O regresso de Emir Kusturica com um cinema que não volta mais
Há uma enorme melancolia, como se toda a promessa de reinvenção de Na Via Láctea não pudesse evitar o horizonte de perda. Está aqui um adeus. (...)

O regresso de Emir Kusturica com um cinema que não volta mais
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 | Sentimento 0.0
DATA: 2017-02-15 | Jornal Público
URL: https://arquivo.pt/wayback/20170215095759/http://www.publico.pt/1756342
SUMÁRIO: Há uma enorme melancolia, como se toda a promessa de reinvenção de Na Via Láctea não pudesse evitar o horizonte de perda. Está aqui um adeus.
TEXTO: O que é solitário e comovente em Na Via Láctea é lembrar-nos do cinema como ele já foi. Não haverá muito por onde errar: este renascimento de Emir Kusturica nove anos depois da sua última longa-metragem (Promise me this) não é um regresso porque este cinema não volta mais. Podemos saborear-lhe um gosto antigo, recordá-lo como reencontro, descobri-lo como bizarria. Será sempre um engano — não existe mais. Vamos arriscar e errar — isto não vai ter continuidade, já acabou. Mesmo que Emir Kusturica, 62 anos, cineasta de Sarajevo, não troque os filmes pela agricultura biológica que agora o entusiasma (framboesas e maçãs, precisou no último Festival de Veneza), mesmo que faça mais filmes (mas alguém crê? “É muito difícil fazer filmes. Sou um cineasta cuja mise-en-scène é desencadeada pelo espaço, é difícil. Fazer filmes é como construir pirâmides, se levarmos o cinema a sério”, disse), estes gestos do demiurgo a criar o mundo a partir da desordem, sempre no limite, a conduzir multidões no estúdio, mesmo que seja a céu aberto, e na sala de cinema, já tiveram os seus dias contados. (Um último hurrah: três anos de rodagem, 2013, 2014, 2015, várias interrupções e recomeços: por causa de um falcão que não havia o filme começou a ser desenvolvido com essa ausência, depois o falcão apareceu e voltou-se à estaca zero; ainda, 47 dias de chuva na Sérvia; ainda as dificuldades de o cineasta estar atrás e à frente da câmara. )Realização:Emir Kusturica Actor(es):Monica Bellucci, Emir Kusturica, Sergej TrifunovicO próprio Emir parece ter contribuído para o seu fim: A Vida é um Milagre (2004) e Promise me this (2007) ficam como caricaturas desse cinema que antes sacudia as salas como música para casamentos e funerais. Foi uma certidão de óbito. Data dessa altura a cristalização da auto-indulgência de rock star com charuto ameaçador, a No Smoking Orchestra, o afago de egos com o futebolista Maradona, etc. , e foi essa a imagem dele que sobrou para hoje. Talvez seja ela a responsável pela cortina de fumo que impede que se aceda verdadeiramente a Na Via Láctea — um dos filmes mais displicentemente ignorados destes últimos meses e dos próximos –, talvez seja ela que impede que se oiça a música que ali se compõe. Que é diferente do carrossel que fez a apoteose de Underground (1995) e Gato Preto, Gato Branco (1998). Se se der uma vista de olhos pelos textos que já acusaram a recepção do filme percebe-se que antes de se ver Na Via Láctea o filme já tinha sido “visto”: o confronto não foi com as suas imagens, o confronto foi com uma imagem cristalizada. Sempre a falar-se de Underground e de Gato Preto, Gato Branco, mas como é possível, se em Na Via Láctea, história de amor entre um leiteiro (Kusturica) e A Noiva, uma italiana em fuga pelos Balcãs em guerra (Monica Bellucci), o cineasta inverte os dados do seu cinema?Em pano de fundo o carrossel de animais, gansos, sim, sempre os gansos. Até as moscas parecem ter sido dirigidas. Mas mesmo se há papéis importantes para um burro, para um urso que Kusturica conhece há cinco anos e por isso se atreve a partilhar com ele uma refeição de laranjas, para um falcão e para uma cobra, o zoo funciona sobretudo como sinalização de um território cinematográfico, sendo para o espectador (e também para um cineasta que regressou do mundo dos mortos) uma afectuosa aide memoire. A guerra? Nada a ver com Underground. Na verdade, a imagem de marca ensurdecedora é delicadamente amainada. A fragilidade passa a ser a demonstração de força. Sobrepõem-se os sons da natureza, há um novo tom para uma melodia que achávamos que conhecíamos e, afinal, não: é agora o vento que toma conta da guerra e do filme. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. E por isso. . . em vez de Underground e Gato Preto, Gato Branco fecha-se o círculo com o reencontro com o intimismo dos primeiros filmes, Lembras-te de Dolly Bell? (1981) e O Pai Foi em Viagem de Negócios (1984). Em vez de Fellini, em quem Kusturica se reconhece (disse, aliás, isto: também ele manda construir todo um set e depois coloca a câmara para filmar apenas um canto dele), a promessa é o delicado bailado aquático de um casal, como no L’Atalante (1934) de Jean Vigo. O casal, então. Eis o mais bonito casamento do ano: Emir Kusturica e Monica Bellucci. Ele é um leiteiro e músico que atravessa a Guerra dos Balcãs como dissidente do jogo da História, ela é uma italiana em fuga. Encontro de iguais, cada um descobre em si, por causa do outro, o que de si já tinha esquecido. Monica traz a Na Via Láctea a sua capacidade de iludir, pela sua simples presença, a catástrofe (como no Irreversível, de Gaspar Noé). Emir faz uma versão de si próprio, ele que interpreta um leiteiro, um músico e que observa o vale com um monóculo (também é um cineasta, então). É um homem fora da História, figura de fragilidade pícara, um derrotado. Há uma enorme melancolia no olhar que aqui se deixa a descoberto, como se toda a promessa de reinvenção da última hora do filme não pudesse evitar o horizonte de perda — não passa despercebido o facto de alguns efeitos digitais entrarem pelo filme adentro confirmando a impossibilidade deste cinema poder ser como era. Apostamos que neste olhar de Kusturica está um adeus.
REFERÊNCIAS:
O velho Oeste
Jeff Bridges é imperial num filme que tem tudo de western moderno mas apenas prova como o género apenas pertence ao passado: Custe o que Custar. (...)

O velho Oeste
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 | Sentimento 0.1
DATA: 2017-03-02 | Jornal Público
URL: https://arquivo.pt/wayback/20170302031505/http://www.publico.pt/1753841
SUMÁRIO: Jeff Bridges é imperial num filme que tem tudo de western moderno mas apenas prova como o género apenas pertence ao passado: Custe o que Custar.
TEXTO: Há ladrões de bancos, um xerife que os persegue, e um rancho hipotecado que precisa de ser salvo das garras dos latifundiários, e uma perseguição com tiros por planícies poeirentas. Mas, como às tantas diz um velhote que não tem mais nada que fazer a não ser jogar dominó no café, ladrões de bancos é coisa que hoje já não há; o xerife está à beira da reforma por velhice; o latifundiário que quer o rancho é um banco, daqueles que não tem problema em expropriar propriedades por falta de pagamento das hipotecas. E a perseguição com tiros? Em vez de cavalos, são carrinhas, camiões de caixa aberta e todo-o-terrenos, e em vez de pistolas são espingardas e metralhadoras. Realização: David Mackenzie Actor(es): Dale Dickey, Ben Foster, Chris Pine, Jeff BridgesNão é difícil perceber porque é que se olha para Custe o que Custar como um western moderno, mas o que torna o filme do britânico David Mackenzie mais do que apenas isso é a consciência desarmante que o atravessa de que, mesmo hoje que as planícies do Texas continuam poeirentas e as comunidades habitadas por um punhado de gente teimosa continuam espalhadas pelo território, o tempo já não volta atrás. O que os irmãos Howard querem fazer, roubando pequenas quantias em bancos para “lavar” o dinheiro jogando em casinos e salvar no processo o rancho da família, é travar o ciclo da pobreza, da exploração do rancheiro pelo barão de gado que agora é o banqueiro: logo no espantoso primeiro plano do filme, um longo travelling silencioso que estabelece tudo o que se vai seguir sem palavras, há uma pichagem numa parede que diz “três comissões de serviço no Iraque mas para gente como nós não há resgate”. Se o velho western se construía sobre a esperança de um novo recomeço, sobre a capacidade e resiliência de indivíduos que desbravava território, hoje sobra apenas o desalento e a sobrevivência e o “cada um por si” num mundo onde os dados estão viciados à partida. Custe o que Custar, então, joga com a iconografia toda do western para a desmontar como uma simples projecção, mais uma imagem do “sonho americano” que a realidade se encarrega brutalmente de desintegrar. Fá-lo apegando-se àquilo que de mais telúrico e permanente ela tem – a paisagem e os homens - mas sem se deixar iludir pela esmagadora grandeza de uma nem pela postura sólida dos outros, e, sobretudo, desfazendo-se por completo do maniqueísmo bem-contra-o-mal. Em seu lugar, apenas uma paleta de cambiantes queimados pelo sol e cobertos pela poeira, com um Jeff Bridges imperial no papel do velho ranger que já viu tudo, testemunha impotente do modo como os tempos mudaram e como o velho Oeste já desapareceu. E um encontro improvável mas certeiro entre a visão desencantada de um argumentista (Taylor Sheridan, já responsável pelo excelente Sicario de Denis Villeneuve) e o olhar exterior de um realizador de visita (o britânico David Mackenzie, que assina aqui, de muito longe, o seu melhor filme). Uma surpresa.
REFERÊNCIAS:
Palavras-chave homens pobreza perseguição
RAR investe 15 milhões em condomínio de luxo em Lisboa
A RAR Imobiliária está de volta aos projetos em Lisboa, onde vai investir 15 milhões de euros num novo condomínio de luxo de autor, com a assinatura de Souto Moura. (...)

RAR investe 15 milhões em condomínio de luxo em Lisboa
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 | Sentimento 0.0
DATA: 2016-02-07 | Jornal Público
SUMÁRIO: A RAR Imobiliária está de volta aos projetos em Lisboa, onde vai investir 15 milhões de euros num novo condomínio de luxo de autor, com a assinatura de Souto Moura.
TEXTO: Susana CorreiaApresentando informalmente no último Salão Imobiliário de Portugal, o novo projeto do braço imobiliário do grupo RAR será totalmente financiado com recurso a capitais próprios e é composto por 17 moradias em banda em plena Lisboa, colocando no mercado seis casas T4+1 e onze T3+1 por preços que arrancam no milhão de euros. Falamos da Quinta do Paço Lumiar, que se estende por uma área de 14. 557 m² na freguesia do Lumiar. “Decidimos avançar com este formato por ele ser diferenciador”, conta ao Público Imobiliário o Presidente da RAR Imobiliária, José António Teixeira. “Na realidade, para além de neste momento haver pouco produto residencial para o segmento alto de mercado, também não existem dentro de Lisboa condomínios de moradias com todas as vantagens que este tipo de produto tem para o utilizador final como, por exemplo, privacidade, segurança ou zonas próprias de lazer, com jardim e piscina”. “O facto deste projeto ser assinando por um dos mais consagrados arquitetos portugueses, a sua localização numa zona classificada como Zona de Quintas Históricas com elevado interesse histórico, cultural e social (perto do Museu do Traje e do Museu do Teatro), a sua proximidade do centro de Lisboa, do aeroporto, de um campo de golfe e de alguns dos melhores colégios de Lisboa” são outras das vantagens identificadas pelos responsáveis do grupo e que, acredita José António Teixeira, “contribuirá para a excelente recetividade” do mercado ao projeto. Em fase de licenciamento na Câmara Municipal de Lisboa, as obras deverão arrancar no fim do próximo ano e prolongar-se por um prazo de 18 meses, findo o qual se prevê a conclusão da construção e a entrega das primeiras moradias. Tendo como público-alvo, “o segmento médio alto e alto nacional e de alguns países europeus e do Brasil”, as “vendas irão arrancar no mais curto espaço de tempo e serão coordenadas diretamente pela RAR Imobiliária, embora se vá formalizar parcerias com alguns agentes imobiliários”, diz o presidente da empresa, revelando ainda que “o preço das moradias situar-se-á entre 1 milhão e 1, 5 milhões de euros durante o período de lançamento”, avança aquele responsável. Projetos em carteira valem mais de 60 milhõesConhecida pela sua aposta em projetos residenciais de gama alta, nos últimos anos a RAR Imobiliária esteve mais focada na cidade do Porto, onde desenvolveu os premiados Edifício Monchique e o Edifício do Parque, cuja comercialização está agora na reta final. Mas, foi em Lisboa que a empresa iniciou a sua atividade com dois projetos na década de 90: o Jardim das Laranjeiras, junto ao Jardim Zoológico, e o Parque de Palmela, no Estoril. Além desta aposta no Lumiar, na carteira de projetos da RAR Imobiliária constam ainda a Quinta de São José de Ribamar, em Oeiras, o empreendimento de São Simão da Junqueira, em Vila do Conde, e o Tibães Golfe, em Braga, e que representam um valor global de cerca de 60 milhões de euros.
REFERÊNCIAS:
Palavras-chave campo social
Cantas como cantam os marinheiros
Na sua crónica mensal, a poeta Matilde Campilho presta uma sentida homenagem a Leonard Cohen pelos seus 81 anos e pede-lhe que aceite "um beijo deste planeta derrotado". (...)

Cantas como cantam os marinheiros
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 | Sentimento 0.0
DATA: 2015-10-13 | Jornal Público
SUMÁRIO: Na sua crónica mensal, a poeta Matilde Campilho presta uma sentida homenagem a Leonard Cohen pelos seus 81 anos e pede-lhe que aceite "um beijo deste planeta derrotado".
TEXTO: Há poucas semanas Leonard Cohen celebrou 81 anos de idade. Às vezes confundo o Cohen com outros tipos mas depois penso num famoso casaco de chuva azul e lembro-me logo da cara dele. Do timbre dele. Lembro-me do discurso que fez no púlpito das Astúrias em 2011, um que começa meio gago mas que logo diz assim na frente dos reis: “Ontem fiquei acordado toda a noite pensando no que iria dizer a esta assembleia. E depois de ter comido todos os chocolates e amendoins do minibar, escrevinhei algumas palavras”. Durante o discurso, vestindo terno e gravata preta, Mr. Leonard Cohen fala sobre a grande história de uma guitarra espanhola e de um rapaz suicida. Conta o princípio das canções dele, e por arrasto de algumas canções nossas. Tremi quando ele disse "a madeira nunca morre". Falava da tal guitarra, falava da poesia e da ambiguidade que nos vem às mãos quando acontece um prémio de poesia. Suspeitei que falasse da vida toda. Volto ao discurso asturiano muitas vezes, assim como volto àquele referido court de ténis em Montreal onde as pessoas iam só para ver os jovens jogadores correr de um lado para o outro. Há qualquer coisa de brilhante nos corpos dos jogadores de ténis que atravessam a cidade. Há qualquer coisa de mais brilhante ainda numa guitarra Conde. Cohen nasceu em 34, e em 34 as histórias de fronteiras e de gente subindo às janelas de comboios como quem sobe um pé de feijão que promete a magia ainda não tinham entrado na Europa. Isto é mentira. Foi de 1939 a 1945 que nós vimos as janelas e as cabeças serem todas estilhaçadas e rebentadas. Depois disso nunca mais nos levantámos da cama sem poeira nos ombros. Eis-nos repetindo as bofetadas de novo, vezes e vezes sem conta, à beira da porta grega e da porta húngara, mesmo à beirinha da porta do coração do mundo. Somos uns brutos e esquecemo-nos constantemente do cheiro da madeira. Ignorámos o acorde secreto de David. Deixámos para trás a visão de uma mulher tomando banho no terraço ao fim do dia. Brutos completos. Esquecemos os tigres e falsificámos as montanhas, arrasámos com o sagrado, substituímos a palavra liberdade pela pontinha trémula do icebergue. Mentimos aos nossos pais e fingimos usar a camiseta da democracia enquanto cuspíamos na cara do príncipe da paixão. Quero dizer a Leonard Cohen que foi entre terramotos e brigas feias que nossa geração perdeu a chave enferrujada do Chelsea Hotel. Apesar de nossa cegueira e de nossos gritos nos corredores do metropolitano, aproveito para dizer: oitenta e um anos de vida, Leonard, parabéns. Que saibas que foi um bocado por tua culpa que aprendi a amar Suzanne e todas as declinações dela. I travelled blind por muitos anos mas havia sempre a tua canção ao fundo. Com o tempo aprendi a gostar de laranjas tanto quanto gosto de maçãs, aprendi a descascar as flores como se descascam os frutos, aprendi que também na curva de um supermercado se acham as espigas de trigo e que as espigas de trigo podem ser boas para amar. There are Salvation Army counters everywhere, man. Ainda penso em frágeis animais e às vezes desenho as penas deles sobre o balcão de um bar. Obrigada por isso, homem. Leio as frases um bocado assustadoras do Adorno e lembro-me de ti. Vejo os corredores de mármore que sempre atravesso em meus sonhos e muitas vezes tu andas por lá. Encosto a cabeça às omoplatas de um anjo impressionante e aparece sempre o teu canto. Cohen, os seis acordes que te foram ensinados pelo suicida espanhol estão connosco até hoje. E a gratidão que tu foste revelando devagar até àquele glorioso "Popular Problems" vai entrando hora após hora em nossos automóveis, por debaixo de nossas portas, no túnel escondido de nossos corações. Nossos corações estão um bocado estilhaçados, isso é certo. Veio a morte, veio o medo, veio a guerra e o espirro terrível que antecede a guerra. Fecharam as fronteiras à democracia e fecharam as portas àquele amor que se vinha anunciando desde os anos oitenta. Seja como for ainda temos o teu tom, e de noite ainda comparamos mitologias. Leo, olha, está tudo explodindo em nossas mãos. Mas nós continuamos assobiando as Sisters of Mercy sempre que o sol se põe no mar. Happy birthday, menino. You really got us singing, e portanto aceita um beijo deste planeta derrotado. Crónica mensal da escritora Matilde Campilho
REFERÊNCIAS:
Palavras-chave morte guerra mulher homem medo
Poderá a doença de Alzheimer ser transmissível em certas condições?
Análise de cérebros de pessoas tratadas com hormona de crescimento derivada de cadáveres – e que morreram da doença de Creutzfeld-Jakob – levanta questões acerca da transmissibilidade da doença da Alzheimer entre seres humanos. (...)

Poderá a doença de Alzheimer ser transmissível em certas condições?
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 | Sentimento 0.214
DATA: 2015-09-15 | Jornal Público
SUMÁRIO: Análise de cérebros de pessoas tratadas com hormona de crescimento derivada de cadáveres – e que morreram da doença de Creutzfeld-Jakob – levanta questões acerca da transmissibilidade da doença da Alzheimer entre seres humanos.
TEXTO: Um pequeno estudo, realizado por cientistas britânicos, sugere que, em circunstâncias extremamente invulgares, certas alterações cerebrais características da doença de Alzheimer poderão ter sido transmitidas entre humanos, há várias décadas, através da injecção de extractos de tecidos, colhidos em cadáveres, a pessoas com deficiências da hormona de crescimento. Os resultados foram publicados esta quarta-feira na revista Nature. A ideia não é totalmente descabida. Existe de facto uma outra doença, muito bem estudada, que apresenta precisamente essa capacidade: a doença de Creutzfeld-Jakob (DCJ), em que uma proteína anormal, chamada prião, se multiplica no cérebro das suas vítimas transformando-o literalmente numa esponja. Pertence à categoria das encefalites espongiformes – tal como a tristemente célebre doença das vacas loucas, que atingiu proporções epidémicas na Europa nos anos 1980. Recorde-se aliás que a doença bovina deu origem, por transmissão através da ingestão de carne infectada, a uma nova forma de DCJ no ser humano. Seja como for, uma outra forma conhecida de DCJ deve-se justamente à transmissão de priões aquando de tratamentos realizados, entre 1958 e 1985, em crianças que não cresciam normalmente devido a deficiências da hormona de crescimento. Naquela altura não havia hormonas sintéticas e, para obter extractos da hormona, colhia-se a glândula pituitária de milhares de cadáveres. Cerca de 30. 000 pessoas receberam este tratamento no mundo ao longo desses anos. Mas quando começaram a aparecer casos de DCJ entre elas, o tratamento foi abandonado. Como salientou John Collinge, do University College de Londres e um dos líderes do estudo agora publicado, durante uma teleconferência de imprensa que precedeu a publicação do trabalho, das quase 2000 pessoas que receberam o tratamento no Reino Unido 77 já morreram com DCJ. No mundo inteiro, estima-se que sejam cerca de 450 e, em certos países, a proporção atinge os 6, 3% das pessoas tratadas. A título comparativo, o número de casos de DCJ na população geral é de cerca de um por milhão de habitantes por ano. O que motivou de facto o presente estudo foi a DCJ e não a doença de Alzheimer – e a descoberta agora anunciada foi acidental. “Fizemos autópsias aos cérebros de oito vítimas do tratamento com hormona de crescimento e ficámos muito surpreendidos ao vermos que alguns apresentavam extensos depósitos de proteína beta-amilóide”, explicou Collinge. A beta-amilóide é uma proteína anormal que forma placas no cérebro dos doentes com Alzheimer. “Alguns tinham placas no cérebro, outros depósitos da proteína anormal à volta dos vasos sanguíneos cerebrais. Só um deles não apresentava este tipo de alteração. ”Como os doentes eram muito novos na altura da morte (tinham entre 36 e 51 anos), os autores começaram por descartar as razões mais óbvias para a presença dessas placas no seu cérebro, tais como a predisposição genética à Alzheimer precoce. Não encontraram nenhuma. Também compararam os cérebros de 116 vítimas de DCJ que nunca tinham recebido hormona de crescimento e, mesmo nas pessoas dez anos mais velhas, não encontraram qualquer sinal de patologia associada à proteína beta-amilóide. Num artigo de comentário publicado na mesma edição da Nature, Mathias Jucker (Universidade de Tubingen, Alemanha) e Lary Walker (da Universidade Emory, EUA) resumem bem a conclusão – muito prudente – que se impõe à luz dos resultados: foram descobertos “indícios de que alterações cerebrais características da Alzheimer foram transmitidas entre humanos [e que] a transmissão ocorreu provavelmente através da injecção de hormona de crescimento humana derivada de cadáveres”. Se já se sabia que era possível induzir a formação de depósitos de beta-amilóide injectando “sementes” desta proteína (minúsculos agregados) no abdómen de ratinhos, esta é a primeira vez que o fenómeno é observado no ser humano. Contudo, como explicou ainda Collinge, isso não significa que, se não tivessem morrido com DCJ, aqueles doentes teriam um dia desenvolvido Alzheimer. Aliás, a equipa não detectou, nos cérebros dessas pessoas, um outro ingrediente essencial da doença: os “emaranhados fibrilares”, compostos de uma outra proteína, chamada tau. Mas apesar de os autores – e muitos peritos a cujas reacções a imprensa internacional teve acesso antes da publicação dos resultados – enfatizarem que este estudo é puramente observacional e portanto não demonstra de maneira alguma que a doença de Alzheimer seja “contagiosa”, as conclusões não deixaram de suscitar, na já referida teleconferência, questões acerca da potencial transmissibilidade da doença de Alzheimer.
REFERÊNCIAS:
Entidades EUA
Há um português a contar ursos polares no Árctico
Os arquipélagos de Svalbard (na Noruega) e Terra de Francisco José (na Rússia) são parte do habitat dos ursos polares. Tiago Marques esteve lá em 2004, a contá-los, num projecto norueguês. Este ano o biólogo voltou à “imensidão” do Árctico, para avaliar a evolução de uma espécie ameaçada. (...)

Há um português a contar ursos polares no Árctico
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 | Sentimento -0.08
DATA: 2015-09-15 | Jornal Público
SUMÁRIO: Os arquipélagos de Svalbard (na Noruega) e Terra de Francisco José (na Rússia) são parte do habitat dos ursos polares. Tiago Marques esteve lá em 2004, a contá-los, num projecto norueguês. Este ano o biólogo voltou à “imensidão” do Árctico, para avaliar a evolução de uma espécie ameaçada.
TEXTO: Em pleno oceano, avista-se um urso polar em cima de um icebergue. É inesperado. O que está ali a fazer? As focas não se aproximam dos icebergues. O que comerá se não há focas? Para onde vai? Do que está à espera? Por que não se lança à água? Eles são exímios nadadores… Tiago Marques pensou em tudo isto enquanto tirava “500 fotografias” ao “raio do bicho”. Aparições como esta que marcaram o biólogo em Agosto de 2004, quando foi pela primeira vez contar ursos polares para os arquipélagos de Svalbard, na Noruega, e de Terra de Francisco José, na Rússia, numa expedição do Instituto Polar da Noruega (IPN). “São bichos brutais”, recorda ao PÚBLICO o biólogo, que fez essa expedição no navio de investigação Lance, do IPN, e vai contando histórias desse Verão. “O lixo orgânico vai borda fora. Estávamos no gelo e eles têm um olfacto poderosíssimo. Veio um até ao pé do barco. Estávamos a três metros dele. Está-se cá em cima e aquilo mete respeito. É diferente de ver um no jardim zoológico. Pensei: ‘Se caio ali, sou um figo’. Eles não predam humanos, mas são competidores de topo. Um humano é uma ameaça. ”Durante um mês em 2004, a equipa liderada pelo especialista em ursos Jon Aars, do IPN, onde se incluía Tiago Marques, contou estes mamíferos a bordo de um helicóptero, nas ilhas daqueles dois arquipélagos. Ao todo, percorreram quase 21. 000 quilómetros de helicóptero e encontraram 276 ursos. Através de fórmulas matemáticas, estimaram que existiam então, naquela região, entre 1900 e 3600 ursos polares, o equivalente a 7, 6 e 14, 4% da população de todo o Árctico, calculada em 25. 000 ursos. Aquela população nunca tinha sido contada. Agora, passados 11 anos, a equipa do IPN voltou àqueles territórios inóspitos. Tiago Marques, que trabalha na Universidade de St Andrews, na Escócia, foi de novo convidado para a aventura. Entre 31 de Julho e 1 de Setembro esteve a contar ursos polares em novas viagens de helicóptero, em que o nevoeiro foi um dos inimigos. “Não voámos dois terços do tempo”, relata um dia depois de ter regressado a Lisboa. “Precisávamos de cobrir uma área muito maior do que aquela que conseguimos. ”Outro problema foi a impossibilidade de ir à Terra de Francisco José. “Não tivemos acesso ao território russo. Não há uma razão oficial. Enquanto estivemos na Noruega, um jornal de Svalbard obteve uma reacção da embaixada russa a dizer que o processo ainda estava a ser avaliado”, conta o biólogo. Mas por essa altura Jon Aars já tinha planeado a missão sem a visita ao arquipélago russo. Estas condicionantes dificultaram o objectivo da missão: fazer uma contagem dos ursos polares nos dois arquipélagos e na parte da banquisa (a enorme região de gelos eternos no mar que não derrete no Pólo Norte) junto dos arquipélagos, tal como em 2004. Desta forma, os cientistas poderiam comparar a população actual deste mamífero com a população de 2004 e concluir se, naquela região, o número está estabilizado, a aumentar ou a diminuir. A incerteza de um ursoO urso polar está na categoria “vulnerável” na Lista Vermelha da União Internacional para a Conservação da Natureza, que avalia o grau de risco de extinção das espécies. Não é a pior das categorias, mas uma espécie “vulnerável” está em risco elevado de se extinguir na natureza. No caso deste mamífero, as alterações climáticas, a poluição e a caça são factores de pressão para um animal especialmente importante para os noruegueses. “O urso é um animal muito carismático na cultura norueguesa e é uma espécie indicadora em relação às alterações climáticas. Há um interesse muito forte”, diz o cientista português de 40 anos, que começou por falar com o PÚBLICO antes da viagem ao Árctico. O IPN tem como funções dar informações sobre a situação da fauna, da geologia e da hidrologia das zonas polares. “O objectivo é perceber o que está a acontecer com as populações de ursos polares”, refere Tiago Marques. “Não há nenhuma estimativa robusta global da população, o que se torna ainda mais difícil porque o seu território inclui zonas remotas de vários países. ”Os ursos polares (Ursus maritimus) vivem nas regiões árcticas do Alasca (Estados Unidos), do Canadá, da Rússia (incluindo a Terra de Francisco José), na Gronelândia (Dinamarca) e em Svalbard (Noruega). Em geral, preferem regiões com gelo todo o ano e junto do oceano, onde tenham acesso a focas, o seu prato favorito. Apesar de os cientistas terem estabelecido 19 subpopulações distintas naquele território, estas definições funcionam só para ajudar a gestão ecológica da espécie nos vários países e não reflectem o que são as populações naturais e a movimentação anual dos ursos, já que podem fazer viagens de centenas e centenas de quilómetros por mar. “Não se sabe muito bem se os ursos polares se encontram todos lá em cima [no Pólo Norte], se há troca genética, se depois voltam cá para baixo”, diz Tiago Marques. “Com o degelo do Árctico, os sítios para fazer tocas estão a diminuir”, acrescenta. “Para fazerem tocas, precisam de determinadas zonas com terra e algum gelo. Muitas destas áreas, se houver aquecimento, vão desaparecer e não se percebe quais serão as áreas em que aquelas condições se poderiam formar também. ” Além disso, o cientista antecipa uma diminuição de várias populações de focas. Estima-se que em 2050 a população de ursos polares esteja reduzida a um terço do número actual. Nos últimos anos, Tiago Marques tem estudado principalmente o impacto do uso de sonares no mar para as baleias. Mas em 2004, estava a fazer o doutoramento em metodologia de amostragens de animais por distâncias, também na Universidade de St Andrews. Esta área é importante para qualquer trabalho de ecologia quando se quer saber o número de animais de uma espécie, já que é praticamente impossível contar todos os indivíduos. Por isso, os biólogos usam técnicas em que se conta um número limitado de indivíduos e, a partir de certos métodos, extrapolam o número total da população. Para contar os ursos, os investigadores voaram num helicóptero. O aparelho percorria segmentos de linhas rectas definidos no território que o animal habita – os chamados “transectos”. Depois, no helicóptero, tinham de detectar ursos a olho nu. Quanto mais longe um urso estivesse do transecto por onde passava o helicóptero, mais difícil seria detectá-lo. É a partir desta incerteza na detecção de um urso que se usou a estatística para fazer uma estimativa da população total. “O que é necessário para fazer estimativas de abundância é perceber qual é a probabilidade de um urso estar na amostra. Se tiver contado dez ursos e a probabilidade de ver um urso é de 0, 5 em 1, então é porque havia 20 ursos”, simplifica o biólogo, que acabou envolvido na expedição por mero acaso quando, em 2003, Jon Aars frequentou um curso de amostragem na Universidade de Saint Andrews, para se preparar para a contagem dos ursos. Tiago Marques ajudava a dar estes workshops, juntamente com o seu orientador de doutoramento, Steve Buckland, que foi quem recebeu inicialmente a proposta para ir ao Árctico. “O Jon perguntou ao Steve: ‘Será que não podes ir connosco ao campo? Isto é uma coisa tão grande que dava jeito ter alguém a quem fazer perguntas. ’ O Steve, que era um senhor já em pré-reforma, com uma certa idade, disse: ‘Não consigo, tenho a minha filha, a minha família. ’ E perguntou-me: ‘Ó Tiago, não queres ir ao Árctico?’ E eu: ‘Sim, claro!’ E foi assim…”, recorda o biólogo. “Três metros ao lado estava outro amigo meu, o [investigador] Jon Bishop. Se estivéssemos em posições invertidas, aposto que a pergunta tinha sido para ele. ”Sem escala, nem espaço e tempoA viagem ao Árctico “foi uma experiência absolutamente alucinante”, recorda o cientista sobre a missão em 2004. Tiago Marques descobriu paisagens impressionantes, onde é difícil compreender a escala do que se vê no chão a partir do helicóptero. “Não há ninguém, não há nada, não se ouve nada”, lembra. “O que é aquilo?”, referindo-se a uma cratera. “Foi um vulcão em tempos, os geólogos sabem que existiu, mas provavelmente mais ninguém. Provavelmente ninguém esteve naquela cratera”, especula. “Depois de ter estado ali, as coisas tornam-se mais pequeninas. ”Agora, é atravessado por sensações semelhantes. “Ainda estou completamente no ar. Durante muitos dias tive uma vida muito diferente e agora estou a assentar”, admite. “Foi muito engraçado voltar ao Árctico. É uma paisagem e ambiente diferentes de tudo. Perde-se a noção de escala, do espaço e do tempo. ”Svalbard, que fica a meio caminho entre a Noruega e o Pólo Norte, tem mais de uma dezena de ilhas, três das quais bastante grandes, que perfazem uma área equivalente a dois terços de Portugal. Já a Terra de Francisco José, onde a missão só esteve em 2004, fica a nordeste de Svalbard, tem cerca de 190 ilhas pequenas e uma área equivalente a três vezes o Algarve. A equipa voltou a viajar no navio de investigação Lance durante parte de Agosto, noutra parte esteve num navio da guarda costeira norueguesa. Os helicópteros partiam sempre destes navios para observar os ursos polares, que no terreno saltam à vista, ao contrário do que Tiago Marques antecipava: “A terra é escura e eles são brancos, é como uma borbulha na cara de um adolescente. No gelo é surpreendentemente fácil. Na realidade, os ursos são amarelos e o gelo é branquinho. ”As viagens de helicóptero eram de quatro horas, por turnos, e os transectos variavam entre poucos quilómetros, nas zonas costeiras das ilhas, até longos percursos de 200 quilómetros pela banquisa. Cada vez que viam um urso polar, o helicóptero desviava-se do transecto definido e ia até ao lugar do urso, para registar com um GPS a sua posição. “A nossa estimativa para os ursos polares [em 2004] era para uma área equivalente à da Europa Ocidental, em que 1% é terra”, explica o cientista. “Na altura, tínhamos a ideia de uma coordenação entre os países [onde há populações de ursos] para fazer a amostragem da população total num só ano”, diz Tiago Marques. Quando se soma o número total de ursos polares usando contagens das subpopulações de anos diferentes, corre-se o risco de contar o mesmo urso em locais diferentes, além de se incluírem animais que já morreram e de excluir outros que entretanto nasceram. “Mas coordenar isto seria muito difícil, não sei se alguma vez vai acontecer. ”Em 2004, os biólogos também anotaram uma breve descrição do estado aparente de cada urso polar, que podia estar esquelético ou parecer bem alimentado. Agora, foram mais longe e fizeram biópsias para analisar o genoma de cada animal. Para isso, usaram uma espingarda com um dardo que se enterra na pele do urso e se liberta instantaneamente do mamífero. Depois, o helicóptero aproximava-se do chão e os cientistas apanhavam o dispositivo com uma vara com uma ponta magnética. “Esta análise permite fazer uma classificação rigorosa dos sexos dos ursos e verificar se temos muitas fêmeas sem crias. ”Juntos na banquisaOs ursos polares machos podem chegar a ter 600 quilos e em pé atingem os três metros, as fêmeas pesam cerca de metade. Para aguentar temperaturas que atingem os 45 graus negativos, estes animais têm duas camadas de pêlo e, se bem alimentados, uma importante camada de gordura. Mas o acesso à comida pode tornar-se mais difícil com o degelo. Alguns dos ursos que a equipa encontrou estavam magros, outros bem alimentados. Outro problema é a bioacumulação de poluentes orgânicos. “Os ursos polares estão muito contaminados. Comem focas que comeram peixes, que provavelmente já comeram outros peixes. Já estamos num nivel muito elevado da cadeia trófica, e há uma bioacumulação forte. ” Estas substâncias ficam na gordura e passam para as crias pelo leite. “Os ursos polares são os primeiros a dar um sinal de alarme em relação a problemas, quer de aquecimento global quer de contaminação. O facto de estarem a desaparecer quer dizer que algo não está bem. ”No mês passado, a equipa contou cerca de 140 ursos polares, um número, para já, provisório, que será trabalhado nos próximos meses por Tiago Marques. “Só daqui a seis meses é que teremos uma ideia específica se há mais ursos do que em 2004”, diz-nos. No entanto, como a equipa não pôde ir ao território russo, esta comparação só será para a região de Svalbard, o que empobrecerá esta avaliação. “Tínhamos concluído que cerca de um quarto da população dos ursos vivia na região da Noruega e três quartos na região da Rússia”, explica o biólogo. “Não me parece que seja muito fácil estabelecer comparações em relação à área total. ”Observou-se ainda o que poderá ser um fenómeno novo, que não sido tinha sido visto em 2004. Numa das contagens na banquisa, a equipa viu cerca de 25 ursos polares num trajecto de apenas 100 quilómetros. Tiago Marques especula sobre as causas de tantos ursos numa área tão pequena. Poderá haver uma acumulação de alimento naquelas zonas por causa das correntes marítimas, por exemplo. “A sensação é que, noutro ano qualquer, a área onde haveria um hotspot de ursos seria diferente. Esta zona em particular era a de gelo entre dois arquipélagos. O gelo está a recuar e eles vão-se congregando no sítio com gelo”, interpreta o biólogo. Depois de estudarem este fenómeno, os biólogos poderão desenvolver hipóteses que poderão ser testadas nas próximas vezes que forem ao terreno. Desta forma, peça a peça, vai-se construindo o “puzzle” que revela a ecologia desta espécie e podem fazer-se previsões mais acertadas das consequências das alterações climáticas. Um dos receios dos ambientalistas é que o aquecimento global permita o aumento do turismo, dos transportes, mas também da extracção de petróleo e gás natural no Árctico. E corre-se o risco de haver uma profunda alteração do habitat dos ursos polares, criaturas muito adaptadas ao Árctico e que têm poucas crias durante a vida, características que as tornam especialmente vulneráveis às grandes mudanças que se antevêem para aquela região. Perante este cenário, o urso polar sozinho num icebergue, avistado por Tiago Marques em 2004, é uma metáfora da situação desta espécie: isolada, sem lugar para ir, à espera que o gelo derreta.
REFERÊNCIAS:
Montra para mundos de jogabilidade humílima
Jogo de cenários de carisma memorável, Barmark falha na precisão da forma como é controlado. (...)

Montra para mundos de jogabilidade humílima
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 | Sentimento -0.2
DATA: 2015-09-15 | Jornal Público
SUMÁRIO: Jogo de cenários de carisma memorável, Barmark falha na precisão da forma como é controlado.
TEXTO: Não é o primeiro a fazê-lo, mas Barmark tem como objectivo deixar o jogador estar, simplesmente estar, como quem vai à estreia de um local na sua vida e pára a absorver o que lhe estava reservado — descoberta, absorção, destilação. O pequeno estúdio sueco Stormhatt pensou-o assim e usa esse atributo em amplo destaque, orgulhoso. Não há objectivos nem mortes, não há desafios nem pontuação; o que há é apenas contemplação. Publicado para dispositivos Android e iOS, o jogo não oferece uma estadia contínua, ou seja, quando começamos uma sessão o jogo atribuí-nos aleatoriamente cinco cenários de entre oito possíveis: numa área principal damos uns passos e acedemos ao monólito que serve com portal. Quando estamos satisfeitos de cada cenário, o regresso é feito a essa área comum. É possível aceder ao menu e terminar automaticamente a viagem, recomeçando o processo com a lotaria de mais cinco cenários aleatoriamente. Fica a clara sensação que Barmark é uma obra para ser desfrutada em pequenas sessões, possivelmente resultado de uma equação que levou em conta as plataformas onde foi publicado. Sempre que o jogador visita um destes cenários tem oportunidade de manipular uma alavanca que colocará em funcionamento uma máquina que parece saída de uma obra steampunk — com o jogador a poder regressar a cada um destes micro-universos e fazer o processo inverso, desligando determinada máquina, ou seja, há a possibilidade de fazer combinações, apesar de o processo ficar inteiramente ao critério de quem joga. Cada um destes apetrechos tem uma finalidade: um acrescenta água ao cenário, outro vento, outro dá um toque gelado, outro ilumina o cenário, etc. O mais curioso sobre esta mecânica, sem dúvida a fulcral de Barmark, é que o efeito de cada máquina influencia o cenário onde está alojada e tem repercussões nos cenários vizinhos, o que alimenta o efeito-surpresa de descobrir o que acabamos de fazer à nossa sessão de jogo como um todo. Portanto, em Barmark há liberdade total para se jogar a seu bel-prazer, sem nunca serem expressas ordens certas e erradas de como desfrutar da estadia. Sem nunca colocar em causa esse livre arbítrio, além dos animais de porte normal, os níveis contam com animais especiais — apelidados pela produtora de Archanimals — que pedem que certas de combinações de máquinas estejam activadas; porém, é uma mecânica praticamente tangencial ao cerne do jogo. O problema principal da obra não é querer colocar o jogador num estado zen, nem tão pouco fazer disso bandeira. A falha que coloca em causa essa filosofia é a jogabilidade. O personagem é controlado com as pontas dos dedos, tocando no ecrã o local para onde ele se deve deslocar, algo que falha redondamente em determinados pontos dos cenários. Já se sabe que a exactidão não é a mesma de o ponteiro de um rato numa aventura gráfica. Todavia, em certos momentos, o protagonista parece que ganha âncoras nos tornozelos, ficando preso no cenário e mostrando-se relutante em prosseguir viagem. Por diversas vezes, independentemente de onde se pressione com o dedo, eis-nos presos, eis-nos frustrados — eis-nos num estado de espírito muito longe do zen apregoado, longe da disposição com que começamos a jogar. Esta falha na dinâmica dos controlos é gravosa quando existem outros pontos de interacção por perto, o que confunde a obra e dinamita a confiança do jogador — há um padrão que começa a surgir, um receio de que aconteça novamente se continuarmos com a exploração, pedindo clemência e que seja possível fazer o mais simples: andar normalmente pelo cenário sem sermos bafejados pela frustração. No outro lado do espectro está o deslumbrante grafismo de Barmark. Seja qual for o cenário, seja qual for o momento, sente-se a minúcia com que esta componente foi trabalhada. Como se fosse o resultado de várias técnicas de pintura, as texturas parecem ser um labor artesanal, com a conjugação de tons e de disposição de elementos a ser a sua assinatura. Cada nível aparenta uma temática que foi afinada para ter um impacto no jogador, um gravar na memória desde os primeiros minutos que vai sendo revalidado com o descobrir dos novos locais. O jogo manipula ainda as sombras e os efeitos de luz para dar carisma a cada componente da cenografia. Animais em que se pode clicar, a animação de cada máquina, folhas dançantes ao vento, géiser, enfim, pormenores que fazem Barmark encher os olhos e, sobretudo, que dão um tom próprio à sua folha de rosto. Também acima da média está a sonoplastia, capaz de oferecer um instrumento central a cada situação sem se perder na diversidade; no atirar tudo à parede na esperança que algo resulte. Os sons que ouvimos são clínicos e oportunos, com a recomendação de ser escutados de auscultadores. De técnica carismática, Barmark falha na sua jogabilidade, frustração que acaba em última instância por sabotar a experiência relaxante a que se propõe. O que oferece deverá ser experimentado em várias tomas, pois menos sessões mais prolongadas acabarão por esgotar o filão prematuramente, deixando a aplicação esquecida ou apagada. Mais críticas em VideoGamer Portugal
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Teatro Praga inaugura finalmente a sua nova casa, uma casa aberta a todos
A inauguração do novo espaço cultural da companhia está marcada para 6 de Outubro. Programação está feita até Dezembro. (...)

Teatro Praga inaugura finalmente a sua nova casa, uma casa aberta a todos
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 | Sentimento 0.045
DATA: 2015-09-15 | Jornal Público
SUMÁRIO: A inauguração do novo espaço cultural da companhia está marcada para 6 de Outubro. Programação está feita até Dezembro.
TEXTO: Têm trabalhado aqui nos últimos dois anos, mas só agora é que o DNA, o novo espaço cultural do Teatro Praga, ganha forma, depois de umas obras de reabilitação no edifício número 6 da Rua das Gaivotas, em Lisboa. Se até agora a companhia trabalhava aqui de forma intermitente, a partir do dia 6 de Outubro apresenta já uma programação continuada. Programação, essa, que é composta em grande parte por projectos emergentes. O Teatro Praga gere o espaço onde cabem todos, especialmente aqueles que habitualmente não cabem nos palcos tradicionais. Foi no final de 2012 que a companhia de teatro venceu o concurso público de cedência de espaço da Câmara Municipal de Lisboa (CML). Em 2013, aqui começaram a trabalhar: ensaiou-se, por exemplo, a revista à portuguesa Tropa Fandanga, e Susana Pomba passou para este local o seu Old School, um programa mensal de curadoria. Mas as condições não estavam ainda reunidas para que ali se instalasse o “centro cultural” que a companhia ambiciona e que ficou contratualizado com a câmara. Dois anos passados, um dos quais em obras, e o Teatro Praga consegue finalmente abrir portas com uma programação desenhada até ao final do ano. O espaço com cerca de 400 metros quadrados divididos em dois andares ainda não está todo operacional, mas já pode ser inaugurado com pompa e circunstância. A menos de um mês da inauguração, ultimam-se os preparativos. O rés-do-chão do número 6 da Rua das Gaivotas cheira a novo, mas precisa ainda de ser limpo e arrumado. “Ensaiei aqui há muitos anos, mal sabia que vinha aqui parar. . . ”, começa por dizer Cláudia Jardim, uma das criadoras do Teatro Praga, durante uma visita informal da imprensa ao espaço, onde o teatro dos Praga será apenas uma das componentes. Este é, aliás, um projecto multidisciplinar que não quer deixar de fora as várias áreas artísticas. A sala de espectáculos, por exemplo, com capacidade para 50 pessoas, tanto pode ser um palco para uma performance artística como para uma projecção de cinema. Ao lado, vai nascer uma biblioteca e um centro de documentação, mas ao bom estilo do Teatro Praga podemos esperar alguma inovação e extravagância. “Não temos a pretensão de fazer uma biblioteca da história das artes performativas”, diz a actriz, explicando que ali se poderão encontrar livros relacionados com o tema. A diferença entre esta e uma biblioteca normal é que ali a organização vai ser feita por cores. “Vai ser a nossa biblioteca cromática. A ideia é que seja caótica, não há organização por tema, obra ou autor”, conta José Maria Vieira Mendes, outra mente por trás do Teatro Praga, explicando que a ideia tem por base a biblioteca pessoal de André e. Teodósio, também criador da companhia. “Queremos que cada procura por um livro seja uma aventura”, diz, explicando que neste espaço vão acontecer também workshops e palestras. Tudo a pensar numa abertura não só ao meio artístico como ao público, principalmente à comunidade ali à volta. “É importante abrir o espaço às pessoas. Queremos desmistificar aquela coisa de que o teatro é sagrado: o teatro é um sítio de pensamento e queremos que venham pensar connosco”, aponta Cláudia Jardim, contando que estão já pensadas várias colaborações com escolas. “A responsabilidade acresce quando a RE. AL e a Cão Solteiro [estruturas vizinhas que perderam este ano o apoio da Direcção-Geral das Artes] trabalhavam tanto em comunidade”, diz Jardim. “Vamos continuar o trabalho que eles fizeram. Eles já tinham posto o comboio em marcha e nós vamos apanhar o ritmo e marcar posição”, continua, afirmando que o objectivo é fazer deste espaço “o centro cultural aqui da zona”, da Avenida D. Carlos I ao Cais do Sodré. A mesma abertura vai existir para artistas e outras estruturas. “Este não é um espaço para os Praga, mas para aqueles que têm dificuldade em arranjar um espaço para ensaiar ou apresentar espectáculos. Há uma geração mais nova que tem cada vez mais dificuldades, é gritante. ” Não é de estranhar, por isso, que a inauguração, a 6 de Outubro, se faça com artistas emergentes, qual mercado onde cada um apresenta o seu trabalho. A companhia chamou-lhe o Meat Market, seguindo-se uma espécie de aulas onde cada interveniente tem cinco minutos para dar a sua lição. Rui Tavares, fundador do partido Livre, e o artista plástico Vasco Araújo são dois dos intervenientes. Rogério Nuno Cosa, Joana Barrios ou André Murraças são alguns dos nomes que compõem a programação deste espaço até Dezembro.
REFERÊNCIAS:
Sobreviver na era da reprodutibilidade do horror
Um romance que viaja de Portugal continental ao Brasil, passando pelos Açores, e que ecoa e problematiza a diáspora judaica (...)

Sobreviver na era da reprodutibilidade do horror
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 | Sentimento 0.0
DATA: 2015-09-15 | Jornal Público
SUMÁRIO: Um romance que viaja de Portugal continental ao Brasil, passando pelos Açores, e que ecoa e problematiza a diáspora judaica
TEXTO: Até para o Ano em Jerusalém é um livro que se constrói a três tempos, os quais correspondem a outros tantos espaços. Todos eles são percorridos — perfurados, feridos — por um outro espaço-tempo, que lhes é uma espécie de eixo, mas também uma orla, definindo um limite e uma irresolução. Numa primeira fase, não propriamente destacada das que se seguem (essa tenuidade de fronteiras será uma constante dos três momentos do romance, a despeito das rubricas, que são quase didascálias, marcando o ritmo e as incidências da narrativa), Portugal fornece o cenário. A partir de um grupo de amigos e conhecidos, com ramificações que se desviam sem nunca muito se afastarem desse microcosmo dentro da realidade nacional — em Lisboa, ou em torno da cidade —, irradiam as linhas essenciais da intriga, mas também os desvios que elas promovem, que, no fim, darão corpo e solidez ao (aqui proposto) tríptico da narrativa. A ideia de um antepassado judeu, de nacionalidade polaca, instala-se como acendalha e motivador que, no entanto, precisará de um outro cenário, de um outro continente, aliás, para se assumir e para que se produzam as condições, a atmosfera, para o lume que vai ser central em Até para o Ano em Jerusalém. Apesar (ou por causa?) do seu relacionamento com Maria Luís, Vicente abandona Portugal rumo ao Brasil, para leccionar História numa universidade. Nesse país se centra o que aqui se designa por segundo ponto do romance — mas que, repita-se, é apenas um dos passos de um contínuo não excessivamente marcado por separações cabais. O fio deixado pendente na primeira entrada é retomado no continente sul-americano, de onde transitará para os Açores, espaço a que a autora regressa, após O Cão das Ilhas(Sextante, 2009) e Too Much (Alambique, 2014). Aí se centrará a resolução do enigma da ancestralidade perdida num passado por desvendar; mas é também lá que se dá o conflito entre as personagens e a ruptura final das duas figuras principais da intriga. O esquematismo da apresentação é inversamente proporcional à consecução da narrativa. As transições, aparentemente abruptas e casuísticas, são decorrências sagazmente tornadas necessárias pela urdidura do enredo e pelas premências que ele motiva. Por esse motivo, a digressão intercontinental, a dispersão da geografia, dos modos e dos sentidos que se criam, acaba por não obstar a uma construção romanesca suficientemente estável para lidar com essas operações de transferência e reformulação no espaço e no tempo — parafraseando a autora, sempre entrelaçando situações. A deriva espacial, que conduz a evolução desde a Europa até à América, e desta para um ponto estrategicamente intermédio entre os dois continentes, as ilhas açorianas, conhece uma espécie de estrutura prévia na errância do povo judeu. Nesse sentido, uma dispersão de carácter vincadamente pessoal e efémero, como a das personagens do romance, é prefigurada pela diáspora judaica. As particularidades subjectivas e circunscritas de Maria Luís, Vicente, David são dispostas de encontro à grelha prévia do destino trágico do povo judeu. Uma palavra — “grelha” — que não pode deixar de fazer pensar em Paul Celan, que, em Grelha da Linguagem, falava do “círculo dos olhos entre as barras” e de “bocas cheias de silêncio”. Estrutura para as palavras e sombra do cárcere, portanto. Descendentes dessa linhagem marcada pela tragédia, Maria Luís ou David não são meros joguetes, nem simples figurantes numa peça que os usasse a seu bel-prazer. São assinalados, obscurecidos, mas também iluminados, por esse passado, que disponibiliza como que uma infra-estrutura sobre a qual edificar a ficção. A dúvida, a curiosidade e o desconhecimento marcam logo as personagens no primeiro momento. As conversas cruzadas entre amigos convocam, por diversas vezes, a cultura judaica, seja pela via mais especificamente dos textos sagrados, seja por meio das artes pictóricas que lhe são congéneres (o quadro Judite e Holofernes, de Caravaggio, por exemplo, é uma presença marcante). Essa inquietação será reformulada já no Brasil. Será mesmo teatralizada, num espectáculo de carácter doméstico, que, na sua natureza aparente improvisada, fortalece a importância desse quadro de referências. Desse estádio entre o religioso e o alegórico passa-se, todavia, para o histórico. Assim se assume a secularização da diáspora, localizando esse movimento no panorama aterrador da perseguição nazi e na anatematização da “lepra” (p. 124) judaica. Esse momento da história vai chamar até si os fluxos da narrativa até então congeminados, pois os antepassados que são alvo da busca que preenche o romance rumaram, no passado, às ilhas dos Açores, onde decorre o último acto de Até para o Ano em Jerusalém. O contraste entre Portugal e o Brasil é feito de forma subtil, opondo, na transição de um para outro parágrafo, duas grafias, dois modos de entender a mesma realidade: “geleia” versus “geléia” (p. 139); ou a presença quase ritualística do chá, do lado português, em contraponto com a cerveja, marcante no espaço brasileiro. Mas nem sequer se evita o acesso mais anedótico, como, por exemplo, pondo nos pratos da balança o Aeroporto António Carlos Jobim e o da Portela e frisando que este nunca “se converteria em António Variações, ou mesmo Marceneiro” (p. 77). Aliás, o que fica atrás dito, acerca da harmonização dos diferentes segmentos, não invalida que os espaços sejam encaixados no tecido da narrativa de forma hábil, mas assinalando os diferentes relevos das peças, por assim dizer. Basta atentar num trecho açoriano como este — “Tu ainda insististe que nunca tinhas visto tanto verde junto emaranhado. Que em Portugal não havia fetos assim, gigantes. É claro que não caiu bem dizer Portugal. ” (p. 180) — para se perceber que a homogeneização ocorre ao nível composicional do romance, e não no plano das suas especificidades locais. Não custa, de resto, perceber que se situa nas sequências açorianas o ponto mais forte deste romance. É notória a dissonância em relação à zona da narrativa localizada em Portugal continental. Tudo endurece, se torna mais denso no romance, na transição de Lisboa para os Açores. A displicência no diálogo, que flui ao sabor caprichoso do acaso e da vontade disseminada de cada falante, numa orgânica infirme, intermitente, de falas sincopadas, dá lugar à estatura quase pétrea da matéria insular. O diálogo faz-se mais austero e grave — quer em termos da sua estrutura, quer em termos da sua semântica. A autora parece mesmo dedicar o melhor da sua arte àquela geografia das ilhas atlânticas, que recebe o mais consumado do seu labor — “Uma visão daninha, uniforme. As facções na ilha dividiam-se. Mas aquele seguia a besta. Trepava pela noite até cima, com as mãos. Mais à frente livrava-se como podia da vegetação maciça e seguia até captar algum som ou onda” (p. 174). Romance de três espaços atravessados pelo espectro de um espaço que diríamos mítico — no sentido em que transcende os limites históricos, mesmo se os conhece —, Até para o Ano em Jerusalém concebe no horizonte da história judaica o padrão organizativo que lhe permite operar uma reflexão sobre o destino que é os destinos todos. A força com que se inserem estes versos — “ Todas as estradas levavam à morte/ todas as estradas” (p. 182) — faz pensar neles, e em todo o romance, como uma imagem, segmentada pelos passos da ficção, do próprio destino da humanidade na sua “condição trágica” (Unamuno) representada na caminhada do povo judeu.
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Maior produtora de queijo fresco do país acorda preço mínimo a pagar pelo leite
Com a crise no sector a fazer cair o valor do leite pago aos produtores, a Queijos Santiago acordou um valor mínimo de 32 cêntimos durante quatro anos. (...)

Maior produtora de queijo fresco do país acorda preço mínimo a pagar pelo leite
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 | Sentimento 0.3
DATA: 2015-09-15 | Jornal Público
SUMÁRIO: Com a crise no sector a fazer cair o valor do leite pago aos produtores, a Queijos Santiago acordou um valor mínimo de 32 cêntimos durante quatro anos.
TEXTO: A Queijos Santiago, maior produtora de queijo fresco do país, decidiu pagar aos seus 20 fornecedores de leite de vaca um preço mínimo de 32 cêntimos por litro. A medida, que tem a duração de quatro anos, é uma resposta à crise no sector, que se debate com descidas de preços e excesso de produção. Este é, até agora, o único caso conhecido de uma empresa que acordou um preço de referência, medida reclamada pelos agricultores. Em Agosto, o valor pago aos produtores caiu 16% em comparação com o mesmo mês de 2014 e está agora nos 28 cêntimos por litro. Este montante é apenas uma referência, já que os preços variam, nomeadamente, consoante a quantidade produzida (quanto mais se produz, mais o preço cai). De acordo com a Aprolep, Associação dos Produtores de Leite de Portugal, há quem esteja a receber 23 cêntimos e nenhum destes valores compensa o custo estimado de 32 a 33 cêntimos por cada litro produzido. “Trabalhamos com os nossos produtores há muitos anos e entendemos que esta deve ser uma relação de parceria e não de oportunidade. O que estamos a fazer é contratar com eles um preço mínimo e um preço máximo por um período de quatro anos. Enquanto o contrato durar, não pagamos nem abaixo de 32 cêntimos, nem acima de 38 cêntimos”, disse ao PÚBLICO João Santiago, administrador do Grupo Santiago, fundado há quase 100 anos em Castelo Branco e com sede na Malveira. A empresa, que estima facturar este ano 40 milhões de euros, emprega 250 trabalhadores, produz diariamente 150 mil queijos frescos e tem 70% da quota de mercado. Aos postos de trabalho directos, juntam-se os indirectos: 1500 produtores de leite de vaca, ovelha e cabra que fornecem quase em exclusividade. Em Agosto, o preço pago à produção caiu 16% em comparação com o mesmo mês de 2014 e está agora nos 28, 1 cêntimos por litro. Este valor é apenas uma referência, já que os preços variam, nomeadamente, consoante a quantidade produzida (quanto mais se produz, mais o preço cai). De acordo com a Aprolep, Associação dos Produtores de Leite de Portugal, há quem já esteja a receber 20 cêntimos enquanto os custos rondam os 32 a 33 cêntimos por cada litro produzido. A iniciativa da Queijos Santiago é, por isso, “um bom exemplo”, diz Carlos Neves, presidente da Aprolep. Contudo, “apesar de ser bom ver alguém a puxar para cima”, o valor acordado pode não ser suficiente caso as despesas aumentem, avisa. Numa altura em que se espera pela concretização das medidas de apoio ao sector, João Santiago acredita que o cenário de preços baixos terá de “dar a volta”. E quando isso acontecer, poder-se-á dar o movimento inverso. “O preço pode aumentar e atingir valores especulativos. Para estarmos salvaguardados fazemos agora este esforço face ao mercado. Os clientes continuam a querer que reduzamos o preço dos nossos produtos e em muitos casos tivemos de o fazer. As margens são quase nulas”, admite. Sobre as soluções encontradas para travar a crise que assola os produtores, o administrador da Queijos Santiago sublinha que os efeitos em Portugal “são uma gota de água”. “O país representa zero na produção de leite a nível mundial e penso que neste caso teremos de estar sujeitos às soluções que os outros encontrem. Mesmo num cenário em que o preço da indústria local seja alto é possível encontrar alternativas mais baratas fora”, analisa. Nesta segunda-feira soube-se que, em Espanha, a cadeia de supermercados Mercadona também decidiu aumentar em dois cêntimos o preço do leite à produção e apoiar a sobrevivência das explorações. Esta subida não será reflectida nas prateleiras. Há uma semana milhares de produtores encheram as ruas de Bruxelas em protesto contra a degradação do valor deste alimento. Os produtores de carne de porco também se juntaram, até porque o preço também caiu 12% em comparação com 2014. Há mais de um ano que o embargo russo está provocar excedentes de bens agrícolas no mercado europeu, mas o veto também afectou os Estados Unidos, a Noruega, o Canadá e o Japão. Com o fim das quotas leiteiras a concretizar-se no dia 1 de Abril e a recessão na China a deitar por terra as elevadas expectativas de exportação, gerou-se uma “tempestade perfeita”. Bruxelas anunciou ajudas no valor de 500 milhões de euros que incluem a antecipação de 70% das ajudas da PAC (Política Agrícola Comum) para Outubro. Neste pacote estão incluídas as multas por excedente de quotas, uma medida adoptada pela Comissão Europeia para penalizar os produtores que ultrapassaram os níveis definidos de produção de leite. Na campanha agrícola 2013-2014, por exemplo, oito países excederam a quota (Alemanha, Holanda, Polónia, Dinamarca, Áustria, Irlanda, Chipre e Luxemburgo) e a multa chegou aos 409 milhões de euros.
REFERÊNCIAS: