Os yuppies estão a salvar a democracia romena
A uma semana da sua primeira presidência europeia, a Roménia diz que está “tudo pronto”. Mas há dúvidas. O país está a ser governado por decretos de emergência e todos parecem estar contra a coligação socialista e conservadora que está no poder: do chefe de Estado e jovens das empresas tecnológicas aos velhos nostálgicos do comunismo. (...)

Os yuppies estão a salvar a democracia romena
MINORIA(S): Migrantes Pontuação: 6 | Sentimento 0.0
DATA: 2018-12-31 | Jornal Público
SUMÁRIO: A uma semana da sua primeira presidência europeia, a Roménia diz que está “tudo pronto”. Mas há dúvidas. O país está a ser governado por decretos de emergência e todos parecem estar contra a coligação socialista e conservadora que está no poder: do chefe de Estado e jovens das empresas tecnológicas aos velhos nostálgicos do comunismo.
TEXTO: — Quer dizer hippies?— Não, yuppies — insiste a professora — Estou a falar dos jovens profissionais e académicos que trabalham nas empresas internacionais, impecavelmente vestidos, bons salários, carro do último modelo. Eles têm estado em peso na rua a defender a democracia. Mariuca Stanciu, professora de Estudos Judaicos na Universidade de Bucareste e directora do departamento informático da Biblioteca Académica, tenta explicar quem são as pessoas que há meses fazem manifestações na Roménia a defender a democracia e a pedir o fim da corrupção. Em Janeiro de 2017, mal tomou posse, o governo do Partido Social-Democrata (PSD) — herdeiro do regime comunista —, em coligação com a ALDE (Aliança dos Liberais Democratas, conservadores), anunciou que ia fazer uma amnistia, perdoar alguns crimes e emendar leis sobre abuso de poder no Código de Processo Penal (CPP). Quase de imediato, os yuppies saíram para a rua. A 31 de Janeiro, ao fim do dia, o governo aprovou um decreto a alterar o CPP. Horas depois, havia 25 mil pessoas em frente à sede do governo, na Praça da Vitória, em Bucareste. Estavam sete graus negativos, mas a multidão não arredou pé. No dia seguinte, seriam já 300 mil. Até Março, houve manifestações em várias cidades romenas todos os dias. O padrão repetiu-se em 2018. O governo foi mudando a legislação do sistema judiciário e os cidadãos foram protestando. Aos olhos dos manifestantes, as alterações na área da justiça têm tido um único objectivo: travar os inquéritos, condenações e prisões da classe política. Desde que a Roménia entrou na União Europeia (2007) e iniciou a reforma do sistema judiciário — aumentando a independência da investigação e a separação entre justiça e política — houve dezenas de políticos condenados. Um deles é o próprio presidente do PSD, Liviu Dragnea, condenado duas vezes: em Maio de 2015 (dois anos de pena suspensa num caso de fraude eleitoral) e em Junho de 2018 (três anos e meio de prisão por incitamento ao abuso de poder). E há um ano o Directorado Nacional Anticorrupção (DNA), a agência criada em 2002 para investigar crimes de corrupção geradores de prejuízos acima dos 200 mil euros, abriu uma terceira investigação contra o líder socialista, com base em informação do Organismo Europeu de Luta Antifraude (OLAF). É por causa das condenações na justiça que Liviu Dragnea não é o primeiro-ministro da Roménia — embora seja evidente que conduz o país nos bastidores. Ainda esta quinta-feira à noite foi Dragnea quem anunciou mais um despacho de emergência, desta vez para alterar o Código Fiscal. As propostas foram conhecidas há dias e incluem mudanças profundas. Segundo o chefe de Estado, os patrões, os sindicatos e os académicos, ninguém foi consultado. Todos disseram que as mudanças vão “criar um caos no país” e pediram uma “análise mais profunda”. Dragnea disse que quer as alterações ao Código Fiscal aprovadas antes do fim do ano. As últimas avaliações da Comissão Europeia aos progressos da Roménia na reforma da justiça e na luta contra a corrupção — feitos no âmbito do Mecanismo de Cooperação e Verificação (MCV) accionado na adesão à UE — são duras. O relatório de Novembro de 2017 dizia que o ímpeto reformista dos últimos dez anos desapareceu e que a independência da justiça é “uma fonte contínua de preocupação” europeia. Um ano depois, o novo relatório diz que, apesar da vontade de Jean-Claude Juncker em acabar com o MCV — por definição, uma medida transitória — os “retrocessos” são tais, lê-se, que as recomendações anteriores sobre independência da justiça, reforma judicial e combate à corrupção já não chegam. Para dar o MCV como concluído será preciso mais. Este último relatório foi publicado a 13 de Novembro, uma terça-feira. Na sexta-feira anterior, soube-se da demissão do ministro dos Assuntos Europeus, Victor Negrescu. O governo agiu como se nada fosse, apesar de faltarem, então, menos de dois meses para a presidência europeia romena começar e Negrescu ser o seu rosto oficial. Em Outubro, a convite do governo de Bucareste, um grupo de jornalistas de vários países europeus, entre os quais o PÚBLICO, visitou três cidades romenas. A proposta era dar a conhecer os preparativos para a primeira presidência romena da UE. Apesar de as presidências terem hoje menos poder, o “semestre romeno” inclui um momento histórico — o “Brexit”, em Março — e as eleições para o Parlamento Europeu, em Maio. Há dois meses, ainda ministro, Negrescu disse, numa entrevista colectiva, que a presidência vai centrar-se nos cidadãos e tentar “aproximar as pessoas da agenda europeia” (uma das estratégias é colocar cartazes gigantes na rua a sinalizar as infra-estruturas e projectos financiados pela UE na Roménia). Mas Negrescu respondeu a todas as perguntas sobre o braço-de-ferro entre as instituições europeias e o governo de Bucareste como o “resultado dos estereótipos que há sobre a Roménia”. “As notícias positivas nem sempre vendem”, disse o então ministro. Há meses que a Roménia está na corda bamba. O risco de o país estar a derrapar para um regime autoritário e uma “democracia iliberal” semelhante à Hungria e à Polónia é real. Mas o escrutínio é forte. Bastam uns dias na Roménia para perceber que os relatórios da Comissão de Veneza do Conselho da Europa e do GRECO (Grupo de Estados Contra a Corrupção) são lidos tanto pela elite política e académica romena, como por cidadãos comuns. Os textos são duros, mas diplomáticos. Na política interna, a tensão é mais explícita. Nos últimos dias, o país assistiu — quase hora a hora — a mais uma luta aberta entre presidência e executivo. No domingo, o jornal digital HotNews. ro noticiou que o PSD tinha pronto um decreto de emergência para amnistiar e perdoar condenados até dez anos de prisão e que o decreto seria adoptado até 15 de Janeiro. Nesse dia, Liviu Dragnea defendeu, em comunicado, que só uma amnistia pode “reparar os abusos e injustiças” dos últimos anos. “Na Roménia, falar de amnistia e perdão é como falar na bomba atómica. Eu não tenho medo de usar essas palavras. ”No dia seguinte, segunda-feira, foi a vez do Presidente, Klaus Iohannis, emitir um comunicado para informar que pedira à primeira-ministra o envio da agenda do conselho de ministros na véspera de todas as reuniões. Iohannis invocou o artigo 87. º da Constituição e sublinhou que a lei fundamental lhe dá poder para exigir a agenda com 24 horas de antecedência e presidir às reuniões. A imprensa local escreveu que o Presidente — que se juntou a pelo menos uma manifestação em defesa do Estado de Direito — quer impedir a aprovação de decretos para amnistiar ou perdoar condenados a crimes relacionados com corrupção e abuso de poder. O PSD respondeu que a Constituição só lhe dá poderes sobre segurança nacional e ordem pública, pelo que a agenda a enviar só incluiria esses tópicos. Na terça-feira, Iohannis respondeu que ia participar nas reuniões do governo “durante algum tempo”. Na quarta, criticou o decreto de emergência sobre questões fiscais, que não estava sequer agendado. E na quinta-feira, dia de conselho de ministros, chegou à sede do Governo às 15h, hora agendada para a reunião, com vários assessores, incluindo Leonard Orban, consultor para os Assuntos Europeus. À chegada, informou os jornalistas que quando um chefe de Estado participa em reuniões de conselho de ministros é ele quem preside, e que a sua presença não pode ser limitada no tempo. A seguir, Viorica Dancila, a primeira-ministra do PSD, respondeu que a reunião teria dois momentos e que o Presidente só poderia participar no primeiro (no qual seriam discutidas questões “cobertas” pela Constituição). Para a Roménia, foi uma semana normal. Até porque no sábado, antes de tudo isto, soube-se a história do parto do mais recente partido político. Chama-se Partido da Liberdade, União e Solidariedade (PLUS) e o líder é Dacian Ciolos, que em 2016 foi nomeado primeiro-ministro num governo de tecnocratas independentes em situação de emergência, após a queda do governo do PSD. Não é estranho Ciolos ter criado um partido. Estranho é o que Ciolos denunciou sobre as dificuldades que teve para o fazer. Durante um ano, o antigo primeiro-ministro esteve enredado em processos em tribunal sem conseguir registar o seu Movimento Roménia Juntos. Perante os obstáculos, em Setembro decidiu pensar numa alternativa. Solução? Iniciou um novo processo para registar outro partido político, desta vez não em seu nome, mas no de “pessoas anónimas”. A manobra resultou: em dois meses, o PLUS tornou-se oficial. Só quando recebeu o certificado revelou ser ele o líder. Formalmente, os fundadores do são os advogados Adrian Alexandru Iordache, Iulia Iordache e Raluca Florina Danes, “pessoas anónimas que partilham dos mesmos valores e princípios, que nos querem ajudar, e que preencheram os papéis” do Registo dos Partidos Políticos da Roménia, disse Ciolos numa conferência de imprensa citada pelo site Romania Insider. Dacian Ciolos, de 49 anos, era um discreto ex-comissário europeu da Agricultura, nomeado por José Manuel Durão Barroso, quando, após a crise política de 2015, foi convidado a formar um governo tecnocrata durante um ano. Os seus ministros aceitarem o cargo com a condição de não terem de se candidatar às eleições seguintes. Assim foi e o PSD voltou a ganhar as legislativas. Em Janeiro de 2017 regressou ao poder. “Ninguém acreditou que seria possível destruir tanto e tão depressa”, diz Vasile Popovici, que foi deputado e embaixador e hoje dá aulas de História na Faculdade de Letras de Timisoara — e que em 1989 foi um dos líderes da revolução de Timisoara, onde se iniciou o movimento popular que levou à queda da ditadura comunista de Nicolai Ceausescu. Estamos na livraria Am Dom, ao pé da catedral de Timisoara, Capital Europeia da Cultura em 2021. “As pessoas acreditaram que o Presidente iria conseguir manter as coisas sob controlo. O Presidente é um democrata, mas a decepção é grande. Tudo o que a Roménia fez nos últimos dez anos foi destruído em meses”, diz o professor, que foi embaixador em Portugal e em Marrocos. “Tínhamos esperança de que a Roménia se tornasse um modelo para a Europa. E fomos um modelo! Foi com a legislação exemplar que tínhamos que Liviu Dragnea foi condenado duas vezes e vários ministros e líderes locais foram condenados. ” A Roménia tem 41 distritos e, desses, os presidentes de pelo menos 25 foram condenados nos últimos anos. As notícias sobre o famoso “painel negro” de juízes do Supremo Tribunal são frequentes. Esta sexta-feira, mais um político viu a sua condenação confirmada: o ex-senador Olosz Gergely, do UDMR (da a minoria húngara), e ex-presidente da Autoridade Reguladora da Energia, vai ter de cumprir a pena de três anos de prisão à qual foi condenado num caso de corrupção. “É difícil acreditar neste país”, diz Popovici. “É um recomeçar contínuo. ”O primeiro teste ao novo recomeço será já em Maio, nas eleições europeias. Nestes dois anos de contestação, será a primeira vez que os romenos poderão expressar a sua opinião através do voto. No fim de 2019 há eleições presidenciais e no fim de 2020 há legislativas. A pressão para a mudança é grande nas ruas e a última sondagem, feita este mês, dá apenas 25% das intenções de voto no PSD. Nas últimas legislativas, com uma abstenção recorde, o partido teve 46% dos votos. Mas esta semana foi chumbada no Parlamento mais uma moção de censura contra a coligação governamental. De regresso a Bucareste, a 500 quilómetros de distância, a professora Mariuca Stanci explica que “a nova geração de yuppies tem uma mentalidade muito europeia: são pessoas que estudaram a sério e olham para a actual classe política como o inimigo. Querem gozar as liberdades da democracia e este governo quer tirar-lhe algumas dessas liberdades”. Muitos destes yuppies trabalham nas principais avenidas de Bucareste, Timisoara e Cluj, onde os néons nos edifícios mais altos não enganam: a Microsoft e a Deloitte dão nas vistas. Mas há, mais discretos, logótipos das marcas internacionais que escolheram a Roménia para os seus centros de serviços e apoio regional e global, como a Deutsche Telekom (Alemanha), a Kellogg (EUA) ou a Ericsson (Suécia). O mesmo com os centros tecnológicos: o centro global de IT do Deutsche Bank é na Roménia. O Centro de Contabilidade para a Europa dos serviços da Deutsche Bahn, os caminhos-de-ferro alemães, é em Bucareste. A Vodafone tem centros de IT e serviços de apoio aos clientes na Roménia. A King, que produz jogos para telemóveis, alugou há três anos uma área de 1700 metros quadrados no centro da capital. A CGS, uma empresa americana de soluções de outsourcing, já tem quatro escritórios no país. A empresa de inquéritos GfK abriu um escritório em Iasi há 26 anos e em 2015 anunciou que ia expandir e tornar a sua operação na Roménia num hub europeu. E só em Cluj, a terceira maior cidade da Roménia (325 mil habitantes), há 1350 empresas tecnológicas e mais de 20 mil programadores e engenheiros. “Durante meses, havia manifestações quase todos os fins-de-semana e pela noite dentro. Foi nessa altura que surgiu um pequeno ‘occupy’ na Praça da Vitória”, diz a professora Stanciu. A flexibilidade das grandes empresas internacionais foi decisiva. “As pessoas continuaram a trabalhar, mas foram autorizadas a protestar na rua e se estivessem nas manifestações até às 2h da manhã e, no dia seguinte, chegassem tarde ao trabalho, as chefias mostravam tolerância. ”Já não há nem 50 mil, nem 500 mil pessoas nas ruas, como aconteceu no Inverno de 2017 e no Verão de 2018. Mas o mini-occupy-versão-Bucareste não desapareceu. Na Praça da Vitória há sempre alguém, nem que seja uma única pessoa. Os cidadãos organizaram-se como estafetas: uns ficam das 15h às 18h, a seguir vem outro grupo até às 20h, que depois é substituído por outro que fica até às 22h. “A ideia é haver sempre alguém com uma bandeira na praça”, diz Stanciu, que cresceu numa família comunista e diz sentir ainda, após três décadas de democracia, hábitos que ficaram da ditadura de Ceausescu. “A maioria das pessoas com mais de 50 anos ainda fala segundo códigos: quando não se conhecem, usam um tom neutral e expressões positivas para descrever a realidade, como se tudo estivesse bem. Só quando se conhecem melhor é que se abrem e dizem o que realmente pensam. Os jovens são muito diferentes. ” Estamos a caminhar há meia hora quando chegamos à grande Praça da Vitória. Chama-se “praça” mas hoje é uma intercepção de carros com 35 faixas de rodagem distribuídas por duas avenidas. À esquerda, há um parque de estacionamento com 150 lugares e duas torres - em Bucareste há pelo menos dez edifícios com mais de 70 andares e três com mais de 100. À direita, está o palácio do governo. Há planos para colocar a estátua de um combatente anticomunista no centro, mas neste momento ainda só há separadores de trânsito. Dizer que a Praça da Vitória é antipática para peões é dizer pouco. “Está a ver ali ao fundo?”, aponta a professora Stanciu. “São eles, os manifestantes. Há sempre ali alguém a protestar. É assim há meses. ” Uns são yuppies, outros não, mas são quase sempre jovens. “Nas eleições de 2016, muitos jovens não votaram. Depois, com o que viram acontecer, vieram logo para a rua. ”Os romenos que trabalham nas empresas de IT “envolveram-se de várias formas na defesa da democracia — não apenas participando nos protestos”, diz Liliana Popescu, professora de Ciências Políticas na Universidade Nacional de Estudos de Política e Administração (SNSPA) de Bucareste e vice-reitora para as Relações Internacionais. “Também foram importantes a ligar as pessoas. Um exemplo: no protesto da ‘Diáspora em Casa’, de 10 de Agosto, quando a polícia interveio brutalmente, os funcionários das empresas tecnológicas criaram imediatamente uma plataforma para que as pessoas feridas e espancadas pela polícia pudessem apresentar queixa, descrevendo o que tinha acontecido”, conta. Além disso, “algumas das ONG mais activas na Roménia são lideradas por pessoal das empresas tecnológicas ou têm como membros especialistas em IT. ”Mas os yuppies não estão sozinhos, concordam várias pessoas ouvidas pelo PÚBLICO nos últimos três meses. O outro grande grupo de romenos que está na rua a defender o Estado de Direito são os pais, tios e avós dos jovens na diáspora. “São pessoas mais velhas, com 60 e 70 anos, muitas delas com pouca educação e mais acomodadas. Algumas até votaram no PSD e têm nostalgia pelo passado comunista. São pessoas que dizem que antes não havia desemprego e que quem ia trabalhar para uma fábrica recebia uma casa do Estado”, diz Stanciu. “São familiares dos jovens romenos que emigraram para outros países europeus e que, por causa disso, têm vindo a ser influenciados com valores democráticos. ” Algures neste remix dos influenciados “de fora” (pais da diáspora) e os influenciados “de dentro” (yuppies) está uma explicação possível para a força da cidadania romena. “Mas é mais complexo”, disse Dacian Ciolos ao PÚBLICO, durante a breve visita de Outubro a Bucareste. “Nas ruas há empresários, estudantes, familiares da diáspora, jovens das grandes empresas internacionais. ” E “há professores, académicos, médicos, operários, estudantes, pensionistas”, diz a vice-reitora Liliana Popescu, numa entrevista por email. “E não podemos esquecer as pessoas formadas em Direito — advogados e especialistas em direitos humanos — que escrevem, publicam e divulgam as suas opiniões sobre o que está a acontecer e sobre os truques legais que este governo está a fazer para maximizar o seu domínio do poder político. Há uma grande diversidade de pessoas nos protestos. ”E não é só em Bucareste, em Timisoara, em Cluj e noutras cidades grandes. “Quando começou a pressão sobre a justiça, houve protestos em todo o país, até em cidades médias e pequenas”, diz Ciolos. “Em cidades com uma população de 50 mil, houve protestos com mil pessoas na rua — isso é novo na Roménia. ” O antigo primeiro-ministro faz uma lista rápida: houve manifestações em Sebes (24 mil pessoas), em Zalau (56 mil), em Roman (50 mil), em Lugoj (44 mil). “E até nas cidades do sul, que são mais pró-PSD. ” Em Agosto, mas antes também. “Em Janeiro e Fevereiro de 2017, quando o governo tentou fazer alterações ao Código de Processo Penal através de um decreto de emergência, a pressão do país foi enorme. Houve 600 mil pessoas nas ruas, muitas das quais nestas pequenas cidades. E há cada vez mais. Cada vez mais pessoas percebem que os actuais líderes políticos romenos fazem mudanças nas leis apenas para defender os seus interesses pessoais. Até as pessoas que votaram neles já perceberam isso. ”Os problemas começaram antes de 2016. Em Bucareste e em Timisoara, qualquer adulto com quem se conversa uns minutos fala de duas coisas: as noites geladas dos anos 1980 (quando Ceausescu pagou a dívida nacional e levou a Roménia à bancarrota) e os milhões que emigraram a seguir à revolução de 1989. Desde 1990, terão saído três a quatro milhões de pessoas - um quinto da população em idade activa. E por isso a pergunta é feita várias vezes: como é que se constrói um país democrático com tantas pessoas fora, muitas delas os jovens mais qualificados? Só no Reino Unido, haverá 15 mil médicos romenos. Dacian Ciolos, de novo, diz que não é tão simples. “A diáspora romena não tem só jovens com educação superior. O perfil da diáspora é igual ao perfil da sociedade: há pessoas com formação superior, pessoas com menos educação, há operários, agricultores, pessoas na construção civil e nos serviços, mas também em funções de topo. E isto é muito importante para o nosso futuro. Porque sendo o perfil da sociedade romena, a diáspora está em contacto com os valores europeus, pratica os valores europeus no dia-a-dia, pratica as regras da transparência a nível das administrações públicas dos países onde trabalha, pratica a iniciativa privada, percebe o que significa uma justiça que funciona, o que significa ser profissional e ter competências. Coisas apenas teóricas para muitos romenos que vivem na Roménia. ”Antes de conseguir registar um partido político, Ciolos preparou um programa de governo. “Em todas as reformas que propomos, atribuímos um papel-chave à diáspora. Queremos fazer as reformas com a diáspora. Quando era comissário europeu, tive a surpresa positiva de, ao viajar pela Europa, ver uma diáspora muito comprometida com o país e muito ligada à Roménia. São pessoas que passam dois a três meses por ano aqui, onde constroem casas e abrem negócios para a família. ”Como é que a diáspora pode ajudar? “Fazendo a ligação. Temos um plano para atrair estas pessoas e convencê-las a regressar. Como agora há salários mais altos no sector privado, uma parte importante dos romenos que está a trabalhar por 1000 euros por mês em Espanha ou em Itália, está disposta a regressar para a Roménia por 600 euros por mês para estar com a família, porque o custo de vida na Roménia é mais baixo. Além dos operários e dos empresários, há uma terceira categoria: os romenos que não regressam definitivamente, mas voltam para fazer ligações com romenos e empresas romenas aqui. ”A diáspora é tão importante quanto os que estão na rua a protestar? “É ainda mais importante. Um jovem que trabalha numa grande empresa na cidade pode fazer coisas nas zonas urbanas, mas não nas zonas rurais. Precisamos de uma mudança profunda e transversal. Não só na Roménia. Precisamos de mudança não apenas em ilhas. Precisamos de mobilização da sociedade civil, de reconstruir cidadania em toda a Europa. As pessoas da diáspora que deixaram as suas zonas rurais na Roménia há dez, cinco ou dois anos, quando regressarem vão voltar com influências democráticas que serão mais fortes do que qualquer apoio social ou propaganda. Por isso esta ligação aos que estão fora é tão importante. ”É provável que isso contribua para a relação forte que o país tem em relação às instituições europeias. Numa sondagem recente, 91% dos romenos disse que é contra a saída da Roménia da UE. Esta é uma diferença em relação à Polónia e à Hungria, que já ultrapassaram o risco vermelho dos critérios europeus, notam vários analistas. Mas a principal é a força da sociedade civil. “Até agora, conseguimos pôr barreiras e impedir o aparecimento de um governante autoritário”, diz a professora Liliana Popescu. “Talvez porque temos uma forte memória do regime totalitário de Ceausescu e não queremos repetir a experiência. Damos muita importância aos valores democráticos. Pagámos muito para nos tornarmos um Estado-membro da União Europeia e preocupamo-nos mais com a adesão. ”Há quem fale do “iliberalismo falso e oportunista” romeno, por oposição ao genuíno nacionalismo populista que está a renascer na Hungria e Polónia. Será uma forma de sublinhar a esperança de que o momento actual seja transitório e esteja prestes a desaparecer. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Ninguém quer ver aplicado ao país o artigo 7. º do Tratado da UE, activado quando há “um risco manifesto de violação grave dos valores” da União. Foi o que aconteceu na Hungria. “Há uma diferença importante em relação à Hungria ou à Polónia: a sociedade romena está muito activa”, insiste Ciolos. A democracia romena está em risco, mas as pessoas acordaram. “A democracia está em risco em muitos países europeus”, diz a professora Popescu. “Mas em comparação com a Hungria e a Polónia — os Estados-membros do Leste impertinente —, a Roménia ainda está em boa forma. A situação não é má ao ponto de activar o artigo 7. º, mas a UE deve ser dura e lembrar ao governo romeno os compromissos feitos no passado. Entrar na UE significa responsabilidades, não apenas direitos e benefícios. ”Esperam-se manifestações nos próximos dias. Entre activistas, políticos e analistas, há quem acredite que o governo ainda pode cair antes de 1 de Janeiro, dia em que Bucareste inicia a sua presidência europeia. Não espanta. “Há uma luta de guerrilha na Roménia para preservar o espírito e as instituições democráticas”, diz Popescu. “A coligação no poder está a tentar erodir as instituições democráticas, mas a resistência é dura. ”O PÚBLICO viajou a convite do governo da Roménia
REFERÊNCIAS:
Partidos PSD
A aridez dos solos já atinge a totalidade do interior do Algarve e Alentejo
Cerca de 63% do território do continente está classificado como estando susceptível à desertificação e 32,6% tem em solos em situação degradada. (...)

A aridez dos solos já atinge a totalidade do interior do Algarve e Alentejo
MINORIA(S): Migrantes Pontuação: 6 | Sentimento 0.0
DATA: 2018-12-31 | Jornal Público
SUMÁRIO: Cerca de 63% do território do continente está classificado como estando susceptível à desertificação e 32,6% tem em solos em situação degradada.
TEXTO: O Programa de Acção Nacional de Combate à Desertificação (PANCD) para o período 2008-2018 reconhece que 32, 6% dos solos do território nacional já se encontram “em situação degradada” e que esta aridez “atinge a totalidade do interior Algarvio e do Alentejo”. O problema está a progredir para as zonas do noroeste, tradicionalmente uma das mais pluviosas da Europa, e a aumentar nas zonas do litoral sul e montanhas do centro do país. Neste sábado assinala-se o Dia Mundial de Combate à Desertificação. O PANCD esclarece ainda que, no último meio século, a área do território do continente mais susceptível à desertificação “se ampliou de forma evidente”, designadamente no período 1970-2000, e depois também na série realizada para o períogo 1980-2010, “sendo ainda mais relevante” a sua expansão para a série do decénio 2000-2010, que corresponde ao período mais recente analisado, “com secas anuais particularmente severas”. O índice de aridez afectou, nos últimos três decénios (1980-2010), “58% do território do continente”, quando no período que decorreu entre 1960-1990 os valores atingiram os 36%, e incluía sobretudo as áreas do sul e do interior centro e norte de Portugal, assinala o PANCD. Face a estes dados, o PANCD conclui que, no continente, para o período 2000-2010, “são classificados como susceptíveis à desertificação 142 municípios, sendo 136 os municípios não susceptíveis”. Associado à desertificação física do território, há também a humana. E o certo é que se verifica uma “genérica” perda de população entre os censos de 2001 e 2011. Após um crescimento demográfico de 5% nos 10 anos anteriores a 2001, o mesmo foi de apenas 1, 9 % na década seguinte (2001 a 2011), enumera o programa de combate à desertificação, acentuando que a evolução da demografia nacional traduz-se num “acentuado” envelhecimento da população residente, sobretudo nas zonas do interior. A organização ambientalista Quercus lembra que, para além das condicionantes imposta pelo fenómeno da desertificação, as suas consequências observam-se igualmente nos “solos degradados que armazenam menos carbono”, o que contribui para o aquecimento global. “Sem solos saudáveis e produtivos, surge a pobreza, a fome e a necessidade de emigração”, diz a associação. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. A Quercus assinala que para o aumento do índice de aridez e desertificação em Portugal, concorre a “utilização do solo com culturas agrícolas intensivas de regadio, às quais se encontram associados processos de degradação do solo, como a salinização, sobre-exploração dos aquíferos, contaminação do solo por pesticidas e fertilizantes, erosão do solo e alterações da paisagem”. E destaca o impacto que está a provocar no ambiente a “(re)arborização de milhares de hectares com espécies exóticas e consequente perda de biodiversidade, destruição da floresta autóctone e esgotamento dos solos e dos aquíferos”. Juntam-se a este factores debilitantes, os “milhares de hectares de área ardida que resultam dos incêndios recorrentes em Portugal que provocam elevados níveis de erosão e contaminação dos solos e linhas de água”. A Quercus pede medidas concretas e legislação específica que “protejam os últimos exemplares de bosquetes de carvalhos autóctones” e a regulamentação das áreas de implementação de ”culturas agrícolas intensivas de regadio em zonas de montados de sobro e azinho, cujo declínio urge inverter”, assim com acções de remediação em zonas de solos ameaçados ou já contaminados pelas monoculturas de espécies perenes, sobretudo de eucaliptais, olivais e amendoais.
REFERÊNCIAS:
Palavras-chave fome pobreza
Morreu Eduardo Arroyo, um nome maior da pintura espanhola do século XX
O pintor que quis "matar" Marcel Duchamp morreu neste domingo aos 81 anos, depois de uma vida cheia dedicada à pintura, à escultura, à cenografia, à ilustração e ao jornalismo. (...)

Morreu Eduardo Arroyo, um nome maior da pintura espanhola do século XX
MINORIA(S): Migrantes Pontuação: 6 | Sentimento 0.0
DATA: 2018-12-31 | Jornal Público
SUMÁRIO: O pintor que quis "matar" Marcel Duchamp morreu neste domingo aos 81 anos, depois de uma vida cheia dedicada à pintura, à escultura, à cenografia, à ilustração e ao jornalismo.
TEXTO: Em 1965, um crítico francês organizou uma exposição em Paris, numa galeria particular, que recebia o ambicioso título de “A Figuração Narrativa na arte contemporânea”. Foi aqui que um jovem artista de 28 anos, Eduardo Arroyo, assinou com dois amigos também pintores um dos principais manifestos deste movimento: uma série de pinturas figurativas, obviamente, em que Marcel Duchamp era espancado e morto. Arroyo, que considerava Duchamp (com Miró) um fenómeno de moda sem consequência de maior, ajustava assim contas com aquele que considerava ser um dos grandes embustes da arte do seu tempo. Mais tarde, já na década de 70, sem nunca renegar este seu gesto, diria que Duchamp representava tudo o que não “partilhava”: o laxismo, a facilidade, as “escolhas aproximadas, tudo o que andava no ar com a espontaneidade aproximada dos informalistas, o vanguardismo dos Novos Realistas, e o que se viu mais tarde na Body Art. ”Se estas condenações têm hoje um sabor levemente anacrónico, percebemos que elas visam sobretudo a arte pela arte, a arte que não se quer nem se deseja política. Quem assim falava, Eduardo Arroyo, morreu este domingo em Madrid aos 81 anos, depois de uma vida cheia dedicada à pintura, à escultura, à cenografia, à ilustração e ao jornalismo – foi autor de crónicas sobre o quotidiano cultural e político no jornal El País praticamente até à sua morte – e ao activismo político. Nasceu em Madrid em plena guerra civil, em 1937. Com 21 anos, já profundamente anti-franquista, decidiu emigrar para Paris, como muitos jovens o faziam por razões políticas tanto em Espanha como em Portugal. Recorde-se, a título de curiosidade, que é também nesta altura que Lourdes Castro e René Bertholo, entre outros, chegam à capital francesa para aí se instalarem. Eduardo Arroyo junta-se a um grupo de outros artistas franceses que, sob a égide do crítico Gérarld Gassiot-Talabot advogavam o regresso da narrativa ao seio da pintura. Queria isto dizer que a pintura podia transmitir uma mensagem explícita, compreensível por todos, e que nada tivesse a ver com a gratuidade, por exemplo, do expressionismo lírico ou da abstracção geométrica, exposta em muitas das montras de galerias da cidade e que a historiografia da arte designou pelo nome muito abrangente de Escola de Paris. A arte Pop, também destes tempos e também ela tantas vezes narrativa, não andava longe. Ainda em França, os representantes do governo espanhol retiraram-lhe tempos depois o passaporte, só lhe dando licença para voltar para Espanha em 1976. Na realidade, o pintor permaneceria em Paris até aos anos 80. Ao todo, foram mais de duas décadas recheadas de peripécias e escândalos como hoje é quase inimaginável. Em 1960, ainda antes da pintura colectiva sobre Duchamp, tinha apresentado na Bienal de Paris um conjunto de retratos a que chamou Los quatro dictadores, com as efígies de Franco, Salazar, Hitler e Mussolini. A embaixada espanhola protestou e o artista foi proibido pelo regime franquista de expor em Espanha. Mais tarde, em 67, ataca a obra de Miró, substituindo todos os motivos pictóricos de A quinta por representações de tortura e dor. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Eduardo Arroyo realizou uma interpretação muito pessoal dos preceitos definidos na União Soviética para a arte realista, reflexão que partilhava com os seus colegas do movimento da Figuração Narrativa. Opta pela figura, sempre com um propósito interventivo e de comentário social à realidade política. Mas ao contrário do que sucedia então na antiga U. R. S. S. , recusa-se a adoptar o estilo académico da antiga arte que os aristocratas coleccionavam. Ele, que nunca se furtou a participar nos salões da Jovem Pintura e de se dar e colaborar com os seus contemporâneos, discutia avidamente o modo mais eficaz de transformar a sociedade através da arte. Maio de 68 pareceu confirmar as esperanças dessa geração, antes do desencanto que o confronto com a realidade que se seguiu trouxe inevitavelmente. Nada tinha verdadeiramente mudado com essa revolta. A consagração veio ainda em França, antes do regresso definitivo a Madrid. Em 1982 teve uma grande retrospectiva no Centro Georges Pompidou, em Paris, e recebeu o Prémio Nacional de Artes Plásticas de Espanha. Hoje tem obras em todos os grandes museus espanhóis, do Reina Sofia ao IVAM de Valência, bem como no Museu Colecção Berardo, no Musée d’Art Moderne de la Ville de Paris e no MOMA de Nova Iorque. Mais modestamente, Lisboa pôde ver um pequeno conjunto de obras suas numa individual na Fundação Portuguesa das Comunicações em Lisboa, em 2006. Em 2000, o governo de Madrid concedeu-lhe a Medalha de Ouro ao mérito em belas-artes, marcando a reconciliação definitiva com o artista.
REFERÊNCIAS:
Palavras-chave morte guerra escola social morto
Morreu Leon Lederman, autor da expressão “partícula de Deus”
Físico norte-americano que descobriu o neutrino do muão morreu esta quarta-feira aos 96 anos. (...)

Morreu Leon Lederman, autor da expressão “partícula de Deus”
MINORIA(S): Migrantes Pontuação: 6 | Sentimento 0.0
DATA: 2018-12-31 | Jornal Público
SUMÁRIO: Físico norte-americano que descobriu o neutrino do muão morreu esta quarta-feira aos 96 anos.
TEXTO: Leon Lederman venceu um Nobel da Física de 1988 por ter descoberto que existe mais do que um tipo de neutrinos. Foi director do Fermilab – um laboratório de física de partículas de altas energias nos Estados Unidos – durante mais de dez anos e era conhecido por ter chamado “partícula de Deus” ao bosão de Higgs. Além disso, era um entusiasta da educação científica. O físico norte-americano morreu esta quarta-feira aos 96 anos na sua casa em Rexburg, no Idaho (EUA), anunciou em comunicado o Fermilab. Nasceu em 1922 em Nova Iorque, onde os seus pais – imigrantes judeus russos – tinham uma lavandaria. Começou mesmo por tirar um bacharelato em química. Só depois de ter cumprido serviço militar pelos Estados Unidos durante a Segunda Guerra Mundial é que estudou física de partículas na Universidade de Columbia, em Nova Iorque, segundo o comunicado. Foi então na física de partículas que se destacou. Em 1962, juntamente com os seus colegas e físicos Jack Steinberger e Melvin Schwartz, conseguiu produzir um feixe “especial” de neutrinos – partículas elementares muito esquivas, que têm pouca massa e carga eléctrica nula – num acelerador de elevada energia. “Eles descobriram que, por vezes, em vez de se produzir um electrão, é produzido um muão, mostrando assim a existência de um novo tipo de neutrino, o neutrino do muão [hoje sabe-se que existem três tipos: o neutrino do electrão, o do muão e o do tau]”, lê-se no comunicado. Por isso, Leon Lederman, Jack Steinberger e Melvin Schwartz ganharam o Nobel da Física de 1988. Mas as descobertas não ficaram por aqui. Em 1977, no Fermilab, Leon Lederman liderou a equipa que descobriu o quark bottom (uma partícula fundamental). Actualmente conhecem-se seis quarks. O físico acabou mesmo por ser director do Fermilab entre 1978 e 1989. Foi director na altura da construção do grande acelerador de partículas Tevatron (o maior do mundo entre 1983 e 2010), que está desactivado desde 2011. “Leon Lederman proporcionou uma visão científica que permitiu ao Fermilab continuar a ser um pioneiro tecnológico por mais de 40 anos”, referiu Nigel Lockyer, actual director do laboratório. “A liderança do Leon ajudou a moldar o campo da física de partículas ao conceber, construir e operar o Tevatron e a posicionar o laboratório como um líder mundial na ciência de neutrinos e de aceleradores. ”Os seus colegas também destacam a capacidade de liderança de Leon Lederman. “Uma das suas grandes competências era conseguir boas pessoas para trabalhar com ele. Não era egoísta com as suas ideais. O que conseguiu surgiu por conseguir uma grande equipa”, conta Alvin Tollestrup, cientista do Fermilab e que trabalhou com Leon Lederman durante mais de 40 anos. “O Leon tinha a capacidade de liderar. Unificava e persuadia”, diz por sua vez John Peoples, também antigo director do Fermilab, que trabalhou igualmente mais de 40 anos com o físico. “Tinha a capacidade de ouvir cuidadosamente as pessoas e de conseguir sintetizar bem as coisas. ”Depois de se reformar do Fermilab, Leon Lederman tornou-se professor de física na Universidade de Chicago. Actualmente, vivia em Rexburg com a sua mulher, Ellen Carr Lederman. Segundo o jornal norte-americano The New York Times, tinha demência e os médicos aconselharam-no a viver num ambiente pacífico. Em 2015, vendeu mesmo a sua medalha do Nobel no valor de 765. 0002 dólares (664. 701 euros) para despesas médicas. A conta de Twitter do Nobel assinalou esta quinta-feira a sua morte. Mas Leon Lederman também ficou conhecido pela criação da expressão “partícula de Deus” para o bosão de Higgs, partícula subatómica detectada em 2012. A expressão faz parte do nome do seu livro A Partícula de Deus: Se o Universo é a Resposta, o que é a Pergunta? (The God Particle: If the Universe Is the Answer, What Is the Question?), que escreveu em conjunto com o escritor norte-americano Dick Teresi. Os autores explicam logo no início do livro que escolheram esta expressão porque o editor não os deixou usar a expressão “partícula maldita”. Contudo, como explica Sean Carroll no livro de 2012 A Partícula no Fim do Universo (editado em Portugal pela Gradiva), físicos de todo o mundo odiavam o nome. “Peter Higgs, de quem provém o nome mais tradicional, diz com uma gargalhada: ‘Fiquei realmente irritado com aquele livro. E penso que não fui o único. ’” Muitos dos físicos não gostavam do nome porque associa a ciência à religião. Leon Lederman era ainda conhecido por ser um apaixonado pela educação e divulgação científica. Por exemplo, enquanto era director do Fermilab lançou o programa gratuito e ainda em funcionamento Física aos Sábados de Manhã. Estudantes podem aprender mais sobre física de partículas com os cientistas. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. O seu sentido de humor e capacidade de contar histórias também não passaram despercebidos. “Parecia ter um enorme armazém de piadas”, conta John Peoples. “Tinha uma personalidade alegre e podia ter sido um humorista. ”Quanto às histórias, Sean Carroll conta no seu livro que uma das favoritas de Leon Lederman era com Albert Einstein. Enquanto era estudante de doutoramento, conseguiu interpelar Einstein enquanto este caminhava nos jardins do Instituto de Estudos Avançados de Princeton (EUA). “O grande homem [Einstein] ouviu pacientemente enquanto o ansioso jovem [Lederman] explicava a investigação em física de partículas que andava a fazer em Columbia, e depois disse com um sorriso: ‘Isso não é interessante. ’”Esta semana, no obituário de Leon Lederman no jornal The New York Times o físico teórico do Fermilab Joseph D. Lykken faz-lhe uma homenagem considerando-o “o melhor embaixador da física para o público em geral desde Einstein. ”
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Entidades EUA
Dino Risi: Quando o cinema italiano faz boom
Dizia-se melancólico e crepuscular — era isso a “comédia à italiana, afinal. A sua moral? “Ser suficientemente inteligente para se perceber que não se vale nada.” Há ciclo Dino Risi na Festa do Cinema Italiano, a partir de dia 5 de Abril. (...)

Dino Risi: Quando o cinema italiano faz boom
MINORIA(S): Migrantes Pontuação: 6 | Sentimento 0.0
DATA: 2018-12-31 | Jornal Público
SUMÁRIO: Dizia-se melancólico e crepuscular — era isso a “comédia à italiana, afinal. A sua moral? “Ser suficientemente inteligente para se perceber que não se vale nada.” Há ciclo Dino Risi na Festa do Cinema Italiano, a partir de dia 5 de Abril.
TEXTO: Vittorio Gassman faz pó sobre a cultura e a introspecção, ultrapassa tudo a alta velocidade, acelera o consumismo. Com ele, que era o seu actor fétiche, um cineasta italiano, Dino Risi, faz boom. Foi com ele que fez A Ultrapassagem (1962), “um filme que é mais do que um filme” — é esse o “milagre” que qualquer cineasta persegue, disse outro realizador, Marco Tulio Giordana. Risi apanhou em movimento a Itália dos anos 60, com os carros, a Itália do boom económico, apanhou italianos com a palavra “vencedor” na boca (mesmo não sabendo o que é que venciam, gostavam do som, como outros do cheiro do napalm pela manhã). Apanhou-os com a gestualidade afrontosa a protegê-los da intimidade (“Estes italianos são estranhos, seguem-nos durante quilómetros, e depois vão-se embora”, dizem duas turistas alemãs perante o súbito desinteresse de Vittorio). Dino Risi disse de um shakespeareano que demorou a reinventar-se como cómico no cinema: Vittorio Gassman (1922-2000) “c’est moi”. Gassman, nos filmes, era ele, Risi — Gassman e essa coisa de alguém “querer ser mais do que na verdade era”. Nas páginas da sua autobiografia, I Miei Mostri (2004), o cineasta liberta um fôlego confessional lúcido, cruel e auto-irrisório que dá para todos. Mas a memória de Gassman é especialmente tocada pela nostalgia — retrato de um actor minado pela doença, águia enjaulada a olhar para a parede branca. Ir com Gassman de Il Sorpasso (5. ª, 6, 21h30) e I Mostri (5. ª, 13, 19h) a Perfume de Mulher (3. ª, 11, 15h30), ir de 1962 a 1974, é ser ultrapassado pelo aparato de um mitómano e vê-lo desfazer-se, suavemente, em fundo. Comédia conduzida para o drama para se suspender numa ravina sobre a tragédia, é um título natural, porque icónico de uma filmografia, para servir de abertura à pequena retrospectiva de uma dezena de filmes dedicada a Dino Risi (1916-2008) programada pela Festa do Cinema Italiano e pela Cinemateca Portuguesa. Começa na Sala Félix Ribeiro, em Lisboa, a 6 de Abril, às 21h30 — no mesmo programa, e para não desprender isto da nostalgia, porque a “comédia à italiana” foi uma invenção a partir de uma amálgama de sentimentos e tons, veremos o aparato mitómano de Gassman diluir-se em fundo, dias mais tarde (3. ª, 11, 15h30), na personagem do militar aposentado, cego, de Perfume de Mulher (1974), em que faz a educação sentimental do jovem (Alessandro Momo) que o acompanha (“o sexo, os seios, as coxas, a única religião, a única política, a verdadeira pátria do homem”). Gassman também não viaja sozinho em A Ultrapassagem. Tem a seu lado, e para o poder perverter, Jean-Louis Trintigant (Educação Sentimental é, também, o título do primeiro episódio de I Mostri — 5. ª, 13, 19h —, filme de 1963 em que Ugo Tognazzi tem a seu lado um miúdo, interpretado pelo filho Ricky, a quem dá lições de sobrevivência, egoísmo e de desconfiança nas instituições democráticas). Gassman e Trintignant são Bruno e Roberto. Dir-se-ia que um perverte e o outro, que vai no lugar do morto, é o corrompido. A Itália foi decisiva para a definição do francês Trintignant no cinema, tintando uma (pequena) figura virginal, quase anónima, de letalidade (O Conformista, de Bernardo Bertolucci, aconteceria em 1970). Em A Ultrapassagem, Trintignant já inquieta, o que enche a viagem de sobressaltos interiores e de uma tensão que não se explica apenas por aquilo que acontece “cá fora” às personagens. Mas o filme, obviamente, ainda lhe é fatal. De qualquer forma, é perante a possibilidade de Bruno e Roberto ultrapassarem os limites onde foram estabilizados enquanto personagens que o filme se sente como uma ameaça: por exemplo, a oposição entre a voz interior de Trintignant (reserva para a personagem, que diríamos ser uma vítima in progress, uma visão, uma estratégia, um pensamento, o que lhe dá poder) e o histrionismo de Gassman (homem sem interioridade, o corruptor pode revelar-se, afinal, o elo mais fraco). Mas estávamos na euforia do boom, olhe-se para Bruno: dá saltos sobre a introspecção, é uma figura sem memória, sem afecto, é corpo consumista que não negoceia a existência nos espaços: pura e simplesmente toma conta deles. Não suporta as crises — não suporta os sentimentos. Aborrece-se com O Eclipse de Antonioni. É esse o sentido do seu saboroso veredicto sobre esse filme desse mesmo ano, que ao desacelerar obrigava a enfrentar a crise: “Aquela coisa que está muito na moda hoje, a alienação. Viste O Eclipse, de Antonioni? Que seca, adormeci. Grande realizador, o Antonioni. ”Não é de desperdiçar o facto de, na narrativa do ciclo, a proposta seguinte ser O Gaúcho (1965) — 6. ª, 7, 15h30. É de aproveitar mesmo, porque aí é o próprio Risi que desacelera a narrativa eufórica do boom e de Gassman — aqui no papel do agente de um produtor cinematográfico que acompanha à Argentina uma equipa de actores e argumentistas que participam num festival. Em 1979 a RAI começou a exibir Storia di un Italiano, programa idealizado por Alberto Sordi (1920-2003), que montava excertos dos seus filmes para uma demonstração: a determinada construção de uma figura, o italiano — egoísta, pusilânime, servil —, ao longo da História: I Guerra, fascismo, II Guerra, reconstrução, boom económico. Muito desse “trabalho” se deveu ao argumentista Rodolfo Sonego, que Sordi impunha nos contratos, consciente do pensamento que estava a ser elaborado em seu favor. Se há actor de persona monstruosa nos “monstros” do cinema italiano, até na voracidade com que se quer inscrever na História, é ele, Sordi, a quem nada ofende em Uma Vida Difícil (2. ª, 10, 21h30), o que o torna tão, tão ofensivo. Dino Risi comparou Ugo Tognazzi (1922-1990) a Marcello Mastroianni: parecia que não representavam — o oposto de Vittorio Gassman, todo ele construído e desfeito pela máscara. Sintomático é o facto de Tognazzi ter pedido, para I Mostri (5. ª, 13, 19h), cujo protagonismo dividiu com Gassman, que fosse ele a representar, ao lado do filho Ricky, o primeiro episódio: Educação Sentimental, lições pouco cívicas sobre egoísmo. A Tognazzi e a Mastroianni Risi deu, por sinal, papéis, em momento mais tardio da sua obra, que deslizavam para o melodrama funesto, onírico: Primo Amore, 1978, e Fantasma do Amor, 1981. Lamentavelmente ausentes do ciclo, são belíssimos e corrigem o lugar do cineasta como território ocupado pela “comédia à italiana”. Numa das últimas entrevistas, Risi refere-se aos “seus” actores — Gassman, Tognazzi, Mastroianni — e de certa forma exclui Nino Manfredi (1921-2004). “Não me fazia rir. ” Há declarações em sentido contrário, em que elogia a precisão de “relojoeiro” com que o actor trabalhava as personagens. Mas Manfredi era de uma linhagem diversa, de facto. É a singularidade de Vejo Tudo Nu (1969) — 5. ª, 20, 18h30 —, a forma como, pela minúcia, desacelera, instala a gravidade e aproxima o humor do pesaroso. Também por causa de Manfredi é notável, nesse filme, o episódio Ornella sobre a relação entre dois homens e uma fantasia entre eles: uma mulher, aquela que vive dentro do corpo de Nino. Pode ser estranho ver os dois filmes de seguida. Mas é esse o desafio: mais evidente fica o pendor contemplativo de O Gaúcho. Como se com a saída de Itália Risi tivesse podido inundar o seu filme com reflexão. O plano de abertura, imagens aéreas sobre Buenos Aires, adensa então, retrospectivamente, no espectador a sensação de espelho: está no lugar de Itália. Todo o filme denota um recuo, os planos observam a ressaca em vez de participarem da euforia. Há momentos eufóricos, quando a personagem de Gassman descobre em Buenos Aires um amigo que emigrara (Nino Manredi). Mas sendo exageradamente burlescos, são também profundamente tristes: quer uma personagem quer outra se descobrem como falhados e são obrigados a tirar as máscaras — mesmo não conseguindo olhar para os rostos que ficaram. São espantosos retratos, são espantosos rostos — de gente em fuga, Gassman, Manfredi, e também, no ciclo, Alberto Sordi ou Ugo Tognazzi. Figuras em movimento, precisavam deste grande cineasta de silhueta leonina (os cabelos. . . ) e olhos azuis para não os deixar escapar. Mas Risi terá feito uma enorme obra-prima (Il Giovedi, 1954, título ausente do ciclo) com um Walter Chiari, também ao volante do automóvel, que em tudo se mostrava despido de histrionismos — é o retrato de um perdedor do “sonho italiano” sem capacidade, sequer, para disfarçar a derrota, e é das coisas mais pungentes, sem alternativas de fuga, de que o cinema italiano foi capaz. Note-se: sendo capaz de mostrar também um momento de inocência, de crença na obra de Risi, a Roma ainda ingénua e rural e a sorrir com a promessa de futuro (Poveri ma Belli, de 1957, enorme sucesso que salvou a Titanus da falência, e teria duas sequelas, Belle ma Poveri, no mesmo ano, e Poveri Milionari, 1958), o ciclo pode pecar por não permitir a experiência da totalidade do cinema do realizador: a sua inclinação mórbida, por exemplo, que está num filme como Un Amore a Roma, 1960, título que se intromete no período das comédias sobre a Itália do boom, ou no mais tardio Fantasma de Amor (1981), história funesta, com Marcello Mastroianni e uma dolorosa Romy Schneider, ou ainda, entre um e outro em termos de fantasmagoria, Nostalgia do Amor (1978), com Tognazzi e Ornella Muti. Mas a relação com os rostos, com a possibilidade de poderem falar com eloquência, está no cinema do cineasta desde os inícios, desde as curtas-metragens documentais. Em Il Buio in Sala (1950) seguíamos a deambulação de um homem curvado pela Milão do pós-guerra, víamo-lo entrar para o cinema, víamos o poder das imagens no ecrã sobre os rostos, e víamos sair um homem diferente, erecto. Filho de uma família milanesa republicana e ateia (o pai era médico do La Scala e ensinou o filho de seis anos a responder a uma professora que o questionava sobre o facto de não ir às aulas de religião: “Porque sou um livre pensador”), Dino Risi começou a frequentar o cinema nessa idade, aproveitando o passe para as salas de que usufruía um amigo, filho de diplomata grego. Il Silenzioso tinha sessões matinais para os estudantes que faltavam às aulas. Tentou o suicídio aos 17 anos. “Não gostava de mim”, conta na sua autobiografia, I Miei Mostri (2004). Queria ser Cary Grant. Foi salvo por uma bala: comprou a pistola, mas denunciou-se ao vendedor porque, como tinha pouco dinheiro, disse que uma só era suficiente. . . Foi salvo, na verdade, isto é o que ele confessa, pelo cinema. Um encontro com Alberto Latuada, assistente num filme de Alessandro Blasetti, frustraria a carreira do médico — como também aconteceu com mais do que um arquitecto tornado mestre da “comédia à italiana”. Era assim que explicava a razão por que fazia filmes: ia aos restaurantes, as pessoas falavam, mas nada diziam, estavam tristes; o futebolista queria ser cómico, o músico queria ser escritor, todos tinham falhado. Os filmes salvavam, salvavam os espectadores. Dessa relação vital, festiva, popular, terapêutica, são eloquentes todos os seus filmes. I Mostri, momento inaugural do filme em episódios que violenta o espectáculo cinematográfico (alguns episódios duram segundos, isso seria hoje o quê? Um filme experimental?), é um “festival” Gassman/Tognazzi. Através das suas personagens, dos “tipos” que Risi, os argumentistas e os actores inundam de vibrante humanidade, a “barbárie”, como disse Umberto Eco, não só foi representada como passou a ser a “normalidade” — veja-se como num dos episódios, e ainda para falar de alteração violenta das convenções do espectáculo cinematográfico, Vittorio Gassman faz papel de mulher sem álibi de narrativa, sem o drag justificado de Jack Lemmon e Tony Curtis em Quanto Mais Quente Melhor (Billy Wilder, 1959). Poveri ma Belli, o optimismo dos anos 1950, estrondoso sucesso; I Mostri, inauguração triunfante do filme em episódios; Gassman e Mandredi em O Gaúcho; Sordi e Léa Massari em Uma Vida Difícil; Gassman em Perfume de MulherSubscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Em Il Vedovo (1959), Alberto Sordi (tão ofensivo na sua cobardia como em Uma Vida Difícil, de 1961, e tão ansioso por colaborar com a História), programa o assassinato da mulher que o humilha, como se estivesse a escrever o argumento de um noir americano — por exemplo, de Pagos a Dobrar (1944), de Billy Wilder, influência dominante em Risi (o filme mostra também a importância de I soliti ignoti, de Mario Monicelli, realizado em 1958, em que um grupo de vigaristas planeava uma golpada como as que se viam nos filmes americanos, como se fosse essa uma das possíveis explicações da vida da “comédia à italiana”). Um dos apogeus mais vertiginosos, no cinema de Risi, dessa aliança entre filmes e barbárie, cinema e delito, classe média e vigarice, encontra-se em O Castigador (1963), ausente do ciclo. É Gassman que liberta a energia perigosa do filme: é um actor, e por mais que se disfarce de respeitabilidade (às tantas disfarça-se de Greta Garbo), o filme, arte vígara, está sempre a reconduzi-lo ao seu lugar. Chamaram-lhe cínico. “Acusam-me de ser cínico. Tirando o facto de os cínicos serem as pessoas mais sinceras do mundo, porque vêem a verdade, não são mentirosas, o facto de fazer observações cínicas não significa que seja um cínico. ”Dizia-se melancólico e crepuscular — algo que está entranhado na sua obra, embora o ciclo não “fale” muito disso. Mas gostava de rir. Talvez isto o possa resumir, e à moral deste cinema: “Ser suficientemente inteligente para se perceber que não se vale nada. ”
REFERÊNCIAS:
“O receio com as fake news pode levar à censura privada e pública”
Miguel Poiares Maduro admite que o cenário mais provável das próximas eleições europeias será de uma forte fragmentação política. E defende que os utilizadores das redes sociais devem ter mais poder de identificar a real origem do que lêem e vêem (...)

“O receio com as fake news pode levar à censura privada e pública”
MINORIA(S): Migrantes Pontuação: 6 | Sentimento -0.16
DATA: 2018-12-31 | Jornal Público
SUMÁRIO: Miguel Poiares Maduro admite que o cenário mais provável das próximas eleições europeias será de uma forte fragmentação política. E defende que os utilizadores das redes sociais devem ter mais poder de identificar a real origem do que lêem e vêem
TEXTO: Os partidos tradicionais de centro, esquerda e direita moderados só conseguirão combater os movimentos populistas se tiverem respostas para "problemas que são verdadeiros" de quem se "sente excluído dos benefícios da globalização e da transformação digital", afirma Miguel Poiares Maduro, director da Escola de Governança Transnacional do Instituto Universitário Europeu de Florença e ex-ministro Adjunto e do Desenvolvimento Regional. Entre 2013 e 18 surgiram na UE mais de 70 novos partidos e alianças políticas, muitos com discurso anti-sistema ou de rejeição de valores democráticos. Porém, os europeus têm uma percepção positiva deste fenómeno. Como explica a aparente dissonância?Temos vindo a assistir a uma transformação mais profunda do sistema político, que não tem de ser necessariamente negativa. Temos visto uma multiplicação de partidos políticos, mas nem todos são populistas. A ocorrência de renovação no sistema político e partidário não deve ser entendida como negativa. Se calhar também era negativo termos tido sempre os mesmos partidos políticos, as mesmas elites políticas e não termos tido alguma renovação. A renovação de partidos políticos não me preocupa, preocupa-me é que dentro dessa renovação o espaço tem vindo a ser sobretudo ocupado por partidos políticos populistas, em que o populismo é uma concepção de representação de uma vontade popular contra uma elite que é entendida como governando e ocupando o poder contra a vontade popular. Os populistas assumem que, representando essa vontade popular, têm autoridade para impor uma vontade e um programa independentemente de qualquer mecanismo de controlo de poder clássico da nossa democracia liberal. Opõem-se a mecanismos de separação de poderes, a entidades independentes, muitas vezes ao sistema judicial, aos direitos fundamentais. Como explica o crescimento dos partidos populistas?Está associado a duas circunstâncias. Uma é a transformação da própria forma de organização e funcionamento da política. Em virtude da forma como as redes sociais se organizam, os seus algoritmos seleccionam o que nos é dado a ler e ver, tendem a reforçar os nossos preconceitos, a colocar-nos em comunidades mais ou menos fechadas política, ideológica e moralmente. Ora isso tende a polarizar e a radicalizar muito mais o ambiente político. Esta é apenas uma das circunstâncias de uma transformação da política muito mais ampla que, ao mesmo tempo, tem ocorrido nos últimos anos com uma deterioração do ambiente económico e social que muitas pessoas associam a uma sociedade cada vez mais interdependente. A conjugação desse contexto económico-social mais desfavorável com uma transformação da política que promove uma política muito mais polarizada, muito mais radicalizada, é o que tem permitido o crescimento dos partidos populistas com uma certa naturalidade dentro da população. Há uma zanga contra as elites?Para esse discurso anti-elites ter ressonância ele provavelmente tem algo de verdade. Há uma percentagem muito grande da população que tem vindo a sentir-se excluída dos benefícios das transformações que ocorreram na sociedade e que tem muito a ver com a circunstância de que quer a globalização quer talvez até mais a transformação digital promoverem uma concentração de riqueza em determinados grupos contra outros. Isso significa que há um grupo de pessoas que sente que o mundo está a mudar de uma forma que beneficia alguns mas os exclui a eles. Essa realidade tem de ser atendida. O populismo não é apenas a contraposição da vontade popular às elites. Outro facto que define os movimentos populistas, e é por isso que são particularmente perigosos, é que aquilo que é vontade popular, no entendimento dos movimentos populistas, não é produto do pluralismo político, ou seja, não há um debate, não há pluralismo, não há diferentes noções da vontade popular, só há uma vontade popular, fixada, que é aquela que eles representam. E com base nessa reivindicação tendem a assumir poderes absolutos. Temos de distinguir entre o que faz genuinamente as pessoas ou grupos sociais sentirem-se excluídos dos benefícios da globalização e da transformação digital - e que necessita de uma resposta – e a utilização e manipulação dessa realidade por movimentos populistas que, assumindo a representação dessa vontade popular, o fazem de uma forma que conduz necessariamente a processos autoritários e a uma lógica de exercício do poder autoritária. Esta segunda é que é perigosa. Como conseguimos combatê-la? Temos de, nos partidos tradicionais de centro, esquerda e direita moderados ter uma agenda positiva e uma proposta política alternativa de resposta a estes problemas que são verdadeiros. Vê os partidos terem uma resposta para a desigualdade social?Os partidos populistas têm tido sucesso porque apresentam uma resposta simples, que é falsa na minha opinião, a esses problemas que é: nós resolvemos as consequências negativas desta sociedade interdependente. E a interdependência das nossas sociedades resulta não apenas do processo de globalização mas também da transformação digital que destrói fronteiras e destrói também as formas de organização clássica do trabalho, da economia. A resposta deles é a perspectiva de regresso a um controlo sobre todos esses fenómenos por parte da população. É um populismo soberanista, associado a uma lógica nacionalista de defesa das fronteiras nacionais, protegendo-as do exterior, seja através do proteccionismo, fechando a interdependência económica, seja através dos controlos e de restrições à imigração, fechando a mobilidade das pessoas. Essa é a proposta dos movimentos populistas. A proposta política alternativa tem de partir da defesa dessa interdependência. Tem havido medo de fazer isso?Tem, mas esse medo que tem existido em articular, explicitar, desenvolver um projecto político com essa identidade tem muito a ver com a circunstância de os partidos mais moderados, do centro e da direita, que poderiam e deveriam exprimir esse projecto político, terem eleitorados que estão divididos relativamente a este tema da interdependência, inclusividade versus encerramento, exclusão e soberanismo. Por isso têm grande dificuldade e receio que qualquer posição que assumam lhes faça perder uma parte do eleitorado. Essa hesitação está a causar erosão aos partidos?Está. Este receio em explicitar uma proposta política positiva, alternativa à dos populistas, defensora de uma sociedade e de um mundo interdependente e aberto, tem tido como consequência uma erosão progressiva do seu eleitorado, porque tendo receio de assumir um projecto alternativo, mesmo assim vão perdendo parte do eleitorado para quem assume esse projecto alternativo como são os populistas. Em segundo lugar, consequência igual ou mais negativa, é a circunstância de muitos partidos moderados parecer que querem lidar com esse problema aceitando ou introduzindo parte da mensagem política dos partidos populistas, em vez de desenvolver uma mensagem política e um projecto político alternativo. Incorporam alguns dos componentes dos partidos populistas, por exemplo, em matéria de imigração. Esse para mim é o grande risco, sendo que temos um exemplo de que é possível ter essa mensagem alternativa e com sucesso. Quem?Macron. Ganhou porque percebeu que se calhar há uma componente do eleitorado que é muito importante e transversal aos diferentes partidos tradicionais mas que se organiza dentro dessa nova visão ideológica e política como favorável a um mundo aberto, interdependente. E como ele não pertencia a nenhum dos partidos políticos clássicos conseguiu fazer um programa e uma mensagem política que captou eleitorado moderado na direita e na esquerda. Fez aquilo que os partidos populistas fizeram, era a única hipótese que tinha de ter sucesso não pertencendo a nenhum dos partidos clássicos. Estes estão prisioneiros da sociologia do seu eleitorado, cada vez mais dividida. A aposta de Macron - independentemente de eu não concordar com as formas concretas que defende -, em termos de mensagem política global, é correcta e estou convencido que pode ter sucesso noutros países e noutros estados europeus. E o que foi o protesto dos "coletes amarelos"?Claramente demonstrou as dificuldades de que não basta ter uma mensagem, que é necessário produzir resultados que se coadunem com essa mensagem, demonstrar que os ganhos da globalização e da transformação digital podem ser repartidos equitativamente. Olhando para o período da Revolução Industrial, hoje temos menos pessoas pobres e mais igualdade mas hoje o contrato social existente e o Estado Social não conseguem já oferecer resposta em termos de esperança e sentido de justiça. Face às eleições de 2019, e aos receios de manipulação e multiplicação de fake news, como vê a reacção dos partidos e dos governos?Não é muito claro para mim qual é a resposta que estão a preparar ao fenómeno das fake news. Os estudos que temos demonstram que estas não tendem a ter um grande impacto na conversão de pessoas a uma determinada posição. Quem tem uma mente aberta, moderada, normalmente não se deixa convencer pelas fake news. O que estas fazem é agravar a tal polarização política: são sobretudo distribuídas, circuladas, entre aqueles que já estão convertidos à posição que aquele facto falso reportado reforça. Mobilizam os extremos, tornam a política ainda mais radical. Sabemos que, através da inteligência artificial, dentro de muito pouco tempo vai ser possível falsificar imagens e áudio. Temos de estar preparados para formas de falsificação de informação que podem ser perigosas. Mas vejo com grande preocupação a muita pressão sobre o Facebook e a Google para censurarem e eliminarem supostas fake news – umas serão reais noutros casos talvez não. . . Não há uma responsabilização do lado dos governos e das instituições?A democracia tem um paradoxo. Só podemos ter uma democracia que funciona se for assente na verdade, nos factos. Nessa medida, a democracia depende da verdade, mas a democracia também é necessariamente uma competição, uma deliberação, uma discussão sobre o que é a verdade. É isso que é o pluralismo político. Por isso sempre tivemos na democracia uma grande resistência a qualquer forma de censura, pública ou privada. A minha preocupação é que o receio com as fake news possa levar a formas de censura privadas ou públicas que nunca seriam aceitáveis. A resposta às fake news é através de mais pluralismo e não menos. Por exemplo, Google e Facebook devem ser obrigados a tornar transparente a informação que estão a circular, não é eles determinarem se é verdadeira ou falsa. É tornarem transparente para as pessoas se é ou não de carácter político, qual é a sua origem, se foi ou não paga - isso permitirá às pessoas entender dar maior ou menor fidelidade ao que estão a ler. Sabemos que grande parte da informação falsa que foi muito prejudicial na campanha de alguns estados era paga. Se as pessoas soubessem tinham logo uma suspeita sobre essa informação. Outro aspecto que defendo é que o Facebook e Google deviam ser obrigados a abrir o seu algoritmo e permitir desde logo aos cidadãos e seus utilizadores associarem-no a aplicações desenvolvidas por organizações independentes ou media prestigiados. Imagine-se que o PÚBLICO fazia um mecanismo de fact checking e de controlo e eu, como cidadão, controlava, confiava no PÚBLICO. Portanto introduzia essa ferramenta no meu algoritmo e sempre que aparecesse uma notícia que essa ferramenta identificasse como provável fake news era alertado para isso. Isto são mecanismos que dão mais liberdade ao cidadão, mais pluralismo, mais transparência, mais informação, que é positivo. Ao contrário, é muito negativa a tendência que está a ocorrer de Facebook e Google começarem a decidir por mim aquilo que é informação verdadeira ou falsa. Isso é o contrário da forma como nós sempre tentámos que na democracia fosse apurada a verdade. Ela é apurada através do pluralismo, não através da censura. Como vê o plano de acção contra a desinformação que a Comissão Europeia lançou recentemente?Vai, para já, no sentido certo. Primeiro, prevê uma monitorização e resposta rápida por parte das instituições europeias, sobretudo em relação ao receio que vem da Rússia. Segundo, há um aumento da transparência nas redes sociais, em vez de uma censura. Essa maior transparência obriga a identificar os conteúdos e o que está a ser pago. Como disse, a minha preocupação é se é uma entidade privada a decidir o que é ou não fake news. Terceiro, prevê acções de médio e longo prazo, como a literacia mediática. Outras propostas deviam ser entretanto avançadas. Com uma legislatura que ficou marcada pela abstenção e pela ascensão da extrema-direita soberanista, para que cenário se prepara para as próximas europeias?O cenário mais provável é de forte fragmentação política, ou seja, de um Parlamento Europeu com uma maior dificuldade de criar uma maioria e que pode também conduzir a uma dificuldade na escolha do presidente da Comissão Europeia. Teme-se um crescimento dos movimentos populistas. São poucos os partidos que têm uma mensagem política positiva alternativa de defesa do projecto europeu de forma concreta e que as pessoas sintam como genuína. O sucesso dos partidos populistas vai depender muito da taxa de abstenção. O que temos visto nas eleições para o PE é que, paradoxalmente, ao crescimento dos seus poderes tem correspondido uma diminuição na participação dos eleitores. Nas últimas eleições houve a tentativa através do Spitzenkandidat [cabeças-de-lista dos grupos políticos europeus candidatos a presidentes da Comissão Europeia]. Fui uma das pessoas que mais defenderam isto ao longo de muitos anos. A tentativa era atrair os cidadãos para a participação política e para a importância das eleições europeias. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Acho que o impacto dessa estratégia foi diminuto também porque não se deu conta que se estava a eleger num certo sentido o próximo presidente da CE. Era muito importante que os candidatos tivessem visibilidade, que houvesse debates com eles nos diferentes estados-membros, que houvesse programas políticos diferenciadores entre os candidatos. Infelizmente não vejo isso acontecer. Ainda estamos a tempo de promover alguns desses aspectos e espero que isso aconteça. Um outro passo que podia ser dado para promover a participação eleitoral - quanto maior a participação eleitoral menor o peso dos partidos populistas, porque o voto de protesto, mais radical, é o voto que mais facilmente se mobiliza - era associar as eleições europeias com as nacionais. Isso é um passo que ainda não é viável nas próximas eleições. Podia ser eventualmente no caso português - devíamos ponderar associar os dois processos eleitorais. Não se corria o risco de a Europa passar ao lado da campanha?É verdade que é um risco, mas acho que já acontece na mesma. Devíamos fazer a experiência e podíamos ser um país-piloto nessa matéria.
REFERÊNCIAS:
Entidades UE
Protesto contra “lei dos escravos” torna-se cerco a deputados da oposição
Parlamentares queriam ler cinco reivindicações dos manifestantes que há cinco dias protestam em Budapeste - protestos que chegaram a ter 15 mil pessoas e que os media do país estão a ignorar. (...)

Protesto contra “lei dos escravos” torna-se cerco a deputados da oposição
MINORIA(S): Migrantes Pontuação: 6 | Sentimento 0.0
DATA: 2018-12-31 | Jornal Público
SUMÁRIO: Parlamentares queriam ler cinco reivindicações dos manifestantes que há cinco dias protestam em Budapeste - protestos que chegaram a ter 15 mil pessoas e que os media do país estão a ignorar.
TEXTO: Os protestos contra uma alteração da lei do trabalho na Hungria transformaram-se num protesto pela liberdade de imprensa. Isto depois de um grupo de 12 deputados da oposição tentar ser ouvido pela estação de televisão pública MTV para dizer cinco reivindicações dos protestos, ignorados pela emissora. O que aconteceu a seguir? Seguranças da televisão agrediram dois deles e expulsaram-nos, enquanto outros dez se mantiveram no edifício desde domingo até esta segunda-feira à noite. Também esta situação inédita foi ignorada nas notícias da MTV. O que fez detonar estes protestos, únicos porque juntam toda a oposição, da direita à esquerda, foi uma alteração na lei do trabalho que prevê que os húngaros possam trabalhar até mais 400 horas por ano, ou seja, duas horas por dia (ou um dia extra de trabalho por semana) com a possibilidade de as empresas adiarem o pagamento até três anos. Os críticos chamam-lhe “a lei dos escravos”. “Ele [o primeiro-ministro Viktor Orbán] fez algo que aborreceu um grande segmento da população, mesmo os seus próprios apoiantes”, disse o analista político Gábor Gyori, do centro de estudos Policy Solutions, à rádio pública norte-americana NPR. Uma sondagem do centro de estudos liberal Instituto Republikon mostra que 63% dos apoiantes de Orbán, eleito para um terceiro mandato consecutivo em Abril, criticam esta medida, e mais de 95% dos seus opositores também. Mas ela é necessária porque o país precisa de mão-de-obra, depois de uma vaga de emigração sobretudo de jovens qualificados, que são mais bem pagos noutros países (e a política anti-imigração de Orbán torna difícil preencher a carência com mão-de-obra estrangeira). À imprensa estrangeira, o Governo diz que as manifestações são instigadas por George Soros, o multimilionário filantropo cuja Universidade está em processo de mudar de Budapeste para Viena após pressão do Executivo e que tem sido o "inimigo público número um" de Orbán. A última vez que houve oposição tão forte foi em 2014, contra um plano de um imposto sobre o tráfego de internet, que o Executivo acabou por abandonar depois de manifestações de dezenas de milhares de pessoas. As manifestações actuais chegaram no domingo ao número mais alto de participação, com 15 mil pessoas, mas alguns analistas dizem que o mais relevante é decorrerem todos os dias desde quarta-feira, sob um blackout dos media e temperaturas abaixo de zero, e unirem uma oposição muito fragmentada, da esquerda à direita nacionalista. “É uma massa significativa, no sentido de que parece ser uma oposição comprometida contra o Governo”, disse ao New York Times o analista Peter Kreko, do centro de estudos Political Capital. “Quanto tempo irá durar, não sabemos”. No domingo, uma parte dos manifestantes foi até à sede da empresa de rádio e televisão estatal, já nos arredores da cidade, gritando: “fábrica de mentiras”. Os media estatais são o símbolo do apoio a Orbán, enquanto os media privados estão nas mãos de aliados do primeiro-ministro. Enquanto isso, alguns deputados da oposição entraram no edifício para pedir cobertura dos protestos e a leitura de uma lista de cinco reivindicações dos manifestantes, incluindo a revogação da “lei dos escravos” e o regresso a um sistema judicial e de media públicos independentes. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. A emissora ignorou a presença dos deputados e a segurança expulsou mesmo dois dos deputados independentes, Akos Hadhazy e Bernadett Szél. As imagens de Hadhazy a ser agarrado por seguranças por mãos e pés e arrastado com brutalidade para fora do edifício, depois de caído no chão (antes tinha sido agredido) foram “uma exibição rara do controlo de Orbán sobre o acesso dos húngaros à informação”, comentava o New York Times. Um outro grupo, de dez deputados, tinha-se conseguido manter no interior do edifício, numa sala de maquilhagem, e argumentando que têm imunidade parlamentar, relatam ter pedido protecção policial. Esta foi negada. No Twitter, o analista Peter Kreko afirmava que este “é um novo nível, mais perto da Rússia”. “[Os deputados] têm o direito de entrar no edifício e não fizeram nada violento”, sublinha.
REFERÊNCIAS:
Palavras-chave lei imigração
As consequências do “Brexit” para o cinema e a TV britânicos — e para os estrangeiros que nela trabalham
No país de James Bond e Downton Abbey, a saída do Reino Unido da União Europeia tem tido "mais cliffhangers do que uma temporada inteira de A Guerra dos Tronos”, diz o Observatório Europeu para o Audiovisual. (...)

As consequências do “Brexit” para o cinema e a TV britânicos — e para os estrangeiros que nela trabalham
MINORIA(S): Migrantes Pontuação: 6 | Sentimento 0.0
DATA: 2018-12-31 | Jornal Público
SUMÁRIO: No país de James Bond e Downton Abbey, a saída do Reino Unido da União Europeia tem tido "mais cliffhangers do que uma temporada inteira de A Guerra dos Tronos”, diz o Observatório Europeu para o Audiovisual.
TEXTO: As principais consequências do “Brexit” para a indústria do audiovisual, ou seja, para o cinema e televisão britânicos e europeu, ainda estão por se revelar. Da perda do acesso ao mercado comum ao “fardo administrativo sobre a actividade criativa”, passando pelo receio de que o Reino Unido perca competitividade enquanto exibidor ou local de filmagens, o cinema independente e os grandes players dos estúdios e canais estão preocupados com o que vai acontecer ao maior mercado audiovisual da União Europeia. As conclusões constam de um novo estudo do Observatório Europeu para o Audiovisual, revelado esta terça-feira, e que passa em revista o último ano de conversações internas e europeias do sector sobre o “Brexit”: O impacto no sector audiovisual. O “Brexit” “é um momento único na história tanto do Reino Unido quanto da União Europeia e o seu desenrolar (do resultado do referendo ao momento actual) deu-nos mais cliffhangers do que uma temporada inteira de A Guerra dos Tronos”, comenta no seu prefácio Maja Cappello, responsável do Departamento Judicial do observatório. A saída do Reino Unido da União Europeia “terá um impacto significativo no enquadramento regulatório aplicável ao sector audiovisual britânico, visto que a maior parte dos seus aspectos é actualmente governada pela lei comunitária”, avisa o relatório. “A primeira grande consequência seria a perda de acesso ao mercado interno e as liberdades de circulação que ele garante. ”O documento compila dados importantes sobre a relevância do Reino Unido para o mercado mundial, e em particular europeu e da Europa comunitária, do sector audiovisual britânico. É o país onde a maior parte dos canais de televisão estão estabelecidos — 29% dos canais da UE a 28 residem lá —; onde três dos principais grupos europeus têm sede (Sky, BBC, ITV) e onde várias representações de canais estrangeiros se situam. Cerca de 60% de todos os canais europeus que transmitem para outros países (1203 canais até ao final de 2017) têm base no Reino Unido. “O Reino Unido é o maior mercado audiovisual da União Europeia a 28: com 12% dos lares com televisão, o Reino Unido representa 21% das receitas do mercado na Europa a dos 28. A sua dimensão é semelhante à da Alemanha e 45% maior do que o mercado francês. Está especialmente desenvolvido nos serviços de video on demand (VOD), com 31% do total do mercado da Europa dos 28 em termos de valor e 29% dos subscritores”, lê-se no relatório. O país dos Monty Python, Downton Abbey, Broadchurch ou Bodyguard é o quarto maior produtor de ficção televisiva da UE, com “foco em dramas de alta qualidade com grande potencial de exportação”. É também o segundo maior produtor e exportador de cinema da UE, logo a seguir a França. No que toca ao cinema, o Reino Unido é novamente incontornável. Produz anualmente 16% dos filmes europeus e é o segundo mercado europeu em que mais pessoas vão ao cinema — França é novamente o campeão, desta feita das idas ao cinema. É o segundo maior exportador da UE, mas o mercado britânico é relativamente fechado quanto ao consumo de filmes europeus, com uma fatia mais pequena (1, 8%) do que a média europeia neste campo. O documento, que não quer apresentar conclusões num cenário ainda em mudança, deseja evidenciar a importância deste mercado internamente, para os seus consumidores em toda a Europa e para os trabalhadores estrangeiros que nela operam. Cerca de 206 mil pessoas trabalhavam na área em 2017, o que consiste em 0, 6% do emprego em todo o Reino Unido. E 15 mil desses trabalhadores de cinema e televisão são europeus sem nacionalidade britânica (7, 2%). Quanto a eles, lê-se mais à frente no relatório, que há preocupações já apresentadas à Câmara dos Comuns britânica em Janeiro de 2018 sobre “se forem impostas restrições como quotas de imigração, custos de vistos punitivos ou condições de qualificação salarial excessiva, isso seja um grande fardo administrativo sobre a actividade criativa”. “Isso também teria um impacto sério na competitividade da indústria cinematográfica britânica em certos sectores específicos como os dos efeitos visuais”, diz o documento, fazendo eco das preocupações dos players do mercado. Os efeitos visuais são um dos subsectores da indústria onde a representação de europeus não-britânicos é maior — atinge os 25%. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. “Na perspectiva económica, uma força laboral tão móvel, freelance e altamente qualificada constitui uma mais-valia para um país que queira ser considerado um local de produção atractivo”, recomenda o documento. Segundo o British Film Institute, 78% dos gastos em produção no Reino Unido (1, 1 mil milhões de libras, cerca de 1, 2 mil milhões de euros) estão directamente relacionadas com grandes estúdios norte-americanos. Tendo isso em conta, lê-se, a importância de “um acordo com a União Europeia que permita ao Reino Unido manter acesso a esta força laboral qualificada" considerando-o " fundamental para manter a capacidade do país de atrair investimento estrangeiro". Neste cenário, além das questões quanto à mobilidade dos trabalhadores e condições para estabelecimento de empresas, as principais preocupações dos operadores, produtores, exibidores e outros profissionais são que, perante o “Brexit”, o fardo administrativo seja tal que, “em particular as empresas mais pequenas, não sejam capazes de absorver os novos custos operacionais e se tornem insustentáveis”, por exemplo. A Motion Picture Association teme que “um impacto sério” na “capacidade do Reino Unido de atrair produções internacionais dos estúdios norte-americanos”. Outros, como o Independent Cinema Office, temem que “a capacidade do Reino Unido para atrair produções internacionais e o potencial impacto na organização de festivais de cinema e outros eventos que tragam profissionais além-fronteiras” possa ficar afectada.
REFERÊNCIAS:
Entidades UE
A hora da verdade não chegou apenas para May
Para a líder britânica, a alternativa a adiar o voto era chegar a Bruxelas com uma colossal derrota. O Conselho Europeu de quinta-feira segue-se ao espectáculo de divisão dos europeus sobre o Pacto Global para as Migrações. O “Brexit” é apenas a manifestação mais dramática dos enormes riscos que a Europa enfrenta. (...)

A hora da verdade não chegou apenas para May
MINORIA(S): Migrantes Pontuação: 6 | Sentimento 0.0
DATA: 2018-12-31 | Jornal Público
SUMÁRIO: Para a líder britânica, a alternativa a adiar o voto era chegar a Bruxelas com uma colossal derrota. O Conselho Europeu de quinta-feira segue-se ao espectáculo de divisão dos europeus sobre o Pacto Global para as Migrações. O “Brexit” é apenas a manifestação mais dramática dos enormes riscos que a Europa enfrenta.
TEXTO: 1. A hora da verdade chegou também para os líderes da facção antieuropeia radical dos tories e, sobretudo, chegou para Jeremy Corbyn, o líder do Labour, que não pode mais esconder-se por trás de uma hábil ambiguidade sobre o que pensa do lugar do Reino Unido na Europa e no mundo. Quanto a Boris Johnson e aos ministros, ex-ministros, dirigentes e ex-dirigentes do Partido Conservador que ganharam o referendo prometendo o paraíso aos britânicos, a realidade começa finalmente a atravessar-se no seu caminho. Se May cair vão ter de esclarecer o que pretendem. Não vale a pena regressar a Bruxelas com as suas propostas impossíveis. Não é mais possível iludir o custo de uma saída sem acordo. Os sucessivos relatórios sobre o inevitável impacto do “Brexit” na economia britânica não são, como acusam os mais radicais, uma forma de manipular a vontade dos deputados e dos eleitores. São uma realidade tão óbvia que até quem nunca leu um livro de economia consegue alcançar. A queda do PIB pode ser maior ou menor, podem discutir-se as vírgulas ou até os dígitos, mas haverá um custo. 2. Quanto a Jeremy Corbyn, a sua promessa de negociar com Bruxelas um outro acordo de saída, pleno de benefícios sociais para os britânicos, também faz parte das quimeras que envolveram desde o início as negociações. Como se refere em Bruxelas, se May não conseguiu ficar com o bolo e comê-lo, Jeremy Corbyn não teria mais sorte. O líder trabalhista, que não é um adepto da União Europeia, tem conseguido navegar entre dois mundos: o dos que, no seu partido, nunca quiseram sair e vêem com bons olhos outro referendo; e os que pensam que é impossível voltar para trás, até porque foram eleitos em circunscrições onde venceu o Leave. O que os une é a oportunidade de chegar ao poder. O líder do Labour quer eleições já, mesmo que saiba que provavelmente não as vai ter. Novas eleições obrigariam Corbyn a enfrentar, também ele, o seu momento da verdade: o que diria o seu programa eleitoral sobre o "Brexit"? A solução que agora oferece é como a que May tentou inicialmente, ainda que noutros termos: manter-se na União Aduaneira mas com “capacidade de decisão sobre os futuros acordos de comércio” negociados pela União. “A única maneira de manter o comércio sem fronteiras com o Mercado Único é fazer parte dele, como hoje”, escreve Jonathan Freedland no The Guardian. A “ambiguidade construtiva” com que Corbyn jogou até agora acabou. 3. Theresa May fez o que pôde, numa sucessão de erros de avaliação e de impreparação, numa decisão que alguns analistas consideram a mais importante desde o fim da II Guerra. Negociou o melhor acordo possível numa situação extremamente difícil de crescentes divisões domésticas e (até agora) inquebrantável unidade europeia. A questão politicamente mais melindrosa, a fronteira entre as duas Irlandas, só podia encontrar a solução que encontrou: adiar o problema para melhores dias. De resto, o acordo conseguido abre as portas a um período de transição que será, esse sim, decisivo. É nessa altura que Londres e Bruxelas terão de negociar um acordo de livre comércio que fixe os termos das relações económicas e comerciais entre os dois lados e uma parceria que possibilite a cooperação em domínios tão cruciais como a defesa e a política externa. Para May, a alternativa a adiar o voto era chegar na quinta-feira a Bruxelas com uma colossal derrota. Nos últimos dias, multiplicou-se em contactos com os seus principais parceiros europeus para avaliar a sua margem de manobra para conseguir uma “interpretação” adicional do “backstop” para a Irlanda, capaz de atenuar as resistências internas. Não se vê o que o Conselho Europeu possa fazer neste momento. “Se se tratasse de convencer uma ou duas dezenas de deputados [britânicos] a mudar o sentido de voto, ainda era possível uma tentativa”, diz um diplomata português. “Mudar [a opinião de] 100 é uma impossibilidade”. 4. Como começa a ser regra, este Conselho Europeu realiza-se em condições que não eram sequer imagináveis há quinze dias. Emmanuel Macron enfrenta a maior crise política do seu mandato, ainda sem fim à vista e com profundas implicações europeias. Angela Merkel recuperou margem de manobra, com a eleição da candidata da sua preferência para suceder-lhe à frente da CDU. O espectáculo de divisão dos países europeus sobre o Pacto Global para as Migrações (assinado ontem por 164 países em Marraquexe) é mais um exemplo do profundo mal-estar que mina os fundamentos da integração. Foi a imigração que envenenou o "Brexit" desde a primeira hora, levando May a fazer da rejeição da livre circulação de pessoas o centro da negociação com Bruxelas. Os britânicos não querem imigrantes europeus? Não sabemos. O que sabemos é que ninguém está em condições de rir do vizinho do lado. O “Brexit” é apenas a manifestação mais dramática dos enormes riscos que a Europa enfrenta.
REFERÊNCIAS:
Partidos LIVRE
Giles Martin e o White Album “É visceral, é real, são pessoas numa sala a fazer barulho”
Giles Martin, filho de George Martin, o lendário produtor dos Beatles, foi o responsável pela edição comemorativa dos 50 anos do White Album. Contrariando o que diz a mitologia Beatlesca, não detectou nas fitas sinais de conflitos e mau ambiente entre os Fab Four. (...)

Giles Martin e o White Album “É visceral, é real, são pessoas numa sala a fazer barulho”
MINORIA(S): Migrantes Pontuação: 6 | Sentimento 0.1
DATA: 2018-12-31 | Jornal Público
SUMÁRIO: Giles Martin, filho de George Martin, o lendário produtor dos Beatles, foi o responsável pela edição comemorativa dos 50 anos do White Album. Contrariando o que diz a mitologia Beatlesca, não detectou nas fitas sinais de conflitos e mau ambiente entre os Fab Four.
TEXTO: Editado em 1968, o álbum homónimo imortalizado como <i>White Album</i> é dos mais debatidos da discografia dos Beatles, culpa da sua extensão (30 canções divididas em dois LP) e de uma abrangência estética que muitos defendem como fascinante e intrigante, que outros vêm como frustrante (esses tenderão a acompanhar George Martin, o lendário produtor da banda, na opinião que manteve até à sua morte, em 2016, aos 90 anos: se tivesse sido editado à duração de um álbum simples, seria muito melhor). 50 anos passados, é um exercício fútil, esse de imaginá-lo compacto e perfeitamente ordenado, amputado dos seus sobressaltos e variações de humor, traindo assim a sua existência enquanto palco para que John Lennon, Paul McCartney, George Harrison e Ringo Starr se expressassem sem constrangimentos, espelhos de si mesmos e reflectores do mundo. É uma obra contraditória? Certamente e esse é parte do seu charme. Afinal, o White Album, peguemos na deixa do cavalheiro Walt Whitman, contém em si multitudes. “O que o White Album celebra e aquilo que tentámos preservar na [nova] mistura não foi o mundo anódino e perfeito a que tendemos a conformar-nos actualmente. É visceral, é real, são pessoas numa sala a fazer barulho. Acho que é por isso que se tornou influente. Por haver tanta música para gostar, certamente, mas também por ser tão humano”. As palavras são de Giles Martin, filho de George Martin e responsável, com Sam Okell, pela nova mistura, comemorativa dos 50 anos do álbum. O ano passado, a dupla foi responsável pelo mesmo trabalho em Sgt. Pepper's Lonely Hearts Club Band e, tal como nessa ocasião, não estamos perante simples reedição. É coisa de fôlego. O White Albumde volta em quatro formatos: a edição standard, em CD e LP, com as novas misturas do álbum original; a edição Blu-Ray, onde se inclui a mistura original em mono; a edição Deluxe, em CD e LP, composta de três discos (ao álbum juntam-se as Esher Demos registadas em Maio de 1968, previamente à gravação, na casa de campo de George Harrison no Surrey); e a edição Super-deluxe, composta por seis CD, que acrescenta ao alinhamento do álbum e às 27 faixas das Esher Demos, 50 takes alternativos – descobre-se que a incendiária Helter Skelter chegou a ser um blues-rock de 12 minutos, ouve-se o trabalho inicial em Hey Jude ou Let it be e constata-se a luta travada para chegar às versões finais (Sexy Sadie, por exemplo, exigiu 107 takes até John Lennon a dar por concluída). “[Os Beatles] criaram o White Album no estúdio. É um álbum menos preparado que Sgt. Pepper's. Houve, portanto, muito mais material [para trabalhar]”, explica Giles. Depois do trabalho no sonicamente intrincado Sgt. Pepper's, julgava vir a encontrar em White Album um desafio menos exigente, mas foi surpreendido. “Julguei que fosse bastante fácil de misturar, porque é um álbum de banda e não um disco de alta-fidelidade como o Sgt. Pepper's, mas o curioso é que se tentarmos trabalhá-lo como um disco moderno, perde o seu charme e a sua fúria. É um álbum zangado”. É realmente. E é também um álbum bem-humorado e melancólico, intenso e reconfortante, nostálgico e futurista, conservador e vanguardista. A génese de White Album encontra-se num retiro de meditação transcendental em Rishikesh, Índia. Ali nasceram várias das canções que seriam depois trabalhadas em Inglaterra, ali encontraram os Beatles personagens que as inspiraram – Prudence, irmã de Mia Farrow, a originar Dear Prudence, o Maharishi a ser alvo de escárnio em Sexy Sadie, um jovem magnata americano que alternava a ascensão espiritual com escapadelas para caçar tigres a conduzir a Bungalow Bill. No livro The Beatles Anthology, história da banda contada pelos seus quatro elementos, John Lennon recorda: “O curioso desse retiro é que, apesar de ser muito bonito, e de eu estar a meditar cerca de oito horas por dia, estava a compor as canções mais miseráveis à face da Terra. Em Yer blues, quando escrevi, 'I'm so lonely I want to die', não estava a brincar. Era assim que me sentia. Ali em cima a tentar encontrar Deus e a sentir tendências suicidas”. A mitologia fala de um disco gravado no fio da navalha e marcado pelas tensões que resultariam, dois anos depois, no fim da banda. Pela primeira vez, os Beatles trabalharam canções em separado, com McCartney a trautear Blackbird num estúdio, George Harrison aprimorando Long long long noutro, Lennon num terceiro a fazer em Julia a elegia da mãe que lhe morrera na adolescência e Ringo Starr a desaparecer durante dez dias por sentir que já não era nem necessário, nem querido pelos companheiros. Outro foco de tensão, diz a mitologia e relataram Paul McCartney ou George Harrison, terá sido a presença constante, presença silenciosa, esfíngica, de Yoko Ono ao lado de Lennon, situação perturbadora para uma banda habituada a trabalhar sem ninguém que lhe fosse exterior por perto. Giles Martin não encontrou sinais que confirmassem a mitologia nas horas e horas que, através das fitas, passou com os Beatles no estúdio. “Não consigo dizer que houvesse mais tensão no White Album que nos outros álbuns. Tendo em conta o que ouço nas fitas, parecem-me bastante felizes. Em 1967, terminaram a sua última digressão, regressaram a gravaram Sgt. Pepper's. No White Album aquele período em estúdio foi o tempo que tiveram para estar uns com os outros. Já não tinham o [manager] Brian Epstein [que morrera em 1967] a organizar-lhes a vida toda e estavam a habituar-se a não estarem sempre juntos”. Segundo Giles, a tensão manifestava-se, não entre a banda, mas perante George Martin ou o engenheiro de som Geoff Emerick (que morreu no dia 3 de Outubro, aos 72 anos, poucas semanas depois de Giles Martin falar ao Ípsilon). “O Geoff abandonou a meio as sessões e o meu pai decidiu ir de férias porque já não aguentava”. Nesse sentido, foi um álbum de emancipação para os Beatles. “Queriam ser eles próprios a avaliar o que estavam a criar e não serem avaliados por outros. Ouve-se isso nas fitas em algumas conversas: 'Ainda não estás lá'. 'Não és tu que me vais dizer se cheguei lá ou não, eu saberei quando chegar'”. Cinco meses depois de entrarem em estúdio, tinham preparadas 30 canções para um duplo álbum. Um disco tumultuoso para um ano tumultuoso, com guerra no Vietname, com o Maio de 68 em França, com tanques soviéticos em Praga, Robert Kennedy assassinado em Los Angeles e Enoch Powell, que integrava então o governo sombra dos Conservadores britânicos, a proferir o odioso discurso dos “rios de sangue” que correriam pela Velha Albion se não fosse travada a imigração vinda das antigas colónias britânicas. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Acreditando na mitologia ou confiando nos ouvidos de Giles Martin, White Album como que marca o início do fim. Tendo isso em perspectiva, as Esher Demos agora reveladas oficialmente na sua totalidade ganham um atractivo especial. “Foram uma revelação para mim”, confessa Giles Martin. “Andava a ouvir todas as fitas do White Album para tentar descobrir o alicerces das canções, a sua essência, e, de repente, chegam aquelas demos. Foi como pegar numa varinha mágica: 'Tcharam!'. Estava ali tudo”. Ouvimos as vozes e as guitarras acústicas que ecoaram na casa campestre de Harrison em Maio de 1968. Ouvimos as canções, não só as do álbum agora reeditado, mas também uma Child of nature que Lennon transformaria em Jealous guy, Junk, que McCartney editou no primeiro álbum a solo, Sour milk sea, que Harrison ofereceu a Jackie Lomax, ou Mean Mr. Mustard e Polythene Pam, que os Beatles editariam em Abbey Road. Ouvimos os que cantam e tocam, ouvimos os que falam em fundo, ouvimos a música a jorrar naquele ambiente descontraído, feliz. A fascinante turbulência (e ternura e raiva e ironia e melancolia) de White Album chegaria pouco depois, nos estúdios que haviam sido sempre os seus, mas onde já nada seria como antes.
REFERÊNCIAS:
Partidos BE