A Itália ameaça fechar os seus portos a navios estrangeiros com mais migrantes
As migrações não são uma questão de emergência, mas um problema estrutural. (...)

A Itália ameaça fechar os seus portos a navios estrangeiros com mais migrantes
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 Africanos Pontuação: 2 Migrantes Pontuação: 11 Refugiados Pontuação: 11 | Sentimento 0.187
DATA: 2017-07-01 | Jornal Público
SUMÁRIO: As migrações não são uma questão de emergência, mas um problema estrutural.
TEXTO: A Itália ameaça encerrar os seus portos a barcos não italianos com migrantes socorridos no Mediterrâneo. É um ultimato delicado. Não é uma surpresa. A tragédia das migrações prossegue, embora mais silenciosa. Temos tido menos imagens de afogados lançados às praias. As acções de salvamento são mais eficazes. Mas a repetição produz banalização e a banalização indiferença. A Europa sabe que não se trata de uma “emergência” mas de uma avalancha humana que continuará porque as causas persistem. O que cria dilemas — morais, económicos, sociais e políticos. A Europa precisa de imigrantes e tem de honrar a sua tradição de asilo, mas não pode absorver as vítimas de todas as catástrofes do mundo. Comecemos pela notícia. Após o ano terrível de 2015, houve uma quebra no número de fugitivos à procura da Europa por terra ou a partir do Mediterrâneo Oriental. O acordo com a Turquia susteve a vaga de fugitivos sírios. Mas a rota marítima, a partir da Líbia, não se atenuou. Em 2016 houve 180 mil migrantes a chegar aos portos italianos; e pelo menos 5022 pessoas sepultadas no mar. Entre 1 de Janeiro e 31 de Maio de 2017, chegaram à Europa, via marítima, mais 71 mil migrantes, dos quais 60. 300 desembarcaram na Itália. Vêm da Nigéria, Bangladesh, Costa do Marfim, Gâmbia, Senegal. . . Alguns deles esperavam na Líbia há anos. Em fins de Junho, o fluxo aumentou. Só em três dias desembarcaram em Itália mais 11. 500 refugiados. E, no domingo e segunda-feira, foram resgatadas mais 12 mil pessoas na costa líbia. Ponto críticoRoma queixa-se da falta de solidariedade e, sobretudo, da falta de visão europeia. Declara o Presidente Sergio Matarella: “A imigração é um fenómeno duradouro que não se resolve com muros. É preciso afrontá-lo com seriedade atacando os traficantes e gerindo as chegadas. E isto só a UE, no seu complexo, o pode fazer. Alguns países ainda não o compreenderam. ” O problema não é fundamentalmente de Bruxelas, mas dos Estados e dos cidadãos europeus — a maior parte das competências no campo da imigração ou do asilo é dos países-membros e não da UE. Em 2015-16, houve na Europa mais de dois milhões de pedidos de asilo. Segundo os “regulamentos de Dublin”, a Itália e a Grécia, países da “primeira chegada”, deveriam assumir esta responsabilidade. E o acordo de 2015 para recolocar 160 mil refugiados da Grécia e Itália foi recusado por vários países. A Itália é o país mais exposto. Malta rejeita os pedidos de desembarque. A Espanha defende-se com acordos com países do Magreb e aprendeu a “blindar” as Canárias e as cidades de Ceuta e Mellila. A França aplica à letra as normas de Dublin. A Itália apela à necessidade de intervenção nos países de origem dos embarques e na repressão do tráfico, o que não é realizável por um só Estado. “Internacionalizámos as operações de salvamento mas o acolhimento continua a pertencer a um único país”, resume o primeiro-ministro Paolo Gentiloni. Para Roma, a proibição de acolhimento de navios de bandeira estrangeira é um meio de dissuasão para forçar uma acção conjunta. Na Itália, cuja população manifestou liberalidade em relação aos refugiados, a situação ameaça tornar-se insustentável. A extrema-direita apela à “revolta popular” contra “a invasão”. É um excesso retórico mas não deixa de preocupar o Governo. Daí o ultimato italiano. DilemasO leitor terá reparado que uso nomes sem critério: migrantes, imigrantes, refugiados, fugitivos. Migrante é uma designação genérica e imprecisa onde cabem imigrantes económicos que fogem às fomes e fugitivos de guerras, perseguições e tortura, à procura de um asilo. Refugiado é um termo mais preciso, com valor jurídico, pois habilita ao direito de asilo. Como distinguir todas as situações? Por onde passa o risco divisório?A partir de 2006 aumentou o número de conflitos violentos. A Síria e certas regiões de África são casos paradigmáticos. “A consequência foi o aumento dos fugitivos, dos refugiados, das destruições e tudo o resto”, dizia há tempos um responsável da Cáritas. E tão grave como as guerras é a implosão de Estados. Daí o “tsunami de deserdados”. Os fluxos migratórios da África para a Europa não são uma questão de “emergência”, são um problema estrutural potenciado pelo desespero: os fugitivos dizem-se dispostos a morrer para alcançar a Europa. Falta de visão, acusa o ministro do Interior, Marco Minniti: “[A imigração] não é uma questão de debate político quotidiano. Só pode ser afrontada com um desígnio global e uma coisa é certa: está em jogo uma parte fundamental da nossa democracia, está em jogo a Europa. Nos próximos 20 anos, a Europa joga em África o seu destino. [A África] será cada vez mais o espelho da Europa e não só da Itália. ”A Europa parte-se em termos morais e políticos. Há o dever universalista de acolher todos os refugiados, ponto de vista da Igreja Católica e da maioria das ONG, ou é mais sensato impor uma selecção dos fluxos migratórios? Onde deixam os refugiados de ser um “fardo” para ser um “investimento”? Ao abrir as portas aos refugiados em Agosto de 2015, Angela Merkel fez uma jogada política ousada a pensar no longo prazo. Mas criou a ilusão de um acolhimento universal, o que fez crescer a vaga migrante forçando-a depois a travar as expectativas. Mas não abdicou da sua política. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Os que defendem o ponto de vista da selecção lembram os riscos de ruptura dos sistemas de segurança social e o efeito boomerang da xenofobia estimulado pela extrema-direita. No entanto, para seleccionar, é preciso gerir o fenómeno a partir das origens — e, neste caso, para a Itália a prioridade chama-se Líbia. Sem acção europeia conjunta, o debate será submerso pela incontrolável avalancha de refugiados, no meio de explosões xenófobas e da ilusão de aferrolhar as fronteiras, com ou sem “muros”. O encerramento apenas faz crescer a legião dos clandestinos e o poder dos traficantes. Escreveu a analista Marta Dassù, antiga secretária de Estado dos Negócios Estrangeiros: “Se o fenómeno é estrutural, a pressão migratória continuará com números sem precedentes. E não creio que possa haver uma resposta puramente humanitária (uma Europa aberta, capaz de absorver crescentes fluxos, quanto mais não seja por razões políticas), nem uma resposta puramente ‘securitária’ (uma Europa fechada capaz de devolver os migrantes ao ponto de partida). ”Estas linhas foram escritas há dois anos. De lá para cá, pouco mudou.
REFERÊNCIAS:
Entidades UE
Juíza trava deportação de pessoas acabadas de chegar aos Estados Unidos
Centenas de pessoas vindas de países muçulmanos foram detidas, e depois libertadas. Nos aeroportos, advogados e manifestantes prestaram apoio. (...)

Juíza trava deportação de pessoas acabadas de chegar aos Estados Unidos
MINORIA(S): Africanos Pontuação: 7 Refugiados Pontuação: 11 Migrantes Pontuação: 13 | Sentimento 0.0
DATA: 2017-05-18 | Jornal Público
SUMÁRIO: Centenas de pessoas vindas de países muçulmanos foram detidas, e depois libertadas. Nos aeroportos, advogados e manifestantes prestaram apoio.
TEXTO: A multidão que se juntou à porta do tribunal de Nova Iorque ou em diversos aeroportos norte-americanos em solidariedade com os cidadãos estrangeiros impedidos de entrar nos Estados Unidos, exultou ao conhecer a decisão de uma juíza daquele estado, que reverteu em parte a ordem do Presidente Donald Trump de suspender a autorização de entrada de refugiados e de pessoas de sete países muçulmanos. A decisão judicial foi decretada pouco antes das 21h em Nova Iorque, no sábado, a tempo de impedir a deportação de cidadãos estrangeiros que chegavam aos aeroportos dos Estados Unidos com um visto, uma autorização de residência ou o estatuto de refugiado, escreve o New York Times (NYT). Imagens dos protestos ou do reencontro das famílias nos aeroportos enchem os jornais americanos deste domingo. O decreto presidencial assinado por Donald Trump, na sexta-feira, dava ordem para suspender por 120 dias a entrada de todos os refugiados. Além disso, suspendia por tempo indefinido a entrada de sírios e impedia a entrada de qualquer cidadão de sete países muçulmanos: Síria, Iraque, Irão, Líbia, Somália, Sudão e Iémen. O NYT cita os casos de um cientista iraniano colocado num laboratório no Massachusetts e de uma família refugiada da Síria que se preparavam para iniciar uma nova vida no Ohio. Todos afectados pela acção executiva de Trump, uma das muitas promessas polémicas feitas quando ainda não era o candidato oficial dos Republicanos à presidência dos Estados Unidos. O jornal explica que ainda não é claro se o veredicto do tribunal de Nova Iorque pode beneficiar todos os que ainda não viajaram para os Estados Unidos, ou se se aplica apenas aos detidos à chegada, que terão sido centenas em todo o país, de acordo com Becca Heller, do Programa Internacional de Assistências aos Refugiados. A decisão da juíza do tribunal federal de Brooklyn, Ann M. Donnelly, determinou que a ordem presidencial, a ser posta em prática, obrigando os cidadãos estrangeiros a regressar aos seus países, lhes causaria “danos irreparáveis”. E decidiu que o Governo estaria “impedido, por quaisquer meios ou formas, de retirar indivíduos” à chegada aos Estados Unidos com vistos válidos ou o estatuto de refugiado. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. “Ninguém deve ser retirado do país”, disse a magistrada depois de ouvir os primeiros casos levados ao tribunal por advogados da União Americana das Liberdades Civis (ACLU, na sigla em inglês). A decisão tem efeito em todo o país. Há numerosas histórias contadas na imprensa deste domingo de familiares que aguardaram horas nos aeroportos sem notícias dos viajantes acabados de aterrar nos EUA. Ajudados por advogados voluntários presentes nos aeroportos, vieram depois a saber que os recém-chegados tinham sido detidos por agentes da Imigração e obrigados a embarcar de novo para regressarem ao país de origem. A decisão da juíza chegou a tempo de resgatar estas pessoas e de permitir a entrada no país. Isto enquanto se registavam protestos espontâneos em várias cidades norte-americanas, exigindo a entrada dos imigrantes e refugiados e a saída e Donald Trump.
REFERÊNCIAS:
Entidades EUA
Organizações humanitárias criticam acordo europeu sobre imigração
Estados da UE "não conseguiram superar os seus interesses nacionais" e "prevaleceu a fortaleza Europa". (...)

Organizações humanitárias criticam acordo europeu sobre imigração
MINORIA(S): Africanos Pontuação: 2 Refugiados Pontuação: 11 Migrantes Pontuação: 18 | Sentimento 0.0
DATA: 2018-06-30 | Jornal Público
SUMÁRIO: Estados da UE "não conseguiram superar os seus interesses nacionais" e "prevaleceu a fortaleza Europa".
TEXTO: Associações de direitos humanos e organizações não-governamentais (ONG) estão desapontadas com o acordo conseguido sexta-feira no Conselho Europeu sobre migrações e defendem uma política de gestão dos fluxos migratórios “justa e humana”. As organizações Save The Children, Alianza por la Solidaridad, Oxfam Intermón, Caritas Europa e Unicef consideram que se perdeu uma oportunidade para criar um sistema de asilo unificado. A Save the Children criticou os chefes de Estado por não terem conseguido "superar os seus interesses nacionais" e não terem estabelecido "uma direcção clara na política de migração europeia". As propostas relativas a centros de controlo voluntários e centros de desembarque fora da UE permanecem “vagas e levantam sérias dúvidas sobre a detenção de crianças e famílias”, segundo a Save The Children. Em relação ao sistema de plataformas de desembarque em países fora da UE, "não estão claras as localizações, nem as condições a que as pessoas que chegam a esses centros serão submetidas", acrescentou a organização. A Save the Children teme mesmo que estas plataformas possam tornar-se em centros de detenção. A Alianza por la Solidaridad considerou que o Conselho Europeu "torna a Europa uma fortaleza mais intransponível". Os líderes europeus falaram em solidariedade entre os países, mas o que prevalece é "a total externalização das fronteiras, em vez da protecção das pessoas", de acordo com esta ONG espanhola. Já a Oxfam Intermón acredita que a UE "deveria ter abordado as deficiências do actual sistema de asilo para dar uma resposta eficaz e humana à migração e não apenas para reagir às disputas políticas internas". Por seu lado, a Cáritas Europa deplorou que "a fortaleza da Europa prevaleça sobre uma Europa acolhedora". "O medo da migração levou os líderes da UE a concentrarem-se no aumento do controlo de fronteiras e na externalização das políticas de asilo e migração", disse. Em relação às plataformas de desembarque regionais, advertiu que o mecanismo deve respeitar a Convenção de Genebra e a Convenção Europeia de Direitos Humanos e proteger o direito de asilo nos Estados-membros da UE. Já a UNICEF exortou a UE e os países "a agirem em coordenação, unidos e a tempo de salvar as vidas das crianças refugiadas e migrantes antes de chegarem à Europa, bem como a resolver a incerteza e a insegurança que apoiam a sua chegada". Os centros de desembarque, defendeu esta agência das Nações Unidas, devem ser instalações abertas que forneçam uma primeira recepção, processamento rápido e acesso fácil e efectivo a uma rápida realocação de crianças e das suas famílias em locais adequados e pediu que os menores nunca sejam detidos. Os líderes da UE, reunidos em cimeira, alcançaram um acordo sobre migrações que prevê a criação de plataformas de desembarque regionais fora da UE, sobretudo em países da costa africana, e de centros controlados nos Estados-membros, bem como o reforço do controlo das fronteiras externas. O acordo foi conseguido após uma maratona negocial e um braço-de-ferro com a Itália, que chegou a bloquear as conclusões do primeiro dia de trabalhos. A chanceler alemã, Angela Merkel, que nesta cimeira jogava uma cartada política interna decisiva, face às críticas de que é alvo dentro da sua própria coligação governamental, por parte da ala direita, e que ameaçavam precipitar a queda do seu Governo, saudou o acordo. Estabeleceu ainda acordos bilaterais com 14 outros países europeus - entre os quais Portugal - para devolver imigrantes aos países onde primeiro foram registados no espaço Schengen - algo que o seu ministro do Interior, líder da CSU, o partido irmão da CDU na Baviera, exigia para se manter na coligação de governo alemã. O Presidente francês, Emmanuel Macron, também considerou “muito bom” terem conseguido um entendimento de que muitos duvidavam. Mas recusa a possibilidade de abrir no seu país um desses centros de desembarque de imigrantes preconizados no acordo. O primeiro-ministro de Portugal, António Costa, considerou, por seu lado, que o acordo sobre migrações “não disfarça as divisões profundas que hoje ameaçam a UE”, tendo afirmado mesmo que não se lembra de uma cimeira onde as mesmas tenham sido tão evidentes. Quanto ao teor do compromisso alcançado, observou que “quem ler atentamente as conclusões, verificará que o Conselho não fez mais do que mandatar a Comissão e o Conselho para dialogarem com as Nações Unidas, com a Organização Internacional para as Migrações, com países terceiros, para explorar uma ideia, e nada mais do que isso”. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Em 2017, mais de 171. 635 migrantes chegaram à Europa, e 3116 morreram no mar, de acordo com a Organização Internacional para as Migrações (OIM), para a qual sexta-feira foi eleito como presidente António Vitorino (ex-comissário europeu ligado ao PS). A mesma organização, que desde 2016 integra a estrutura multilateral da ONU, indicou que este ano 16. 394 pessoas conseguiram alcançar as costas europeias através da chamada "rota central", que parte da Líbia, enquanto 635 morreram afogadas.
REFERÊNCIAS:
Partidos PS
As democracias desenvolvidas culpam os imigrantes para não terem de enfrentar os seus problemas
260 milhões de seres humanos estão em movimento no mundo. Fogem da pobreza, dos desastres, dos conflitos, da falta de esperança. O português António Vitorino tem uma parte da responsabilidade pelas suas vidas. Começou agora a sua “terceira vida” à frente da Organização Internacional para as Migrações. Quando os países mais ricos caem na tentação da fortaleza. (...)

As democracias desenvolvidas culpam os imigrantes para não terem de enfrentar os seus problemas
MINORIA(S): Africanos Pontuação: 2 Refugiados Pontuação: 11 Migrantes Pontuação: 18 | Sentimento 0.1
DATA: 2018-11-30 | Jornal Público
SUMÁRIO: 260 milhões de seres humanos estão em movimento no mundo. Fogem da pobreza, dos desastres, dos conflitos, da falta de esperança. O português António Vitorino tem uma parte da responsabilidade pelas suas vidas. Começou agora a sua “terceira vida” à frente da Organização Internacional para as Migrações. Quando os países mais ricos caem na tentação da fortaleza.
TEXTO: Tomou posse do cargo no dia 1 de Outubro, depois de ter sido eleito três meses antes para liderar a Organização Internacional para as Migrações (OIM). Venceu o candidato dos EUA que, à excepção de um mandato nos anos 1960, sempre liderou a organização desde a sua fundação, em 1951. Foi até hoje uma figura de referência na vida política portuguesa, pelos cargos que ocupou, sempre com brilhantismo, mas também pela sua intervenção pública. É uma das vozes mais reconhecidas quando o debate é sobre a Europa. Em Bruxelas, o seu conselho foi tão apreciado como em Lisboa. O seu currículo é vastíssimo. Na Assembleia da República, para a qual foi eleito com 23 anos; nos governos socialistas; no Tribunal Constitucional; na Comissão Europeia. Nas listas com que anualmente o Financial Times classificava na altura os comissários europeus, esteve sempre nos três primeiros lugares, alternando com o britânico Chris Patten e o italiano Mario Monti. Afastou-se do exercício de cargos políticos em 1997, quando uma questão sobre o extinto imposto de sisa de uma ruína que comprou no Alentejo se transformou em notícia. Quando essa informação veio a público, António Vitorino já tinha entregado o seu pedido de demissão a António Guterres. Podia ter sido líder do PS depois da desistência de Ferro Rodrigues em 2004, mas não quis. Talvez possamos dizer que, até hoje, já teve três vidas: como político, cá e em Bruxelas; como advogado de um dos maiores escritórios da Península Ibérica, ainda que dividindo o seu tempo com os cargos que desempenhou em vários think-tanks europeus, cumprindo uma segunda vida; inicia agora uma terceira, num alto cargo internacional. Afasta-se voluntariamente do debate europeu e nacional, para abraçar uma causa que envolve 260 milhões de pessoas. Já não fala, por isso mesmo, com a mesma liberdade e a mesma contundência sobre o futuro da Europa, nestes dias em que a Europa teme pelo seu futuro. Mas ainda fala. Aos 61 anos, com quatro filhos e duas netas, vai ter de percorrer o mundo para chamar a atenção para aqueles que as guerras, a pobreza, as alterações climáticas, as catástrofes põem em movimento à procura de um porto seguro. Numa altura em que o mundo desenvolvido nunca pareceu tão fechado sobre si próprio. Segue-se uma entrevista em forma de conversa que decorreu na semana passada em Lisboa. Por que razão decidiu, de repente, mudar de vida?A minha dedicação ao tema é antiga. Tem quase 30 anos. E, neste momento, verificando-se a eleição para a direcção-geral da OIM, decidi avançar. Já tinha havido algumas pressões há uma década, mas na altura decidi que não era o momento. Em 2008?Sim. Saí da Comissão em 2004. Houve algumas pressões para me candidatar, mas nessa altura achei que não era o momento para dar esse passo. Desta vez, essas pressões reeditaram-se e achei que talvez… Não quero que isto soe muito presunçoso, mas achei que tinha uma obrigação de dar um contributo neste sector, depois de todo o investimento que tinha feito nele ao longo de muitos anos. E, por sinal, um sector que adquiriu hoje uma importância enorme à escala mundial e também na própria União Europeia. O mundo está numa situação de crescente caos e isso empurra as pessoas para os grandes movimentos migratórios?Quando me comecei a dedicar a este tema, confesso que sempre achei que esta hora ia chegar. E se alguma razão de amargura tenho, ela deve-se a que muito daquilo que se poderia e devia ter feito para que enfrentássemos este momento em melhores condições não foi feito. Mas agora o tema impõe-se em todos os quadrantes. Dois terços dos países do mundo passaram a ser, simultaneamente, países de origem e países de destino de migrações. A dimensão dos fluxos migratórios sul-sul supera a dimensão dos fluxos migratórios sul-norte, embora nós, que lemos sobretudo a imprensa ocidental, tenhamos uma visão completamente desfocada. Ia perguntar-lhe, justamente, se a grande pressão migratória continuava a ser essencialmente sul-norte — dos mais pobres para os mais ricos. Hoje é menos. Temos, hoje em dia, cerca de 260 milhões de pessoas que podem ser consideradas em movimento, das quais cerca de 40 milhões são uma categoria mais recente mas em crescimento — as pessoas internamente deslocadas. “Internal desplaced people”, na versão oficial. Que também são da sua responsabilidade?É uma boa pergunta. Nós actuamos juntamente com o ACNUR (Alto-Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados) junto dessas pessoas, mas a clarificação da responsabilidade ainda carece de novos passos. Há, no entanto, uma coisa que é óbvia: essas pessoas têm necessidade de apoio. E nós, juntamente com o ACNUR, estamos no terreno. Voltando aos números, temos ainda cerca de 30 milhões de refugiados e, depois, os restantes são aquilo a que poderíamos chamar “migrantes económicos”. Nas missões atribuídas à OIM, também se fala de apoio aos refugiados, o que aparentemente seria uma missão do ACNUR. A responsabilidade dos refugiados é do ACNUR para a aplicação da Convenção de Genebra de 1951, que está intimamente ligada às causas pelas quais as pessoas carecem de protecção internacional. E essas são as causas que estão previstas na Convenção e a sua aplicação é da responsabilidade do ACNUR — quer o estatuto de refugiado quer as formas de protecção subsidiária. Mas o que é facto é que estamos cada vez mais confrontados com aquilo a que chamamos, no nosso jargão, “fluxos mistos”. Em muitos sítios do mundo, sobretudo nas zonas mais afectadas por conflitos, por alterações climáticas ou por situações de insegurança e de guerra civil, actuamos conjuntamente com o ACNUR, dentro de cada um dos respectivos mandatos, mas sobre um conjunto de pessoas que, no final, tanto podem ser refugiados como imigrantes. Apesar de tudo, posso dizer que esta é a sua terceira encarnação. Teve uma vida política, que começou muito cedo e que foi muito activa. Lembro-me de o ver na Assembleia da República, eleito pela UEDS…Sim, comecei em 1980 com a eleição para deputado da UEDS nas listas da Frente Republicana e Socialista. Passou pelo governo. Começou pelo governo do Bloco Central, em 1983, como secretário de Estado. Foi ministro. Fez as revisões constitucionais de 1982, 1989 e 1997. Podia ter sido líder do PS e, mais tarde ou mais cedo, primeiro-ministro. A determinada altura, quando sai de ministro da Defesa, percebe que a política lhe exige mais do que aquilo que está disposto a dar, pelo menos em termos pessoais?Passaram dois anos entre o momento em que saí de ministro da Defesa (1997) e o momento em que fui designado comissário europeu (1999). Estive fora do governo, não exerci nenhum cargo político e retomei uma actividade internacional até 2004 na Comissão. Depois, ainda fui deputado nos anos de 2005 e 2006, o que, no todo, perfaz praticamente 28 anos de dedicação à vida política. Uma vida…Estive 13 anos no exercício da actividade privada e, como lhe disse há pouco, achei que tinha chegado o momento de voltar ao serviço público, neste caso, ao serviço público internacional, numa área onde adquiri uma grande experiência, nomeadamente quando estive na Comissão Europeia. Mas a minha pergunta era ligeiramente diferente. Nessa altura e hoje, numa dimensão gigantesca, exige-se a quem exerce funções políticas uma enorme capacidade de resistência e uma disposição para sofrer ataques pessoais. É um preço que muita gente não está disposta a pagar. Essa questão pôs-se-lhe quando saiu do Governo?Sim. E, como disse, as condições em que se faz política hoje são muito diferentes das condições em que se fazia política nos finais dos anos 90. Digamos que hoje estamos confrontados com duas evoluções que alteram as regras do jogo. A primeira é a emergência das redes sociais, que altera a própria lógica do debate político e que está intimamente associada a um outro fenómeno, que é a polarização das sociedades, seja do ponto de vista social, seja do ponto de vista político. Em parte, esta polarização está ligada ao crescimento das desigualdades sociais e, também em parte, ao facto de o debate político estar muito reduzido aos 140 caracteres de um tweet. Esta dupla evolução, polarização e pretensa simplificação da mensagem política, altera completamente o quadro de fundo. E também tem implicações pessoais. O grau de exposição individual e a necessidade de resiliência psicológica e emotiva aumentam muito. E há pessoas que não estão dispostas a esta nova realidade?Há pessoas que não aceitam as regras do jogo. Ainda não sabemos quais vão ser as implicações das redes sociais no próprio funcionamento das democracias. Bolsonaro não tinha tempos de antena nem um grande partido e vai vencer graças às redes sociais. Isto altera profundamente o quadro de funcionamento das democracias? Mesmo das mais maduras como as europeias?Sabemos que altera. Mas ainda não sabemos todas as implicações que estas novas condições de fazer política vão ter sobre a sobrevivência da própria democracia. Apenas uma coisa é certa: a democracia representativa como a conhecemos no passado não vai ficar incólume a estas transformações. Há riscos sérios. Mas também confio em que a sociedade, no seu conjunto, seja capaz de encontrar as respostas. Há uma certeza que tenho: não é possível resolver problemas complexos na base de ideias simplificadas. As ideias podem ser simples mas não podem ser simplistas. Isso é particularmente verdade nas migrações, onde o debate é, tantas vezes, dominado por ideias feitas, apriorísticas, por estigmatizações…Por exemplo?Por exemplo, a ideia de que as migrações são uma invasão, que põem em causa a identidade dos países de acolhimento, quando temos, felizmente, casos de sucesso de sociedades abertas, tolerantes, onde o ajustamento e a convivialidade são garantidos por um esforço de duplo sentido — dos que chegam, para se adaptarem, e dos que os recebem, para se adaptarem à sua chegada. Esta ideia de invasão está muito ligada a fenómenos importantes, como seja o envelhecimento das sociedades mais ricas, a necessidade de rejuvenescimento das comunidades de destino para responder como maior agilidade e maior criatividade aos desafios de uma economia global mais competitiva e mais agressiva. Outro exemplo de ideias feitas: fazer dos imigrantes o “bode expiatório” responsável por uma série de males sociais que estão muito para além do fenómeno migratório. O declínio das sociedades desenvolvidas, a deslocalização dos processos produtivos, tudo isso é polarizado em torno dos imigrantes, que são estigmatizados, como se, resolvendo o problema da imigração, tudo se resolvesse. É uma forma de fugir aos problemas sérios que as sociedades desenvolvidas enfrentam. Designadamente, o crescimento das desigualdades, o problema das qualificações, a sociedade dos dois terços numa economia do conhecimento, a maneira de as comunidades saberem tirar o melhor proveito das novas tecnologias, a rapidez da revolução tecnológica. Ou seja, a velocidade das mudanças?Dir-me-á que já estamos habituados à revolução tecnológica, mas a verdade é que, nos últimos cinco anos, assistimos a uma aceleração vertiginosa das transformações tecnológicas. Quando, há 20 anos, provavelmente, as grandes evoluções se mediam em termos de décadas, hoje grandes evoluções inesperadas, seja na medicina, seja nas comunicações, seja no funcionamento das sociedades, são vistas a dois, três anos. Esta enorme rapidez cria um sentimento de vertigem e de insegurança. E, muitas vezes, a tentação é culpar os migrantes, ou seja, os outros…E não vê-los como uma forma de dar sangue novo às sociedades. Não sou ingénuo. Sei que a integração, por vezes, é difícil e que exige políticas públicas e a mobilização da sociedade civil: e coloco as duas coisas ao mesmo nível. Sem a mobilização da sociedade civil, as políticas públicas são insuficientes. E é preciso ter consciência — que muitas vezes não existe — de que o sucesso ou insucesso da integração é micro. Joga-se no local de trabalho, no local e residência, nos serviços sociais de primeira linha, joga-se nas escolas, através da socialização dos filhos das famílias de imigrantes, e esse processo é sobretudo da responsabilidade das autarquias locais, dos responsáveis locais e das associações locais. Tendemos a ter um discurso demasiado geral e demasiado teórico sobre estas questões?Não há um fato que sirva a todos. Cada caso de integração é um desafio, é uma experiência, há coisas que resultam num sítio e que não resultam noutro. Temos de ter a humildade de aprender com a experiência. Deixe-me só compreender melhor a OIM, que não é muito conhecida em Portugal. É uma organização do sistema das Nações Unidas, cujo core business é apoiar toda a gente que está em deslocação no mundo pelas mais variadas razões, dos refugiados aos imigrantes económicos. A pergunta clássica: tem meios e financiamento para a dimensão da tarefa?A OIM é uma organização que emprega cerca de 12 mil pessoas, entre funcionários internacionais e contratados locais, em 150 países, tendo 473 delegações de dimensão variável no mundo inteiro. É uma organização intergovernamental que, desde 2016, tem um estatuto de associação às Nações Unidas, que vai ser agora reforçado quando os Estados da ONU adoptarem o Pacto Global para as Migrações Regulares, Seguras e Ordeiras, em Dezembro, em Marraquexe. Isso fará da OIM a agência coordenadora desse pacto no âmbito das Nações Unidas. E financiamento?É uma organização com um orçamento anual variável, porque está muito ligado aos projectos, que anda à volta dos 1800 milhões de dólares. Dedica-se ao apoio a migrantes, quer seja assistência humanitária e sanitária, quer respondendo a pedidos dos Estados, garantindo a sua segurança e o retorno aos países de origem daqueles que voluntariamente aceitam regressar — ou porque não foram admitidos nos países de destino ou porque viram os seus pedidos de asilo rejeitados. Também tem essa função: o retorno?E a reintegração. É esta a segunda parte. Quando as pessoas regressam aos países de origem, é preciso criar condições para voltarem a integrar-se e terem forma de encontrar um modo de vida. Actuamos hoje com base em projectos que são financiados, sobretudo, pelos grandes países doadores — os EUA, a UE enquanto instituição e cada um dos seus Estados-membros, bem como vários outros países, o Japão, o Canadá —, fazendo, deste modo, a ponte entre os países doadores, que são normalmente os países de destino, e os países beneficiários, que são normalmente os países de origem e de trânsito. É só financiada pelos Estados, não pela ONU?Sim. É baseado em projectos e programas, o que faz com que a organização seja muito flexível, altamente descentralizada, tenha uma grande proximidade com os migrantes e seja capaz de produzir resultados. A estrutura central é financiada por uma percentagem sobre os projectos. E os grandes doadores? São os do costume? Países nórdicos, Alemanha…Sim. Alemanha, Suécia, Estados Unidos sem dúvida, Canadá… Hoje, as instituições europeias, sobretudo o Trust Fund e os fundos para a cooperação e o desenvolvimento, especialmente com África, são os grandes contribuintes. O resto do mundo, para lá do mundo desenvolvido ocidental, dá alguma contribuição significativa? A China, por exemplo? Os países em desenvolvimento? Os emergentes?Esses são ainda, em grande medida, beneficiários dos projectos. Temos duas grandes fronteiras, das quais se fala muito, entre o mundo pobre e o mundo rico — a fronteira dos EUA com o México e a fronteira do Mediterrâneo, entre a Europa e o Norte de África e o Médio Oriente. O que é que não vemos, para além destas duas fronteiras?Não vemos as migrações intra-africanas. Embora os números sejam estimativas, porque nestas regiões não é possível haver um controlo rigoroso, 70%, no mínimo, dos movimentos em África são dentro do próprio continente. À escala global, mais de 45% dos movimentos migratórios são sul-sul, incluindo entre vários continentes. Encontramos, por exemplo, correntes migratórias na América Central oriundas de África. Hoje, há nos países ricos a sensação de que a imigração não pára de crescer e que são eles o único destino. É verdade. Nos países de destino, a percepção das opiniões públicas sobre o fenómeno migratório tende a ser muito exagerada. Na Europa, como provam os inquéritos, quando as pessoas são espontaneamente inquiridas sobre quantos imigrantes pensam que estão no seu país, em regra respondem que há duas, três, quatro ou até cinco vezes mais do que a realidade. Há aqui também uma tarefa de…. . . desmistificar essa percepção…De desmistificar essas percepções erróneas que, muitas vezes, são manipuladas — abusiva e intencionalmente manipuladas. É necessário desmentir as falsas notícias que, neste sector, são permanentes e não são tão recentes como noutros, são bastante mais antigas. E é necessário, sobretudo, ter a consciência de que as pessoas que têm uma percepção negativa sobre a imigração não são todas empedernidos racistas e xenófobos. Este ponto é muito importante. Seria um erro de análise gravíssimo. Obviamente que há racismo e xenofobia, mas não é aí que está a alavanca da reacção às migrações. A alavanca desta percepção negativa está nas inseguranças, nas incertezas, na falta de conhecimento e, por isso, uma das nossas tarefas é a de fazer a pedagogia junto dessas opiniões públicas. A sua experiência sobre o sector vem muito da Comissão?Sim. Mas fui presidente da Comissão das Liberdades Públicas do Parlamento Europeu em 1994, quando fui eleito deputado, que era precisamente a comissão que se dedicava ao asilo e à imigração. Em 1999, vai estrear uma nova pasta, da Justiça e dos Assuntos Internos. Teve de a formatar e houve nessa altura uma série de acontecimentos que levaram a que fosse rapidamente olhada como relevante. Lembro-me de um de que ninguém se esquece: o 11 de Setembro. Já nessa altura, a questão da imigração ilegal se colocava com uma grande persistência. A Europa não se preparou para ela. A responsabilidade também é sua?[gargalhada] Mais uma vez, não quero soar presunçoso. Não soa. Muitos dos debates que estão hoje em cima da mesa são em torno de propostas e de ideias que lá coloquei em 2004. Dou-lhe exemplos. Propus a criação do Frontex em 2004, explicando que era um embrião que deveria evoluir no sentido de vir a ser uma guarda costeira. Passaram 17 anos. A ideia de que é preciso dar protecção aos refugiados e às pessoas à procura de asilo o mais próximo possível da zona de onde são originárias, porque me parece completamente hipócrita esperar que elas consigam chegar até nós para nós cumprirmos uma obrigação de protecção. Esta ideia está, de resto, em linha com o que o secretário-geral das Nações Unidas [António Guterres] tem sublinhado, insistindo na necessidade de proteger e de encontrar mecanismos de protecção tão depressa quanto possível junto das zonas de origem dos conflitos que geram refugiados. A ideia de protecção na região foi posta em cima da mesa por mim em 2002. Mesmo a ideia de uma cooperação mais estreita entre os países europeus e os países do Mediterrâneo para acolher as pessoas que podiam correr risco de vida na terrível travessia do Mediterrâneo…E que morrem em larga escala. Como vimos agora. A ideia foi posta em cima da mesa por mim em 2002. Não quero dizer: eu já sabia. Não é isso. O que quero dizer é que essas ideias não tiveram a sequência que deviam ter tido e agora fomos confrontados com uma nova realidade e estamos a reagir a ela em modo de crise. Em modo de crise e sem grande capacidade de encontrar resposta eficazes e comuns. Andamos de Conselho Europeu em Conselho Europeu a colocar alguns remendos. Ainda não foram colocadas as 140 mil pessoas que há dois anos a Comissão queria distribuir pelos países da União. Já foram alguns. Mas tenho de ser prudente nos comentários sobre estas matérias…Porque os seus financiadores estão na Europa… [gargalhada]. Tem condições, na sua organização, humanas e financeiras, para enfrentar problemas desta dimensão?A resposta é simples: tenho de as criar. Não estou à espera que mas dêem, tenho de ser eu a encontrá-las. Mas acho que, apesar de tudo, o simples facto de, pela primeira vez e no âmbito da ONU, haver uma conferência intergovernamental em Marraquexe, do Pacto Global sobre Migrações, incluindo pela primeira vez o tema na agenda das Nações Unidas, já é um bom sinal. Outro sinal positivo está em que a Agenda do Desenvolvimento Sustentável — a Agenda 20-30 — estabelece pela primeira vez a ligação entre migrações e desenvolvimento, coisa que não encontramos nos Objectivos do Milénio. A grande diferença entre ambos está precisamente nesta ligação, estabelecida explicitamente, entre migrações e desenvolvimento e na necessidade de olhar para as causas profundas que levam as pessoas a imigrar — ou forçam as pessoas a imigrar. Vejo isso como um sinal encorajador, que agora terá de ter sequência por parte da comunidade internacional. Toda a gente ouviu o Presidente Trump dizer, no seu discurso na ONU, que os EUA não iam participar no Pacto Global. Sendo eles o maior financiador da OIM, fica preocupado?Eu respeito a decisão americana, é uma decisão soberana. Aliás, o Pacto Global é, ele próprio, um instrumento não vinculativo do ponto de vista jurídico e, portanto, apenas um quadro de referência política, ao qual os Estados aderem voluntariamente. Até ao momento, quer os EUA quer a Hungria já anunciaram publicamente que não vão participar. Mas eu gostaria de sublinhar — e sou enfático — que a OIM tem responsabilidade no âmbito do Pacto Global, mas não se resume, muito longe disso, ao Pacto Global. É apenas uma nova dimensão?Exacto. Isso em nada altera a relação da OIM com todos os Estados-membros, com base nos projectos que levamos a cabo, e trabalhamos intensamente com os EUA em todas as zonas do mundo — na América Central, na América Latina, em África e na própria Ásia. Temos com eles um conjunto vasto de programas e projectos e tenho sinceramente a convicção de que vão continuar, porque correspondem ao interesse nacional americano e são levados a cabo directamente pela OIM, independentemente do Pacto Global. Um pequeno aparte sobre os EUA, que, seja em que dimensão for, são sempre incontornáveis. Reparou que a imprensa ocidental deu a notícia da sua escolha mais ou menos assim: “O português Vitorino venceu o candidato de Trump. ” A OIM não passa ao lado da política mundial. O mundo atingiu um estádio de desordem que, porventura, não imaginávamos há cinco anos e que é também atribuído às políticas de Trump. E isso terá impacte na sua vida. Primeiro, a minha candidatura nunca foi uma candidatura contra ninguém. E, muito menos, contra os EUA, porque não me considero uma pessoa estúpida. Em segundo lugar, essa interpretação resulta do facto de, desde 1951, praticamente todos os directores-gerais serem americanos. Em terceiro lugar, a OIM tem tido uma colaboração muito estreita com os EUA e eu sempre assumi o compromisso, como candidato e agora como director-geral, de que não haverá qualquer alteração nessa relação por parte da OIM. Mas a crescente desordem mundial torna a sua missão mais complexa. Sim. A missão não é fácil. Isso já sabia antes de ser eleito. Mas estou convencido de que não há solução para as migrações fora do contexto da cooperação internacional. Seja ela bilateral, seja ela regional ou global. O que é preciso é que as respostas sejam flexíveis. Atribuímos muita importância à cooperação com a União Europeia mas também com a União Africana ou com todos os processos regionais em matéria migratória, seja o Processo de Cartum, seja o processo de Colombo ou de Bali. Há uma lista de processos intergovernamentais por zonas do mundo onde a OIM coopera, porque entendemos que todas essas plataformas são fundamentais. Não há soluções “one fits all”. Têm de ser muito adaptadas às realidades no terreno, que são mutáveis. Ninguém imagina como são flexíveis os fluxos migratórios. Falou do Mediterrâneo, que é um excelente exemplo. Hoje, a situação no Mediterrâneo oriental está estabilizada, embora haja ainda um conjunto de casos pendentes de apreciação nas ilhas gregas. Os números no Mediterrâneo central mostram uma quebra de 36% em relação ao mesmo período do ano passado e uma quebra de 76% em relação a 2016. Mas, infelizmente, o número de mortos continua a ser muito elevado. Estamos a assistir mais recentemente a um aumento da pressão migratória sobre a Europa no Mediterrâneo ocidental, sobretudo em direcção a Espanha. Os fluxos mudam com uma enorme rapidez. Estamos a falar numa mudança que ocorreu num período de três anos. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Tem um conjunto de prioridades ou pontos quentes?Estamos presentes em situações de crise. Na Síria, obviamente. E em todo o arco à volta — Líbano, Jordânia, Turquia, onde estão acolhidos milhões de sírios. Temos situações muito difíceis no Iémen. Temos outras situações muito difíceis na África central, no Congo, na Somália, no Sahel. Temos agora a situação da Venezuela ou os rohingya no Bangladesh. São situações prioritárias onde estamos presentes com missões de grande dimensão. Temos diante dos nossos olhos essa impressionante caravana de hondurenhos a caminho dos Estados Unidos, que já chegaram ao México e que se dirigem para a fronteira, onde provavelmente não serão bem recebidos. Para estas pessoas, qualquer risco é melhor do que o que vivem nos seus países?Trata-se de mais um dramático exemplo de migrações provocadas pelo desespero, que se traduzem rapidamente numa crise humanitária que exige uma resposta pronta e eficaz da comunidade internacional, em nome dos mais elementares direitos humanos. É o que estamos a fazer no terreno, ao mesmo tempo que tentamos perceber melhor os factores de incentivo para este movimento tão significativo — 7 mil pessoas em escassos dias, que percorrem a pé milhares de quilómetros em condições de grande penosidade e sofrimento.
REFERÊNCIAS:
Partidos PS UEDS
Imigrantes que chegaram a Catania foram transferidos para uma traineira perto da costa
Autoridades abrem inquérito por homicídio múltiplo. Seis dos passageiros, de nacionalidade egípcia, morreram afogados quando saltaram do barco a poucos metros da costa. (...)

Imigrantes que chegaram a Catania foram transferidos para uma traineira perto da costa
MINORIA(S): Africanos Pontuação: 2 Refugiados Pontuação: 11 Migrantes Pontuação: 18 | Sentimento 0.1
DATA: 2013-08-11 | Jornal Público
SUMÁRIO: Autoridades abrem inquérito por homicídio múltiplo. Seis dos passageiros, de nacionalidade egípcia, morreram afogados quando saltaram do barco a poucos metros da costa.
TEXTO: Os cerca de 100 imigrantes sírios e egípcios que chegaram no sábado a Catania, na Sicília, viajaram num barco maior até às proximidades da costa italiana. As autoridades locais admitem o envolvimento de organizações italianas. "[Os contrabandistas] disseram aos imigrantes que o barco estava encalhado num banco de areia. Eles pensaram que tinham chegado, mas havia uma depressão mais à frente. Os que não sabiam nadar caíram nessa armadilha", contou o procurador de Catania, Giovanni Salvi, numa entrevista ao jornal católico Avvenire. Os seis imigrantes que morreram afogados eram de nacionalidade egípcia e não síria, ao contrário do que tinha sido anunciado inicialmente. Tinham entre 17 e 27 anos de idade. De acordo com o inquérito preliminar, as autoridades italianas acreditam que o barco, de 18 metros de comprimento, foi rebocado por outra embarcação de maior dimensão até às proximidades da Sicília. Os contrabandistas terão então transferido os passageiros para a traineira, que acabou por chegar à cidade de Catania. Para suportar esta tese, as autoridades avançam que alguns viajantes apresentavam sinais de desidratação, mas o estado de saúde da maioria indicava que não tinham feito uma longa viagem pelo Mar Mediterrâneo numa pequena embarcação. "Chegar com um 'barco mãe' à costa siciliana, sem parar em Lampedusa, e depois transferir as pessoas para um barco mais pequeno é uma sinal evidente de que existe uma organização", disse o procurador de Catania, Giovanni Salvi, ao Avvenire. O mesmo responsável disse que existem provas de "colaboração com organizações criminosas locais, que ganham com este tráfico, que é muito lucrativo". Questionado sobre se as organizações a que se referia eram italianas, designadamente com ligações à máfia, o procurador disse que "há seguramente um envolvimento de uma base italiana". "Ainda não sabemos se foi isso que aconteceu neste caso, mas já aconteceu no passado", afirmou. Três dos contrabandistas conseguiram escapar, mas as autoridades detiveram dois adolescentes, de 16 e 17 anos, que tinham como função distribuir comida ao longo do trajecto. No barco seguiam cidadãos sírios e egípcios. Um bebé de sete meses chegou a ser hospitalizado, mas encontra-se a recuperar bem. A chegada deste barco à costa Este da Sicília foi descrita no sábado pelo capitão Roberto D'Arrigo, da Guarda Costeira de Catania, como "um acontecimento anómalo" – a maioria das pessoas que tentam chegar ao território italiano fá-lo através da costa mais a sul ou da ilha de Lampedusa, a 110 km da Tunísia. Segundo o responsável, esta foi mesmo a primeira vez que um barco com imigrantes chegou a Catania. Menos mortes em 2013De acordo com os números do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR), 8400 pessoas chegaram às costas de Itália e de Malta no primeiro semestre do ano, a maioria proveniente de países da África subsariana. A maioria dos passageiros são oriundos da Somália e da Eritreia, mas os relatórios das Nações Unidas identificam também muitos imigrantes de países como Egipto, Paquistão, Síria, Gâmbia, Mali e Afeganistão. Pelo menos 40 pessoas morreram nos primeiros seis meses do ano, em travessias entre a Tunísia e Itália, embora as autoridades admitam que muitos outros casos de vítimas mortais nunca cheguem a ser conhecidos. Em 2012, o ACNUR registou cinco centenas de mortes ou desaparecimentos no mar Mediterrâneo. A diferença entre o número de vítimas mortais no ano passado e no primeiro semestre de 2013 é explicada "pelo aumento dos esforços de coordenação de salvamento no mar das autoridades italianas e maltesas, em particular a Guarda Costeira de Itália e as Forças Armadas de Malta", segundo um balanço do ACNUR publicado na semana passada. No mesmo documento, o alto comissariado presidido por António Guterres congratula-se com "os esforços das autoridades de Itália, de Malta e da Líbia no salvamento de embarcações em perigo no Mediterrâneo" e apela a "todos os países para que continuem a cumprir as suas obrigações de acordo com a lei internacional dos refugiados e as leis marítimas".
REFERÊNCIAS:
Palavras-chave lei
O futuro da Europa...
Merkel, tão elogiada no seu generoso humanitarismo, impôs agora à Espanha e à Grécia que reacolhessem milhares de migrantes. (...)

O futuro da Europa...
MINORIA(S): Africanos Pontuação: 2 Refugiados Pontuação: 11 | Sentimento 0.0
DATA: 2018-10-19 | Jornal Público
SUMÁRIO: Merkel, tão elogiada no seu generoso humanitarismo, impôs agora à Espanha e à Grécia que reacolhessem milhares de migrantes.
TEXTO: Para salvar o seu governo e a unidade interna do seu partido, cada vez mais contaminado pela mundivisão racista das direitas triunfantes por toda a Europa Central, Angela Merkel propôs a criação de novos “centros de controlo” para refugiados, a sediar nos países de chegada dos migrantes (Itália, Grécia, Espanha) ou noutros que se proponham a acolher estes centros de forma voluntária “segundo um princípio de solidariedade”. Curiosa esta “solidariedade”: para sossegar a extrema-direita racista e xenófoba que já dirige ou participa em 40% dos governos da UE (dos países bálticos à Itália, da Bélgica à Bulgária), os governos que se dizem europeístas liberais e antipopulistas continuam a adotar, uma a uma, as propostas da extrema-direita. Esta proposta de “centros de controlo” em território europeu adia por algum tempo aquela que foi a proposta do próprio Donald Tusk, o presidente do Conselho Europeu, de pagar a países do Norte de África para abrirem eles esses centros, por forma a impedir a travessia do Mediterrâneo, logo descritos pelas ONGs de Direitos Humanos e por um dos comissários da UE como verdadeiros “Guantánamos” europeus. O que saiu da cartola de Merkel para acalmar a direita-da-direita alemã não é muito melhor. Campos de refugiados em que se detém contra a sua vontade quem procura asilo na UE, não por ordem de um juiz mas por pura decisão policial/administrativa, é o que já existe desde 2015 em Itália e na Grécia, onde centenas de milhares de migrantes aguardam meses ou anos pela simples decisão sobre o seu pedido de asilo. Cada vez mais hostis face às ONGs que defendem dos direitos dos migrantes, os governos europeus podiam pelo menos ler as auditorias feitas por Bruxelas, como a que no ano passado denunciava a situação das 23 mil crianças detidas nestes campos, sem acompanhamento parental, privadas de liberdade, de segurança, de água, de comida, de cobertores, de cuidados médicos, vítimas muito frequentes de abuso e exploração sexual. 130 mil migrantes aguardavam no fim de 2017 nos campos italianos que as autoridades decidissem sobre pedidos de asilo. A UE comprometera-se a distribuir 35 mil pelos vários países membros, mas apenas 3. 809 tinham sido aceites por algum Estado membro; de entre eles, menos de 1. 200 tinham sido efetivamente transferidos para fora de Itália - nenhuma daquelas crianças incluída (Guardian, 24. 4. 2017)! O que se combinou em Bruxelas é multiplicar isto por vários novos campos! E é este o acolhimento prestado aos refugiados pela Europa da democracia e dos Direitos Humanos, cujos Macrons, Merkels e Tusks enchem o peito contra Trump e os racistas que (re)assumiram o governo em Itália. Merkel, tão elogiada no seu generoso humanitarismo, impôs agora à Espanha e à Grécia que reacolhessem milhares de migrantes que, tendo entrado no espaço europeu naqueles países, conseguiram chegar à Alemanha. Depois de anos a insistir com Viktor Orbán que havia que ser solidário e aceitar a distribuição de refugiados pelos város países europeus, Merkel vem agora dar-lhe razão! Ela e Donald Tusk: “Pré-requisito de qualquer política de migrações genuína da UE é que sejam os europeus a decidir quem entra na Europa. (…) Os povos da Europa esperam de nós (…) determinação para restaurar a sensação de segurança (…), não porque se tenham tornado subitamente xenófobos e queiram levantar muros contra o resto do mundo, mas porque fazer cumprir a lei é competência de toda e qualquer autoridade, proteger o território e as fronteiras. ” É o que constava do texto do convite formal que o presidente do Conselho Europeu dirigiu aos chefes de governo da UE para a cimeira de 28 e 29 de junho. Não, não é um tweet de Trump. . . “Uma vez desumanizados e, portanto, anulados como sujeitos potenciais de exigências morais, contempla-se os seres humanos que são objeto de tarefas burocráticas com indiferença ética”, escreveu Zygmunt Bauman sobre os judeus perseguidos pelo Nazismo (Modernidade e Holocausto). É também assim que a UE está a tratar os refugiados: “objetos desumanizados”, invasores indesejáveis, potenciais criminosos, a quem se não reconhece “poder ter uma ‘causa’, e muito menos uma causa ‘justa’ (…) para que se os tome em consideração”. O futuro da União Europeia “depende da resposta que dermos às questões vitais colocadas pelas migrações”, dizia Angela Merkel há dias. Tinha toda a razão.
REFERÊNCIAS:
Entidades UE ONGs
Freira congolesa recebe prémio do ACNUR por apoio às vítimas de Kony
Desde 2003 que Angélique Namaika trabalha com mulheres que foram vítimas dos homens liderados por Joseph Kony. (...)

Freira congolesa recebe prémio do ACNUR por apoio às vítimas de Kony
MINORIA(S): Africanos Pontuação: 2 Mulheres Pontuação: 5 Refugiados Pontuação: 11 | Sentimento 0.25
DATA: 2013-09-19 | Jornal Público
SUMÁRIO: Desde 2003 que Angélique Namaika trabalha com mulheres que foram vítimas dos homens liderados por Joseph Kony.
TEXTO: O horror vivido por milhares de meninas e mulheres às mãos do Exército de Resistência do Senhor (LRA, na sigla em inglês), liderado por Joseph Kony - procurado por crimes de guerra pelo Tribunal Penal Internacional -, é ainda uma realidade. Na República Democrática do Congo (RDC), os sequestros, violações ou assassinatos destas vítimas são bem conhecidos. Angélique Namaika, uma freira congolesa, sabe de cor o que os homens do LRA são capazes e as marcas que a sua violência deixa. Ouviu o testemunho de mais de duas mil meninas e mulheres e ajudou-as a tentar recuperar uma vida que consideravam perdida. O seu trabalho foi agora reconhecido com o Prémio Nansen 2013 atribuído pelo Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (ACNUR), que distingue uma mulher que “não permite que nada atrapalhe o seu caminho”. Crianças soldado, meninas tornadas escravas sexuais, mulheres espancadas e assassinadas são alguns dos crimes mais violentos atribuídos ao Exército de Resistência do Senhor na República Democrática do Congo (RDC), Uganda ou Sudão. A presença constante de violência força muitas famílias a procurar refúgio noutras regiões do seu país ou em países vizinhos. O ACNUR cita o relatório lançado na terça-feira sobre a violência exercida pelo LRA na região nordeste da RDC para reforçar a importância do trabalho de Angélique Namaika. Segundo o documento, desde 2008, milhares de pessoas têm sido forçadas a deixar a província Orientale. Pelo menos 320 mil congoleses foram forçados a refugiar-se. O relatório do ACNUR concluiu que “a violência praticada pelo LRA tem gerado traumas agudos e duradouros tanto nas pessoas que foram sequestradas pelo grupo como nas centenas de milhares de deslocadas que ainda temem voltar para casa”. Angélique Namaika foi também vítima do LRA, liderado pelo ugandês Joseph Kony, lembra o ACNUR no comunicado onde anuncia o vencedor deste ano do Prémio Nansen. Há quatro anos, a irmã foi forçada a abandonar a sua casa em Dungu, na RDC, devido à violência do grupo de Kony. “Deste trauma tira parte da sua motivação para realizar o seu trabalho quotidiano com as mulheres congolesas em necessidade”, sublinha a nota. Na RDC, a freira dirige o Centro para Reintegração e Desenvolvimento e desde 2003 tem dado apoio a meninas e mulheres vítimas de grupos naquela região africana mas também da discriminação por parte da sua própria comunidade, devido aos abusos a que foram submetidas. Regresso à normalidadeO ACNUR distinguiu a consagrada congolesa pelo trabalho que tem desenvolvido junto destas mulheres, ao apoiá-las na criação de pequenos negócios ou no regresso à escola. “Depoimentos das mulheres atendidas pela irmã Angélique mostram o notável efeito do seu trabalho em promover uma reviravolta nas suas vidas, já que muitas delas a chamam de ‘mãe’”. No anúncio da atribuição do prémio, esta terça-feira, António Guterres, alto comissário das Nações Unidas para os Refugiados, falou da irmã congolesa como uma mulher que “trabalha incansavelmente para ajudar mulheres e meninas extremamente vulneráveis em virtude do trauma, pobreza e deslocamento forçado”. “Os desafios são enormes, o que torna sua actuação das mais notáveis. E ela não permite que nada atrapalhe o seu caminho”. Angélique Namaika ouviu ainda o elogio de Guterres de que é “uma verdadeira heroína humanitária”. O prémio atribuído à freira será uma ajuda para as pessoas deslocadas em zonas como Dungu recomeçarem as suas vidas. “Jamais vou parar de fazer tudo o que estiver ao meu alcance para dar-lhes esperança e uma hipótese de viver de novo”, disse Angélique Namaika ao saber que tinha sido distinguida, cita o ACNUR. Angélique Namaika vai receber o prémio no próximo dia 30, numa cerimónia em Genebra. Dois dias depois da entrega da distinção, a freira vai ser recebida pelo Papa Francisco, no Vaticano. Para o encontro, a irmã tem já preparados alguns pedidos. Vai pedir o “perdão de Joseph Kony” e que Francisco “intervenha para que a paz possa voltar” à RDC, contou em declarações à BBC. O prémio Nansen do ACNUR é atribuído desde 1954. Tem o nome de Fridtjof Nansen, explorador polar, cientista, Prémio Nobel da Paz e o primeiro alto comissário para Refugiados da Liga das Nações. O prémio pretende distinguir o trabalho de indivíduos, organizações ou grupos que ajudaram pessoas forçadas a abandonar as suas casas ou países. Em 2012, o prémio foi atribuído a Hawa Aden Mohamed, fundadora e directora do Centro de Educação para a Paz e Desenvolvimento Galkayo, em Puntland, na Somália.
REFERÊNCIAS:
Palavras-chave homens guerra escola violência tribunal educação mulher ajuda comunidade mulheres pobreza humanitária discriminação
Rota da Líbia é um inferno de violência para as crianças migrantes
Muitas são espancadas e violadas ao longo da viagem em busca de refúgio na Europa. Nos centros de detenção, a violência continua, alerta a UNICEF. (...)

Rota da Líbia é um inferno de violência para as crianças migrantes
MINORIA(S): Africanos Pontuação: 2 Mulheres Pontuação: 2 Migrantes Pontuação: 5 Refugiados Pontuação: 11 | Sentimento 0.0
DATA: 2017-06-16 | Jornal Público
SUMÁRIO: Muitas são espancadas e violadas ao longo da viagem em busca de refúgio na Europa. Nos centros de detenção, a violência continua, alerta a UNICEF.
TEXTO: Kamis tem nove anos. Partiu com a sua mãe da Nigéria, atravessou o deserto de carro e foi resgatada no mar quando o bote em que seguia estava à deriva antes de ser confinada a um centro de detenção na cidade líbia de Sabratha, onde não havia praticamente água. “Eles costumavam bater-nos todos os dias. Batiam nos bebés, nas crianças e nos adultos”, contou Kamis. “Aquele lugar era muito triste. Não há lá nada. ” Aza, a mãe, pagou 1400 dólares pela sua viagem e a dos filhos. Garante que desconhecia os riscos envolvidos, mas que voltar para trás não era uma opção. Enquanto esperavam no bote só pensava: "Fiz tudo isto pelos meus filhos e pelo seu futuro, não quero perdê-los. [. . . ] Se for eu, não faz mal [morrer], mas eles não. "As denúncias das organizações são uma constante e o trabalho dos técnicos e voluntários no terreno incansável, mas os resultados continuam a ser diminutos. Para os milhares de crianças que atravessam o Mediterrâneo central todos os anos – em 2016 foram 26 mil, o dobro do ano anterior e nove em cada dez sem a companhia de um adulto – a viagem do país onde nasceram em direcção à Europa está carregada de perigos. E não é só no mar. O mais recente relatório da Unicef, o Fundo das Nações Unidas para a Infância, divulgado esta terça-feira, concentra-se sobretudo nas dificuldades e privações que as crianças enfrentam em terra, em particular na Líbia, menos documentadas pelas agências, jornais e televisões internacionais. “Eles costumavam bater-nos todos os dias. Batiam nos bebés, nas crianças e nos adultos. [. . . ] Aquele lugar era muito triste. Não há lá nada. ”O documento – A Deadly Journey for Children: The Central Mediterranean Migrantion Route – dá conta, por vezes em detalhes perturbadores, de histórias de violência, escravatura e abusos sexuais de que são alvo estas crianças extremamente vulneráveis que procuram chegar a Itália. Histórias que, na maioria das vezes, não denunciam por medo serem presas ou deportadas. Por trás deste receio está também o facto de muitos dos agressores usarem uniforme. A avaliar pelos testemunhos das 122 mulheres e crianças ouvidas (82 mulheres e 40 menores), as fronteiras são particularmente perigosas. “A violência sexual está espalhada e é sistemática em zonas de cruzamento e em checkpoints”, garante o relatório. Pela sua posição geográfica – tem uma ampla costa mediterrânica e faz fronteira com a Tunísia, a Argélia, o Níger, o Chade, o Sudão e o Egipto – a Líbia tem servido de destino a muitos dos que procuram desesperadamente chegar à Europa e, por isso, tem vindo a transformar-se no epicentro desta violência extrema. “Quase metade das mulheres e crianças entrevistadas [ao longo da preparação do relatório] foi vítima de abuso sexual durante a migração”, lê-se no documento. “E com frequência mais do que uma vez em mais do que um local. ” Aproximadamente um terço admitiu ter sido alvo de algum tipo de violência na Líbia. “Muitas destas crianças foram brutalizadas, violadas e mortas nesta rota”, disse à televisão pública britânica Justin Forsyth, vice-director executivo da Unicef, que neste novo relatório mapeia 34 centros de detenção na Líbia, três deles no interior do país, em zonas de deserto, a maioria geridos pelas entidades governamentais encarregues do combate às migrações ilegais. Nestes locais que podem chegar a ter sete mil pessoas a falta de água, de comida e de cuidados médicos é permanente, embora a situação seja ainda mais grave nos centros entregues a grupos armados e cujo número se desconhece. Nestes centros entregues às milícias, os abusos são ainda mais recorrentes e o acesso que a eles têm a Unicef e outras organizações de auxílio aos migrantes e refugiados é muitíssimo mais diminuto. Em 2016, mais de 180 mil pessoas passaram da Líbia para Itália, entre elas quase 26 mil crianças, a maioria a viajar sozinha. E a tendência é para que este número cresça, explica o vice-director executivo à BBC, porque a situação em países como a Eritreia, a Nigéria e a Gâmbia está a piorar. Issaa, 14 anos, é dos que tentaram a sua sorte sem que um adulto o acompanhasse. “O meu pai juntou dinheiro para a minha viagem, desejou-me boa sorte e depois deixou-me ir”, disse aos técnicos encarregues do inquérito da Unicef. Isto aconteceu há dois anos e meio e este rapaz do Níger está hoje num centro líbio. Tudo o que Issaa quer é “atravessar o mar” e procurar trabalho para poder ajudar os cinco irmãos que ficaram em casa. Grande parte desta violência começa nos traficantes a quem os migrantes pagam para poder atravessar o deserto ou cruzar o Mediterrâneo. O negócio está entregue a criminosos que muitas vezes obrigam mulheres e crianças a prostituírem-se para pagarem as suas dívidas. Muitas das mulheres que chegam à Europa para entrar em redes de exploração sexual passam pela Líbia, diz o relatório. A situação instável em que o país vive torna muito difícil controlar este sistema que perpetua vários tipos de abuso e que parece estar completamente fora de controlo. A Unicef está agora a pressionar todos os países, sobretudo a Líbia e os vizinhos, para que criem corredores de segurança para estas crianças em marcha, para que combatam o tráfico de seres humanos e para que promovam o registo de nascimentos nos seus países e a reunificação das famílias de migrantes e refugiados. Na agenda para a acção deste fundo das Nações Unidas está ainda a garantia de condições de acesso à educação e à saúde, o combate à xenofobia e à descriminação em países de trânsito ou de destino e, objectivo maior, a adopção de medidas capazes de minimizar as causas subjacentes aos movimentos de pessoas em larga escala. “Quer sejam migrantes ou refugiados, vamos tratá-los como crianças”, pediu Forsyth em declarações à BBC. Os números causam impacto. Em 2016, pelo menos 4579 pessoas perderam a vida entre a Líbia e Itália, na mais mortífera das rotas marítimas que ligam África à Europa. Mais de 700 eram crianças, lê-se no comunicado que a organização das Nações Unidas fez chegar às redacções. "O percurso do Norte de África para a Europa através do Mediterrâneo central é uma das mais perigosas rotas migratórias para as crianças e as mulheres", diz Afshan Khan, directora regional da Unicef e coordenadora especial para os refugiados e para a resposta à crise na Europa. "A rota é maioritariamente controlada por contrabandistas, traficantes e outros indivíduos que procuram aproveitar-se das crianças e mulheres desesperadas que apenas buscam refúgio ou uma vida melhor. "Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. De acordo com este que é o mais recente relatório da Unicef, três quartos dos entrevistados com menos de 18 anos (o que inclui até crianças com cinco anos, como Victor, que acabou por reencontrar a mãe que já julgava perdida) admitiram ter sido alvo de algum tipo de violência, assédio ou agressão por parte de adultos. O documento mostra ainda que os migrantes da África subsariana têm tendência a ser mais mal tratados do que aqueles que são do Egipto ou do Médio Oriente. Will é um desses migrantes. Depois de perder os pais num naufrágio, o rapaz de oito anos nascido no Níger está hoje detido na Líbia: "Nós queríamos ir para Itália. Estávamos num barco. Passado um bocado o barco começou a meter água e pouco depois afundou”, recorda. “Houve um rapaz que sobreviveu e eu agarrei-me a ele durante horas. Ele salvou-me. Mas o meu pai e a minha mãe morreram. Nunca mais os vi. ”O que acontecerá a Will, Victor e Issaa? O que acontecerá às suas famílias? Kamis, a menina de nove anos com que começa este artigo, quer ser médica. Antes de saírem de casa a mãe disse-lhe: "Não te preocupes, quando chegarmos a Itália serás médica. " Aza ainda não pôde cumprir a promessa de Europa que fez à filha. Estão as duas num centro de detenção na Líbia.
REFERÊNCIAS:
Palavras-chave filha humanos violência educação medo sexual mulheres abuso assédio escravatura xenofobia
Nós com eles, em vez de “nós contra eles”
Portugal ainda não garantiu dar destaque legislativo aos crimes de ódio nem criou um sistema nacional de recolha de dados sobre este tipo de crimes assentes em discriminação. (...)

Nós com eles, em vez de “nós contra eles”
MINORIA(S): Africanos Pontuação: 2 Mulheres Pontuação: 2 Homossexuais Pontuação: 6 Refugiados Pontuação: 11 | Sentimento 0.0
DATA: 2017-02-22 | Jornal Público
SUMÁRIO: Portugal ainda não garantiu dar destaque legislativo aos crimes de ódio nem criou um sistema nacional de recolha de dados sobre este tipo de crimes assentes em discriminação.
TEXTO: “Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e em direitos. Dotados de razão e de consciência, devem agir uns para com os outros em espírito de fraternidade. ” Artigo 1º, Declaração Universal dos Direitos HumanosO ano de 2016 fechou com espanto. A estratégia cínica de manipulação da informação surtiu efeito, lançou sementes de medo, de ódio, sementes de nós ou eles e por isso tem de ser nós contra eles, porque eles são os culpados de todos os nossos problemas, teve votos, elegeu líderes. O medo é uma arma forte. Pelo medo o mundo retrai-se, odeia, culpa, fecha portas, ergue muros, limita a liberdade, acaba com o acolhimento, trata o outro como menos humano. Aos líderes eleitos, chamemos-lhe Trump, Orbán, Modi, Erdogan ou Duterte. Tantos nomes podíamos referir ainda. Todos com bandeiras anti-sistema ganharam terreno e adeptos com a retórica de encontrar culpados expiatórios para serem a razão de todos os nossos males, e conseguiram os votos de quem lhes depositou esperanças de segurança e de um mundo em ordem. Um mundo com muros que separam de nós quem precisa de nós. Já em 2017 estes líderes justificam aquilo que querem fazer, dando resposta ao anseio legítimo de segurança e de uma economia sólida com dedos apontados a supostos culpados que mais não são do que grupos de pessoas vulneráveis, de minorias sem voz, de vítimas das guerras, de vítimas da falta de igualdade, de dignidade, de vítimas da pobreza persistente e causadora de exclusão. Só há uma forma de parar esse caminho enganador, de fechamento ao que é diferente, de intolerância e de medo de quem não conheço: responder ao ódio com amor. À violência, devolver-se paz. À divisão, devolver-se acolhimento. Face à desunião, marchar-se com união. Proclamar que em vez de sermos “nós contra eles”, temos de ser nós com eles, porque é juntos que o mundo faz sentido. Em Portugal não estamos a salvo. A nossa realidade é melhor do que a de outros dos 159 países sobre os quais a Amnistia Internacional agora publica o relatório sobre o estado dos direitos humanos no mundo – e nalgumas frentes Portugal é um farol para o mundo –, mas temos caminho para fazer, temos promessas por cumprir. Portugal ainda não garantiu dar destaque legislativo aos crimes de ódio nem criou um sistema nacional de recolha de dados sobre este tipo de crimes assentes em discriminação. E não desenvolveu ainda as medidas recomendadas em 2013 pela Comissão Europeia contra o Racismo e a Intolerância para dirimir o racismo e a discriminação. Do mesmo modo, a cultura de exclusão persiste, havendo denúncias de uso desnecessário ou excessivo da força pela polícia e de comunidades de costas voltadas à polícia, não a vendo como protectora, mas como agressora e retaliando também, seja com medo, seja a defender-se, seja com dificuldades de encontro e de conciliação. Os maus-tratos nas prisões portuguesas são também um sinal de discriminação, quando aquilo que as pessoas em reclusão perderam foi a liberdade, nada mais. Uma sentença não priva alguém da sua dignidade e as condições prisionais, a higiene e a qualidade da alimentação continuam inadequadas a essa humanidade que não pode ser negada. As más condições e os maus-tratos nas prisões não podem integrar o sistema jurídico penal, além de que retardam as funções de prevenção e ressocialização. O nosso país fez, no entanto, caminho. Em 2016, o Parlamento português reverteu o veto a uma lei que excluía a adopção a casais do mesmo sexo. Aprovou alterações que melhoraram o acesso a serviços de saúde sexual e reprodutiva e foi adoptada nova legislação que dá às mulheres acesso à reprodução medicamente assistida – incluindo a fertilização in vitro e outros métodos – independentemente do estado civil ou da orientação sexual. A sociedade é hoje, pela lei, mais justa e igualitária para todas as mulheres, permitindo-lhes que escolham se e quando querem ser mães. Nas disponibilidades de acolhimento de refugiados recolocados da Grécia e da Itália, Portugal tem estado na linha da frente no panorama da União Europeia – também por desmérito de muitos outros países da Europa que não estão a cumprir a sua parte na partilha de responsabilidade pela crise de refugiados. Portugal foi o quarto país que mais acolheu pelo Mecanismo de Recolocação de Urgência da UE: dos 1742 requerentes de asilo que Portugal se disponibilizou a receber no âmbito do compromisso europeu (com revisão para 1 618), chegaram ao país 781 pessoas até ao final de 2016 – 1 013 até 17 de fevereiro deste ano. Já ao abrigo do Programa de Reinstalação, foram selecionadas 90 pessoas a serem acolhidas em Portugal entre 2014 e 2016 e, dessas, 65 tinham chegado ao país até ao final do ano passado. Desde o início do Programa de Reinstalação, aliás, chegaram a Portugal 255 refugiados – só 12 durante o ano de 2016. Continuamos aquém de concretizar a promessa de acolher, proteger e oferecer paz, segurança e dignidade a milhares de pessoas, promessa que nos inspirou a acreditar em Portugal como um exemplo de humanidade. E que queremos ver cumprida. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Nunca foram governos com narrativas de exclusão a contribuir para um mundo com mais direitos humanos. A História já nos mostrou, e mais do que uma vez, as consequências da retórica tóxica e divisiva. Não queremos que se repitam. E não podemos esquecer também a outra lição que a História nos ensinou: sempre que líderes tentam dividir, demonizar e reprimir, há sempre pessoas determinadas em barrar-lhes o caminho. Não podemos ficar em silêncio, não podemos sair do caminho. Construirmos, juntos, um movimento sustentável de mudança começa com este acto simples de desafio – nunca foi tão importante erguermo-nos juntos e barrar o caminho ao ódio e ao medo. À violência, ergamos a voz da paz; ao ódio, respondamos com amor; perante a divisão, abramos os braços do acolhimento. À escuridão, acendamos-lhe uma vela.
REFERÊNCIAS:
Entidades UE
Merkel foi salva, mas continuam as divisões sobre os migrantes na UE
Quando se tentar passar à prática o acordo conseguido na cimeira de Bruxelas, dificilmente se falará de sucesso. Itália perdeu amigos nesta cimeira. (...)

Merkel foi salva, mas continuam as divisões sobre os migrantes na UE
MINORIA(S): Africanos Pontuação: 2 Migrantes Pontuação: 5 Refugiados Pontuação: 11 | Sentimento 0.0
DATA: 2018-06-30 | Jornal Público
SUMÁRIO: Quando se tentar passar à prática o acordo conseguido na cimeira de Bruxelas, dificilmente se falará de sucesso. Itália perdeu amigos nesta cimeira.
TEXTO: O espectro do fracasso esteve sempre presente nas negociações entre os 28 chefes de Estado e de Governo da União Europeia, fechados durante mais de oito horas na sala do Conselho Europeu para encontrar uma resposta para a crise política das migrações. Quando finalmente houve fumo branco, prevaleceu o Presidente de França. Emmanuel Macron revelou-se revelou o mais precioso aliado da chanceler alemã, Angela Merkel, desesperada por um acordo para assegurar a estabilidade do seu Governo, e também o novo melhor amigo do primeiro-ministro italiano, Giuseppe Conte, que na sua primeira cimeira europeia terá desbaratado muita da tradicional boa vontade dos parceiros com os líderes estreantes, ao ameaçar bloquear as conclusões ainda antes do arranque das discussões. “As pessoas pensavam que seria impossível chegarmos a acordo mas fizemo-lo. Recusámos as propostas perigosas e mantivemos os nossos valores. E em vez de soluções nacionais, temos uma abordagem europeia”, resumiu Macron, à saída do edifício para um descanso de cinco horas antes do reinício dos trabalhos, com uma cimeira do euro. O acordo que ficou fechado aborda os três níveis em que os lideres convencionaram dividir o problema das migrações: a responsabilidade de conceder protecção e segurança às populações que fogem da guerra ou da perseguição política, étnica ou religiosa e a solidariedade no processamento e realojamento dos candidatos a asilo; o compromisso com a protecção e defesa das fronteiras externas da União Europeia, e o apoio ao desenvolvimento dos países de origem e trânsito. “O desafio não é de um único Estado-membro, mas da Europa como um todo”, lê-se numa das frases mais difíceis de incluir nas conclusões. “A Itália já não está sozinha”, congratulou-se Giuseppe Conte, que ao longo da discussão conseguiu irritar muitos dos seus parceiros com as suas objecções constantes, na sua qualidade de jurista e antigo professor de Direito, ao texto que ia sendo negociado. Já durante a madrugada, recebeu uma pequena lição sobre os procedimentos habituais neste tipo de encontros — e sobre as terríveis consequências se a cimeira se revelasse um fiasco. O documento final prevê a criação de plataformas de desembarque regionais fora da UE — basicamente ao longo da costa Norte africana, de onde saem os barcos repletos de migrantes que naufragam no Mediterrâneo — e também a instalação de novos “centros controlados” onde será feita a triagem de refugiados e migrantes. A ideia será multiplicar os actuais hotspots que existem na Grécia e na Itália por outros países. “Portugal não se candidata, nem havia razões para isso”, afirmou o primeiro-ministro, António Costa, insistindo que o país “tem tido uma política coerente e constante de responsabilidade em matéria de migrações”, assente nos princípios da “solidariedade interna, participação activa no controlo das fronteiras externas e acção de cooperação com África”. Costa entende que “a existência de canais legais e seguros para os refugiados que entraram na Europa, sem ser por via das redes ilegais e sem porem a sua vida em risco, deve ser assegurada”. Mas adverte que estes centros, ou plataformas de desembarque, não podem funcionar como “campos de contenção, que desresponsabilizem a Europa, fazendo um outsourcing para países terceiros” das suas obrigações. Para que todos os países aceitassem este novo modelo (que na realidade ainda não está totalmente definido) foi necessário introduzir a ressalva de que o sistema assentará numa “base voluntária”. Os membros do grupo de Visegrado não admitiam nenhuma formulação que abrisse a porta a quotas para a distribuição de refugiados — como as que a Comissão Europeia definiu no pico da crise e que foram sistematicamente incumpridas pela Hungria, Polónia, República Checa e Eslováquia. Mas o alívio não durou muito. Cândido como de costume, o presidente do Conselho Europeu, Donald Tusk, considerou ser “muito cedo para falar de sucesso” e alertou para complicações futuras, quando chegar a altura de aplicar o acordo no terreno. Tusk destacou por exemplo “a proposta franco-italiana de centros de controlo em países que estejam disponíveis para os construir”. O que o documento diz é que “todas as medidas que serão tomadas nestes centros, incluindo o realojamento de refugiados, serão numa base voluntária”, apontou. Essa foi também a análise de António Costa, para quem o “aparente consenso expresso no documento final não disfarça as divisões profundas que ameaçam a União Europeia, em matéria de valores e em matéria de migrações”. “Não me recordo de um debate tão difícil onde tenham sido tão evidentes as divisões que hoje existem na Europa. Não vale a pena querermos disfarçar”, desabafou. A má notícia para Costa é que o debate vai continuar na próxima cimeira de Outubro. Mas para Merkel, houve um peso que lhe saiu dos ombros. Desafiada a inverter a política de acolhimento de refugiados pelo seu próprio ministro do Interior, Horst Seehofer, líder do CSU, partido-irmão da CDU na Baviera, a chanceler alemã saiu de Bruxelas com trunfos na manga. Enquanto os seus aliados lidavam com o teimoso primeiro-ministro italiano, a chanceler multiplicava-se em encontros bilaterais para negociar o retorno dos refugiados que chegaram à Alemanha em “movimentos secundários”, isto é, depois de terem obtido protecção num outro país da UE. Estes entendimentos permitem-lhe contrariar os instintos do seu aliado bávaro e manter as fronteiras abertas — mais do que a sua sobrevivência política, era a integridade da política europeia de asilo e do espaço de Schengen, e a unidade do projecto europeu, que estava em causa, dramatizara a chanceler à chegada a Bruxelas. “Penso que no fim deste debate muito intenso sobre aquele que é porventura o tópico mais exigente da União Europeia, enviámos uma mensagem muito positiva ao concordarmos com este documento”, referiu no final. O documento final dá algum crédito à postura da linha mais dura na Europa, com um compromisso dos lideres para “prosseguir e reforçar políticas para impedir que se regresse aos fluxos descontrolados de 2015 e para conter toda mais a migração ilegal em todas as rotas”, e também para “intensificar significativamente o regresso efectivo dos migrantes irregulares” aos seus países de origem. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Ao mesmo tempo, mantém viva a perspectiva de uma reforma do regulamento de Dublin e de um “novo sistema europeu comum de asilo”, “com base na responsabilidade e na solidariedade, tendo em conta as pessoas desembarcadas na sequência das operações de busca e salvamento”. Europa não está, nem de perto nem de longe, a viver uma nova crise humanitária como a de 2015, quando mais de 1, 3 milhões de pessoas “entupiram” as fronteiras a Leste a caminho da Alemanha. Apesar das declarações políticas que têm elevado o alarme social, as entradas ilegais caíram 95% após o fecho das fronteiras e a assinatura de um acordo de cooperação com a Turquia para gerir o fluxo migratório. No Conselho, os lideres concordaram em avançar o pagamento da segunda tranche de 3000 milhões de euros prometida a Ancara para apoiar os seus esforços de alojamento de refugiados.
REFERÊNCIAS:
Entidades UE