Sete líderes do Sul pedem prioridade à convergência no euro
Rajoy senta-se pela primeira vez com o grupo de países do Sul da Europa, mostrando maior consenso entre PPE e PSE. Costa defenderá impostos comuns e a conclusão da União Bancária. (...)

Sete líderes do Sul pedem prioridade à convergência no euro
MINORIA(S): Migrantes Pontuação: 6 Refugiados Pontuação: 11 | Sentimento 0.0
DATA: 2017-05-22 | Jornal Público
SUMÁRIO: Rajoy senta-se pela primeira vez com o grupo de países do Sul da Europa, mostrando maior consenso entre PPE e PSE. Costa defenderá impostos comuns e a conclusão da União Bancária.
TEXTO: Sete países do Sul da Europa juntam-se hoje em Lisboa para passar uma mensagem ao Conselho Europeu da próxima semana: “Os últimos anos mostraram que a União Europeia tem de aprofundar a segurança, tem de lutar contra o terrorismo e tem de adoptar uma política migratória, mas nenhuma destas questões pode ser resolvida em vez da frente económica”, sintetiza ao PÚBLICO Augusto Santos Silva, ministro dos Negócios Estrangeiros, a propósito da cimeira que decorre este sábado, no Centro Cultural de Belém. “É essa a mensagem política quer de Portugal, quer dos sete países do Sul”: um pedido para que a convergência económica passe a ser prioritária na estratégia da União Europeia (UE). “Os sete são sensíveis ao facto de que a zona económica europeia, para vencer, não pode continuar a ser uma zona que favoreça a divergência. ” Pelo, contrário, diz Santos Silva, “a convergência tem de ser favorecida por políticas como a União Económica e Bancária ou o Plano Juncker”, de forma “a criar capacidade orçamental na zona euro, transformar progressivamente o actual mecanismo europeu de estabilidade no Fundo Monetário Europeu e a desenvolver programas europeus de apoio ao investimento”. Se com a saída do socialista Martin Schulz da presidência do Parlamento Europeu cresce a ideia de uma maior divergência entre as duas maiores famílias políticas europeias, o Governo português dá uma nota de optimismo: “Vai-se formando um consenso entre a família social-democrata e a família democrata-cristã, em torno da necessidade de completar a União Económica e introduzir medidas de reforma do euro. ”Hoje, em Lisboa, estarão à mesa governos de cores políticas diferentes, mostrando convergência nesta prioridade. Um sinal que se junta a outro: “a convergência de posições” que surgiu entre “António Costa e Luis de Guindos [ministro da Economia espanhol] na conferência Consolidar o Euro, Promover a Convergência, que decorreu terça-feira em Lisboa. “Ninguém conseguirá avançar na União Económica sem esse consenso entre famílias políticas e entre regiões da UE”, frisou Santos Silva. Apesar do objectivo conjunto de defender a convergência económica da União Europeia na Cimeira dos Sete, ao que o PÚBLICO apurou, o documento com as conclusões finais deverá será generalista e diplomático. As razões dessa prudência passam, em primeiro lugar, pela presença em Lisboa de Joseph Muscat, primeiro-ministro de Malta, país que presidindo à UE e recebendo a próxima cimeira informal de líderes europeus, a 3 de Fevereiro, não pode ser colocado numa posição que gere discussão e polémica dentro do Conselho. O outro factor que contribui para a prudência dos sete países é o atraso na divulgação do Livro Branco sobre o Futuro da Europa, que deverá ser discutido no Conselho Europeu da Primavera (a 9 e 10 de Março), e a celebração da Declaração de Roma, a 25 de Março, data em que se comemoram os 60 anos do Tratado de Roma. Na Cimeira dos Países do Sul, que se inicia às 11h, e que será seguida de um almoço de trabalho, estarão, além de Joseph Muscat, os Presidentes François Hollande (França) e Nicos Anastasiades (Chipre) e ainda os primeiros-ministros Mariano Rajoy (Espanha), Paolo Gentiloni (Itália) e Alexis Tsipras (Grécia). “É muito importante, é um upgrade em relação à primeira, porque Rajoy também vem”, nota uma fonte do Governo português. Refira-se que o primeiro-ministro espanhol não foi a Atenas, em Setembro, porque o seu Governo estava em gestão. De acordo com as informações recolhidas pelo PÚBLICO, na reunião à porta fechada o primeiro-ministro, António Costa, defenderá a adopção de impostos comuns, como forma de coordenação das políticas orçamentais da UE. Mas também abordará a necessidade de concluir a União Bancária, referindo-se à necessidade de criar um sistema europeu de garantia de depósitos, bem como a emissão de dívida conjunta (eurobonds) entre Estados-membros, à semelhança do que fez em Lisboa, na conferência de terça-feira. António Costa deverá ainda fazer a defesa de medidas de apoio ao crescimento e à convergência económica entre os Estados-membros, antes de serem assumidos avanços no aprofundamento da zona euro. O que, na perspectiva do primeiro-ministro, poderá passar por políticas de discriminação positiva para os países endividados que cumprem as regras de ajustamento. As posições conjuntas da Cimeira de Lisboa procurarão influenciar as soluções a adoptar pelo Conselho Europeu da Primavera e na Cimeira de Roma, e que ficaram adiadas na última Cimeira Europeia que decorreu em Bratislava, na Eslováquia, em 16 de Setembro de 2016. Esta é a segunda reunião entre os sete países do sul da UE (a primeira realizou-se em Atenas, a 9 de Setembro de 2016). A realização destas cimeiras nasceu da necessidade sentida pelo conjunto de Estados-membros do Sul de encontrar uma forma de fazer pressão dentro da UE em defesa dos seus interesses e assim fazer frente a outros grupos de pressão que, acreditam, obedecem à lógica regional dentro do espaço europeu, nomeadamente no Norte e Centro da Europa. Os países do Sul da União começaram a realizar reuniões periódicas em 2015, impulsionadas pelo Presidente francês, François Hollande, e que decorreram no Palácio do Eliseu, em Paris. Então, os encontros juntavam os líderes europeus de partidos integrantes do Partido Socialista Europeu, já com o objectivo de discutir as orientações que predominavam na UE e procurar alterar o seu rumo. As conclusões a aprovar pelos sete líderes reunidos em Lisboa deverão, assim, sublinhar que é essencial resolver os problemas estruturais da zona euro e dar prioridade à convergência económica. O texto defenderá também o reforço da segurança das fronteiras externas da União, nomeadamente através da criação da Guarda Costeira e de Fronteiras Europeia. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. A necessidade de fortalecer a segurança interna estará presente através da defesa de medidas de combate ao terrorismo. Será referida a questão da partilha de informação e a cooperação operacional dos serviços de segurança entre Estados-membros. Já no domínio da prevenção, o documento deverá defender a aposta no esvaziamento de condições para o crescer do radicalismo que permite recrutamentos por grupos terroristas de cidadãos no espaço europeu. O documento final deverá insistir numa proposta apresentada há cerca de seis meses pelo primeiro-ministro português e que passa pelo investimento da UE na regeneração dos centros urbanos, concretamente através da intervenção urbanística, da segurança pública, da revitalização económica e da aposta em equipamentos educativos e sociais. Também o problema dos refugiados e dos imigrantes que chegam à Europa constará das conclusões da Cimeira dos Países do Sul. Será reafirmada a solidariedade com os países de origem dos migrantes e defendida a cooperação com os países do Norte de África, através do apoio e do investimento, de modo a estancar os fluxos migratórios para a Europa. Este tema deverá, aliás, ser uma das questões centrais na próxima Cimeira dos Países do Sul, em Malta.
REFERÊNCIAS:
Entidades UE
A Viagem de uma família de migrantes num livro ilustrado
Traduzido já em 14 línguas, A Viagem é o primeiro livro ilustrado da italiana Francesca Sanna. (...)

A Viagem de uma família de migrantes num livro ilustrado
MINORIA(S): Migrantes Pontuação: 6 Mulheres Pontuação: 2 Refugiados Pontuação: 11 | Sentimento 0.0
DATA: 2018-06-21 | Jornal Público
SUMÁRIO: Traduzido já em 14 línguas, A Viagem é o primeiro livro ilustrado da italiana Francesca Sanna.
TEXTO: A Viagem, o premiado livro ilustrado para a infância da autora italiana Francesca Sanna sobre uma família de migrantes, é editado este mês em Portugal. Com selo da Editora 2020, a edição portuguesa tem o apoio do Alto Comissariado para as Migrações e da Amnistia Internacional, sendo editado na semana em que se assinala — dia 20 — o Dia Mundial do Refugiado. Traduzido já em 14 línguas, A Viagem é o primeiro livro ilustrado de Francesca Sanna. A obra foi lançada em 2016 e conta a história de uma família dividida pela guerra. O pai morre e a mãe é obrigada a fugir com os dois filhos, numa viagem de angústia e ansiedade em busca de segurança, espelho da realidade recente de milhares de migrantes e refugiados. "A Viagem é na verdade uma história sobre muitas viagens e começou com a história de duas raparigas que conheci num campo de refugiados em Itália. Depois de as conhecer, apercebi-me de que havia algo muito poderoso por trás da sua viagem. Comecei, então, a recolher mais histórias de migrações e a entrevistar muitas pessoas de inúmeros países", escreveu a autora no final do livro. A obra ilustrada, destinada a crianças e adultos, reúne — naquela família ficcionada — "uma colagem de todas essas histórias de vida" que a autora escutou, e inclui ainda uma investigação histórica sobre imigração, no começo do século XX. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. "Quase todos os dias ouvimos nas notícias as palavras 'migrantes' e 'refugiados', mas raramente se fala das viagens que as pessoas tiveram de fazer", sublinhou Francesca Sanna. Na página oficial, a Editora 2020 sugere um guia para leitura guiada e exploração da obra, feito pela Amnistia Internacional. Nas livrarias portuguesas não estão disponíveis muitos livros ilustrados, para os mais novos, que versem sobre migrações e refugiados. Em Fevereiro passado saiu Pássaro Que Voa, de Claudio Hochman, ilustrado por Carlota Madeira Lopes, na editora Livros Horizonte. Reúne dezenas de pequenas histórias inspiradas em relatos verídicos lidos nos jornais, histórias reais e outras ficcionadas, sempre em torno da ideia de partida de um lugar. Em 2015, saiu Com 3 Novelos (O Mundo Dá Muitas Voltas), de Henriqueta Cristina e Yara Kono, editado pela Planeta Tangerina, sobre uma família que muda de país em busca de um lugar mais livre, e em 2010 a Orfeu Negro publicou em Portugal o livro ilustrado Migrando, de Mariana Chiesa Mateos, sem texto e com dupla leitura, independentemente do lado da página em que se começa.
REFERÊNCIAS:
Partidos LIVRE
“Amigo, encontra a tua família e os teus amigos e fica perto deles”
A tarde foi passada a transferir a maioria dos 629 resgatados para navios italianos, antes de começar a viagem para Valência. Paris acusa Roma de “irresponsabilidade”, Madrid de “violação da lei”, Budapeste celebra a “vitória” italiana. (...)

“Amigo, encontra a tua família e os teus amigos e fica perto deles”
MINORIA(S): Migrantes Pontuação: 6 Mulheres Pontuação: 2 Refugiados Pontuação: 11 | Sentimento 0.0
DATA: 2018-06-24 | Jornal Público
SUMÁRIO: A tarde foi passada a transferir a maioria dos 629 resgatados para navios italianos, antes de começar a viagem para Valência. Paris acusa Roma de “irresponsabilidade”, Madrid de “violação da lei”, Budapeste celebra a “vitória” italiana.
TEXTO: Enquanto nas capitais da UE se trocavam acusações de “cinismo” ou “hipocrisia”, a bordo do MS Aquarius não houve descanso. A noite, a terceira para a maioria dos 629 resgatados no Mediterrâneo, foi mais agitada do que as anteriores. Com o amanhecer surgiram perguntas, repetidas (“Já sabemos quando saímos daqui?”) e novas: “Há duches?”. Não há. Divididos agora em três navios, um da Guarda Costeira e outro da Marinha italianas, mais o Aquarius, onde permanecem 106 – 51 mulheres 45 homens e dez crianças –, vão todos a caminho de Valência, uma viagem de três a quatro dias. Resgatadas durante o fim-de-semana, a maioria (400) pela Guarda Costeira italiana que as entregou à ONG franco-alemã SOS Méditerranée, que gere o navio humanitário, para agora receber de volta muitas das mesmas pessoas, ninguém sabia ao certo o que se ia passar desde domingo à tarde. Foi nessa altura que o ministro do Interior, Matteo Salvini, deu ordens para encerrar todos os portos de Itália à embarcação. Ficaram onde estavam, entre Malta e Sicília. Na segunda-feira, o novo primeiro-ministro espanhol, Pedro Sánchez, ofereceu-se para receber os 629 requerentes de asilo em Valência, mas os responsáveis recusaram a viagem de quase 1500 km com condições meteorológicas adversas e tanta gente a bordo, incluindo doentes, a esmagadora maioria a dormir ao relento no navio sobrelotado. Continua a não ser desejável, mas pelo menos é possível. A maioria das pessoas segue a bordo de outros navios, onde a UNICEF e Ordem de Malta tratarão dos refugiados e imigrantes, um grupo de muitas nacionalidades onde se incluem 123 menores não acompanhados, onze bebés e sete grávidas, e há 21 pessoas com queimaduras graves de combustível, gente a precisar de cirurgias ortopédicas ou ainda a recuperar de quase se terem afogado. Como sempre no Aquarius há uma equipa dos Médicos Sem Fronteiras (MSF): um médico, três enfermeiros e uma parteira. Durante as primeiras horas da manhã, a página de Twitter dos MSF esteve bastante activa. “Estamos à espera de um plano seguro para os 629 resgatados no Mediterrâneo. A melhor opção é desembarcá-los no porto mais próximo”, escrevia o médico a bordo. Chegada a confirmação de que teriam mesmo de seguir para Espanha, divididos entre navios e com o apoio da Marinha italiana: “Motivos políticos forçam estas pessoas, exaustas, a suportar uma viagem ainda mais longa”. Durante nove horas, na noite de sábado para domingo, o navio salvou 229 pessoas que viajavam em duas embarcações vindas da Líbia, uma delas já a afundar-se. Kevin fala de “um filme”: “Não pensava que iria sobreviver”, conta a Naiara Gortázar, uma das jornalistas a bordo. “Senhor, fique sentado, fique calmo. Vamos salvar todos, um a um. Ajude-nos a ajudar”, ouviu Kevin de Max Avis, vice-coordenador dos socorros a bordo. O estabilizador tinha-se partido e o barco podia afundar-se. “As pessoas começaram a mexer-se, todos queriam um colete salva-vidas e assim aconteceu o acidente”, conta Kevin. A embarcação cedeu e 40 pessoas tiveram de ser retiradas das águas escuras, entre gritos de terror, alguns já inanimados. Isto enquanto o Aquarius tentava responder a um segundo pedido de auxílio (era o único navio de ONG na zona). “Passámos 12 horas no mar, pensávamos que não seríamos resgatados. Deus salvou-nos. Não tinha salva-vidas. Então tiraste-me da água. Por isso estou aqui”, diz outros dos resgatados, citado por um dos membros da equipa dos MSF. Depois, o tempo começou a passar. No domingo à noite, foram os resgatados a cantar. Na noite seguinte, já eram os membros das ONG que os tentavam animar com “música de marcha”, enquanto algumas mulheres rezavam. A comida que já acabara chegou de Malta e voltou a acabar. De manhã, vieram mantimentos de Itália, fruta, croissants e algum pão. E as perguntas, como a questão dos duches que não existem num navio preparado para acolher até 550 pessoas por pouco tempo. Pela hora de almoço, os membros da SOS Méditerranée pediram a todos que se juntassem no convés. Uns em cima dos outros, lá couberam e ficaram a saber que iriam ser recebidos em Espanha, para onde viajariam naquele e noutros barcos. “No princípio, olhavam uns para outros, tentando perceber se isso era bom ou não. Depois puderam perguntas tudo mas nem sempre havia respostas”, descreveu Naiara Gortázar, num texto publicado no jornal El País. “A inquietação foi desaparecendo e via-se como o destino era recebido de forma muito distinta em função das nacionalidades. Os subsarianos estão entusiasmados, muito contentes. Para lá do futebol não sabem muito sobre Espanha, mas acreditam que terão mais oportunidades para estudar do que nos seus países”, continuou a jornalista. Já os “marroquinos e os argelinos estão profundamente preocupados, temem que os deportem”, como sabem já ter acontecido com muitas pessoas dos seus países. Finalmente, depois de almoço, começaram as operações de transferência para os outros navios. Aos maridos pedia-se para se reunirem com as mulheres – “só os casados com filhos”, repetiu-se muitas vezes para não arriscar separar famílias. “Amigo, encontra a tua família e os teus amigos e fica perto deles”, insistia Wademer Mischutin, membro da equipa de resgate da ONG franco-alemã, enquanto alguns procuravam canetas para apontar números de telefone e, quem sabe, reencontrar-se um dia em Espanha. Em Valência começa a pôr-se em marcha a operação para os acolher. Mais de 200 cidades espanholas ofereceram-se para receber alguns destas pessoas e nem todas ficarão no local de chegada. A prioridade será dada aos menores desacompanhados e a quem precise de cuidados médicos e será a Cruz Vermelha a coordenar o acolhimento imediato. Um dia depois de terem chovido agradecimentos a Sánchez por ter resolvido esta crise, enquanto Salvini, líder de um partido xenófobo e anti-imigração considerava a decisão espanhola “uma vitória” da sua política de “elevar a voz”, o verniz estalou finalmente. A nova ministra da Defesa espanhola, Margarita Robles, afirmou que Roma pode ter de enfrentar “responsabilidade penal” por ter violado a lei internacional ao recusar receber o navio. “Há um nível de cinismo e irresponsabilidade no comportamento do Governo italiano face a esta situação humanitária dramática”, afirmou aos jornalistas o porta-voz da presidência francesa, citando as palavras de Emmanuel Macron ao seu gabinete. Gabriel Attal, porta-voz do partido do Presidente francês, foi um pouco mais longe: “A posição italiana faz-me vomitar”. “Tem piada, vindo deles”, reagiu o vice-presidente Luigi Di Maio, parceiro de coligação de Salvini e líder do Movimento 5 Estrelas. “As declarações sobre o Aquarius vindas de França são surpreendentes e denunciam uma grave falta de informação sobre o que realmente se está a passar. Itália não pode aceitar lições hipócritas de países que em termos de imigração sempre preferiram olhar para o outro lado”, respondeu, em comunicado, o primeiro-ministro italiano, Giuseppe Conte. Já Salvini respondeu a todos de uma vez e numa só publicação no Twitter. “Espanha que quer denunciar, França diz que somos ‘repugnantes’. Quero trabalhar serenamente com todos, mas com um princípio: #ositalianosprimeiro”, escreveu, recuperando o slogan da campanha para as eleições legislativas de Março. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. O apoio a Roma chegou de um país governado por um dos aliados da Liga, a Hungria. “Era tão deprimente ouvir durante anos que era impossível proteger as nossas fronteiras marítimas”, disse aos jornalistas o Presidente Viktor Órban. “A força de vontade regressou a Itália”. Posições aparentemente inconciliáveis a poucos dias da cimeira europeia de 28 e 29 de Junho, quando é esperado um acordo para uma política comum de imigração e refugiados. Entretanto, com o Aquarius ocupado na viagem até Espanha nos próximos dias, permanece apenas um navio de resgate gerido por uma ONG, a Sea Watch, na zona onde as embarcações vindas da Líbia costumam naufragar. Esta terça-feira, um navio da Marinha dos Estados Unidos localizou 12 cadáveres e resgatou 41 pessoas que tentavam a chegar a Itália. A ONG lamentou: “É isto que acontece se não há pessoal de resgate suficiente e não existe uma passagem segura”.
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Entidades UE
A crise no Governo alemão nasceu na Baviera - porquê?
A crise política das últimas semanas na Alemanha nasceu na Baviera e na CSU, um dos partidos políticos com mais sucesso no mundo. (...)

A crise no Governo alemão nasceu na Baviera - porquê?
MINORIA(S): Migrantes Pontuação: 6 Mulheres Pontuação: 2 Refugiados Pontuação: 11 | Sentimento 0.0
DATA: 2018-08-06 | Jornal Público
SUMÁRIO: A crise política das últimas semanas na Alemanha nasceu na Baviera e na CSU, um dos partidos políticos com mais sucesso no mundo.
TEXTO: Se perguntarem a alguém da Baviera como se define, é provável que a resposta seja primeiro bávaro, e só depois alemão. No resto da Alemanha, a Baviera também é vista como algo um pouco à parte, uma região de riqueza mas também de pessoas com os trajes tradicionais, homens de Lederhosen e mulheres de Dirndl, que são usados muito para além do festival de cerveja Oktoberfest. A Baviera é um estado federado especial na Alemanha e o seu principal partido, a CSU, tem um estatuto político único. Há mesmo quem diga que a verdadeira divisão no país é entre o Norte e o Sul (protestante/católico) e não entre a parte Ocidental e Oriental, separadas durante décadas pelo Muro. Daí que não seja totalmente espantoso que o mais recente conflito político no país tenha tido origem aqui. A Baviera tem eleições em Outubro, e a subida do partido anti-imigração AfD (Alternativa para a Alemanha) está a ameaçar a CSU (União Social Cristã), levando o partido a querer fortalecer-se na defesa da “lei e ordem” para não dar tanto o flanco à direita. Isto mesmo ameaçando um acordo de décadas com a CDU (União Democrata Cristã), da chanceler Angela Merkel. A CSU tem um estatuto hegemónico na Baviera como nenhum outro partido em nenhum outro estado federado. É mesmo considerada um dos partidos com mais sucesso do mundo: após o final da II Guerra, a CSU só ficou fora do governo uma vez, entre 1954 e 1957, liderando desde então o estado, a maior parte do tempo sem sequer ter a necessidade de formar uma coligação (de 1962 a 2008 governou sozinha). Parte do sucesso da CSU é o sucesso da Baviera, onde o slogan “Laptops e Lederhosen” mostra como a modernidade das empresas e a forte economia convive com a importância da tradição. É o segundo estado federado alemão em PIB e partilha com o vizinho Baden-Württemberg a mais baixa taxa de desemprego (3, 8% quando a média nacional alemã é 6, 3%). O que é, então, uma derrota para a CSU? O resultado de 43% das eleições de 2008 foi considerado muito mau. Foi, aliás, nessa altura que o partido decidiu que precisava de mais um líder carismático (como os históricos Franz Josef Strauss ou Edmund Stoiber), mesmo que arriscado pelo seu carácter algo imprevisível e pouco diplomata. Entrou então em cena Horst Seehofer – figura incontornável nos últimos dez anos, governador do estado até passar o cargo no ano passado numa disputa com o rival Markus Söder. Se a CSU tem este sucesso, parte deve-se ao seu acordo com a CDU. Logo após o final da II Guerra, a CDU juntou vários partidos em vários estados, mas a CSU preferiu ficar de fora. Assim, os dois têm um entendimento único em que nenhum concorre, ou faz campanha, no território do outro: a CDU em todos os estados federados excepto a Baviera, a CSU apenas na Baviera. Isto permite à CSU ser ao mesmo tempo um partido regional e nacional, mas apresentar-se como o defensor dos interesses bávaros. O seu slogan nas últimas eleições legislativas foi: “A Baviera em primeiro lugar” – a semelhança com o “America First” de Donald Trump não passou despercebida. A disputa recente tem muito a ver com isto: Horst Seehofer, o actual líder da CSU, sempre disse que a prioridade é a Baviera, e como ministro do Interior, o seu desentendimento com Merkel tinha como central uma medida a aplicar na fronteira entre a Baviera e a Áustria para fazer diminuir a entrada de requerentes de asilo (os que já estavam registados noutro país da União Europeia). Apesar desta medida dizer respeito a muito poucas pessoas – cinco por dia no máximo, admitiu o ministério em resposta a um pedido de informação do partido de esquerda Die Linke. Por outro lado, se a CSU defende os interesses locais, o partido não é só a variante regional da CDU: é um partido mais à direita. Franz Josef Strauss, durante muito tempo líder da CSU e que dá nome ao aeroporto de Munique, tinha como mantra que não poderia haver um partido legítimo à direita da CSU. A via mais centrista da chanceler alemã não é consensual nem na própria CDU (que não a desafiou abertamente enquanto Merkel era garantia de bons resultados eleitorais), e ainda menos na mais conservadora CSU. Alexander Dobrindt, o líder do grupo parlamentar da CSU no Parlamento, falou mesmo recentemente numa entrevista ao diário Die Welt na necessidade de uma “revolução conservadora” na Alemanha que se siga à “revolução das elites da esquerda”. A subida nas sondagens do partido AfD – primeiro anti-euro mas que virou para uma força xenófoba, anti-islão e de direita muito radical – fez soar os alarmes na Baviera. Com slogans de campanha como “Burqa? Preferimos burgunder” ou “Burqas? Preferimos biquinis” a AfD atacou mesmo à direita da CSU e jogou com um medo de “islamização” da sociedade. A CSU respondeu este ano com medidas como a obrigatoriedade de afixar crucifixos na maioria dos edifícios públicos. Universidades e teatros, potenciais rebeldes, foram excluídos, mas todos os restantes locais, de centros de emprego a hospitais, passando pelas esquadras de polícia, exibem agora o símbolo religioso. A CDU e a CSU têm uma longa história de entendimentos e desentendimentos, ainda que nunca nenhuma discórdia tão forte como a actual. Em 1976, Franz Josef Strauss tentou forçar a saída de Helmut Kohl numa tirada muito violenta, chamando-lhe totalmente incompetente e prevendo que este nunca venceria; seis anos mais tarde Kohl foi eleito e tornou-se mesmo o chanceler “eterno”: governou durante 16 anos, um recorde que Merkel, chanceler desde 2005, ainda não superou. Franz Josef Strauss ainda chegou a ser candidato a chanceler em 1980, a primeira vez que o candidato da CDU-CSU veio do partido bávaro, perdendo para o social-democrata Helmut Schmidt, que foi reeleito. A situação repetiu-se com o segundo e último candidato da CSU, Edmund Stoiber, que em 2002 não conseguiu bater o chanceler da altura, Gerhard Schröder. Caso a CSU decidisse acabar com o acordo de 1945 com a CDU, seria dos dois partidos, o que mais ficaria a perder: uma sondagem do instituto Forsa dizia que 54% dos eleitores da CSU na Baviera votariam CDU se tivessem esta opção. A CDU poderia obter 33% numa eleição no estado federado, segundo a mesma sondagem. Pior sinal para a CSU, na recente discórdia entre Merkel e Seehofer, 39% dos inquiridos disseram que o principal problema da Baviera era a CSU (mais do que os 30% que referiram os refugiados como principal problema). Alguns analistas disseram que Seehofer sabia que tinha os dias contados, e ainda que, quando caísse, queria arrastar Merkel com ele. Esta crise entre os dois partidos tem um lado de animosidade pessoal entre a impassível Merkel, cuja imagem de marca é a sua “pokerface” (nunca ninguém sabe o que pensa), e o desbragado Seehofer, que se define pela postura relaxada (e as farpas quer a aliados quer a inimigos). A relação entre Seehofer e Merkel não é especialmente boa há muito tempo. Ele já se demitiu por causa dela da vice-liderança parlamentar do partido em 2004, ainda era chanceler o social-democrata Gerhard Schröder e Merkel líder da oposição. Em 2016, os dois passaram meses a discordar sobre um limite máximo de entrada de refugiados no país, e mais recentemente, quando Seehofer assumiu o Ministério do Interior, sobre se o islão faz ou não parte da Alemanha. Nas últimas semanas, um novo ponto baixo. Seehofer terá dito que não consegue trabalhar com “aquela mulher”, e que Merkel só é chanceler por causa dele. Seehofer também não perdoou a Merkel a decisão de não fechar as fronteiras em 2015 quando muitos refugiados (na altura falava-se de um milhão, hoje sabe-se que o número foi 890 mil) entraram no país, e pior, de dizer que receberia todos os sírios que quisessem. A maioria das pessoas chegaram via Áustria à Baviera, onde foram recebidas por cidadãos que lhes deram as boas vindas nas estações de comboios. Mas a gestão dos refugiados foi complexa, muitos passaram meses a dormir em pavilhões desportivos escolares ou comunitários, grande parte do esforço foi feito graças ao envolvimento da sociedade civil, e o grande desafio passou de ser uma obrigação humanitária para se tornar um fardo, quer para muitos voluntários, quer para as autoridades. O espírito mudou, algo espelhado pela mudança também no diário mais vendido no país, o tablóide Bild, que passou de pró-refugiados (levou mesmo a cabo a campanha “nós ajudamos” em 2015) a crítico das ieias de Merkel: “Como a política está a falhar na crise dos refugiados”, escrevia em 2016. Logo a seguir a este volume de entradas, Merkel levou a cabo uma política de dificultar reunificações familiares de refugiados noutros locais (como a Grécia) e enviar de volta pessoas para o Afeganistão declarando-o um “país seguro” (em 2017 foram deportados 470 afegãos). Promoveu um acordo entre a UE e a Turquia, para que os refugiados não chegassem à Grécia, e muitos dos sírios no país receberam um estatuto de protecção secundária (ou seja temporária) e não de refugiado. A ideia era fazer diminuir drasticamente as chegadas à Alemanha, e resultou. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Mas esta é uma batalha pouco baseada em factos, e há, também, um problema de percepção. A criminalidade, por exemplo, baixou em 2017. Mas os poucos casos envolvendo refugiados ou requerentes de asilo (um atentado, uma violação, um assassínio) foram suficientes para deixar muitos a achar que foram ingénuos – são acusados de ser Gutmensch, “boa pessoa”, neste caso um termo pejorativo para os que são excessivamente bondosos por ingenuidade e para ganhar aprovação social pela sua benfeitoria, e normalmente também são “politicamente correctos”. Qualquer semelhança com discursos na América de Trump não são mera coincidência, e analistas criticaram fortemente Seehofer quando este disse recentemente que não era só na América de Donald Trump que havia “fake news”. Como dizia num artigo do New York Times Wolfgang Jirschik, presidente da câmara da pequena cidade de Baierbrunn, “não é preciso fazer com que a Baviera seja óptima outra vez [mais uma referência a um slogan de Donald Trump]. Já está óptima agora”. Mas o orgulho bávaro é particular dentro da Alemanha, notou ao jornal americano Klaus Reichold, historiador e especialista em folclore da Baviera. “O nacionalismo bávaro é tolerado desde 1945”, disse. “Pode-se ultrapassar o tabu alemão em relação ao nacionalismo sendo bávaro. ”
REFERÊNCIAS:
Entidades UE
Novo primeiro-ministro australiano diz que país não pode ser "à prova de futuro"
Actual primeiro-ministro perdeu liderança do partido e do país. Malcolm Turnbull, seu velho rival, quer reaproximar Governo da opinião pública com uma liderança mais progressista. (...)

Novo primeiro-ministro australiano diz que país não pode ser "à prova de futuro"
MINORIA(S): Migrantes Pontuação: 6 Homossexuais Pontuação: 6 Asiáticos Pontuação: 6 Refugiados Pontuação: 11 | Sentimento 0.045
DATA: 2015-09-15 | Jornal Público
SUMÁRIO: Actual primeiro-ministro perdeu liderança do partido e do país. Malcolm Turnbull, seu velho rival, quer reaproximar Governo da opinião pública com uma liderança mais progressista.
TEXTO: Tony Abbott foi afastado da liderança do Partido Liberal australiano e, por consequência, do cargo de primeiro-ministro, ao sido derrotado pelo rival Malcolm Turnbull numa eleição interna realizada nesta segunda-feira. Esta é a quarta vez que a chefia de Governo muda de mãos na Austrália em dois anos. Foi durante a manhã que Turnbull atirou a toalha para o ringue, ao anunciar que iria demitir-se do cargo de ministro das Comunicações para desafiar a liderança de Abbott, a quem acusou de ser incapaz de dar ao executivo a energia necessária para mudar a actual política e colocar os liberais de novo à frente dos trabalhistas nas sondagens. “Se continuarmos com Abott a primeiro-ministro, é evidente o que acontecerá. Ele deixará de ser primeiro-ministro e será sucedido por Shorten”, disse Turnbull, referindo-se ao líder do partido trabalhista, Bill Shorten. Abbott ainda resistiu, apelando aos colegas que não cometessem os mesmos erros do Labor – que defenestrou dois chefes de governo em apenas três anos –, mas acabou vencido na votação realizada já noite dentro pelos deputados liberais. Turnbull venceu a votação, por 54 votos contra 44, e promete um novo estilo de liderança “respeitador e isento de slogans”. O golpe palaciano é uma repetição da novela que abalou o Labor desde 2010, ano em que o então primeiro-ministro Kevin Rudd foi afastado pela rival Julia Gillard. Rudd respondeu na mesma moeda, em Junho de 2013, a meses de novas legislativas, destronou Gillard, acabando por perder as eleições para Abbott. O remake de 2015 é ainda mais idêntico porque Turnbull já tinha liderado o Partido Liberal entre 2008 e 2009, altura em que perdeu as eleições internas para Abbott por apenas um votoEspera-se do novo primeiro-ministro uma abordagem menos conservadora do que a de Abott em temas como o acolhimento de imigrantes e refugiados, combate às alterações climáticas e legalização do casamento entre pessoas do mesmo sexo. Todas áreas nas quais o actual Governo se foi gradualmente distanciando da opinião pública australiana. Sobretudo na resposta à recente vaga de imigrantes e refugiados que partem em barcos do Sul e Sudeste Asiático – em Junho, o executivo de Abott esteve sob fogo por ter alegadamente dado dinheiro a um traficante da Indonésia para que este fizesse regressar a sua embarcação em vez de entrar na Austrália. Abott acabou por ceder à pressão internacional e nacional e anunciou há uma semana que aceitaria mais 12 mil refugiados sírios para além da quota anual de cerca de 13 mil pedidos de asilo na Austrália. Isto apesar de o seu Governo ter defendido prioridade para sírios cristãos e sem que Abott acedesse a dar entrada aos barcos de rohingya vindos do Bangladesh, Indonésia e Birmânia. Liberal à esquerda“Não podemos ser defensivos”, disse Turnbull aos jornalistas, já depois da vitória. “Não podemos ser à prova de futuro”, acrescentou, com Julie Bishop ao seu lado, que continuará como vice-líder do partido e ministra dos Negócios Estrangeiros. Antes advogado e empresário, o novo primeiro-ministro australiano estudou direito em Sidney e, mais tarde, em Oxford. Ficou célebre quando, no final da década de 80, anulou as tentativas do Reino Unido de proibir a publicação do livro de um antigo espião britânico, Peter Wright. Defende um “Governo Liberal de compromisso com a liberdade, o indivíduo e o mercado”, mas é mais conhecido pelas suas propostas progressistas, como a luta contra o aquecimento global e a legalização do casamento homossexual. Estas são as mesmas bandeiras que o fazem um elemento relativamente divisivo num partido que caminhou para a direita sob o governo de Tony Abott e que está agora fracturado por lutas internas.
REFERÊNCIAS:
Étnia Asiático
A nova Europa dividida num contexto internacional de incertezas. E nós?
Jorge Sampaio alerta para a "tendência global" dos movimentos populistas, a propósito também da eleição de Donald Trump. Neste ensaio para o PÚBLICO, o ex-Presidente da República afirma que o "Brexit" constitui um "ponto de não-retorno" e que a própria Europa tem de travar a "corrida para o abismo". (...)

A nova Europa dividida num contexto internacional de incertezas. E nós?
MINORIA(S): Migrantes Pontuação: 6 Asiáticos Pontuação: 6 Refugiados Pontuação: 11 | Sentimento 0.068
DATA: 2016-12-31 | Jornal Público
SUMÁRIO: Jorge Sampaio alerta para a "tendência global" dos movimentos populistas, a propósito também da eleição de Donald Trump. Neste ensaio para o PÚBLICO, o ex-Presidente da República afirma que o "Brexit" constitui um "ponto de não-retorno" e que a própria Europa tem de travar a "corrida para o abismo".
TEXTO: Ao optar por me debruçar aqui sobre a “questão europeia”, chamemos-lhe assim, o meu objectivo não é trazer à colação certezas e ideias feitas acerca da Europa, do seu passado e do futuro, mas antes tentar desbravar um caminho de interrogações e perplexidades, que são afinal as de um europeu convicto, que teima em continuar a sê-lo, mas que se confronta com um conjunto de contradições, dilemas e perguntas para as quais as respostas não parecem óbvias nos tempos que correm. Ou seja, e este é o meu ponto de partida, as convicções outrora firmes que me acostumara a assumir como premissas inabaláveis de um europeísmo esclarecido estão hoje, em 2016, algo toldadas pela acumulação de dúvidas nascidas da confrontação com a realidade — o tal reality check, como bem se diz em língua inglesa —, assim como pela acentuada e generalizada erosão da confiança na Europa, no seu funcionamento, na sua capacidade de cuidar dos bens públicos europeus e de responder às expectativas dos cidadãos. Em suma, tentarei fazer nestas páginas um exercício de militantismo europeu, na certeza de que a dinâmica do capitalismo global, tal como se desenvolveu e se afirma no nosso tempo à escala planetária, exige da Europa e dos países europeus a determinação de se constituir como uma alternativa sólida, por um lado, à financeirização da economia e, por outro, ao capitalismo autoritário de “valores asiáticos”, por assim dizer. Se esta alternativa coincide com a União Europeia, tal como a conhecemos hoje, ou se exige uma outra Europa, é uma questão que está em aberto e cujos contornos aqui procurarei, precisamente, delinear. À partida, direi, como posição de princípio, que é na fractura aberta pelas insuficiências da actual Europa que importa trabalhar, mesmo se para tal for necessário quebrar alguns tabus, colocar questões inconvenientes e formular “hipóteses fora da caixa”. A eleição de Donald Trump para Presidente dos EUA traz consigo um lote acrescido de imprevisibilidade e de incertezas, sendo plausível um período mais ou menos longo de ajustamentos ou mesmo, digamos, de aprendizagem por ensaio e erro no plano da política externa da nova administração, com todos os riscos inerentesEstá já anunciada, para o próximo ano, uma cimeira extraordinária para comemorar o 60. º aniversário dos Tratados de Roma, assinados a 25 de Março de 1957, os quais, como é bem sabido, deram origem à actual União Europeia. Celebrações do género têm povoado a vida europeia, sendo que, desta vez, as questões da participação ou não do Reino Unido e a proximidade das eleições presidenciais francesas — cuja 1. ª volta está prevista para 23 de Abril — poderão vir a dominar ou mesmo a ensombrar as referidas comemorações, para não referir sequer a incerteza que paira sobre o futuro político em Itália ou da própria Alemanha, onde haverá também eleições legislativas no Outono do próximo ano. De qualquer forma, para além da coreografia habitual que inclui discursos de ocasião e a tradicional fotografia de família, o facto mais relevante será o documento a apresentar sobre “o nosso futuro comum”, tal como foi decidido e anunciado no Conselho Europeu de Bratislava de Setembro último. Mas a verdade é que sabemos, de resto bem de mais, o quanto o tema do “futuro da Europa” está hoje gasto e mais do que esgotado, uma vez que consta da agenda europeia desde a adopção do Tratado de Nice, tendo estado, de resto, no centro de vastos e múltiplos debates travados à escala europeia no âmbito da convenção lançada em Dezembro de 2001 e que se prolongou pelos anos seguintes. Não nos esqueçamos do desfecho de todo esse processo, que redundou no abandono do projecto da adopção de um tratado constitucional para a União Europeia, na sequência da sua rejeição por referendo em França e nos Países Baixos em 2005. Lembro aqui este pedaço da nossa história comum porque, com o passar do tempo, apercebemo-nos melhor do quanto a crise que a Europa atravessa hoje, e que já ninguém nega, tem raízes bem mais profundas, emaranhando razões, falácias e demagogias, disfarçando disfuncionamentos e problemas que foram deixados para trás sem que tivesse havido tentativas sérias de os resolver, a não ser através da convocação de sucessivos grupos de sábios e da apresentação de relatórios sobre o futuro da Europa, depressa deixados de lado…Por mim, considero que a consistente e reiterada manifestação de movimentos populistas, a que estamos a assistir, correspondem a uma nova e inquietante tendência global, que se expressou já no plano europeu nos referendos de 2005, que se consolidou no "Brexit" e que, no plano nacional, tem dado origem à criação de partidos nacionalistas e a vitória a figuras políticas improváveis. Mas, fixando-nos, para já, no quadro europeu, olhando para a última década, não nos pode escapar o facto de a União Europeia enfrentar uma clara acumulação de dificuldades, problemas mal resolvidos e alguns estrondosos insucessos, o que faz com que seja hoje consensual o estado de crise crónica do projecto europeu, agravado, sem dúvida, a uma escala sem precedentes, com o resultado do referendo no Reino Unido que levará à sua auto-exclusão da União Europeia. A saída anunciada do Reino Unido da União Europeia constituiu um ponto de não retorno no projecto europeuAs dificuldades e desafios são de vária ordem, mas aqui gostaria de começar por identificar duas grandes áreas: a económica, monetária e financeira, por um lado, e a da segurança, do controlo das fronteiras e das migrações, por outro. Em ambos os domínios produziu-se, a meu ver, um ponto de clivagem forte que assinala, porventura, um ponto de não-retorno, cujo desfecho está ainda por determinar. Sejamos, pois, claros: a crise das dívidas soberanas não foi resolvida, mas basicamente está apenas suspensa devido à intervenção do Banco Central Europeu. Ou seja, os fundamentos da crise continuam presentes, a saber: o baixo crescimento, o alto desemprego e a elevada dívida pública e privada cuja implicação é, respectivamente, a contenção do Estado social e do investimento público e a retracção do investimento privado com recurso a capitais próprios das empresas. Face a esta situação, a verdade é que a resposta da União Europeu (quer da Comissão, quer do Conselho) tem sido claramente insatisfatória: por um lado, como a união bancária (nomeadamente com o mecanismo de garantia de depósitos) continua por completar, a eventualidade de uma nova crise torna-se maior, a qual obviamente atingiria os países mais vulneráveis, incluindo Portugal. Por outro lado, não havendo progressos na união orçamental e mantendo-se a situação actual, não há forma de o orçamento comunitário (ou da zona euro, aliás, inexistente) poder absorver os choques assimétricos que se fazem sentir em países particulares. Acresce, ainda, que, não se tendo encontrado nenhuma solução global para o problema das dívidas excessivas, se mantém a vulnerabilidade, em particular dos países com maior endividamento, face ao agravamento das suas condições de financiamento. A interpretação dominante dos tratados, regulamentos e acordos produzidos pelas instituições europeias continua a ser, embora com algumas modulações, a de one size fits all. Ou seja, aquilo que é proposto e de certo modo exigido aos países e aos povos europeus dos países mais vulneráveis é que mantenham por períodos significativos (dez a 15 anos) políticas ou de austeridade ou de forte contenção orçamental e que registem significativos excedentes nas suas contas públicas (de resto, nunca alcançados no passado) dificilmente compagináveis com a manutenção dos seus estados de bem-estar. Mas o pior é que, de facto, ninguém parece acreditar que Bruxelas (ou Berlim) tenha qualquer iniciativa nos próximos meses para responder à crise da eurozona, para alterar a ortodoxia financeira dos credores ou para criar as condições institucionais e orçamentais que tornem possíveis programas de reforma nas economias mais frágeis. Ora, acontece que também não existe nenhum indicador no sentido da inversão de tendência de crise nos países devedores: a Grécia pode requerer um novo resgate, a negociação sobre o sector bancário italiano não está fechada e, em Portugal, a crise que nunca acabou parece igualmente concentrada no sector bancário. A confiança hoje está abalada de forma sistémica e sistemática — e, no fundo, a questão que se coloca é se esta desconfiança está já demasiado cimentada para ser reversível e evitar o alastramento dos populismos de toda a sorteEm suma, devemos reconhecer que a Europa tem um problema imediato para resolver, e que são as deficiências da moeda única. Há um conflito entre países em torno do cumprimento do Tratado Orçamental, do reforço da união bancária e da definição de elementos de união política. Como resultado de todas estas questões mal resolvidas ou por resolver, a área dos problemas sociais adquire premência redobrada — como criar emprego, incentivar maior procura na zona euro e promover maior justiça social através da luta contra as desigualdades crescentes?O conjunto destas dificuldades — monetárias, financeiras, económicas e sociais — tem constituído um ponto de clivagem forte no seio das opiniões públicas europeias, contribuindo para gerar o reforço, agora com fundamentação económica, dos argumentos daqueles que, radicalizados à esquerda ou à direita, apelam ao fim do projecto europeu e ao regresso do proteccionismo e dos nacionalismos. Como acima já mencionei, deparamo-nos, a meu ver, com uma segunda grande área de problemas relacionados com a segurança: o controlo de fronteiras e as migrações. A forma desastrosa como a União Europeia tem gerido este conjunto de dossiers tem constituído um segundo pólo de fricções e de clivagem no seio das sociedades europeias, designadamente devido às migrações descontroladas do ano passado, à questão da repartição e integração dos refugiados, que continua por resolver. Importa sublinhar que ligada a esta área de problemas está também a crise do modelo aberto, tolerante e inclusivo das nossas sociedades europeias, a braços com conflitos de ordem cultural e de valores. A dificuldade em lidar com o choque cultural que está a abrir brechas fundas nas nossas sociedades explica — juntamente com as dificuldades económicas e as desigualdades sociais — o esboroamento a olhos vistos da confiança na União Europeia, nas suas instituições e nos seus líderes, com todas as sondagens e estudos de opinião a ilustrarem esta tendência. É impossível não olhar já para as eleições de 2017 em França e na Alemanha como próximas etapas prováveis desta corrida para o abismoIsto explica, creio, a criação de partidos políticos fora do mainstream, partidos de franjas e extremos, e de movimentos inorgânicos sui generis, bem como, por efeito de espelho, o reforço dos partidos antieuropeus e populistas que advogam o encerramento das fronteiras, o proteccionismo e o regresso dos nacionalismos, porque, aos olhos dos cidadãos, está em causa o fraco ou mau desempenho da governação europeia e a sua incapacidade em gerar emprego e prosperidade ou ainda em encontrar soluções para desafios globais, como sejam o terrorismo, a gestão das fronteiras ou a questão dos refugiados e das migrações. A mim, parece-me que a confiança hoje está abalada de forma sistémica e sistemática — e, no fundo, a questão que se coloca é se esta desconfiança está já demasiado cimentada para ser reversível e evitar o alastramento dos populismos de toda a sorte. A este respeito, a saída do Reino Unido da União Europeia é inquietante, a vários títulos, de que salientarei três: primeiro, porque inaugura uma nova etapa na história europeia, a da “desconstrução” da União Europeia, uma fórmula suave para não dizer “destruição”, após 60 anos dominados pela dupla dinâmica do “alargamento-aprofundamento” da UE. Em segundo lugar, porque é uma porta aberta para que outros Estados lhe sigam no encalce; em terceiro lugar, porque é uma fonte de inúmeras e pesadas incertezas que poderão acabar por precipitar um sem-número de problemas em cascata — na área das políticas comuns, mas também no plano da economia, da segurança, da política externa ou da defesa, bem como abalar de forma duradoura equilíbrios de poder já de si precários no seio da governação europeia. Olhando para o resultado das eleições presidenciais americanas, creio que há razões tangíveis que reforçam inquietações e pessimismo, pois está claro que todas estas tendências vão no mesmo sentido, reforçando-se negativamente, sendo impossível não olhar já para as eleições de 2017 em França e na Alemanha como próximas etapas prováveis desta corrida para o abismo. Por conseguinte, neste complexo contexto europeu e internacional em que nos encontramos, reconstruir a confiança constitui, a meu ver, um desafio grande, moroso, complexo, mas incontornável. Não há economia nem mercado nem política nem democracia sem esse cimento de base, a confiança. Não há paz duradoura se a desconfiança minar as relações entre comunidades, povos e nações, se o pacto social for rompido. Não quero com isto vaticinar um destino trágico para a União Europeia — o que é dizer para todos nós —, mas sim, ao invés, lançar um apelo veemente para que se faça algo para inverter esta corrida para o abismo em que parecemos lançadosPara restaurar a confiança, é preciso proceder à recapacitação das nossas democracias no plano nacional, ao nível central e local; mas esta passa também pelo resgate da democracia representativa na Europa, na fórmula sugestiva de Soromenho Marques, pelo aprofundamento de uma União Europeia que sirva os cidadãos e defenda o interesse geral europeu. Tenho a convicção de que cabe à Europa contribuir para reinventar a democracia para a nossa era da globalização, até porque a Europa não é só parte dos problemas, mas é também solução, dando aos países mais controlo sobre políticas que se tornaram globais. Agora, tal não acontecerá se a Europa não contribuir para reforçar o poder de escolha dos cidadãos, revitalizando a ideia de que a democracia é o regime em que as alternativas políticas são possíveis. Mas, para isso, a União Europeia tem de reatar com o melhor da sua tradição, a que combina a liberdade que vem do liberalismo com a estabilidade, o bem-estar e a equidade social que vêm da social-democracia. Se Bruxelas e os Estados-membros da União Europeia não entenderem isto e nada fizerem para resgatar estes valores, as comemorações de Março do próximo ano do 60. º aniversário dos Tratados de Roma correm sério risco ou de não terem sequer lugar ou de se transformarem numa marcha fúnebre. Incapaz de gerir bem a inédita complexidade da presente globalização, o século XXI começou mal, carregando já nestes seus primeiros anos um cortejo de indescritíveis violências, situações de terror múltiplo e geograficamente disperso, crises económicas e financeiras demolidoras de um desejável progresso social, com preocupantes efeitos numa generalizada descredibilização da acção política, quer seja no plano nacional, quer no da concertação internacional, que desacredita todo o sistema do multilateralismo. Difícil, por tudo isto, ser optimista, quando a realidade nos interpela, revelando um tempo de conflito e de persistentes violações dos direitos humanos; de intoleráveis assimetrias na riqueza e no acesso aos bens públicos, que depois se projectam no desenho de uma penosa geografia mundial de doenças, epidemias e exclusões; ou na insistente existência de massacres sectários. Assistimos hoje a perversas destruições de memórias históricas que constituíam até agora acervo intocável do património da humanidade; presenciamos o alastrar de perigosos fundamentalismos, que julgávamos já sepultados pelo progresso comum; e, neste milénio gerador de tantas expectativas, convivemos com a vergonhosa tragédia dos refugiados e migrantes que procuram na Europa uma alternativa à morte, à perseguição, à violência ou à fome, e encontram o Mediterrâneo como sepultura dos seus magros sonhos, reféns de redes de traficantes que continuam a operar com escandalosa impunidade. A Grécia pode requerer um novo resgate, a negociação sobre o sector bancário italiano não está fechada e, em Portugal, a crise que nunca acabou parece igualmente concentrada no sector bancárioNeste mundo preocupado por um diferente alinhamento de hierarquias de poder e da emergência de novas inseguranças, percebemos com desalento que mesmo a União Europeia — aonde antes íamos buscar conforto, porque depositária de muitas das nossas esperanças de progresso e de equilíbrios estratégicos — tem revelado nos últimos anos uma impotência decisória que parece ser a única marca da sua política externa. Agora a questão crucial é que a saída anunciada do Reino Unido da União Europeia constituiu um ponto de não-retorno no projecto europeu. A meu ver, ignorar que estamos perante uma situação em que nada será jamais como dantes e em que nada poderá continuar a ser business as usual levar-nos-á directamente ao precipício. A história não se repete, mas há dinâmicas que parecem recorrentes, sufragadas por teorias várias, designadamente as que ao apogeu dos grandes projectos civilizacionais fazem seguir o declínio e a decadência como etapas previsíveis. Não quero com isto vaticinar um destino trágico para a União Europeia — o que é dizer para todos nós —, mas sim, ao invés, lançar um apelo veemente para que se faça algo para inverter esta corrida para o abismo em que parecemos lançados e de que, de resto, a emergência dos populismos como uma nova tendência global constitui um sério e preocupante aviso, reiterado com o resultado das eleições americanas. Perante este quadro sombrio, importará, todavia, lembrar que, da História, e da sua lenta e pouco linear passada de anos e séculos, nos chega igualmente um sólido acervo de realizações que justificam que nos continuemos a bater por um futuro melhor e pela evolução positiva da sociedade em que vivemos, no plano nacional ou internacional. O século XXI tem criado, à volta da Europa, um extenso arco de conflitos e situações de crise que lavram, vitimando sobretudo as populações civis e impelindo milhares a lançar-se em aventuras transcontinentais incertas e perigosas. A luta contra o terrorismo, se continua a mobilizar os esforços de um vasto leque de parceiros, deixa, no entanto, em aberto numerosas incógnitas, como sejam o futuro da Líbia, Síria, do Iraque, do Iémen e do Afeganistão, bem como a relação de forças entre, digamos, o eixo sunita/xiita. O relacionamento com os parceiros próximos da Europa — designadamente Turquia e Rússia — padecem de interlocução séria e de um agenda europeia própria, reféns de interesses mais vastos e contraditórios, ora focados na crise dos refugiados no que respeita à Turquia, ora na questão ucraniana no que toca à Rússia ou ainda na questão síria, que envolve ambos. A crise das dívidas soberanas não foi resolvida, mas basicamente está apenas suspensa devido à intervenção do BCEPor seu turno, o relacionamento transatlântico, tão essencial à própria dinâmica intra-europeia, está hoje suspenso por um pesado conjunto de incertezas, resultantes quer de todas as incógnitas e indefinições que rodeiam a próxima administração americana, quer, do lado europeu, das consequências do "Brexit" na redefinição dos equilíbrios intra-europeus e do seu impacto geral nas relações de cooperação, num vasto plano de matérias, incluindo a segurança e a defesa e nomeadamente com a NATO. A eleição de Donald Trump para Presidente dos EUA traz consigo um lote acrescido de imprevisibilidade e de incertezas, sendo plausível um período mais ou menos longo de ajustamentos ou mesmo, digamos, de aprendizagem por ensaio e erro no plano da política externa da nova administração, com todos os riscos inerentes. À Europa caberá a opção ou de se tornar irrelevante ou de se afirmar como um modelo civilizacional, económico e de sociedade com peso próprio, podendo afirmar-se como o fiel das múltiplas balanças que se poderão vir a desenhar no seio de uma ordem mundial multipolar, marcada por uma geometria de poderes variável. Para mim, que, sobretudo nestes últimos anos, viajei intensamente pelo mundo inteiro, convivi de perto com povos de todos os continentes, discuti e vi realidades — culturais, sociais, políticas e societais — das mais variadas, há uma coisa que se tornou óbvia: é que, de onde quer que viesse (da Ásia, África, Américas ou do Extremo Oriente), a noção de se “chegar a casa” quando se aterra na Europa (seja em Paris, Londres, Luxemburgo, Tessalónica, Amesterdão, Barcelona, Riga ou em Cracóvia) é real, além de extremamente reconfortante…E isto significa, afinal, que a Europa é a partilha de uma casa comum, de um património civilizacional e de valores, de um modelo de sociedade, e que é isto que nos faz sentir parte de uma mesma família, enfim, que nos faz sentir sermos todos cidadãos e membros de uma comunidade de destino. Para mim, é esta sensação ou sentido de filiação ou de cordão umbilical comum que dá sentido ao projecto político europeu. Ora, um dos grandes desafios que se coloca hoje é precisamente o de como reforçar este sentimento de pertença dos europeus, sejam urbanos ou de comunidade rurais, de gerações mais novas ou mais antigas; como fortalecer o sentido desta identidade partilhada; como revigorar o orgulho de ser europeu. Dever-nos-íamos bater por que a Europa do euro — ?a dos 19 do euro — seja o verdadeiro núcleo duro de uma UE reformadaAo completarem-se 30 anos da adesão de Portugal ao projecto de integração europeia, porventura a mais inovadora experiência política realizada desde a paz de Vestefália, este poderia ser o momento certo para fazermos um balanço rigoroso e exaustivo da nossa participação europeia na dupla vertente do que a Europa tem feito por nós e do que podemos fazer por ela. Como a “questão do futuro da Europa” está de volta, importa, a meu ver, que Portugal inicie um processo de reflexão interno — dentro das mais variadas sedes e foros, designadamente no plano das instituições de segurança e defesa — sobre como assegurar uma participação de qualidade na União Europeia. Temos de ser contribuintes líquidos para o debate europeu que vai ocorrer na sequência do "Brexit", que se vai intensificar e em que não poderemos figurar como espectadores mais ou menos passivos. Temos de saber o que queremos, temos de levar ideias claras e propostas bem definidas, e, sempre que possível, contribuir para liderar o debate. Sabemos já — de um saber feito de experiência e, por vezes, de dura experiência — que temos de ser mais rigorosos em relação à Europa que queremos. Já vimos que não é uma qualquer Europa que serve os nossos interesses. Creio que deveríamos identificar o núcleo duro de premissas por que nos deveríamos bater. Por exemplo, penso que deveríamos recusar todo o tipo de iniciativas restritivas que se baseiem em critérios passadistas e obsoletos, como sejam as que recorrem à figura dos “membros fundadores”. Ao invés, dever-nos-íamos bater por que a europa do euro — a dos 19 do euro — seja o verdadeiro núcleo duro de uma UE reformada. A meu ver, dever-se-ia começar por solidificar a União entre os 19 da zona euro por forma a relançar a construção europeia pela base — ou seja, através de um compromisso claramente político no sentido de reforçar os mecanismos económicos e financeiros da zona euro. Um outro ponto muito importante é que a saída do Reino Unido da UE vai produzir mudanças fundas em termos dos equilíbrios de poder intra-europeus, sendo provável, a meu ver, a consolidação do “momento unipolar” alemão, incluindo o reconhecimento norte-americano da Alemanha como o principal parceiro europeu dos Estados Unidos. Essa evolução estava esboçada já antes do "Brexit", mas a sua confirmação marcará uma viragem que obrigará Portugal a concentrar-se sobre as suas relações com a Alemanha e com a Espanha, que é o principal parceiro de Berlim (e de Washington) na Península Ibérica. Por certo, Portugal deve reconstituir, num quadro bilateral, a sua relação com o Reino Unido, como o exigem a história comum, os interesses económicos e a necessidade imperativa de proteger as comunidades emigrantes — devem estar mais de 300 mil portugueses no Reino Unido, o principal destino da última vaga de emigração. Mas essa relação deixa de ser directamente relevante na balança interna da União Europeia. [Em Portugal] são cada vez mais fortes as posições nacionalistas contra a integração europeia, incluindo do Partido Comunista e do Bloco de Esquerda, na ausência de uma força populista de direitaEsta alteração dos equilíbrios geopolítico-estratégicos exigirá reflexão aprofundada do nosso lado, realinhamentos e reposicionamentos diplomáticos e de política externa que convém prepararmos atempadamente. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Por último, penso que é também forçoso admitir que deixou de existir, agora no plano interno, um consenso nacional sobre a política externa, incluindo entre os dois principais partidos. Tornaram-se mais evidentes as clivagens que separam os partidários do reforço de uma aliança alemã dos outros que se lhe opõem, persistem as divisões que separam os europeístas e os atlantistas, são cada vez mais fortes as posições nacionalistas contra a integração europeia, incluindo o Partido Comunista e do Bloco de Esquerda, na ausência de uma força populista de direita. Neste contexto, há que nos interrogarmos sobre qual será a melhor estratégia e os vários níveis de interlocução — inclusive institucional — para inverter as divergências cavadas entre as elites políticas, que não parecem preparadas para responder à crise precipitada pelo "Brexit". Há também que reflectir seriamente sobre o impacto possível de novas opções de política externa e de defesa da futura administração americana para os nossos próprios interesses nacionais. Em suma, atravessamos um momento especialmente crítico para o nosso futuro colectivo — no plano nacional, mas também europeu e até mundial. Mas, qualquer que seja o sentido futuro da integração europeia — e sabemos que há vários cenários —, o que me parece importante sublinhar aqui é a necessidade de se aprofundar a discussão sobre que Europa queremos, que modelo para a reformatação da zona euro e que actualizações pretendemos fazer dos nossos compromissos europeus.
REFERÊNCIAS:
Entidades EUA NATO UE
Declaração conjunta do Conselho para as Migrações
No 70.º aniversário da Declaração Universal dos Direitos Humanos e dos 40 anos da ratificação de Portugal da Convenção Europeia dos Direitos Humanos, por ocasião do dia 18 de dezembro, Dia Internacional das Pessoas Migrantes. (...)

Declaração conjunta do Conselho para as Migrações
MINORIA(S): Migrantes Pontuação: 6 Africanos Pontuação: 2 Refugiados Pontuação: 11 | Sentimento 0.0
DATA: 2018-12-19 | Jornal Público
SUMÁRIO: No 70.º aniversário da Declaração Universal dos Direitos Humanos e dos 40 anos da ratificação de Portugal da Convenção Europeia dos Direitos Humanos, por ocasião do dia 18 de dezembro, Dia Internacional das Pessoas Migrantes.
TEXTO: Segundo as Nações Unidas, há atualmente 244 milhões de migrantes internacionais e mais de 22 milhões de refugiados, dos quais quase metade com idade inferior a 18 anos. Guerras, terrorismo, alterações climáticas e crises financeiras registadas nas últimas décadas determinaram a intensidade dos fluxos migratórios e provocaram a maior crise internacional de pessoas refugiadas desde a II Guerra Mundial. O racismo, a xenofobia e o ódio religioso dirigido às comunidades migrantes estão a ser evidenciados no tecido social e no discurso político de democracias ocidentais, nomeadamente europeias. Se há menos de três décadas caía o Muro de Berlim, entre 2014 e 2015 foram construídos muros nas fronteiras de vários países da União Europeia para conter a entrada de novos fluxos migratórios. No auge da crise humanitária de 2015, Estados-membros da União Europeia houve que recusavam receber pessoas refugiadas vindas de África e do Médio Oriente que diariamente chegavam à Europa para fugir da violência e da miséria e muitas morreram no Mar Mediterrâneo. Setenta anos após a aprovação da Declaração Universal dos Direitos Humanos na Assembleia-Geral das Nações Unidas, hoje, mais do que nunca, o Mundo continua a demonstrar a importância de instrumentos políticos como o do ato firmado no dia 10 de dezembro de 1948 e a atualidade do seu texto. Nesta ocasião, no âmbito da celebração dos 70 anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos, o Conselho para as Migrações lembra que:A imigração é fundamental para o enriquecimento e desenvolvimento do País, em diferentes domínios: económico; qualificação; emprego; empreendedorismo; diversidade cultural e religiosa;Portugal deve continuar a afirmar-se numa política aberta à migração legal e atenta a novos fluxos migratórios, criando novas respostas para recentes desafios;O Estado e a Sociedade Civil devem continuar a pugnar pela constante melhoria das boas práticas no acolhimento e integração de migrantes e refugiados que vivem e trabalham em Portugal;É dever de todos e de todas reforçar a prevenção e luta contra a discriminação racial e o tráfico de seres humanos, bem como a utilização perversa das migrações para fins de exploração laboral, sexual, mendicidade, entre outros. Deve promover-se a igualdade de oportunidades e o reforço da coesão social como princípios norteadores para uma efetiva, transversal e intersetorial política de integração. Assim, na reunião plenária do dia 3 de dezembro, o Conselho para as Migrações deliberou:Aprovado por unanimidade em Sintra, no dia 3 de dezembro de 2018O Conselho para as MigraçõesOs autores escrevem segundo o novo Acordo Ortográfico
REFERÊNCIAS:
Palavras-chave direitos guerra humanos violência imigração racismo social igualdade sexual humanitária discriminação xenofobia
A longa viagem de Muhammad
Sete países atravessou Muhammad por causa de uma frase. “Não te vamos deixar no mundo”, disseram-lhe os taliban. Pensou que morria. “Porque acontecem estas coisas connosco?” Esta é a sua história contada na primeira pessoa. (...)

A longa viagem de Muhammad
MINORIA(S): Migrantes Pontuação: 5 Refugiados Pontuação: 11 | Sentimento -0.05
DATA: 2017-09-24 | Jornal Público
SUMÁRIO: Sete países atravessou Muhammad por causa de uma frase. “Não te vamos deixar no mundo”, disseram-lhe os taliban. Pensou que morria. “Porque acontecem estas coisas connosco?” Esta é a sua história contada na primeira pessoa.
TEXTO: Na Grécia foi fechado num sítio sem janelas; no Mediterrâneo foi lançado num bote apinhado; em Turim foi deixado com fome no meio da neve. Muhammad está em Portugal desde Dezembro e quando vê tanta gente a morrer no Mediterrâneo, pensa: qual foi o erro destas pessoas, o que fizemos de errado?Tenho 27 anos e sou de Peshawar, uma cidade do Paquistão, junto à fronteira do Afeganistão. Estudei sistemas de computadores na faculdade. No meu país há poucos empregos e, por isso, decidi abrir a minha própria loja. Vendia computadores, laptops, fazia arranjos. . . e tinha um grupo musical, tocávamos em casamentos e em festas, as pessoas dançavam e divertiam-se. Peshawar é uma cidade perigosa. A qualquer momento entra um bombista suicida numa loja e rebenta-se e mata toda gente. Um dia estava numa padaria quando entrou um e fez-se explodir, mas só fiquei um pouco ferido. Nós, os paquistaneses, já consideramos isto normal. Ou melhor, já é “normal” isto acontecer. Um dia de Setembro do ano passado, entraram umas pessoas na minha loja. Apresentaram-se, disseram-me que eram do Tehrik-i-Taliban [os taliban do Paquistão, que têm ligações à Al-Qaeda] e que tinha de fechar a loja. Disseram-me que tinha de abrir outro tipo de negócio e ameaçaram-me. Eu disse-lhes que não tinha muito dinheiro nem muita experiência para abrir outro negócio. Então eles disseram-me que, se não fizesse isso, tinha de ir com eles, combater o exército [paquistanês] e o exército americano. [Os taliban do Paquistão lutam contra o Estado e contra a presença de forças americanas no Afeganistão e querem impor a sua interpretação da sharia, a lei islâmica; são islamistas radicais. ]Eles dizem que a religião não nos permite vender computadores, CD. São extremistas e estão a criar problemas no Paquistão. Não querem que as pessoas construam um bom futuro, só querem que as pessoas se juntem a eles para combater contra o exército. Querem que [os homens] se juntem a eles e combatam e por isso vão atrás dos mais jovens. Quando eu recusei, eles disseram: “Não te vamos deixar vivo. Vamos matar-te. ”Em casa, a minha mãe disse-me: se fores com eles, o exército mata-te, se recusares a oferta, matam-te eles. “É melhor saíres deste país. ”Falei com o meu tio, que encontrou um homem para me tirar do Paquistão. Não sei quanto é que [a minha família] pagou ao homem para me levar [para a Europa]. O meu tio é que falou com ele. Fui com ele, ele é que me deixou em Itália. Não fui sozinho, éramos um grupo de dez ou 12, mas que foi aumentando no percurso, no Irão juntou-se a nós um grupo do Afeganistão. Primeiro fomos levados para Carachi, que fica na outra ponta do Paquistão. De Carachi, que não é longe da fronteira, atravessámos para o Irão. Atravessámos a pé, pela região montanhosa, e depois atravessámos o Irão para Norte. Viajámos numa carrinha pequena e demorámos entre dez e 20 dias. Do Irão, passámos a fronteira e entrámos na Turquia, onde ficámos dois dias até sermos metidos num barco pequeno em direcção à Grécia; a viagem durou duas horas. Dez horas. Na Grécia estivemos dez horas, metidos dentro de um quarto, um sítio sem janelas. Como não sabia onde estava, perguntei. “Não sei o nome da terra, mas aqui é a Grécia”, disseram-me quando fiz a pergunta. E só por isso, porque perguntei, sei por onde passei. Ao fim das dez horas no quarto sem janelas, [os traficantes] apareceram para nos dizerem que já tinham arranjado um barco e que íamos seguir para Itália. Pelo caminho telefonei para casa. Não sou casado, não tenho filhos, deixei no Paquistão a minha mãe e a minha irmã. Disseram-me que os taliban andavam à minha procura e fiquei preocupado. Não sabia — não sei — se iriam fazer mal à minha família se não me encontrassem. Decidi parar de os contactar para não correr o risco de os taliban os matarem. Se já os contactei desde que cheguei a Portugal? Já telefonei. . . mas não responderam. Não sei se se foram embora. . . Atravessámos o Mediterrâneo num barco pequeno, tipo pneumático, e com um motor pequeno que mais parecia uma ventoinha. O barco tinha capacidade para 40 ou 50 pessoas, mas entrámos lá 100. Sei isto porque quando [os traficantes] nos estavam a embarcar, disseram que nunca levavam mais de 100 pessoas por barco. Antes de embarcarmos, disseram-nos que tínhamos de tirar os sapatos e os cintos porque não queriam objectos pesados. Para comer, só nos deram algumas bolachas. Passámos 18 horas no mar. Não apanhámos tempestades, ondas altas, apenas algum vento forte, às vezes. Éramos todos homens, a maior parte jovens mas também alguns mais velhos, e vínhamos de países diferentes: do Afeganistão, do Paquistão, do Bangladesh. Íamos falando: de onde és e isso. Na travessia, pensámos no mar. Pensámos que era a nossa última viagem. Pensámos que tínhamos salvo a nossa vida escapando dos taliban mas que esta era a última viagem. Mas havia que continuar. Quando vejo tanta gente a morrer no Mediterrâneo, penso: qual foi o erro destas pessoas, o que fizemos de errado? Porque acontecem estas coisas connosco? Penso que temos o direito de viver neste mundo, como os outros, e sinto-me triste por tanta gente estar a deixar as suas casas, as suas famílias, os seus países. Sinto-me tão triste. O barco parou não muito perto da costa e fomos informados de que a partir daí íamos sozinhos e que, quando lá chegássemos, chegariam guardas para nos prender e era a eles que devíamos contar a nossa história. Nadei um bocadinho até aparecerem os guardas que perguntaram quem éramos e o que fazíamos ali. Fomos levados para a esquadra, onde fomos informados de que não tinham espaço para nós. Não nos prenderam, não nos levaram para nenhum sítio. Disseram que devíamos ir para Turim e disseram-nos o que fazer para lá chegar. Os polícias levaram-nos ao autocarro e explicaram ao condutor quem éramos e que queríamos [chegar ao continente] ir para Turim. Lá seguimos, fui num grupo de dez ou 12 pessoas, sem pagar. Mas quando cheguei a Turim disseram-me o mesmo: não temos mais espaço para refugiados. “Volte amanhã”, diziam os polícias. No dia a seguir diziam a mesma coisa. Dois meses estive eu em Itália. Eles diziam que eram apenas polícias normais e que nada podiam fazer por nós. Nevava e chovia e eles diziam que não havia lugar, que estavam cheios. Às vezes dormia na estação dos comboios — não, nunca fui expulso —, outras vezes dormia no parque. Íamos às lojas explicar que não tínhamos dinheiro, explicar a situação, e eles davam-nos pão, um pouco de leite. . . Os sem-abrigo também ajudavam. Uma pessoa está a dormir na rua e não está tranquila, fica a pensar em tudo. E às vezes os sem-abrigo ficavam de vigia enquanto dormíamos, depois acordávamos e dormiam eles enquanto nós vigiávamos. Também pensei que a minha vida acabava em Turim. Estava a dormir na estação de comboios de Turim e um homem viu-me e perguntou-me quem era e o que fazia ali. “Durmo aqui. Não tenho comida, não tenho onde dormir. ” Contei-lhe a minha história. O homem disse-me que devia ir para Portugal porque as pessoas eram muito humanas e preocupavam-se com os outros seres humanos. Não sei o nome do português que falou comigo na estação de Turim. Fui de Itália para França de comboio. . . e depois aqui apanhei um táxi. O taxista disse que me ia deixar num sítio onde havia muita gente da Ásia, gente do meu país, que sabia a minha língua e a quem eu poderia perguntar o que devia fazer a seguir. Agora já sei que o sítio onde o taxista me deixou se chama Martim Moniz. Às vezes, eu e os outros colegas paquistaneses vamos lá fazer umas compras e fazemos uma refeição paquistanesa. Cheguei a Lisboa no dia 30 de Dezembro, de manhã, entre as onze e o meio-dia. No Martim Moniz conheci umas pessoas do Bangladesh a quem expliquei a minha situação e perguntei onde era a esquadra da polícia, mas eles disseram-me que tinha de ir ao Serviço de Estrangeiros e Fronteiras e mostraram-me o caminho. Quando lá cheguei eram 18h e já estava fechado, mas as pessoas foram simpáticas, ouviram a minha história e mandaram-me para o CPR [Centro de Acolhimento do Conselho Português para os Refugiados, na Bobadela]. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. No CPR acolheram-me, deram-me de comer e perguntaram-me se queria pedir asilo político. Aqui acordamos às dez, temos aula de português. . . à tarde conversamos, há outras pessoas do Paquistão aqui no centro. Normalmente fica-se aqui entre três e quatro meses, eu já cá estou há três meses e meio e espero que a minha situação fique regularizada. Talvez este mês consiga a documentação e saia para procurar uma vida melhor. De que sinto falta? Da minha família. Dos meus amigos. Da minha loja. Mas a situação é esta: estou em Portugal, a minha vida agora é Portugal. Gosto de Portugal, gosto do clima. . . e gosto do comportamento das pessoas. ”
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O deserto do Sara mata ainda mais migrantes do que o Mediterrâneo
Argélia abandona milhares de pessoas no deserto expulsando-as para o Níger. (...)

O deserto do Sara mata ainda mais migrantes do que o Mediterrâneo
MINORIA(S): Migrantes Pontuação: 2 Mulheres Pontuação: 2 Refugiados Pontuação: 11 | Sentimento 0.5
DATA: 2018-06-26 | Jornal Público
SUMÁRIO: Argélia abandona milhares de pessoas no deserto expulsando-as para o Níger.
TEXTO: O mar Mediterrâneo tornou-se o símbolo das travessias perigosas, dos barcos apinhados, dos migrantes e refugiados mortos, embora o verdadeiro número nunca se saiba, provas de naufrágios e as suas vítimas davam, por vezes, à costa. A rota é tida como a mais mortífera. Mas há um local em que se estima que morram ainda mais pessoas, a maior parte das vezes sem deixar vestígios: o deserto do Sara. A Organização Internacional para as Migrações (OIM) e o Alto Comissariado da ONU para os Refugiados (ACNUR) têm vindo a alertar para este fenómeno. “Ainda não temos uma estimativa do número de mortos no deserto” do Sara, declarou há meses o director para a África Ocidental e Central, Richard Danziger, numa conferência em Genebra. Poderão ter morrido no deserto, perdidas, com sede, exaustas e sob um calor de mais de 40 graus, até 30 mil pessoas desde 2014. Sozinhas, com filhos, em pequenos grupos. O que se sabe é através de pessoas que fizeram a viagem e sobreviveram. Algumas, que conseguiram manter os seus telefones, gravaram o que aconteceu para responsabilizar as autoridades. Porque muitas vezes o facto de estas pessoas se encontrarem no meio do nada tem um responsável: as autoridades fronteiriças de países, sobretudo da Argélia. Ju Dennis, da Libéria, filmou a sua deportação com um telefone que conseguiu manter escondido no corpo, conta a agência Associated Press que recolheu uma série de testemunhos. Foi levado num camião junto com dezenas de outros durante horas por quase estradas de areia, e deixado num local chamado “ponto zero”, onde guardas armados lhe indicaram a direcção do Níger – e lhe ordenaram para seguir viagem. Sem água, sem comida, sem orientação. Há relatos de guardas a disparar quando os expulsos não andam suficientemente depressa. São por vezes grupos de centenas de pessoas, mas depressa começam a dividir-se. “Houve pessoas que não aguentaram. Sentaram-se e deixámo-las”, contou pelo seu lado Aliou Kande, senegalês de 18 anos, que fez uma viagem semelhante mas a partir do Mali. Nunca mais as viu. A Argélia não publica dados sobre as expulsões de migrantes. Mas a OIM diz que desde que começou a contar, em Maio de 2017 – quando 135 pessoas foram deixadas perto da fronteira para andar até ao Níger – que os números não param de aumentar. Em Abril deste ano foram 2888. No total deste período, sobreviveram 11. 276 pessoas. “Chegam aos milhares”, comentou Alhoussan Adouwal, responsável da OIM na localidade de Assamaka (Níger), a mais perto da fronteira com a Argélia, encarregado de dar o alerta quando chega um grupo. “A escala das expulsões que estou a ver agora, nunca tinha visto nada semelhante”, disse à agência de notícias norte-americana. “É uma catástrofe”. A OIM e o ACNUR têm equipas a correr o deserto, e por vezes conseguem salvar quem encontram a vaguear no calor. Algumas pessoas vagueiam dias seguidos antes de serem salvas. Muitas outras não aguentam. Por vezes as equipas encontram mortos – em 2013, num caso que chocou o país, durante cinco dias foram sendo encontrado cadáveres. No final eram 92 corpos, incluindo de 33 mulheres e 52 crianças. Alguns estavam em pequenos grupos, outros morreram sozinhos. No Níger, os migrantes também se arriscam a ser abandonados pelos traficantes. “Por vezes são enganados pelos traficantes, que fogem com o seu dinheiro, deixando-os no meio do nada, num país que não conhecem, a tentar ganhar dinheiro para continuar viagem ou voltar a casa”, descrevia Guiseppe Loprete, responsável pelas operações da OIM no Níger, à agência de notícias das Nações Unidas. Um recente combate ao tráfico de pessoas das autoridades do Níger levou a que os traficantes evitem agora parte da rota mais popular, usando desvios e aumentando o perigo. Com a crescente penalização, também os que lucram com a viagem são cada vez mais traficantes também de armas e droga. Dos que se cruzam com as patrulhas das organizações humanitárias, a maioria opta por seguir de autocarro até Arlit, a seis horas numa estrada de areia de Assamaka. Daí vão até Agadez, a cidade do Níger na rota de comércio há gerações, e que está agora no centro de vários tráficos. Em Agadez, quem é resgatado pelas equipas de socorro e faz a viagem de regresso para o seu país (ou a sua terra, muitos são naturais do Níger) transforma-se muitas vezes num porta-voz dos perigos da viagem quando se cruzam com quem chega ali para na viagem para norte. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Daniel, dos Camarões, é um deles. Aos 26 anos saiu do seu país com o irmão gémeo e o tio e sofreu nas mãos dos traficantes entre o Níger e a Líbia, a paragem que se segue ao deserto do Sara. Na gradação de infernos pelos quais é possível passar a Líbia e as torturas dos traficantes está num lugar cimeiro. Depois de lhes contar a sua história, de ser preso e espancado por não ter mas dinheiro para dar aos traficantes, não sabe o que decidem. “Isso é com eles, mas fiz a minha parte ao avisá-los”, conta no site do ACNUR. Na cidade, a Associated Press descreve como todas as segundas-feiras à noite dezenas de carrinhas passam o posto de controlo para a abandonar, cheias de pessoas com uma carga de garrafas de água para enfrentar o Sara, de olhos fixos no que está em frente. A partir dali, só se vê pó.
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Entidades ONU
Integração? “É preciso haver vontade política”
Para a responsável pela área da democracia do Conselho da Europa, Claudia Luciani, é preciso pensar em políticas de integração “a longo prazo” e no que serão as nossas cidades do futuro, para melhor resolver os problemas do agora. (...)

Integração? “É preciso haver vontade política”
MINORIA(S): Migrantes Pontuação: 11 Refugiados Pontuação: 11 | Sentimento 0.0
DATA: 2017-12-04 | Jornal Público
SUMÁRIO: Para a responsável pela área da democracia do Conselho da Europa, Claudia Luciani, é preciso pensar em políticas de integração “a longo prazo” e no que serão as nossas cidades do futuro, para melhor resolver os problemas do agora.
TEXTO: "Não sabemos como Portugal ou Itália vão estar daqui a 15 anos. As mudanças são tão rápidas e a demografia muda muito depressa, assim como fluxos migratórios. É difícil antecipar”. Em tempos de intensa mobilidade humana, a antecipação pode ser a chave para que as cidades consigam desenhar uma política de integração sólida que fortaleça as relações entre todas as culturas que vão crescendo nas cidades. Para isso, é “preciso haver vontade política”, diz ao PÚBLICO Claudia Luciani, directora da Governança Democrática do Conselho da Europa. Como podem as cidades integrar quem chega? De quem devem partir essas iniciativas de integração? Dos Estados? Ou das próprias cidades? O Conselho da Europa pôs a responsabilidade nas mãos das autarquias europeias quando criou, há dez anos, o programa Cidades Interculturais. Para que a diversidade fosse vista como uma “vantagem competitiva” para as comunidades, explica Luciani, “se for gerida de uma maneira construtiva e competente”, mobilizando responsáveis políticos, empresas, professores, funcionários públicos e a sociedade civil. Para que, juntos, repensem as políticas e os serviços das cidades no que toca ao acolhimento de imigrantes. Considerando Portugal como “um exemplo do alinhamento que existe entre as políticas locais e nacionais”, o Conselho da Europa escolheu a capital portuguesa para reunir ministros, autarcas e responsáveis políticos, para discutirem políticas urbanas para a integração “inclusiva” e pensarem melhores respostas aos desafios e necessidades das autoridades e dos cidadãos. O projecto, que começou por querer explorar “a dimensão cultural da inclusão social”, tornou-se algo “completamente diferente” desde a crise migratória na Europa, nota Claudia Luciani. Hoje, o projecto envolve 121 cidades na Europa (e fora dela). Mas, apesar do número, há um rol de desafios que se mantêm. O primeiro, diz Luciani, é a “cobertura geográfica” do projecto, já que, “grande parte da Europa central e parte dos Balcãs” estão fora do projecto. São, inclusive, regiões directamente afectadas pela entrada de migrantes, mas, sublinhou a responsável, “os presidentes da câmara e os governos centrais destes países não estão tão interessados como outros”. O segundo, continua, é precisamente o tópico que estiveram a discutir em Lisboa: “como fazer com que os governos centrais se empenhem?”. Para Claudia Luciani, o sucesso da integração passa por “mudar e moldar” os cidadãos numa atitude positiva em relação à presença de imigrantes. A segurança é, de resto, um aspecto muito importante. Por isso, é imperativo fazer com que não haja uma associação directa entre a chegada de imigrantes e a insegurança. “Há cidades onde a chegada de migrantes causava aversão nos vizinhos porque eles achavam que os migrantes andavam a sujar a cidade. Os municípios perceberam que isto era um ponto muito importante”, exemplifica Luciani, explicando que, nesse caso, era importante reagir rapidamente a qualquer sinal de que a cidade estivesse a ficar mais suja ou mais insegura. “Os cidadãos viam, por exemplo, que havia uma resposta rápida da autarquia ao primeiro sinal de desacatos. E, por várias vezes, a parte da administração da cidade que toma conta da segurança é a mesma que é responsável pela integração”, explica. Este trabalho, que deve ser atento e rápido, sublinha, é necessário para que os cidadãos nacionais percebam que as autarquias estão a cuidar de todos e não apenas dos migrantes. Na opinião da responsável, esta é mesmo uma das razões pelas quais algumas políticas de integração não são bem-sucedidas: “Muitas vezes acabam por ser só para um grupo”. Se Lisboa e Portugal como um todo têm sido considerados pelo Conselho da Europa como “um exemplo do alinhamento que existe entre as políticas locais e nacionais”, há desafios que ainda se impõe: conseguir empregos de acordo com as qualificações, aponta Claudia Luciani. “É difícil para os migrantes - quando o conseguem -, arranjar um emprego adequado às suas habilitações e competências. Tendem a conseguir empregos “do fundo cadeia”, isto é, menos qualificados. E isso é “obviamente, um obstáculo à integração”, salienta. Ainda que o objectivo aqui seja perceber o que há de comum entre políticas locais e nacionais, parte da resposta já é conhecida: independentemente de ser “um país centralizado ou descentralizado, não importa de onde parte a iniciativa”, considera Claudia Luciani. Importa, sim, que outros níveis de governação estejam dispostos a seguir o mesmo paradigma e esse é, muitas vezes, o desafio: “É preciso haver vontade política”, nota. Este é um dos “problemas fundamentais” que o continente enfrenta: “em algumas partes da Europa, a política não está lá”. E não só não está, como há um discurso avesso que continua a ser sobre manter os migrantes fora “como se se pudesse construir um muro ou fronteiras”, refere Luciani. "Como é que se contesta esse discurso negativo, que está, obviamente, a espalhar o ódio?”, questiona a responsável, lembrando o episódio de violência que envolveu Andreas Hollstein, o presidente da câmara de Altena, na Alemanha, que foi esfaqueado, na passada semana, por um homem que se insurgiu contra as políticas pró-acolhimento de refugiados da cidade. Um caso “chocante”, classifica Claudia Luciani, numa Europa que não tem sabido gerir a crise migratória, reconhece, e que precisa das Nações Unidas. “Precisamos de parceiros que são capazes de chegar aos países de origem, de passagem e de chegada. De outra forma, a única tentação será construir muros, fechar fronteiras e ter mais guardas costeiros”, conclui. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Claudia Luciani reconhece a necessidade de mais cidades europeias colocarem nas agendas a questão da integração intercultural. Para a responsável, é preciso pensar em políticas de integração de longo prazo e trabalhar com demógrafos e economistas, que ajudem a entender que tipos de sociedades teremos no futuro. Para já, “ainda estamos no patamar da emergência”, diz Claudia Luciani. “Ainda há barcos de pessoas a ir para o mar. Mas se conseguirmos perceber como serão as nossas cidades em dez anos, isso vai ajudar a resolver melhor a situação actual". Além disso, remata a responsável, é preciso saber como investir mais "de forma mais inteligente" nas nossas cidades. No âmbito do projecto das Cidades Interculturais, o Conselho da Europa criou um instrumento – o Índice das Cidades Interculturais – que é dirigido a autarcas e aos municípios para que possam medir o sucesso ou insucesso das estratégias locais para a integração. Faz uma análise em vários campos: saúde, emprego, educação, línguas e espaço público, por exemplo. As autarquias respondem a um questionário, com parâmetros, sendo depois atribuída, a cada uma, a classificação máxima de 100 pontos – definindo, assim, um índice - de acordo com o sucesso das medidas em curso no município. “É uma ferramenta muito prática que eles [os autarcas] podem usar para perceber o que precisam de fazer mais numa área em que não são tão bons”, explica Claudia Luciani, acompanhando a ideia de que é preciso “investir mais de forma mais inteligente”. “Não é para nós [Conselho da Europa] fazermos um ranking. É para os autarcas o usarem”, ressalva. Portugal tem, desde 2012, uma rede de Cidades Interculturais, à qual estão associados os municípios de Albufeira, Amadora, Beja, Braga, Cascais, Coimbra, Lisboa, Loures, Portimão, Santa Maria da Feira, Setúbal e Viseu. Objectivo? Trabalhar políticas de “integração de imigrantes, de gestão da diversidade e do diálogo intercultural”, em colaboração com a Rede Europeia de Cidades Interculturais. De acordo com dados de 2014, o Índice das Cidades Interculturais para Lisboa situava-se nos 55%, situando-se o valor médio em 59%. Em 2017, subiu para 60%, sendo que a principal lacuna do município se prende com a tradução da informação nas línguas oficiais das minorias. Já Albufeira, por exemplo, fica abaixo da média, atingindo os 38%. Segundo dados referentes a 2016, Braga chegou aos 47%. Já Viseu ficou nos 46% e Beja nos 45%, assim como Santa Maria da Feira. Braga e Cascais, por exemplo, atingiram os 100% no parâmetro da perspectiva internacional, o que significa que os municípios apresentam uma estratégia que procura "atrair investimento estrangeiro, negócios, trabalhadores e estudantes e os incentiva a participar da vida da cidade".
REFERÊNCIAS:
Palavras-chave violência educação homem social