Nas mensagens de Ano Novo, PCP olha para dentro e BE para fora
De esperança falam Catarina Martins e Jerónimo de Sousa, mas a coordenadora bloquista centra-se no acolhimento aos refugiados e o líder comunista propõe “respostas duradouras” para os problemas nacionais. (...)

Nas mensagens de Ano Novo, PCP olha para dentro e BE para fora
MINORIA(S): Migrantes Pontuação: 6 Refugiados Pontuação: 9 | Sentimento 0.136
DATA: 2016-12-30 | Jornal Público
URL: https://arquivo.pt/wayback/20161230202136/https://www.publico.pt/n1756604
SUMÁRIO: De esperança falam Catarina Martins e Jerónimo de Sousa, mas a coordenadora bloquista centra-se no acolhimento aos refugiados e o líder comunista propõe “respostas duradouras” para os problemas nacionais.
TEXTO: Catarina Martins e Jerónimo de Sousa escolheram registos totalmente distintos para as mensagens de Ano Novo que gravaram em vídeo. Mas ambos falam de perigos e de esperança, ambos enaltecem o ano de 2016 em Portugal e fazem votos de que em 2017 se possa manter e aprofundar o rumo. Mas os cenários e o enquadramento não podiam ser mais contrastantes. A coordenadora do Bloco de Esquerda centra-se nos cenários de guerra na Síria e no Iraque para dizer que “2017 é o ano de todos os perigos, o maior de todos é o perigo de cairmos no medo”. “A Europa falhou em tudo e o pior é que falhou nos direitos humanos. (…) A Europa fechou-se”, diz Catarina Martins. E lamenta que a Europa tenha deixado “o mais pobre dos seus países, a Grécia, a gerir sozinha a maior crise humanitária”. Mas nesta Europa fechada, Catarina não encaixa Portugal. “Não podemos parar sozinhos a vergonha humanitária no Médio Oriente. Mas Portugal pode ser um exemplo na Europa, abrindo os braços aos refugiados com a generosidade que falta à mesquinha elite europeia”, defende a bloquista. Que elogia as virtudes lusas: “Somos um povo com sentido de humanidade”, diz, enquanto as imagens mostram Aristides de Sousa Mendes, o embaixador português que salvou centenas de vidas durante a II Guerra Mundial. “É essa força que vence todo o medo, toda a política de ódio, todos os demagogos, os muros e o arame farpado”, acrescenta, enquanto as imagens recordam acções de solidariedade nacionais com Timor Lorosae contra a opressão indonésia. “Portugal não é um país de medo, é um povo de solidariedade”, conclui a bloquista na mensagem em vídeo disponível no site Esquerda. net. E é já no fim que deixa a única referência à política interna desta mensagem: “Neste ano que passou, conseguimos provar à Europa que não é necessário empobrecer e castigar sempre os mais pobres. Agora, Portugal terá de fazer a sua parte no apoio aos refugiados e contra a lógica da guerra”. E por fim uma nota de esperança: “Faço votos para que em 2017 consigamos vencer todos os perigos”. Já Jerónimo de Sousa, que gravou uma mensagem a ser transmitida como tempo de antena, coloca todas as fichas na política interna. “2017 está aí e com ele desejamos e tudo faremos para que se renove e amplie o horizonte de esperança que a luta dos trabalhadores e do nosso povo abriu e com ela também a actual fase da vida política nacional”, começa o líder comunista. Jerónimo recorda “os avanços na reposição de rendimentos e dos direitos dos trabalhadores, no estímulo às micro, pequenas e médias empresas, o reforço da garantia dos direitos à saúde, à educação, à cultura, à segurança social”, sublinhando que o PCP neles participou com as suas propostas. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Na sua visão, os resultados desta nova fase “são ainda limitados porque limitadas são ainda as políticas e opções da acção governativa para dar resposta aos graves problemas nacionais que anos e anos de política de direita e de intervenção externa impuseram”. E recorda ainda as duras realidades do desemprego, o trabalho precário, a imigração de jovens, os baixos salários e reformas, as desigualdades sociais e regionais. “Portugal não pode deixar passar mais tempo adiando opções indispensáveis ao seu desenvolvimento”, proclama o secretário-geral do PCP, entrando sem medo nos territórios políticos que o afastam do PS. “A opção é encontrar uma resposta duradoura para os problemas nacionais” e esta passa por “enfrentar o problema da dívida, preparar o país para se libertar da submissão ao euro, rejeitar o tratado orçamental, assegurar o controlo público sobre a banca e o sector financeiro”. O sinal de esperança vem com o novo ano: “Vamos iniciar 2017 convictos que é possível dar um salto qualitativo na luta pela alternativa”, conseguir “novos e mais decisivos avanços no melhoramento das condições de vida do nosso povo”. E uma nota final de propaganda. “Podem contar com este partido, é com confiança que encaramos em 2017. É possível um Portugal mais justo, mais solidário e mais desenvolvido”.
REFERÊNCIAS:
Partidos PS PCP
A caminho das eleições, Austrália endurece política de asilo
Líder da oposição e provável vencedor das legislativas quer impedir refugiados de se instalarem definitivamente no país (...)

A caminho das eleições, Austrália endurece política de asilo
MINORIA(S): Migrantes Pontuação: 6 Refugiados Pontuação: 9 | Sentimento 0.0
DATA: 2013-08-16 | Jornal Público
SUMÁRIO: Líder da oposição e provável vencedor das legislativas quer impedir refugiados de se instalarem definitivamente no país
TEXTO: É mais um prego no caixão da política de asilo australiana. Tony Abbott, líder da oposição conservadora e provável vencedor das legislativas de Setembro, prometeu novas leis para que seja mais difícil aos refugiados instalarem-se de forma definitiva na Austrália, que assistiu nos últimos meses à chegada de uma nova vaga de barcos transportando imigrantes. “Este é o nosso país, somos nós que decidimos quem vem para cá”, disse o líder do Partido Liberal, retomando palavras de ordem que foram caras a John Howard, o último primeiro-ministro conservador australiano, antes da chegada dos trabalhistas ao poder. A três semanas das legislativas e quando todas as sondagens indicam que a imigração é, a par do arrefecimento da economia, um dos temas que mais preocupam os eleitores, os dois principais partidos tudo fazem para demonstrar firmeza. O primeiro-ministro Kevin Rudd, que regressou ao poder depois de derrotar Julia Gillard em eleições internas, desvendou no mês passado um plano que prevê que todos os que chegam indocumentados ao país serão transferidos para centros na Papuásia-Nova Guiné, que receberá apoios do Governo australiano para acolher os imigrantes. Agora, Abbott propõe que a Austrália passe a conceder apenas vistos temporários, válidos por três anos, a quem consiga obter o estatuto de refugiado. No final desse período, os processos serão reavaliados e quem não cumprir já os critérios poderá ser repatriado. O líder conservador – que tinha já anunciado a intenção de nomear um militar para chefiar as questões de asilo – quer também barrar o recurso aos tribunais a quem vir o seu pedido de asilo negado pelas autoridades. Segundo a imprensa australiana, as novas medidas deverão aplicar-se a cerca de 30 mil estrangeiros que aguardam no país o desfecho dos seus processos. Um porta-voz do líder conservador admitiu que a proibição de recurso aos tribunais poderá vir a ser declarada inconstitucional, bem como razão para novas críticas das Nações Unidas ao endurecimento das políticas de asilo australianas. Mas com vários assentos ao Parlamento a serem jogados em zonas onde a população é hostil à entrada de novos imigrantes a medida não deverá ser retirada do programa eleitoral. Só em 2012 chegaram à Austrália 15 mil candidatos a asilo, vindos sobretudo do Afeganistão, mas Irão, Iraque e Sri Lanka. A chegada, nos últimos meses, de uma nova vaga de barcos – alguns pouco mais do que jangadas improvisadas que muitas vezes não resistem à viagem – e as notícias de que a economia não vai continuar a crescer ao ritmo dos últimos anos voltaram a colocar o tema no topo da actualidade. Ainda assim, o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR) diz que o país, com 23 milhões de habitantes, recebeu apenas três por cento de todos os pedidos de asilo apresentados a nível mundial. Por comparação, a Noruega (que realizará eleições três dias depois da Austrália e onde a imigração é também um tema quente), recebeu no ano passado 40 mil imigrantes para uma população de apenas cinco milhões.
REFERÊNCIAS:
Palavras-chave imigração refugiado
Populações em fuga com intensificação dos combates entre as forças ucranianas e os rebeldes
Agência das Nações Unidas para os Refugiados alerta para o êxodo provocado pelo conflito, que pode deixar quase um milhão de desalojados. (...)

Populações em fuga com intensificação dos combates entre as forças ucranianas e os rebeldes
MINORIA(S): Migrantes Pontuação: 6 Refugiados Pontuação: 9 | Sentimento 0.0
DATA: 2014-08-05 | Jornal Público
SUMÁRIO: Agência das Nações Unidas para os Refugiados alerta para o êxodo provocado pelo conflito, que pode deixar quase um milhão de desalojados.
TEXTO: Os combates entre as forças do Exército nacional ucraniano e os rebeldes separatistas pró-russos intensificaram-se esta terça-feira na região Leste do país, fazendo antecipar uma nova vaga de refugiados. A insurreição separatista, que dura há mais de quatro meses, já levou cerca de 730 mil pessoas a abandonar a Ucrânia e procurar abrigo do outro lado da fronteira, em território russo — onde continua concentrado um largo contigente de tropas de Moscovo em exercícios militares. Os números relativos aos desalojados pelo conflito na Ucrânia foram avançados pelo Alto Comissariado das Nações Unidas ara os Refugiados (ACNUR), que manifestou a sua preocupação com o êxodo populacional e com as condições que estes refugiados estão a enfrentar e nas quais estão a sobreviver. “As pessoas que estão a cruzar a fronteira não são turistas, são famílias em fuga. Grande parte passa a fronteira a pé, com poucos pertences em sacos plásticos. Estão totalmente desprotegidos e desamparados”, salientou Vincent Cochetel, o director para a Europa daquela agência internacional. Os serviços de imigração russos confirmaram a entrega de 168 mil pedidos para a autorização de residência de cidadãos ucranianos desde o início do ano. Mas além dos ucranianos que escolheram fugir para a Rússia, os responsáveis da ONU referiram a existência de mais 117 mil pessoas que abandonaram as suas residências nas zonas de Donetsk e Lugansk em direcção a outras cidades ucranianas: um movimento migratório interno que cresce diariamente, com pelo menos mais 1200 refugiados a fugir do teatro de guerra a cada 24 horas. Desde Abril, a rebelião separatista provocou a morte de mais de 1100 pessoas: soldados ucranianos, combatentes pró-russos e civis, actualizou o comissariado da ONU para os Direitos Humanos. Os confrontos entre as tropas nacionais e os rebeldes separatistas prosseguiram esta terça-feira com ataques aéreos e ofensivas terrestres. Segundo informou o Governo de Kiev, o Exército teve 26 enfrentamentos directos com as forças pró-russas em 24 horas — que causaram a morte de três soldados e 46 feridos — e realizou várias missões aéreas que atingiram posições rebeldes e armazéns de equipamento militar. O Governo ucraniano denunciou ainda como uma “provocação” a realização de exercícios bélicos pelo Exército da Rússia na região de fronteira. Num comunicado conjunto do ministério da Defesa e dos Negócios Estrangeiros, Kiev exprimiu o seu “alarme” pela presença de um largo contingente militar, que inclui pelo menos uma centena de aviões de combate, junto à fronteira, e exigiu a imediata retirada das forças russas. “A Ucrânia considera que o prolongamento destas manobras sem precedentes junto à fronteira constitui uma provocação”, sublinhou o porta-voz do ministério da Defesa, Andrii Lisenko. Fontes militares citadas pela Reuters acusaram a Força Aérea russa de violação do espaço aéreo da Ucrânia, referindo a presença de drones e aviões de guerra do país vizinho no seu território. As mesmas fontes explicaram ainda que os combates tinham forçado 311 soldados e agentes alfandegários ucranianos a cruzar a fronteira para o lado da Rússia na segunda-feira: ontem, no regresso ao país, os homens (que estavam desarmados) foram recebidos a tiro pelos separatistas, que controlam a cidade de Horlivka, a cerca de 100 quilómetros da fronteira. Apesar da resistência dos rebeldes, o Exército da Ucrânia reclamou ganhos importantes no terreno. As tropas nacionais encontram-se agora em posição de avançar para as cidades de Donetsk e Lugansk, mas segundo garantiu Andri Lisenko, “não estamos a pensar em começar uma ofensiva. Qualquer acção será apenas para a libertação dessas cidades”, frisou.
REFERÊNCIAS:
Entidades ONU
Eva Raimann Cabral: Viena, 1939 - Lisboa, 2015: A diáspora de uma família
Houve um tempo em que Eva Raimann Cabral e a sua família foram refugiados. As circunstâncias eram outras, diferentes daquelas que se vivem actualmente na Europa. Os elementos comuns: a ameaça, a perda, o desmembramento. Esta é a história da diáspora de uma família judia, perseguida pelo nazismo. (...)

Eva Raimann Cabral: Viena, 1939 - Lisboa, 2015: A diáspora de uma família
MINORIA(S): Migrantes Pontuação: 6 Mulheres Pontuação: 2 Refugiados Pontuação: 9 | Sentimento 0.0
DATA: 2017-09-24 | Jornal Público
SUMÁRIO: Houve um tempo em que Eva Raimann Cabral e a sua família foram refugiados. As circunstâncias eram outras, diferentes daquelas que se vivem actualmente na Europa. Os elementos comuns: a ameaça, a perda, o desmembramento. Esta é a história da diáspora de uma família judia, perseguida pelo nazismo.
TEXTO: Há no seu discurso a nostalgia de um passado perdido. Há, sobretudo, a dor de não ter tido uma grande família. Avós por perto, tios e primos com quem brincar. Eva Raimann cresceu sozinha com os pais em La Paz, viveram no Brasil, casou-se com um português em 1965, adoptou o apelido Cabral. O discurso denota esta vida de um lado para o outro. Ora fala num português de Portugal, ora mantém expressões do português do Brasil. O português foi a sua quarta língua. Depois da morte do pai, em 1974, começou a reunir material disperso, maços de cartas, fotografias que contam histórias, a procurar ramos de uma árvore que se tinha espraiado pelo mundo. Viu-se sempre como um passarinho, vida fácil de transplantar, apesar das saudades. E a criar raízes, com os filhos, os netos, o livro Árvore com Asas, Passarinho com Raízes. Em 2005 promoveu uma festa, onde estiveram familiares da geração dos seus pais, da sua, das seguintes. Fizeram um mapa dos países onde nasceram e viveram: Estados Unidos, México, Brasil, Bolívia, Portugal, Espanha, Holanda, Inglaterra, Áustria, República Checa, Polónia, Israel, Austrália. Se a sua família é uma árvore, a copa é frondosa, as raízes intermináveis. Eva Raimann Cabral estudou Engenharia Electrotécnica. É uma senhora de 78 anos, sorriso vivo. Gostava de deixar um testemunho de tolerância. Não foi uma história contada, foi vivida. Eu tinha um ano quando houve o, era uma criancinha. Os meus pais aperceberam-se de que a coisa não estava bem. O meu pai foi posto fora do trabalho, segundo as leis de Hitler. Os jovens casais [da família], os irmãos, cunhados, emigraram todos. A árvore com raízes [de que falo no meu livro], uma família enraizada no império austro-húngaro, de origem judaica, espalhou-se pelo mundo. O meu pai formou-se primeiro em Farmácia. (Foi quando conheceu a minha mãe. Não era muito comum as raparigas tirarem um curso superior. ) Depois fez um doutoramento em Química. Começou a trabalhar na indústria farmacêutica, em pesquisa. Sempre gostou muito do trabalho. Um dia foi chamado. . . “O senhor está despedido, sem direito a indemnização. ” Foi um desgosto muito grande. Anos mais tarde, encontrei, em folhas soltas de um diário, o desabafo do meu pai. Mas esse despedimento salvou-nos a vida! Ele percebeu que as coisas estavam a ficar complicadas. E procuraram sair. Ele tinha 31 e a minha mãe 30. Saíram, assim como os irmãos, de cada um deles, cada um de forma diferente. Cada um para onde pôde. Sim. A família próxima estava em Viena. O meu pai nasceu em Praga, mas mudou-se pequeno para a Áustria. O nome dele é Egon Raimann. E no meio Zdenko, nome checo. A minha mãe: Margaretha, Schlesinger de solteira, Raimann de casada. [Depois do despedimento], foi tempo de arrumar as coisas e entrar nas filas onde davam vistos. O meu pai começou, não sei porquê, por tentar a África do Sul. Depois soube que havia facilidades para a Bolívia e arranjou logo um visto para a Bolívia. Poucos. Quando nasci, a minha mãe deixou de trabalhar. Estava passeando comigo no Belvedere [palácio e jardim em Viena], que era perto da casa onde morávamos, e viu a Gestapo a entrar no prédio, onde morava também o irmão dela. Então, deu uma volta e, quando retornou a casa, a Gestapo tinha levado o meu tio. O único irmão. Mais um sinal de que as coisas estavam mal. Nunca soube bem como é que o tinham libertado, mas um primo que conheci recentemente contou que havia meios e com isso conseguiram que o pai [dele] saísse. Esses, como tinham família nos Estados Unidos, tiveram a sorte de poder emigrar para lá. Outro irmão do meu pai [tinha cometido, segundo a lei alemã], um crime tremendo: era casado com uma ariana. Tinha conspurcado uma ariana. Saiu rápido e foi parar ao México. Uma outra tia, cujo marido era socialista e jornalista, no dia em que Hitler entrou por um lado, saiu de bicicleta pelo outro. Parece que foi até à Finlândia, de bicicleta. Toda essa geração de irmãos e cunhados, no mesmo ano, saiu. Ficaram 33, do lado do meu pai — que morreram depois nos campos de concentração. Os meus avós maternos já tinham falecido. Os paternos não quiseram sair. Há um álbum que o meu pai fez com fotografias, que eu achava patéticas, do último dia em que foram visitá-los. Em Maio de 1938. Não sei se os meus avós saberiam que era uma despedida do filho. Angustia pensar nisso. No momento, eles não quiseram sair. Não acreditavam que fosse resultar numa coisa assim. Mas, depois, o meu avô tinha um estabelecimento comercial. Quando os nazis entraram por lá, “compraram” o equipamento, as máquinas, por um preço irrisório. Aí deram-se conta do que estava a acontecer e quiseram sair. Já foi tarde. Foram para os campos de concentração. Dentro daquele círculo mais fechado, de irmãos do meu pai, e o irmão da minha mãe, já todos casados, não sei dizer. Porque não falavam muito. Meu pai, então, falava-me muito pouco. A sorte é que a irmã querida dele, que foi parar primeiro a Londres, onde passou a guerra, e depois à Austrália, escreveu para os netos dela. AHanna. A minha tia, sabiamente, deixou um escrito sobre a família, que eu traduzo no meu livro, e que foi importante inclusive para mim. Fui tendo memórias muito antigas, pontuais, mas não conhecia esses detalhes. Fomos de barco a partir da Holanda. Aí tem cenas heróicas, não se podia levar quase nada. Os meus pais conheceram uns holandeses, amigos de amigos, que nos levaram jóias, algum dinheiro. Embarcaram num navio, foram de Amesterdão até Arica, no Chile. E de lá de trem [comboio] até La Paz. O destino era La Paz. Havia visto de entrada para os três. Uns baús. Me lembro que havia um enxoval bordado da minha mãe. O meu pai levou o acordeão. Livros, objectos de cozinha. A minha cama de grades de metal, pintada de vermelho, onde cabia eu com minha mãe nas noites de insónia. De uns amigos de amigos. Não podiam levar com eles mais do que aliança, um relógio e talheres de prata, um serviço para seis pessoas. Era provável. Eu tenho a lista, assinada pelos nazis, da compra dos artigos [da minha família, que ficaram]. Ouro ou jóias era ao preço bruto, do grama de ouro. Podia, depois da guerra, ter reclamado várias coisas. Por ter tido de sair, por não me ter criado lá. Mas deixei essas coisas de lado, envolvia muitas diligências. A única coisa que ainda me interessou, e tive vontade de fazer, foi [recuperar] uma casa perto de Praga, em Senohrab. Era uma casa de Verão que o meu avô comprou. Reunia lá a família toda. Percebi que os daquela geração, na Bolívia, no México, na Austrália, sonhavam com aquela casa. E aquela casa foi tomada, primeiro pelos nazis, depois pelos comunistas. Pensei que compraria aquela casa, junto com família que ainda tenho lá, e que faria uma casa de Verão para crianças desfavorecidas. Em homenagem às boas lembranças [da geração do meu pai]. Mas era um bocado utópico, precisava de deixar tudo para fazer isso. E que não cabia nas licenças. Fomos parar na Bolívia. Lembro-me da primeira casa, muito modesta. Um austríaco, judeu, com formação superior, habituado a muita família. Mas outros emigrantes (austríacos, checos) foram parar na Bolívia, também. Com filhos de emigrantes, amigos dos meus pais. Depois fui para um colégio americano. As minhas primeiras línguas foram alemão em casa, inglês na escola e espanhol da Bolívia. Português foi a quarta língua. Meu pai estudou espanhol já lá, em poucos meses. Vou contar como é que o meu pai, financeiramente, enquanto outros tinham mais problemas, se deu bem. Pelo menos não passámos muito aperto. Naquele clima da Bolívia, eu e a minha mãe sofremos bastante. No meu primeiro problema de garganta e nariz, mal chegámos, chamou-se um médico. Começaram a conversar: “O senhor é doutor em Química? Eu estou na universidade. . . ” Desde que chegou até que saiu, o meu pai foi professor da Universidade de La Paz. Além disso, como havia falhas nessas áreas na Bolívia, foi contratado para a escola militar, também como professor de Química. Não. A primeira casa era praticamente uma divisão. É das minhas primeiras lembranças na Bolívia: o meu pai fazendo móveis. Uma mesa. Achava que o meu pai era o máximo. Rapidamente mudámos para um andar maior, com quarto para toda a gente. Convivi muito com os filhos de um casal misto (um católico, o outro não). Ela era médica, trabalhava num hospital, os filhos andavam numa escola pública. A filha deles queixava-se de que nós vivíamos bem: tínhamos um gato. Nunca pensei que ter um gato pudesse ser um luxo, mas, pelos vistos, era. A filha escreveu numa carta: “Nós só tínhamos ratos. ”Lembro do gato, há fotografias. A informação era a dos jornais. E a dos cinemas. Antes do filme, passavam as notícias. Uma semana depois. Telefone, nunca. Telegrama, para coisas importantes. As cartas eram em papel fininho, escritas dos dois lados. Mandar cartas era muito caro. E levava muito tempo. O meu pai, muito metódico, fazia cópias em papel químico das cartas que mandava àHanna. Quando ele morreu, encontrei um dossier com as cartas trocadas ao longo dos anos. Há dois sobreviventes, os primos mais novos dos meus pais. Um deles trabalhava na cozinha, se calhar tinha mais facilidade, por isso, de sobreviver. Os reencontros e a informação, entre os que sobreviveram, fez-se através de carta. Dos que faleceram, não sei. AHanna, depois da guerra, casou com um oficial judeu da Polónia (a quem tinham matado a mulher e o filho). Refez a vida com este senhor, teve uma filha já bastante tarde. A outra irmã do meu pai, que foi directo para a Austrália, era casada com um judeu. Teve uma criança nascida em Viena, que tem um mês de diferença de mim. Para as outras pessoas, não é nada de extraordinário, porque cresceram com os primos; mas eu só fui encontrar essa prima 50 anos depois! E nos rimos muito. Nós éramos. Não lembro de expressão nenhuma. Além de um respeito muito grande pelas pessoas (mas isso não precisa ser específico judeu, devia ser de todas as religiões, de todas as pessoas), não tive grande educação religiosa. Porém, o nosso certificado de nascimento vinha da Jüdische Gemeinde, da comunidade judia. E era legal. Não. Fui para conhecer. E também se havia alguma solenidade, um casamento. Havia um clube austríaco na Bolívia, para refugiados, onde a minha mãe queria se inscrever. Mas o meu pai era avesso a qualquer tipo de associação. Se achasse que tinha de entrar por razões políticas ou de sobrevivência, assim que podia, saía. A única onde entrou foi o Iate Clube da Bahia, porque eu já era mocinha e gostava de dançar. E o Clube de Xadrez, porque gostava de xadrez. Tenho pensado nisso ultimamente, é terrível ver o que se passa. Muitas pessoas fogem sem passaporte. Umas por perseguições e outras por razões económicas. Se nos colocarmos na pele deles, é natural. Mas naquela altura ninguém saía por razões económicas, era tudo por perseguições. E as pessoas só podiam sair com visto de entrada no país [que as recebia], era bem diferente. É facílimo o Estado Islâmico imiscuir-se. . . O que não invalida que aquelas pessoas precisem de [apoio]. A gente não pode ficar impassível ao ver aquele sofrimento. Agora, solução?, não sei, não sei dizer-lhe mais nada. Não sei se constava “refugiados”. Tinham de acrescentar o nome Israel, os homens, e Sara, as mulheres. E havia um carimbo, a vermelho, com um “J”, de[judeu]. Havia uma discriminação nas saídas e nos vistos. E mais tarde já não deixavam sair. Do ponto de vista social, havia muita instabilidade na Bolívia. Um filho de judeus amigos nossos morreu dentro de casa, com uma bala perdida. Vimos o Presidente ser morto, Villarroel, pendurado pela gravata na praça pública [1946]. E durante alguns dias era proibido usar gravatas. Outra lembrança dessa instabilidade: ia para a escola, sozinha, e passava pela casa de um político chamado Víctor Paz Estenssoro, que era também do MNR, Movimento Nacionalista Revolucionário. A casa tinha sido revistada, papéis pela rua. E ouvia-se uma música: “”Ceará, Fortaleza, clima quente, contrário ao da Bolívia. Primeira sensação: a liberdade de poder andar descalça e com pouca roupa. Estava sempre agasalhada [em La Paz], a minha mãe tinha feito umas calças que eu usava tipo, de lã de lama. Não saía da cama sem ser já calçada. E no Brasil, os banhos de mar, a água quentinha! Eu não conhecia a praia (até essa altura). Na Bolívia fazíamos passeios, bem agasalhados, uns cantis com chá. Em Fortaleza, fizemos logo amizade com os vizinhos. O meu pai construiu uma mesa de pingue-pongue. A Áustria significava o lugar onde eu tinha nascido, onde os meus pais tinham casado. Coisas boas, não da guerra. Muito adiante, a primeira vez que fui a Viena, já com vinte e poucos anos, fiquei em êxtase. Vi uma[rua] e desatei a chorar. Escrevi para os meus pais e o meu pai respondeu: “Bom, eu não posso dizer que tenha lembranças assim tão boas de Viena. ” Essa frase significa tudo. Eu sabia que havia guerra, que havia perseguições, mas assim ao longe. Na Bolívia, uma vez voltando da escola, ouvi um menino insultando outro: “. ” Cheguei a casa e contei à minha mãe, divertida, os dois nomes feios. Foi aí que a minha mãe me disse: “Bom, nenhum deles é pejorativo. Você, índia não é, mas é judia. ”O meu pai morreu em 74. Anos antes, fez uma árvore genealógica. Reuniu documentos, foi a Praga e a Viena, não localizou ninguém. A partir da correspondência com a minha tia, sei que queria rever os irmãos. Mas não deu resultado. Ele e aHanna nunca mais se viram. Formou-se em Engenharia Electrotécnica, no Brasil. Fez logo depois uma especialização de um ano em França. Em França conheci um português com o qual sou casada já há mais de 50 anos. Daí a minha vinda para Portugal, em 1965. Fê-la para a minha mãe, para as filhas (tinha nascido a minha irmã Ruth, já no Brasil, em 1950). É uma forma de rever a nossa vida, intensamente. Foi o que tentei fazer no meu livro: continuar a olhar para as nossas raízes. Não, é de uma família tradicional, católica. Eu tenho uma prima que me convidou para um casamento em Israel, da neta. Vi que eram muito praticantes. Na sexta-feira não podíamos pegar carro. Era uma criatura amorosa, mas muito estrita na religião. Quando ganhei mais intimidade, perguntei: “Kate, eu não fui educada assim, você foi?” Ela disse: “Eu fui educada como você, como seu pai foi educado. Mas casei com um homem muito religioso. Se eu não passasse a observar [este comportamento religioso], íamos ter problemas. ” Pensei: “Engraçado, casei com um homem católico e se há um lugar onde nunca tivemos problemas foi na religião. ”Casámos no religioso porque o meu marido fazia questão. Eu só tinha uma objecção, não me baptizava. Havia os casamentos mistos, foi difícil encontrar um padre que o fizesse. Depois ficámos muito amigos dele. O primeiro contacto foi com aHanna. Passámos as duas 48 horas, eu dando testemunho do irmão querido depois da separação, e ela me dando do antes. Isso foi maravilhoso. Essa ansiedade não aparecia muito. Era mais do presente que contavam. Fotografias dos filhos, o como é que viviam. O meu pai a contar como é que construiu a primeira casa dele. A minha tia a dizer que na Austrália isso era inconcebível, pagar uma casa daquelas. Na minha tia, sim. Não sei se nas cartas, mas a mim ela disse: “Porquê eu? Porque é que eu posso visitar esta casa na República Checa e os outros não podem mais? Porque é que eu tive essa oportunidade e os outros morreram?”Houve várias na Austrália com a família do meu pai. A festa grande com descendentes das famílias do meu pai e da minha mãe foi em 2005, aqui em Lisboa. Uma semana com conversas. Foi uma festa que eles [os meus pais, os da geração dos meus pais] mereciam ter e que ninguém teve. Esse primo dos Estados Unidos, eu procurava desesperadamente [mostra fotografia]. Depois descobri que eles também andavam à nossa procura. Uns dez anos à procura. E então, através de uma rapariga brasileira que o encontra na galeria do Metropolitan [museu]!, faz-se a ligação entre as duas famílias. Ele tinha tios e avós, mas não tinha primos. Eu não tive primos nem avós. Na geração do meu pai e da minha mãe, é o sentimento de perda. A perda da família, da cultura, dos amigos, das posses. Do que lhes tiraram por tuta-e-meia. Da perda e da separação. Deles todos e nossa também. Eu fui sempre fácil de integrar. Sinto-me um passarinho com raízes. O maior sofrimento é o de não ter uma grande família. A ausência de uma grande família — que sabíamos que existia, com muito amor e muito carinho, bem estabelecida. E talvez esse sentimento de culpa de que falou. Nós temos uma vida boa e eles tiveram sofrimento. Quando há relativamente pouco tempo voltei à Bolívia, senti uma angústia enorme. Pensei nos meus pais, em 1939, a chegar, sem ninguém, sem sobrevivência assegurada. A minha mãe que ainda trabalhou em farmácia e que conheceu os funcionários do Freud. Que vivia num ambiente cultural bom. E chegar na Bolívia, com aquele clima frio, aquela cultura. . . Leo Spitzer, que já nasceu na Bolívia, em 1939, escreveu sobre esse sofrimento. é um livro de gratidão para com quem os acolheu. A maior parte das pessoas reemigrou. A família dele foi para os EUA. Tenho duas amigas de infância que consegui localizar e que estão lá. De qualquer forma, isto também enriqueceu a cultura boliviana. Eu tive muita saudade de um lugar para o outro. Gostava do lugar novo mas tinha sempre saudade. Minhas netas, por outras razões, também estão transplantadas. Nasceram no Porto, viveram em Inglaterra e agora estão no Brasil. A minha prima, como morou sempre na Austrália, não tem essas angústias. A minha irmã tem a família estabelecida em São Paulo; também casou com um católico. Mas a filha dela (minha sobrinha) casou com um católico-árabe! Gosto imenso dele. Casaram no religioso e pediram-me para fazer uma palestra. Na véspera fomos conversar com o padre, que não queria muito [que eu falasse]. “Isto não é costume na Igreja Católica, não se faz. Bom, leia lá o seu discurso. ” Comecei a ler e quando acabei ele comentou: “Eu não vou fazer homilia, quem vai fazer homilia é você. ”Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Na verdade, o primeiro objectivo do meu livro, foi reunir todos os preciosos testemunhos e documentos recebidos após a minha primeira ida à Austrália, em 1982. Senti uma enorme necessidade, obrigação, e também prazer, em reunir todos esses elementos. A partir de então, comecei a conhecer membros da minha família que estavam espalhados pelo mundo todo. Tive encontros felizes, só ensombrados pela tristeza de estes não terem sido vivenciados pelos meus pais. Na infância, adolescência e vida adulta, não era um assunto inquietante, até porque passei grande parte da minha vida no Brasil, onde havia muitos brasileiros da “geração zero” — como costumo dizer — ou seja, imigrantes de diversas origens. Para mim, crescer em época de guerra era um dado adquirido. Criança, ia tomando conhecimento dos acontecimentos, de forma esparsa, através dos comentários que ouvia dos meus pais, quando chegavam cartas, quando conferiam nos mapas dos atlas o movimento de tropas. Os meus pais iam contando algumas coisas, mais a minha mãe, e escondendo outras, designadamente o assassinato dos meus avós. Ao longo do tempo, e sem dramatismos, fui contando aos meus filhos, e depois aos meus netos, a história da mãe e da avó. Aos meus netos, contei-lhes que estava escrever um livro para eles, mais tarde, saberem as suas origens. Fiquei muito sensibilizada com a carta que a minha neta Maria me enviou, na altura com 13 anos, e resolvi introduzi-la na segunda edição. Termina desta forma: “Pode ter a certeza que o seu objectivo de fazer as pessoas da nossa família se informarem sobre o nosso passado e sobre a nossa sorte na vida, foi completado, em todos os sentidos”. Sim, uma mensagem de respeito pelo próximo, herdada do meu pai, apesar do que sofreu e das perdas que teve. Não conheci ninguém mais respeitador do próximo! Este foi o segundo objectivo do livro. Gostaria que os relatos contribuíssem para fazer sentir como o mundo poderia ser melhor, se houvesse mais tolerância, mais respeito pelo próximo, mais interesse em conhecer e comunicar com os outros.
REFERÊNCIAS:
Berlusconi de volta a Lampedusa, onde os imigrantes continuam a chegar
Regressou este sábado à tarde para saudar “a ilha libertada”, dias depois da primeira visita e da promessa de “esvaziar Lampedusa” dos milhares de imigrantes e refugiados que ali se encontravam em condições degradantes. (...)

Berlusconi de volta a Lampedusa, onde os imigrantes continuam a chegar
MINORIA(S): Migrantes Pontuação: 16 Refugiados Pontuação: 9 | Sentimento 0.0
DATA: 2011-04-10 | Jornal Público
SUMÁRIO: Regressou este sábado à tarde para saudar “a ilha libertada”, dias depois da primeira visita e da promessa de “esvaziar Lampedusa” dos milhares de imigrantes e refugiados que ali se encontravam em condições degradantes.
TEXTO: Mas enquanto Silvio Berlusconi visitava o local em que há poucos dias se amontoavam aqueles que a ilha já não conseguia alojar nos centros de acolhimento, chegava à praia Cala Madonna o terceiro barco do dia. Escreve a agência Ansa que os passageiros foram bloqueados em terra pelas autoridades. Nada trava os desembarques, nem os 150 a 250 mortos do naufrágio da madrugada de quarta-feira, quando um barco vindo da Líbia com refugiados da África sub-sariana se virou a 70 quilómetros de Lampedusa, a pequena ilha italiana que dista menos de 100 quilómetros do Norte de África e onde desde Janeiro chegaram 26 mil pessoas. Nem as medidas negociadas entre Roma e Tunes ou as patrulhas conjuntas que italianos e franceses se preparam para fazer. Sexta-feira à noite desembarcaram 530 refugiados vindos da Líbia; ao início da tarde deste sábado chegaram mais 244 vindo da Líbia; quase em simultâneo com a acostagem de outra embarcação, com mais umas 50 pessoas, estas vindas da Tunísia. Segundo Barbara Molinario, do Alto Comissariado da ONU para os Refugiados, no primeiro barco da Líbia “havia mães, bebés de dez dias e pessoas mais velhas que andavam com a ajuda de bengalas”. “Viram, mantivemos a nossa palavra. Tudo está sob controlo”, afirmou o primeiro-ministro, Silvio Berlusconi, enquanto os habitantes que o tinham vindo ver ao porto aplaudiam. Uma dezena gritou “Forza Silvio!” e “Bravo presidente”, descreveu o site do jornal “Corriere della Sera”. O Governo tem distribuído os imigrantes (vindos da Tunísia desde a queda do Presidente Ben Ali, a 14 de Janeiro) e refugiados (que Muammar Khadafi costumava reter na Líbia em consequência dos acordos que tinha com Berlusconi) que deixaram Lampedusa à beira da ruptura por outras zonas de Itália.
REFERÊNCIAS:
Entidades ONU
Parlamento Europeu aprova directiva que prevê asilo para vítimas de violência indiscriminada
A União Europeia alargou os direitos normalmente consagrados apenas às pessoas com estatuto de refugiadas. Estes direitos estendem-se agora a outras pessoas que, não sendo oficialmente refugiadas, também não podem regressar aos seus países de origem porque poderão ser vítimas de actos de violência indiscriminada, como por exemplo mutilação genital feminina. A directiva foi hoje aprovada pelo Parlamento Europeu, em Estrasburgo. (...)

Parlamento Europeu aprova directiva que prevê asilo para vítimas de violência indiscriminada
MINORIA(S): Homossexuais Pontuação: 6 Refugiados Pontuação: 9 | Sentimento 0.0
DATA: 2011-10-27 | Jornal Público
SUMÁRIO: A União Europeia alargou os direitos normalmente consagrados apenas às pessoas com estatuto de refugiadas. Estes direitos estendem-se agora a outras pessoas que, não sendo oficialmente refugiadas, também não podem regressar aos seus países de origem porque poderão ser vítimas de actos de violência indiscriminada, como por exemplo mutilação genital feminina. A directiva foi hoje aprovada pelo Parlamento Europeu, em Estrasburgo.
TEXTO: A eurodeputada espanhola Carmen Romero-Lopez, relatora deste projecto e membro da família partidária dos socialistas e democratas europeus, indicou que este é um “importante passo em frente no estabelecimento de um Sistema Europeu Comum de Asilo”, que deverá entrar em vigor no ano que vem. “O estatuto de refugiado é convencionalmente apenas garantido às pessoas que estão em risco de violência dirigida especificamente contra elas próprias, tal como activistas políticos e membros de minorias étnicas. Porém, há pessoas que não cabem nesta definição de refugiado, tal como o termo foi definido pela Convenção das Nações Unidas de 1951 mas que precisam da protecção internacional uma vez que estão em risco de serem vítimas de violência indiscriminada. Entre elas incluem-se, por exemplo, as pessoas que sofrem discriminação pelo seu género e orientação sexual, ou que estejam em risco de sofrerem práticas desumanas como a mutilação genital feminina, abortos forçados ou esterilização”, frisou Carmen Romero-Lopez, em comunicado emitido hoje pelo Grupo da Aliança Progressiva dos Socialistas e Democratas do Parlamento Europeu. “Mais: introduzimos uma definição mais abrangente do termo ‘familiar’ de forma a incluirmos não apenas os dependentes mas também os pais [das pessoas que pedirem asilo]”, acrescentou ainda a mesma eurodeputada.
REFERÊNCIAS:
Palavras-chave violência género sexual refugiado feminina discriminação
Coreia do Norte: Hyeonseo Lee fugiu do "melhor país do mundo"
É uma dissidente atípica, Hyeonseo Lee, uma norte-coreana de 37 anos. Saiu do seu país por curiosidade adolescente e já não pôde regressar. Foi imigrante ilegal, refugiada. Viveu anos com uma profunda crise de identidade. "Mas finalmente encontrei-me, a fazer o que faço e como norte-coreana." (...)

Coreia do Norte: Hyeonseo Lee fugiu do "melhor país do mundo"
MINORIA(S): Asiáticos Pontuação: 2 Migrantes Pontuação: 9 Refugiados Pontuação: 9 | Sentimento 1.0
DATA: 2015-10-12 | Jornal Público
SUMÁRIO: É uma dissidente atípica, Hyeonseo Lee, uma norte-coreana de 37 anos. Saiu do seu país por curiosidade adolescente e já não pôde regressar. Foi imigrante ilegal, refugiada. Viveu anos com uma profunda crise de identidade. "Mas finalmente encontrei-me, a fazer o que faço e como norte-coreana."
TEXTO: Há uma fotografia no livro A mulher com sete nomes que parece ter sido tirada nos anos de 1930 ou 40. A preto e branco, mostra uma mulher com uma criança de três anos às costas, embrulhada num cobertor de franjas. Foi tirada no estúdio de um fotógrafo por volta de 1984, na Coreia do Norte. Devemos vê-la, antes de começarmos a ler. Ajuda no exercício de visualizar os lugares e as cenas, o ambiente e a sociedade onde Hyeonseo Lee viveu a primeira das suas três vidas. Era uma vida feliz, conta a autora, que escreveu uma autobiografia que parece um livro de História, um testemunho político que se lê como um romance. Ela chamou "memória" ao texto que publicou para contar como abandonou, sem querer e sem perceber o que estava a fazer, um dos países mais opacos do mundo. O livro tem por subtítulo História de uma refugiada da Coreia do Norte (ed. Planeta) porque foi isso que começou por ser. "Para sermos um dissidente temos que ter consciência do lugar onde estamos e eu já tinha começado a perceber algumas coisas, mas tinha vivido toda a minha vida a pensar que vivia no melhor país do mundo. Pensávamos que éramos os melhores do mundo, os mais felizes dos seres humanos. Eu nem sequer sabia que vivia numa ditadura. Quando se vive como na Coreia do Norte, fechados, não sabemos a situação em que estamos", disse Lee na entrevista que deu ao PÚBLICO em Lisboa, onde veio divulgar o livro e fazer o seu trabalho de activista que explica/denuncia a Coreia do Norte. "A imagem que nos davam é que fora da Coreia do Norte todos eram mendigos, nem tinham sapatos". Em 1997, quando aos 17 anos atravessou o rio Yalu junto à sua cidade de Hyesan e entrou no território chinês, moveu-a a curiosidade, não a crítica, a rejeição. Queria passear no outro lado, que nas imagens da televisão chinesa que via às escondidas em casa lhe parecia vibrante e diferente do que lhe tinham ensinado na escola. Tinha nos planos regressar, uns dias depois, mas não pôde ser. "O que aprendi sobre a China na televisão não tinha nada a ver com o que contavam. A China parecia melhor, e eu comecei, ingenuamente, a pensar passar a fronteira, sem saber que ia mudar a minha vida". Começou por ser uma desertora, diz, a consciência de dissidente e de activista contra o regime de Pyongyang formou-a depois, quando percebeu o logro. "Na Coreia do Norte, a doutrinação começa logo no primeiro dia" de escola, diz no livro. Pelo que conta, começa no primeiro dia de vida. Paninhos para limpar os Kim"Toda a vida familiar, desde comer, socializar e dormir, se desenrolava sob as fotografias [do Grande Líder Kim Il-sung e do Querido Líder Kim Jong-il]. Cuidar das fotografias era o principal dever de cada família. (. . . ) Desde tenra idade que comecei a ajudar a minha mãe a limpá-las. Usávamos um pano especial, fornecido pelo Governo, que não podia ser utilizado para limpar qualquer outra coisa. (. . . ) Mais ou menos uma vez por mês, uma equipa de funcionários que calçava luvas brancas entrava em todas as casas do bloco para inspeccionar os retratos. Se no seu relatório constassem que uma família não os tinha limpo como devia ser, a família corria o risco de ser presa". O livro de Lee, retalhado em múltiplos capítulos, divide-se em três grandes partes — nascer e crescer na Coreia do Norte, a vida de uma imigrante ilegal na China, o percurso até à actual condição de refugiada na Coreia do Sul; três vidas, portanto. A primeira parte é a mais suculenta, porque relatos em primeira mão sobre a vida quotidiana no Norte são raros. Testemunhos de dissidentes não são inéditos — perseguições, prisões, torturas —, mas Lee abre a porta de um país que estamos habituados a olhar como estranho e de onde, volta e meia, surgem histórias que parecem irreais, como os paninhos de limpar o pó aos retratos dos Kim. "As pessoas perguntam se aquilo é mesmo assim. É pior. Mas as pessoas, os norte-coreanos, não sabem o que se passa porque não conhecem o conceito de opressão". "Há coisas que não podemos saber se são verdade. Mas temos, por exemplo, a certeza de que Kim Jong-un [o actual líder] mandou matar o tio e outras pessoas do seu círculo mais próximo", diz a autora, que considera este Kim, o terceiro da História da Coreia do Norte, o mais descontrolado e errático. "O avô dele era um ditador terrível", diz do fundador do regime. Kim Jong-il, o filho deste e pai do actual líder, foi um desastre para o povo e para o país, considera. Quando Hyeonseo Lee saiu da Coreia do Norte, estava Kim Jong-il no poder. O filho, Kim Jong-un, sucedeu-lhe quando morreu, em 2011. Por uns instantes, os norte-coreanos que vivem fora do seu país esperaram do novo Kim, que estudou no estrangeiro e podia ser um homem moderno, outra espécie de governação. Hyeonseo Lee diz que o percurso que o líder está a fazer — "está a matar toda a gente que lhe desagrada ou que procura alguma mudança, os generais" — pode custar-lhe caro. Talvez a vida. Acredita que Kim Jong-un é incapaz de mudar, de reformar, de melhorar a vida dos norte-coreanos, e que o regime não resistirá muitos mais anos — este será o último dos Kim, acredita, e com ele desaparecerá um país chamado Coreia do Norte. "Acredito na reunificação e acredito que os que fugiram, como eu, terão um papel importante na reconstrução do país. Quero voltar. Ali é o meu lugar".
REFERÊNCIAS:
Palavras-chave escola humanos filho mulher ajuda homem criança espécie chinês imigrante ilegal
Português Daniel Rodrigues é o fotógrafo ibero-americano do ano
Fotógrafo recebe prémio principal da secção ibero-americana do concurso Picture of the Year. E fica em segundo na categoria de retrato. Portfólio mostra o Irão contemporâneo, refugiados na Turquia e albinos no Malawi e em Moçambique. (...)

Português Daniel Rodrigues é o fotógrafo ibero-americano do ano
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 Refugiados Pontuação: 9 | Sentimento 0.0
DATA: 2017-06-02 | Jornal Público
SUMÁRIO: Fotógrafo recebe prémio principal da secção ibero-americana do concurso Picture of the Year. E fica em segundo na categoria de retrato. Portfólio mostra o Irão contemporâneo, refugiados na Turquia e albinos no Malawi e em Moçambique.
TEXTO: Harrison Molcoshomi, nove anos, foi o que ficou. Quando dois homens entraram na casa onde dormia, a meio da noite, em Fevereiro de 2015, e levaram o seu irmão gémeo, ele teve sorte. Agredida com uma faca, a mãe, Edna, não conseguiu proteger os dois filhos. Ainda hoje o rapaz pergunta pelo irmão. Não vai à escola porque Edna acredita que os sequestradores são da região e hão-de voltar. Harrison Molcoshomi vive no Malawi e é um dos albinos que Daniel Rodrigues, 30 anos, registou com as suas câmaras e que fazem parte do portfólio que valeu a este português o prémio de fotógrafo ibero-americano do ano do concurso Picture of the Year Internacional – Iberoamérica 2017 (POY – Latam). Um portfólio que tem, por exemplo, mais albinos em Moçambique, onde a perseguição tem vindo a aumentar, refugiados na Turquia, jovens progressistas no Irão e pescadores na Mauritânia. As fotografia de Daniel Rodrigues foram escolhidas entre mais de 40 mil imagens concorrentes ao POY – Latam. Os retratos que fez de albinos no Malawi e em Moçambique são particularmente eficazes como instrumentos de denúncia de uma situação de perseguição e discriminação que tem vindo a agravar-se nestes dois países desde 2014, explica o fotógrafo numa das legendas que acompanham estas imagens que, com frequência, contam histórias dramáticas como a de Electério João, um homem de 23 anos da região de Nampula, um dos muitos casos em que é a própria família a responsável por pôr albinos em risco. Foi o cunhado quem organizou o seu rapto e tentou vendê-lo. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. O albinismo é uma anomalia genética que pode afectar qualquer raça e que decorre de uma insuficiência de produção de melanina. As pessoas por ele afectadas têm uma ausência total ou parcial de pigmentação da pele, dos cabelos e dos olhos, o que pode conduzir a problemas de visão. Em muitos países os albinos são perseguidos e marginalizados. Uns acreditam que são perigosos e manifestações demoníacas, outros que algumas partes do seu corpo podem trazer riqueza, sorte e até a cura de doenças. Daniel Rodrigues vive hoje em Portugal mas viaja pelo mundo como freelancer. Nascido em 1987, começou a carreira no diário Correio da Manhã, passando a trabalhar depois para a agência Global Imagens (Diário de Notícias, Jornal de Notícias e O Jogo). Entre as publicações que já recorreram ao seu trabalho estão The New York Times, The Wall Street Journal, Courrier International, Expresso, Folha de São Paulo e The Washington Post. Em 2013, Daniel Rodrigues ganhou o primeiro lugar na categoria “Daily Life” (quotidiano) do World Press Photo, o maior concurso de fotografia do mundo. A fotografia a preto-e-branco que lhe valeu o prémio foi tirada durante uma missão humanitária na Guiné-Bissau, em Março de 2012, e mostra um grupo de crianças descalças a jogar à bola. Quando ganhou o prémio estava desempregado e vira-se obrigado a vender a máquina fotográfica.
REFERÊNCIAS:
Palavras-chave homens escola homem corpo humanitária perseguição raça discriminação rapto
Crise reavivou preconceitos e deixou marcas na Europa
O diálogo Norte-Sul melhorou, à conta da recuperação económica, mas permanecem ainda sinais dessa tensão. Os anos de brasa podem voltar se as dificuldades regressarem ao quotidiano dos europeus, como prova a vaga de refugiados. (...)

Crise reavivou preconceitos e deixou marcas na Europa
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 Mulheres Pontuação: 2 Refugiados Pontuação: 9 | Sentimento 0.0
DATA: 2018-12-04 | Jornal Público
SUMÁRIO: O diálogo Norte-Sul melhorou, à conta da recuperação económica, mas permanecem ainda sinais dessa tensão. Os anos de brasa podem voltar se as dificuldades regressarem ao quotidiano dos europeus, como prova a vaga de refugiados.
TEXTO: Após os anos da crise permanecem sinais da tensão que nesses duros tempos alimentou a incompreensão e a guerra verbal entre os europeus do norte rico e do sul endividado. Do Norte, vem a admiração pela presidência de Mário Centeno do Eurogrupo. Nessa condição, o ministro português tem instado a Itália a submeter a Bruxelas um novo Orçamento “em linha” com as regras orçamentais europeias, no que o Financial Times considerava, em Outubro, “uma notável inversão de papéis desde 2015”. Depois do terceiro programa de resgate financeiro concluído em Agosto de 2017 e de oito anos de ajustamento doloroso da sua economia, a Grécia não desiste das indemnizações que exige à Alemanha pela devastação da II Guerra Mundial: Atenas voltou a exigir reparações , sinal de que o ressentimento, sob a forma da outra face da moeda da austeridade imposta, ainda permanece. Estes são os mais recentes episódios, e certamente não os derradeiros, da dicotomia de um sul preguiçoso a viver às custas dos laboriosos contribuintes do norte da Europa. E da retaliação pelos desmandos da história. “Há um défice de democracia e tecnocracia em excesso na Europa, a divisão do Norte, que se apresenta como produtivo, e do Sul, de preguiçosos, foi evidente durante a crise, e agora há divisão leste/oeste, pelos refugiados”, comenta, ao PÚBLICO, André Freire, professor de Sociologia Política e de Políticas Públicas do Instituto Universitário de Lisboa, ISCTE. E resume numa frase a soma das duas condicionantes, défice democrático e pendor tecnocrático: “na Europa pode-se mudar de Governo, mas não de política. ”André Freire argumenta que as organizações europeias não têm pedigree democrático. “A própria Comissão Europeia tem uma legitimidade democrática limitada, indirecta, não eleita, que advém dos governos nacionais que, contudo, não são eleitos com um programa para a Europa”, sustenta. “A única instituição com legitimidade democrática é o Parlamento Europeu que não tem iniciativa legislativa, não forma Governo nem tem poder de censura sobre a Comissão, embora a partir do Tratado de Lisboa haja uma relação ténue entre o cabeça da lista mais votada e o presidente da Comissão”, insiste. “Além das questões da democraticidade, existe uma certa cristalização dos dogmas neoliberais”, acusa. “À excepção da Grécia, as crises de Portugal e Espanha são o resultado de um problema da arquitectura europeia, anterior à crise”, defende. E exemplifica: "a Comissão Europeia fez guerra à solução governativa em Portugal [maioria parlamentar de PS, Bloco de Esquerda e PCP], e não fez mais porque, entretanto, apareceu o Brexit. ”Pelo que não é optimista. “O horizonte é sombrio, não vejo grandes mudanças, agora reconhecem que Portugal usou uma receita diferente mas o Eurogrupo funciona à margem dos tratados”, sublinha. Os populismos são, para o professor universitário, “como as dores para o organismo”, ou seja, um sintoma da doença. “Não é por acaso que na Europa os mais desprotegidos são os mais cépticos, porque são os perdedores”, sintetiza: “os social-democratas abandonaram de algum modo as classes baixas, falam para nichos eleitorais das classes médias e para as elites urbanas. ”A inevitabilidade dos sacrifícios e a ausência de alternativas foram lugares comuns do discurso dos países do norte da Europa desde 2010, que chamaram a si a prerrogativa de traçar o caminho para a saída da crise. “As pessoas estão a sofrer” em Portugal e em Espanha, reconhecia o primeiro-ministro finlandês, Jyrki Katainen, em 2013, durante um debate no Parlamento Europeu. “Mas qual é a alternativa?” E argumentava: “Se estes países pararem a consolidação [orçamental], quem lhes vai emprestar dinheiro?”Postura semelhante era a de Wolfgang Schäuble que em 2016 se mostrava apreensivo quanto à constituição de um novo governo em Portugal suportado pelo acordo parlamentar à esquerda. “Portugal estava a ser bem-sucedido até entrar um novo Governo”, dizia, manifestando receio de que os compromissos não fossem respeitados. "Dou sobretudo atenção aos alemães que conhecem Portugal e, por isso, sabem do que falam", replicou o primeiro-ministro, António Costa, citando investimentos alemães em Portugal. Já antes, o ministro alemão instara Lisboa, em diversas ocasiões, a manter o rumo do governo anterior, aventando a possibilidade de um segundo resgate. A imagem de uma Europa do sul irresponsável e tentada a viver acima das suas possibilidades voltou à baila em 2017 com as polémicas declarações do ministro das finanças holandês, Jeroen Dijsselbloem, ao Frankfurter Allgemeine Zeitung. “Não posso gastar o meu dinheiro todo em bebida e mulheres e depois disso ir pedir a vossa ajuda”, afirmava o então presidente do Eurogrupo, para justificar que quem pede a solidariedade do Norte “também tem deveres”. Meses depois, já era o ministro das Finanças português, Mário Centeno, a receber elogios de Schäuble – numa referência de ironia corriqueira apelidou-o de “Ronaldo do Ecofin” – a posicionar-se para conquistar a presidência do Eurogrupo, o que se confirmaria no início de 2018. O estereótipo de um sul preguiçoso a viver às custas dos contribuintes do norte da Europa emergiu no discurso de políticos e dos media, quando os resgates financeiros, primeiro da Grécia e depois da Irlanda, se sucederam em poucos meses em 2010. O pedido de assistência financeira de Portugal anunciado pelo primeiro-ministro José Sócrates, a 6 de Abril de 2011, coincidiu com as últimas semanas de campanha para as eleições legislativas na Finlândia. A obrigatoriedade de aprovação no Parlamento de Helsínquia de qualquer pacote de ajuda aos países da zona Euro catapultou o tema para o centro do debate político e polarizou os discursos. O aumento exponencial da base de apoio do partido de extrema-direita “Verdadeiros Finlandeses" era um sinal de que o verniz tinha estalado. “Aqui, no Norte, consideram-nos vacas que devem ser mungidas, mas temos algo a dizer e não vamos deitar fora dinheiro”, afirmava, numa reportagem da RTP, Timo Soini, líder do partido nacionalista, que fez campanha sob o slogan “Os finlandeses primeiro”. Ao conquistar, no escrutínio de 17 de abril de 2011, 19% dos votos e 39 assentos parlamentares, quadruplicando o número de deputados de 2007, o partido tornava-se a terceira força e confirmava a desconfiança de parte da sociedade finlandesa aos programas de ajustamento. Ainda que os outros partidos rejeitassem uma “visão estereotipada” dos países do Sul, a ascensão da extrema-direita endureceu o discurso dos mais moderados face ao resgate a Portugal. As sondagens mostravam um país dividido: 47% dos finlandeses eram a favor, 39% estavam contra. A “falta de solidariedade” da Finlândia motivou editoriais em jornais portugueses e culminou no vídeo “O que os finlandeses devem saber sobre Portugal”, apresentado pela Câmara de Cascais no final de uma conferência no Estoril, que ganhou lastro nas redes sociais. Não só se proclamava a antiguidade de Portugal e as suas conquistas, mas também o apoio dado por Portugal à Finlândia, em “roupa e cereais”, durante a guerra russo-finlandesa de 1939-40. Uma resposta finlandesa surgiu nas redes sociais, mas a mensagem final era conciliatória: “Podíamos gozar com a difícil situação financeira em Portugal. Mas não o fazemos, porque o nosso coração e a nossa mente estão convosco”. A participação no pacote de ajuda a Portugal de 78 mil milhões de euros, acabaria por ser aprovada no Parlamento finlandês em Maio do mesmo ano. A ideia de que, nos países do Sul, se trabalhava pouco e se vivia à custa dos contribuintes do Norte, fora alimentada de forma agressiva, desde 2010, pelo tablóide de maior circulação na Alemanha. Os “gregos falidos” foram, durante o período dos resgates, o alvo do Bild que arrumava a questão de forma simples: de um lado, estavam os gregos “que bebem grandes quantidades de ouzo, vivem com reformas douradas ou cometem fraudes fiscais nas suas ilhas soalheiras”; do outro, “os alemães, ‘que se levantam todas as manhãs, trabalham o dia todo” e têm sido durante anos a vaca que fornece leite à Europa, devido aos impostos que pagam”, como resumia a AFP em 2015. Na imprensa grega, a resposta passou por evocar o passado nazi da Alemanha e a sua ambição de dominar a Europa. A chanceler Ângela Merkel e o ministro das Finanças Wolfgang Schäuble, foram retratados em caricaturas envergando o uniforme nazi. O jornal Dimokratia chegou a publicar, em 2012, a manchete “Memorandum Macht Frei” para descrever as condições do empréstimo exigidas ao país. Uma sondagem divulgada no mesmo ano pela revista Epikaira revelava que 77% dos gregos acreditavam que a Alemanha pretendia instituir um IV Reich. A narrativa simplista de um sul preguiçoso contaminou o discurso de figuras centrais da política europeia. “Em países como a Grécia, Espanha e Portugal, as pessoas não devem poder ir para a reforma mais cedo do que na Alemanha”, defendia Merkel, na campanha eleitoral em Maio de 2011. “Todos temos de fazer um esforço, isso é importante, não podemos ter a mesma moeda, e uns terem muitas férias e outros poucas”, avisava. “A chanceler deu a entender que os alemães estão a financiar uma espécie de prosperidade fácil nestes países”, analisava a Der Spiegel, reconhecendo que se isto não era novo na substância, “o tom certamente é”. Em Portugal, o confronto levou a que, no final de 2012, Marcelo Rebelo de Sousa, então comentador televisivo, divulgasse um vídeo, realizado em parceria com o social-democrata Rodrigo Moita de Deus, que procurava desfazer junto da população alemã, antes da visita da chanceler a Portugal, alguns mitos sobre os portugueses e a economia nacional. No vídeo, cuja exibição pública na Alemanha acabou por não ser permitida, mas que circulou nas redes sociais, realçavam-se os sacrifícios da população, faziam-se contas às relações comerciais entre os dois países e evidenciava-se que os portugueses trabalhavam mais horas do que os alemães, tinham menos férias e feriados e ganhavam, em média, metade. Novamente era atacada a falta de solidariedade dos parceiros do Norte, recordando-se que Portugal não tinha contestado, em 1990, a decisão da Alemanha de declarar a caducidade da sua dívida externa ou exigidas sanções, quando em 2005, esta infringira os limites do défice. A face mais visível da tensão foi Wolfgang Schäuble, autor das declarações mais polémicas sobre os países intervencionados, afirmando que estes eram “um pouco invejosos” do sucesso da Alemanha, espoletando uma onda de acusações de arrogância e paternalismo. A linha dura que adoptou nas negociações dos resgates deu azo a que os comentadores anunciassem o regresso da “questão alemã”. “Nós, os alemães, não queremos uma Europa alemã”, assegurava, no entanto, Wolfgang Schäuble num artigo de opinião, publicado no Guardian em Julho de 2013, em que admitia que o discurso público sobre a crise fora demasiadas vezes “dominado por recriminações mútuas e comentários populistas”. “Clichés e preconceitos nacionais, que acreditávamos estarem há muito ultrapassados, estão a levantar as suas feias cabeças novamente”, escrevia. A tensão ganhou um tom mais acintoso nos meses que anteciparam a cimeira, em Julho de 2015, na qual seria assinado novo acordo com a Grécia, nesta altura já liderado pelo Syriza de Alexis Tsipras. O recém-eleito governo helénico, que vinculara a um referendo o novo pacote de austeridade, já acusara Bruxelas de “terrorismo” e de “chantagem” sobre a população grega. Às acusações de falta de solidariedade, juntavam-se denúncias de hipocrisia. As reparações de guerra pela ocupação nazi da Grécia durante a II Guerra Mundial foram estimadas pelo Ministério das Finanças helénico em 280 mil milhões de euros e exigidas oficialmente à Alemanha. A maioria dos alemães já defendia a saída da Grécia do Euro e notícias de que Schäuble tinha proposto, no Eurogrupo, um Grexit temporário alimentaram a hostilidade. Um acordo acabou por ser atingido, mas caucionado por um reforço das medidas de austeridade e uma lista de garantias adicionais para satisfazer os credores, incluindo um polémico fundo de privatizações no valor de 50 mil milhões de euros. Muitos comentadores, críticos do acordo, falaram em “humilhação” do povo grego, o economista norte-americano Paul Krugman apelidou-o de “pura vingança” e, nas redes sociais, o hashtag #This is a Coup (Isto é um golpe de Estado), ganhou força no Twitter. O mal-estar estendia-se à oposição interna como ficava patente nas palavras de Reinhard Bütikofer, eurodeputado alemão do Grupo dos Verdes: “a Alemanha cruel, ditatorial e feia volta a ter um rosto e esse é o de Schäuble”. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Contudo, a maioria dos alemães apoiava a forma como Merkel e o seu ministro das Finanças tinham conduzido as negociações, segundo uma sondagem, citada pelo Guardian. A leitura de dissensão era rejeitada pela Comissão: “Não penso que o povo grego tenha sido humilhado e também não acho que os outros europeus tenham perdido a face. Este é um típico entendimento europeu”, afirmava Jean-Claude Juncker, presidente da Comissão Europeia. Mas na Grécia, o acordo foi recebido com frustração e desalento e os jornais gregos davam voz ao sentimento de derrota: “Afundem o país, ordena Schäuble”, escrevia o Efimerida Ton Syndakton. Será que a tensão norte-sul ainda sobrevive na linguagem ou o discurso mudou? Pedro Moreira, correspondente da TVI em Bruxelas desde 2007, acompanhou os resgates financeiros e a “poderosa” narrativa centrada na visão de que “a culpa da crise do euro e da falta de competitividade de certos países é das famílias quererem viver acima das suas possibilidades”. Neste confronto entre “virtuosos” e “pecadores”, o enfoque era colocado “no sofrimento” e na inevitabilidade dos sacrifícios, analisa, “como se fosse necessária uma expiação do pecado”. Essa narrativa que “contaminou o discurso político” à época, ainda prevalece, acredita o jornalista, apesar de se terem verificado “melhorias significativas”. “Ainda hoje temos isso, quando se fala da reforma da zona Euro que nunca avança, porque é preciso ter em conta os riscos morais”, exemplifica. Ainda assim, a crise ajudou os Estados-membros a conhecerem-se “melhor uns aos outros”, acrescenta, “e este discurso já não está tão presente”. O facto de a economia estar num ciclo positivo também ajuda. “Não há tanta pressão”, admite. “Não sei se uma crise voltasse agora, se não voltávamos a esta linguagem”. Quanto ao braço-de-ferro entre a Itália e a Comissão, Pedro Moreira coloca-o num patamar diferente, muito para além da dimensão económica e financeira que esteve na base da tensão entre norte e sul. “É uma situação diferente”, argumenta, ainda que a Itália tenha problemas económicos profundos. “O governo italiano está mais próximo dos discursos anti Europa que têm sido feitos na Hungria e na Polónia”, justifica. Uma “linguagem” também em voga na Europa, mas que reflecte uma tensão entre “europeístas e soberanistas” e “não tanto entre norte e sul”. “É outro problema”, conclui. J. F.
REFERÊNCIAS:
Partidos PS PCP
Amnistia Internacional: o ambiente na Europa é "como nos anos 1930"
Relatório de 2016 da associação de defesa dos direitos humanos sublinha papel da Europa no recuo de alguns direitos, por exemplo dos refugiados. (...)

Amnistia Internacional: o ambiente na Europa é "como nos anos 1930"
MINORIA(S): Africanos Pontuação: 5 Refugiados Pontuação: 9 | Sentimento 0.0
DATA: 2017-02-22 | Jornal Público
SUMÁRIO: Relatório de 2016 da associação de defesa dos direitos humanos sublinha papel da Europa no recuo de alguns direitos, por exemplo dos refugiados.
TEXTO: A retórica populista e a demonização do outro está a levar a Europa a um clima de tensão que faz lembrar os anos antes da II Guerra e que tem levado a uma deterioração dos direitos humanos no mundo, denuncia a Amnistia Internacional no seu relatório anual de 2016. “A situação está a chegar a tal ponto que esta retórica divisiva, que aponta culpados em vez de apontar soluções, tem consequências”, declarou o director da secção portuguesa da Amnistia Internacional, Pedro Neto. "Há um ambiente como nos anos de 1930, que pensávamos que nunca seria possível". A presença de países em guerra, com conflitos ou ditaduras como autores de graves violações de direitos humanos no documento da Amnistia é esperada, mas neste relatório há muito a apontar a países em paz. O medo de perder segurança e prosperidade está a levar vários países a recuar em termos de respeito de direitos humanos. A AI avisa para um risco de efeito dominó, para o qual a Europa está a contribuir, em especial quanto aos direitos dos refugiados. “A Europa não está a ter a resposta ideal”, diz Pedro Neto, numa conversa telefónica com o PÚBLICO. “Em alguns sítios estão a construir-se muros e a prender-se refugiados, como na Hungria. Temos um caso de uma família de refugiados que estava no Chipre. O homem deixou lá a mulher e os filhos e foi à fronteira da Hungria para reencontrar os seus pais com a ideia de os levar para o Chipre. Encontrou estradas bloqueadas e postos policiais. Acabou preso e acusado por desacatos. ”A AI documentou casos de 36 países que violaram a lei internacional enviando de volta refugiados para países em que os seus direitos não estão garantidos, e vários destes países são europeus. A Europa tem enviado refugiados de volta para a Turquia, e a Turquia tem enviado refugiados de regresso aos países de onde fugiram, seja por causa da guerra, como na Síria, ou de pobreza extrema persistente como na Etiópia. “O caminho é o contrário; não é de regresso, é de vinda”, diz Pedro Neto. “Os refugiados que estão em Itália e na Grécia devem seguir para outros países da União Europeia e não serem barrados por um muro, e terem de voltar para trás para as situações extremadas de onde fugiram com as suas famílias”, defende. “A Europa também viveu isso não há muito tempo, com milhões de pessoas a fugir da guerra – agora é a nossa vez de acolher. ”A organização de defesa de direitos humanos aponta a violação da lei internacional, mas critica ainda recuos feitos através de leis: a aprovação, por vários países, de medidas que dificultam direitos básicos aos refugiados, como o de reunificação de família. Vários países nórdicos (Finlândia, Suécia, Dinamarca e Noruega) aprovaram medidas para restringir pedidos de asilo e o acesso às prestações sociais associadas, uma tendência “que se observou em particular em países nórdicos que antes eram generosos”, diz o relatório. A Noruega quis mesmo assegurar que tinha “a política de asilo mais firme da Europa”. Mais uma vez a Finlândia, Suécia e Dinamarca, assim como a Alemanha, restringiram ou adiaram a reunificação familiar de refugiados, dificultando a vida de familiares de pessoas que conseguiram asilo. “O direito à união da família é um direito básico. Mas o sistema de relocalização é tão complexo que atrasa muito e temos muitas vezes famílias divididas por países diferentes”, nota Pedro Neto. “Há um exemplo português: houve recentemente notícias de refugiados acolhidos em Portugal que já saíram do país, mas não foram explicadas as razões da saída: muitos dos que saíram fizeram-no para se juntar à família que estava noutro sítio. ”É difícil ter uma narrativa clara sobre o que aconteceu no ano passado, diz o secretário-geral da Amnistia, Salil Shetty, no prefácio do relatório. “Mas a história de 2016 foi de certo modo uma história da coragem de pessoas, resiliência, criatividade e determinação face a imensos desafios e ameaças. ”Porque “em cada região do mundo houve provas de estruturas formais de poder usadas para reprimir”, escreveu Shetty. “Mas as pessoas encontraram maneiras de contrariar e ser ouvidas”. Houve casos trágicos, como o do assassínio da activista Berta Cáceres nas Honduras, que “simbolizou os perigos para indivíduos que enfrentam interesses poderosos estatais e empresariais”. O trabalho de Berta Cáceres para defender comunidades locais e as terras das pessoas de uma barragem a ser construída tornou-a um alvo a abater. Foi morta por homens armados dentro da sua própria casa. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Mas também de casos que resultaram. “Temos um exemplo em que nós, Portugal, estivemos tão ligados, a libertação de 17 prisioneiros de consciência em Angola”, aponta pelo seu lado Pedro Neto. A boa notícia do ano é, assim, que “as pessoas estão a mobilizar-se e a ganhar consciência de que também nós temos de ser líderes da transformação do mundo. ” Porque regra geral, nos grandes casos de desrespeito sistemático de direitos humanos os governos são o problema e a coragem dos civis o início da solução. Salil Shetty acaba o seu prefácio com um apelo: “2017 precisa de heróis de direitos humanos”. Pedro Neto completa: “Esse será um dos maiores trabalhos da AI em 2017 - proteger e dar voz a todos os defensores dos direitos humanos que encontrarmos e que se levantarem e apelarem a uma direcção contrária. ”
REFERÊNCIAS:
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