Com um nim, Nikki Haley esconde um não
Nikki Haley vai dar que falar nos próximos anos. Até ao último minuto, muitas pessoas tentaram convencer o Presidente a não rasgar o Acordo de Paris. A sua embaixadora na ONU não foi com certeza uma delas. (...)

Com um nim, Nikki Haley esconde um não
MINORIA(S): Migrantes Pontuação: 6 Africanos Pontuação: 2 | Sentimento 0.0
DATA: 2017-06-02 | Jornal Público
URL: https://arquivo.pt/wayback/20170602175615/https://www.publico.pt/n1774287
SUMÁRIO: Nikki Haley vai dar que falar nos próximos anos. Até ao último minuto, muitas pessoas tentaram convencer o Presidente a não rasgar o Acordo de Paris. A sua embaixadora na ONU não foi com certeza uma delas.
TEXTO: Em Janeiro, na audiência de confirmação no Senado para a sua nomeação como embaixadora dos Estados Unidos junto da ONU, Nikki Haley conseguiu esconder o que pensava sobre o Acordo de Paris. Só quem não quis ver um não é que viu um nim. O senador democrata Tom Udall, que se apresentou como “um fortíssimo defensor das Nações Unidas”, fez-lhe três perguntas sobre o Acordo de Paris. — Concorda que os EUA são indispensáveis e têm de manter a liderança em relação ao Acordo de Paris de modo a garantir que os países cumprem as suas obrigações ambientais?— As alterações climáticas devem estar sempre em cima da mesa. Mas quando olhamos para o Acordo de Paris, devemos reconhecer que não queremos fazer o que achamos que devemos fazer a expensas da nossa indústria e dos nossos empresários. Como governadora da Carolina do Sul, sei que trabalhamos imenso para atrair as empresas estrangeiras e, quando chega o momento de elas verem todas as regras e regulamentos que lhes são exigidos, começam a recuar. Não quero prejudicar a nossa economia, mas as alterações climáticas têm de estar sempre em cima da mensa e ser um dos factores sobre os quais falamos. — Mas não quer ser a pessoa que rasga o Acordo de Paris, fazendo com que os EUA, que ajudaram a juntar todos estes países pela primeira vez numa geração, lhes virem costas. — Queremos trabalhar nas coisas que acreditamos que beneficiam o mundo e os EUA. Mas se virmos obstáculos que estão a prejudicar as nossas empresas, diria que isso é uma coisa com a qual eu não concordo. — Compromete-se a ser parte do Acordo de Paris, dos seus objectivos e das suas metas?— As alterações climáticas estarão sempre em cima da mesa. Esta é a transcrição completa das três perguntas. Não escolhi umas partes em detrimento de outras. A estratégia resultou. Quando chegou o momento de votar, os senadores deram-lhe 96 votos a favor e apenas quatro contra. Não foi uma surpresa para ninguém. Nikki Haley defende as ideias mainstream dos republicanos em relação à política externa norte-americana e, na sua biografia, tanto democratas como republicanos, conservadores ou liberais, conseguem encontrar pontos de identificação. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Nikki Haley nunca apoiou Donald Trump nas eleições primárias (anunciou o apoio formal a Marco Rubio, o que lhe valeu um tweet simpático de Trump: “O povo da Carolina do Sul está envergonhado com Nikki Haley!”) e nas presidenciais disse que votaria em Trump, apesar de “não ser fã”. Mais tarde, quando surgiu a ordem executiva para impedir muçulmanos de entrarem nos EUA, a embaixadora foi contra, talvez por ela própria ser filha de imigrantes (nasceu em 1972 em Bamberg, na Carolina do Sul, com o nome de Nimrata Randhawa, filha de um casal sikh da Índia recém-chegado aos EUA). Do mesmo modo que em 2015, após o massacre de nove afro-americanos numa igreja metodista de Charleston, se empenhou em convencer os legisladores locais a darem menos protagonismo à bandeira da confederação no edifício do Capitólio. E no ano seguinte foi um dos 15 governadores que assinaram uma carta a Barack Obama contra o acordo nuclear com o Irão, que recebeu luz verde do Conselho de Segurança da ONU. Nada espanta no seu perfil. Nem mesmo o facto de em 2011 ter sido muito criticada por causa de uma curta viagem de diplomacia económica à Europa com empresários do seu estado na qual foram gastos 127 mil dólares em hotéis e restaurantes de luxo. Nikki Haley é uma estrela em ascensão no Partido Republicano. Vai dar que falar nos próximos anos. Até ao último minuto, muitas pessoas à volta de Trump tentaram convencer o Presidente a não rasgar o Acordo de Paris, incluindo a filha, Ivanka Trump. Nikki Harley não terá perdido tempo com o assunto. No seu nim ficou claro que valoriza sobretudo o curto prazo. Esta terça-feira, quando se soube que Trump ia retirar os EUA do Acordo de Paris, o secretário-geral da ONU, António Guterres, que se licenciou em Engenharia Electrotécnica, mas sabe o bê-á-bá da física, deixou um aviso: “Está provado que o vácuo existe na física. Mas na geoestratégia, não há vácuo. Isso significa que se um país decidir não estar presente — e estou a falar de países grandes como os Estados Unidos ou a China — se um país decide deixar um vazio, posso garantir que alguém o vai ocupar. ” Já todos sabem que é a China. A começar por Nikki Haley.
REFERÊNCIAS:
Entidades ONU EUA
Duas memórias sobre hoje e não o Maio de 68
O historiador e colunista do PÚBLICO Rui Tavares lembra a França de 1998, quando viveu em Paris, e Daniel Cohn-Bendit, um dos rostos rostos do Maio de 68, com quem se cruzou enquanto eurodeputado e no grupo parlamentar dos Verdes. (...)

Duas memórias sobre hoje e não o Maio de 68
MINORIA(S): Migrantes Pontuação: 6 Africanos Pontuação: 2 | Sentimento 0.0
DATA: 2018-06-21 | Jornal Público
SUMÁRIO: O historiador e colunista do PÚBLICO Rui Tavares lembra a França de 1998, quando viveu em Paris, e Daniel Cohn-Bendit, um dos rostos rostos do Maio de 68, com quem se cruzou enquanto eurodeputado e no grupo parlamentar dos Verdes.
TEXTO: Quando cheguei a França o Maio de 68 fazia trinta anos. O presidente era o conservador Jacques Chirac e o primeiro-ministro era o socialista Lionel Jospin, um dos mais à esquerda na União Europeia, que nessa época tinha só 15 estados-membros. O ministro da educação era um senhor chamado Claude Allègre e lá fomos alegremente, no Outono de 1998, participar numa manifestação de estudantes dos liceus contra ele. O serviço de segurança da manifestação era assegurado pelos sindicatos, mas a polícia de choque não estava longe. Quando sentiam um tumulto no meio da marcha, os seguranças entravam pela multidão adentro munidos de matracas e pegavam num dos jovens a quem consideravam casseurs — literalmente, “aqueles que partem coisas”, os “quebradores” — para o entregar à polícia. O suposto casseur podia ser apenas um rapaz dos subúrbios, na maior parte das vezes de uma minoria, a aproveitar a oportunidade para apreciar uma vinda a Paris com os amigos, apanhado no meio da confusão por ter a pele mais escura. Ou podia ser mesmo um casseur verdadeiro: quando passámos em frente a uma das instituições de ensino superior a que os franceses chamam pretensiosamente uma “grande école”, alguém partiu a fachada de vidro da entrada do edifício. Por acaso essa era a escola onde eu iria começar a estudar na segunda-feira seguinte. Depois de tratadas as formalidades, lá descobrimos onde era a sala dos computadores e arranjámos uns emails para nos podermos comunicar com Portugal. Passado uns dias, fui expulso da sala, agarrado pelo braço, por um dos grandes demógrafos franceses, que achava que um mero doutorando não deveria poder ter acesso aos computadores. Só quem esteve na França do Maio de 68 sabe como foi o Maio de 68 — e eu não posso falar do Maio de 68. As pessoas que então estiveram em Paris falam do Maio de 68 como um período em que houve uma suspensão do tempo, em que o ritmo das coisas se tornou diferente, como quando as pessoas se apaixonam ou têm uma epifania. A França que eu conheci é a outra França: a França normal, a França não-revolucionária. Se só se pode compreender o Maio de 68 tendo vivido o Maio de 68, também só se pode compreender porque é que a França tem de vez em um quando uma revolução vivendo a França não-revolucionária. Se, vista de fora, a França tem fama de revolucionária, só vendo a França de dentro se percebe como se trata de um país centralizador, disciplinador e hierárquico. É a direita, e não a esquerda, que determina a França. Entre o Maio de 68 e hoje, a França teve apenas dois presidentes eleitos à esquerda, François Mitterrand e François Hollande, e este com apenas um mandato. De direita teve Charles De Gaulle, Georges Pompidou, Jacques Chirac e Nicolas Sarkozy. Eleitos pelo centro, mas governando apoiados à direita teve Valéry Giscard d'Estaing e agora Emmanuel Macron. É porque se trata de uma panela de pressão que a França de vez em quando rebenta. A Paris hierárquica resume as tensões em que vive a sociedade francesa. A capital é separada dos seus subúrbios por uma circular chamada “boulevard périphérique” — o “périph”, para os amigos. Eu vivia na Cidade Internacional Universitária de Paris, a poucos metros de distância: bastava passar por debaixo do viaduto e ir à cidade de Gentilly fazer as compras aos merceeiros árabes ou aos minimercados portugueses. Nos anos 70 ou 80 tinha havido uma proposta para deslocalizar a minha escola para Gentilly, com uma localização e edifícios perfeitamente convenientes. Os professores recusaram horrorizados. Na França de 1998 falava-se um pouco do Maio de 68, mas falava-se muito mais do Campeonato do Mundo de Futebol que a França tinha ganho em casa contra o Brasil por 3-0, com dois golos de Zinédine Zidane. A equipa campeã mundial, francesa e multicultural, deixou o país eufórico e esperançoso de ultrapassar as suas tensões (por outro lado, um colega brasileiro que foi à esquadra de polícia denunciar um roubo acabou por lá ficar, depois de ter insultado um polícia que o provocou com o trois-zéro). Mas por detrás do entusiasmo com a equipa da bandeira tricolor, ambiente a partir do qual se cunhou a expressão black-blanc-beur — preto, branco e “árabe” —, persistiam as mesmas feridas abertas pela Guerra da Argélia, a discriminação dos muçulmanos e o nascimento do fundamentalismo. Uns anos antes, a França tinha visto uma série de 14 atentados, os primeiros do terrorismo islamista moderno, culminando com um às portas do metro da Rue de Rennes, que usávamos quase todos os dias. A capital francesa foi a primeira cidade europeia a ter militares com metralhadoras por todo o lado, bem antes do 11 de Setembro. O securitarismo facilmente descambava em paranóia e racismo. O meu amigo, colega historiador e camarada de aventuras, André Belo, moreno e orgulhoso das suas origens algarvias, era sistematicamente parado no metro para verificação de bilhetes. Creio que o mesmo nunca me aconteceu. Saí de França em 2002. Jospin e Chirac estavam a par nas sondagens para as eleições presidenciais. Na rua, um cartaz de uma estupidez inominável apelava à abstenção alegando que Jospin e Chirac eram indiferentes, e com o mau gosto de mostrar as colunas dos candidatos a 50% nos gráficos das sondagens como se fossem as duas torres gémeas de Nova Iorque, que tinham acabado de ser destruídas no ano anterior. Ninguém ligava grande coisa às sondagens para a primeira volta — onde a esquerda, junta no governo, tinha decidido apresentar seis candidatos diferentes — até rebentar a surpresa: quem passou à segunda volta foi o fascista Jean-Marie Le Pen. Umas semanas antes, nem era certo que o “pai” Le Pen se pudesse apresentar às eleições, por falta de assinaturas. Agora, o país estava virado do avesso. As primeiras manifestações de protesto começaram a passar debaixo da nossa janela nessa mesma noite, em direção à Place de la République. Depois de toda a condescendência da esquerda, era um pouco tarde demais. A França doente iria em breve tornar-se um problema europeu com outra surpresa, ao chumbar o tratado que estabelecia uma Constituição para a Europa. E boa parte do que estamos a viver hoje na Europa tem as raízes nessa outra França que não é a França dos libertinos no século XVII, dos philosophes no século XVIII, dos revolucionários da Comuna no século XIX, da Frente Popular e do Maio de 68 no século XX — mas a perpétua França reacionária, a República onde a classe política vive permanentemente obcecada com a escolha do próximo presidente-rei e onde a liberdade-igualdade-fraternidade é decantada pelo desdém aristocrático com que os ricos e bem-nascidos olham para os suburbanos, os provinciais e os imigrantes. E isso leva-me a uma segunda memória relacionada com o Maio de 68, mas que não é sobre o Maio de 68. Anos mais tarde, no Parlamento Europeu, convivi e trabalhei com Daniel Cohn-Bendit, o símbolo da contestação estudantil no Maio de 68, e assisti de perto ao fim da sua carreira parlamentar. Nunca falámos do Maio de 68 porque ele não tinha pachorra para ter de falar pela enésima vez no Maio de 68. O livro mais recente em que ele tinha tentado encerrar o assunto chamava-se Forget 68, “esqueçam 68” assim mesmo em inglês para chatear os seus compatriotas: “Escrevi Forget 68 porque 1968 foi um momento extraordinário para todos aqueles que o viveram, foi um acelerador da história, mudou muitas coisas, mas hoje vivemos noutro mundo”, justificava ele numa entrevista. Há só duas coisas que distinguem Daniel Cohn-Bendit do narcisismo intenso que afeta grande parte dos políticos-estrela como ele. A primeira é que se trata de alguém profundamente anti-autoritário: não só por tratar toda a gente por tu, como toda a gente o trata por Dani, mas porque mesmo enquanto presidente do grupo parlamentar dos Verdes europeus era tão intensamente indiferente à decisão final que cada um tomasse sobre o seu voto como tinha sido empenhado na discussão que levasse a essa decisão. A segunda é que se trata de alguém profundamente não-cínico, e isso porque há uma coisa que o emociona na política, e essa coisa é a Europa. Em 2014, Daniel Cohn-Bendit fez o seu discurso de despedida no Parlamento Europeu, na sessão que lembrava o início da I. ª Guerra Mundial, deflagrada cem anos antes. Tinha cinco minutos de tempo de palavra. Falou dez. Em alemão no início, em francês quase o tempo todo — e com uma palavra em árabe. Com a garganta a quebrar, às vezes num fio de voz, explicou que a União Europeia não nasceu no fim da I. ª Guerra Mundial nem no fim da IIª Guerra Mundial por causa das ilusões de hegemonia da Alemanha e dos grandes estados coloniais como a França e a Grã-Bretanha. Enquanto franco-alemão, virando-se sucessivamente para cada um dos seus dois países, explica que dali a poucos anos nenhum país europeu faria parte do G8 — “nicht mal Deutschland!”, grita, nem sequer a Alemanha!, “é preciso que os alemães ponham isso na cabeça” — a não ser que haja uma Europa unida, e essa Europa unida tem de ser descentralizada “porque é preciso que os franceses percebam que o modelo centralizado da République Française não funciona nos dias de hoje”. A União Europeia só pode funcionar se as ambições hegemónicas forem anuladas: “Se temos uma crise política hoje é porque há tendência hegemónicas na Europa, há tendência a achar que a verdade só se encontra num país, e eu digo-vos: se continuamos assim, vamos acabar a destruir aquilo que construímos. ”Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Aí, nessa ocasião, como a seguir no seu verdadeiro último discurso parlamentar europeu, na reunião do nosso grupo parlamentar, Daniel Cohn-Bendit conta a mesma história que contou inúmeras vezes, de cada vez que visita uma escola secundária, por exemplo: “Nasci em 1945; fui concebido no primeiro momento biologicamente possível para os meus pais após o desembarque na Normandia; pois bem, imaginem que eu nascia e dizia aos meus pais ‘daqui a cinquenta anos não vai haver fronteiras na Europa, o Reno entre a Alemanha e a França vai ser um rio como os outros’ — pois bem, os meus pais diriam ‘temos dois problemas: o miúdo fala cedo demais e só diz disparates’”. “Na Europa conseguimos o inverosímil — inch’Allah! inch’Allah!” (“louvado seja Deus” — dito em árabe para irritar os islamófobos). Não houve uma palavra sobre o Maio de 68 então; mas há uma linha fiel que liga o Maio de 68 a esse discurso sobre o passado e o futuro da Europa. É que o Maio de 68 pode ter sido uma revolta em França, mas 1968 foi uma revolução europeia e mundial, de Praga a Chicago. Não foi a primeira revolução europeia: essa terá sido 1848, a famosa Primavera dos Povos. Mas foi uma revolução contra dois géneros de autoritarismo paternalista: um paternalismo nacional, representado por De Gaulle em França e pelo silêncio dos pais que tinham convivido com o nazismo na Alemanha, e um autoritarismo internacional, representado pelos tanques soviéticos que esmagaram a Checoslováquia e pelos bombardeamentos de napalm dos EUA no Vietnam. E dessa dupla oposição nasceu uma esquerda que reencontrou as suas raízes libertárias e as voltou a juntar à sua paixão pela igualdade, e que ao fazê-lo teve de recusar os dois imperialismos em simultâneo, o soviético e o americano. Essa esquerda libertária cresceu depois com a luta contra a proliferação nuclear e acabou por atingir a maturidade na criação do movimento ecológico. Mas talvez um judeu alemão de língua francesa como Cohn-Bendit, nascido como apátrida e expulso da universidade francesa após o Maio de 68, tenha extraído da sua identidade particular uma sensibilidade para a dimensão europeia como sendo o espaço fundamental para a ação dessa esquerda eco-libertária. Ainda que depois tenha redescoberto as suas raízes nos grandes visionários do século XIX e XVIII, de Victor Hugo a Voltaire, essa esquerda pró-europeia que celebrou a queda do Muro de Berlim tem de facto o seu nascimento no Maio de 68. Mas os seus herdeiros são os estudantes Erasmus que já terão feito, diz-se, mais de um milhão de bebés nas últimas décadas. É aí que está o futuro. É por isso que autoritários paternalistas de todos os géneros continuam a olhar com muita desconfiança para o Maio de 68, como olham hoje com desconfiança para as identidades cosmopolitas dos jovens europeus. É por isso também que a melhor maneira de comemorar 1968 é viver resolutamente em 2018 sabendo que o tempo não volta para trás.
REFERÊNCIAS:
Entidades EUA
O mundo louco da cozinha que Bourdain nos mostrou
Foi com o livro Kitchen Confidential que Anthony Bourdain se tornou um nome conhecido. Nele, contava sem papas na língua o lado negro da restauração. (...)

O mundo louco da cozinha que Bourdain nos mostrou
MINORIA(S): Migrantes Pontuação: 6 Africanos Pontuação: 2 | Sentimento -0.6
DATA: 2018-06-21 | Jornal Público
SUMÁRIO: Foi com o livro Kitchen Confidential que Anthony Bourdain se tornou um nome conhecido. Nele, contava sem papas na língua o lado negro da restauração.
TEXTO: No final da década de 1990, Anthony Bourdain decidiu enviar de forma espontânea um texto para a New Yorker. “Um chef de Nova Iorque conta alguns segredos do sector”, lia-se na entrada do artigo, que a revista decidiu publicar. “Foi o lado desagradável da cozinha profissional que me atraiu logo à partida”, contava então o chef, entre relatos de serviços caóticos, horas extremas e pratos a voar pelo ar. Avisava-nos para nunca pedirmos peixe à segunda-feira e revelava que as luvas e o chapéu de cozinheiro passavam mais tempo longe dos cozinheiros do que imaginávamos. No ano seguinte, com o best-seller autobiográfico Kitchen Confidential – que o elevou a estatuto de celebridade –, debruçou-se a fundo no lado negro da cozinha e do negócio da restauração: as práticas negligentes, corrupção, drogas, álcool, sexo e a depressão, entre outros aspectos. Escreveu sem papas na língua (e com algum humor) sobre a incompetência e estupidez de alguns profissionais; contou sobre a sua própria luta com a dependência de heroína e cocaína e relatou episódios chocantes com algum detalhe – como quando um dos seus colegas decidiu fazer uma pausa de cinco minutos para fazer sexo com a noiva recém-casada, durante uma recepção. Apesar de ter ultrapassado o problema das drogas já na década de 1980, foi um tema do qual nunca de afastou. Num post do Reddit AMA (ask me anything, em português, perguntem-me o que quiserem), em 2014, um utilizador interrogava-o como o chef conseguia beber [álcool], depois de ter lutado contra um problema de abuso. “Sou um caso muito pouco comum. Estás correcto. A maior parte das pessoas que larga a heroína e cocaína tem de deixar tudo. Talvez por as minhas experiências terem sido tão horríveis, nunca me senti tentado a ter uma recaída”, respondeu, citado pela Newsweek. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Bourdain levou ainda para o diálogo da indústria da restauração uma série de outros temas, que não eram discutidos. Foi, por exemplo “um dos primeiros a contar que o serviço em muitos restaurantes de renome de Nova Iorque deixaria de existir sem o talento e dos funcionários mexicanos”, gerando assim um debate à volta das políticas de emigração, condições laborais e racismo, escreve o New York Times. Até porque, como nota a CNN, além de ajudar “os espectadores a pensar de forma diferente na comida”, Bourdain “defendia populações marginalizadas e fazia campanha para condições de trabalho mais seguras”. Também inspirou uma legião de cozinheiros que lhe quiseram seguir as pegadas, como é o caso de Vincent Wood, ex-chef de cozinha e jornalista, que escreve no Independent ter sentido a mesma atracção pela loucura e glamour do mundo da cozinha que Bourdain descrevia. Quanto ao lado mais negro desta área, Wood lembra que os mesmos problemas – dependência de álcool e drogas e depressão – continuam, de alguma forma, a estar presente nos dias de hoje. Bourdain deve servir, aponta, "como um lembrete de que as cozinhas têm de trabalhar para proteger aqueles dispostos a dedicar 80 horas por semana de sangue, suor e lágrimas”.
REFERÊNCIAS:
Palavras-chave negro racismo sexo abuso
Entrevista: Cada soldado tem a sua guerra
Maria José Lobo Antunes volta ao passado da guerra colonial, que também foi a do seu pai, como antropóloga. Para investigar, teve de “construir” a distância. No seu livro, o pai é “o ex-alferes médico miliciano” ou “o escritor”. (...)

Entrevista: Cada soldado tem a sua guerra
MINORIA(S): Migrantes Pontuação: 6 Africanos Pontuação: 2 | Sentimento 0.0
DATA: 2017-09-24 | Jornal Público
SUMÁRIO: Maria José Lobo Antunes volta ao passado da guerra colonial, que também foi a do seu pai, como antropóloga. Para investigar, teve de “construir” a distância. No seu livro, o pai é “o ex-alferes médico miliciano” ou “o escritor”.
TEXTO: É a bebé nas cartas que António Lobo Antunes escreveu à mulher quando estava na guerra (D’Este Viver aqui Neste Papel Descripto), é a filha que nasce com o pai longe, em Angola, no romance Os Cus de Judas. Mas não é disso que trata o seu primeiro livro. Em Regressos quase Perfeitos (edições Tinta-da-China), que resulta de quatro anos de investigação no âmbito do seu doutoramento em antropologia na Universidade de Lisboa, cartas e livro passam de objectos de família a documentos históricos. A investigadora do Centro em Rede de Investigação em Antropologia comparou versões mas nunca quis procurar nem factos nem verdades. Na primeira entrevista que dá, fala de um mapa de silêncios da guerra. Quais são as suas “memórias” de guerra? Desde quando ouviu falar da guerra em casa?Desde sempre. Não era da guerra, era de África, de a minha mãe, o meu pai e eu termos estado em Angola, era de eu ser um bebé no meio de militares. As memórias que eu herdei são memórias de um passado distante que nunca me foi contado como uma coisa má, era tudo bom. À medida que foi crescendo, a narrativa foi ganhando mais pormenores?Não, foi sendo constante. Era de um tempo singular da vida da minha família. O tempo em que o meu pai não estava cá quando eu nasci e depois a família reuniu-se [em Angola]. Um tempo de felicidade no meio do horror. O horror nunca me foi contado, para além do facto de o meu pai estar longe e de a minha mãe estar cá sozinha grávida e depois com um bebé pequenino. Quando é que a experiência de guerra se torna mais complexa? Quando é que leu as cartas dos seus pais pela primeira vez?Nunca mexi em nada. Eu e a minha irmã sempre soubemos que havia uma caixa de madeira com os aerogramas e sempre soubemos que um dia era para serem publicados. Só depois de a minha mãe morrer é que mexemos nas cartas e percebemos que eram um documento histórico muitíssimo importante [D’Este Viver aqui Neste Papel Descripto, de 2005, organizado por ambas, que foi também adaptado a filme]. Quando leu as cartas, mergulhou na intimidade dos seus pais. O que sentiu?Descobri que eram muito mais do que cartas de amor, que o são, e são muito pessoais, mas são sobretudo um documento imenso sobre uma época. Conseguiu ter o olhar de uma antropóloga?Agora que trabalhei com elas para a tese de doutoramento e para o livro tornaram-se um documento histórico como a história da unidade BART 3835 [Batalhão de Artilharia que António Lobo Antunes acompanhou como médico]. Conseguiu pôr-se de fora…E construir a distância. Claro. O livro de cartas serviu para recuperar uma linha cronológica de acontecimentos da companhia, para observar no tempo, no imediatismo daquele tempo passado, do que era a guerra para um alferes médico miliciano, e para relacionar esse documento com as outras versões sobre a mesma época. Não deixam de ser cartas de amor do seu pai para a sua mãe. . . Certo, mas no meu trabalho tornaram-se mesmo um documento. Esta distância que eu digo que foi construída é absolutamente necessária para analisar. Durante toda a investigação, foi um documento. Fora da tese e do livro, é território meu. É outra coisa. Sobre a qual não quer falar?Pois. A forma como se relaciona com elas mudou depois da investigação?Não sei como as senti quando as li há cerca de 11 anos, não me lembro. Sei que são um documento extraordinário. A minha relação com aquela guerra, com aquela companhia da qual o meu pai faz parte — e eu e a minha mãe também, marginalmente — mudou. De que forma?Já não é uma imagem impressionista. Já não é uma coisa que apenas me diz respeito a mim. É muitíssimo mais do que isso. Diz respeito àquelas pessoas que viveram aquilo. Impressionista?Feita de pequenos episódios que se vão ouvindo, como em qualquer família. A minha família é um pequeníssimo ponto. É muito mais vasto. E quando leu pela primeira vez Os Cus de Judas?No início da adolescência, talvez. Como se sente a ser “uma personagem” do livro? Aparece o seu nascimento. Ai aparece? Já nem me lembrava. “Como na tarde de 22 de Junho de 71, no Chiúme, em que me chamaram ao rádio para me anunciar de Gago Coutinho, letra a letra, o nascimento da minha filha. . . ”Essa parte eu já sabia, o meu pai só soube no dia a seguir. Eu nasci a 21. Os Cus de Judas apanhou-a de surpresa?Era o outro lado da mesma coisa. É um livro que dizia muito mais do que em casa eu sabia, mas que não foi surpresa. Fala da violência e do horror da guerra. Não só Os Cus de Judas, as entrevistas que o meu pai dá, crónicas, tudo. . . Havia o contraste entre um relato mais violento com esse mundo mais sereno da guerra que lhe era contado em casa?O facto de não se falar de violência em casa para mim não me aparece como um mundo sereno. Há um mundo de contenção em que se pode adivinhar, entre as palavras, tudo o que não está lá. Como a contenção que encontrou nas entrevistas que fez aos militares da companhia do seu pai na sua investigação?No meu livro há muita violência, apesar de haver poucos episódios de violência. Não é a violência do sangue, que existe mas pouco. É a violência do desterro, a violência de, alguns deles, partirem e acharem que “Angola é nossa” e descobrirem a opressão colonial. A violência do Estado Novo visível na pobreza daquelas vidas: muitos daquele homens começaram a trabalhar na escola primária, acordavam às 5h00, não tinham horizontes para além do mundo em que viviam. A violência de uma guerra que deixou de existir de um momento para o outro e que os deixou sem chão. Porque é que escolheu este tema para o seu doutoramento?Depois das cartas e percebendo que aquela guerra existia fora da minha família, conhecendo estes homens — andei dois a três anos nos almoços antes do doutoramento —, percebi que a guerra eram coisas muito diferentes do que eu tinha aprendido na história da minha família. A memória da guerra surgiu naturalmente como um tema de investigação. O que era diferente da guerra para a sua família?Eram outras histórias, outras pessoas, outra maneira de olhar para coisas semelhantes, mundos muito diferentes do mundo em que eu cresci. Não sendo a Maria José uma entrevistadora qualquer, era a bebé que eles se lembram de ter conhecido. Que desafios é que isto lhe trouxe?Quando escolhi trabalhar esta companhia, um dos factos que me levaram a escolhê-la era haver relações pessoais, já ia aos almoços, achei que me iria facilitar a vida e facilitou. Fui recebida com grande generosidade. Mas se eu não fosse mulher, filha do médico, talvez o que tivesse tido acesso pudesse ter sido diferente. Posso ter perdido algumas coisas que não queriam partilhar com a filha de um camarada, com uma mulher, que já foi criança, que viveu com eles, embora não se lembre. Eles convocavam as suas supostas memórias, como se se lembrasse delas. . . “Lembras-te do quartel?”, “Lembras-te quando aconteceu não sei o quê?” Acontecia muito. Eu dizia “não me lembro”. Não me lembro de nada. Saí de lá com um ano e pouco. Mais do que sobre a guerra, esta tese é sobre as imperfeições da memória, sobre como se gere a lembrança e o esquecimento. Começa logo por dizer que não é a procura de factos e verdades que a move…Desde o início que sabia que, trabalhando sobre a memória, estava a trabalhar sobre terreno pantanoso, que o que recordamos está constantemente a ser mudado. Interessava-me saber de que forma isso acontece: de que forma pessoas que participaram na guerra, 40 anos depois, recordam, calam, omitem. Era o meu ponto de partida e acabou por ser o ponto de chegada. Porquê?Confrontando as memórias daquele tempo de 31 militares com o relatório que a instituição militar fez sobre a companhia e comparando com as narrativas daquele que foi, em tempos, um dos alferes médicos do batalhão e que viria a tornar-se um escritor, pude perceber como esse passado é reconstruído de muitas maneiras através das várias vozes de pessoas que hoje andam nos 60 anos. Fala “de narrativas coincidentes”, “zonas pantanosas de inconsistências” e “áreas de silêncios narrativos”. Começando pelo que coincide, o que lembram da mesma forma?Lembram da mesma forma “as decências que sobrevivem às indecências do combate”, uma frase do historiador Jay Winter que eu uso. As historinhas?Não são historinhas, são mais do que isso. São os episódios cómicos que, à falta de melhor termo, eu chamei “anedóticos”. São histórias normalmente risíveis, que fazem as pessoas regressar atrás, não pondo em causa a experiência nem o que sobrou dela no presente. Uma área em que todos convergem é a afirmação da camaradagem, com muitas histórias que a ilustram e que são as que circulam nos almoços. São as coisas boas que sobram do horror e da violência que eles viveram mas que naquelas reuniões anuais não são pronunciadas. E “as zonas pantanosas de inconsistências”?Há vários níveis. Há o confronto do relatório militar da história da unidade com as memórias dos entrevistados. No relatório não se fala, por exemplo, do uso de napalm e os entrevistados falam disso, e houve estudos recentes que comprovaram o seu uso nos três cenários de guerra. Assim como a colaboração com militares sul-africanos, que era uma aliança secreta. E, mesmo ao nível das baixas, há muitos feridos ligeiros que não constam do arrolamento. Outros territórios pantanosos são as coisas que preferem não lembrar e o que os pares lembram. Por exemplo. . . O desespero de um soldado que seguia numa patrulha a pé e que, com a enorme sede que sentia, teve desmaios sucessivos — isto contado por outras pessoas — e pediu para lhe darem um tiro para acabar com o sofrimento. Ele próprio em entrevista comigo encurtou a história, disse apenas que foi complicado. Ou coisas que umas pessoas recordam e outras não, ou dizem não recordar. Há muitos pedaços deste “país estrangeiro” que é aquela guerra e que é impossível saber se aconteceram, porque não existem no relatório oficial e porque as versões dos vários antigos militares não coincidem e também porque não aparecem nas cartas que eram um registo diário. A expressão da guerra como “um país estrangeiro” serve para dizer que este passado é inacessível, ao qual não se consegue chegar mesmo casando todas estas versões?É possível aceder a ele de forma aproximada. A frase é de L. P. Hartley e foi usada por um dos grandes livros sobre a memória, de David Lowenthal, cujo título é O Passado É Um País Estrangeiro. A frase traduz de forma clara a dificuldade que é conhecer o passado, porque é outro mundo. Que silêncios narrativos encontrou?Aquilo a que eu tive acesso é uma versão autorizada, expurgada, limpa do que se passou. Tenho a clara noção de que o que eu conheci e analisei na tese, depois das entrevistas, da observação dos almoços, é apenas uma parte muito pequena. Tenho a certeza de que aconteceu muito mais que não me foi dito a mim e que, se calhar, só é dito entre eles. Uma boa parte suponho que tenha que ver com violência e horror. Esse é talvez o mais surpreendente dos silêncios: ouvir tão pouco sobre o combate, os feridos, sobre o que era feito aos prisioneiros de guerra. Já no romance do seu pai, a violência é dita de forma muito clara. A ficção pôde romper esse silêncio?Fala de forma muito mais aberta do que qualquer um dos meus entrevistados. Eu não sei se é ficção, é ficção sobre uma experiência, imagino eu. Não quero entrar por aí porque eu não sou o autor. O que os ex-militares dizem nos almoços que observou, à mesa e no palco, é sobretudo o lado positivo. . . Os almoços são o lado solar e luminoso de uma experiência tão violenta como é a guerra. Desaparece tudo o que possa criar desacordo, agora que são homens de 60 anos, questões como “qual o sentido da guerra”, “a legitimidade da presença portuguesa em África”, “África e os seus habitantes”. Nada disso é falado. É deixado de fora. Quem está de fora pergunta-se porque é que estes homens se continuam a encontrar 40 anos depois?Nos homens desta companhia parece existir uma vontade de unir o passado que esteve separado do presente. Durante 28 anos aquelas pessoas não se encontraram. E é através de rituais e do encontro, e da manifestação da amizade e coragem, que se cria esta linha entre passado e presente, e que se garante que o passado não vai desaparecer enquanto eles estiverem vivos. Porque é que a maioria dos convívios de ex-combatentes só começa a acontecer tanto tempo depois da guerra, no caso da companhia do seu pai quase 30 anos após a desmobilização?Eles voltaram a 1 de Março 1973, um ano depois deu-se o 25 de Abril, e em 1975 a descolonização. Houve uma aceleração do processo histórico nos anos a seguir e o Estado Novo e a guerra tornaram-se um imenso silêncio, uma zona de incómodo que era difícil de gerir. Esta é uma parte da resposta. Só com o distanciamento que o tempo traz se começou lentamente a voltar a falar da guerra. As condições “da possibilidade da memória” alteraram-se. Mas, por exemplo, Os Cus de Judas foi publicado em 1979, pouco tempo depois do fim da guerra…Num primeiro momento, houve a literatura que veio questionar e romper este silêncio; depois, a linguagem do trauma, com as associações de antigos combatentes a reivindicarem a visibilidade pública do trauma e do dano que aquela guerra causou a milhares de pessoas. E depois, lentamente, este espaço da guerra foi-se abrindo à possibilidade de ser revisitado e reformulado, em que falar de guerra deixou de ser sinónimo de se ser adepto do Estado Novo e do colonialismo. Havia também o tempo das biografias daquelas pessoas, que estavam em movimento: casaram-se, tiveram filhos, emigraram, tiveram vários empregos. Com o tempo, tornou-se evidente que o passado poderia desaparecer se não houvesse um acto qualquer que reivindicasse a possibilidade de se falar do passado no presente. Juntaram-se aí várias circunstâncias que tornaram possível voltar a falar da guerra e, para alguns deles, voltar a encontrar o passado nos camaradas. Porquê o título Regressos quase Perfeitos?Com este trabalho, percebi que as maneiras como lembram e contam a história daquele passado são sempre aproximações imperfeitas ao que aconteceu, sendo que eu não sei o que é que aconteceu. Tenho apenas várias versões com as quais trabalho e lembrei-me desse poema do Walt Whitman em que ele diz que “não há mentiras nem mentirosos” e que “uma mentira é um regresso perfeito”. Com isto não quero dizer que o que está no livro são mentiras, mas são “regressos quase perfeitos” ao passado. São regressos que procuram evitar e contornar os aspectos mais dolorosos e incómodos de um passado que não é apenas importante para eles enquanto homens, mas que continua a ser importante para Portugal. A narrativa da guerra é dulcificada para não ser incómoda e poder inscrever-se na esfera pública?Mesmo privadamente. Eu uso um conceito de um académico australiano que é a “composição”. A ideia de que nós compomos as nossa memórias usando as linguagens públicas, mas também compomos para construir um passado e uma imagem do presente com os quais seja possível viver. Eu não acho que seja necessariamente uma dulcificação. São “regressos quase perfeitos” mas, mesmo assim, são muito imperfeitos, porque se percebe que, apesar de não a mencionarem de forma muito aberta, a violência está lá. Fala da ida do seu pai aos almoços e diz que ele faz como os outros, nos almoços deixa a violência de fora: “O escritor escolhe celebrar com os presentes os instantes memoráveis que sobraram do tempo sombrio da guerra”. . . Sim, o meu pai nos almoços é um dos pares. Mas tem um estatuto social. Quando falam dele, não dizem “o alferes”, como quase todos que têm posto, ele é “o doutor”. Não é o escritor?Ele é o doutor. Uma forma de tratamento que remete para o passado. A partir de que momento é que o doutor passou a ser, para esta companhia, também o escritor?Nos almoços que observei, ele é sempre o doutor, mas são lidos excertos dos seus livros que têm que ver com a guerra, que vão sendo incorporados nesta grande narrativa comum que todos os anos é construída e negociada. Sei que a partir do momento em que, em 2005, as cartas foram lançadas, ele se reaproximou dos camaradas. É impossível recuperar o momento em que, além do doutor, passou a ser o escritor. De que forma esta companhia se sente especial por ter tido a sua experiência plasmada na obra literária do seu pai? Escreve que eles se chamam a si mesmos “Os príncipes do António Lobo Antunes”. “Os príncipes do António Lobo Antunes” é um cartaz que vai sempre à frente no autocarro em que eles vêm e que tem que ver com um acontecimento no Porto [no final do lançamento de um livro, o apresentador disse que, na guerra, “o escritor viveu rodeado de homens humildes”, ao que este respondeu “não são homens humildes, são príncipes”]. Não fiz a pergunta, só posso inferir. Há relações muito diferentes com a obra. Há uns que o lêem, uns que coleccionam crónicas, os que têm livros em casa, há quem não leia, há quem use expressões dos livros, não sei se é de os terem lido ou de ouvirem nos almoços. De que forma isso os faz sentir especiais? Não sei, mas sei que é importante. Isso foi muito visível no lançamento das cartas de guerra, eram várias dezenas de homens que nas cartas reencontraram uma parte do seu passado. Escreve que o escritor “tornou inapagável a guerra que com ele partilharam”. Deu-lhe ordem e sentido?Seguindo outros trabalhos semelhantes sobre narrativas semelhantes e o impacto que elas têm sobre outros militares, atrever-me-ia a dizer que sim. A fixação de um passado, através da publicação de cartas ou de um romance, pode dar sentido às versões pessoais e caóticas do passado, por constituírem “recordações colectivas por interposta pessoa”. Pode ir buscar elementos para organizar a experiência. Isso é tanto mais verdade quanto essas narrativas publicadas estejam longe do mundo ideal da guerra, dos heróis, dos grandes acontecimentos históricos. O Cus de Judas quebrou um silêncio que hoje é “uma vozearia”. Como olha para esta “explosão de passados”, em que a guerra está por todo lado, em livros de não ficção, de ficção, documentários?É melhor ser uma vozearia, porque se pode ir coleccionando, apanhando, analisando, lendo várias versões sobre as mesmas coisas. Não é uma coisa que aconteça só em Portugal. No caso francês, há autores que falam da “explosão de memórias cinzentas”. Em Portugal, terão surgido mais tardiamente por causa da revolução e da descolonização. Porquê memórias cinzentas?Não são a preto e branco. Procuram questionar e reconfigurar um passado recente que está ainda a ser escrutinado. Ainda se discute em blogues o colonialismo, a presença portuguesa em África, a guerra. Ainda tudo está a ser discutido. Em Portugal, parece que ainda se está à procura dos termos exactos para se poder fazer o regresso ao passado também do colonialismo. E quando deixarão de ser “cinzentas”? Só quando estas pessoas morrerem?Provavelmente. Há uma expressão de um outro autor que diz que [isso ocorre] quando os protagonistas deixarem de ser “causa de incerteza e se tornarem factos históricos”. Provavelmente vai prevalecer uma qualquer versão sobre o passado, à medida que o tempo for passando e que estas “causas de incerteza histórica” — que são as pessoas que viveram aquele tempo do Estado Novo, do colonialismo, da guerra — forem desaparecendo. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. No livro diz que “talvez haja tantas guerras quanto os soldados que a combateram”. . . Nos almoços, consensualizam-se narrativas, no meu livro são confrontadas, mas eu não procuro saber o que é verdade. Quando me deparo com várias versões dos mesmos acontecimentos, limito-me a mapeá-las, a dizer que existem. Até porque todos nós temos uma relação territorial com o nosso passado. Territorial?O nosso passado é nosso e nós é que sabemos a verdade do nosso passado. Quando se fala da memória de guerra, isso é ainda mais evidente. Cada uma das pessoas que viveu isso reivindica a sua autoridade enquanto testemunha, enquanto participante. Há várias verdades aqui e eu não sei qual é a mais verdadeira.
REFERÊNCIAS:
Alemanha aprova multas até 50 milhões para "discurso de ódio" nas redes sociais
Redes sociais têm 24 horas após uma queixa para eliminar conteúdo que incite ao ódio, difamatório ou falso na Alemanha. (...)

Alemanha aprova multas até 50 milhões para "discurso de ódio" nas redes sociais
MINORIA(S): Migrantes Pontuação: 6 Africanos Pontuação: 2 | Sentimento -0.38
DATA: 2017-07-01 | Jornal Público
SUMÁRIO: Redes sociais têm 24 horas após uma queixa para eliminar conteúdo que incite ao ódio, difamatório ou falso na Alemanha.
TEXTO: Na Alemanha, as redes sociais que não consigam eliminar conteúdo ilegal, falso ou racista em menos de 24 horas serão multadas com coimas até 50 milhões de euros. A proposta de lei feita em Março foi aprovada, esta sexta-feira, pelo parlamento alemão. “Termina a lei da selva na Internet”, diz o ministro da justiça alemão, Heiko Maas, em comunicado, acrescentando que “a liberdade de expressão termina quando o direito criminal começa. ”As redes sociais não serão multadas de imediato após a primeira infracção, mas após falhas sucessivas em bloquear ou eliminar conteúdo ilegal. A lei obrigará as redes sociais a apresentarem um relatório trimestral revelando como têm resolvido as queixas recebidas, especificando o número de denúncias recebidas a porção destas que foram ou não resolvidas. Ainda assim, trata-se da medida mais dura aprovada por um país europeu para combater a divulgação de conteúdo odioso e notícias falsas em plataformas sociais como o Twitter e o Facebook. O objectivo é reduzir a presença de conteúdo odioso e “notícias falsas” nas redes sociais, incluindo a negação do Holocausto, que é ilegal na Alemanha. O Facebook, porém, não está confiante do sucesso das novas medidas. “A lei, tal como ela é agora, não vai melhorar os esforços para enfrentar este problema social”, lê-se num comunicado da empresa que sente que existiu uma falta de “escrutínio e consulta” no tema por parte do Governo alemão. A rede social garante, no entanto, que vai “continuar a fazer tudo aquilo que pode para garantir a segurança das pessoas" na nossa plataforma. Recentemente, o Facebook, a Microsoft, o Twitter, e o Youtube anunciaram a criação de um fórum global para combater discursos extremistas online, trabalhando em conjunto para definir métodos de remoção. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. O Conselho Central dos Judeus na Alemanha está entre os apoiantes da nova lei alemã: “É o próximo passo lógico para enfrentar, efectivamente, o discurso odioso visto, que todos os acordos voluntários com os prestadores de serviços nas plataformas [de redes sociais] não têm tido sucesso practicamente nenhum”, lê-se num comunicado da organização. O partido político alemão de extrema-direita Alternativa para a Alemanha (AfD) – conhecida por ideologias de anti-imigração e eurocepticismo – disse que está a considerar recorrer ao tribunal de recurso para lutar contra a lei. Porém, a nova legislação também preocupa defensores dos direitos humanos. No início do mês, antes de a lei ir a votação, David Kaye, o relator das Nações Unidas para a liberdade de expressão escreveu que “muitas das violações consideradas pela lei estão extremamente dependentes do contexto”, e que o impedimento de partilhar informação por ser considerada “insultuosa” ou “difamatória” eram “critérios vagos e ambíguos”. Para Kaye, "as obrigações impostas às empresas privadas para regular e reduzir o conteúdo suscitam preocupação em relação à liberdade de expressão”.
REFERÊNCIAS:
Palavras-chave direitos lei humanos imigração tribunal social racista ilegal
Famílias separadas por Trump reúnem-se em biblioteca atravessada pela linha de fronteira
Uma biblioteca situada em cima da fronteira entre os EUA e o Canadá tornou-se num ponto de encontro entre pais, filhos e irmãos iranianos separados pelo veto migratório republicano. Oficialmente, estas reuniões de família não são permitidas, mas acabam por ser toleradas. Não sem gerar tensão. (...)

Famílias separadas por Trump reúnem-se em biblioteca atravessada pela linha de fronteira
MINORIA(S): Migrantes Pontuação: 6 Africanos Pontuação: 2 | Sentimento 0.0
DATA: 2018-11-30 | Jornal Público
SUMÁRIO: Uma biblioteca situada em cima da fronteira entre os EUA e o Canadá tornou-se num ponto de encontro entre pais, filhos e irmãos iranianos separados pelo veto migratório republicano. Oficialmente, estas reuniões de família não são permitidas, mas acabam por ser toleradas. Não sem gerar tensão.
TEXTO: Durante a viagem de carro de seis horas de Nova Iorque até uma pequena cidade no norte do estado norte-americano do Vermont, a estudante iraniana Shirin Estahbanati emocionou-se ao pensar que estaria prestes a rever o seu pai pela primeira vez em quase três anos. O pai de Shirin sofreu um ataque cardíaco desde a última vez que estiveram juntos, mas a sua filha não se atreveu a sair da América para o ir visitar. Mas ao viajar rumo a norte, Shirin não conseguia evitar preocupar-se com algo em específico. E se se enganasse na estrada e atravessasse a fronteira dos Estados Unidos com o Canadá por engano? Estahbanati, tal como muitos estudantes iranianos que vivem nos EUA, tem um visto de entrada única e não pode sair do país sem correr o risco de não ser autorizada a reentrar. Os seus pais, enquanto cidadãos iranianos, estão impedidos de entrar nos EUA devido ao veto migratório, dirigido a cidadãos de países de maioria muçulmana, que foi decretado pelo Presidente norte-americano Donald Trump. Shirin não queria por isso arriscar a errar o seu destino: a biblioteca Haskell em Derby Line, no Vermont. Estahbanati e a sua família combinaram encontrar-se por volta das nove da manhã na biblioteca, que devido a uma anomalia histórica está localizada em cima da fronteira dos EUA com o Canadá (a linha divisória atravessa literalmente o edifício), e que entretanto se transformou num improvável ponto de encontro de famílias separadas pelas políticas de imigração da actual administração norte americana. A iraniana de 31 anos estacionou o seu carro e, lutando para controlar a ansiedade que sentia, dirigiu-se até a entrada do edifício vitoriano. Duas horas depois, os seus pais e a sua irmã ainda não tinham aparecido no lado canadiano da biblioteca e as chamadas que Shirin fez para o telemóvel da sua irmã permaneciam sem resposta. Finalmente, Shririn avistou-os. Devido a obras perto da biblioteca, o seu aparelho de GPS mandou-os seguir para o posto fronteiriço dos EUA. Como os pais de Shirin não tinham o visto de entrada nos EUA, foram detidos pelos agentes fronteiriços. Depois de aproximadamente duas horas, foram libertados e autorizados a juntar-se a Estahbanati no lado canadiano da biblioteca. Quando se abraçaram, parecia que o seu pai tinha encolhido. Respirou fundo enquanto abraçava a sua filha com força. "Senti saudades do teu cheiro", disse ele. Ao recordar aquele momento, o sorriso de Shirin esbateu-se e tentou não se emocionar. "Quando abracei os meus pais, só desejava conseguir parar todos os relógios do mundo”, disse à Reuters. Este ano, e ao mesmo tempo que famílias de imigrantes da América Latina são separadas na fronteira sul dos EUA, uma história semelhante mas com algumas nuances desenrola-se na fronteira norte com o Canadá, onde dezenas de famílias iranianas têm-se reunido na biblioteca Haskell. Atraídos pelo poder do "passa a palavra" e por um conjunto de publicações nas redes sociais, foram parar a esta zona geopolítica neutra situada numa biblioteca na fronteira rural entre Derby Line, Vermont e Stanstead, na província canadiana do Quebeque. As famílias iranianas fazem viagens árduas e dispendiosas para terem a possibilidade de passarem algumas horas juntas nos espaços da biblioteca. Ainda que vários iranianos tenham dito que não enfrentaram nenhum impedimento por parte das autoridades migratórias, outros afirmaram que os agentes de fronteira dos EUA detiveram-nos durante várias horas, tentaram impedi-los de entrar na biblioteca ou disseram-lhes que não deveriam encontrar-se naquele lugar, ou que deveriam limitar as suas visitas a apenas alguns minutos. E as autoridades americanas e canadianas já ameaçaram fechar a biblioteca devido a estes encontros, disse um funcionário do edifício. "Esta é uma área neutra, mas o governo dos EUA não aceita essa situação, e colocam-nos sob muita pressão", disse Sina Dadsetan, um iraniano que vive no Canadá e que viajou até à biblioteca para ver a sua irmã, no mesmo dia em que Estahbanati se foi encontrar com a sua família. A administração Trump diz que a proibição de entrada de cidadãos de países de maioria muçulmana é necessária para proteger os Estados Unidos, e argumenta que os países em questão, como o Irão, Líbia, Coreia do Norte, Somália, Síria, Iémen e também a Venezuela, não compartilham informações suficientes sobre os seus cidadãos que confirmem que os mesmos não são uma ameaça, ou uma possível fonte de ameaça terrorista. O Departamento de Alfândega e de Protecção de Fronteiras dos EUA, que supervisiona a polícia fronteiriça, recusou um pedido de entrevista da Reuters sobre o caso desta biblioteca. Um porta-voz do departamento, Michael McCarthy, recusou-se a prestar quaisquer comentários sobre as famílias ou sobre a acusação feita pelo referido funcionário da biblioteca sobre as ameaças de encerramento. "A polícia fronteiriça dos EUA trabalha em colaboração com os nossos colegas canadianos, bem como com a comunidade local, para impedir quaisquer actividades transfronteiriças ilegais", disse McCarthy num comunicado. Erique Gasse, porta-voz da Real Polícia Montada do Canadá (RPMC), negou igualmente qualquer ameaça de fechar a biblioteca. "Não é assim que agimos", disse ele. “Não fazemos isso”. Gasse insistiu em dizer que a RPMC não patrulha a área regularmente e que só se desloca ao local quando é chamada. "Não temos nenhum problema com a biblioteca", afirmou. Mahsa Izadmehr, uma estudante iraniana de doutoramento em engenharia da Universidade de Illinois-Chicago, passou sete anos sem ver a sua irmã mais nova, que vive na Suíça. No final de Setembro, as duas irmãs reencontraram-se na biblioteca. Quando se aproximaram da fronteira, delimitada do lado de fora da biblioteca por uma linha de vasos de flores, um agente da Patrulha de Fronteira dos EUA saiu de imediato de um carro que estava estacionado nas proximidades. “O agente disse-nos: ‘Fechámos a biblioteca há cerca de um mês, não permitimos que ninguém se encontre aqui’”, disse Izadmehr. “Perguntei-lhe: Permite-me, pelo menos, abraçar a minha irmã”?O agente permitiu que as irmãs se abraçassem, mas impediu-as de trocarem os presentes que trouxeram - vestidos, chocolates suíços e um relógio. O agente vigiou-as enquanto conversavam em lados opostos, afastadas pela linha de vasos de flores. As irmãs conseguiram finalmente entrar na biblioteca quando um funcionário lhes ofereceu uma visita, mas os agentes da polícia fronteiriça criticaram posteriormente o funcionário, disse Izadmehr, que testemunhou o episódio. McCarthy recusou-se a comentar o incidente. Richard Creaser, autarca da vila de Derby Line, disse que compreende o porquê das visitas familiares serem um "ponto de tensão" para os funcionários da polícia fronteiriça, uma vez que os iranianos pisam solo americano ao entrar na biblioteca. “Percebo em que medida o reencontro das famílias na biblioteca possa ser um problema", afirmou Creaser. O Supremo Tribunal dos EUA aprovou em Junho o veto migratório a cidadãos de países de maioria muçulmana durante este Verão depois de uma longa batalha judicial. As pessoas mais afectadas por esta proibição têm sido estudantes universitários iranianos nos Estados Unidos, normalmente de famílias de classe média que conseguem suportar os custos de viagens internacionais. Vários iranianos disseram à Reuters que também se têm encontrado com as suas famílias, nos últimos meses, no parque do Arco da Paz, localizado na fronteira entre o estado norte-americano de Washington e a província canadiana da Colúmbia Britânica, na costa oeste da América do Norte. Mas para as famílias iranianas com membros a viver nas grandes cidades do leste, o custo de atravessar o continente é proibitivo, o que deixa a biblioteca de Haskell como a sua única opção. Ainda assim, Sina Dadsetan e a sua irmã estimam que a sua família gastou mais de 1600 dólares (cerca de 1400 euros) no seu reencontro de dois dias em Haskell, sem incluir as viagens de avião dos seus pais que vieram do Irão, por um total de dez horas juntos. A biblioteca é vulnerável a eventuais manobras de pressão por parte das autoridades porque, embora o edifício esteja situado em terras americanas e canadianas, a sua entrada fica do lado dos EUA. As autoridades americanas permitem que os funcionários e visitantes do Canadá se desloquem alguns metros em solo americano sem atravessarem um posto fronteiriço. “Acontecem frequentemente altercações com a RPMC ou com a polícia fronteiriça”, disse o bibliotecário Joel Kerr durante uma breve entrevista no início de Novembro, num dia em que duas famílias iranianas se reuniram na biblioteca. "Tentam sobretudo assustar-nos e ameaçar-nos com o encerramento da biblioteca. "Kerr, que assumiu o seu cargo em Outubro, afirmou não poder facultar detalhes sobre como as agências ameaçaram fechar a biblioteca. Os membros do conselho de administração da biblioteca, que recentemente se manifestaram contra as visitas, também não quiseram comentar a polémica. A biblioteca é uma herança de uma época em que os americanos e os canadianos, dizem os moradores, podiam atravessar a fronteira simplesmente com um aceno aos guardas fronteiriços. Foi um presente de uma família local, no início de 1900, para as comunidades vizinhas canadianas e americanas. "O que nos deixa orgulhosos é termos uma biblioteca com apenas uma porta de acesso", disse Susan Granfors, ex-membro da direcção da biblioteca. “Não necessita do seu passaporte. Estaciona do seu lado, eu estaciono do meu lado, mas todos nós vamos entrar pela mesma porta”. Depois dos ataques terroristas do 11 de Setembro de 2001, a fronteira norte dos EUA passou a ser patrulhada mais intensamente, e a presença das forças de autoridade na zona tornou-se mais visível. Em Setembro deste ano, um cidadão canadiano foi condenado a 51 meses de prisão por fazer contrabando de mais de 100 armas para o Canadá, algumas delas através da biblioteca Haskell. Ainda assim, dentro do edifício, decorado com painéis de madeira, vitrais e, no lado canadiano, uma cabeça de alce, predominam os velhos costumes. Utentes e funcionários atravessam livremente a fronteira internacional, delimitada por uma fina linha preta lascada que se estende ao longo da sala de leitura infantil e pelo corredor principal. Na manhã de 14 de Agosto, Estahbanati estacionou o carro no pequeno lote da biblioteca e dirigiu-se até à entrada de granito cinza. Foi lá que encontrou Sina Dadsetan e os pais dele por volta das 11 da manhã, quando chegaram à biblioteca para se reencontrarem com Saba, a irmã de Sina, uma estudante iraniana que vivia na Pensilvânia. Quando a família Dadsetan se aproximou da biblioteca em lados opostos da fronteira, Estahbanati, em lágrimas, perguntou-lhes se tinham visto a sua família. Não viram. Mesmo quando os Estahbanatis chegaram finalmente à biblioteca, os seus problemas não ficaram por aí. Uma obra nas proximidades tinha causado o corte de água na biblioteca e esta foi inesperadamente encerrada. Um funcionário da biblioteca tinha dado permissão por escrito às famílias para se reunirem nas instalações da biblioteca, mas os agentes fronteiriços proibiram o encontro daquelas famílias no local. "Foi muito angustiante, eu só queria estar com meus pais", disse Estahbanati. Estahbanati suplicou aos agentes, e estes acabaram por ceder e permitiram que se reunissem fora da biblioteca por 20 minutos. Passaram-se 20 minutos e, embora os agentes estivessem a controlar as famílias de perto, permitiram que as mesmas ficassem juntas durante várias horas naquele dia. No segundo dia, os Estahbanatis e os Dadsetans reuniram-se na biblioteca e pelo menos duas outras famílias iranianas também lá estavam, disseram eles. Várias mães tinham, preparado pratos iranianos mais elaborados para os seus filhos. Estahbanati pediu à mãe que fizesse o seu prato favorito de infância, um bolo de arroz crocante chamado tahchin. A mãe de Estahbanati até trouxe um pouco de açafrão do Irão para colocar na comida. “Ela estava feliz por poder cozinhar para mim”, disse Estahbanati”, “e eu fiquei feliz por poder comer o que a minha mãe tinha cozinhado”. É difícil saber ao certo quantas famílias se reuniram na biblioteca Haskell, mas um livro de assinaturas perto da entrada mostra cerca de 12 nomes claramente iranianos entre os meses de Março e Novembro. A Reuters identificou outras sete famílias, todas iranianas, que visitaram a biblioteca ou que tentaram fazê-lo durante este ano. Pessoas com uma ligação próxima à biblioteca mostraram-se relutantes em falar sobre as visitas, preocupadas que a divulgação dos encontros atraísse mais famílias, e consequentemente causasse mais pressão por parte das autoridades. "Estamos a tentar manter-nos neutrais”, disse Patricia Hunt, actual membro do conselho de administração da biblioteca, numa breve entrevista por telefone. O bibliotecário Kerr disse que planeia fazer uma reunião entre os funcionários da biblioteca e as autoridades de ambos os países para elaborar um plano para conseguirem lidar melhor com as reuniões familiares. "Não queremos acabar com as reuniões, necessariamente, mas precisamos de deter o controlo de alguma forma para que possamos permanecer abertos", afirmou Kerr. "As reuniões são apenas consentidas por ambos os lados, porque tecnicamente, não deveriam ser permitidas". Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Num sábado, no início de Novembro, duas famílias iranianas reuniram-se na biblioteca, conversando em voz baixa nas duas salas de leitura. O funcionamento normal da biblioteca prosseguiu no meio de reuniões emotivas e despedidas nos cantos do edifício: Pais e filhos entravam e saíam para devolver livros e vasculhar as prateleiras. Os adolescentes acediam à internet nos computadores da biblioteca e consultavam a colecção de DVD's. Os iranianos ignoravam os sinais em inglês e francês que, por ordem do conselho de administração da biblioteca, “as reuniões de família não são permitidas”. Kerr disse, que os sinais foram colocados apenas uma semana antes. Tradução de Raquel Grilo
REFERÊNCIAS:
O rebranding da coroa
A secular e conservadora coroa britânica está a mudar e curiosamente, ao contrário do povo, que votou pelo Brexit, não quer isolar-se do mundo. (...)

O rebranding da coroa
MINORIA(S): Migrantes Pontuação: 6 Africanos Pontuação: 2 | Sentimento 0.0
DATA: 2018-05-28 | Jornal Público
SUMÁRIO: A secular e conservadora coroa britânica está a mudar e curiosamente, ao contrário do povo, que votou pelo Brexit, não quer isolar-se do mundo.
TEXTO: Uma criança que cresça num agregado familiar chefiado por alguém pertencente a uma minoria étnica tem 41, 9% de probabilidades de viver em pobreza contra 24, 5% das crianças que vivem com uma família branca. O incêndio numa torre de apartamentos, maioritariamente habitado por imigrantes, em junho do ano passado, fez 71 mortos e a primeira-ministra demorou mais de 24 horas a deslocar-se ao local e evitou falar com algum dos sobreviventes. A ministra do Interior, provável sucessora de Theresa May, demitiu-se depois de admitir ter "inadvertidamente enganado" uma comissão parlamentar sobre "quotas de deportação de imigrantes clandestinos". Isto tudo se passou (e passa) no Reino Unido, país que hoje estará nos holofotes mediáticos por causa de um casamento real. E é por isso que é importante falar-se do casamento de Harry, o sexto na sucessão ao trono britânico, com Meghan Markle, uma atriz norte-americana de 32 anos. A noiva do príncipe será a primeira afro-descendente a entrar na família real, a homilía vai ser feita conjuntamente pelo reverendo Michael Bruce Curry, o primeiro afro-americano a presidir a um bispado, e Meghan vai ser levada ao altar pelo braço do (talvez) futuro rei de Inglaterra. Apesar de todas as críticas que se podem fazer à coroa britânica, esta dá um exemplo de abertura e inclusão (e quer sublinhá-lo muito claramente) numa sociedade que agradece bons exemplos. “Os Windsors vão misturar o seu fino sangue azul e os Spencer a sua pele pálida e cabelo ruivo com um DNA rico e exótico”. É normal ler isto na imprensa britânica em pleno séc. XXI? Não, não pode ser. Numa altura em que 68% dos britânicos ainda preferem a monarquia, este casamento representa também um rebranding da coroa ou talvez a sua continuidade. Como Richard Fitzwilliams, especialista na monarquia britânica, explica ao PÚBLICO, “não há dúvida que, no futuro, o círculo interno da família real será [constituído por] William e Kate, Harry e Meghan e, claro, os filhos. ” O objetivo é “adelgaçar” a Casa Real e concentrá-la na jovem geração que quer ser o mais igual possível aos jovens da sua idade. A secular e conservadora coroa britânica está a mudar e curiosamente, ao contrário do povo, que votou pelo Brexit, não quer isolar-se do mundo.
REFERÊNCIAS:
Palavras-chave criança minoria pobreza casamento deportação
Morreu Stan Lee (1922-2018), o humano que criou a teia de super-heróis da Marvel
Ao longo dos seus 95 anos de vida, Lee foi a mão e mente criadora de alguns dos nomes mais memoráveis das bandas desenhadas da Marvel, como o Homem-Aranha, os X-Men ou Hulk. (...)

Morreu Stan Lee (1922-2018), o humano que criou a teia de super-heróis da Marvel
MINORIA(S): Migrantes Pontuação: 6 Africanos Pontuação: 2 | Sentimento 0.0
DATA: 2018-12-31 | Jornal Público
SUMÁRIO: Ao longo dos seus 95 anos de vida, Lee foi a mão e mente criadora de alguns dos nomes mais memoráveis das bandas desenhadas da Marvel, como o Homem-Aranha, os X-Men ou Hulk.
TEXTO: O criador de super-heróis dos quadradinhos da Marvel, Stan Lee, morreu nesta segunda-feira aos 95 anos. Lee dava um toque humano aos seus super-heróis e embebia-os das causas em que acreditava, como a luta pelos direitos humanos e a tolerância — foi um dos nomes mais influentes na empresa Marvel Comics, que acabaria por se tornar uma gigante do mercado de entretenimento, permeando das bandas desenhadas para o cinema, para a animação e para as séries. Pelas mãos de Lee (e com a ajuda dos artistas Jack Kirby e Steve Ditko, que morreu em Julho), a Marvel foi catapultada para o sucesso e deu vida ao Homem-Aranha, ao Incrível Hulk e aos X-Men, heróis que perduraram em gerações de leitores. Mas a lista não fica por aí: a eles juntam-se o Demolidor, o Homem de Ferro, Thor, Pantera Negra, Doutor Estranho, Os Vingadores ou o Quarteto Fantástico. Stan Lee tentava deixar de lado a ideia de que os super-heróis são seres imaculados e dava-lhes um lado humano – tanto na complexidade entrançada das emoções quanto na propensão a errar. Lee primava por criar “personagens de carne e osso, com personalidade”, como dizia ao jornal The Washington Post, corria o ano de 1992. “É isso que qualquer história deve ter, mas as bandas desenhadas não o tinham. Eram bonecos de cartão. ”Ainda assim, os super-heróis não eram novidade no quotidiano americano, em grande parte por causa do Super-Homem, lançado em 1938 pela arqui-rival da Marvel, a DC Comics (antes conhecida como Detective Comics) — que escreveu no Twitter que Lee "mudou a forma como olhamos para os super-heróis". De nome completo Stanley Martin Lieber, o escritor nasceu no estado norte-americano de Nova Iorque, a 28 de Dezembro de 1922. Stan Lee era o mais velho de dois irmãos, filhos de Jack Lieber e Celia Solomon — ambos imigrantes vindos da Roménia. Na década de 1970, o norte-americano alterou legalmente o seu nome e o “Leiber” passou ao memorável “Lee”. Homem de múltiplos ofícios (escritor, editor, actor, publicitário, produtor), foi casado com a modelo Joan Lee durante quase 70 anos: desde 1947 até à sua morte, em Julho de 2017. O criador norte-americano viria a morrer nesta segunda-feira no hospital de Cedars-Sinai (para onde foi transportado de ambulância), em Los Angeles. Não são ainda conhecidas as causas da morte. A notícia do óbito foi avançada pela filha do escritor norte-americano, citada pelo TMZ, site especializado em celebridades. “Ele sentia uma obrigação de continuar a criar para os seus fãs”, afirmou a filha, J. C. Lee, à agência Reuters. “Ele amava a sua vida, e amava o que fazia na sua vida. A sua família e fãs também o amavam. Era insubstituível. ”A morte de Stan Lee foi também lamentada por dezenas de figuras que com ele trabalharam: “Devo-lhe tudo”, comentou o actor Robert Downey Jr. , que interpretou o Homem de Ferro; “Perdemos um génio criativo”, escreveu por sua vez o actor Hugh Jackman, que deu vida à personagem Wolverine. Também a actriz Scarlett Johansson, o actor Chris Evans, Ryan Reynolds, ou o astrofísico Neil deGrasse Tyson (que refere que Lee criou “um universo em expansão por si mesmo”) partilharam mensagens de luto. “Costumava pensar que o que eu fazia não era importante”, dizia em 2014 ao jornal Chicago Tribune o autor que chegou a trabalhar na comunicação do Exército norte-americano durante a II Guerra Mundial. “Há quem crie pontes e inove na investigação médica, e eu estava ali a escrever histórias sobre pessoas fictícias que faziam coisas extraordinárias e alucinantes, e vestiam fatos de super-heróis. Mas acho que acabei por perceber que o entretenimento é uma das coisas mais importantes na vida das pessoas”, contava. Quando os mutantes de Lee foram transportados para o cinema, com dezenas de filmes em que eram eles os protagonistas, o sucesso foi claro – ao todo, foram arrecadados mais de 20 mil milhões de dólares (cerca de 18 mil milhões de euros). Mas muito desse lucro inesperado não foi parar às mãos de Lee, o que levou o criador a lançar-se num sem-fim de batalhas judiciais relacionadas com direitos de autor. Ainda que a relação de Lee com a Marvel se tenha deteriorado após a adaptação de inúmeros super-heróis aos ecrãs de Hollywood, Stan Lee – que se dirigia aos fãs utilizando o mote “Excelsior!” – tinha por hábito fazer cameos (curtas aparições) nos filmes e nas séries da Marvel. Se Stan Lee foi “uma personalidade importantíssima” da BD, deve-o sobretudo ao modo como “soube captar o espírito da época, criando um tipo de super-herói com um lado mais humano, que ia muito ao encontro do público mais jovem” nos anos 60, defende o crítico de arte João Miguel Lameiras. “Ele trata muito bem o modo como os superpoderes mudam as personagens, e aborda, por exemplo, questões como o racismo”, acrescenta o crítico. “Era um autor que estava muito dentro do seu tempo”. Sem pôr em causa o contributo do autor para a criação de alguns dos principais heróis da Marvel, João Miguel Lameiras lembra que Stan Lee “vendia muito bem a sua própria imagem: trabalhava com grandes desenhadores, como Jack Kirby, e outros, mas era o seu nome que sobressaía”. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Um “caso emblemático” do insuficiente reconhecimento atribuído a Kirby é o da personagem do Surfista Prateado, ilustra o crítico, que o desenhador inventou como possível figura secundária ao desenhar uma série de páginas para outra figura que Lee inventara, Galactus. E um dos trabalhos de Stan Lee que Lameiras considera mais importante é uma colaboração com Moebius, no final dos anos 80, que tem justamente como protagonista o Surfista Prateado. O crítico de BD Pedro Moura está, no essencial, de acordo com Lameiras. “Apesar de ser uma figura que gostava muito de reinventar o seu próprio papel, é inegável o contributo que deu, nos anos 60, para a reinvenção da figura do super-herói, e da própria Marvel”, diz. “Com Jack Kirby, Steve Ditko e outros, humanizou o super-herói e trouxe o quotidiano e a vida de todos os dias para dentro das grandes epopeias desse tipo de personagens”. com Luís Miguel Queirós
REFERÊNCIAS:
My vovó, my vovô: uma crónica de Natal luso-americana
Esta crónica poderia ter lugar numa lavandaria, numa estação de caminhos-de-ferro ou num restaurante. (...)

My vovó, my vovô: uma crónica de Natal luso-americana
MINORIA(S): Migrantes Pontuação: 6 Africanos Pontuação: 2 | Sentimento 0.0
DATA: 2018-12-31 | Jornal Público
SUMÁRIO: Esta crónica poderia ter lugar numa lavandaria, numa estação de caminhos-de-ferro ou num restaurante.
TEXTO: Esta crónica poderia iniciar-se em East Providence, Providence, Pawtucket ou mesmo Newport, no estado de Rhode Island, EUA. Em New Bedford, Fall River, Taunton, no Sul do Massachusetts, Provincetown, no extremo ocidental do mesmo estado, ou mesmo Lowell, na fronteira norte. Esta crónica poderia ter lugar numa lavandaria, numa estação de caminhos-de-ferro ou num restaurante. Mas esta crónica só poderia ter como título “my vovó, my vovô”, porque essas eram as palavras que quase sempre apareciam nas conversas com os portugueses destas terras. E foram muitas conversas, porque há portugueses — e cabo-verdianos —por todo o lado nesta região. E agora que regressei a Portugal, não poderia deixar de escrever sobre esse outro Portugal surpreendente que se descobre na “América de Baixo”, como os açorianos lhe chamaram (a “América de Cima” é a Califórnia). Em Portugal continental, quando se ouve falar de portugueses nos EUA é de Newark (New Jersey, mas praticamente em frente a Nova Iorque) que se fala. Mas depois de se descobrir a comunidade portuguesa e lusófona da Nova Inglaterra (como se chama aos seis estados do Nordeste dos EUA, incluindo Rhode Island e Massachusetts), a escala é outra. Aqui estamos a falar de cerca de 400 mil pessoas, em dezenas de cidades, numa extensão de centenas de quilómetros de cidades costeiras e algumas do interior, onde a indústria da caça à baleia, primeiro, e a indústria têxtil, depois, trouxeram a estas bandas muitos milhares de portugueses há mais de um século. É portanto uma comunidade mais numerosa e mais antiga, feita de várias comunidades (açorianos de várias ilhas, cabo-verdianos que chegaram como portugueses ou já depois da independência do seu país, portugueses continentais e até alguma antigas comunidades madeirenses) e de várias gerações, do século XIX (pelo menos, embora tenha havido aqui também uma diáspora de judeus portugueses) até ao século XXI. Os portugueses têm aqui um canal de televisão próprio, além de terem lutado com sucesso pelas transmissões da RTPi nos anos 90 — uma manifestação encheu uma praça de Taunton, Massachusetts, com milhares de portugueses que vieram até do Hawai. Uma noite na estrada encontro de repente na telefonia o canal de língua portuguesa, o único não anglófono na região onde me encontrava: nele, um programa dedicado à comunidade cabo-verdiana debatia racismo, pedagogia e a infância cabo-verdiana nos EUA. A qualidade era grande, e grande era também a relevância daquelas redes de comunicação e sociabilidade. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Nos liceus há aulas de Português — deveria haver mais, naturalmente, mas o que importa é que existe a infra-estrutura arduamente construída durante décadas para que mais se possa fazer. A Brown University, onde dei aulas este semestre (no programa financiado pela Fundação Luso-Americana para o Desenvolvimento e generosamente liderado na Brown por Onésimo Teotónio de Almeida), tem um departamento de estudos portugueses e brasileiros de altíssima qualidade. Talvez menos conhecido em Portugal é o excelente departamento de estudos portugueses da Universidade de Massachusetts em Dartmouth, agora dirigido pela lusitanista Anna Klobucka, não só muito bom do ponto de vista académico como dotado de excelente equipamento, a começar por um notável arquivo da imigração portuguesa nos EUA. Até no Norte do mesmo estado, em Lowell, a Universidade de Massachusetts tem agora um programa de estudos dirigido por Frank Sousa, que esteve à frente de Dartmouth e veio agora com ambição de construir um novo pólo nos estudos portugueses numa comunidade historicamente madeirense e mais recentemente oriunda da ilha da Graciosa, nos Açores. E há potencial para mais, dependendo da capacidade política que a comunidade portuguesa e lusófona mantiver e ganhar aqui (há vários autarcas e deputados lusófonos e lusodescendentes aqui, mas ainda falta haver congressistas federais portugueses). Também Portugal deveria olhar para esta comunidade com um sentido estratégico ambicioso: em Rhode Island, o menor dos estados federados, os portugueses são em proporção tantos como no Luxemburgo; no Massachusetts, predominam em todo o Sul do estado. Está bastante já feito em termos da importância cultural e política dos portugueses da Nova Inglaterra, principalmente pela própria capacidade de realização que a comunidade tem tido. Mas com ajuda do governo português muito mais se pode fazer, com vantagem para ambos os lados do Atlântico. Os portugueses daqui lembram-se dos avós e falam deles com carinho num inglês misturado de expressões portuguesas — my vovô, my vovó, quase sempre dito num sotaque açoriano —, receitas de caldo verde e mal-assadas, que são os fritos de Natal açorianos. No caso das gerações mais antigas, muitos já não falam português ou nunca visitaram os Açores. Mas os aviões que levam centenas ou milhares de outros açorianos às festas do Santo Cristo em São Miguel começam agora a levar muitos americanos, de ascendência portuguesa ou não, que descobrem a Europa a poucas horas de voo do continente americano — e não uma Europa qualquer, mas os Açores. Não é incomum encontrar na mesma rua açorianos que nunca foram às ilhas e americanos apaixonados pelo arquipélago. É uma América e um Portugal ainda desconhecidos da maior parte de nós, cheios de história e de possibilidades futuras.
REFERÊNCIAS:
Herdade da Comporta: um paraíso às portas de Lisboa
Considerada a maior propriedade privada do país, destino de férias do núcleo-duro dos Espírito Santo durante anos, a Herdade da Comporta, de extensos e férteis arrozais, gera cobiça. O sinal dado pela venda de cerca de 10% da herdade levou o P2 a percorrer parte do terreno. Os pouco mais de 200 rendeiros estão “obviamente preocupados”, mas também há quem veja neste passo uma oportunidade de valorizar "algo que ficou a meio". (...)

Herdade da Comporta: um paraíso às portas de Lisboa
MINORIA(S): Migrantes Pontuação: 6 Africanos Pontuação: 2 | Sentimento 0.0
DATA: 2018-12-31 | Jornal Público
SUMÁRIO: Considerada a maior propriedade privada do país, destino de férias do núcleo-duro dos Espírito Santo durante anos, a Herdade da Comporta, de extensos e férteis arrozais, gera cobiça. O sinal dado pela venda de cerca de 10% da herdade levou o P2 a percorrer parte do terreno. Os pouco mais de 200 rendeiros estão “obviamente preocupados”, mas também há quem veja neste passo uma oportunidade de valorizar "algo que ficou a meio".
TEXTO: As mensagens e as imagens que promovem a Comporta fazem apelo ao que de mais genuíno tem o território com 12. 500 hectares: o meio natural que ainda prevalece quase intacto, o mar, o extenso areal, o sol. O sossego. O mercado já não aceita um modelo turístico baseado nos activos imobiliários dos anos 90. A biodiversidade passou a ser um activo incontornável. Chega-se ao areal que bordeja a Comporta ao longo de 12 quilómetros, por uma das poucas entradas que o permitem: o apoio de praia Pôr-do-Sol, que o seu proprietário, Juvenal Albino Alfredo, disputou na barra do tribunal, provando que, por vezes, o Direito escreve por linhas tortas. A empresa Herdade da Comporta alegava que a estrutura ocupava terreno que era sua propriedade, mas as sentenças lavradas no Tribunal de Grândola e na Relação de Évora dizem que não, e agora Juvenal vive um período de acalmia na sua relação com a empresa proprietária de uma das maiores herdades de Portugal. Este conflito prova que a Comporta (nome que deriva da comporta que impede a entrada da água do estuário do Sado para os campos de arroz) não é, afinal, apenas sol e praia, natureza quase intacta e sossego. Juvenal Alfredo tinha a “loja” fechada quando o P2 visitou o local. A sazonalidade continua a ser o que sempre foi: amealhar no Verão para ter como viver no Inverno. Aproveita o interregno na actividade, para as reparações na estrutura de madeira que no Verão parece uma colmeia pelo fervilhar de banhistas em busca do peixe grelhado, fresco, do dia. Parece que o mar que enrola na areia fina e branca está cada vez mais próximo do Pôr-do-Sol, ou é apenas impressão! “Não, não é”, responde quem passa as tardes junto ao restaurante a contemplar o horizonte. O lugar do apoio de praia já esteve dezenas de metros mais adiante, no lugar que o espraiar das ondas agora ocupa. Um detalhe que estimula o receio do que possa vir a acontecer no futuro. Com efeito, a faixa arenosa de baixa altitude e o progressivo recuo da linha de costa apresentam uma significativa vulnerabilidade a “um tsunami”, por exemplo, explicou ao P2 Miguel Vieira, que neste momento está a ultimar a formação da ProDuna — Associação de Defesa e Recuperação Ambiental do Litoral e Zonas Estuarinas. Mesmo assim, o receio do futuro não é tão forte como a indefinição que continua a pairar sobre a Herdade da Comporta, sobretudo para os cerca de 3000 residentes das sete aldeias descendentes dos primeiros moradores da Herdade da Comporta no século XVI. Era o tempo dos “pretos de Alcácer” e posteriormente dos “carapinhas do Sado”. A presença de naturais africanos pretendia demonstrar que resistiam melhor ao paludismo nas terras pantanosas cobertas de mosquitos do estuário do Sado. Mais tarde, já no final do século XIX, chegaram à Comporta as famílias vindas de outros pontos de Portugal continental para trabalhar nos arrozais. Foi com gente de diferentes origens que se formaram as aldeias da Comporta, Carrasqueira, Torre e Carvalhal. Ergueram mais de 20 quilómetros de um muro de terra e pedra que retém a maré, para que a água do mar não galgue as culturas do arroz. Ao mesmo tempo, retiraram ao estuário do Sado cerca de 800 hectares do sapal entre 1925 e meados dos anos 50, quando a família Espírito Santo tomou posse da Herdade da Comporta, que era da empresa inglesa Atlantic Company. A dimensão da obra realizada pelos ingleses hipotecou a exploração que foi vendida aos ascendentes do ex-patrão do BES, Ricardo Salgado. Hoje não se sabe ao certo a quem deve ser atribuída a propriedade do espaço ocupado pelo sapal norte da Carrasqueira, no estuário do Sado. O Domínio Público Marítimo (DPM) nunca foi delimitado, nem o Estado o reclamou nem a empresa Herdade da Comporta assumiu que os cerca de 800 hectares eram propriedade sua, embora cobre as rendas das terras de arroz cultivadas no sapal. A legislação em vigor define que o território considerado DPM estabelecido em 1864 determina que a faixa em terra da zona costeira “é propriedade inalienável do Estado”, pelo que os privados “só podem dispor do direito de utilização ou exploração dessa área, e nunca da sua propriedade. ” Actualmente, o DPM abrange uma faixa de território de cerca de 50 metros, a contar da linha média da baixa-mar para o interior. Quem consiga provar, com documentos, que são “legítimos proprietários de áreas marítimas em data anterior a 1864, o Estado reconhece a propriedade, mas não os exclui do cumprimento das normas que aplica no âmbito do DPM. Foi sob a gestão da família Espírito Santo que as drenagens no estuário do Sado prosseguiram para aumentar a área destinada aos arrozais, e os terrenos arenosos da herdade foram arborizados com extensas manchas de pinheiro. No início da década de 60 ocorre o fenómeno da migração interna para a área metropolitana de Lisboa e a emigração sobretudo para França. A fuga da força de trabalho reduziu substancialmente a mão-de-obra na Comporta. A família Espírito Santo tenta manter as pessoas na herdade estabelecendo o arrendamento com a entrega de dez hectares a cada família, uma tentativa para garantir a exploração agrícola dos sapais do Sado. Com a emergência do 25 de Abril de 1974, a Herdade da Comporta é nacionalizada e, no ano seguinte, o arrendamento dos arrozais aprofunda-se e alarga-se a mais trabalhadores. Entre 1989 e 1991 a propriedade é devolvida à família Espírito Santo, quando a quase totalidade das terras férteis estava nas mãos dos pequenos rendeiros, onde ainda se mantêm pouco mais de 200. Em conversa com o P2, Avelino Antunes, membro da Confederação Nacional de Agricultura (CNA), reconhece que os rendeiros que trabalham a terra — sobretudo na cultura do arroz — estão “obviamente preocupados” com a venda de parte da Herdade da Comporta. “Esperamos que a componente turística não colida com os interesses de quem trabalha a produção de arroz”, observa. Neste momento estão a ser negociados os contratos de arrendamento e foram prorrogados por seis anos, o mesmo tempo dos anteriores. “Estamos a conseguir, o que nos deixa animados quanto ao futuro”, confia o dirigente da CNA, frisando que os rendeiros “não estão contra a actividade turística, mas também não querem que venham a ser sacrificados em função da venda de parte da herdade”. As populações das sete aldeias “reclamam apenas que os direitos adquiridos ao longo de séculos sejam respeitados”. No entanto, a venda ao consórcio Vanguard Properties/Amorim Luxury das áreas de desenvolvimento turístico (ADT2 e a ADT3), com 365 hectares e 551 hectares, respectivamente é, à partida, “benéfica” refere Juvenal Alfredo, que fica a aguardar pela “valorização de algo que ficou a meio de construção”. O proprietário do Restaurante Pôr-do-Sol considera a recente aquisição das ADT 2 e 3 “uma boa notícia”, acreditando que “trará desenvolvimento e consequentemente emprego”, criando condições para que os filhos da terra “fiquem”. Ao mesmo tempo, acredita que o período da sazonalidade possa sofrer uma redução. “Não temos condições para aguentar os trabalhadores no período crítico que vai de Outubro a Março”, mas com a instalação dos aldeamentos turísticos, dos projectos de 2. ª residência, e das unidades hoteleiras previstas para as ADT, “poderá ser um contributo” para reduzir a sazonalidade. Juvenal Alfredo receia, contudo, que possa haver novas tentativas para “correrem” com ele do restaurante que ocupa. A colocação de marcos para delimitar o Domínio Público Marítimo (DPM) em Outubro do ano passado deixou-o “preocupado”. Alfredo foi confrontado com delimitação do DPM quando funcionários da empresa Herdade da Comporta colocaram marcos bem à frente do seu restaurante, quase dentro de água, numa tentativa para comprovar que o Pôr-do-Sol, afinal, estava dentro da Comporta e que a exploração do apoio de praia competia aos proprietários da herdade. O empresário considerou esta acção “uma afronta” e recorreu para as instâncias judiciais, onde comprovou que paga 4 mil euros mensais para explorar o apoio de praia no local onde se encontra, que é espaço público. Tem licença passada pela Agência Portuguesa do Ambiente para exercer ali a sua actividade. Tanto o Tribunal de Grândola como o Tribunal de Relação de Évora anularam a colocação dos marcos. Entretanto, alguns desses marcos foram levados para a tenda de colmo que Ricardo Salgado mandou erguer na praia do Pego e os restantes foram levados pela força das ondas. Mais aliviado e seguro, Juvenal Alfredo prepara a próxima época balnear, fazendo pequenas reparações no apoio de praia. E que as ameaças para o tirar de onde está não regressem. O sinal dado pela venda de cerca de 10% da Comporta levou o P2 a percorrer parte da herdade para observar como se encontravam as áreas de desenvolvimento turístico cuja construção está parada desde 2014. No Comporta Links, projecto localizado no concelho de Alcácer do Sal, com uma área total de ocupação de 365 hectares de terreno, que inclui a construção de um campo de golfe com 18 buracos, dois hotéis, dois hotéis-apartamento, três aldeamentos turísticos e 22 loteamentos residenciais observa-se a imagem que o abandono transmite. Para além das áreas construídas que surgem no meio de um extenso pinhal, é o campo de golfe que mais atenção suscita. Está parcialmente construído e integrava a candidatura nacional à competição mundial de Ryder Cup de 2018. A relva verde que deveria cobrir o enorme espaço secou, por ausência de manutenção. A Câmara de Alcácer do Sal concedeu em 2016 o terceiro aditamento ao alvará de construção da urbanização da Comporta Links, e estabeleceu o prazo suplementar de um ano para início da construção da obra que deveria terminar em Abril de 2017. Face à impossibilidade de obter prorrogação adicional do prazo, houve necessidade de efectuar as obras de urbanização durante o primeiro trimestre de 2017. Contudo, as obras foram suspensas em Outubro de 2017. Por sua vez, o Comporta Dunes, em Grândola, promete ocupar uma área de 551 hectares de pinhal perto da praia: quatro hotéis, um hotel-apartamento, vários lotes para moradias, unidades turísticas e um campo de golfe também com 18 buracos que se estende por uma área com cerca de 100 hectares. Tudo projectos à espera de melhores dias. O alvará de loteamento para este projecto estabelecia o prazo de 84 meses para a conclusão das obras de urbanização, prazo que terminou em Maio de 2017. A Câmara de Grândola concedeu a prorrogação do referido prazo por mais 42 meses, até Novembro de 2020. Entre a praia do Pego e Pinheiro da Cruz, os terrenos junto à praia estão vedados e só é possível chegar ao areal através de portões com abertura automática por quem dispõe de cartão de acesso limitado para esse efeito, ou nas zonas onde se encontram os apoios de praia. Ao todo, são quatro. Na prática, observa-se a privatização da zona balnear, em parte da herdade, ao serem reduzidos os acessos e os espaços de estacionamento. Fica a aguardar-se pela concretização da componente turística projectada para a Herdade da Comporta para que se compreenda o rumo que aquela zona vai tomar. Miguel Vieira diz que “o mercado de hoje não quer um modelo turístico que existia há duas ou três décadas”, salientando que as opções de hoje têm de respeitar a “sustentabilidade” que, por sua vez, “preserve a biodiversidade local”, fazendo um paralelismo com os erros que foram cometidos no Algarve e na zona Cascais-Sintra. A experiência profissional que já colheu de muitos anos como defensor do meio ambiente comprovam que “quando se destrói o equilíbrio ambiental, a situação não se reverte para o cenário inicial”. E a Herdade da Comporta “não é caso único”, é apenas “uma gota num oceano de situações anómalas” que se observam no litoral alentejano, analisa o fundador da ProDuna. Vieira lembra ainda as consequências que poderão advir da redução da área de Reserva Ecológica Nacional (REN) efectuada em 2013 e 2014, que rondou “os 68%, no caso de Alcácer do Sal, e de 75%, no caso de Grândola”. A organização ambientalista Zero acusou a Comissão de Coordenação da Região do Alentejo de “retirar áreas muito significativas da REN para dar toda a liberdade ao município de poder construir ou modificar o uso do solo de acordo com interesses que não os vitais e fundamentais da protecção dos recursos”. Com a redução efectuada na área da REN, acelerou a colocação de pedidos à Câmara de Alcácer do Sal para instalar o que já é considerada a extensão do modelo agrícola que o empresário francês Thierry Roussel instalou no Brejão, no concelho de Odemira. A REN estende a sua área de intervenção à protecção das zonas dunares, zonas de recarga de aquíferos e zonas chamadas de grande infiltração, como acontece com os aquíferos da Comporta, que, por serem “muito produtivos, alimentam a tentação de abrir furos”, reconhece Miguel Vieira. A instalação de projectos de produção agrícola intensiva “em cima das zonas de recarga dos aquíferos” suscitam-lhe muitas reservas, por ser “grave” em termos de saúde pública. A afectação de recursos hídricos subterrâneos para a rega de culturas hortícolas é apontada como o factor que pode estar a contribuir para a degradação de importantes reservas de água na bacia do Sado. O Estudo de Impacte Ambiental (EIA) elaborado para a Herdade da Comporta e apresentado em 2015, identifica as consequências para a qualidade das águas a rega de milhares de hectares de agricultura intensiva: “O desenvolvimento das actividades agrícolas (na região) acaba por contaminar a massa de água no subsolo numa escala entre o valor médio a elevado”, realça o EIA. Acresce ainda que a redução da disponibilidade dos recursos hídricos subterrâneos, devido ao elevado consumo de água para rega, é outro dos impactos apontados. Na Herdade da Comporta já se exploram cerca de 1000 hectares de hortícolas e viveiros para a plantação de relvados, dinamizados por empresários espanhóis. Um modelo agrícola baseado em culturas intensivas que exige o recurso a elevadas percentagens de fitofármacos e fertilizantes retirados, nalguns casos, de lamas de ETAR, quando se está perante um solo arenoso, muito pobre, neutro em matéria orgânica, dificilmente será uma actividade que se possa harmonizar com o modelo turístico que se pretende instalar na Herdade da Comporta. A invasão de moscas tem sido uma das consequências. Miguel Vieira salienta que o território é uma zona com “ecossistemas muito sensíveis”, advertindo para a necessidade de travar a proliferação de espécies invasoras em “detrimento da paisagem histórica”. Na Comporta “ainda não aconteceu como na Costa do Sol”, mas “não faltam sítios paradisíacos que foram destruídos”, argumenta aquele especialista, defendendo a necessidade de se fazer a “reavaliação” dos projectos programados para a Herdade da Comporta, porque a realidade de hoje é “diferente” daquela que existia há duas ou três décadas. A venda dos activos turísticos da Herdade da Comporta não suscita reservas ao fundador da ProDuna: “Espero que os investidores de hoje tenham uma visão que preserve os ecossistemas”, embora reconheça que os processos de investimento “são como os comboios que não fazem marcha atrás”. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. “[A defesa do meio ambiente tornou-se uma tarefa] muito mais complexa do que no passado, mas a nossa capacidade de intervir também se reforçou”, revela o fundador da associação ambientalista ProDuna, frisando que o “novo alvo” das intervenções na defesa do ambiente “são os decisores públicos e privados”, defendendo um tipo de intervenção mais pragmática que no passado. Um relatório elaborado pelo Tribunal de Contas Europeu em 2017 reconhece que “são necessárias melhorias na gestão, no financiamento e no acompanhamento da rede Natura 2000”, o programa emblemático da União Europeia em matéria de biodiversidade. O P2 teve acesso a um contrato do Instituto de Conservação da Natureza e Florestas, assinado em Junho de 2017, para a elaboração de 20 planos de gestão de habitats naturais, da fauna e flora selvagens, em sítios de importância comunitária, entre eles os que encontram na Comporta/Galé e Costa Sudoeste. Deveriam estar concluídos há quase duas décadas.
REFERÊNCIAS:
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