Há uma cidade a dar bicicletas às crianças que convencerem familiares a deixar de fumar
Kilis, na Turquia, é um dos principais pontos de acolhimento de refugiados sírios. Mas a cidade quer ser vista como mais do que um local abalado pela guerra no país vizinho, e tem um plano ambicioso para mudar os modos de vida e de locomoção dos seus habitantes. (...)

Há uma cidade a dar bicicletas às crianças que convencerem familiares a deixar de fumar
MINORIA(S): Refugiados Pontuação: 14 | Sentimento 0.0
DATA: 2018-12-12 | Jornal Público
SUMÁRIO: Kilis, na Turquia, é um dos principais pontos de acolhimento de refugiados sírios. Mas a cidade quer ser vista como mais do que um local abalado pela guerra no país vizinho, e tem um plano ambicioso para mudar os modos de vida e de locomoção dos seus habitantes.
TEXTO: Kilis é uma pequena cidade turca, junto à fronteira com a Síria, que nos últimos anos tem sido notícia por ser um dos principais locais de acolhimento dos milhões de refugiados que escaparam à guerra no país vizinho. E é também uma cidade barulhenta, cheia de motas e scooters, que quer passar a ter nas bicicletas o seu principal meio de transporte. Para concretizar esta mudança, a autarquia de Kilis começa pelos mais novos. As autoridades estão agora a oferecer bicicletas a crianças e jovens que assumam alguns compromissos: convencer um familiar a deixar de fumar; terem boas notas na escola e melhorarem o rendimento numa disciplina em que tenham maiores dificuldades, e prometerem usar a bicicleta pelo menos uma hora por dia. “Até agora, distribuímos mais de 4 mil bicicletas e nossa meta é distribuir pelo menos 15 mil”, explica o presidente da câmara de Kilis, Hasan Kara, citado pelo jornal britânico The Guardian. O objectivo do autarca é criar na cidade um ambiente habitável para toda a população. “Demos prioridade ao projecto das bicicletas porque o uso de motocicletas e carros é muito comum. Agora já vemos crianças a fazer o caminho para a escola de bicicleta", diz ao diário londrino. Além deste projecto para crianças, a autarquia construiu uma ciclovia de seis quilómetros ao longo de uma rua na periferia da cidade, à qual deverão juntar-se em breve outras ciclovias que irão ligar toda a urbe. A câmara de Kilis conta com o apoio financeiro do Governo turco mais vai procurar também a ajuda da União Europeia. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Desde 2011, ano em que se iniciou a revolta contra o regime sírio Bashar al-Assad que acabou por se transformar numa sangrenta guerra civil que dura até hoje, milhões de sírios procuram um porto seguro na Turquia — ou fizeram daquele país um ponto de passagem rumo à Europa. Kilis é uma das cidades turcas que mais refugiados acolheu em termos relativos, duplicando rapidamente a sua população para mais de 200. 000 pessoas — o árabe passou a ser a língua mais falada e muitas lojas passaram a exibir sinais e ementas naquele idioma. E foi também atingida, em algumas ocasiões, por artilharia disparada pelo lado sírio da fronteira, tanto pelo Daesh como pelos rebeldes curdos. Agora, Hasan Kara quer que Kilis afaste a imagem de um local destabilizado pela guerra e que seja vista como uma cidade acolhedora para refugiados e para todos os que queiram viver em paz.
REFERÊNCIAS:
Palavras-chave guerra escola ajuda
Desobediência ou solidariedade? Nuno filmou o vale francês que abre a porta aos migrantes
Nuno Escudeiro encontrou num grupo de “cidadãos comuns” a “solidariedade” que faltava mostrar nos documentários sobre migração. O premiado The Valley segue uma comunidade que começou a albergar refugiados nas suas casas. É, também, uma chamada à acção. (...)

Desobediência ou solidariedade? Nuno filmou o vale francês que abre a porta aos migrantes
MINORIA(S): Refugiados Pontuação: 14 | Sentimento 0.0
DATA: 2019-06-18 | Jornal Público
SUMÁRIO: Nuno Escudeiro encontrou num grupo de “cidadãos comuns” a “solidariedade” que faltava mostrar nos documentários sobre migração. O premiado The Valley segue uma comunidade que começou a albergar refugiados nas suas casas. É, também, uma chamada à acção.
TEXTO: Começaram por dar comida a quem viam chegar a pé, exaustos, pelo meio das montanhas. “E depois”, vemos sorrir um dos habitantes do vale de Roya, nos Alpes franceses, “depois…”. Depois, as acções humanitárias daquela comunidade na fronteira franco-italiana tornaram-se políticas. Jurídicas. Mediatizadas. Altamente policiadas. E um hino a um dos três pilares da democracia francesa: fraternité (fraternidade). Naquele vale, passa-se um pedaço de história que Nuno Escudeiro, realizador de 32 anos, raramente via discutida quando se fala em refugiados que, neste caso, fogem de África e procuram asilo na Europa. “Sempre senti que não houve uma responsabilização por parte da sociedade civil”, diz, ao telefone com o P3. Isto até conhecer pessoas como Cédric Herrou, um agricultor com uma plantação de oliveiras que já foi várias vezes detido e julgado por não conseguir ignorar “o caos que se estava a passar imediatamente atrás da sua propriedade”. The Valley segue os “actos de solidariedade” — para uns, de desobediência civil, para outros — de “cidadãos comuns”, como Cédric, que alteram rotinas diárias e abrem a porta de casa a pessoas que estão de passagem, depois de arriscarem a vida numa viagem com poucas certezas. Não é sobre esta travessia que fala o documentário que valeu a Nuno Escudeiro o prémio de Melhor Realizador Emergente Internacional no Hot Docs, o festival canadiano onde o filme se estreou (ainda não há datas de exibição em Portugal). Já há “muitos outros” filmes que falam sobre o assunto, diz-nos agora. Ao realizador tomarense importava mostrar “humanidade”. É por isso que The Valley é, também, uma chamada à acção. Como diz um advogado que trabalha com o grupo, a certa altura, no filme: “Muitas vezes, enquanto cidadãos, dizemos: Porquê eu e não os outros? E normalmente paramos por aí. ”Eles não. Os membros da associação Roya Citoyenne, além de providenciarem comida, abrigo e ajuda legal, transportam migrantes “em situação irregular” — um crime — tentando passar pelos vários bloqueios policiais que, entretanto, começaram a vigiar o vale. “Tu hoje se lá fores a cada cinco quilómetros vês um carro da polícia”, descreve o realizador que durante dois anos e meio visitou a zona. Uma forma de “pressão” para dividir e enfraquecer as acções da comunidade, acredita, que também tem opositores entre os vizinhos franceses. Em Abril, depois de a equipa responsável pelo documentário deixar o vale, um dos membros da associação, que albergava na altura seis nigerianos, foi agredido, em casa, por “15 pessoas”. Desde que deixou Portugal, há sete anos, Nuno Escudeiro viveu na Finlândia e depois em Itália. Para este filme acontecer, mais importante ainda foi o realizador ter vivido “sempre junto de fronteiras”. “Conseguimos saber mais sobre a identidade de um país quando estamos na fronteira e vemos o contraste do outro lado. ” É lá, analisa, que se questiona “realmente o que é um país”. Foi também junto a essas fronteiras europeias que o realizador começou a conhecer pessoas que ajudavam refugiados — sempre de forma clandestina. Mas em Roya e Durance os grupos de auxílio eram vocais, andavam à procura de mais membros, começavam a desafiar o próprio Estado francês. E a sentir as “repercussões” dessas decisões. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. A relação entre migrantes e cidadãos com polícias e militares está no centro de alguns dos momentos mais tensos do documentário. “Tudo está ali muito presente naquela área. E tu consegues senti-lo”, lembra-se Nuno. Cédric Herrou, que consegue ver os carros da polícia enquanto anda pelo meio dos olivais, acusa-os de o deixarem “paranóico”. Há quem acuse as autoridades de “distorcerem a lei”, “mentirem” e “forjarem documentos oficiais” de forma consciente para enviarem migrantes, muitos deles menores de idade, de volta para Itália, sem registarem o pedido de asilo. Desde que a fronteira entre Ventimiglia e Menton foi fechada, as autoridades locais foram condenadas por 417 violações de direitos humanos. Culpa de “medidas usadas para comunicar medo e não para estar do lado da dignidade humana”, acredita Nuno, que defende que “pouca coisa mudou” na sequência de políticas como o fecho dos portos. O fluxo migratório que o fecho da fronteira não conseguiu travar é concretizado numa imagem do filme onde se vê, ao amanhecer, uma fila de dezenas de pessoas a descerem pela montanha em direcção à cidade. “Eu perguntou-me: como é que chegamos aqui? Foi possível passo a passo. Habituamo-nos a isto”, discursa Cédric em frente a uma pequena plateia a quem apela: “É importante continuarmos a repetir: Isto não é normal. Nós não podemos nunca nos habituar a isto. ”
REFERÊNCIAS:
Palavras-chave crime direitos lei humanos ajuda comunidade medo
Em Moria, três meses parecem 300 anos
Autoridades gregas retiraram 300 refugiados dos campos de internamento nas ilhas para Atenas, mas há 7000 pessoas num local destinado a 2000. “Saí de uma guerra e cheguei a outra”, diz um deles. (...)

Em Moria, três meses parecem 300 anos
MINORIA(S): Mulheres Pontuação: 2 Refugiados Pontuação: 14 | Sentimento 0.0
DATA: 2017-12-04 | Jornal Público
SUMÁRIO: Autoridades gregas retiraram 300 refugiados dos campos de internamento nas ilhas para Atenas, mas há 7000 pessoas num local destinado a 2000. “Saí de uma guerra e cheguei a outra”, diz um deles.
TEXTO: É rara a noite em que a bebé de Samar não acorda em sobressalto. Pode ser uma cobra na tenda, um rato, ou uma luta lá fora, uma pedra lançada com força a cair bem perto. O campo de refugiados pode ser especialmente duro para as mulheres: muitas dormem com fraldas para não terem de ir sozinhas à casa de banho durante a noite. Há quem prefira dormir ao lado do campo de Moria, ou mesmo na praça principal de Mitlini: sentem-se mais seguros. Uma reportagem da revista Der Spiegel no campo traça um cenário de desolação e desespero: Moria é “a vergonha da Europa”. Um forte cheiro a urina e lixo faz antever as condições do campo mesmo antes de se entrar. Lá dentro, homens acotovelam-se para chegar à distribuição de comida, muitos só com sandálias nos pés. O chão é uma sopa de lama, pontilhada por centenas de sacos de plástico. Mães mudam fraldas de bebés junto a caixotes do lixo a transbordar. “Moria, grande problema”, avisa um dos refugiados. O campo foi pensado para ser um local de registo e trânsito para 2000 pessoas e ali estão agora cerca de 7000. Nas cinco ilhas com os centros de registo, os então chamados hotspots (para além de Lesbos, Samos, Quios, Leros ou Kos), há um total de 15. 000 refugiados. As ilhas gregas mais perto da Turquia estão desde 2015 na linha da frente da chamada crise dos refugiados na Europa: com vindas dramáticas de pessoas em barcos apinhados, imagens que foram captadas por câmaras, inúmeros artigos nos jornais. Um acordo com a Turquia em 2016 fez diminuir o número de chegadas, mas também ditou que as pessoas não seguissem viagem para Atenas. A espera dos refugiados já não é tão documentada, nem divulgada. E se no ano passado a ilha de Lesbos ganhou um prémio pelo modo como acolheu os refugiados, este ano os ânimos estão exaltados e a tensão entre refugiados e habitantes tornou-se diária, conta o Wall Street Journal. O número de pessoas a chegar às ilhas voltou a aumentar nos últimos meses, com quase 3000 pessoas em Novembro. Este aumento quer dizer que as decisões sobre os pedidos de asilo demoram ainda mais tempo. O responsável pela equipa que analisa os casos, Marios Kaleas, diz à Spiegel que a maioria das decisões demora três meses. “O problema é só que as condições aqui são tão más que três meses parecem 300 anos. ”Em Moria “as pessoas estão apinhadas como sardinhas em lata, grupos criminosos lutam uns contra os outros, mulheres dormem com fraldas de adultos para não terem de ir sozinhas à casa de banho durante a noite”, conta Rallou Kralli, de um grupo local de apoio a refugiados, ao diário grego Kathimerini. “Não quero sequer pensar no que será ser adolescente, uma rapariga, ou grávida no campo de Moria. ”Samar Elmonazed, uma síria de 20 anos, está há três meses numa tenda no campo de Moria, com a filha de 11 meses. “Cobras, ratos, escorpiões e lutas: é com estas coisas que lido todos os dias”, conta ao Wall Street Journal. Recentemente, Almonazed engravidou, mas sofreu um aborto. Além da perda do bebé, ficou sem a oportunidade para ser incluída num grupo de pessoas vulneráveis, o que significaria poder sair do campo. O jornal nota que houve um aumento nas gravidezes de refugiadas no campo – a situação é tão desesperada que as pessoas tentam medidas radicais para sair. Também aumentaram automutilações, tentativas de suicídio e suicídios. Um refugiado sírio contou à Al-Jazira como recentemente cortou os pulsos. Pensou que morreria ou seria transferido do campo. Levou uns pontos e foi mandado de volta para Moria. Outro refugiado sírio, na ilha de Quios, pegou fogo à sua roupa em protesto pelas condições no campo, conta o site grego Macropolis. Morreu dias depois. “Saí para fugir de uma guerra e acabei noutra”, disse à Der Spiegel o sírio Omar Sherki, que vive, como centenas de outros homens, ao lado de Moria. Mostra vídeos de batalhas à noite no campo. Prefere viver ali, sem electricidade e a tomar banho de mangueira, do que enfrentar o perigo da violência. Uma medida do desespero para sair dali é o preço das viagens pagas pelos refugiados aos traficantes: agora, uma viagem entre Lesbos e a Grécia continental é mais cara do que uma viagem da Turquia para Lesbos: a primeira custa entre 1000 e 1200 euros; a segunda 600 euros. Há semanas, depois de uma carta aberta de 20 ONG, o Governo grego levou 2000 pessoas das ilhas de Lesbos e Samos para a Grécia continental. Esta quinta-feira, mais 300 pessoas em situação vulnerável foram levadas de Lesbos para o porto do Pireu, em Atenas. A agência Reuters falou com um dos refugiados à chegada: “Estava no inferno e cheguei ao céu”, disse simplesmente Mohammad Firuz, de 30 anos. No total, diz o Alto Comissariado da ONU para os Refugiados (ACNUR), 30. 000 refugiados terão conseguido, através de redes de tráfico, sair da Grécia desde o encerramento das fronteiras em Março de 2016 (outros 30 mil refugiados estão em campos pelo país, diz a organização). Mas as restrições estão a apertar cada vez mais: as autoridades alemãs, por exemplo, têm medidas especiais para voos provenientes da Grécia: ninguém escapa, até o líder do partido conservador Nova Democracia, Kyriakos Mitsotakis, contou como foi submetido a um controlo mais demorado ao aterrar na Alemanha. O Governo alemão justifica as medidas pelo maior número de chegadas com passaportes falsos vindas da Grécia: 1000 entre Janeiro e Outubro deste ano. As tendas do campo de Moria são de Verão, mas na ilha o Inverno é rigoroso. O ano passado morreram seis pessoas, mas a causa da morte nunca foi determinada. Três morreram na mesma tenda: a 24 de Janeiro, o egípcio Ahmad Abdelaziz, 20 anos, quatro dias depois, Mustafa Mustafa, sírio de 46 anos, e no dia seguinte um jovem paquistanês. Os sintomas apontavam para envenenamento por monóxido de carbono, provavelmente por terem tentado aquecer a tenda, com madeira a arder dentro de latas ou outro meio para conseguir um pouco de calor, como queimar lixo. Uma investigação do Kathimerini procurou respostas para estas mortes. Normalmente, diz o jornal, em casos de mortes por excesso de monóxido de carbono os resultados demoram entre dois a três meses a chegar. Passaram dez. Organizações não governamentais como a alemã ProAsyl e a Refugee Support Aegean dizem que há falta de vontade política para investigar os casos. Este Inverno ainda não foram tomadas medidas para a prevenção do tempo frio. O Governo quer mais alojamento nas ilhas, mas os autarcas recusam a medida. O presidente da câmara de Samos, Michail Angelopoulos, diz ao Wall Street Journal que o que resulta desta ideia é “uma Guantánamo na Europa”. Não é a primeira vez que a imagem da prisão norte-americana em Cuba, que se tornou sinónimo de vazio legal e maus-tratos aos prisioneiros, é usada para comparação com os campos das ilhas gregas. Em Quios, as autoridades locais interpuseram uma acção em tribunal contra o Governo central pela intenção deste aumentar a capacidade do campo. O tribunal decretou a suspensão das obras até ao caso ser apreciado – em Janeiro. Em Lesbos, o presidente da câmara, Spyros Galinos, diz à Der Spiegel que não percebe porque é que o Governo não deixa os refugiados seguir para o continente onde há mais possibilidade de acolhimento. O acordo com a Turquia obriga a que os refugiados esperem pela análise do seu caso na ilha, porque se o pedido for recusado serão enviados de volta e é preciso garantir que se trata da mesma pessoa. Mas Galinos acha (e a ideia é partilhada por muitos outros responsáveis) que o objectivo é desencorajar os refugiados de viajar até às ilhas gregas: “é para dar a ideia que a rota do Egeu não vale a pena”, declara. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. “O acordo entre a União Europeia e a Turquia inclui fortes elementos de dissuasão”, disse Gabriel Sakellarides, director da Amnistia Internacional na Grécia, ao Wall Street Journal. “Não há considerações políticas que justifiquem desrespeitar deste modo os direitos humanos. ”A investigadora da Human Rights Watch Eva Cossé diz o mesmo: “Nada pode justificar manter-se estas pessoas encurraladas nestas condições horríveis mais um Inverno. ”“Estamos numa corrida contra o tempo”, diz Jana Frey, responsável pelas operações do International Rescue Committee, à Reuters. “A não ser que as pessoas sejam autorizadas e mover-se, vai haver mais mortes este ano. ”
REFERÊNCIAS:
Turquia estará a expulsar sírios, mas nem isso trava acordo europeu
Amnistia Internacional acusa UE de, na ânsia de fechar as fronteiras, estar a ignorar "o simples facto de que a Turquia não é um país seguro para os refugiados". 500 das pessoas que estão nas ilhas podem ser mandadas para trás na segunda-feira. (...)

Turquia estará a expulsar sírios, mas nem isso trava acordo europeu
MINORIA(S): Mulheres Pontuação: 2 Refugiados Pontuação: 14 | Sentimento 0.0
DATA: 2016-10-25 | Jornal Público
URL: https://arquivo.pt/wayback/20161025003625/https://www.publico.pt/1727784
SUMÁRIO: Amnistia Internacional acusa UE de, na ânsia de fechar as fronteiras, estar a ignorar "o simples facto de que a Turquia não é um país seguro para os refugiados". 500 das pessoas que estão nas ilhas podem ser mandadas para trás na segunda-feira.
TEXTO: A três dias da data prevista para começar a mandar de volta para a Turquia as pessoas que chegaram às ilhas gregas nas últimas duas semanas, a Amnistia Internacional desferiu um duro golpe contra um dos pilares em que assenta o acordo firmado entre Ancara e a União Europeia. Contrariando de forma flagrante as obrigações de um “país seguro”, as autoridades turcas estão a forçar centenas de refugiados sírios a regressar ao seu país em guerra, denuncia a organização de defesa dos direitos humanos. Foi a chanceler alemã, Angela Merkel quem, no final da cimeira europeia de 18 de Março, anunciou que as primeiras expulsões aconteceriam a 4 de Abril. No mesmo dia, adiantou, a UE começaria a cumprir a sua parte do acordo, recebendo pelas vias legais um número equivalente de refugiados identificados pela Turquia como estando em situação mais vulnerável. Já nesta sexta-feira o Governo alemão confirmou que o primeiro grupo de refugiados sírios – “algumas dezenas”, “sobretudo famílias com crianças” – vai chegar ao país na segunda-feira, como previsto. Mas à entrada para o fim-de-semana, não era ainda certo se Atenas ou Ancara vão estar em condições de cumprir a parte mais difícil do acordo – a de colocar pessoas em barcos para fazerem o percurso inverso àquele em que arriscaram a vida e gastaram o dinheiro que tinham. As Nações Unidas, as organizações de defesa dos direitos humanos e juristas sucedem-se nas críticas a um acordo que a UE diz ser imprescindível para reconquistar o controlo sobre as suas fronteiras, depois de um milhão de pessoas ter chegado à Europa em menos de um ano. O contraponto, denunciam os críticos, é que todos os que chegaram depois de 20 de Março (dia em que o acordo entrou em vigor) passaram a ser classificados como “migrantes irregulares”. E mesmo os que teriam direito a asilo na Europa, arriscam-se a ser mandados para trás, com base na promessa feita pela Turquia de dar protecção internacional a todos os sírios fugidos da guerra e aos que cheguem ao país através daquela fronteira. Mas não é isso que está a acontecer na prática, garante a Amnistia Internacional. “Nas províncias do Sul, as autoridades turcas estão a reunir e a expulsar quase todos os dias, desde meados de Janeiro, grupos que rondam uma centena de homens, mulheres e crianças”, denuncia um relatório da organização, baseado em entrevistas com famílias de pessoas deportadas. Muitos dos que estão a ser levados não se registaram como refugiados – passo essencial para aceder aos serviços básicos –, mas a Amnistia diz ter também relatos de sírios que foram expulsos por não terem consigo os documentos no momento em que foram interpelados pela polícia. Entre os que foram expulsos estão três crianças, de 11, 10 e 9 anos, que viviam com a família alargada em Antakya, no Sul da Turquia, e que foram detidas quando estavam num parque acompanhadas apenas por dois tios. Como só um deles tinha documentos, foram todos detidos, levados de autocarro para a fronteira de Bab al-Hawa e reconduzidos à Síria, onde permanecem num campo para deslocados. “Eles não estavam sozinhos. Ao todo eram sete autocarros, com cerca de 30 pessoas cada – a maioria famílias”, contou um dos familiares das crianças à Amnistia, cujos investigadores consideram “altamente provável” que a Turquia tenha expulsado “milhares de refugiados nas últimas sete a nove semanas”. “No desespero para selar as suas fronteiras, os líderes da UE ignoraram intencionalmente o mais simples dos factos: a Turquia não é um país seguro para os refugiados sírios e está a tornar-se menos seguro a cada dia que passa”, acusou John Dalhuisen, director da Amnistia Internacional para a Europa e Ásia Central, avisando que, se o acordo negociado com Ancara for posto em marcha, “há um risco muito real de que algumas das pessoas que a UE reenviar para a Turquia podem ter o mesmo destino” dos que já foram reconduzidos ao país em guerra. Um porta-voz do Ministério dos Negócios Estrangeiros turco ouvido pela Reuters assegura que nenhum sírio foi mandado de volta para o seu país contra a sua vontade e recorda que, sozinho, o país recebeu nos últimos cinco anos 2, 7 milhões de sírios, quase o triplo de todos os refugiados que chegaram à Europa em 2015. O Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR) partilha, no entanto, algumas das reticências da Amnistia e, nesta sexta-feira, voltou a pedir à UE que não comece os reenvios “até existirem garantias de que todos os mecanismos legais de salvaguarda estão a ser aplicados”, o que ainda não acontece. O ACNUR teme sobretudo que a Turquia comece a deportar refugiados em massa para o Irão, Afeganistão ou Eritreia, países com os quais está a negociar acordos de readmissão, desvalorizando os riscos para a sua segurança. Apesar das incertezas, das denúncias e dos alertas, os responsáveis europeus acreditam que na segunda-feira haverá pelo menos um barco a sair das ilhas gregas – presumivelmente de Lesbos – em direcção ao porto turco de Dikili, nos arredores de Izmir. “Há um compromisso firme da Turquia e da Grécia para reenviarem 500 pessoas no dia 4, salvo problema de última hora”, disse à AFP uma fonte europeia, acrescentando que o primeiro grupo será escolhido entre “sírios, afegãos e paquistaneses que não tenham pedido asilo”. A Turquia assegura também que tem tudo pronto para, no mesmo dia, enviar para a Europa os primeiros refugiados. Pressionada pelos parceiros europeus, a Grécia aprovou nesta sexta-feira uma alteração à lei de asilo para permitir o reenvio de refugiados para “países terceiros seguros” – a Turquia não está explicitamente referida na proposta, dadas as reticências de Atenas com as acções do Governo de Ancara em relação à minoria curda ou à liberdade de imprensa. Mas o país espera ainda os 2300 agentes europeus que lhe foram prometidos para o ajudar a registar e a processar todos os pedidos de asilo – sem isso, ninguém poderá ser enviado de volta. A incerteza agrava o ambiente de tensão entre os milhares de refugiados encurralados no país, a viver em condições cada vez mais degradantes, seja na fronteira de Idomeni (onde 11 mil pessoas não desistem há semanas de esperar pela reabertura da fronteira), no porto de Pireu (seis mil refugiados retirados das ilhas foram amontados ali nos últimos dias) e sobretudo nas ilhas do Egeu, onde todos os que chegaram desde 20 de Março são mantidos em regime fechado nos centros que eram até agora de registo. Nos últimos dias houve confrontos em vários locais – oito pessoas ficaram feridas quarta-feira numa rixa entre afegãos e sírios no porto de Piréu – e nesta sexta-feira cerca de 300 dos 1500 refugiados detidos no centro de registo de Chios, derrubaram a vedação de arame farpado, dirigindo-se para o porto da ilha. “Dizem que não querem voltar à Turquia e temem pela sua segurança depois dos confrontos da noite passada”, contou à Reuters um porta-voz da polícia local, referindo-se a confrontos entre grupos de diferentes nacionalidades que tinha já provocado avultados danos no centro. “O risco de pânico e de ferimentos nestes locais é real”, voltou a avisar o ACNUR, que se opõe ao regime de detenção imposto pelas autoridades gregas.
REFERÊNCIAS:
Entidades UE
E se a Europa fosse mais como “Lesbos, a ilha da solidariedade”?
A advogada Christina Velentza está a investigar a capacidade de resposta do seu país e da UE à crise dos refugiados. Há uma deriva cada vez maior para uma resposta centrada na segurança em vez da garantia dos direitos humanos. (...)

E se a Europa fosse mais como “Lesbos, a ilha da solidariedade”?
MINORIA(S): Mulheres Pontuação: 2 Refugiados Pontuação: 14 | Sentimento 0.5
DATA: 2016-10-25 | Jornal Público
URL: https://arquivo.pt/wayback/20161025003625/https://www.publico.pt/1725885
SUMÁRIO: A advogada Christina Velentza está a investigar a capacidade de resposta do seu país e da UE à crise dos refugiados. Há uma deriva cada vez maior para uma resposta centrada na segurança em vez da garantia dos direitos humanos.
TEXTO: É às costas da ilha grega de Lesbos que mais refugiados têm chegado, ao ritmo de mais de 2000 por dia. E aqui têm sido bem recebidos pelos habitantes locais. “Chamam-lhe a ‘ilha da solidariedade’”, diz Christina Velentza, uma advogada grega, especialista em direito dos refugiados. “Por motivos históricos, os refugiados têm um valor simbólico para a comunidade local. Nos anos 1920, houve grandes movimentos de troca de populações, gregos que foram expulsos da Turquia, e muitos estabeleceram-se em Lesbos. Muitas pessoas ali têm uma memória do que é ser uma população deslocada à força”, explica. Para quem vem da Turquia, é uma curta viagem por mar de cinco quilómetros – mas que se pode complicar, e muito, no Inverno, se o tempo estiver mau. Outras pequenas embarcações, por vezes apenas barcos de borracha, dirigem-se a outras ilhas gregas – há muitas ali, próximas da costa turca. Kos, Samos, Chios, Leros, são pontos de chegada importantes. Mas em Lesbos houve uma grande mobilização da sociedade civil, desde o início da crise, no Verão passado, e foi também ali que se instalaram primeiro as grandes organizações humanitárias internacionais. Velentza está a trabalhar no seu doutoramento na Chatham House, em Londres, e fez trabalho de campo em Lesbos. Esteve na ilha na última semana de Janeiro, a fazer investigação para o seu doutoramento, a avaliar a capacidade de resposta grega, e o mecanismo de recolocação de refugiados da União Europeia. No fim deste mês, irá à Turquia, fazer o mesmo tipo de avaliação. “Quanto estive em Lesbos, a situação estava muito difícil e o tempo estava muito mau. Chegavam barcos todos os dias – por vezes até 15 por dia, 2000 a 3000 pessoas diariamente, vindas da Turquia. A maioria eram sírios, afegãos ou iraquianos. Mas também muitos do Paquistão, Bangladesh, alguns iranianos, bastantes curdos sírios. Pela minha experiência, confirmada pelas estatísticas do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados [ACNUR], a maioria eram mulheres e crianças”, diz Velentza. Segundo os últimos números do ACNUR, 60% das pessoas que estão a chegar à Grécia em busca de ajuda são mulheres e crianças. “Todo esse discurso de a maioria serem homens jovens e à procura de trabalho é falso”, sublinha a advogada grega. Crianças sem protecçãoChegam muitas crianças sozinhas, que acabam por não ter o acompanhamento que lhes seria devido, como um grupo especialmente vulnerável. “No centro de Kara Tepe, em Lesbos, há um sítio específico para crianças não acompanhadas, onde há cerca de 200 crianças. É um local sob protecção do Procurador da República”, explica Velentza. Esta é uma autoridade judicial com poder executivo e independente dos tribunais, que “tem como dever a defesa dos cidadãos e a defesa da ordem pública, que só deve obediência à lei e à sua consciência”, segundo a definição do organismo. “Pela minha experiência, o que acontece é que há uma falta de protecção e representação legal dos menores não acompanhados no sistema grego. Não há fundos suficientes para garantir um sistema de protecção das crianças. Quem se chega à frente são várias organizações não-governamentais no terreno, que actuam como os seus como guardiões legais”, clarifica. Os sucessivos resgates da economia grega e as duras condições impostas pelos credores à Grécia agravaram ainda mais a situação. “Sempre que há um pedido de asilo apresentado por um menor, este é comunicado ao Procurador, em Atenas. Mas por causa de toda esta austeridade, e da falta de pessoal nos tribunais, o que se está a passar, na prática, é que tem sido impossível tomar decisões sobre esses pedidos”, diz. Com as fronteiras dos Balcãs efectivamente fechadas para os refugiados, estes estão a ficar retidos na Grécia. Segundo as contas mais recentes do ACNUR, há 8729 pessoas nas ilhas gregas, e pelo menos 2000 em Atenas. E na fronteira de Idomeni, junto à Macedónia, o ministro dos Assuntos Europeus grego, Nikos Xydakis, dizia ao PÚBLICO na semana passada que estavam 17 mil pessoas – embora as estimativas variem muito. E em todo o território da Grécia há perto de 40 mil refugiados, que querem seguir para outros países – sobretudo a Alemanha. “Os traficantes cobram 800, 1000 euros para os levarem de Atenas para o Norte, e não sei até que ponto é que as pessoas estão informadas de que a fronteira está fechada”, diz Christina Velentza. Foi posto em prática um mecanismo de coordenação em toda a Grécia, com os presidentes de câmara e seis ministérios. Há quatro abrigos principais em Atenas, e estão a ser identificados mais locais que possam servir como abrigos no Norte e Noroeste, na região de Epiro, e um pouco por todo o país” explica. “E há uma grande mobilização da sociedade civil, para arranjar alimentos, cobertores, e outros bens essenciais. ”O “jogo” turcoA única resposta a nível europeu que está em cima da mesa é a contraproposta apresentada pela Turquia na semana passada à Comissão Europeia e aos Vinte e Oito, de aceitar receber as pessoas que os países europeus considerem ter entrado ilegalmente no espaço europeu, ainda que seja sírio. Em troca, a UE compromete-se a instalar num país europeu um sírio que esteja na Turquia de forma legal. Este compromisso de Ancara vale ainda mais 3000 milhões de euros, para além dos 3000 milhões que a UE tinha já oferecido para que este país reduzisse o fluxo de refugiados que chegam às costas gregas – até agora, sem grandes resultados. Além disso, Ancara reclama a abertura das fronteiras Schengen para os cidadãos turcos, sem necessidade de vistos, já a partir de Junho. A Turquia pretende ainda a reabertura das negociações para adesão à União Europeia, que tem estado bloqueada, entre outros motivos, por causa do veto da República Chipre a seis dos capítulos. Só 14 dos 33 dossiers foram abertos até agora. Chipre, no entanto, garante que manterá o seu veto na cimeira de 17 e 18 de Março, e vários países expressaram cepticismo quanto ao cumprimento pela Turquia dos mais de 70 critérios necessários para que os seus cidadãos possam circular livremente nas fronteiras Schengen. “Não estou muito optimista, mas sou uma advogada de direitos humanos. O que a Turquia propôs foi um jogo, que a UE aceitou jogar com as regras impostas pelos turcos”, comenta Velentza. Devolver refugiados à Turquia pode ser problemático, frisa, em uníssono com o que têm dito o ACNUR e outras organizações de defesa dos refugiados. “A Turquia não reconhece o estatuto de refugiado tal como consagrado internacionalmente. Tem um estatuto temporário de protecção, em que não é permitido aos refugiados ter emprego, ter acesso à educação”, explica“Além disso, há muitos refugiados sírios a viver em cidades na Turquia, e não em campos. A maioria, aliás, está nas cidades. Precisamos de reflectir sobre as implicações do que é proposto no acordo da UE com a Turquia. Acabámos a falar da entrada da Turquia para a União Europeia, em vez de como lidar com os refugiados. A Turquia devia ser parte da solução, mas a Grécia e os Estados-membros da UE deviam assumir as suas obrigações legais”, sublinha a advogada grega. A Comissão Europeia comprometeu-se a apresentar um relatório sobre a reforma dos regulamentos de Dublin – que estabelecem a regra de que os refugiados devem pedir asilo no primeiro país da UE a que chegam, ainda que não seja nesse que pretendem ficar. Esse desequilíbrio sobrecarrega, há anos, os países do Sul, e leva os do Norte a criticar a Itália e a Grécia, por considerarem que não estão a cumprir o que está estabelecido, sem registar devidamente todas as entradas de migrantes. Seria uma oportunidade para fazer alterações que todos reclamam, para tornar o sistema mais justo. Deriva securitária“Vamos ver o que a Comissão quer fazer. Pelo que vejo, há uma mudança no debate: a maioria dos Estados-membros tem feito uma deriva securitária. A política de asilo tem sido transformada segundo o prisma do aumento da segurança, de cada vez mais controlos nas fronteiras internas. E tenho a certeza que esta tendência vai continuar no futuro – cada vez mais controlos e mais segurança, em detrimento da protecção dos direitos humanos”, comenta Christina Velentza, pouco optimista. Há também a questão do sistema de reinstalação de refugiados (transferência de pessoas com necessidade de protecção internacional de um país exterior à UE, para um país da união, feita a pedido do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados), para além do de recolocação (transferência de pessoas com estatuto de protecção internacional entre países da UE), que está a ser tão problemático e disfuncional. Alguns países têm-se oposto de forma determinada a qualquer solução deste tipo, como os do chamado Grupo de Visegrado (Hungria, República Checa, Polónia e Eslováquia) e, até agora, dos 160 mil que a UE tinha prometido recolocar, apenas 885 foram enviados para outro país, segundo os dados mais recentes, divulgados pela AFP. “A falta de uma posição comum europeia tem um grande impacto nas pessoas que fogem de uma situação de guerra, que precisam de protecção”, comenta Velentza. “Por exemplo a exclusão dos afegãos, a exclusão de nacionalidades específicas, é uma grande violação dos seus direitos”, explica. “O direito ao asilo prevê que os casos sejam examinados um a um, por isso quando se diz que se exclui toda uma nacionalidade, isso é totalmente inaceitável, legalmente e politicamente também. ”Tem-se chegado ao cúmulo de escolher deixar passar sírios só de algumas regiões, diz a advogada grega. “Pelo que li, na Macedónia, no início do mês, estavam a deixar passar só sírios de determinadas zonas da Síria: só aceitavam sírios de Alepo, mas não de outras regiões, como Damasco. Classificavam algumas regiões mais perigosas que outras. ”
REFERÊNCIAS:
Entidades UE
Jovem escravizada no Iraque encontrou o agressor na Alemanha
Com 14 anos, Ashwaq Haji foi vendida pelo Daesh a um homem que a usou como escrava sexual. Voltou a encontrar o agressor na Alemanha, onde estava refugiada há três anos. (...)

Jovem escravizada no Iraque encontrou o agressor na Alemanha
MINORIA(S): Mulheres Pontuação: 2 Refugiados Pontuação: 14 | Sentimento 0.0
DATA: 2018-12-29 | Jornal Público
URL: https://arquivo.pt/wayback/20181229194123/https://www.publico.pt/n1841414
SUMÁRIO: Com 14 anos, Ashwaq Haji foi vendida pelo Daesh a um homem que a usou como escrava sexual. Voltou a encontrar o agressor na Alemanha, onde estava refugiada há três anos.
TEXTO: Ashwaq Haji foi escravizada sexualmente durante quase um ano por um homem que a comprou ao Daesh. Finalmente, conseguiu fugir e refugiar-se na Alemanha, mas quando começava a acreditar que estava em segurança e longe do pesadelo voltou a encontrar o seu agressor numa rua alemã. O homem não só a reconheceu como estava a par até da sua morada, conta à agência turca Bas News?. Ashwaq Haji reportou a situação às autoridades alemãs, mas a polícia disse-lhe que nada podia fazer. Aterrorizada, a jovem iraquiana, que já estava integrada na Alemanha há mais de três anos, abandonou o país. Segundo a vítima, há mais casos como o seu. Ashwaq Haji tinha apenas 14 anos quando o Daesh invadiu a sua aldeia no Norte do Iraque. A adolescente da minoria yazidi, grupo religioso com milhares de anos que há séculos está concentrado no Norte do Iraque, foi uma das milhares de crianças e mulheres raptadas pelo grupo terrorista. Ashwaq Haji foi vendida pelo grupo terrorista por 100 dólares. O homem que a comprou, Abu Humam, usava-a como escrava sexual. Foi forçada a converter-se ao Islão e a decorar o Alcorão em árabe. Depois de dez meses a ser constantemente violada e vítima de violência, Ashwaq Haji conseguiu fugir. Arranhou o corpo e fingiu que se tratava de uma reacção alérgica para que pudesse ir ao hospital. Lá deram-lhe comprimidos para dormir. Colocou-os na comida do agressor. Nessa noite, ela e outras quatro jovens yazidi fugiram. Tiveram de caminhar 14 horas até chegarem ao refúgio mais perto. Aí integrou um programa de asilo na Alemanha, destino procurado por grande parte dos refugiados da minoria yazidi. Apoiada por um grupo de ajuda humanitária, estava há três anos num campo de refugiados perto de Estugarda. Em Fevereiro deste ano, já com 19 anos, Haji voltou a encontrar o homem que a violava e que lhe batia numa rua alemã. O homem, que se dirigiu primeiro em alemão, chamou-a pelo nome. "Congelei quando olhei para a cara do homem: era Abu Humam, com a mesma barba assustadora e o rosto horrível”, contou à BBC e à agência turca Bas News. Do interior de um carro, o homem perguntou-lhe se era a Ashwaq. "Não", respondeu a jovem, "assustada a tremer". O agressor insistiu. "Sei que tu és a Ashwaq. E eu sou Abu Humam. " A partir daí começou a falar árabe. "Tive tanto medo. Sabia que era ele. Mal conseguia falar. Nunca na minha vida imaginei que iria viver isto na Alemanha. " Entrou num supermercado e só saiu quando se sentiu segura. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. O procurador-geral federal alemão confirmou que Ashwaq Haji reportou o episódio às autoridades alemãs cinco dias depois. As autoridades disseram-lhe que ele estava registado como refugiado, tal como ela, e que não havia provas para o deter. “Disseram-me que, tal como eu, era um refugiado e que não podiam fazer nada. " Deram-lhe um número de telefone para o qual ligar caso fosse novamente abordada. Ashwaq Haji chegou a pedir que fossem consultadas as câmaras de segurança do supermercado ao lado do qual aconteceu o encontro, mas nada aconteceu. Em pânico, Ashwaq Haji decidiu deixar a Alemanha. O desespero e receio de encontrar novamente o agressor falou mais alto do que um recomeço de vida no novo país. "Se nunca passaram por algo assim, não conseguem imaginar o que é. Quando uma rapariga é violada pelo Daesh. . . Vocês não conseguem imaginar o que é encontrar o vosso agressor outra vez", justificou. Frauke Köhler, porta-voz do tribunal alemão que seguiu o caso, garantiu que as autoridades alemãs fizeram tudo ao seu alcance para rastrear a localização do agressor, mas que não conseguiram. Quando voltaram a contactar Haji, ela já tinha saído da Alemanha. Düzen Tekkal, fundadora da associação de direitos da comunidade yazidi sediada em Berlim, afirma que este não é um caso isolado e que mais mulheres relataram encontros com os seus agressores.
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Palavras-chave direitos violência campo tribunal ajuda homem comunidade adolescente medo sexual minoria mulheres corpo refugiado humanitária rapariga pânico agressor
Entre discotecas e igrejas, Berlim torna-se casa para os migrantes
Ali, Haidar e Joseph chegaram a Berlim à boleia da política de portas abertas aos refugiados da chanceler Angela Merkel. Três histórias que mostram que a integração é uma jornada de altos e baixos. (...)

Entre discotecas e igrejas, Berlim torna-se casa para os migrantes
MINORIA(S): Migrantes Pontuação: 6 Refugiados Pontuação: 14 Homossexuais Pontuação: 6 | Sentimento 0.0
DATA: 2018-12-19 | Jornal Público
SUMÁRIO: Ali, Haidar e Joseph chegaram a Berlim à boleia da política de portas abertas aos refugiados da chanceler Angela Merkel. Três histórias que mostram que a integração é uma jornada de altos e baixos.
TEXTO: Ali Mohammad Rezaie não comemora o seu aniversário porque os seus pais afegãos nunca registaram a data em que nasceu. No entanto, sabe exactamente quando chegou a Berlim para pedir asilo: 15 de Outubro de 2015. Aquele dia mudou a sua vida. "Não foi um dia especial, estava cansado e tinha andado na estrada durante dois meses", disse à Reuters, recordando a sua viagem, por terra, pelos Balcãs. Desde então, Rezaie cantou num coro, fez estágios e teve trabalhos temporários, por exemplo, numa casa de repouso, numa padaria, em hotéis e restaurantes. Está muito longe da aldeia onde nasceu há 26 anos. Tal como o mais de um milhão de pessoas que, desde 2015, se deslocaram para a Alemanha como migrantes, no âmbito da política de portas abertas aos refugiados da chanceler Angela Merkel. Hoje, a Europa divide-se em relação à chegada de migrantes ao continente e, em vários países, novos partidos de extrema-direita condenam esta realidade. Rezaie tem dado o seu melhor para tornar a Alemanha no seu lar, mas a integração é uma jornada de altos e baixos que vai para lá de encontrar um emprego e aprender alemão. Chris Wachholz foi a mulher que o ajudou. Conheceram-se no coro e, mais tarde, Chris convidou-o para cozinhar e praticar alemão na casa que partilha com o marido. Depois, a paixão em comum por motas consolidou a amizade. “Conhecer esta família foi como ganhar uma oportunidade de celebrar o meu aniversário. Eles são como meus… pais”, confessa. Mas o estatuto de imigrante impede-o de dar determinados passos. O seu pedido de asilo foi rejeitado e só pode permanecer no país como pessoa tolerada, o que significa que não será deportado, mas não está numa situação estável. Como consequência, é pouco provável que o trabalho temporário que arranjou a preparar comida e a fazer limpezas no lounge da Lufthansa, no aeroporto de Tegel, em Berlim, se torne permanente. "Tenho um apartamento aqui. Conheço pessoas muito simpáticas. Se me deportarem, vou perder tudo", afirmou Rezaie. O seu medo é exacerbado porque os hazaras, o grupo étnico a que pertence, foram vítimas de ataques no Afeganistão. Muitos migrantes afirmam ser bem recebidos pelos alemães, mas outros dizem ter sofrido alguma hostilidade. Ao mesmo tempo, uma série de ataques de fanáticos religiosos deu azo a que alguns políticos argumentassem que os migrantes representavam uma ameaça para a sociedade alemã. Contudo, para alguns, a mudança para a Alemanha significou uma nova liberdade. No ano passado, Haidar Darwish estava a dançar na SchwuZ, uma das mais antigas discotecas gay de Berlim, quando Judy LaDivina, estudante israelita e drag queen, se aproximou dele e pediu que participasse no seu espectáculo. Darwish nunca tinha dançado em palco na sua terra natal, na Síria, mas LaDivina convenceu-o a tentar. "Actualmente, muitas pessoas perguntam-me quando e onde são as minhas actuações para que possam vir assistir aos espectáculos. Não é para me gabar", diz ele. Darwish trabalha ainda na Brunos, uma loja de moda e produtos eróticos que tem como principais clientes homens gays. "Descobri que o gerente da loja tinha ido aos meus espectáculos várias vezes e até dançámos juntos uma vez", comentou. A liberdade sexual não foi a principal razão pela qual deixou a Síria em 2016 — afinal de contas, o país está em guerra — mas hoje é uma descoberta de que não abdicaria. Para outros, no entanto, a busca pela liberdade tem sido inquietante. Joseph Saliba tinha nove anos quando o pai o mandou trabalhar para um amigo, que fazia restauros de madeira e mosaicos em Damasco. Apaixonou-se lentamente pela arte e mais tarde tornou-se num restaurador de madeira. O seu negócio estava em expansão quando a guerra na Síria começou em 2011. Com medo de ser convocado para o exército sírio, decidiu voar para a Europa há três anos. E quando, numa visita de estudo da sua turma de alemão, visitou a Catedral de Berlim, sentiu imediatamente uma conexão. Ofereceu-se logo para ser voluntário nos trabalhos de restauração da igreja, usando ferramentas que ele próprio criara. Um ano depois, foi-lhe oferecido um emprego remunerado. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. A igreja tornou-se um lar, mas a Alemanha não. As autoridades recusaram-se a entregar-lhe um documento de viagem e encaminharam-no para a embaixada síria em Berlim. Saliba disse que não queria entrar na embaixada do Governo de que fugiu e agora está a processar o Governo alemão para conseguir um passaporte para refugiados. "Eu fugi da falta de liberdade para obter liberdade aqui", disse ele. "Não encontrei essa liberdade aqui. "Tradução de Raquel Grilo
REFERÊNCIAS:
Palavras-chave homens guerra mulher medo estudo sexual gay imigrante deportado
"Juntos somos mais fortes" perante o terrorismo, diz Merkel
Na mensagem de Ano Novo, a chanceler alemã voltou a defender a sua política de asilo e a importância de a Alemanha receber refugiados. (...)

"Juntos somos mais fortes" perante o terrorismo, diz Merkel
MINORIA(S): Migrantes Pontuação: 6 Refugiados Pontuação: 14 | Sentimento 0.0
DATA: 2016-12-31 | Jornal Público
SUMÁRIO: Na mensagem de Ano Novo, a chanceler alemã voltou a defender a sua política de asilo e a importância de a Alemanha receber refugiados.
TEXTO: O terrorismo é a maior ameaça que a Alemanha enfrenta, afirmou a chanceler alemã, Angela Merkel, na sua mensagem de Ano Novo, na qual descreveu 2016 como um ano de “testes difíceis”. Aproveitou também o momento para denunciar as “distorções” que estão a levar as pessoas a pensar que a União Europeia e a democracia parlamentar já não funcionam. “Quando continuamos com a nossa vida e o nosso trabalho estamos a dizer aos terroristas: ‘Vocês são assassinos cheios de ódio mas não vão determinar a forma como vivemos e queremos viver. Somos livres, respeitadores e abertos'”, declarou. Referindo-se ao ataque terrorista que há duas semanas matou 12 pessoas em Berlim e que foi cometido por um refugiado tunisino, Anis Amri, Merkel disse que é “nauseante” quando o responsável por um acto deste tipo é alguém que procurou protecção naquele país. Este tipo de ataques têm reforçado as críticas dos que se opõem à política de asilo da chanceler, que em 2015 permitiu a entrada na Alemanha de mais de um milhão de refugiados e imigrantes. Respondendo a essa contestação, Merkel declarou na mensagem de Ano Novo que as imagens de devastação na cidade síria de Alepo, depois de as forças governamentais terem expulsado os rebeldes, mostram como “é certo e importante” que a Alemanha receba as pessoas que fogem desse conflito. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. “Tudo isto se reflecte na nossa democracia, nas nossas leis e valores”, afirmou. “Elas são o oposto do mundo do terrorismo cheio de ódio e vão revelar-se mais fortes do que ele. Juntos somos mais fortes. O nosso Estado é mais forte”. Referindo-se depois à situação na União Europeia, reconheceu que esta é “lenta e difícil” e que sofreu um duro golpe com a decisão do Reino Unido de sair. Por isso, defendeu, a UE “deve focar-se nas coisas que realmente pode fazer melhor que os Estados nação. ” Deixou, contudo, um aviso: “Não, nós, alemães, não devemos nunca deixar-nos enganar e pensar que um futuro feliz passa por avançarmos sozinhos enquanto nação. ”Merkel, que enfrenta eleições na Alemanha em Setembro de 2017, lembrou que a democracia implica “divergência e crítica” mas que estas devem ser acontecer num clima de paz e respeito.
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Entidades UE
"É inadmissível que morram pessoas no mar"
O director do Serviço Jesuíta aos Refugiados-Itália mostra-se indignado com a forma como a UE tem lidado com a crise dos refugiados. Ripamonti, que antes de ser padre quis ser médico e salvar pessoas em África, viu a África chegar-lhe de outra maneira. E acrescenta, preocupado com o rumo que as sociedades europeias estão a tomar, que é uma obrigação moral dos cristãos serem a voz dos que não têm voz. (...)

"É inadmissível que morram pessoas no mar"
MINORIA(S): Migrantes Pontuação: 6 Refugiados Pontuação: 14 | Sentimento 0.0
DATA: 2018-08-31 | Jornal Público
SUMÁRIO: O director do Serviço Jesuíta aos Refugiados-Itália mostra-se indignado com a forma como a UE tem lidado com a crise dos refugiados. Ripamonti, que antes de ser padre quis ser médico e salvar pessoas em África, viu a África chegar-lhe de outra maneira. E acrescenta, preocupado com o rumo que as sociedades europeias estão a tomar, que é uma obrigação moral dos cristãos serem a voz dos que não têm voz.
TEXTO: Fazer declarações de retórica sobre a importância de trabalhar em conjunto, mas cada país seguir depois pelo seu caminho não levará a União Europeia muito longe, diz o padre Camillo Ripamonti, 48 anos, director do JRS (Serviço Jesuíta aos Refugiados) em Itália. A organização pioneira foi criada há 35 anos pelo padre Pedro Arrupe, então superior geral dos jesuítas, para responder ao drama dos boat people do Vietname. Jesuíta desde 1997, no Centro Astalli do JRS desde 2012 e director do JRS Itália desde 2014, Ripamonti formou-se em Medicina antes de decidir ser padre. Já na Companhia de Jesus, trabalhou quatro anos na revista Aggiornamenti Sociali, onde escrevia sobre saúde e bioética. A sua formação de médico dá-lhe um olhar especial para trabalhar com refugiados?Antes de entrar na Companhia de Jesus, um dos meus desejos era, como médico, ir para África ajudar populações em dificuldade. Por vários motivos, isso não foi possível. Entrei na Companhia e o meu percurso foi outro. Muitos anos depois, encontro a África em casa: a maior parte dos refugiados, aqui no Centro Astalli, vêm da África subsariana. Para quem tinha o desejo de ir para África, ele acabou concretizado deste modo. A minha formação médica dá-me um olhar de atenção aos aspectos complexos da pessoa, das suas necessidades físicas e materiais. Da componente jesuíta, também me dá a atenção à dimensão interior das pessoas. Muitas vezes, em tudo o que se refere aos refugiados, esquecemos esta dimensão de interioridade e religiosidade, mas nas populações da África subsariana e muçulmanas essa dimensão é muito forte e é um aspecto a ter em conta. A viagem do Papa a Lampedusa e, pouco depois, a visita aqui ao Centro Astalli, em Setembro 2013, confirmaram-no nessa opção?Sim. Foi um belo momento ver o Papa a entrar na porta do Centro Astalli, num dia que, como ele queria, era um dia normal: com a fila das pessoas que esperavam para comer, para entrar no refeitório. . . Ele veio ao início da tarde?Sim. E pediu expressamente que fosse um dia como os outros e que não se interrompesse a actividade do centro, para não colocar as pessoas em mais dificuldade. Conseguimos, ao mesmo tempo, responder a esse desejo e às necessidades das pessoas. As pessoas vieram comer e, quando ele chegou, cumprimentou todos os que estavam na fila, revelando a atenção particular que tem tido, em tantos gestos que fez ao longo dos anos, reconhecendo a dignidade das pessoas. Depois, passou na porta que todos os dias os refugiados passam, para descer e ir comer, encontrando-se com alguns e escutando a sua própria história. Ver o Papa a escutar os refugiados olhando-os nos olhos, claro que me confirmou naquela que era a intuição do padre Pedro Arrupe, há 35 anos, ao querer ocupar-se dos refugiados, que eram os mais pobres entre os pobres, porque perderam tudo. O Papa a olhar nos olhos dos refugiados foi o mais importante daquele dia?Sim, porque é um olhar que restitui a dignidade que muitos perderam nos seus países de proveniência. Eles foram postos à prova porque eram perseguidos, não eram reconhecidos, eram escravos, vítimas de injustiça e de guerra. Terei sempre esta imagem dentro de mim. . . Como reagiu quando, dois meses antes de vir aqui, o Papa foi a Lampedusa? Foi um sinal muito importante. Começar as suas viagens apostólicas naquela ilha que é a porta da Europa, a dizer que devemos, enquanto cristãos, sublinhar a importância da atenção que aquela ilha pratica, sobretudo a atenção às vítimas que morrem no Mediterrâneo todos os dias, foi um sinal muito forte para o nosso tempo: partir da fronteira, para transformar a fronteira de qualquer coisa que divide em algo que permite à pessoa atravessá-la. [O Papa mostrou] a atenção às vítimas e fez um apelo forte, na homilia, à responsabilidade pessoal, quando dizia que todos somos desafiados com a pergunta: “Onde está o teu irmão?” Começar o pontificado e fazer a primeira viagem com esta atenção, depois de ter dito que era um Papa que vinha do fim do mundo, é confirmar a importância das periferias existenciais e de vida. O Papa foi a Lampedusa, mais tarde a Lesbos; vimos o pequeno Aylan Kurdi morto na praia na Grécia; vemos imagens de náufragos no Mediterrâneo. . . Mas a opinião pública, em vez de pressionar os políticos para acolher estas pessoas, adere aos discursos contrários. O que tem faltado?O que tem faltado na Europa é uma real atenção às pessoas mais débeis e vulneráveis. O risco é o de que, se a política não der atenção a estas pessoas, se criem divisões e uma guerra entre os pobres. Com a crise económica dos últimos anos, repetiu-se que os recursos e os dinheiros são poucos, reduziu-se o investimento social. Obviamente, aquele que tem pouco e tem mais necessidade vê o que se senta à mesa com ele como um rival e não como um comensal. Se não houver uma mudança de política de 180 graus nas questões sociais, da marginalidade, de habitação, de trabalho, de saúde, que leve os cidadãos a compreender os imigrantes e refugiados, a sociedade arrisca-se a ficar fracturada. O foco nestas contraposições entre os que estão e os que vêm é muito perigoso. Corredores humanitários e ajuda aos países de origem dos refugiados são as medidas prioritárias?Um fenómeno complexo tem diversas etapas, que devem ser afrontadas com urgências diferentes. A busca e socorro de pessoas em dificuldade no mar é uma prioridade, porque não se pode deixar morrer pessoas no mar. A luta contra os traficantes faz-se cortando as possibilidades de negócio a essa gente que lucra com a vida de pessoas em dificuldade, criando corredores humanitários, ou seja, vias legais para que essas pessoas, vítimas de perseguição e violência, possam chegar à Europa. Se os corredores não existirem, será sempre o traficante de turno que lucrará com estas pessoas. Outro elemento é o do investimento em África, que deve ser em infra-estruturas. Nos últimos tempos, o que se faz não é mais do que promover políticas securitárias, estabelecendo fronteiras e criando cada vez mais dificuldades à deslocação no interior de África. O investimento em África é fundamental para que as pessoas possam viver livremente nos seus países, mas deve ser feito em infra-estruturas, na possibilidade de poderem viver dignamente nos seus países. As migrações são um fenómeno estrutural do nosso tempo. Por isso, é preciso investir na integração, porque haverá sempre pessoas a chegar e que é preciso integrar. E ultimamente está a eliminar-se a dimensão da integração nas políticas europeias. Quando fala dos problemas de África, falamos de questões semelhantes no Médio Oriente e de países como o Afeganistão, Iraque, Síria?. . . A maior parte dos que chegam através do Mediterrâneo provêm da África subsariana e do Corno de África. Claro que há também a guerra na Síria, que nós, como Europa, já mostrámos em várias ocasiões que não sabemos gerir — a única coisa que fizemos foi pagar à Turquia para conter os refugiados e bloquear a possibilidade de essas pessoas chegarem à Europa. Um dos países de onde mais se foge, porque há guerra há muito tempo, é o Afeganistão. Mas verifica-se um desconhecimento do conflito e do que é o Afeganistão. Vários países estão a enviar as pessoas para trás, sujeitando-as a situações de instabilidade. O novo Governo italiano, mas também o da Hungria ou da República Checa, dizem que os corredores humanitários trarão mais pessoas para a Europa. Como responde a isto?Os corredores humanitários não são uma invenção recente: o Alto-Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados pôs sempre em marcha esta medida. O que se pretende é regulamentar, na legalidade, as pessoas que vêm; não aumentam as pessoas que vêm, aumenta o número de pessoas vivas que chegam aos nossos territórios. O JRS e a Cáritas Europa criticaram a falta de decisões concretas do Conselho Europeu de Junho, que coincidiu com a morte de mais 63 pessoas no Mediterrâneo. O que deve a Igreja dizer e fazer ainda para afrontar os poderes públicos?O fundamental é não parar de ser a voz dos que não têm voz. Denunciar os mortos que continuam a registar-se todos os dias é uma obrigação moral que, como Igreja, devemos assumir. É inadmissível que morram pessoas no mar, quando há possibilidades de o evitar. Também devemos dizer a verdade sobre o fenómeno migratório. Não podemos esquecer que os refugiados no mundo são 68 milhões e 500 mil e, no ano passado, os que chegaram à Europa foram menos de 500 mil. Ou seja, uma percentagem bem longínqua da “invasão” que muitos Estados agitam. A solidariedade entre os Estados europeus é a base da construção da Europa dos direitos. Por isso, deve ser sublinhada pela Igreja Católica a importância de sermos um continente solidário e de ser a voz dos que não têm voz. Esta é uma obrigação moral para os cristãos. São poucos os refugiados que vêm para a Europa e os que vêm ajudam ao desenvolvimento dos nossos países. Mas as estatísticas dizem que um em cada três italianos apoia as ideias do actual Governo e olha para os refugiados de modo negativo. O que falta fazer para mudar a opinião pública?Há duas acções simultâneas, que tentamos pôr em prática [no JRS]: uma é investir nas jovens gerações. Os jovens já percepcionam uma Europa dos povos, na qual é possível mover-se e sentir-se em casa em cada país. É com estas pessoas sensíveis que devemos continuar a trabalhar e dizer que a Europa deve ser a casa dos direitos e a casa de todos. Fazemo-lo nas escolas, falando desses direitos que devem ser garantidos, promovendo o encontro de refugiados com estudantes. Este trabalho dará frutos nos próximos anos, semeia esta mensagem positiva, construtiva, de uma sociedade de pontes e não de muros. A outra área é a da informação. É preciso dar a informação correcta. Ou seja, temos o dever de falar com as pessoas e os partidos que alimentam o medo e confrontar os dados da “invasão” com os dados da realidade; trabalhar muito com a informação televisiva, a imprensa e as redes sociais, que são um veículo incontrolado de informações não verificadas. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Tem medo da falta de orientação europeia e da nova situação em Itália? Elas podem tornar mais difícil o vosso trabalho?Sente-se que o clima à nossa volta está já a mudar. A nossa preocupação é que o acompanhamento das pessoas, que já é difícil num contexto e num clima cada vez mais hostil, se arrisque a ser ainda mais complicado. Quem faz este tipo de serviço sabe que deve afrontar grandes dificuldades: quem é diferente, quem vem de outros países e traz consigo uma bagagem de tanto sofrimento, não é uma pessoa fácil de acompanhar. Um contexto que cria obstáculos, em vez de favorecer o trabalho, obviamente deixa-nos preocupados, porque torna necessário um maior empenho de energia para criar um contexto favorável e que subtrai essa energia ao trabalho que se deve fazer com as pessoas. Tem medo que esta situação nos leve à guerra aos pedaços de que fala o Papa?Estamos já a viver essa guerra, porque os refugiados são o resultado dessa guerra aos pedaços. E o risco é que os nossos países, em vez de oferecerem a essas pessoas um ambiente de paz em que possam reconstruir a sua vida, não façam mais que continuar a guerra que eles já viveram e carregam consigo. E, quando vemos a Alemanha a dizer que fará acordos bilaterais, estamos a verificar o falhanço da ideia de uma União. . . Nas conclusões do Conselho Europeu [de Junho], a única frase inteligente é a que diz que o fenómeno migratório não deve ser afrontado por cada Estado, mas que toda a Europa se deve implicar. É a única frase que faz referência explícita à solidariedade, à importância de estarmos todos juntos. Depois, na prática, cada um segue e concretiza o próprio interesse. Creio que isto não nos levará muito longe. . .
REFERÊNCIAS:
Palavras-chave direitos morte guerra violência ajuda social medo morto perseguição
O CDS, a Europa e os “outros povos”
As tiradas de Nuno Melo sobre os refugiados deviam ensinar-nos a perceber onde estão os Salvinis e as Le Pens portuguesas. (...)

O CDS, a Europa e os “outros povos”
MINORIA(S): Migrantes Pontuação: 6 Africanos Pontuação: 2 Refugiados Pontuação: 14 | Sentimento -0.12
DATA: 2018-10-19 | Jornal Público
SUMÁRIO: As tiradas de Nuno Melo sobre os refugiados deviam ensinar-nos a perceber onde estão os Salvinis e as Le Pens portuguesas.
TEXTO: O CDS decidiu antecipar-se e anunciar, a quase um ano de distância, a sua candidatura ao Parlamento Europeu. E o que escolheram aqueles que se dizem democratas-cristãos como tema preferencial? Os migrantes: “O espaço europeu pode ser um destino de acolhimento para outros povos mas exigimos respeito pelas nossas leis, valores, costumes. A segurança dos cidadãos é uma prioridade”, lê-se no flyer do CDS (PÚBLICO, 19. 7. 2018). A propósito desses “outros povos”, o repetente cabeça de lista, Nuno Melo, que, por um lado, gosta de falar do “humanismo” com que a Europa tem o dever de acolher “aqueles que procuram o nosso espaço comum porque fogem a essas guerras, porque fogem à fome, porque querem salvaguardar a sua vida e a vida dos seus familiares”, é o mesmo que, sempre que de refugiados se fala, vai direitinho ao discurso do medo. Melo repete há anos que “as migrações têm implicações na segurança”, que a questão “não pode ser vista numa perspetiva romântica” porque há muitos migrantes que, “sob pretexto” da procura de asilo, “se querem infiltrar na dita Europa fortaleza para cometer atentados” (Observador, 4. 9. 2015). É que, lembra ele, “a Europa está em guerra” - o CDS, pelo menos, está! - e “a mim preocupa-me bastante que neste momento haja mais de 50 mil pessoas que circulam livremente pela Europa, sem sabermos quem são, de onde vêm e ao que vêm”. Em Penafiel, há dois anos, Melo dizia que “o problema só se resolve na origem” e “não [acreditava] que isto se possa resolver sem uma intervenção militar da qual a Europa e os Estados Unidos façam parte” (Verdadeiro olhar, 3. 4. 2016). É curioso que, de tão banal esta linguagem, já nem se dê importância a estes delírios belicistas! Para quem gosta de sublinhar que Portugal é uma exceção no quadro europeu de consolidação de uma extrema-direita xenófoba e neofascista, as tiradas de Nuno Melo sobre os refugiados deviam ensinar-nos a perceber onde estão os Salvinis e as Le Pens portuguesas - personagens que, lembremo-nos, preocupadas com a “segurança da Europa” e a “preservação do modo de vida europeu”, sempre rejeitaram ser racistas. O CDS (e o PSD) faz parte do Partido Popular Europeu (PPE) juntamente com a CDU alemã, por exemplo, mas também com os partidos de Viktor Orbán e de Berlusconi (o primeiro a trazer a extrema-direita para o governo italiano há 24 anos). Dominando a presidência da UE (Tusk), da Comissão (Juncker) e do Parlamento (Tajani) europeus, bem como a maioria dos governos da UE, o PPE preparou há meses um rascunho do seu programa eleitoral para 2019 no qual sobressaem algumas das teses tradicionais da extrema-direita: “o sucesso da Europa dependerá da nossa capacidade para (. . . ) preservar o modo de vida europeu”, o que passa por “proteger as nossas fronteiras para travar as migrações ilegais” pelo que “precisamos de equipar as nossas fronteiras com a última tecnologia (…) e pelo menos dez mil novos guardas” para “assegurar o nosso direito sistemático a mandar equipas militares ou construir muros onde for necessário” (“EPP Group Priorities, draft programme”, 2018). Estes muros e estes guardas fronteiriços são os mesmos de Trump ou Orbán. Desengane-se quem acha que tudo isto não passa de uma estratégia eleitoral para impedir que mais eleitores se passem de armas e bagagens para o campo da extrema-direita assumida – como se imitar Salvini fosse a melhor forma de evitar que se vote Salvini. Há quase 30 anos que as elites ocidentais, uma vez libertas do bipolarismo da guerra fria, apostaram nessa nova visão colonial do mundo que o “choque de civilizações” destilou, e, a partir dela, forçaram um reordenamento político dos Balcãs, da Ásia Central pós-soviética, do Norte de África e do Médio Oriente, que propiciou as al Qaedas e os Estados Islâmicos. De amálgama em amálgama, o mesmo terrorismo (dito) islâmico que foi (ou é) aliado militar do Ocidente em tantos cenários de guerra passou a ser tido como representação de um só e único “Islão”; dezenas de milhões de muçulmanos que há gerações (e, em muitos casos, há séculos) são europeus, viram-se percecionados como potenciais terroristas; e, por último, milhões de migrantes, de todas as origens, passaram a ser parte da categoria de “outros povos” com os quais, afinal, “a Europa está em guerra”, e entre os quais se escondem “terroristas” que querem ameaçar “o modo de vida europeu”. Na Europa do desemprego juvenil, da precarização do trabalho e da exploração dos imigrantes, é de “invasores” e “guerra” que o CDS quer falar. Está percebido.
REFERÊNCIAS:
Partidos PSD Partido Popular Europeu