Um naufrágio em África que é uma inconveniente história portuguesa
A descoberta dos destroços de um navio de origem portuguesa que se afundou com escravos a bordo é considerada histórica. A investigação envolve vários parceiros que têm a escravatura como um património comum. Mas onde está Portugal? (...)

Um naufrágio em África que é uma inconveniente história portuguesa
MINORIA(S): Africanos Pontuação: 2 | Sentimento -0.6
DATA: 2018-12-26 | Jornal Público
SUMÁRIO: A descoberta dos destroços de um navio de origem portuguesa que se afundou com escravos a bordo é considerada histórica. A investigação envolve vários parceiros que têm a escravatura como um património comum. Mas onde está Portugal?
TEXTO: Naufrágios de navios negreiros não eram uma raridade nos séculos XVII e XVIII, quando Portugal dominava o tráfico transatlântico: os motins de escravos ocorriam com frequência durante as viagens. O Transatlantic Slave Trade Database, um projecto internacional, tem cerca de mil naufrágios com escravos registados na sua base de dados. Mas esse tem sido, essencialmente, um trabalho de documentação baseado em fontes escritas. Os vestígios arqueológicos escasseiam. É por isso que a descoberta dos destroços de um navio de origem portuguesa, anunciada no início de Junho, foi considerada histórica. Pela primeira vez, arqueólogos estão convencidos de terem encontrado vestígios de um navio que se afundou com escravos a bordo. Porquê só agora? “A resposta é simples: não é um assunto que tenha recebido a atenção que merece por parte dos arqueólogos marítimos”, diz ao PÚBLICO o antropólogo Stephen Lubkemann, coordenador internacional do Slave Wrecks Project, uma joint-venture de seis instituições norte-americanas e sul-africanas que está a conduzir a pesquisa arqueológica sobre o navio português São José Paquete de África, que naufragou ao largo da Cidade do Cabo, na África do Sul, em 1794. “A arqueologia marítima tem-se voltado para uma certa versão da história. Uma versão da história ligada aos grandes acontecimentos, às batalhas. É uma versão bastante antiquada, na verdade: não é a história social, nem aquela que encontramos na historiografia dos últimos 30 ou 40 anos. E essa é uma falha que precisa de ser remediada. Chegaram entre 10 e 14 milhões de pessoas às Américas do Norte e do Sul vindas de África, e o mesmo número terá provavelmente morrido durante a travessia. O tráfico de escravos é a base do mundo moderno, quer em termos sociais, quer em termos económicos – basta olhar para as sociedades dos Estados Unidos e do Brasil. Talvez por ser uma história inconveniente seja um assunto negligenciado. ”O São José Paquete de África partiu de Lisboa em Abril de 1794, rumo à Ilha de Moçambique, onde se abasteceu de escravos – entre 400 e 500, segundo os investigadores. A 3 de Dezembro, iniciou o que deveria ser uma travessia transatlântica de quatro meses com destino às plantações de cana de açúcar no Brasil. Mas, 24 dias mais tarde, dominado por ventos e correntes fortes, o navio embateu num rochedo a 100 metros da costa sul-africana, junto à Cidade do Cabo, e desintegrou-se. Tripulação e cerca de metade dos escravos sobreviveram. Mais de 200 negros morreram no naufrágio. O São José é uma das dez buscas que o Slave Wrecks Project tem em curso em diferentes partes do globo para tentar localizar navios naufragados com escravos a bordo. E apesar de só ter sido revelada publicamente agora, é o resultado de cinco anos de trabalho arqueológico e pesquisa em arquivos, incluindo portugueses. Uma contribuição fundamental para a identificação do naufrágio foi a descoberta do manifesto de carga do São José no Arquivo Histórico Ultramarino, em Lisboa. “Foi uma sorte enorme, mas também revimos mais de 12 mil documentos para o encontrar”, nota Lubkemann. O documento descreve a quantidade e características da carga transportada de Lisboa para Moçambique, em particular cerca de 1500 barras de ferro cuja função era estabilizar o navio no mar. Essas barras eram de uso comum nos navios negreiros, servindo para compensar as variações da carga humana a bordo durante as longas travessias transatlânticas, já que nem todos os escravos sobreviviam à viagem. No local do naufrágio os arqueólogos encontraram barras de ferro, pregos em cobre e pedaços de revestimento do fundo de um navio, também em cobre, vestígios de grilhetas, madeira de barris e a rotativa de uma roldana. É uma zona de águas muito agitadas, o que dificulta os trabalhos arqueológicos. “As pessoas tendem a pensar num naufrágio estilo Titanic. Ou uma coisa bastante intacta que reconheceriam caso mergulhassem. Mas foi um acidente bastante violento, e os vestígios estão dispersos por todo o local. ”Nenhum dos objectos recuperados apresenta marcas de proveniência portuguesa. “Mas isso não quer dizer que não se trata do São José. Temos suficientes provas documentais e arqueológicas que nos permitem concluir que é”, garante o sul-africano Jaco Boshoff, que lidera os trabalhos de arqueologia marítima sobre o naufrágio do São José. “Nem tudo tinha marcas, como nos navios de guerra. Nos navios de guerra as barras de ferro tinham marcas, ao contrário das embarcações mercantis ou de escravos. ”Stephen Lubkemann admite que “existe um grande perigo na arqueologia de as pessoas encontrarem aquilo que querem encontrar”. O anúncio da descoberta do São José levou o seu tempo também porque os arqueólogos queriam ter bases sólidas que lhes permitissem desqualificar outros cenários. “Estatisticamente, seria impossível outro navio reunir os mesmos indícios”. Apesar da investigação sobre o São José reunir vários países que tiveram papéis activos no sistema esclavagista, Portugal está ausente dessa colaboração. “Se quiséssemos incluir países que estiveram envolvidos no tráfico de escravos, um ponto de partida lógico seria Portugal”, diz Lubkemann. “Portugal foi pioneiro no tráfico transatlântico. Mais de 40% dos escravos foram levados em navios portugueses, um valor superior a qualquer outro país – Espanha, Grã-Bretanha, França, Holanda. ”Lubkemann diz que tiveram conversas informais com alguns colegas em Lisboa no sentido de uma colaboração futura. “Pessoalmente, acho que devia ser uma prioridade para os arqueólogos marítimos portugueses. O tráfico de escravos é muito negligenciado apesar de ser um país que deve tanto da sua identidade à sua história marítima. Mas creio que todos os países padecem da sua própria versão de amnésia social: nos Estados Unidos, por exemplo, o Norte tende a esquecer o seu envolvimento no sistema esclavagista do Sul. ”Lubkemann e a sua equipa descobriram que o proprietário do São José, de apelido Pereira, tinha interesses em pelo menos quatro continentes. “Tinha ligações com Angola e São Tomé, o Maranhão no Brasil, Goa. Estamos em 1794 e parece que a era da globalização já estava em andamento. ” O capitão do São José era o irmão mais novo do dono da embarcação. “Esse dono, sabemo-lo através de outros documentos, continuou a ser activo no tráfico negreiro pelo menos durante mais 30 anos. A sua assinatura aparece em 1828 numa petição endereçada às autoridades moçambicanas contra a abolição do tráfico de escravos. Sabemos que eles têm outro navio, também denominado São José, mas este Paquete de Goa. Continuamos a fazer o trabalho de arquivo, neste momento no Brasil, para tentar saber um pouco mais sobre a história desta família que tinha uma rede bastante internacional. ”O anúncio da descoberta do São José foi acompanhado de um simpósio internacional na Cidade do Cabo com investigadores e especialistas de diferentes nacionalidades. Moçambicanos, brasileiros e sul-africanos reclamaram o naufrágio como um património que lhes pertencia. De novo, não havia portugueses. Para que países vitimizados pela escravatura possam ser donos da narrativa?“Esse género de sensibilidade pode sempre emergir, mas não houve nenhum esforço para excluir Portugal ou qualquer outro país com base nisso. A abordagem do Slave Wrecks Project é não ter uma narrativa dominante”, diz Stephen Lubkemann. “O tráfico de escravos é uma história complicada até em África. Muitas potências africanas tiveram uma participação activa. ” Um exemplo: os investigadores encontraram um documento de 1794 nos arquivos de Moçambique indicando a venda de um escravo por um chefe local ao capitão do São José. A descoberta do São José foi revelada em primeira mão pela imprensa norte-americana, ainda antes da conferência na Cidade do Cabo com os media locais. Apesar de o Iziko Museum, na Cidade do Cabo, ser o depositário dos achados do naufrágio, o Museu Smithsonian de História e Cultura Afro-Americana, que vai abrir no Outono de 2016 em Washington D. C. , irá expô-los pela primeira vez. E aí permanecerão durante um período de dez anos, antes de regressarem à África do Sul. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Essa decisão mereceu críticas de neo-imperialismo na imprensa sul-africana. “Pode parecer petulante reclamar direitos sobre os restos de um navio de escravos em que 212 pessoas – nem sul-africanas, nem americanas, mas moçambicanas – morreram, mas a questão é maior. Durante séculos, os artefactos africanos foram saqueados por museus europeus para serem exibidos”, escreveu o jornal sul-africano The Daily Maverick a 3 de Junho. “Quando uma descoberta é feita ao largo da costa de África, com ressonância histórica sobretudo para os africanos, e no entanto é imediatamente expedida para o Estados Unidos, (…) essa é uma trajectória que era comum – quando era mesmo? Ah, sim: na escravatura”, conclui o jornal. Um naufrágio é um dilema, defende Stephen Lubkemann, porque levanta sempre a questão: a quem pertence? “Neste caso estamos a lidar com um navio que fundeou na África do Sul, onde cerca de metade dos escravos que sobreviveram ao naufrágio foram vendidos. De um ponto de vista legal, porque está dentro das suas águas territoriais e porque provavelmente há pessoas que descendem dos sobreviventes, é um património sul-africano, certo? Mas o navio tinha pessoas que vinham de Moçambique, o que faz com que seja um património moçambicano também. O São José é um de quatro navios que partiram para o Brasil e sabemos que três deles chegaram ao destino. Conseguimos identificar 110 indivíduos de ascendência moçambicana no Maranhão. Será que esta história está de alguma forma relacionada com essas pessoas? A resposta é, muito possivelmente, sim. E não podemos esquecer que isto também faz parte da herança de lugares como Portugal e outras nações envolvidas no tráfico esclavagista, que precisam de reflectir sobre essa história. O património não é apenas aquilo de que nos orgulhamos, mas também o passado difícil. ”Lubkemann garante que a maioria dos achados do São José – “provavelmente 90%” – continuará na África do Sul. “A África do Sul, por sua vez, terá de responder a questões muito complicadas sobre a sua própria função de guardiã. E se Moçambique decidisse dizer ‘Aqui morreram moçambicanos’ e acusar a África do Sul de ser imperialista?”
REFERÊNCIAS:
Étnia Africano
CGD com mais-valias de 200 milhões pela venda de filiais em Espanha e África do Sul
Banco público anunciou na quinta-feira um encaixe de 565 milhões de euros com a venda das participações. (...)

CGD com mais-valias de 200 milhões pela venda de filiais em Espanha e África do Sul
MINORIA(S): Africanos Pontuação: 2 | Sentimento 0.0
DATA: 2018-12-07 | Jornal Público
SUMÁRIO: Banco público anunciou na quinta-feira um encaixe de 565 milhões de euros com a venda das participações.
TEXTO: A venda das filiais da Caixa Geral de Depósitos (CGD) em Espanha e na África do Sul vai gerar mais-valias de 200 milhões de euros e aumentar os fundos próprios do banco em um ponto percentual, anunciou a instituição nesta segunda-feira. "Quanto ao impacto no capital da CGD, a alienação deverá significar um aumento superior a um ponto percentual nos fundos próprios da CGD, resultantes da conjugação da mais-valia gerada e da diminuição dos activos ponderados pelo risco", refere o banco público, liderado por Paulo Macedo, num comunicado enviado à Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM). Ainda assim, acrescenta, "a alienação representa uma perda face ao valor bruto das participações". A CGD anunciou na quinta-feira que a venda das participações de 100% que detém no capital social da sul-africana Mercantile Bank Holdings Limited e de 99, 79% no capital social do espanhol Banco Caixa Geral permitirão um encaixe de 565 milhões de euros. No comunicado então divulgado, a instituição referiu que "a participação na Mercantile Bank Holdings será alienada por um preço global de 3200 milhões de rands sul-africanos, cerca de 201 milhões de euros (considerando uma taxa de câmbio EUR/ZAR de 15, 9) e a participação no Banco Caixa Geral S. A. será alienado por um preço global de 364 milhões de euros". Estes preços, nota a CGD, "estão sujeitos a ajustamentos decorrentes da variação patrimonial da Mercantile Bank Holdings Limited e do Banco Caixa Geral, S. A. , respectivamente, entre a data de referência estabelecida nos acordos de venda directa e o último dia do segundo mês anterior à respectiva data da sua efectiva alienação, pelo que o impacto total da operação poderá diferir dos valores mencionados". Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Ambos os negócios estão dependentes de aprovação pelas autoridades locais de cada país onde as entidades estão sediadas. No comunicado divulgado na quinta-feira, a CGD adiantou que, além dos contratos de compra e venda, serão celebrados acordos de cooperação entre a CGD e o Capitec Bank Limited e entre a Caixa e a Abanca Corporación Bancária "que permitirão continuar a dar apoio aos clientes" da instituição bancária portuguesa que residem ou operam naqueles mercados. Estes negócios "enquadram-se na execução do plano de capitalização da CGD que prevê, entre outras medidas, a racionalização e maior foco da estrutura internacional do grupo CGD", permitindo assim "uma libertação de capital e redução do perfil de risco".
REFERÊNCIAS:
Palavras-chave social
Marine Le Pen: A vida ao serviço do poder
A maturidade política da candidata da extrema-direita à presidência francesa começou de forma traumática. Tal como o pai, Marine chega a uma segunda volta. Agora quer mais. (...)

Marine Le Pen: A vida ao serviço do poder
MINORIA(S): Africanos Pontuação: 2 | Sentimento 0.0
DATA: 2019-07-11 | Jornal Público
SUMÁRIO: A maturidade política da candidata da extrema-direita à presidência francesa começou de forma traumática. Tal como o pai, Marine chega a uma segunda volta. Agora quer mais.
TEXTO: É para este dia que Marine Le Pen se vem preparando há mais de seis anos, desde que tomou as rédeas do partido fundado pelo pai, Jean-Marie. Pelo meio está o longo processo de transformação da Frente Nacional de um movimento nas margens do sistema política para um partido profissional e que encara a segunda volta das presidenciais deste domingo com a noção de que pode chegar ao poder. E é na “herdeira” da extrema-direita francesa que se personifica essa história – onde nem o seu pai foi poupado. Há dois momentos definidores ao longo dos 48 anos de Le Pen que desaguam naquilo que ela é hoje. A explosão de cinco quilos de dinamite destruiu o apartamento de Paris onde moravam os Le Pen, não matando ninguém por muito pouco. Marine tinha então oito anos e escolheu este momento como aquele em que percebeu que “a política pode custar a vida”. O caso nunca foi resolvido, mas o acontecimento marcou os Le Pen, que passaram a ser uma família odiada em França. “Um cordão sanitário foi criado à nossa volta; não se aproximem dos Le Pen”, escreveu Marine na sua autobiografia À Contre Flots, publicada em 2006. Apesar do risco, Jean-Marie Le Pen manteve a Frente Nacional e nunca se desviou do discurso extremista, xenófobo e quase sempre chocante que viriam a caracterizá-lo. A passagem à segunda volta das eleições presidenciais em 2002 foi o grande marco da sua liderança que havia de terminar oficialmente em Janeiro de 2011. É Marine, a sua filha mais nova e na altura vice-presidente da FN, que lhe sucede. A família Le Pen ocupou sempre um lugar de charneira no partido – as três filhas casaram com militantes, embora uma delas, Marie-Caroline, se tenha afastado. Mas o lugar da liderança pareceu sempre reservado à mais nova e mais parecida com o fundador. Foi o próprio Jean-Marie quem disse, no tom que lhe é característico, a propósito da filha: “Ela é igual a mim, mas com mamas. ” A sua vida pessoal confunde-se com a da FN. Os seus dois primeiros maridos eram militantes e o actual companheiro é Louis Aliot, um dos vice-presidentes do partido. O nome da filha mais velha, Jehanne, é uma variação antiga de Joan, em homenagem a Joana D'Arc, figura histórica adoptada pelo nacionalismo francês. Mas Marine chega à liderança do partido com um objectivo muito definido – obter poder. Na retina ficou-lhe não a passagem do pai à segunda volta das presidenciais, mas sim a copiosa derrota que se sucedeu, contra Jacques Chirac. A FN tinha de expandir a sua base de apoio além dos “fiéis” da fundação – sobretudo anti-semitas, neo-fascistas e pied-noirs (franceses que regressaram da Argélia após a descolonização). E, para isso, o partido tinha de mudar. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. A grande prioridade passa a ser reformular a imagem da FN, suavizando o discurso, profissionalizando a comunicação, afastando-se do rótulo xenófobo e racista que lhe era colado. Marine chamou-lhe a “desdiabolização”; os seus críticos falam em “cosmética”. O inimigo número um passou a ser a União Europeia, o “monstro burocrático” que esmaga a França. Le Pen viu bem cedo no eurocepticismo que grassava na sociedade francesa um campo de batalha a explorar. São precisamente as eleições europeias que dão à FN a primeira grande vitória que se traduz em poder efectivo. Em 2014, o partido de extrema-direita é o mais votado e a sua presença no Parlamento Europeu passa de três para 24 eurodeputados. A nível interno, o sucesso veio nas eleições municipais, com a conquista de 14 cidades. Mas a estratégia da “desdiabolização” não estava ainda completa. O segundo momento definidor na vida e carreira política de Marine Le Pen tem os ingredientes de uma tragédia shakespeariana. Em Abril de 2015, Jean-Marie dá uma entrevista em que volta a referir-se aos campos de concentração nazis como um “pormenor” na História da II Guerra Mundial. Este é o exemplo de declarações que a nova versão da FN quer ver extintas. Marine não hesita e expulsa o pai do partido que fundou, e do qual nem uma bomba tinha afastado.
REFERÊNCIAS:
Palavras-chave guerra filha campo concentração racista
A música sem tempo de Ricardo Toscano é um assunto sério
Há muito que o jazz português aguardava o álbum de estreia do saxofonista Ricardo Toscano. À frente do seu quarteto milagroso, fundado na tradição norte-americana, não há decepção possível. Ricardo Toscano Quarteto é já um disco essencial para a História do jazz destas terras. (...)

A música sem tempo de Ricardo Toscano é um assunto sério
MINORIA(S): Africanos Pontuação: 2 | Sentimento -0.33
DATA: 2019-07-11 | Jornal Público
SUMÁRIO: Há muito que o jazz português aguardava o álbum de estreia do saxofonista Ricardo Toscano. À frente do seu quarteto milagroso, fundado na tradição norte-americana, não há decepção possível. Ricardo Toscano Quarteto é já um disco essencial para a História do jazz destas terras.
TEXTO: “Então, meu, onde é que tens andado? Não te tenho visto. ” Ricardo Toscano tem andado por Portugal. A palmilhar palcos deste país com o seu quarteto – às vezes também em Espanha ou Itália –, a deixar a música gerada pelos quatro fermentar e crescer para lá do que seria imaginável em gente que ronda os 25 anos. A desbastar o caminho para aquele que é o álbum de estreia mais aguardado do jazz português em muito, muitíssimo tempo. E a expectativa bem se justifica. Desde há cinco, seis anos que o nome do saxofonista circula pelo meio jazzístico nacional com o cunho de uma revelação em veloz, velocíssima ascensão. O justo burburinho que foi gerando à sua volta – e do seu quarteto, de que fazem parte Romeu Tristão (contrabaixo), João Pedro Coelho (piano) e João Lopes Pereira (bateria) – causou ondas de impacto tão fortes que, em 2015, esgotou em duas datas consecutivas o pequeno auditório da Culturgest, com a sala mais pequena do Centro Cultural de Belém a conhecer a mesma corrida aos bilhetes passado um ano. E foi desde esse momento que começou a ferver uma certa ansiedade colectiva pelo disco de estreia do quarteto. Só que Ricardo Toscano, numa atitude de quem não só a soprar no saxofone parece ostentar uma idade muito superior à constante no cartão do cidadão, travou a fundo essa crescente expectativa. Em vez de apressar a edição, preferiu esperar. Não por um qualquer sinal divino, nem tão-pouco adiando com receio o confronto com o momento em que teria de se haver com essas esperanças que lhe atiravam para o colo sem que ele as pedisse, mas apenas porque sabia que ainda não tinha chegado a hora. E prova disso é o álbum que os quatro gravaram há cerca de ano e meio, que andou a passear na mochila e nos ouvidos durante uns tempos, até se render à conclusão que não servia ainda a sua própria medida de exigência. “Soava bem”, admite ao Ípsilon, “mas o som não era o ideal e a música não estava com o drive que conseguimos agora nesta gravação. ”Quer isto dizer que no jazz, numa música de relação umbilical com a improvisação, não basta ter o reportório e os músicos perfeitos. É preciso que uma gravação não se apequene perante aquilo que o grupo sabe que pode fazer, é preciso preencher na totalidade essa ideia potencial e, se possível, transbordá-la. Sobretudo quando, no caso do Ricardo Toscano Quarteto, se travava e trata não apenas do documento que inaugura a vida discográfica da formação, mas também de um registo que não podia nem pode ficar aquém de uma linguagem colectiva que já tinha sido testada e sublimada dezenas de vezes em palco. E foi bom esperar. Porque, entretanto, há um ano Ricardo Toscano teve a primeira parte de uma epifania em prestações quando regressou a Nova Iorque, a cidade em que vive o jazz profundamente enraizado na tradição norte-americana que é a espinha dorsal da música do saxofonista, para imergir duas semanas na cena local. Algo se passou nesse período – reforçado por uma segunda visita, alargada para um mês e já na companhia dos restantes membros do quarteto, passado meio ano – que atirou o músico para um outro patamar musical e espiritual. Toscano não é capaz de precisar aquilo que aprendeu nesse período, em que rumava todas as noites para o Smalls, pequeno templo do jazz localizado em Greenwich Village, onde se habituou a conviver diariamente com músicos como o recém-falecido trompetista Roy Hargrove. “Aprendi mesmo muito lá, mas não sei explicar exactamente o quê”, diz. “Se calhar não aprendi, mas compreendi. E cada vez compreendo mais aquilo. ”Foi para estar junto de Roy Hargrove que Toscano se tornou assíduo do Smalls durante as duas semanas de Novembro de 2017 em Nova Iorque, por considerar que o trompetista “era o verdadeiro espírito do jazz neste momento”. A descida às catacumbas da cena nova-iorquina prendia-se, precisamente, com essa necessidade de tocar e respirar esse espírito do jazz no lugar que lhe é próprio. Hargrove “era aquele músico que podia estar a tocar no Carnegie Hall ou no Lincoln Center com os grandes nomes, altas salas cheias e esgotadas, mas depois estava todas as noites na jam do Smalls a tocar com toda a gente que aparecesse” – numa atitude que o português compara àqueles guitarristas que encontra nas casas de fado, sempre prontos a partilhar conhecimento e a ensinar os tradicionais a quem queira aprendê-los. “Na forma de o Roy fazer isso, com aquela entrega, percebia-se que não existe nunca o ‘tocar a brincar’. Da mesma maneira que nos ensaios da banda do Wynton Marsalis aquilo é sempre sério. Estar perto dele significava aprender com uma pessoa que aprendeu com as pessoas que inventaram isto. ”Toscano havia depois de voltar a Nova Iorque em Abril, frequentando os mesmos lugares de antes, sendo então questionado pelos músicos locais: “Então, meu, por onde é que tens andado?” Para os músicos americanos, que o tinham visto diariamente no Smalls ao longo de um par de semanas, era como se ele fosse mais um músico “da cena”, entre iguais, que apenas se tinha eclipsado por uns tempos. A experiência de Novembro estava ainda bem viva em Ricardo Toscano quando, em Março deste ano, fez nova tentativa de registar a sua música no Auditório de Espinho, com a importante contribuição de Mário Barreiro na captação de um registo que tem por referência o jazz clássico que é a verdadeira paixão do saxofonista. Daí a importância de Hargrove ou de Wayne Shorter, outro dos seus heróis, músicos ligados ao hard bop como veículo primordial de expressão. Shorter, antes de mais, porque passou pelos Jazz Messengers de Art Blakey e integrou o segundo quinteto de Miles Davis – uma das duas formações de absoluta veneração para o português, sendo a outra o quarteto clássico de John Coltrane (cuja formação de saxofone, piano, contrabaixo e bateria, embora vulgar, é replicada no Ricardo Toscano Quarteto). Não esconde, de resto, a origem de Lament, um dos originais que inclui no seu álbum de estreia, com Coltrane presente na definição daquele espaço musical: “É uma homenagem à minha banda preferida, a coisa mais linda do mundo. É a cena a andar e a malta a swingar a sério. Está tudo bem ali. ”The sorcerer, por outro lado, o único tema cuja autoria não pertence a Toscano, é um original de Herbie Hancock, dedicado a Miles Davis e gravado, precisamente, pelo segundo quinteto do trompetista em 1967, num álbum intitulado Sorcerer. Quanto a filiação, estamos conversados. Toscano deixa as pistas todas para quem estiver interessado em segui-las. Sendo o único tema de outro músico que chega ao CD lançado pela Clean Feed, Sorcerer esteve, na verdade, bastante bem acompanhado na sessão de gravação em Espinho. Ao longo de um dia e meio, o quarteto registou 17 temas, quase todos ao primeiro take. Na sua maioria, standards – apenas seis composições de Toscano, só uma tendo sido excluída do alinhamento final. Esse equilíbrio foi decidido a bem da “integridade artística” e em diálogo com a editora, privilegiando a afirmação de uma marca autoral em detrimento da revisitação – por mais legítima que seja – do património dos clássicos. “Havia duas opções como primeiro disco: a cena cheesy, comercial, à americana para tentar vender para festivais, e que passava por colocar três standards (como nós temos) e um título estilo Introducing ou Presenting, tipicamente anos 90; ou então este disco que sou mais eu, é mais aquilo que sinto, são temas meus e um fecho de ciclo. Se lançasse um disco de standards ia ficar com a sensação de que estava a tentar provar qualquer coisa a alguém. Assim, sinto que é o início de um trilho, uma direcção, um som em que mesmo quando tocarmos um standard não vamos soar a quarteto de Nova Iorque no clube tal – vamos soar a nós. ”Essa ausência dos temas formadores do quarteto não será, na verdade, tanto uma ausência quanto uma presença fantasma. E isto porque é impossível não sentir que a matriz sonora deste grupo é amparada por todos esses colossos que vão de Coltrane a Miles, de Shorter a Cannonball, numa linha que Toscano admite ter parentesco com aquela em que se movem músicos como Ambrose Akinmusire. A partilha desse vocabulário clássico estava bastante presente quando, em 2013, ao receber um telefonema do músico e programador Carlos Martins, responsável por um fim-de-semana no Hot Clube incluído na Lisbon Week, Toscano foi desafiado a montar um quarteto com músicos da mesma geração. “Somos quatro pessoas que gostamos da mesma coisa, temos o mesmo percurso”, explica. E isso, nas suas palavras, equivale a “aprender o jazz do início e não saltar mega etapas para tentar fazer qualquer outra coisa”. “Viemos do mesmo sítio, da mesma cultura e partilhamos esta paixão pelo mesmo estilo de música, o que faz com que nos estimulássemos uns aos outros para aprender. ” Esse estímulo tem passado, até agora, por todas as semanas aprenderem e tocarem temas novos, juntando sempre standards novos ao seu reportório. “Quando um não aprende, apertamos com ele, fazemos bullying uns aos outros”, exagera, reportando-se a um sentido de responsabilidade colectivo. Tal como identificam nos seus heróis, apesar de serem os quatro “muito dados à festa” – o que pode incluir missões de resgate de um telemóvel nas águas da marina de Ancona ou fugas irreflectidas aos carabinieri (nada de grave, esclareça-se) –, quanto tocam juntos nunca é a brincar. O jazz, para eles, é um assunto sério. Esta via que para muitos pode parecer passadista ou saudosista é, afinal, a simples adopção de uma linguagem que estabelece o seu ponto de partida mais atrás do que é habitual numa espantosa geração do jazz português surgida depois daqueles que primeiro se profissionalizaram – como Carlos Martins, Zé Eduardo, Mário Laginha, Maria João, João Paulo Esteves da Silva ou Bernardo Sassetti (quase todos eles, aliás, já fazem parte do percurso de Toscano). Se hoje é muito mais visível e profícua uma adesão aos desafios levantados pela música improvisada – caminhos nos quais o saxofonista se vai estrear este mês, a 28 e 29 de Novembro, no Bar Irreal, primeiro a solo e depois ao lado de Gabriel Ferrandini, Miguel Mira e Rodrigo Pinheiro (elementos do Motio Trio e do RED Trio), juntando caminhos que raras vezes se cruzam –, Ricardo assume que talvez haja no seu quarteto a missão de “trazer esta estética para o nosso panorama e manter isto vivo”. “E ao mesmo tempo”, fundamental acrescento, “dentro disso fazermos a nossa cena. ”Autoria: Ricardo Toscano Quarteto Clean FeedA “cena” de Toscano, Pereira, Tristão e Coelho é especialmente deslumbrante porque soa a ontem e a hoje, não esconde uma intensa ligação com o passado ao mesmo tempo que não se demite de pensar a música para além de qualquer constrangimento temporal. Soa tão antiga, pelo conforto de nos encontrarmos diante de uma combinação de elementos reconhecível e familiar desde os anos 50/60, quanto nova – característica que o músico resume no argumento de que são temas seus “que nunca ninguém ouviu”. Mas não é tão simples quanto isso. Basta ouvir o monumental solo de Toscano no tema de abertura, Almería, para se perceber que por mais que possa haver uma recombinação dos seus heróis naquilo que toca – 23% Coltrane, 15% Miles, 5% Parker e 6% Cannonball ou qualquer outra palermice que totalize 49% - a maioria absoluta daquilo que lhe sai do saxofone alto é pertença apenas dele. Daí que Ricardo Toscano Quarteto se oiça como um disco sem tempo – que, no entanto, vai bem lá atrás buscar uma elegância musical que poucas vezes terá emergido no jazz português. “Honestamente”, confessa, “não sei se o disco soa velho ou se soa novo, não sei mesmo. Sei que a música que gravámos é uma consequência daquilo que já fizemos até agora e sei que é honesto. E adoro ouvir os sítios onde sei que falho, porque gosto de falhar. Quando falho quer dizer que estou a tentar – e se estou a tentar estou vulnerável a não conseguir. É isso que me dá vontade de arriscar outra vez. ”A justaposição dessa vulnerabilidade e desse perigo, essa dança com as notas frente ao abismo, “isso é o jazz”, acredita Ricardo Toscano. É isso que escutamos, uma vez mais, em Almería, numa demonstração de qualidade tímbrica e assertividade discursiva estonteantes. E é essa relação com os limites que o leva a pegar no saxofone uma e outra vez, a estudar incessantemente e a preparar-se para ser capaz de responder a qualquer situação com que possa confrontar-se em palco. “Estudo coisas muito impressionantes fisicamente para estar preparado se o músico com quem estou a tocar me mandar para ali”, admite, “mas isso é uma consequência dele, não vou tentar chegar àquele sítio sozinho. ” E isto porque, apesar de uma técnica prodigiosa, Toscano acredita que virtuoso “é o Wayne Shorter que dá uma nota e consegue passar tudo quanto quer expressar nessa nota”. É também por aí que Ricardo Toscano Quarteto afirma a sua elegância: aquilo que ouvimos são seis temas guiados por uma musicalidade altamente sedutora e envolvente, mas pouco preocupada em deixar alguém boquiaberto com exibicionismos técnicos. O álbum, com lançamento esta sexta-feira, arranca com uma cadência noir, de andamento nebuloso, uma paisagem que começou a ser pensada a partir da linha de baixo, “meio africana e meio tribal”, descreve Toscano, sobre a qual se vai desenvolvendo uma sonoridade que o músico imagina importada do flamenco – ou não tivesse o tema surgido numa mini-digressão espanhola e sido baptizado com o nome de uma cidade andaluz (Almería). Contrabaixo e bateria vão alimentando um ambiente de transe, enquanto o saxofone alto de Toscano os sobrevoa com uma sonoridade febril, tentando evadir-se de um espaço que nunca chega realmente a abandonar. O modo contemplativo de Song of hope ou a “facadinha com torcida” do desgosto amoroso em Grito mudo fornecem outros dos “assuntos” que Ricardo elege para discutir com o quarteto, retrabalhando-os para que a discussão não redunde sempre nos mesmos argumentos. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Se há qualquer resquício de fado que Toscano admite vir à superfície em Lament, Grito mudo convoca uma outra referência primordial – e bastante menos óbvia – para o saxofonista. Naquele que será, porventura, o seu tema preferido ou, pelo menos, aquele em que reconhece ter a sua personalidade transposta com maior clareza para a música, Toscano identifica “um drama e uma intensidade” que imagina poder ter colhido em Wagner. “Tenho o meu wagnerzinho dentro de mim”, ri-se, para logo em seguida confessar que se sente totalmente implicado na música de Tristão e Isolda. Tanto assim, aliás, que o quarteto gravou uma ária de Wagner para um programa da RTP2 que há-de ser exibido em breve. Agora, com este magnífico disco de estreia nas ruas, Ricardo Toscano aguarda para perceber o que poderá vir a significar em termos de penetração em mercados exteriores. Mas sempre sem alimentar sonhos demasiado altos. Se as portas de clubes e festivais na Europa se abrirem, essa será seguramente uma motivação extra para “trabalhar e produzir mais, tocar melhor, ir aos concertos e destruir aquilo no melhor sentido possível”. Algures no próximo ano, imagina, poderá planear uma nova viagem até Nova Iorque, a fim de se banhar de novo no espírito do jazz que admira, renovar a inspiração e, quem sabe, subir mais um degrau no seu desenvolvimento pessoal enquanto músico. Mas, por enquanto, não conta embarcar com bilhete apenas de ida. Não se imagina a ter poupanças que pudessem esticar-se por mais de seis meses e, pelos seus cálculos, demoraria pelo menos um ano e meio a estabelecer-se minimamente na competitiva e exigente cena local. E depois demoraria a encontrar um grupo de músicos com quem a comunicação fosse tão fácil e estimulante quanto o seu quarteto, ao mesmo tempo que, aqui, em Portugal, sabe bem qual é a direcção que quer seguir. Para essa direcção se poder manter límpida, e não se ver enfiada debaixo de camadas mais prioritárias como aquelas que dizem respeito à sobrevivência numa cidade que facilmente suga a energia dos seus habitantes, Ricardo Toscano precisa de tempo. Tempo para conseguir ouvir-se.
REFERÊNCIAS:
As surpresas que a Líbia ainda nos reserva
A Líbia já mostrou o impacto das suas guerras civis sobre a Europa. A crise migratória é um dos mais fortes factores da viragem política e ideológica que varre o Continente. (...)

As surpresas que a Líbia ainda nos reserva
MINORIA(S): Africanos Pontuação: 2 | Sentimento 0.0
DATA: 2018-10-27 | Jornal Público
SUMÁRIO: A Líbia já mostrou o impacto das suas guerras civis sobre a Europa. A crise migratória é um dos mais fortes factores da viragem política e ideológica que varre o Continente.
TEXTO: Anuncia-se um novo período de tempestades na Líbia — se tal é possível conceber. Que importa a Líbia? Os europeus desaprenderam a geografia. O Mediterrâneo não é um “muro que nos separa e defende”. É o mar que une a Europa ao Grande Magrebe. A Líbia é uma ponte, não é uma barreira. Demonstração: a Líbia foi o epicentro de uma “migração bíblica” cujo impacto é muito maior do que a crise migratória. É um dos factores desencadearam a actual viragem política e ideológica na Europa. Os ocidentais também pouco aprendem com a História. Quase tudo o que fizeram na Líbia desde 2011 revela ignorância histórica. É evidente a dificuldade de resolver a crise líbia, um puzzle quase insolúvel. Mas tal não justifica que líderes europeus procedam como “bombeiros pirómanos”. Previnem analistas: as múltiplas guerras civis líbias, que nunca se apagaram, podem reacender-se em grande escala se for avante a ideia de fazer eleições presidenciais e legislativas em Dezembro, na completa ausência de instituições — da polícia aos tribunais — no meio de muitas armas e num clima de instabilidade e insegurança. Não há ainda lei eleitoral e deveria haver um referendo prévio sobre a Constituição. A França é o maior defensor de “eleições já” e a Itália o seu principal adversário. Ninguém é inocente: estão em jogo o petróleo e a geopolítica do Norte de África. Há sinais de que as centenas de milícias, que detêm o poder real, se preparam para uma corrida à conquista de posições: os últimos combates em Trípoli (na foto), com “apenas” 50 mortos, são o mais recente aviso (ver PÚBLICO de 5 de Setembro). “Em circunstâncias normais, a convocação de eleições seria sinal de uma pujante democracia”, escreve o analista líbio Emadeddin Zahri Muntasser. “A razão desta corrida às eleições é simples. As actuais elites políticas desejam manter a sua vantagem sobre os outros candidatos. ” E não só: “A maioria dos políticos líbios que apelam a eleições tem ligações a poderes estrangeiros como o Egipto, a Rússia ou os Emirados Árabes Unidos. (. . . ) Paradoxalmente, fazer eleições neste momento ajudará a consolidar as instituições antidemocráticas. ”Os que detêm poder e controlam os recursos tudo farão para manter as suas vantagens. Os outros tudo farão para armadilhar o processo eleitoral e mudar o statu quo, “já que lhes será mais fácil conquistar mais poder e recursos num clima de instabilidade”, escrevem Rhiannon Smith e Jason Pack, do grupo britânico Libya Analysis. Resumem assim a equação: “Para os líbios, a questão-chave não é ‘quem deverá ser o nosso Presidente’ mas saber ‘como irão ser distribuídos os vastos recursos do país’. ”É inevitável uma pergunta: quem manda na Líbia? Não há um governo, há dois, em Trípoli (Oeste) e em Tobruk (Leste). E nenhum deles governa. Por trás deles estão duas coligações militares: a do general Khalifa Haftar, que domina a Cirenaica (Oeste), e a coligação Alba Líbia, que domina o eixo Trípoli-Misurata. Sem negar o poderio de Haftar ou a “legitimidade internacional” do primeiro-ministro Fayez al-Sarraj em Trípoli, a verdadeira força está nas milícias locais que compõem as duas coligações de geometria variável. A política tribal assenta no controlo dos recursos. O domínio dos ministérios da Defesa e do Interior, do banco nacional, da empresa pública petrolífera (NOC), dos portos e aeroportos ou dos terminais petrolíferos é fonte de poder e riqueza e motivo de sucessivos combates. Por trás do fenómeno não está apenas a anarquia. Está uma cultura secular. As tribos “fazem pela vida”, lutam pela sobrevivência. A queda abrupta da renda do petróleo devida ao caos abalou os compromissos tradicionais, tornando-se um novo factor de guerra civil. E para lá do papel de plataforma das migrações africanas, a Líbia encerra sempre a ameaça de base terrorista e de abjecto mercado de tráfico de vidas humanas. A Líbia nunca foi um país unificado: a Tripolitânia e a Cirenaica têm histórias divergentes. E nunca foi um Estado. É um vasto mosaico de tribos, mais de uma centena. A identidade tribal prevalece sobre a débil consciência nacional. Observa o diplomata e jornalista italiano Sergio Romano: “Nem o império otomano, nem a administração colonial italiana, nem o reino desejado pelos britânicos em 1951, nem a extravagante ‘terceira via’ de Khadafi conseguiram unificar uma constelação de tribos que jamais renunciaram à sua identidade e às suas prerrogativas. ”A primeira “revolução” aconteceu em 1958-59 com a descoberta do petróleo no Golfo de Sidra e na Cirenaica. Um dos países mais pobres de África passa a poder viver da renda petrolífera. A distribuição da renda será, ao lado do aparelho repressivo, o melhor instrumento do domínio absoluto de Khadafi, o meio de “dividir para reinar”, favorecendo ou punindo tribos e regiões através da distribuição das benesses. Ele conhecia o país. Na incapacidade de o unificar, decretou a “extinção do estado”, inventando um “estado das massas”, a Jamahiriya. As embrionárias instituições estatais herdadas da monarquia foram apagadas. Previu em Fevereiro de 2011 o americano Dirk Vandewalle, historiador da Líbia contemporânea: “Se Khadafi desaparecer, haverá um enorme vácuo, não apenas político mas económico e social. Não há quaisquer grupos organizados na sociedade líbia. ” A queda de Khadafi foi definida como um “sucesso catastrófico”. A anarquia reinante leva a que a Líbia seja uma virtual base terrorista e um abjecto mercado de tráfico de vidas humanas. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. O puzzle líbio tem outros actores. Se a Tunísia e a Argélia apostam no diálogo, o Egipto, os Emirados Árabes Unidos, a Rússia e a França apoiam e armam o general Hatfar. A Turquia, o Qatar e a Itália apoiam Trípoli e Al-Sarraj. Os americanos bombardeiam o Daesh. A UE é a “grande ausente”. A Europa está paralisada pelo conflito entre Roma e Paris. Os franceses da Total e da GDF-Suez querem dominar o petróleo e o gás líbios. Para os italianos, manter a hegemonia da ENI é uma prioridade nacional. Paris olha ainda para a posição fulcral da Líbia junto da sua área de influência no Mali ou no Chade. Negociar apenas com Haftar e Al-Sarraj, sem ao mesmo tempo obter um acordo com tribos e cidades, é tempo perdido, pois estas têm interesses próprios e as milícias mudam de campo com facilidade. Nenhum acordo terá sucesso sem o envolvimento da realidade tribal, a base da sociedade líbia. Resta o quebra-cabeças: a estabilização — e não eleições — é a condição necessária para um acordo de distribuição equitativa da renda petrolífera, o que, por sua vez, é condição para a retomada da plena exploração do petróleo. Não depende só dos líbios. Enquanto as potências estrangeiras persistirem nas suas “guerras por procuração”, prosseguirá a luta entre facções pelo controlo das jazidas e dos terminais, numa engrenagem sem fim. Na Líbia, o futuro passa pelo petróleo.
REFERÊNCIAS:
Entidades UE
O dilema da democracia
A simples ideia de que a democracia só serve quando o resultado convém é muito perversa e perigosa. (...)

O dilema da democracia
MINORIA(S): Africanos Pontuação: 2 | Sentimento 0.0
DATA: 2018-10-06 | Jornal Público
SUMÁRIO: A simples ideia de que a democracia só serve quando o resultado convém é muito perversa e perigosa.
TEXTO: Uns meses depois do fim da Guerra dos Balcãs (1991-95) e perante a maior barbárie na Europa desde a II Guerra Mundial, cometida entre “vizinhos” sob a égide de projectos políticos nacionalistas, o diplomata Richard Hoolbroke, que ajudou a forjar os Acordos de Dayton, deixava no ar uma questão que pertencia mais ao campo da filosofia política do que, propriamente, ao ramo da ciência política: “Suponha-se que as eleições são livres e justas e que aqueles que são eleitos são racistas, fascistas, separatistas. Esse é o dilema [da democracia]. ” No fundo, aquela pergunta era uma outra forma de consubstanciar o dilema clássico na discussão em torno das formas sãs e degeneradas de Governo e que pode conduzir a um exercício teórico útil para nos ajudar a compreender alguns fenómenos recentes de apetência para projectos mais populistas e nacionalistas. No âmbito desse exercício, existem dois cenários, algo extremados, é certo, a ter em consideração. Por um lado, temos uma autocracia liderada por um “príncipe” virtuoso, onde a sua principal preocupação é o bem-estar da população, garantindo-lhe elevados índices de qualidade de vida e satisfação. No entanto, neste regime, onde o bom governante herda o poder do pai, não existem partidos políticos, a crítica é “silenciada” e os movimentos civis são frágeis ou inexistentes. Mas veja-se o outro cenário, onde uma democracia consolidada, dentro de todas as regras constitucionais, elege um tirano. Esse mau governante vai exercer o poder em interesse próprio e dos seus “amigos”, dentro de um projecto pessoal alimentado com demagogia e populismo, deixando o seu povo à mercê da fortuna. No entanto, neste regime multipartidário, a crítica é livre, os partidos da oposição exercem a sua função, o associativismo é vigoroso e o direito de voto é universal. As hipóteses apresentadas são limite, já que apresentam uma autocracia virtuosa (se é que isso existe) e uma democracia “degenerada”, mas nem por isso deixam de ser verificáveis em vários momentos da História (passada e presente). E, sobretudo, evidenciam diferentes ópticas daquilo que é o interesse colectivo do povo de cada Estado, interesse, esse, que varia, atendendo a vários factores históricos e culturais. Ou seja, diferentes povos, enquanto entidades colectivas, podem valorizar de forma diferenciada determinados valores e princípios. Se é certo que as democracias liberais assentam em pressupostos consolidados, também as autocracias existentes encontram raízes históricas bem vincadas e perfeitamente identificáveis, inviabilizando, muitas vezes, o seu caminho para uma democracia plena. Aliás, dissipada a euforia do “admirável mundo novo” que se vislumbrava com a queda do Muro do Berlim e a emergência do globalismo nas Relações Internacionais, Francis Fukuyama rapidamente foi confrontado com o erro do seu “fim da história [ideológica]”, sendo até algo ingénuo na forma como apresentou a sua tese. A verdade é que a tão anunciada vitória da democracia liberal acabou por não se concretizar ao nível global. De qualquer forma, com a queda do sistema bipolar de Guerra Fria e com reorganização das relações internacionais, verificou-se uma evolução sã nos sistemas de governo em vários países, nomeadamente europeus. Se é certo que alguns Estados, que outrora estiveram para lá da Cortina de Ferro, se consolidaram como democracias plenas, houve outros que mantiveram um estilo autocrático, como é o caso da Bielorrússia. E depois houve ainda uns países que, não sendo democracias liberais, não podem ser considerados autocracias. São as chamadas democracias iliberais. Sistemas de governo que contêm elementos democráticos, como as eleições, mas apresentam fragilidades sistémicas que as impedem de ser democracias constitucionais e liberais plenas. Estas democracias iliberais são, normalmente, terreno fértil para a legitimação de projectos de poder nacionalistas e demagógicos através do voto. E é aqui que reside uma parte da perversidade destes regimes, onde os seus líderes se refugiam na legitimidade do voto, num sistema político em que a separação de poderes é praticamente inexistente, a oposição muitas vezes abafada e os críticos perseguidos. A imprensa é controlada e a sociedade civil é débil. Existe o voto, mas pouco mais em matéria de “checks and balances”, fundamentais para uma democracia plena. No universo mais próximo da Velha Europa, a Rússia será talvez o melhor exemplo de uma democracia iliberal e que merece ser estudada com atenção. Relembro um excelente artigo publicado há uns anos na Foreign Affairs, assinado por Richard Pipes, conceituado especialista da história russa e antigo director do departamento de assuntos soviéticos da Europa de Leste no Conselho de Segurança Nacional em 1981-82. Pipes, que faleceu em Maio último com 94 anos, defendia a tese de que os russos apoiavam o estilo “antiliberdade e antidemocrático” de Putin, sublinhando na altura que apenas um em cada dez russos se interessava por “liberdades democráticas e direitos civis”. Na verdade, estes e outros conceitos, como propriedade privada e justiça pública, nunca fizeram parte da tradição russa. Por exemplo, apenas cerca de um quarto da população russa considerava que a propriedade privada era importante como direito humano. É preciso notar que Pipes sustentava as suas afirmações em estudos levados a cabo pelo All-Russian Center for Study of Public Opinion e pelo Institute of Complex Social Studies da Academia de Ciências Russa. E para se ter uma ideia, de acordo com os dados obtidos, 78% dos russos considerava que a “democracia era uma fachada para um governo controlado pelos ricos e grupos poderosos". Apenas 22% expressava preferência pela democracia, contra os 53% que se lhe opunham. Sobre os eventuais benefícios das eleições multipartidárias, 52% dos russos considerava que estas eram prejudiciais, sendo apenas 15% a percentagem de russos que as viam como positivas. Mais interessante, mas pouco surpreendente, era a escolha feita entre “liberdade” e “ordem”. Oitenta e oito por cento dos inquiridos na província de Voronezh manifestaram preferência pela “ordem”. Apenas 11% afirmaram não estar dispostos a abdicar das suas liberdades de expressão e de imprensa em troca de estabilidade. Na verdade, um outro estudo, conduzido no Inverno de 2003-04, pela Romir Monitoring, sustentava que 76% dos russos eram favoráveis à reposição da censura nos media. Embora este artigo de Pipes tenha sido publicado em Maio-Junho de 2004, desde então, a sociedade russa não viveu profundas mudanças em matéria de percepção dos seus valores e princípios. Hoje em dia, não é preciso fazer uma pesquisa muito exaustiva para se perceber que as tendências de opinião da maioria do povo russo, naquilo que é uma admiração e crença na sua liderança autoritária, não se alteraram de forma significativa. Ainda há umas semanas, um estudo da Pew Research referia que mais de 70% dos russos acreditavam em Vladimir Putin, quando este disse que Moscovo não tentou interferir nas presidenciais norte-americanas de 2016, apesar dos fortes indícios e provas em sentido contrário. Uma outra sondagem do Levada Center, em que o trabalho de campo foi realizado no passado mês de Maio, mostra que mais de 50% dos russos querem que Putin prolongue a sua presidência para lá de 2024. O enquadramento histórico e a herança cultural de séculos ajuda a explicar esta predisposição do povo russo por lideranças autoritárias. A Turquia, por exemplo, é um outro caso onde a maioria da população parece conviver bem com este tipo de lideranças musculadas que, consequentemente, “atropelam” direitos constitucionais e humanos, fundamentais para qualquer português. Mas se a Turquia não pode ser vista como uma democracia liberal, dificilmente poderá ser catalogada como uma autocracia. O seu sistema move-se no pantanoso terreno das democracias iliberais. O mesmo terreno onde os líderes sérvios continuam a alimentar um discurso nacionalista e populista em relação às atrocidades cometidas na Guerra dos Balcãs (1991-95). A Alta Representante para a Política Externa da União Europeia, Frederica Mogherini, já avisou Belgrado que, enquanto as autoridades sérvias não reconhecerem o genocídio de Srebrenica e assumirem as culpas provadas no Tribunal Penal Internacional para a Ex-Jugoslávia (TPIJ), não serão iniciadas negociações de adesão com a União Europeia. A questão é que a maior parte da população sérvia valida este tipo de discurso através das eleições. E é preciso notar que aquele país não se encontra propriamente num quadro de subdesenvolvimento económico ou social. Pelo contrário, o seu PIB per capita está muito acima do periclitante intervalo dos 1500 a 3000 dólares que condenam qualquer possibilidade de uma democracia liberal se instalar num país (The Future of Freedom, Fareed Zakaria). Efectivamente, de acordo com o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) da ONU, a Sérvia encontra-se num honroso 67. º lugar, sendo considerada uma nação desenvolvida (Portugal está em 41. º e a Turquia no 64. º lugar). Isto permite-nos depreender que estes povos, nalguns casos jovens e com bons índices de escolaridade, detêm as ferramentas necessárias para poderem fazer as suas escolhas de forma livre e consciente. Ainda mais, se estivermos a falar de um país como a Hungria, membro de pleno direito da União Europeia e com índices de desenvolvimento muito próximos dos de Portugal (45. º lugar no IDH). Sendo assim, como se explica que uma grande massa da população (não apenas uma minoria), aparentemente esclarecida, possa corroborar a linha populista, nacionalista e semi-democrática da sua liderança política? Esta questão poder-se-á aplicar igualmente aos Estados Unidos com a eleição de Donald Trump. Podemos compreender o surgimento de minorias radicais, com mais ou menos intensidade, em democracias consolidadas. Faz parte da natureza da própria democracia, dar lugar a todas as formas de expressão cívica e política, desde que dentro das regras constitucionais. Além disso, as democracias liberais, como a Suécia ou os EUA, têm os seus mecanismos de “checks and balances”, que permitem que o sistema opere dentro do quadro constitucional. Isso já não é tão linear em democracias iliberais e é neste ponto que o caso da Hungria assume contornos mais preocupantes, porque, neste momento, será ousado afirmar que o seu sistema de governo, na prática, seja uma democracia liberal plena (embora na teoria o seja, pelo facto de ser membro da União Europeia). Mas o que levará então uma significativa parte do eleitorado em países democráticos (liberais ou iliberais), com razoáveis índices de conforto e segurança, a eleger governantes que, à luz dos pressupostos ocidentais basilares de sociedade, são populistas, demagógicos e, muitas vezes, nacionalistas e até xenófobos? A resposta não é fácil, mas a eleição de Donald Trump veio suscitar um debate interessante sobre essa matéria, porque aconteceu num quadro perfeitamente democrático, constitucional e numa sociedade que se advoga como um farol dos valores da liberdade e dos direitos individuais. E mesmo no campo das democracias iliberais é preciso considerar o seguinte: pode-se partir do princípio que estes sistemas de governo estão desprovidos de alguns mecanismos democráticos e que esse facto pode potenciar a instrumentalização das massas por parte dos seus líderes em prol dos seus projectos de poder na Rússia e na Turquia. Só que, mesmo com estas distorções sistémicas, a manifestação do voto popular nas democracias iliberais não deixa de ser legítima e constitucional. Assim sendo, será legítimo a crítica e o desdém ao comportamento de todos estes eleitores? Não será isso um desrespeito aos cidadãos daqueles países que, livre e constitucionalmente, elegeram os seus líderes e sancionaram as suas políticas nos EUA, na Hungria, na Rússia, na Turquia ou na Sérvia? É perfeitamente compreensível que as realidades emergentes nesses sistemas políticos sejam incómodas para a maioria dos europeus, mas não se pode ignorar o princípio basilar democrático de respeito pelo voto. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. É por essa razão que todos os eleitores norte-americanos que votaram em Trump, um líder populista e demagógico, devem ser respeitados, por mais que a sua decisão desagrade ao cidadão comum europeu. No entanto, uma das virtudes da eleição de Trump é que suscitou uma reflexão sobre a questão colocada por Hoolbroke, o tal dilema clássico da democracia. Porque o que se tem assistido até ao momento é que quando surgem fenómenos populistas e nacionalistas nos clubes das democracias (liberais ou iliberais), a reacção é de reprimenda, com um tom paternalista, aliado à convicção de uma certa superioridade moral e política. Provavelmente, muitos já terão esquecido, mas é importante relembrar o “castigo” que foi imposto à Áustria, em 2000, quando o Partido da Liberdade, de extrema-direita, do falecido Joerg Haider, chegou legítima e democraticamente ao poder. Na altura, o pânico instalou-se no seio dos líderes europeus e a solução passou pelo isolamento político-diplomático de Viena. Sendo certo que o projecto de Haider feria princípios fundamentais das sociedades ocidentais, a verdade é que muitos eleitores austríacos depositaram nele o seu voto, dentro das regras democráticas e inserido no quadro comunitário, ou não fosse a Áustria membro de pleno direito da União Europeia. A simples ideia de que a democracia só serve quando o resultado convém é muito perversa e perigosa. Por mais que nos incomode e até nos choque a eleição de um Trump, o estilo musculado de um Orban, a adoração do povo por um Putin czarista ou a concentração de poder de um Erdogan, devemos respeitar o voto dos eleitores nestes homens e respectivos projectos de poder e tentar compreender as motivações dos cidadãos, antes de serem tomadas medidas recriminatórios e, muitas vezes, contraproducentes contra esses países e povos.
REFERÊNCIAS:
Partidos LIVRE
Sassoli: ex-jornalista famoso em Itália, político pouco conhecido na Europa
Novo presidente do Parlamento Europeu passou pela imprensa escrita e televisiva italiana antes de saltar para a política. Membro do PD desde a fundação, é eurodeputado há 10 anos. (...)

Sassoli: ex-jornalista famoso em Itália, político pouco conhecido na Europa
MINORIA(S): Africanos Pontuação: 2 | Sentimento 0.0
DATA: 2019-07-10 | Jornal Público
SUMÁRIO: Novo presidente do Parlamento Europeu passou pela imprensa escrita e televisiva italiana antes de saltar para a política. Membro do PD desde a fundação, é eurodeputado há 10 anos.
TEXTO: Para a grande maioria dos cidadãos europeus, o nome David-Maria Sassoli não dizia grande coisa até ter sido eleito esta quarta-feira como novo presidente do Parlamento Europeu. Mas em Itália, porém, é um homem famoso. Não porque este eurodeputado do Partido Democrático (PD) tenha marcado intensamente a agenda política ou sido pioneiro de uma nova escola de pensamento político no seu país. Mas essencialmente pelo seu antigo emprego, que lhe garantia uma presença diária nos ecrãs televisivos. Entre 2006 e 2009, Sassoli, jornalista de profissão, era apresentador do principal telejornal da RAI, a estação televisiva pública italiana que o acolheu em 1992. Foi com essa visibilidade e exposição pública que conseguiu 412. 500 votos na circunscrição de Itália Central, nas eleições para o Parlamento Europeu de 2009 – pelas listas do PD. Um recorde no país. Casado, pai de dois filhos, David Sassoli nasceu em 1956, em Florença, no seio de uma família católica. Cresceu, no entanto, em Roma, onde esteve envolvido no movimento político democrata-cristão e se licenciou em Ciência Política. Iniciou a carreira de jornalista em publicações da sua cidade natal e ganhou nome e reputação durante os sete anos que escreveu sobre política no diário Il Giorno. Em 1992 entrou na RAI, onde foi jornalista, repórter, apresentador e subdirector do telejornal. A convite do então presidente da Câmara de Roma, Walter Veltroni, juntou-se ao recém-formado PD, em 2007, e entrou na política activa dois anos depois, candidatando-se ao Parlamento Europeu. Moderado, discreto, próximo da ala centrista do PD e leal ao sentido de voto do grupo dos Socialistas e Democratas em Estrasburgo e Bruxelas – acompanhou o S&D em 98% das votações, segundo o site EU Observer – fez parte do comité de Transportes e Turismo e foi eleito vice-presidente do Parlamento Europeu em 2014 e em 2017. Pelo meio, falhou uma candidatura à Câmara de Roma, em 2012. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Enquanto parlamentar europeu, destacou-se na defesa de maior transparência na atribuição de subsídios aos eurodeputados, na consciencialização sobre as más práticas ambientais do Parlamento Europeu e quando, enquanto vice-presidente, retirou a palavra a um eurodeputado polaco numa sessão plenária por utilização de “linguagem racista”. Sucessivamente reeleito eurodeputado – mesmo que a perder votos, numa Itália mais virada para a Liga (extrema-direita) e para o Movimento 5 Estrelas (anti-sistema) – David-Maria Sassoli chega, aos 63 anos, ao mais alto cargo do Parlamento Europeu.
REFERÊNCIAS:
Palavras-chave escola homem racista
Vacina da malária tem luz verde da Agência Europeia do Medicamento
É a primeira vacina contra o parasita da malária, transmitido pela picada de mosquitos anófeles, que está à porta da comercialização. (...)

Vacina da malária tem luz verde da Agência Europeia do Medicamento
MINORIA(S): Africanos Pontuação: 2 | Sentimento 0.066
DATA: 2017-05-28 | Jornal Público
URL: https://arquivo.pt/wayback/20170528051552/https://www.publico.pt/n1703060
SUMÁRIO: É a primeira vacina contra o parasita da malária, transmitido pela picada de mosquitos anófeles, que está à porta da comercialização.
TEXTO: A Agência Europeia do Medicamento (EMA) acaba de dar um parecer científico positivo a uma vacina para a malária, para uso fora da União Europeia. Mas esta vacina, como sublinhou a EMA em comunicado nesta sexta-feira, ainda tem uma protecção limitada. Identificada como RTS, S/AS01, a vacina, da empresa farmacêutica GlaxoSmithKline e destinada às crianças, ultrapassa assim uma das últimas etapas antes da comercialização. Mas antes da sua difusão, nomeadamente em África, ainda será necessária a recomendação da Organização Mundial da Saúde (OMS), que deverá decidir em Outubro se a vacina deve ou não ser aplicada, dada a sua eficácia limitada. A isso há que juntar a decisão das autoridades de saúde dos países onde a vacina vier a ser utilizada. Não será vendida na União Europeia, pelo que não se destina a viajantes, mas sim ao combate da malária principalmente nas crianças africanas. O papel da EMA foi o de avaliar a qualidade, segurança e eficácia da vacina, para ajudar a facilitar o acesso a novos medicamentos a pessoas que vivam fora do espaço da União Europeia. De acordo com um ensaio clínico para avaliar a eficácia da vacina, cujos resultados foram publicados em Abril na revista médica The Lancet, a RTS, S/AS01 tem uma eficácia modesta e que baixa ao longo do tempo, mas é actualmente a vacina experimental mais promissora contra a malária (ou paludismo), que mata, em média e todos os dias, 1200 crianças na África subsariana. A vacina destina-se a imunizar as crianças com idades entre as seis semanas e os 17 meses contra a malária causada pelo parasita Plasmodium falciparum, a mais grave, e oferece também protecção para a hepatite B, indica o comunicado da EMA, com sede em Londres. “Após décadas de investigação sobre a vacinação contra a malária, é a primeira vacina contra a doença a ser avaliada por uma autoridade de regulação”, acrescenta o comunicado. O estudo foi efectuado num grupo de bebés, de seis a 12 semanas, e num outro, de cinco a 17 meses, com uma amostra total de perto de 15. 500 crianças de sete países africanos (Burkina-Faso, Gabão, Gana, Malawi, Moçambique, Quénia e Tanzânia). Alguns bebés receberam uma injecção de reforço 18 meses após a última dose da vacina inicial, que foi administrada em três doses durante os três primeiros meses de vida. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. “A vacina foi eficaz em evitar o primeiro episódio clínico da malária em 56% das crianças entre os cinco e os 17 meses e em 31% das crianças entre as seis e as 12 semanas”, diz o comunicado. A eficácia da vacina baixa ao fim de um ano: “Os dados dos ensaios clínicos mostram que fornece às crianças uma protecção modesta contra a malária causada pelo Plasmodium falciparum nos 12 meses seguintes à vacinação”, acrescenta-se. “Apesar da sua eficácia limitada, os benefícios ultrapassam os riscos nos dois grupos etários estudados. A Comissão dos Medicamentos para Uso Humano [da EMA] considera que os benefícios da vacinação podem ser particularmente importantes nas crianças em áreas de grande transmissão da malária, onde a mortalidade é muito elevada. ”Segundo a OMS, a malária matou mais de 620 mil pessoas em 2013, em todo o mundo, tendo cerca de 90% dos casos (562 mil) ocorrido em África, e em crianças com menos de cinco anos (82% dos casos). Como a vacina não oferece protecção total, e essa protecção ainda vai baixando ao longo do tempo, a EMA sublinha a importância de se usarem outras medidas protectoras, como as redes mosquiteiras tratadas com insecticidas.
REFERÊNCIAS:
Entidades OMS
Detectado primeiro caso de poliomielite em 18 anos
Eventual propagação do vírus é o que mais preocupa as autoridades responsáveis pela saúde daquela ilha do oceano Pacifico. (...)

Detectado primeiro caso de poliomielite em 18 anos
MINORIA(S): Africanos Pontuação: 2 | Sentimento 0.25
DATA: 2019-07-10 | Jornal Público
SUMÁRIO: Eventual propagação do vírus é o que mais preocupa as autoridades responsáveis pela saúde daquela ilha do oceano Pacifico.
TEXTO: Foi detectado o primeiro caso de poliomielite na Papuásia-Nova Guiné em 18 anos. O vírus foi encontrado num rapaz de seis anos de idade, proveniente da província de Morobe, noticia o jornal britânico The Guardian. O rapaz deu entrada no hospital no dia 28 de Abril, com sintomas de fraqueza nos membros inferiores. Após estar sob observação médica, detectou-se o vírus a 21 de Maio. Na semana passada, o vírus foi detectado noutras duas crianças da mesma província. Uma eventual propagação do vírus é o que mais preocupa as autoridades responsáveis pela saúde daquela ilha do oceano Pacifico. “Estamos muito preocupados com este caso de poliomielite na Papuásia-NovaGuiné. É um facto, o vírus está em circulação", afirmou o ministro da Saúde Pascoe Kase, citado pela BBC News. "A nossa prioridade será responder [ao surto], para que não surja mais nenhuma criança infectada. "A poliomielite afecta principalmente crianças com menos de cinco anos, podendo destruir neurónios responsáveis pela activação dos músculos, deixando as crianças paralisadas de uma perna ou mais membros. Nas últimas décadas, a vacinação foi a grande arma contra a doença, que fez desaparecer o vírus em grande parte do mundo. Desde 2000, que a poliomielite estava erradicada na Papuásia-Nova Guiné. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. O vírus identificado agora é proveniente do vírus enfraquecido usado na vacina oral. Isto acontece em regiões onde a percentagem de crianças vacinadas é baixa e a rede de saneamento é deficiente, como é o caso desta região da Papuásia-Nova Guiné. O vírus da poliomielite aloja-se sobretudo nas células do aparelho digestivo, onde se multiplica. Ao ser libertado nas fezes, o vírus pode contaminar cursos de água e alimentos. Isso também acontece com o vírus atenuado da vacina, normalmente este vírus não causa a doença se for transmitido por esta via. No entanto, se este ciclo de infecção do vírus atenuado ocorre várias vezes, este pode sofrer mutações e passar a causar a doença. Até agora, os três casos estão circunscritos à província de Morobe, na qual, a taxa de vacinação contra a poliomielite é baixa. Apenas 61% das crianças receberam as três doses recomendadas. A Organização Mundial da Saúde (OMS) afasta o risco da doença chegar a outro país, tendo em conta o baixo fluxo de circulação de pessoas na região isolada. O Governo da Papuásia-Nova Guiné está a trabalhar em conjunto com a OMS, com o objectivo de iniciar uma campanha de imunização contra o vírus. Hoje, somente o Afeganistão, o Paquistão e a Nigéria ainda lutam contra o vírus. Em Portugal, a doença encontra-se erradicada há mais de 30 anos. O último caso registado deu-se no ano de 1986.
REFERÊNCIAS:
Entidades OMS
Ex-ministro das Finanças moçambicano vai ser extraditado para o seu país e não para EUA
Manuel Chang assinou empréstimos das dívidas ocultas e é suspeito de ter recebido um suborno avultado. Está desde Dezembro detido na África do Sul, ao abrigo de um mandado de captura internacional. (...)

Ex-ministro das Finanças moçambicano vai ser extraditado para o seu país e não para EUA
MINORIA(S): Africanos Pontuação: 2 | Sentimento 0.0
DATA: 2019-05-23 | Jornal Público
SUMÁRIO: Manuel Chang assinou empréstimos das dívidas ocultas e é suspeito de ter recebido um suborno avultado. Está desde Dezembro detido na África do Sul, ao abrigo de um mandado de captura internacional.
TEXTO: O antigo ministro das Finanças de Moçambique Manuel Chang, detido na África do Sul a pedido dos Estados Unidos desde Dezembro, no âmbito do caso das dívidas ocultas, vai ser extraditado para o seu país, e não para os EUA, anunciou o ministro da justiça sul-africano Michael Masutha. Chang foi alvo de um mandado de captura internacional em que os EUA o acusam de conspiração para fraude electrónica, conspiração para fraude com valores mobiliários e lavagem de dinheiro, no âmbito do processo das dívidas ocultas de Moçambique, de mais de dois mil milhões de dólares. Nos EUA, Chang poderia ser condenado a 45 anos de prisão, se fosse julgado e considerado culpado de todos os crimes de que é acusado. O escândalo rebentou em Abril de 2016. Uma auditoria feita pela consultora internacional Kroll deixou por esclarecer o destino de empréstimos no valor de dois mil milhões de dólares contraídos por três empresas estatais moçambicanas (Ematum, Proindicus e MAM) entre 2013 e 2014, e assinados pelo então ministro Manuel Chang. Em Maputo, Chang é acusado de ter recebido um suborno de 17 milhões de dólares para assinar estes empréstimos fraudulentos. Washington afirma que pelo menos 200 milhões do valor dos empréstimos foram gastos em subornos. Os empréstimos foram avalizados pelo Governo do Presidente Armando Gebuza sem a aprovação da Assembleia da República e à margem da lei orçamental, precipitando uma crise de dívida no país e o corte do apoio directo dos doadores ao Orçamento do Estado. Neste escândalo estão também envolvidos ex-responsáveis do Crédit Suisse, que também foram presos. Chegou a ser detido um filho do ex-Presidente Guebuza. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. “Vamos notificar Moçambique, notificar os Estados Unidos e a Interpol [polícia internacional] da nossa decisão nos próximos dias”, disse à Lusa Max Mpuzana, porta-voz do ministro da Justiça e Serviços Correcionais da África do Sul. A extradição de Chang terá início após a notificação, disseram os seus advogados. De acordo com um comunicado do ministro sul-africano, a decisão sobre a extradição teve em conta que “o acusado é cidadão da República de Moçambique”, que “o alegado crime foi cometido enquanto ele era ministro de Estado” moçambicano e que a “dívida onerosa para Moçambique resultou da alegada fraude”. Michael Masutha é ministro do governo cessante de Cyril Ramaphosa, o Presidente reeleito da África do Sul.
REFERÊNCIAS:
Entidades EUA