. As pessoas tornaram-se más. Têm os corações negros. Todos querem combater. Durante duas gerações, ninguém vai querer a paz na Síria. Nem os sírios, nem os americanos, os russos, os sauditas e os iranianos. Todos estão a combater na Síria. ”Na janela correm as paisagens verdejantes da Áustria e da Baviera, mas nenhum dos sírios parece reparar. Ao cair da noite paramos em Salzburgo, durante uma hora. Depois viajamos por mais algumas horas, o que faz Ahmad pensar que o comboio já não vai para Munique. “Talvez já não haja espaço em Munique, e nos levem para outra cidade”, diz ele, depois de tentar informar-se com alguns dos voluntários. Mas não está preocupado. Qualquer cidade serve, desde que na Alemanha. Porque quando Yussef lhe pergunta onde é a nova casa, responde: “Na Alemanha. ” Ainda que a mulher, Yathreb, ainda sob a hipnose do tratamento afectuoso em Viena, optasse por viver na Áustria. “Talvez estejam à espera que o comboio da frente se esvazie, na fronteira, para poder avançar este”, tenta ele outra explicação, entusiasmado. Mas sempre chegamos a Munique, a meio da noite. Milhares de refugiados saem dos comboios e são encaminhados para recintos cercados, dentro da estação, onde terão de esperar por autocarros da polícia, que os levarão a alojamentos temporários, onde serão registados. Há agentes fardados por todo o lado, a conduzir os refugiados pelos caminhos determinados. Não é permitido sair dos percursos. Nos altifalantes, vozes falando em inglês com sotaque alemão dão instruções. “Please, walk to the right!”. Milhares de refugiados são conduzidos de um lado para o outro, cambaleantes. Quem começasse agora a sonhar talvez formasse na cabeça imagens arrepiantes de multidões trazidas em comboios sob ordens de soldados alemães. Um polícia grita para um sírio que tenta ultrapassar as grades, fugindo para a rua. Mas logo a seguir põe-lhe a mão na cabeça e diz a rir “Estou a brincar. Não tenhas medo. O caminho é por ali”. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Mais uma vez há comida e roupa, bebidas quentes. A multidão senta-se no chão e aguarda pacientemente. Mas não Jamir. Quer apanhar o seu táxi para a Noruega e não tem paciência para burocracias. Encosta-se a um canto, espera a oportunidade, e escapa por baixo da grade. Encontro-o mais tarde lá fora, a comer um hambúrguer no restaurante Subway. Disse-me que iria dormir ali, e de manhã procuraria o seu táxi. Quando começasse a sonhar estaria na Noruega.
REFERÊNCIAS:
A Hungria, as migrações e os direitos humanos
O posicionamento do governo húngaro face aos refugiados e os migrantes é chocante. (...)

A Hungria, as migrações e os direitos humanos
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 Migrantes Pontuação: 6 Mulheres Pontuação: 2 Refugiados Pontuação: 14 | Sentimento 0.0
DATA: 2018-11-24 | Jornal Público
SUMÁRIO: O posicionamento do governo húngaro face aos refugiados e os migrantes é chocante.
TEXTO: As autoridades húngaras mostram com sobranceria a sua satisfação por serem o país liderante na rejeição dos migrantes e refugiados. Sentem-se hoje mais à vontade, porque já não estão sozinhas. São seguidas na rejeição dos migrantes pelos países de Visegrado e por outros como a Itália, neste caso de forma igualmente radical e como um ato de propaganda permanente, pela ação de Matteo Salvini. O governo húngaro sente-se assim cada vez mais confiante, como o demonstra a forma como afronta a União Europeia e os seus valores e como tem produzido legislação cada vez mais insensível aos direitos humanos. Esta atitude revela uma chocante falta de humanidade e um cinismo desconcertante no que respeita à forma como as autoridades húngaras lidam com os refugiados e os migrantes. A Hungria assume sem nenhum pejo que trocou os direitos humanos pela segurança interna, não obstante não sofrer agora qualquer pressão das correntes migratórias. Sob a autoridade do primeiro-ministro nacionalista Viktor Orbán, começaram por reprimir duramente os migrantes em 2015, quando os fluxos migratórios se intensificaram, e continuaram depois a utilizar essas imagens como forma de propaganda. Desde então, o número de refugiados autorizados a entrar nas zonas de trânsito, em média diária, reduziu-se de 20 para dez em 2016, para cinco em 2017 e apenas um desde janeiro de 2018, não por generosidade, mas mais como exemplo para que outros não tenham a ideia de querer entrar na Hungria, uma vez que, desde julho deste ano, todos os pedidos de asilo passaram a ser recusados. No entanto, apesar de não haver qualquer hipótese de migrantes/refugiados entrarem hoje na Hungria devido às vedações com arame farpado e zonas de segurança junto à fronteira com outros países, como a Sérvia e a Croácia, nem mesmo assim deixaram de voltar a prolongar até março de 2019 aquilo a que chamam "o estado de emergência devido à emigração em massa”, ironia que permite às autoridades húngaras repelir para fora das suas fronteiras os migrantes que tentam chegar ao país, sem qualquer respeito pelos princípios humanitários ou regras do direito internacional, e aprovar todo o tipo de legislação repressiva. Oficialmente, a Hungria garante que ninguém fica em detenção na zona de trânsito de Röszke, na fronteira húngara junto à Sérvia, e que os refugiados até são livres de deixar o campo se quiserem, tal como acontece com o outro campo existente, em Tompa. Porém, não foi nada disso que observou a delegação que integrei da Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa que visitou Röszke no âmbito de uma campanha para acabar com a detenção de menores migrantes não acompanhados. As autoridades húngaras afirmam que na zona estão 78 refugiados, mas esse número não é fiável, como não o são outras informações fornecidas. A verdade é que aquela zona de trânsito é uma verdadeira prisão, com um ambiente opressivo, deprimente e fortemente policiado. Está totalmente fortificada e protegida com linhas duplas de arame farpado em redor de todo o campo e até em cima dos contentores onde estão algumas famílias de refugiados, confinadas a espaços entre 25 e 40 m2. Para irem de umas instalações para outras dentro do campo, só o podem fazer acompanhados pela polícia. Os menores afegãos que a delegação encontrou, dois com 14 anos e um com 16, disseram que eram tratados como animais. Um deles tinha sinais de automutilação nos braços e uma revolta incontida quando falava. Outro começou a chorar compulsivamente, dizendo que só queria um pouco de liberdade e que precisava do abraço da família. Este jovem foi separado na fronteira do irmão mais velho com quem fez a travessia e agora não sabe onde se encontra. Embora as autoridades húngaras afirmem que a média de permanência na zona de trânsito é de 46 dias, este jovem afegão já está em Röszke há seis meses. As autoridades húngaras consideram que, ao contrário do que dizem as Nações Unidas, as migrações são uma coisa má por serem uma fonte de problemas, sobretudo se os migrantes forem muçulmanos, o que facilmente evoca o eterno conflito étnico e religioso que sempre assolou a região próxima dos Balcãs. Então optam por tentar resolver cinicamente o problema à sua maneira, designadamente através de acordos com a Turquia para que fique com os migrantes porque, dizem, fica mais barato, ou apoiando a reconstrução de escolas, hospitais, orfanatos e igrejas nos países de origem da emigração, como por exemplo, na Síria. E assumem despudoradamente que estas ações fazem parte da sua postura solidária com a União Europeia, juntamente com os milhões que gastam no reforço das fronteiras externas. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Já no que diz respeito às ONG que trabalhavam no domínio das migrações, pedidos de asilo e integração, o governo cortou, entretanto, todo o financiamento e foi criado um novo estatuto que passa a considerar crime qualquer tipo de apoio à imigração ilegal, por menor que seja. O posicionamento do governo húngaro é chocante, porque denota uma total indiferença perante a sorte de milhares de pessoas que fogem da guerra, da violência, da perseguição e da miséria. Muitos milhares delas são pessoas vulneráveis, como crianças e jovens não acompanhados, mulheres e idosos. Esta postura entra claramente em choque com as preocupações humanitárias que as migrações exigem e com os princípios humanistas da União Europeia à qual a Hungria aderiu em 2004. Não admira, por isso, que recentemente o Parlamento Europeu tenha aprovado de forma inédita a instauração à Hungria de um procedimento disciplinar por violação grave dos valores europeus, particularmente em domínios como as migrações e o Estado de Direito. Deputado do PSO autor escreve segundo o novo Acordo Ortográfico
REFERÊNCIAS:
Palavras-chave crime direitos guerra humanos violência imigração campo prisão violação mulheres perseguição ilegal
Entre o “all you need is love” e o Portugal “contra a invasão”
Entre quem assistiu às manifestações a favor e contra a vinda de refugiados houve quem comentasse: “Nós não somos o país mais indicado para os receber. Temos cá tanta pobreza e miséria.” (...)

Entre o “all you need is love” e o Portugal “contra a invasão”
MINORIA(S): Africanos Pontuação: 2 Refugiados Pontuação: 14 | Sentimento 0.5
DATA: 2015-09-15 | Jornal Público
SUMÁRIO: Entre quem assistiu às manifestações a favor e contra a vinda de refugiados houve quem comentasse: “Nós não somos o país mais indicado para os receber. Temos cá tanta pobreza e miséria.”
TEXTO: Os quatro operários reformados dos estaleiros navais da Lisnave, confessos “homens de esquerda”, estão sentados num dos bancos de jardim da Avenida da Liberdade a ver passar a manifestação a favor da vinda dos refugiados para Portugal, que segundo a PSP chegou às cerca de mil pessoas. Separada da primeira por um bom meio quilómetro, vêem chegar a segunda manifestação, umas cerca de 40 pessoas, do partido de extrema direita Partido Nacional Renovador (PNR), “gente que não interessa a ninguém”, sentencia um deles. Sobre a situação dos refugiados comentam, à vez: “Coitados, fugiram da guerra”, “tenho pena deles”. Rui Rodrigues, de 65 anos, conta que quando viu a fotografia do menino sírio afogado ficou chocado. "Quase não consegui jantar", diz. "A minha filha até chorou”. Mas quanto à vinda de refugiados, dos 1500 de que se falou no início, ou dos três mil que agora se aponta, não têm dúvidas: “Primeiro ajudávamos os nossos”, diz José António da Silva, de 68 anos. “Nós não somos o país mais indicado para os receber. Temos cá tanta pobreza e miséria, pessoas com cursos superiores a ganharem 200 euros. Os refugiados que vão para a França, para a Suécia, para a América. ”Num banco mais abaixo, um casal assiste à mesma manifestação a discutir um com o outro. São casados, são pequenos empresários em Santarém. José Luís Latoeiro, 69 anos, fala dos retornados das ex-colónias e das tensões que causaram na sociedade portuguesa de então, lembrando que “todos acabaram por se encaixar”. A mulher, Isabel Malaquias, 55 anos, tem mais receio, e diz que, mesmo sendo a favor do acolhimento, lembra que “a situação do país é muito complicada, é muito complicado tê-los todos cá”. O marido percebe o que ela quer dizer. “Com o desemprego… pode conduzir a um racismo terrível, penetra na ignorância”, teme. “Não é por falta de coração”, completa Isabel. Já dentro das duas manifestações, as posições estão perfeitamente definidas. Há consensos. No longo mar de gente que começou no Marquês do Pombal, e foi descendo até ao Terreiro do Paço estão sobretudo jovens e empunham-se cartazes categóricos, sem nuances: “all you need is love” e “welcome home”, “ninguém escolhe ser refugiado”. A manifestação foi convocada nas redes sociais por um "movimento de cidadãos", no Dia Europeu de Acção aos Refugiados, e levou este sábado às ruas de várias cidades europeias milhares de pessoas. Na pequena manifestação de extrema-direita esvoaçam três bandeiras de Portugal e quatro do PNR, canta-se o hino nacional e grita-se “ontem, hoje e sempre Portugal independente”. Maria Leonor Figueiroa Rego, reformada de 59 anos, militante deste partido há um ano, diz que veio mostrar-se “contra a invasão do Islão muçulmano”, lembrando que, no país, “temos pessoas que são despejadas das casas, que se suicidam”. “Primeiro matamos a fome aos nossos filhos, depois aos filhos dos outros. Isso não é racismo”, grita um irado jovem de camisa preta. Gustavo Sousa, 19 anos, estudante de Belas Artes, piercing no nariz, veio com uma amiga que prefere não ser identificada, podia chamar-se Matilde. Partilham valores, ideias com o que os rodeiam ali na rua. Mas isso é o que se mostra abertamente. O que tem surpreendido Gustavo é ver em algumas pessoas da sua geração, do círculo de amigos, "pessoas que eu achava que conhecia, tendências xenófobas”. “É a situação que nos define”, diz Matilde, “é quando nos toca a nós. Quando os problemas são reais as coisas vêm ao de cima”. Leonor Rodrigues, 54 anos, está com a filha. É das poucas pessoas da sua geração que vieram apoiar a vinda de refugiados. Diz que na sua vida há um antes e um depois da fotografia do menino sírio, Aylan Kurdi. “Aquela fotografia vai ficar. Eles não têm alternativa. ”Leonor lembra-se de outros que não tiveram escolha, dos “chamados retornados”, dos dias e dias que passaram a dormir no aeroporto de Lisboa e de, nessa altura, ela lhes ter ido lá levar comida e roupa. “São casos muito parecidos. As pessoas que hão-de chegar não têm alternativas. Como é que não as podemos receber?”. Portugal está em crise, sim, “mas são coisas diferentes”. Leonor Rodrigues não tem dúvida de que a manifestação onde ela está inserida é representativa do sentir dos portugueses, acredita que os que seguem atrás são “uma pequena minoria”. “Somos um povo super-humano. ”
REFERÊNCIAS:
Entidades PSP
A dança (e a vida) no exílio
Esta sexta, Salia Sanou vem ao Rivoli com Du Désir d’Horizons, um espectáculo inspirado pelo período em que o coreógrafo orientou oficinas de dança em campos de refugiados em África. (...)

A dança (e a vida) no exílio
MINORIA(S): Africanos Pontuação: 2 Mulheres Pontuação: 2 Refugiados Pontuação: 14 | Sentimento 0.0
DATA: 2018-06-11 | Jornal Público
SUMÁRIO: Esta sexta, Salia Sanou vem ao Rivoli com Du Désir d’Horizons, um espectáculo inspirado pelo período em que o coreógrafo orientou oficinas de dança em campos de refugiados em África.
TEXTO: Há mentiras que vêm por bem. Aos 24 anos, Salia Sanou (Léguéma, 1969) disse aos pais que ia deixar o Burkina Faso. Que ia para França continuar os estudos em Direito, tornar-se advogado. “Menti”, conta, entre risos, ao PÚBLICO. Foi fazer outra coisa, bem mais interessante: dançar na companhia da coreógrafa francesa Mathilde Monnier, que o recrutou para a sua equipa de bailarinos depois de o ter conhecido no Burkina Faso, nas audições para o espectáculo Pour Antigone (1993). Em três dias, tudo mudou na vida de Salia Sanou. “Quando a Mathilde Monnier me convidou para trabalhar com ela, fiquei muito surpreendido. Adorava dançar, dançava desde criança, mas nunca me tinha passado pela cabeça ir para a Europa dançar profissionalmente. ” Passados dois anos, abriu o jogo aos pais e aos amigos. “Primeiro os meus pais ficaram em choque, mas depois encorajaram-me”, recorda. “E perceberam que podia ajudar a família financeiramente. Correu tudo bem. ”Hoje, Salia Sanou é um dos coreógrafos africanos mais bem cotados no circuito da dança contemporânea. Traz esta sexta-feira ao Teatro Municipal Rivoli, no Porto, Du Désir d’Horizons, um espectáculo em estreia nacional que tem uma longa história por trás. Há cinco anos, no âmbito de uma iniciativa da fundação African Artist for Development, Sanou e alguns bailarinos da sua companhia, a Mouvements Perpétuels, orientaram uma série de actividades em campos de refugiados no Burundi e no Burkina Faso. “Os refugiados deixam quase tudo para trás. Perdem muita coisa. Perdem a sua dignidade, perdem a sua cultura. A prioridade num campo de refugiados é sobreviver. Fazer ateliers de dança permitiu-lhes valorizarem-se a si próprios, terem algo para partilhar e fazer em conjunto, recuperando algumas das suas raízes culturais”, explica o coreógrafo. No final do projecto, “toda a gente chorou” – mesmo aqueles adolescentes com cara de poucos amigos que à chegada de Salia Sanou diziam que só dançariam se ele lhes desse dinheiro. “Chorámos todos porque aquilo lhes fazia bem”, resume Sanou. Na altura, não lhe passou pela cabeça fazer um espectáculo a partir daquela experiência, mas a verdade é que ela não lhe saiu da cabeça. Não foi por acaso que algum tempo depois começou a construir Du Désir d’Horizons. “Nos campos de refugiados vês muitas coisas. Observei as várias dinâmicas que existem nesses lugares. Há crianças por todo o lado, mas elas não têm plena consciência do que se passa. Vão-se divertindo, são muito activas. Há os adolescentes, que podem ser muito agressivos, muito chateados. Depois tens as mulheres e as mães, que são muito doces. São elas que supervisionam o que ali se passa, que estabelecem a comunicação. Os homens adultos sentem-se muito perdidos, são como zombies. Nota-se pelas expressões faciais, pela forma como se mexem”, descreve o coreógrafo. “Perceber estas diferentes dinâmicas e estados emocionais foi muito importante para mim enquanto bailarino e coreógrafo. ” E foi isso que lhe serviu de “matéria” para traçar a coreografia deste espectáculo. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Em Du Désir d’Horizons, Salia Sanou quis trabalhar o tema do exílio. Fê-lo através “da postura, dos estados emocionais, da ligação com o outro, do isolamento, da alteridade”. “Há vários momentos no espectáculo em que me foco na individualidade. Mesmo se há movimento de grupo, nenhum bailarino é igual a outro. Cada um traz a sua história, o seu corpo, a sua visão da questão do exílio”, esclarece o coreógrafo. A transitar pela coreografia há uma contadora de histórias que dá voz a excertos do livro Limbes/Limbo, Un hommage à Samuel Beckett, da escritora franco-canadiana Nancy Huston, com quem Salia Sanou está agora a colaborar na sua nova criação, uma espécie de segundo capítulo de Du Désir d’Horizons. “Para mim, esse texto fala sobre o exílio. É importante criar passagens na peça onde há voz e dar voz às experiências dos refugiados. ” Originalmente, este espectáculo contava com dois refugiados que Sanou conheceu durante os ateliers nos campos. Contudo, eles não vão estar no Rivoli: a embaixada do Burkina Faso em França não lhes concedeu os vistos para viajarem, à falta de “provas de que não iriam sair da Europa”. Apesar de o elenco da peça ser composto por bailarinos de várias etnias africanas (e não só), Salia Sanou deixa bem claro que não quer fazer de Du Désir d’Horizons uma montra de danças tradicionais do continente. “Se vires referências de danças tradicionais é porque estão ao serviço da coreografia e da história”, sublinha. “Nós vivemos neste tempo e criamos neste tempo. ” Desde 1995, ano em que fundou a companhia Salia nï Seydou com o coreógrafo Seydou Boro, que Salia Sanou procura combater a visão exoticizada e estereotipada do Ocidente perante a produção cultural africana. “Muita gente nessa altura, e ainda agora, pensa que África são só tambores. Quisemos mostrar que há linguagens contemporâneas em África. Há muitos criadores, muitos jovens artistas que fazem óptimas coisas, mas que não têm oportunidades de vir apresentá-las à Europa”, nota Sanou, que também co-dirige com Seydou Boro o centro coreográfico CDC la Termitière, em Ouagadougou, onde se realiza a bienal de dança Body LanguagesAinda que o circuito europeu de dança contemporânea continue demasiado restrito e demasiado branco ("É uma realidade", admite), o coreógrafo considera que “tem havido uma evolução de mentalidades”. A mudança, diz, depende também dos programadores. “É preciso ir a África, como foi o Tiago [Guedes, director artístico do Teatro Municipal do Porto]. Há muitos programadores que têm medo”, diz. “Não é uma questão de meios. É o medo de abrir outras portas. Ficam no seu lugar de conforto e pensam que se mudarem alguma coisa na programação o público não vai aceitar bem. Mas o público é inteligente. ”
REFERÊNCIAS:
Palavras-chave homens cultura campo criança medo espécie mulheres corpo
União Europeia reforça medidas de repatriamento de imigrante económicos
Processo de triagem entre imigrante e refugiados vão ser reforçados e repatriamentos vão ser acelerados. (...)

União Europeia reforça medidas de repatriamento de imigrante económicos
MINORIA(S): Africanos Pontuação: 2 Migrantes Pontuação: 16 Refugiados Pontuação: 14 | Sentimento 0.1
DATA: 2015-10-09 | Jornal Público
SUMÁRIO: Processo de triagem entre imigrante e refugiados vão ser reforçados e repatriamentos vão ser acelerados.
TEXTO: Na véspera das primeiras transferências de refugiados para vários países da União Europeia, os 28 Estados-membros mostraram uma frente comum sobre o reenvio sistemático dos imigrantes económicos para os seus países de origem, a “outra face da moeda” da sua política de asilo. Aqueles que “não precisam de uma protecção internacional devem regressar aos seus países de origem”, resumiu o ministro luxemburguês dos Negócios Estrangeiros, Jean Asselborn, anfitrião de uma reunião de ministros do Interior e dos Negócios Estrangeiros no Grã-Ducado. Os europeus vão accionar uma medida de solidariedade que os dividiu profundamente, transferindo esta sexta-feira de manhã 20 refugiados eritreus de Itália para a Suécia, os primeiros de um grupo de 160 mil que vão beneficiar de um programa de repartição inédito na União Europeia. Mas há “outra face da moeda”, sublinhou o comissário europeu para a migração, Dimitris Avramopoulos, no final da reunião em que os 28 se comprometeram a reforçar e acelerar as políticas de repatriamento de clandestinos, migrantes económicos africanos ou paquistaneses, por exemplo, que procuram uma vida melhor na Europa. Em 2014, apenas 39% dos migrantes ilegais que foram intimados a deixar a UE deixaram realmente o território europeu. “Só poderemos aceitar e apoiar as pessoas que precisam de protecção (os refugiados) se aqueles que não precisam dessa protecção não vierem para a EU ou forem rapidamente repatriados”, disse o ministro alemão do Interior, Thomas de Maizière. “É preciso reprimir aqueles que abusam do nosso sistema de asilo”, insistiu, por seu lado, a ministra do Interior britânica, Theresa May. Os ministros também concordaram em recorrer a uma “mistura de pressões e incentivos” junto dos países-terceiros, para que estes facilitem o regresso a casa dos seus cidadãos. Na reunião do Luxemburgo, foi também reafirmada a vontade de recuperar urgentemente o controlo das fronteiras exteriores da EU, por onde têm entrado milhares de refugiados e imigrantes, o que levou vários Estados do espaço Schengen a restabelecerem os controlos nas suas fronteiras nacionais. O ministro Jean Asselborn e o comissário Dimitris Avramopoulos anunciaram que vão deslocar-se nos próximos dias a Itália e à Grécia para avaliar como é que está a avançar a constituição dos novos “hotspots”, centros de acolhimento e registo, que devem abrir até ao final de Novembro. Será a partir destes centros que deve ser feita a primeira triagem dos que chegam, separando aqueles cuja vida não é ameaçada nos seus países e que devem ser repatriados, e os que podem ficar como refugiados com direito a pedir asilo na União Europeia. O ministro francês Bernard Cazeneuve apelou à constituição a longo prazo de um verdadeiro “corpo de guardas-fronteiriços europeus”, que possa ser destacado por decisão das autoridades europeias para zonas sujeitas a uma forte pressão migratória. Este projecto, avançado pela Comissão Europeia, não é consensual entre os Estados-membros, mas o ministro do Interior italiano, Angelino Alfano, considerou que “a Europa está pronta para uma escolha deste tipo”. Todos os Estados-membros concordaram em reforçar a agência europeia Frontex, encarregue da vigilância das fronteiras exteriores da União Europeia. A Frontex apelou esta semana aos membros da União Europeia a disponibilizarem 775 guardas-fronteiriços suplementares para “gerir a pressão migratória”. A resposta deve ser formalizada na próxima cimeira europeia em Bruxelas, nos dias 15 e 16 de Outubro. A urgência mantêm-se: só em 24 horas, a Macedónia contabilizou 10 mil entradas de imigrantes e refugiados vindos da Grécia.
REFERÊNCIAS:
Entidades UE