A desunião europeia, o mau e o sofrível
A solução da Europa-fortaleza é ditada mais por uma conjuntura política do que por uma crise migratória. (...)

A desunião europeia, o mau e o sofrível
MINORIA(S): Migrantes Pontuação: 11 Refugiados Pontuação: 11 | Sentimento -0.34
DATA: 2018-06-30 | Jornal Público
SUMÁRIO: A solução da Europa-fortaleza é ditada mais por uma conjuntura política do que por uma crise migratória.
TEXTO: O acordo a que a União Europeia (UE) chegou ontem sobre a regulação dos movimentos migratórios é um compromisso entre as posições da extrema-direita que governa Itália — idênticas às de outros Estados-membros nos quais a retórica anti-imigrante se tem vindo a impor — e o desespero de Angela Markel para contentar o parceiro extremista da coligação que governa a Alemanha. Quando falamos da criação de plataformas de desembarque fora do perímetro da UE, do reforço do apoio económico à Turquia e aos países do Norte de África para que estes travem os fluxos migratórios, e da instalação de centros nos Estados-membros para receber pessoas salvas no Mediterrâneo, de modo a distinguir quem deve ser asilado e quem deve ser devolvido à origem, estamos a falar de um maior controlo de fronteiras. A solução da Europa-fortaleza é um mal menor quer para quem exige mais solidariedade para lidar com a pressão migratória, quer para quem não está disponível para aceitar alterações às regras europeias de acolhimento de refugiados. Paradoxalmente, a solução da fortaleza é ditada mais por uma conjuntura política do que por uma crise migratória. Segundo os dados da ACNUR, no pico da crise, em 2015, a Europa acolheu mais de um milhão de imigrantes, ao passo que, desde o início do ano, apenas entraram 43 mil pessoas em solo europeu. Na actual conjuntura da desunião europeia, na qual direitos humanos e solidariedade são conceitos em apressada desvalorização, isso pouco importa, porque o mais importante não são as políticas de salvamento — ironicamente, ontem registou-se mais um naufrágio — ou de acolhimento, mas sim as medidas de contenção dos fluxos migratórios. Donald Tusk deixara isso claro na véspera da cimeira: ou havia acordo quanto a soluções deste género ou o mais provável era que triunfassem propostas mais radicais. No fundo, a Itália conseguiu o que queria, sob ameaça de vetar o acordo, e falta agora saber se o que a Alemanha obteve será capaz de contentar as exigências bávaras da CSU e assegurar a sobrevivência do seu Governo. Merkel tem razão quando afirma que a pressão migratória pode pôr em causa o destino da UE e que as soluções devem ser multilaterais e não unilaterais. E a queda de Merkel pode apressar esse desfecho. Como diria Salvini, corroborado por Viktor Orbán, que até criminalizou a ajuda aos imigrantes na Hungria, “acabou o recreio”. Entre o mau e o sofrível, venha o Diabo e escolha.
REFERÊNCIAS:
Entidades UE
As grandes decisões (ainda) se tomam de madrugada?
As forças nacionalistas parecem estar na mó de cima. É preciso reverter a situação. Esta cimeira ainda não foi suficiente. (...)

As grandes decisões (ainda) se tomam de madrugada?
MINORIA(S): Migrantes Pontuação: 11 Refugiados Pontuação: 11 | Sentimento 0.0
DATA: 2018-06-30 | Jornal Público
SUMÁRIO: As forças nacionalistas parecem estar na mó de cima. É preciso reverter a situação. Esta cimeira ainda não foi suficiente.
TEXTO: 1. Prolongar uma cimeira até às cinco da manhã é um bom sinal? Medindo pelos antigos critérios europeus, poder-se-ia dizer que sim. Na história da União Europeia, os compromissos decisivos foram quase todos obtidos de madrugada, muitas vezes, na madrugada do terceiro ou quarto dia do Conselho Europeu. É assim quando é preciso encontrar consensos que reflictam os interesses de todos. É ainda mais assim quando a Europa deixou de ser um pequeno grupo de países mais ou menos homogéneo para se transformar numa realidade política à dimensão do continente onde a diversidade prevalece. Com a crise existencial dos últimos anos, as divisões cavaram-se, os interesses (imediatos) divergiram, a busca de consensos nem sempre foi respeitada, sobretudo quando se tratou de salvar a união monetária. Houve alturas em que nem era preciso consenso: Berlim ditava as regras do jogo. As cimeiras acabavam a horas. Ontem, foi a chanceler que precisou dos seus parceiros europeus. A imprensa alemã reconhece que aquilo que obteve lhe chega para protelar a crise aberta pelos seus parceiros bávaros, incluindo o ministro do Interior, Horst Seehofer, que ousou desafiar abertamente a sua autoridade. Não há certezas absolutas. A pressão vai continuar mas, por agora, uma crise do Governo parece estar afastada. Isso também pesou à mesa dos líderes (pelo menos de uma maioria), que não desejam um foco de instabilidade na capital alemã, essencial para lidar com os outros pontos de uma agenda europeia que poucas vezes terá sido tão pesada. A relação com os Estados Unidos, vital para a Alemanha e para a Europa, nunca foi tão tensa e tão imprevisível. A constante pressão de Moscovo, para não dizer ameaça, voltou a dar à NATO um relevo que os europeus vêem como fundamental. A estabilização do euro precisa de mais instrumentos de convergência para não soçobrar na próxima crise. E as democracias europeias enfrentam hoje desafios inesperados de forças políticas que, justamente, construíram a sua mensagem populista e nacionalista a partir da vaga imparável de refugiados que, desde 2015, desafiam as sociedades europeias. Como se previa, a entrada em cena de um novo governo de Itália constituído inteiramente por partidos de fraca convicção europeia e de forte intolerância para com os imigrantes, revelou-se muito mais grave do que os Viktor Orbán de Leste. Dizem alguns diplomatas europeus que o primeiro-ministro Giuseppe Conte jogou um "às" de trunfos, quando precisava apenas de jogar um valete ou uma dama. Mas, para Roma, tratava-se também de provar de que o Governo italiano tencionava marcar a diferença. O Presidente francês teve um papel crucial para negociar uma solução aceitável. O seu governo já aprovou leis sobre a imigração e o asilo suficientemente duras para dissuadir uma vaga inesperada. “Há 300 mil requerentes de asilo na Alemanha e um milhão de migrantes na Líbia que apenas esperam um sinal de abertura para vir para França”, diz um dos seus próximos, citado pelo Monde. Num discurso recente, Macron advertiu “os que estão sempre a dar lições” sem pensar nas consequências. O novo governo de Espanha desempenhou um papel activo e construtivo. As conclusões são demasiado vagas e ainda podem revelar-se um fracasso. Quem é que se vai oferecer voluntariamente para criar “centros de controlo” em território europeu?2. A imprensa de referência americana interrogava-se sobre as razões para este drama europeu, precisamente quando as entradas e os pedidos de asilo tinham caído drasticamente. Wolfgang Schauble, que preside hoje ao Bundestag (e de quem se chegou a falar como o potencial substituto de Merkel, caso a crise com a Baviera a derrubasse), lembrava na quinta-feira passada que, na década de 90, as guerras na ex-Jugoslávia tinham levado mais de 500 mil refugiados, sobretudo bósnios, para a Alemanha, que soube lidar com eles. Hoje, já regressaram ao seu país. Berlim também endureceu as leis que regem o asilo. Diz a imprensa alemã que hoje está a ser negado o estatuto de refugiado a muitos afegãos, alegando que o seu país já os pode receber de volta, o que é altamente duvidoso. Porquê então agora? Por razões ideológicas e não apenas pragmáticas ou de puro bom senso sobre a capacidade das democracias europeias de os integrar. Fica, portanto, a questão da natureza política da própria integração europeia. A Europa foi criada para abolir fronteiras e para se abrir ao mundo. Uma Europa fortaleza, com arame farpado ou muros à moda americana, seria fatal, no médio prazo, para os próprios europeus. A imigração descontrolada também não é uma solução. Mas o futuro da Europa, como disse a chanceler no Bundestag, depende em boa medida da forma como resolverá este desafio. As forças nacionalistas parecem estar na mó de cima. É preciso reverter a situação. Esta cimeira ainda não foi suficiente. 3. Entretanto, começam a ser mais claras as reacções de “pânico” geradas por outra cimeira, a do G7, que não vieram a público imediatamente. A segurança e a defesa são hoje uma prioridade para a Europa, que está expressa nas conclusões deste Conselho Europeu. A cimeira da NATO está marcada para 11 e 12 de Julho. O que os líderes europeus presentes no G7 (Merkel, Macron, May, Conte, Juncker e Tusk) ouviram de Trump foi tudo menos tranquilizador. O Presidente americano chegou a comparar a NATO à NAFTA, o acordo de livre comércio com o México e o Canadá, que aliás pôs em causa logo que chegou à Casa Branca. Outra frase fatal: “A Crimeia é da Rússia”. Trump terá o seu primeiro encontro formal com Vladimir Putin quatro dias depois, na Finlândia, um país neutral. O verdadeiro pesadelo de muitos governos europeus é a possibilidade de um acordo entre ambos por cima das suas cabeças.
REFERÊNCIAS:
Partidos LIVRE
Em defesa do humanismo
Aderir ao discurso demagógico e xenófobo de exclusão do diferente, do estrangeiro, não só não é realista, como não respeita a história (...)

Em defesa do humanismo
MINORIA(S): Migrantes Pontuação: 11 Refugiados Pontuação: 11 | Sentimento 0.0
DATA: 2018-06-30 | Jornal Público
SUMÁRIO: Aderir ao discurso demagógico e xenófobo de exclusão do diferente, do estrangeiro, não só não é realista, como não respeita a história
TEXTO: O Estado português marcou pontos esta semana no plano do reconhecimento dos direitos humanos, da tolerância democrática e da defesa do humanismo. Não só, em Washington, o Presidente da República foi claro na demarcação das políticas isolacionistas e anti-imigração do Presidente dos Estados Unidos, como, em Bruxelas, o primeiro-ministro teve uma atitude idêntica firme sobre a da União Europeia à crise dos refugiados. Isto depois de o ministro da Administração Interna ter anunciado que Portugal vai receber refugiados. Tudo dias após terem sido promulgadas por Marcelo Rebelo de Sousa as alterações à lei que facilitam a naturalização e a atribuição de nacionalidade portuguesa a estrangeiros a residir em Portugal. Perante Donald Trump, o Presidente vincou as divergências em relação à política de imigração que restringe a entrada de pessoas nos Estados Unidos, afirmou a disponibilidade de Portugal para acolher imigrantes e fez questão em o sublinhar aos jornalistas, chegando ao ponto de lembrar que a comunidade portuguesa imigrada naquele país é de 1, 4 milhões de pessoas. Não terá sido, aliás, por coincidência que dias antes de partir para Washington o Presidente da República promulgou a nova lei da nacionalidade em que diminuem os prazos de residência em Portugal necessários para que os filhos de estrangeiros recebam a nacionalidade portuguesa, bem como reconhece o direito a esta aos pais de filhos nascidos em Portugal. Alterações propostas pelo Governo que têm como objectivo claro responder às necessidades das comunidades imigrantes. A tolerância democrática e o reconhecimento dos direitos humanos estiveram presentes também na defesa feita por António Costa no Conselho Europeu sobre Migrações da responsabilidade da União Europeia em acolher e integrar refugiados. Uma posição que foi antecipada pelo anúncio de que Portugal acolherá cerca de 30 dos 239 refugiados a bordo do navio da organização não-governamental alemã Mission Lifeline, preparando-se para acolher outros 1010 vindos do Egipto e da Turquia, como afirmou afirmou ao PÚBLICO o ministro da Administração Interna, Eduardo Cabrita. Este conjunto de decisões e tomadas de posição surge como um sinal importante quando a União Europeia debate as políticas de migração e o acolhimento de refugiados com notórias divisões. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Mas esta atitude portuguesa entronca também no que o primeiro-ministro, António Costa, tem dito e deixou claro no congresso do PS sobre a necessidade de Portugal receber e dar condições aos imigrantes como forma de combater o défice demográfico. O assunto não é novo. Portugal é um país de migrações e sempre o foi. Tem mais de dois milhões de emigrantes no mundo, um número que pode chegar aos cinco milhões se forem contabilizados os luso-descendentes. E tem uma significativa comunidade de estrangeiros imigrados em Portugal. E, nisso, Portugal não é diferente dos outros países europeus, nem sequer de outras regiões do mundo. A história do mundo é uma história de migrações e querer fechar fronteiras é uma tentativa falhada de a contrariar. Ainda para mais, numa época em que a Europa envelhece e vive em défice demográfico. É certo que a pressão migratória sobre a Europa atinge hoje uma dimensão imensa e que não há espaço para acolher todos mantendo o equilíbrio económico, social e político dos países europeus. É também verdade que a necessidade das populações de países pobres de partirem das suas terras pode ser contrariada com políticas de apoio ao desenvolvimento desses países. Mas aderir ao discurso demagógico e xenófobo de exclusão do diferente, do estrangeiro, não só não é realista como não respeita a história. Nem faz justiça à tradição do espírito humanista europeu, nem à tolerância democrática, nem a sistemas políticos que se dizem defensores dos direitos humanos. Daí que sejam de elogiar as atitudes e o discurso do Presidente da República e do primeiro-ministro.
REFERÊNCIAS:
Partidos PS
Um "progresso" diz o PS, mas no sentido de dar "prémio à extrema-direita", diz BE
O acordo do Conselho Europeu não foi do agrado dos partidos portugueses, por razões diferentes. (...)

Um "progresso" diz o PS, mas no sentido de dar "prémio à extrema-direita", diz BE
MINORIA(S): Migrantes Pontuação: 11 Refugiados Pontuação: 11 | Sentimento 0.080
DATA: 2018-06-30 | Jornal Público
SUMÁRIO: O acordo do Conselho Europeu não foi do agrado dos partidos portugueses, por razões diferentes.
TEXTO: O debate sobre as migrações e sobre refugiados tem andado no Parlamento, à porta pequena, e não será agora que vai tomar um lugar central nas discussões. Mas os partidos não quiseram ficar do lado de fora das opiniões sobre o acordo alcançado no Conselho Europeu e pelas ideias dos diferentes deputados percebe-se que o assunto não é consensual, nem tão pouco de fácil resolução. Os socialistas não adoram o acordo, mas consideram-no um "progresso" para o que existia. O presidente do partido e líder parlamentar, Carlos César, defendeu na Assembleia da República que o compromisso tem um lado bom, ao simbolizar um "progresso", que é o facto de o "princípio do acolhimento passar a ser uma orientação assumida globalmente pelos países da União Europeia", e que esse acolhimento passa a ter regras e critérios objectivos. "Este acordo dá passos positivos nesse sentido [de reforçar a solidariedade com os países do Mediterrâneo], mas ainda não é a Europa que nós gostaríamos de ter", defendeu aos jornalistas. O maior problema para os socialistas é a criação dos centros de acolhimento de refugiados no Norte de África. Não significa isso que a Europa acentua o seu isolamento e continua a "rejeitar" migrantes e refugiados? César responde que tem de se encarar o acordo como uma evolução das posições, sem nunca se referir aos campos de acolhimento, mas admite que "não será certamente a melhor solução, a que foi adoptada, mas será uma melhor solução do que a falta de solução que existe". A inexistência de uma solução melhor e a opção pelo mal menor parece ser o argumento em que se refugia o partido do Governo. O BE nota esse movimento dos socialistas e pede-lhes – através do executivo – que não se disponibilize o país para criar um dos centros de acolhimento que serão também criados em alguns estados-membros. José Manuel Pureza, deputado bloquista, tem uma visão bastante crítica sobre a posição de António Costa no Conselho Europeu, considerando a assinatura do acordo por parte de Portugal como um "acto errado, profundamente errado" e por isso pede ao Governo que se distancie desta solução. "Portugal não deve branquear as decisões que foram tomadas, deve acentuar, reforçar a sua política de acolhimento, seja de candidatos a protecção internacional seja de emigrantes, deve reforçar essa política e em nenhuma circunstância aceitar criar campos de detenção no interior do nosso território", defendeu em conversa com os jornalistas. Do ponto de vista político, o deputado não tem ilusões de que esta solução mais não foi do que usar o mal para combater a doença. Ou seja, "sob o pretexto de travar a extrema-direita, os países europeus aplicaram a política da extrema-direita". O acordo foi, nas palavras do deputado um "prémio" para os governos como de Viktor Orbán, na Hungria, ou de Matteo Salvini, o novo ministro do Interior de Itália que tem tomado posições extremadas em relação aos migrantes. Perante aquilo que considera ser a "autoridade moral e política" de Portugal nesta matéria, o BE defende pois que o Governo "deveria ter vetado esta decisão" e que, "ao não o fazer, vincula Portugal a um acordo que tem na satisfação dos governos de Orbán e de Salvini o seu pagamento mais sórdido". Por motivos diferentes, também o CDS não ficou satisfeito com o que foi alcançado já de madrugada entre os líderes europeus. O líder parlamentar centrista, Nuno Magalhães, defendeu que "este conselho foi uma desilusão", porque "mais uma vez a União Europeia anuncia princípios e tem muito poucas acções". "Nada parece ter mudado. A vergonha a que temos assistido nos mares europeus vai continuar, é um conjunto de intenções, umas boas outras nem por isso, mas não passam disso mesmo", defendeu o deputado, sem adiantar quais as medidas que considera boas e quais as que não gosta. Questionado sobre se este acordo dá força às posições de extrema-direita, Nuno Magalhães respondeu que "o que alimenta a extrema-direita é prometer tudo a todos e depois não dar nada a ninguém". Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Em termos de política migratória, um assunto que tem sido tratado com pinças e muita cautela, o centrista defendeu que "a Europa tem de ser rigorosa no controlo da imigração ilegal, tem de ser intransigente e muito firme em relação às redes de pessoas que aproveitam o desespero de outros seres humanos e tem de ser humanista na integração". O PSD foi o único partido a saudar as conclusões do entendimento. Também em declarações aos jornalistas no Parlamento, a vice-presidente da bancada parlamentar Rubina Berardo saudou o acordo dizendo que "é uma questão positiva haver conclusões conjuntas por parte dos Estados-membros”, uma vez que "tem de haver uma solução conjunta para um problema que é conjunto, não pode haver soluções unilaterais" por parte de alguns Estados-membros. A deputada espera ainda saber qual é o posicionamento do Governo sobre a reformulação das regras relativas à migração secundária, que considera não ter ficado bem explicada no encontro dos líderes europeus.
REFERÊNCIAS:
Partidos PSD BE
Mais uma crise de políticos, por políticos e para políticos
Salvini, Seehofer e Orbán não querem resolver qualquer problema. As suas estratégias políticas passam pela persistência de uma imagem de “crise”. (...)

Mais uma crise de políticos, por políticos e para políticos
MINORIA(S): Migrantes Pontuação: 11 Refugiados Pontuação: 11 | Sentimento 0.0
DATA: 2018-07-31 | Jornal Público
SUMÁRIO: Salvini, Seehofer e Orbán não querem resolver qualquer problema. As suas estratégias políticas passam pela persistência de uma imagem de “crise”.
TEXTO: Quem ouvir as notícias de mais uma ansiosa cimeira europeia, desta vez por causa dos refugiados e imigrantes, e quem ler os artigos que prognosticam uma fragmentação da UE caso o assunto não fique resolvido, pode ficar sob a justificada impressão de que a Europa está a viver uma nova e maior vaga de chegadas de refugiados e imigrantes, certo? Errado. Na verdade, o número de chegadas em 2018 diminuiu muitíssimo em relação aos anos anteriores, sendo agora menos de um quinto do que foi em 2015. O número de requerentes de asilo baixou em cerca de um quarto no ano passado, e este ano deve baixar mais do que isso. Se olharmos para os números, aquilo a que chamaram a crise de refugiados está a acabar, no sentido em que se regressou aos números de antes da “crise”. Se ouvirmos o que dizem certos políticos, como os ministros do Interior como o italiano Matteo Salvini ou o alemão Horst Seehofer (da CSU bávara, que deu a Angela Merkel um prazo de duas semanas para “resolver o problema” antes de provocar uma crise no governo alemão), parecerá que estamos no pico da crise. Estas não são, pois, crises de refugiados ou de imigrantes. São crises de políticos, amplificadas por políticos para consumo político. Nada define tão claramente a manipulação cínica do tema do asilo e da imigração como as alianças políticas que agora se criam. Se ouvirmos os discursos de Matteo Salvini e Viktor Orbán, por exemplo, rapidamente veremos que eles querem coisas opostas. Salvini, como todos os políticos italianos, queixa-se que a Itália foi deixada sozinha a gerir uma crise europeia e pede aos outros Estados-membros que recebam mais refugiados entrados por Itália. Orbán, pelo seu lado, insiste em recusar receber na Hungria quaisquer refugiados provindos da Itália. Pela lógica e pelos factos, um e outro deveriam ser adversários na política europeia. E no entanto são aliados. Porquê? Porque a ambos lhes é absolutamente indiferente a realidade do tema que estão a discutir. Só lhes interessa a percepção pública desse tema, e desse ponto de vista são aliados. Inversamente, a maior aliada de Salvini deveria ser Merkel, que aceitou receber um milhão de refugiados dos países do Sul da UE. Mas não. O aliado de Salvini no governo alemão é Seehofer, que quer fechar as fronteiras alemãs a refugiados vindos de Itália. O que se passa aqui? Para políticos como Salvini e Seehofer só uma coisa é importante: as sondagens feitas em todos os países da UE que dão agora sistematicamente como maiores preocupações dos europeus a imigração e o terrorismo. Isto não acontece porque estejamos a viver um pico de imigração ou de atividade terrorista, mas porque as maiores preocupações de antes — desemprego, o estado do euro, a crise económica — passaram agora para lugares mais baixos da tabela. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Se estes políticos quisessem de facto oferecer uma solução para as preocupações dos europeus, teriam um caminho fácil para encontrar uma solução funcional e consensual para as questões do asilo e da imigração: investir na reinstalação de refugiados feita a partir dos campos em ordem e segurança (em vez da atual relocalização feita à pressa nas fronteiras); estabelecer escritórios do EASO (Gabinete Europeu de Apoio em Matéria de Asilo) nos países de trânsito, para receber os pedidos de asilo lá e lá lhes responder; criar canais legais de imigração em coordenação com as políticas de desenvolvimento, nos países de origem dos imigrantes; robustecer o antigo Fundo de Integração para os cursos de línguas, de integração cultural e de formação profissional para os imigrantes de que a Europa precisa e os refugiados que tem a obrigação legal e moral de acolher. Uma vez criadas estas condições de estabilidade seria mais fácil combater o tráfico de seres humanos no Mediterrâneo e diminuir em muito a imigração indocumentada, que se tornaria indesejável. E atenção: estou só a falar das medidas mais banais e conhecidas, aquelas que num ambiente político normal não teriam dificuldade em sair de uma cimeira europeia (eu defendo, por outro lado, a criação de um passaporte humanitário internacional para os refugiados, que imediatamente acabaria com o tráfico de refugiados e as mortes destes em alto mar). Salvini, Seehofer e Orbán não querem resolver qualquer problema. Pelo contrário, as suas estratégias políticas passam pela persistência de uma imagem de “crise”. Por isso, da próxima cimeira é difícil que saia qualquer coisa. Não porque a Europa não possa. Mas antes porque alguns políticos na Europa não querem. O autor escreve segundo o novo Acordo Ortográfico
REFERÊNCIAS:
Entidades UE
Dinamarca: um partido mais radical do que a extrema-direita
O partido de extrema-direita DPP faz parte da coligação de Governo. Alguns descontentes formaram o Nye Borgerlige, que em 2019 pode chegar ao Parlamento. (...)

Dinamarca: um partido mais radical do que a extrema-direita
MINORIA(S): Migrantes Pontuação: 11 Homossexuais Pontuação: 6 Refugiados Pontuação: 11 | Sentimento 0.295
DATA: 2017-02-22 | Jornal Público
SUMÁRIO: O partido de extrema-direita DPP faz parte da coligação de Governo. Alguns descontentes formaram o Nye Borgerlige, que em 2019 pode chegar ao Parlamento.
TEXTO: A Dinamarca tem a sua própria versão da “geringonça” portuguesa, com o Governo minoritário de centro-direita a ser sustentado pelo apoio do Partido Popular Dinamarquês (DPP, na sigla em inglês), que se tornou a segunda força política do país nas eleições legislativas em 2015 – um cenário de governação que é comum devido ao sistema político do país, onde, desde 1909, nenhum partido consegue conquistar a maioria parlamentar sozinho. O DPP é um partido descrito como de direita populista ou, mesmo, de extrema-direita, levando o actual executivo a adoptar, por exemplo, algumas das medidas de imigração mais restritivas da Europa. Mas esta linha de actuação não foi suficiente para uma ala mais extremista do DPP. Aproveitando esta janela de oportunidade, Pernille Vermund, uma arquitecta de 41 anos, juntou-se a Peter Seier Christensen, um engenheiro de 49 anos, para formar o Nye Borgerlige (“A Nova Direita”, segundo a tradução aproximada para português, sendo que se podem utilizar expressões como "Novos Conservadores ou "Novos Burgueses"). O nome escolhido dá pistas sobre os objectivos do novo partido: a direita dinamarquesa não tem força suficiente e são necessárias novas políticas para que os “dinamarqueses recuperem a sua liberdade”. Vermund é a líder de facto e a cara do partido. Rebecca Adler-Nissen, professora de ciência política da Universidade de Copenhaga, explica ao PÚBLICO que como o “DPP se tornou um partido sistémico, a sua linha insurgente desgastou-se, abrindo espaço na direita para um partido com um estilo mais oposicionista e um perfil ideologicamente mais puro”. No entanto, Adler-Nisse alerta para “o exagero” em relação às previsões de sucesso do Nye Borgerlige. O jornalista Henrik Kaufholz, actualmente no jornal Politiken, segue a mesma linha: “O Nye Borgerlige está basicamente insatisfeito com o papel do outro partido, o DPP, no lado direito do espectro político. Todos os assuntos são os mesmos, apenas um pouco mais radicais/consequentes”, diz este jornalista ao PÚBLICO. A política não é algo novo na vida de Vermund e Christensen. Ambos abandonaram o DPP, depois de Pernille não ter conseguido lugar como deputada nas últimas eleições. Arquitecta de formação, Vermund foi eleita em 2009 para o conselho municipal da sua cidade-natal, Helsingor, pelo DPP, tendo saído da organização em 2011, numa altura em que se divorciava e ficava com os três filhos a seu cargo. Depois surgiu a decisão de formarem um partido próprio e aqui a razão foi mais profunda: “Nós pensamos que os partidos que actualmente têm assento no Parlamento já não são verdadeiramente conservadores”, explicou Vermund ao Politico. E acrescenta que quer ir mais longe do que os partidos de direita actuais: “Nenhum dos partidos de direita existentes na Dinamarca é contra a União Europeia. Alguns deles são críticos, mas nenhum deles é crítico o suficiente para querer sair”. Fica assim lançada a pedra basilar da nova organização em relação à política europeia. Nascido em Outubro de 2015, o Nye Borgerlige conta com cerca de três mil membros, tendo conseguido reunir as 20. 109 assinaturas necessárias para concorrer ao Parlamento nacional nas próximas eleições legislativas, que estão marcadas para 2019. Em sensivelmente ano e meio, o Nye Borgerlige conseguiu já desbravar algum do caminho para se fazer ouvir no centro da política de Copenhaga. Algumas sondagens chegaram a dar ao partido um resultado entre os 2, 6% e os 4, 5%, situando-se assim acima dos 2% necessários para entrar no Parlamento. A criação desta nova organização surge também numa altura em que partidos da mesma linhagem política, a extrema-direita, começam a dar que falar em vários países europeus. É o caso da Frente Nacional de Marine Le Pen, em França; o Alternative für Deutschland (AfD – Alternativa para a Alemanha), que já conseguiu resultados históricos, provocando derrotas contundentes à CDU de Angela Merkel nas eleições regionais germânicas ou Geert Wilders, que lidera actualmente as sondagens para as eleições legislativas na Holanda que se realizam no próximo dia 15 de Março. Os ideais destas organizações não diferem muito: anti-União Europeia, anti-imigração ou o nacionalismo exacerbado são as principais bandeiras. Frases como “devolver o país aos seus cidadãos” é ponto comum em todos eles. O Nye Borgerlige não é excepção: “A burocracia da União Europeia é uma ameaça directa à prosperidade, progresso e democracia da Dinamarca. É tempo de a Dinamarca se erguer e dos dinamarqueses recuperarem a sua liberdade”, lê-se no site do partido, onde se explicam as bases e visões políticas do Nye Borgerlige. A saída da Europol, a polícia europeia, é também defendida, bem como o abandono ou a reforma da Convenção das Nações Unidas sobre o Estatuto dos Refugiados e dos apátridas. O novo partido defende também que a “Dinamarca não deve garantir mais asilo a refugiados espontâneos que cruzam ilegalmente a fronteira” e advoga que os estrangeiros condenados por crimes sejam expulsos do país. Henrik Kaufholz garante que a maioria da população dinamarquesa não se revê no corte unilateral com a União Europeia, mas em alguns aspectos existe um cepticismo mais ou menos generalizado: “De acordo com as sondagens, a maioria apoia a nossa associação à União Europeia, mas em muitos temas existe cepticismo. Nós não temos o euro e uma pequena maioria votou contra a Europol há um ano”. Questionada sobre se os dinamarqueses estão actualmente contra a União Europeia, a professora Rebecca Adler-Nissen não tem dúvidas: “Não, não são. A maioria apoia a União Europeia e ainda mais apoiaram depois do ‘Brexit’”. E, neste aspecto, Adler-Nissen diz que o Nye Borgerlige conseguiu “capitalizar a moderação do DPP neste tema nos anos recentes, especialmente desde que outros partidos de direita se começaram a mostrar pouco dispostos (ou incapazes) de apelar a um aumento do eurocepticismo na direita”. Numa conferência de imprensa em 2016, e depois de ter reunido as assinaturas necessárias para concorrer às próximas eleições, Vermund desenvolveu um pouco as suas ideias para fechar as fronteiras dinamarquesas: “Queremos acabar com os processos de pedidos de asilo na Dinamarca. Por isso, queremos que os estrangeiros tenham meios de se sustentar e queremos expulsar todos os estrangeiros culpados de crimes, à primeira condenação”, citava, na altura, a Euronews. Este tipo de propostas tem ganho, nos últimos tempos, espaço na política europeia, e não só, fundamentalmente devido à maior crise de refugiados desde a II Guerra Mundial. Com os países a enfrentarem dificuldades em gerir o processo de colocação das pessoas que fogem da guerra no Médio Oriente, os receios sobre segurança são, na maioria dos casos, o grande argumento para se fechar as portas. O Governo de Copenhaga anunciou, em 2015, uma proposta de lei que pretendia o corte para metade dos apoios estatais destinados aos imigrantes. Em 2016, a Dinamarca saltou para os jornais um pouco por todo o continente depois de decidir que todos os refugiados que chegam a território dinamarquês teriam de se deixar revistar e entregar o dinheiro ou todos os bens que possam valer mais de dez mil coroas (cerca de 1340 euros). Nesta medida exceptuava-se os objectos de “elevado valor sentimental”. Por esta altura, uma sondagem concluía que a crise dos refugiados era a principal preocupação de 70% da população. Em 2016, a Dinamarca recebeu o valor recorde de 20 mil pedidos de asilo de refugiados, um número, porém, muito inferior ao registado na vizinha Suécia. Mesmo assim, em Janeiro desse ano, 37% dos dinamarqueses discordavam da entrega de mais autorizações de residência do que aqueles que já tinham sido distribuídos. Esta percentagem contrasta com os cerca de 20% registados, sobre a mesma matéria, no mês de Setembro anterior. Em relação à imigração, segundo as estatísticas do Governo dinamarquês, em Janeiro deste ano contavam-se mais de 570 mil imigrantes entre uma população de mais de 5, 5 milhões de pessoas. No país, os muçulmananos representam 4% da população, sendo que a grande maioria (80%) professa o luteranismo. Estas decisões são um sinal do cenário político que actualmente rege a governação. O Governo é liderado pelo partido liberal Venstre, sendo sustentado por mais dois partidos, entre os quais o DPP, de cariz populista e anti-imigração, sendo o executivo obrigado a satisfazer, pontualmente, os desejos da segunda maior força do Parlamento. Apesar disso, a abordagem não tem sido suficiente para agradar a parte do eleitorado do DPP. Uma análise da Gallup, realizada no último mês de Novembro, demonstra que os apoiantes do Nye Borgerlige são, na sua maioria, antigos votantes do DPP. Um caso de alegado uso indevido de fundos europeus contribuiu também para que as projecções apontem que o Partido Popular possa perder 13 dos 37 deputados que actualmente compõem a sua bancada parlamentar. Kaufholz diz até que é no âmbito da imigração que o partido liderado por Vermund tem conseguido reunir mais apoios, sendo “mais extremista no que toca às restrições na imigração e asilos do que o DPP”. Por isso, está a “explorar mais votos daí, não conseguindo ganhar mais do resto do eleitorado”. O jornalista dinamarquês diz também que as características de Vermund ajudam no crescimento do partido, porque é uma líder “muito elegante que é muito boa na televisão e rádio”. O Facebook é outra das principais plataformas de comunicação do partido e da sua líder. Expondo as suas visões sobre a questão da imigração, Vermund lançou, numa publicação na rede social, a 17 de Fevereiro, uma série de perguntas aos que chegam à Dinamarca: “Se não tem a coragem para casar com um dinamarquês para aprender a língua dinamarquesa, perceber a nossa cultura e competências das pessoas, fazer parte da comunidade dinamarquesa, celebrar os festivais dinamarqueses e respeitar as normas e regras dinamarquesas, então porque é que sequer deseja a cidadania dinamarquesa?”. Outro dos temas escolhidos pela líder do novo partido foi o Islão. Fazendo acompanhar com uma fotografia de dois homens a beijarem-se, Vermund escreveu entre aspas na mesma rede social: “’A ideologia do Islão é tão abominável, nojenta, opressiva e homofóbica quanto o nazismo’. Pela liberdade, paz e liberalismo”. O Politico cita ainda uma entrevista de Vermund a uma televisão dinamarquesa para dizer que esta demonstrou pouca preparação em relação a outros assuntos. Em concreto, pouco disse sobre pensões, transportes públicos ou saúde. Em Novembro, nas eleições locais, o partido terá a primeira oportunidade para medir o impacto da sua chegada. Para já o objectivo do Nye Borgerlige é ter um candidato em cada conselho local. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Sobre o futuro imediato da nova organização política, concretamente em relação à próxima legislatura governativa, Kaufholz diz que é “completamente impossível neste momento dar um prognóstico sobre a maioria do próximo Parlamento”, isto porque “a Dinamarca tem muitos partidos políticos”, o que dificulta as previsões. Mas avisa para um cenário em que o Nye Borgerlige pode fazer parte de uma eventual coligação de Governo. "Eu duvido disso", diz, no entanto, o jornalista, isto porque os partidos que fazem parte da solução governativa actual dão "más notícias dia após dia". "Não pensem que o Nye Borgerlige vai cair nessa armadilha", remata. Adler-Nissen não acredita ainda na possibilidade de o partido de extrema-direita chegar ao Parlamento, citando sondagens que lhe conferem 1, 7% dos votos, ainda insuficiente para conquistar assento parlamentar. Porém, a professora diz que “mesmo com esse resultado pode permanecer uma ameaça eleitoral para o DPP, forçando o DPP a manter a sua linha ideológica”. "Bairro europeu" é uma rubrica semanal com histórias que estão um pouco fora do radar das notícias nos países europeus
REFERÊNCIAS:
Palavras-chave homens guerra lei imigração cultura comunidade social
Imigrante terá morrido de frio ao passar fronteira entre EUA e Canadá
Autoridades locais falam num aumento de imigrantes que tentam atravessar a fronteira, desde que Donald Trump foi eleito Presidente. (...)

Imigrante terá morrido de frio ao passar fronteira entre EUA e Canadá
MINORIA(S): Homossexuais Pontuação: 2 Migrantes Pontuação: 21 Refugiados Pontuação: 11 | Sentimento -0.6
DATA: 2017-06-02 | Jornal Público
URL: https://arquivo.pt/wayback/20170602175655/https://www.publico.pt/n1774195
SUMÁRIO: Autoridades locais falam num aumento de imigrantes que tentam atravessar a fronteira, desde que Donald Trump foi eleito Presidente.
TEXTO: Uma mulher de 57 anos, Mavis Otuteye, foi encontrada morta na fronteira entre o Minnesota, nos EUA, e Manitoba, no Canadá, pelo gabinete do xerife do Condado de Kittson e pela patrulha da fronteira norte-americana, noticia o Guardian. As autoridades acreditam que Mavis terá morrido por elevada exposição a baixas temperaturas e passava a fronteira para pedir asilo no Canadá. A primeira autópsia revela que a imigrante, que segundo as autoridades era natural do Gana, África Ocidental, terá morrido a 26 de Maio. Conclusões definitivas sobre a causa da morte ainda estão, contudo, por apurar. Uma responsável local de Emerson, uma comunidade da província de Manitoba, Canadá, anunciou que tem presenciado um aumento de pedidos de asilo por parte de imigrantes desde que Donald Trump foi eleito Presidente dos EUA. Greg Janzen explica que estas pessoas têm enfrentado temperaturas baixas e neve em direcção ao Canadá, como forma de contornar a política de imigração do Presidente norte-americano. “Alguém morreu a tentar chegar ao Canadá para pedir asilo. Foi algo que já pensámos que pudesse acontecer, mas não nesta época do ano”, conta Greg Janzen. De acordo a Polícia Montada, Manitoba interceptou 477 pessoas desde o início do ano. No entanto, o fenómeno estende-se por todo o país. Na Columbia britânica, foram contabilizados 233 imigrantes pela polícia, no mesmo período. No Quebeque, o número sobe para 1933. Mavis Otuteye é, contudo, a primeira morte confirmada. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. No ano passado, o caso de Seidu Mohammed chamou a atenção da imprensa internacional. O imigrante, também natural do Gana, perdeu todos os dedos por causa do frio, durante o mesmo percurso que Mavis fazia entre os EUA e o Canadá. Em Maio, a Comissão de Imigração e Refugiados canadiana deu permissão para que Mohammed permanecesse no país, explicando que seria demasiado perigoso o indivíduo regressar ao Gana, uma vez que é bissexual. As autoridades responsabilizam a morte de Mavis pelo acordo Safe Third Country, que proíbe pessoas que já tenham procurado asilo nos EUA de fazerem o mesmo pedido, como refugiados, no Canadá. O acordo obriga, assim, a que muitos atravessem a fronteira ilegalmente, muitas vezes sob condições atmosféricas adversas e à noite, para que tenham os seus pedidos de asilo aprovados. Apesar do clima ter melhorado, as autoridades locais foram chamadas a socorrer pelo menos três imigrantes, desde o início de Maio.
REFERÊNCIAS:
Entidades EUA
“São pessoas iguais a mim, que tinham uma vida mais ou menos normal"
Jorge Sá, de 34 anos, e a companheira, Milica, de 38, passaram o mês a ajudar sírios, afegãos e iraquianos, na Sérvia. (...)

“São pessoas iguais a mim, que tinham uma vida mais ou menos normal"
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 Refugiados Pontuação: 11 | Sentimento 0.161
DATA: 2015-09-28 | Jornal Público
SUMÁRIO: Jorge Sá, de 34 anos, e a companheira, Milica, de 38, passaram o mês a ajudar sírios, afegãos e iraquianos, na Sérvia.
TEXTO: Cheguei a Belgrado, à Sérvia, a 10 de Setembro. Vim de férias. A minha companheira, Milica, é daqui. Fomos ver os pais dela e dois ou três dias depois estávamos a repartir bens de primeira necessidade entre as pessoas que passam pela cidade a caminho da União Europeia. Impossível ficar indiferente. Juntei-me à equipa de voluntários da CZA, uma organização não governamental local, de que a Milica já fazia parte. Duas vezes por dia, um grupo distribui pastas dentífricas, escovas de dentes, gel duche, champô, cuecas, meias, calçado – coisas pequenas; as pessoas estão em viagem, não podem carregar coisas grandes. Sou enfermeiro há oito anos – tenho experiência de trabalho em São Tomé, no Reino Unido, em Portugal. Não me lembro de me ter emocionado com as pessoas com quem lidei como profissional de saúde, mas emociono-me aqui. São pessoas iguais a mim, que tinham uma vida mais ou menos normal, um trabalho, uma casa, um cão, um gato, sei lá, e que, de um momento para outro, deixaram tudo para trás, fizeram-se ao caminho, quase sem nada, a não ser aquela força – uma força incrível. Tenho lido o que alguns têm escrito nas redes sociais. Há gente solidária e gente que não percebe o que está a acontecer, que não percebe que estas são pessoas que lutam pela vida delas, pela vida dos filhos delas quando os têm, e esbarram em obstáculos. Há um país que tem o exército à espera delas. Há um país que primeiro diz que deixa passar e depois diz que não. Há países que discutem se os acolhem ou não. Tenho ido a duas áreas, no centro de Belgrado, perto da estação de camionetas. Não são campos de refugiados no sentido clássico. É um parque com relva e árvores e outro com chão de alcatrão, que por norma é usado para feiras. As pessoas chegam aqui de camioneta e ficam umas horas, uma noite, à espera de uma mensagem, de uma chamada, de um sinal qualquer, e voltam a partir de camioneta. Não são todos sírios. Tenho conhecido pessoas oriundas da Síria, mas também do Afeganistão e do Iraque. Não falo árabe, curdo nem pastó. Falo inglês, gesticulo. Umas pessoas falam inglês, outras não. Recordo-me, por exemplo, de um grupo grande de afegãos, seriam uns 20 ou 25, só com um elemento que falava inglês. Eu falava com ele e ele traduzia para os outros e vice-versa. Nem todos querem falar. Tem de se dar espaço. Nem sempre dá tempo. É tudo mais ou menos rápido. Pergunto se precisam de alguma coisa, como está a correr, de onde vêm, para onde querem ir, se sabem para onde querem ir. Quando a Hungria decidiu erguer muros de arame farpado na fronteira com a Sérvia e a Croácia anunciou que deixaria toda a gente passar, tentámos dizer isso às pessoas, aconselhá-las a mudar a rota. Elas tinham saído dos países de origem há cinco, seis, sete dias. Não sabiam o que estava a acontecer. Estavam às escuras. Dissemos-lhes que não valia a pena irem por lá, que só iam gastar dinheiro, tempo, mas elas insistiam. A realidade muda de dia para dia, mas as pessoas continuaram a passar por aqui, vindos do Sul, da Grécia, em direcção ao Norte. Alguns não fazem ideia do que é a União Europeia. Não sabem que é uma união económica e política de 28 países. Só sabem que querem ir para “a Europa”. Quase todos querem chegar à Alemanha. Não sei se é pelo discurso da chanceler alemã, Angela Merkel, se pelo efeito de multidão. Não sei quantas pessoas estão aqui agora. Com tanta gente, a relva desapareceu do parque relvado. Ficou terra. Tem estado sol. No primeiro dia que vim ajudar tinha chovido. Era um lamaçal. O parque alcatroado tem um parque de estacionamento com dois pisos. As pessoas ocuparam o piso inferior. O estado sérvio tenta ser prestável. Há sempre água potável. Instalaram casas de banho portáteis num lado e noutro. Funcionários públicos limpam tudo várias vezes por dia. Há sempre uma equipa médica a trabalhar. Há sempre polícia. Os guardas não têm uma postura agressiva. Não sei o que dizem. Não falo servo-croata. Só posso avaliar a linguagem corporal. Sinto que o ambiente não é tenso. Não há muito para distribuir. Quase tudo o que aqui chega é doado por sérvios e os sérvios não têm muito para doar. Há uns dias chegou uma carinha da Cruz Vermelha com donativos de uma escola da Bósnia. Chegaram a tempo do nosso turno da noite. Estivemos a distribuir tudo o que eles trouxeram. Volto para Portugal na próxima terça-feira, dia 29 de Setembro. Quando chegar ao Porto, vou logo organizar uma recolha. Vou começar pelo círculo de amigos. Quero entrar em contacto com pessoas que já fizeram isto, Caravana Aylan Kurdi, e com outras que não fizeram mas querem fazer (jorgyte@gmail. com). Falta tudo aqui. Temos de nos mexer. Parece que é uma coisa muito distante, que passa nas televisões, com pessoas estranhas, mas não é, são pessoas como nós, à entrada da União Europeia.
REFERÊNCIAS:
2019: Ave, Europa, morituri te salutant
Quantos morrerão antes do tempo, neste novo ano, atravessando o mar e os muros que os separam do futuro que não chegarão a ter? (...)

2019: Ave, Europa, morituri te salutant
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 Migrantes Pontuação: 6 Refugiados Pontuação: 11 | Sentimento 0
DATA: 2018-12-31 | Jornal Público
SUMÁRIO: Quantos morrerão antes do tempo, neste novo ano, atravessando o mar e os muros que os separam do futuro que não chegarão a ter?
TEXTO: Consta que era assim que os gladiadores saudavam os Césares, em Roma, na arena do Coliseu, inspirados num episódio de batalha naval encenada pelo bizarro imperador Cláudio: “Ave, César, os que vão morrer te saúdam. ”O ano que vem vai ser tempo de morte para muita gente. Nenhum de nós sabe quando chega a nossa vez. Mas sabemos cada vez melhor que para muitos a Senhora da Foice passa e colhe muito antes do momento esperado ou devido. Por doença precoce quantas vezes evitável, catástrofe natural ou provocada por erro humano, ou conflito mortal para quem fica e para quem foge. Das invasões, das bombas, dos snipers ou da fome e da miséria, as pragas de mão humana que continuam a assolar o mundo de forma tão sinistra quanto desigual. A esperança de vida à nascença e a sua indecente variação mundial é prova evidente do elemento sorte que preside à nossa chegada ao círculo dos vivos. Poucas variáveis predizem melhor as nossas futuras oportunidades do que o sítio onde nascemos. Em 1948, a Declaração Universal dos Direitos Humanos foi aprovada pela Assembleia Geral das Nações Unidas, reunida em Paris, com os votos favoráveis de larga maioria dos então membros (48 em 58), nenhum voto contra e a abstenção de oito Estados (no essencial, os do “bloco comunista”, que entendiam que o documento não ia suficientemente longe), havendo ainda dois que não votaram (Iémen e Honduras). Comovente na sua generosidade, radical na sua ambição, desafiante na sua completude, visionário no seu alcance, o texto da Declaração Universal promete, entre outras coisas, refúgio aos perseguidos e um mínimo decente de vida a todas as pessoas, como direitos que pertencem a todos os seres humanos apenas pelo facto de o serem. “Toda a pessoa sujeita a perseguição tem o direito de procurar e de beneficiar de asilo em outros países”, reza o Art. 14. º 1, sobre refugiados. De forma realmente universal, o Art. 25. º 1 proclama que “Toda a pessoa tem direito a um nível de vida suficiente para lhe assegurar e à sua família a saúde e o bem-estar, principalmente quanto à alimentação, ao vestuário, ao alojamento, à assistência médica e ainda quanto aos serviços sociais necessários, e tem direito à segurança no desemprego, na doença, na invalidez, na viuvez, na velhice ou noutros casos de perda de meios de subsistência por circunstâncias independentes da sua vontade”. Mas o que verificamos é que quando os que se vêem obrigados a deixar para trás a sua casa, vida, família, amigos porque as suas convicções ou hábitos e formas de vida são perseguidas, ou porque a sua possibilidade de subsistência e dos seus é reduzida ou nula, alguns dos países mais afortunados do mundo viram-lhes as costas, erguem muros, guardas e políticas para estancar a “invasão”, muitas vezes esquecendo a sua própria origem ou o passado recente que os colocou em situação semelhante. Até o modesto Pacto das Migrações, assinado há dias em Marraquexe, já foi alvo de manifestações hostis de habitantes em solo europeu — em Bruxelas, o seu centro político mais evidente, geograficamente falando. Alguns países bem mais pobres e frágeis mostram bem maior generosidade em acolher quem foge da guerra, da insegurança e da miséria que ela sempre traz consigo. Quantos morrerão antes do tempo, neste novo ano, atravessando o mar, o deserto, as montanhas, os muros, os arames e os guardas ou as políticas nacionais ou europeias que os separam do futuro que não chegarão a ter?Quantos portos se negarão a deixar os navios atracar, quantos governos lhes dirão que batam a outra porta, quantos de “nós, europeus” (ainda não consegui entender bem o que isso seja), lhes fecharemos as nossas?Já que estamos em pleno Natal, lembremos que Jesus Cristo era refugiado, tendo fugido de morte certa para país estrangeiro pouco depois de nascer. Como eram ou são tantas personagens dos nossos passados históricos ou imaginários, tantos artistas e gente de ciência que regularmente celebramos. Os países mais desenvolvidos queixam-se de baixa natalidade e falta de população e mão-de-obra, olham apreensivos para o crescimento acelerado da China, mas não aceitam a riqueza material e espiritual, civilizacional que uma maior abertura à imigração lhes proporcionaria. Os nacionalismos populistas e os aproveitamentos dos baixos instintos do egoísmo humano muito têm feito para demonizar os estrangeiros, os imigrantes, os deserdados da Terra que buscam um futuro decente em países que, em muitos casos, enriqueceram à custa do subdesenvolvimento dos seus, feitos colónias, “ultramar”, territórios e populações submetidos à mais desumana e descarada exploração, quantas vezes a ferro e fogo. Legalmente, a escravatura e seus tráficos são história recente. Os caricatos “códigos indígenas” e as práticas coloniais de dominação e saque, ainda mais. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Vivemos no século em que a tecnologia avançada num país democrático europeu é capaz de produzir a maravilhosa nova Biblioteca Pública de Helsínquia, um “navio” de três andares equipado com os mais sofisticados instrumentos pedagógicos e comunicacionais, como relatado, por exemplo, no artigo de Thomas Rogers no New York Times de dia 6 de Dezembro passado. Não é estranho que a Europa da União não consiga encontrar alternativa decente ao vergonhoso acordo com a Turquia sobre como “despachar” os indesejados migrantes em busca de refúgio e de uma vida viável?Entre a fragmentação interna e a intolerância que vai tolerando ou até fomentando sobre o exterior migrante, a União Europeia não parece sequer capaz de responder como Cláudio terá feito, no relato de Suetónio, aos condenados que decidiu magnanimamente poupar: “Vão morrer? Talvez não. ”O poder de graça ou misericórdia é o outro lado do poder absoluto, despótico, tirânico. Quando a União Europeia ou os Estados Unidos deixam morrer às suas portas os novos membros do exército de reserva industrial do capitalismo global, o seu gesto de indiferença cruel em tudo se assemelha ao polegar caprichoso do Imperador no lugar de honra do circo do Coliseu de Roma.
REFERÊNCIAS:
Palavras-chave direitos morte guerra humanos imigração fome doença desemprego refugiado circo perseguição escravatura
Imigração: A Alemanha não quer mais "tolerados"
O Bundestag aprovou este mês uma lei que abre novas condições de integração aos imigrantes “tolerados” no território mas que também aponta a prisão a quem chega à Alemanha vindo de outro Estado-membro ou pelo tráfico do Mediterrâneo. “Pensava que a Europa era um lugar onde estaríamos seguros". (...)

Imigração: A Alemanha não quer mais "tolerados"
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 Africanos Pontuação: 2 Migrantes Pontuação: 21 Refugiados Pontuação: 11 | Sentimento 0.2
DATA: 2017-09-24 | Jornal Público
SUMÁRIO: O Bundestag aprovou este mês uma lei que abre novas condições de integração aos imigrantes “tolerados” no território mas que também aponta a prisão a quem chega à Alemanha vindo de outro Estado-membro ou pelo tráfico do Mediterrâneo. “Pensava que a Europa era um lugar onde estaríamos seguros".
TEXTO: Stephan Blay tenta fazer-nos entrar sem que estranhemos os preparos à casa. Não costuma receber visitas. Deixou de saber confiar. Assim que ouve o trinco da porta destravar-se, volta o corpo de braços abertos e declama: “Welcome to my prison [Bem-vindos à minha prisão]. ” Entramos. O chá fica a fazer. Ao lado estão malas afogadas em fita-cola, uma torre de livros e cadernos, dossiers, meias dobradas ao jeito de avó, chinelos, mantas, um Pai Natal que abana o braço como um gato da sorte, carregadores de telemóvel, champôs, um cinzeiro, uma ventoinha, uma televisão e um saco de maçãs (Stephan só come fruta). As paredes são como um diário. A verde, desenhou os irmãos como bonecos de escola primária: corpos de palito e cabeças desproporcionais com riscos de cabelo. Junto ao interruptor, lê-se o diálogo que lhe anda a “perturbar a cabeça”:— Sabes de onde vens?— Não é da tua conta. — Quem és tu?— Eu venho de onde venho. Sou quem sou. O músico e dançarino costa-marfinense vive nos arredores de Hamburgo há um ano e a polícia faz-lhe perguntas todas as semanas, “por estar na rua, por não estar, de dia, de noite, não interessa a fazer o quê”. Pedem-lhe os documentos, vasculham-lhe o passado com frequência. Numa daquelas manhãs em que acordou sem fôlego — porque “a vida torna-se demasiado louca quando a cabeça funciona 24 horas por dia” —, Stephan pegou na bicicleta e foi para a Holanda, “que é já ali”, aponta através da janela. Não sabia como, mas queria escapar ao estado de intermitência a que, na Alemanha, chamam Duldung (ou “Aussetzung der Abschiebung”, isto é, suspensão de deportação). Trata-se de um certificado de “tolerância” atribuído pelas autoridades em resposta a um segundo pedido de protecção internacional dentro da União Europeia (UE). Pode balançar-se para o lado da deportação ou para mais uns meses em terras germânicas e resulta da inoperância do actual sistema de asilo europeu, baseado no regulamento de Dublin III. Na tentativa de melhor definir a política de asilo nacional, o parlamento federal alemão aprovou este mês a revisão da lei de residência, alargando condições para a permanência de estrangeiros que já habitam no país, por um lado, e impondo restrições à entrada de novos migrantes. “Já tentaram prender-me dez ou 20 vezes. Há uns meses, vieram buscar-me porque um vizinho se queixou de que eu fazia barulho. Eu sou músico, preciso de cantar. Para mim, música não é barulho. Expliquei-lhes. ” Stephan estudou Música na Libéria, o país onde cresceu entre os estilhaços de 11 anos de guerra civil e de onde fugiu, em 2006, com três irmãos. “No meu país, quem não obedece às regras do chefe tem de sair, senão, matam-te durante a noite”, explica. O chefe, neste caso, era o pai, a quem Stephan rejeitou seguir os passos no islão. A primeira língua de terra que conheceu na Europa foi Lampedusa, há oito anos. Naquela noite, era uma espécie de “terra prometida”, avistada a bordo de um barco como um enxame de luzes. “Só queríamos segui-las; tudo o resto deixou de existir. ” O resto era um grande bloco aquático, sem pontos cardeais nem certezas, para quem viajava no acaso. “Quando estamos no mar, não sabemos para onde vamos. Estamos simplesmente ali e há um homem que nos leva. Se o barco encontra o lugar certo, sobrevivemos, mas se falha a direcção e não há mais comida, percebemos que a vida chegou ao fim”, relata Stephan, de pernas cruzadas sobre o chão. A história é como muitas outras — só no barco em que chegou este costa-marfinense iam mais 340 migrantes —, mas sempre diferente porque, em vez de contar números, conta pessoas. Continua na vida em Harsefeld, uma pacata vila montada numa planície verde, a 25 quilómetros de Hamburgo, onde partilha o apartamento de três quartos com cinco africanos de países diferentes. “O único problema é que não nos entendemos, porque eles falam árabe e eu inglês”, observa. Quando Stephan chegou a Itália, os irmãos propuseram-lhe que seguisse viagem com eles, para os Estados Unidos. Até que se compreendesse por que recusou, a história avançou muitas páginas, para no fim se tornar simples. “Não fui capaz, não sei nadar. E a viagem no Mediterrâneo bastou-me. ” Antes do mar temperado, haviam-lhe custado a terra da Libéria, da Costa do Marfim e do Burkina Faso e as areias do Mali, da Argélia e de Marrocos. Foram seis meses de travessia. “Fizemos [Stephan e três irmãos] algumas partes a pé, outras de carro. Havia carros da AMI e pessoas que fomos encontrando pelo caminho. Paguei 300 dólares para que me levassem do Mali para a Argélia. Dali até Marrocos, caminhámos durante a noite. Foi quando um de nós morreu no deserto. Não comíamos há sete dias e não tínhamos água para beber. Ele [um dos irmãos] não aguentou. ”Stephan sobreviveu porque a cabeça fê-lo cortar o braço com uma lâmina, e então bebeu o próprio sangue. Fê-lo durante três dias. “Já não tinha outros líquidos no corpo. Não transpirava e não urinava há dias. Sabia que se bebesse podia morrer, mas, se não bebesse, morria de certeza. ” Enquanto desfia a história, vai viajando pelas marcas que tem no corpo. A do braço está lá. A do rosto foi-lhe desenhada à nascença. Perguntamos se sentiu medo nesses seis meses em que se separava de África e, porque a pergunta lhe parece europeia, ri. “Sei que toda a gente morre. Se morremos novos, é porque se calhar era a altura. Voltar para um país em guerra é que não é opção. Lá, sim, morrer é certo. ”Em Marrocos, onde passou três semanas numa cave com os irmãos, a guerra foi outra. “Todas as noites a polícia aparecia. Chegava, batia-nos e ia-se embora. ” Os dias passavam lentos, mortos, sem comida, na espera de que o vento e o mar acalmassem para que os barcos não se fizessem náufragos. No último areal africano, os marroquinos vêem nos negros sinais de perigo, bocas vindas para lhes comer a terra, mãos prontas a causar estragos. Ao fim de alguns dias, Stephan soube que “se não se apanhasse um barco, ali não haveria nada”. Assim que o mar virou prata, cada um dos irmãos (não conseguiram ir juntos na mesma embarcação) pagou 1000 dólares como ingresso e 500 para o “agente”. Quando a Europa passou a ser terra debaixo dos pés, conduziram Stephan até Bolonha, o lugar “onde as pessoas são boas mas não há emprego”, descreve. Em Itália chamavam-lhe “problema político”. Nem no mercado negro havia trabalho, e também não era isso que lhe interessava — afinal de contas, Stephan quer ser professor de dança. Um dia, olhou para o visto de residência emitido pelas autoridades italianas e partiu rumo ao Norte da Alemanha. “Sempre pensei que, estando na União Europeia, o que era válido num país fosse válido noutro. ” Mas a lei não funciona assim. Daí o traço vermelho sobre o novo documento de identificação e o baptismo de Duldung, o “tolerado”. , que oferece a possibilidade de permanecer no país por um período limitado de tempo (definido pelas autoridades, segundo cada caso) a quem ainda não tenha pedido asilo ou tenha visto o seu pedido negado. É, portanto, uma suspensão do processo de deportação, que obriga à reavaliação periódica do estatuto do estrangeiro junto dos gabinetes de imigração. Alguns acusam as autoridades italianas de lhes terem oferecido 500 euros para que abandonassem o país. Outros simplesmente alegam desconhecer o regulamento de Dublin III, que desautoriza um segundo pedido de asilo dentro da União Europeia. “O problema é que não nos vêem como seres humanos”, analisa Gafar, porta-voz do grupo e a viver na Alemanha desde 2000, altura em que “todos, sem excepção, dormiam na rua”. O activista togolês levou dez anos a legalizar-se. Ainda assim, considera-se com sorte. “Sou dos poucos que se podem dizer integrados”, reconhece. Mas se a actual legislação já estivesse em vigor quando Gafar chegou à Europa, talvez os caminhos que tomou tivessem sido menos penosos. Aprovada a 2 de Julho pelo Bundestag, a revisão da lei de residência (a Aufenthaltsgesetz) tenta resolver a ineficácia do regulamento de Dublin, cuja “ideia original era que não existissem, de todo, requerentes de asilo na Alemanha, já que eles ficariam no primeiro país da UE que os recebesse e, caso cá chegassem, seriam enviados de volta”, enquadra Maximilian Popp, editor da secção Alemanha na revista Der Spiegel, numa conversa telefónica com a Revista 2. No ano passado, recorda o jornalista, “apenas 10% das pessoas que pediram asilo foram mandadas para trás”. Primeiro, porque antes desse envio as autoridades alemãs devem comunicar com as do primeiro país receptor e aguardar uma resposta, “que muitas vezes não chega”, esclarece Maximilian. Segundo, porque, não raras vezes, os tribunais locais e regionais tomam decisões distintas quanto ao destino de cada refugiado. E, finalmente, porque “o país tem seis meses para poder ‘devolver’ o estrangeiro ao país ao qual ele pediu asilo”, período durante o qual é possível escapar às autoridades recorrendo, por exemplo, ao princípio de caridade das igrejas alemãs. Somando todas as equações, a Alemanha acabou por tornar-se o maior receptor de refugiados da União Europeia — segundo o relatório do Gabinete Europeu de Apoio ao Asilo (divulgado a 8 de Julho), em 2014, o país recebeu 202. 645 requerimentos de protecção internacional, cerca de um terço do total de pedidos dirigidos à Europa. Mas talvez a recente alteração da lei — que a torna “ambivalente”, na opinião de Maximilian Pichl, jurista da Pro Asyl — traga mudanças ao trajecto ascendente do número de refugiados no país. Sobre a parte que se refere ao direito de permanência, a legislação abre as portas aos estrangeiros que vivam em território alemão há pelo menos oito anos (seis, caso existam menores na família; ou quatro, para menores de 21 anos que tenham frequentado o sistema de ensino nacional); que pratiquem um nível básico da língua alemã; que possuam um documento de identidade (ou possam, de alguma forma, prová-la); e que sejam economicamente independentes. O Governo anunciou a legislação como um passo em frente na integração de estrangeiros no sistema nacional, mas a principal queixa entre os requerentes de asilo político assenta precisamente no facto de não conseguirem independência económica, ou seja, emprego. Apesar de estarem autorizados a integrar o mercado de trabalho três meses após entrarem no país, o tempo investido em burocracias desde que se candidatam a uma oferta é muitas vezes suficiente para que ela se perca pelo caminho. Por outro lado, “a prioridade é dada aos alemães e imigrantes económicos”, argumenta o jornalista da revista Der Spiegel, que se questiona, por isso, sobre “quantas pessoas irão realmente beneficiar da nova lei”. Um grupo que não será certamente abrangido pela actual legislação, de acordo com Maximilian Pichl, são os maiores de 17 anos (não acompanhados por adultos) sem contacto com o ensino alemão. “Eles nunca terão acesso à autorização de permanência, uma vez que ela apenas se destina aos jovens até 21 anos que tenham frequentado a escola e que vivam cá há pelo menos quatro anos”, pormenoriza. Mas este não é o capítulo mais contestado da actual legislação. A crítica tem sido particularmente dura quanto aos critérios para a emissão dos términos de residência. Na prática, “a nova regulamentação significa que qualquer refugiado pode ser preso”, resume Pichl, uma vez que permite deter e expulsar (quase de imediato) estrangeiros que tentem esconder a sua identidade, que tenham pago a contrabandistas do Mediterrâneo para chegar à UE ou que tenham “abandonado um Estado-membro antes da conclusão do processo de análise do pedido de protecção internacional desenvolvido pelas autoridades”, como sustenta o diploma. Para Pichl, esta é “uma forte regressão na política de asilo alemã”, para além de “violar o regulamento de Dublin III, segundo o qual um refugiado não pode ser preso simplesmente por estar a decorrer o seu processo de pedido de asilo”, acusa a Pro Asyl. Também Maximilian Popp, o jornalista que tem acompanhado os desenvolvimentos desde a Primavera de 2014, altura em que o projecto de lei começou a ser discutido, a mudança no sistema legislativo é “inacreditável” e só pode servir “para assustar quem planeia vir para a Alemanha”, porque, na verdade, “não há espaço suficiente nas prisões para tanta gente”. A revolta de Edriçe é maior do que a vontade de se sentar. Quando aqui chegou, rejeitou o Duldung sugerido pelas autoridades. “É contra a lei dos direitos humanos e meio caminho para nos mandarem embora”, afirma. Ao lado, sobre caixotes transformados em sofá, os colegas encorajam-no a prosseguir. “Na Itália, deram-me documentos para poder viver e trabalhar, e todos nós pensámos que esses papéis eram válidos em toda a Europa. Só quando cheguei cá é que me explicaram que apenas valiam em Itália. Por causa disso, ainda não arranjei trabalho, como do lixo, vivo na rua. ”Como se sobrevive, então, neste regime de “tolerância”? “Há pessoas que estão aqui há mais de 20 anos sem papéis. Vivem com a ajuda da Igreja e de organizações [de solidariedade social] ou entram no mercado negro. Outras não sobrevivem, morrem nas ruas, ou enlouquecem”, responde Gafar. Mas além do que indica o imigrante do Togo, está também estabelecido pelo Governo que cada requerente de asilo tem direito a uma mensalidade de cerca de 350 euros e a um local para dormir, o que provoca contestação entre alguns alemães. “As pessoas acham que não queremos trabalhar porque recebemos um subsídio, mas eu gosto e preciso de trabalhar. Quero dar o meu contributo”, sustenta Jerry, de 30 anos, natural do Burundi. O problema, segundo Gafar, é que “aqui trabalha-se para que a Europa cresça, nunca para nós mesmos”. A conversa acende os ânimos. “Nós não precisamos da Europa para nada. Só viemos para cá por causa da guerra, que é uma guerra dos ocidentais, não nossa!”, lança Edriçe, enquanto Jerry aguarda o momento para a sua deixa: “Eu vim porque pensava que a Europa era um lugar onde estaria finalmente seguro, mas o que sinto aqui é pior. ” Mesmo se o olhar devolvido para trás mostra imagens de perseguição e de guerra, são muitos os viandantes de África e do Médio Oriente que, afinal, não querem ficar por terras frias. “Se perguntarem a dez pretos se eles querem ficar na Europa, vão responder que não. Aqui não há vida nem futuro para nós. Morremos”, teme Gafar. Tem sido contra essa impotência que se batem os membros do grupo Lampedusa in Hamburg. Em 2013, os primeiros cartazes gritavam: “We didn’t survive NATO war in Libya to die in the streets of Europe [Não sobrevivemos à guerra na Líbia para morrer nas ruas da Europa]. ” Em 2015, continuam a chegar diariamente fugitivos à tenda de Gafar, à procura de soluções, de respostas. Sentam-se sobre os edredões coloridos para ouvir como é a vida na Europa, como são os dias no país que a lidera. “Assim que lhes explicamos, muitos pegam nas malas e voltam para trás”, realça o porta-voz do grupo. Jerry aproxima-se para ampliar os testemunhos. Começa por falar da casa, chega ao supermercado. Dorme no mesmo quarto com quatro pessoas, num prédio de Wolfsburg onde vivem cerca de 150 imigrantes em situações semelhantes à sua. É também no quarto que cozinha. A conversa, agora apaziguada, parece retirar-lhe a expressão que carregava no rosto. “O final de cada dia é um alívio. É sinal de que o dia passou. ” Diz que o olham de lado, sente-se discriminado “a toda a hora, no supermercado, no autocarro, no médico, na rua”, e essas são as horas que mais custam a passar. Hamburgo não tem sido notada pelos meios de comunicação como uma cidade agreste no acolhimento de estrangeiros, mas no Leste alemão, demonstrações como as do grupo PEGIDA, contra a chamada “islamização da Europa”, são frequentes. No início deste ano, as ruas de Dresden foram semanalmente invadidas por manifestantes que se opunham à entrada de migrantes no país. Mas do acontecimento levantou-se quase em instantâneo o protesto de 35 mil pessoas contra a xenofobia e a favor de uma política mais inclusiva da parte de Berlim. Gafar admite que também em Hamburgo o apoio da população segue um movimento crescente. “Esquecemos os media, porque sempre que lhes explicamos o que se passa, saem daqui e dizem outra coisa; são manipulados pelo Governo. A partir daí, passámos a contar a nossa situação às pessoas, às escolas, a organizações humanitárias. Nas manifestações, elas juntam-se a nós. É também por isso que conseguimos manter-nos aqui. ”O Café Exil é um entre muitos pontos de encontro e de esclarecimento criados por activistas que oferecem consultoria e apoio em diferentes áreas, desde a jurídica à educacional. Funciona desde 1995, como resposta a um outro episódio marcante da legislação alemã sobre o asilo político: o de 26 de Maio de 1993, quando o Parlamento aprovou por grande maioria a reformulação do artigo 16 da Lei Fundamental, restringindo o direito ao asilo. A solução, recorda a Deutsche Welle, foi marcada por intensos debates e defendida pela União Democrata Cristã (CDU), então no Governo, que via na limitação do número de refugiados vindos da guerra na Jugoslávia a garantia da estabilidade social do país. Como atesta um dos voluntários do café, “embora as pessoas se esqueçam, a imigração em massa não é uma coisa dos últimos anos”. Nenhum deles quer nomes. “Referir o Café Exil basta. Aqui estamos todos ao mesmo nível”, consideram. A partir desta sala onde o chá e o café são à discrição e os biscoitos estão sobre as mesas, são criadas pontes com advogados e tradutores especializados, ajuda-se a preencher formulários e candidaturas, “entende-se o trabalho como um apoio político num sistema de racismo institucionalizado”, acusa a organização. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Maximilian Pichl não é tão extremista quando analisa o quadro global. Apesar da crítica persistente, o jurista da Pro Asyl reconhece que, “quanto à permissão de residência, as novas regras são progressivas e um passo na direcção certa” para o sistema alemão.
REFERÊNCIAS: