Morreu Gotlib e a banda desenhada francesa ficou orfã do seu humorista revolucionário
O autor que revolucionou a nona arte francesa em Rubrique-à-brac ou com Superdupont morreu inesperadamente em sua casa, aos 82 anos (...)

Morreu Gotlib e a banda desenhada francesa ficou orfã do seu humorista revolucionário
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 | Sentimento 0.125
DATA: 2016-12-31 | Jornal Público
SUMÁRIO: O autor que revolucionou a nona arte francesa em Rubrique-à-brac ou com Superdupont morreu inesperadamente em sua casa, aos 82 anos
TEXTO: Nasceu Marcel Gotlieb, mas foi enquanto Gotlib que deixou a sua marca profunda, tornando-se um dos grandes nomes da BD francesa através de um humor surpreendente e radical. Gotlib, que morreu inesperadamente este domingo na sua casa em Yvelines, na região de Paris, nasceu a 14 de Julho de 1934 em Paris, filho de pais de ascendência judia húngara. O seu pai morreria no campo de concentração de Buchenwald durante a Segunda Guerra Mundial, e o jovem Marcel sobreviveu ao conflito escondido numa quinta, para o qual foi enviado pela mãe. Essa experiência, porém, não se encontraria vertida na sua obra. Começou a ser notado no meio da BD através de Gai-Luron, o cão sonolento, inspirado em Droopy, o cão de grande olheiras criado por Tex Avery, que desenhou para a revista Vaillant. Mais tarde, quando começou a submeter as primeiras pranchas à revista Pilote, em 1965, encontraria um mentor determinante em René Goscinny, co-autor com Albert Uderzo de Astérix. Juntos, criaram para a revista Les Dingodossiers, uma série em que a sátira era a nota dominante. Rubrique-à-brac, a sucessora, mais adulta, de Les Dingodossiers, já criada unicamente por Gotlib, tornou-se um grande sucesso junto dos leitores e uma das suas criações mais acarinhadas. Em 1972, lançou a sua própria revista, L’Echo des Savannes, com Claire Bretrecher e Nikita Mandyka. Alguns anos mais tarde, seria responsável pela igualmente influente Fluide Glacial. Entre as suas criações destacam-se, por exemplo, Superdupont, sátira aos super-heróis americanos encarnada por um homem de bóina, galo sempre nas proximidades e barriga proeminente a revelar-se sobre o fato branco e cinto tricolor. A sua editora, a Dargaud, escreveu em comunicado, citado pelo Le Figaro, que Gotlib “revolucionou a forma de fazer banda desenhada, reintroduzindo nas casas francesas um nonsense britânico e uma forma irresistível de troçar de tudo”.
REFERÊNCIAS:
Morreu Bill Cunningham, o lendário fotógrafo do New York Times
A história das suas fotografias é a história de Nova Iorque. Durante meio século, Cunningham ditou tendências. Tinha 87 anos. (...)

Morreu Bill Cunningham, o lendário fotógrafo do New York Times
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 | Sentimento 0.568
DATA: 2016-12-31 | Jornal Público
SUMÁRIO: A história das suas fotografias é a história de Nova Iorque. Durante meio século, Cunningham ditou tendências. Tinha 87 anos.
TEXTO: Ditou tendências ao longo das últimas décadas. Foi um blogger antes do tempo dos bloggers. Figura central de Noval Iorque e da sua história. Bill Cunningham, o lendário fotógrafo do New York Times, que registou meio século de história da moda urbana nova-iorquina, morreu neste sábado na cidade que foi sempre a sua. Tinha 87 anos. Cunningham, nascido em Boston em Março de 1929, tinha tido um AVC recentemente e estava internado, escreve o New York Times, lembrando a influência do fotógrafo. Em 2010, com 50 anos de carreira, Bill Cunningham teve mesmo direito a um documentário sobre si, realizado por realizado por Richard Press e que se estreou no Museu de Arte Moderna de Nova Iorque (MoMA). Bill Cunningham New York revelava o homem por trás da câmara. O homem que circulava por Nova Iorque apenas de bicicleta. Teve várias, escreve neste sábado o New York Times. Ou eram roubadas, ou ficavam velhas. Mas só de bicicleta poderia reparar nas pessoas que circulavam na rua e que habitualmente fotografava. Bill Cunningham, que em 2008 foi condecorado pelo Governo francês com o título de Cavaleiro das Letras e das Artes, começou por escrever e fotografar para o Chicago Tribune, depois para a Women's Wear Daily, antes de chegar ao New York Times. Estávamos em 1978 quando começou a famosa coluna On the Street. Qualquer que fosse a fotografia que publicasse na sua coluna, a tendência pegava. “Quando estou a fotografar, olho para o estilo pessoal com que alguma coisa é usada – às vezes até a forma como alguém leva um guarda-chuva ou como tem o casaco fechado”, dizia. A revista New Yorker, num perfil publicado em 2009, notava que o seu trabalho não era muito diferente de um pescador: "É preciso um conhecimento apurado dos ecossistemas, trabalhado ao longo de anos, com uma infinita paciência e em todo o tipo de condições meteorológicas”. “Ele é o homem para quem todos nos vestimos”, diz em Bill Cunningham New York Anna Wintour, a influente directora da Vogue. Bill Cunningham, como lembra o New York Times, tornou-se ele próprio uma celebridade. Ele que tinha entre as protagonistas das suas fotografias nomes como Greta Garbo ou Brooke Astor, a grande dama da alta sociedade nova-iorquina. Quando falava de si, Cunningham era bem menos expansivo. Homem discreto e até misterioso. "Nunca dei uma boa história", conta no documentário que o seguiu durante dois anos. Embora Richard Press diga que o filme demorou bem mais tempo, mais precisamente dez anos: oito a convencer Bill, e dois a filmar e a montar. “Ele queria encontrar temas, não ser o sujeito do tema. Queria observar, em vez de ser observado. O ascetismo era a sua marca”, lê-se no obituário do New York Times. “Ele não ia ao cinema. Não tinha televisão. Tomava o pequeno-almoço quase todos os dias no Stage Star Deli na West 55th Street, onde uma caneca de café, uma salsicha, ovos e queijo custavam, até há pouco tempo, menos de três dólares. Viveu até 2010 num estúdio em cima do Carnegie Hall [num dos apartamentos para artistas da sala de espectáculos] entre corredores e corredores de armários de arquivo, onde guardava todos os seus negativos. Dormia numa cama de solteiro, tomava banho numa casa de banho partilhada e, quando lhe perguntavam por que passou anos a rasgar cheques de revistas como a Details (que ajudou Annie Flanders a fundar em 1982), dizia: ‘O dinheiro é a coisa mais barata. A autonomia e a liberdade são o mais caro'”, escreve ainda sobre Cunningham o jornal nova-iorquino. De tal forma que quando não fotograva na rua mas em galas e festas, Bill Cunningham não se juntava àqueles que já o conheciam tão bem. Não se sentava à mesa, não pegava num copo e mantinha até alguma distância. “Nas festas é importante ser invisível para apanhar as pessoas quando se alheiam da câmara – para ter a intensidade do seu discurso, os gestos das suas mãos. Tenho interesse em captar o momento com animação e espírito”, disse uma vez. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Foi obrigado a deixar o Carnegie Hall, como outros artistas que lá viviam, e mudou-se para um apartamento perto do Central Park, onde manteve a preocupação única de ter espaço para os seus armários de arquivos. Arthur Ochs Sulzberger Jr. , o presidente da New York Times Co. , recorda Cunningham como uma das pessoas mais bondosas, gentis e humildes, apesar de se movimentar no poderoso e rico mundo da moda. “Perdemos uma lenda”, diz Sulzberger Jr. . Para Michele McNally, o director do jornal, as fotografias de Cunningham são a história de Nova Iorque. De todos os que vivem em Nova Iorque. “Jovens. Negros. Pessoas que gastavam fortunas na moda e pessoas que sabiam o que combinar com a roupa que tinham e descobriam”, destaca. “Foi um homem extraordinário, o seu compromisso e paixão não tinham paralelo, a sua gentileza e humildade eram uma inspiração. Apesar de os seus talentos serem muito conhecidos, ele preferiu manter-se anónimo”, lembra a directora de fotografia do New York Times, Michele McNally. “Vou sentir a sua falta todos os dias. ”
REFERÊNCIAS:
Morreu Nicolau Breyner, um pilar da ficção televisiva portuguesa
Actor e realizador tinha 75 anos e uma carreira de mais de cinco décadas que também tocou o cinema e o teatro. (...)

Morreu Nicolau Breyner, um pilar da ficção televisiva portuguesa
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 | Sentimento 0.0
DATA: 2016-12-31 | Jornal Público
SUMÁRIO: Actor e realizador tinha 75 anos e uma carreira de mais de cinco décadas que também tocou o cinema e o teatro.
TEXTO: “O país vai mais triste, Sr. Contente. ” A frase, em jeito de epitáfio, com que a RTP noticiou esta segunda-feira a morte de Nicolau Breyner não podia ser mais certeira na expressão do sentimento que varreu o país. “Surpresa”, “tristeza”, “vazio” foram palavras trocadas por todos quantos lamentaram o inesperado desaparecimento do actor, que morreu na sua casa de Lisboa, aos 75 anos. Com uma carreira de mais de meio século, Nicolau Breyner marcou ao longo desse tempo, com a sua presença física, com o seu humor, mas também com a capacidade de se transmutar em personagens dramáticos, o teatro, a televisão e o cinema no país. “O Nicolau Breyner faz parte da memória colectiva de Portugal e dos portugueses. Era um extraordinário actor, um óptimo director de actores e um companheiro de trabalho maravilhoso”, disse ao PÚBLICO a actriz Lia Gama, que com ele mantinha uma relação de amizade iniciada na juventude de ambos, nos tempos do Conservatório, em Lisboa. Nuno Artur Silva, administrador responsável pelos conteúdos na RTP, lembrou tratar-se de “um dos grandes actores portugueses”, mas também de alguém que inovou as formas de fazer televisão no nosso país, e não apenas por ter sido co-autor e actor da primeira telenovela portuguesa, Vila Faia, em 1982. “Logo a seguir ao 25 de Abril [de 1974], com o seu programa Nicolau no País das Maravilhas [1975], ele começa a mudar a maneira de fazer humor na televisão portuguesa, abrindo caminho para o Herman José – que lançaria através da rubrica Sr. Feliz, Sr. Contente – e para O Tal Canal”, acrescenta Nuno Artur Silva, que lembra, ainda nos anos 70, “uma espécie de ensaio” que Nicolau Breyner fez numa paródia às telenovelas, no seu programa Moita Carrasco. Cinco décadas de TV em Portugal em vídeos da carreira de Nicolau BreynerHerman José recorda essa sua entrada no país de Nicolau como “uma espécie de Euromilhões” para o lançamento da sua carreira. Tinha contracenado, pela primeira vez, com Breyner na revista dos tempos revolucionários Uma no Cravo, outra na Ditadura, de Ary dos Santos. “Ele reconheceu em mim algum talento ainda por burilar, e aproximámo-nos porque estávamos perto um do outro, em termos de formação e de educação”, recorda o actor, acrescentando que nos três anos seguintes ficou sob a sua guarda, até encontrar o seu próprio caminho, com O Tal Canal. “Ele foi sempre muito solidário comigo”, acrescenta Herman, dizendo que foi dele que recebeu “o primeiro elogio” para a sitcom que actualmente está fazer para a RTP, Nelo e Idália. Herman não tem dúvidas de que Nicolau Breyner marcou o teatro e a televisão que se fez em Portugal em diferentes momentos, “como um moderno, antes e logo após o 25 de Abril”, depois, como uma espécie de “cómico do regime”, e finalmente, a partir dos anos 90, “encontrando a sua persona de primeiríssimo actor, tanto na televisão como no cinema”, e cita, como exemplo, os filmes que fez com António-Pedro Vasconcelos. O crítico do PÚBLICO Augusto M. Seabra destaca também, entre as várias dimensões da carreira de Nicolau Breyner, o humor televisivo: “Tinha uma produção humorística para a televisão, como a comédia O Espelho dos Acácios e o programa Eu Show Nico, que foi muito importante, e onde mostrava uma grande versatilidade. ” Augusto M. Seabra lembra ainda que Nicolau Breyner foi “um produtor importante” das telenovelas portuguesas, tendo lançado “a primeira produtora que se dedicou mais expressamente às novelas” – a NBP Produções. Depois de ter tido problemas com a sua produtora, Nicolau Breyner mudou-se, em 2008, para a TVI, onde trabalhou em séries e programas como Flor do Mar, Equador e também Morangos com Açúcar. Actualmente estava a filmar A Impostora, uma nova telenovela daquela estação. Se a sua imagem televisiva é aquela mais declaradamente impressa no imaginário do espectador português, no cinema Nicolau Breyner assinaria interpretações bastante mais dramáticas e contidas. Aqui destaca-se a sua colaboração com António-Pedro Vasconcelos, com quem trabalhou em cinco filmes: Jaime (1999), Os Imortais (2003), Call Girl (2007), A Bela e o Paparazzo (2009) e Os Gatos não Têm Vertigens (2014). Vasconcelos diz que realizou Os Imortais a pensar nele como actor, e acha que com esse filme, e já depois de Jaime, Nicolau Breyner se "libertou um pouco da sua imagem televisiva" e ganhou dimensão de actor de cinema. "É um actor completo, capaz de traduzir todas as emoções e passar de umas para as outras sem problemas. " E acrescenta que "ele tinha simultaneamente a capacidade da descontracção e da concentração, e de improvisar sempre dentro da linha justa" para o filme. "Encarnava a ideia expressa na palavra francesa 'jouer' e inglesa 'play', que significa simultaneamente interpretar e brincar", prossegue o realizar de Call Girl. Joaquim Leitão dirigiu o actor em Inferno (1999), um filme de acção que decorre no Portugal contemporâneo e que reflecte sobre a guerra colonial. “Foi um dos actores mais naturalmente dotados com que já trabalhei”, diz o realizador deste filme em que Breyner interpretou a personagem de um ex-combatente, e que teve também aqui um dos seus mais relevantes papéis dramáticos no cinema português. “O que era notável no Nicolau é que nasceu para ser actor e esse talento natural era uma coisa óbvia sempre que se punha diante de uma câmara. Era uma pessoa que fazia as coisas com uma facilidade enorme e fazia-o instintivamente bem”, diz Leitão. Representar, para Nicolau Breyner, não era uma coisa sofrida, “concentrava-se 30 segundos antes do take e fazia-o tão bem quanto outros que estão imersos no personagem 24 horas por dia”, acrescenta o realizador. Joaquim Leitão recorda-o ainda como "uma pessoa de grande simpatia, que, “embora tivesse um estatuto de grande senhor, era muito fácil trabalhar com ele” nas filmagens; estava sempre “muito bem-disposto”. Esta faceta é igualmente relevada por Nuno Artur Silva, que diz que Nicolau Breyner tinha “o carisma das estrelas, mas era simultaneamente de “uma enorme generosidade”. Além disso, estava “sempre atento àquilo que acontecia à sua volta, e em busca de novos actores e criadores”. Dos filmes com Vasconcelos, o papel em Os Imortais – o "seu" inspector Joaquim Malarranha é de novo uma grande interpretação em cinema e novamente Breyner se filia naturalmente numa singular vocação dos actores a quem chamamos "cómicos", que episodicamente, mas de forma determinada, se enchem de drama e de frustração (recorde-se a propósito o Raul Solnado de Dom Roberto, em 1962, ou de A Balada da Praia dos Cães, em 1982) – valeu-lhe o Globo de Ouro de melhor actor, prémio que arrecadaria também pelo seu trabalho em Kiss Me, de António Cunha Telles; e O Milagre segundo Salomé, de Mário Barroso. Lia Gama disse ao PÚBLICO que na semana passada tinha participado com o actor numa prova de guarda-roupa para o próximo filme de Sérgio Trefaut, Seara de Vento, adaptação do romance homónimo de Manuel da Fonseca, cuja rodagem estava prevista para começar em Abril. "É um enorme vazio que fica", lamenta a actriz. Se é genericamente unânime o elogio do trabalho de Nicolau Breyner frente às câmaras, já as suas experiências como realizador de cinema – por exemplo, 7 Pecados Rurais (2013), que foi um razoável êxito de público – suscitam reservas do ponto de vista do seu relevo artístico. Como realizador de cinema, “é apenas a continuação da sua faceta de faz-tudo, tendo sido a realização de um sonho, e penso que não tem interesse de maior”, diz Augusto M. Seabra. No vasto leque de actividades a que Nicolau Breyner emprestava o seu nome e a sua energia esteve também a política, ainda que de forma episódica. Em 1995, e apesar de ter afirmado que nunca teve ambições políticas, candidatou-se às eleições autárquicas para a câmara da sua terra natal, Serpa, pelo CDS-PP. Perdeu. Mas voltou à luta eleitoral oito anos depois, à assembleia municipal, desta vez sob a bandeira do Partido da Nova Democracia (PND). Foram meros intervalos na vida e carreira de alguém que tinha sempre “mil projectos à sua frente”, como refere Nuno Artur Silva – o mais recente foi a criação de uma escola de actores. Meu querido Nicolau como tudo agora ficou triste. . . tudo sem graça! pic. twitter. com/qiVkU3uVZVSubscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Nascido em Serpa, a 30 de Julho de 1940 – era primo da poeta Sophia de Mello Breyner –, Nicolau Breyner radicou-se em Lisboa para frequentar o Liceu Camões, e depois o Conservatório, inicialmente com o intuito de ser cantor de ópera. “Nunca tinha pensado ser actor. O meu pai disse que a ópera era uma arte cénica e que tinha de ir para o Conservatório para aprender teatro e juntar as duas coisas. Comecei a perceber que não tinha coragem para manter aquela disciplina. . . A vida de um cantor de ópera é como a de um bailarino. O que se come, o que se bebe, o sol que não se apanha. Não era isso que queria aos 20 anos. Entretanto, o Conservatório começou a tomar conta de mim, e cá estou”, disse em entrevista ao PÚBLICO. Estreou-se no teatro na peça Leonor de Telles, de Marcelino Mesquita, no Teatro da Trindade, em Lisboa; e no cinema em A Raça (1961), de Augusto Fraga. Seguiu-se mais de meio século de uma carreira extensa. E que “termina agora no auge”, diz Herman José. “É como sair de uma peça, que correu bem”, nota o actor criador de O Tal Canal, confessando o “sentimento contraditório” que lhe motiva a morte do amigo: de um lado, a perda, de outro, saber que ele saiu de cena sem ter sido confrontado com a decadência. “E ele merece a solidariedade que se reuniu agora perante o seu desaparecimento, no auge da sua carreira”, conclui Herman. com Cláudia Lima Carvalho, Isabel Salema e Hugo Torres
REFERÊNCIAS:
Palavras-chave morte guerra escola concentração educação espécie cães desaparecimento raça
O Douro por quem o ama
No mês em que se celebram 15 anos desde a classificação do Alto Douro Vinhateiro como Património da Humanidade pela UNESCO, viramos os holofotes para quem se deixou enamorar por este “poema geológico”, como lhe chamou Miguel Torga, e aqui trabalha diariamente para desenvolver a região. (...)

O Douro por quem o ama
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 | Sentimento 0.5
DATA: 2016-12-31 | Jornal Público
SUMÁRIO: No mês em que se celebram 15 anos desde a classificação do Alto Douro Vinhateiro como Património da Humanidade pela UNESCO, viramos os holofotes para quem se deixou enamorar por este “poema geológico”, como lhe chamou Miguel Torga, e aqui trabalha diariamente para desenvolver a região.
TEXTO: Foi no início dos anos de 1980 que Abílio Tavares da Silva e a mulher visitaram o Douro pela primeira vez. “Ainda nem devíamos ter casado”, recorda. Chegaram numa daquelas tardes quentes de Verão, acima dos 35º C, e o proprietário da unidade de turismo de habitação em Mesão Frio onde ficaram alojados convidou-os a largarem ali as malas e a saltarem de imediato para a piscina sobre a paisagem. “Quando saímos estava uma bolinha acabada de fazer e uns copos de vinho branco sobre a mesa. ” “Foi uma epifania na minha vida”, ri-se. A verdade é que estava semeado o feitiço da região. A revelação final chegaria depois de um longo namoro com as encostas de vinhedos sobre o rio. Um dia, já na alvorada do milénio, lançou o desafio à família: “Porque é que não vamos viver para o Douro?”Naquela altura já só geria uma das empresas que tinha desenvolvido na área da informática e de software para call centers, a Plurimarketing. Vendeu-a à Teleperformance, onde ainda trabalhou três ou quatro anos durante o período de transição, mas a decisão estava tomada. Iam trocar Lisboa pelo Douro. “Ainda levou uns cinco anos à procura” da quinta onde agora nos encontramos, mas nunca teria imaginado “um sítio mais bonito”. O rio Torto contorce-se aos nossos pés antes de cruzar a pequena ponte de arco redondo e desaparecer no caudal lânguido do Douro, hoje da cor das nuvens. Em redor, retalhos de vinhedos amarelos, verdes, laranjas, vermelhos, muitos castanhos, alguns já despidos pela poda que por estes dias ocupa os poucos trabalhadores que se aquecem, aqui e ali, em focos de fumaça pelos montes. “Se estivessem estado cá há quinze dias”, ouviremos de cada coração duriense. Nos montes em frente, alguns casebres e quintas, um cemitério, um letreiro da Sandeman entre as vinhas da Quinta do Seixo e, no cume, Valença do Douro. “Há pouco tempo apareceu-me aqui um casal de arquitectos norte-americanos que viviam em Hollywood e a senhora, quando chegou cá acima, começou a chorar. Percebe? É difícil um tipo ficar indiferente a esta paisagem. É do domínio do transcendente. ”Em 1999, Abílio começou a tirar a licenciatura de Enologia na Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro (UTAD), a única a leccionar aquele curso no país, ainda sem saber que daí a 14 anos estaria a lançar os seus dois primeiros vinhos no mercado (embora feitos pela enóloga Sandra Tavares da Silva): um tinto colheita de 2010 e um reserva branco de 2011. “Era só curiosidade intelectual”, conta. “Na faculdade só se bebe cerveja, depois começa-se a ir aos restaurantes, a beber e a apreciar vinho, comecei a fazer uns cursos pequenos para aprender mais até que cheguei a uma altura em que decidi estudar isto a sério. ”“Usava as minhas férias para vir aqui às aulas e aos laboratórios mas era um prazer enorme”, recorda Abílio, com o olhar perdido nas memórias das viagens e um sorriso permanente. “Só tinha dois discos no carro, que eram a viagem: Felt Mountain, de Goldfrapp, e o Buena Vista Social Club. ” !Óigame compay! No deje camino por coger la vereda / !Óigame compay! No deje camino por coger la vereda“Aquilo já me punha em modo para vir para Vila Real. ” Ainda não existiam a A44 nem a A21 — era necessário percorrer a A1 até ao Porto e continuar pelas curvas do IP4. “Vinha sempre já a imaginar que temperatura fazia no alto de Espinho. Às vezes, em Lisboa, ainda faziam uns 20ºC e ali só estavam seis ou sete, já havia lareiras acesas e uma sopinha de couve troncha e feijão à minha espera”, ri-se. “O que me custava era fazer a viagem para baixo. ”A paixão pela agricultura foi a segunda (re)descoberta que a região lhe deu. “Vim para cá por causa do vinho, mas depois comecei a perceber que o Douro tem muita história, cultura, tradição. ” E que toda a natureza que vinga neste lugar inóspito “tem uma expressão e uma força que extravasa o vinho”. Aqui comeu os melhores morangos, figos, tomates coração-de-boi (que não descansou enquanto não os promoveu num encontro-concurso-prova em Agosto com outros produtores da região). Na horta, vai caminhando de um lado para o outro enquanto arranca folhas para nos dar a cheirar. Hortelã, alecrim, louro, rosmaninho — até nos deixar nas mãos um intenso pot-pourri natural. “O vinho aqui é bom porque a fruta é boa, como as ervas são particularmente saborosas. E isso, na minha opinião, tem sido muito desprezado, porque o Douro é muito mais do que o vinho”, defende. “Valorizar convenientemente esses produtos naturais e na época é uma forma de valorizar a região e torná-la ainda mais atractiva. ” Para Abílio, o futuro de sucesso do Alto Douro Vinhateiro estaria assente num simples tripé: gastronomia, turismo e vinho. “Aquilo que levamos daqui são memórias e isso é algo irrepetível: não encontram isto em mais lado nenhum, com esta paisagem, esta diversidade e riqueza gastronómica e de produtos regionais. O Douro é muito mais do que vinho e é isso tudo que nos ajuda a vender o vinho. É isso que nos torna únicos. ”Quinta Foz TortoTel. : 962 504 073Email: ats@mail. eunet. ptAdega: Rua Ponte do Pinhão 1 - Pinhão; Tel. : 259 323 105Facebook: Foz TortoHá muitos anos que Francisco Abrunhosa vinha passar férias ao Douro. No final dos anos de 1990, começou a notar que havia “cada vez mais interesse no Douro como destino de investimento”. Viu ali a oportunidade de criar uma empresa familiar (a mulher e a cunhada completam a equipa permanente) e mudar de vida. Uma “com qualidade e capacidade de realização e de criatividade diferente da que se tem dentro de uma nave industrial” no Grande Porto, onde era sócio-gerente de uma fábrica de brinquedos. Na empresa, Casas e Tradições, procura terrenos e ruínas na zona do Pinhão com vistas panorâmicas e boas acessibilidades, que possa complementar com projectos de arquitectura, entre o tradicional e o contemporâneo e, por vezes, até tratar da decoração, da manutenção das casas ou da gestão dos projectos hoteleiros, conforme as necessidades de cada investidor, nacional ou estrangeiro. E para Francisco há razões de sobra para um forasteiro vir investir no Douro: o potencial de valorização da região, as pessoas, as acessibilidades, a pequena distância aos grandes centros urbanos (“hoje em dia estamos a cerca de 1h15 do Porto), o facto de ser Património da Humanidade ou uma região com uma natureza magnífica e mundialmente reconhecida, vai enumerando. Para Francisco, no entanto, o gozo pessoal está em ver os projectos erguerem-se dos vestígios do passado. “Poder ajudar a criar, a construir e, sobretudo, a reconstruir o património que tanto existe por este Douro fora e que merece que se lhe devolva a alma. ” Por isso, quando encontra uma ruína onde um dia gostava de implementar alguma coisa, gosta de “se sentar e conversar com as pedras”. “Houve projectos que começaram porque me entendi muito bem com as pedras. ” A Casa de Gouvães, turismo de habitação desde 2008 naquela aldeia de Sabrosa, foi um desses casos. "Houve projectos que começaram porque me entendi muito bem com as pedras. "O edifício estava “num estado lastimável” e “tinha até uma plantação de couves no meio”, recorda. Mas foi “amor à primeira vista”. “Rapidamente cheguei a acordo com aquelas pedras de xisto, fui à procura do proprietário, adquirimos, fizemos um projecto arquitectónico com características destinadas ao uso turístico e depois fui ao encontro de um investidor [francês] que, depois de visitar a ruína e de ver o projecto, decidiu logo avançar”. Hoje tem três quartos, uma larga sala de móveis clássicos, piscina, sala de jogos e um patamar exterior sobranceiro a toda a casa e vales vinhateiros. A dois passos fica o Lugar das Letras, na antiga escola primária de Gouvães. De entre os projecto erguidos, para particulares ou turismo, é o segundo que a empresa gere, juntamente com a Casa de Gouvães. Francisco diz que “não gosta de se agarrar sempre ao mesmo projecto”, quer é que “venham por aí mais uns filhos”. Poucos de cada vez, porque pretendem manter o contacto personalizado com os clientes. Mas, como qualquer pai orgulhoso, que não quer eleger preferidos entre a descendência, Francisco lá se descose num “carinho especial” pela escola, como ainda lhe chama. “Agrada-nos o resultado e vive-se aqui muita história do Douro. Tivemos momentos de grande emoção quando, por exemplo, entrou aqui um antigo estudante para nos entregar um brinquedo feito na altura, há uns 40/50 anos”, recorda. “Houve um lado emocional na realização deste projecto que nos traz muito boas memórias. ”Recordações que espera ver replicadas pelos turistas que visitam o Douro. “Sou dos que acreditam que a região ainda vai ter crescimento, mas tem de ser rodeado por um paradigma de qualidade, com uma atitude de muito profissionalismo, dedicação e que transmita sempre afectos a quem nos visita, simpatia, disponibilidade. ” Algo que, defende Francisco, por vezes ainda falta. Casas e TradiçõesTel. : 917 921 320Email: info@casas-e-tradicoes. ptwww. countrysideproperties. ptTurismo de habitação em Gouvães do Douro: Casa de Gouvães e Lugar das LetrasQuando era miúdo, Paulo esgueirava-se para o lagar de azeite, metia-se dentro do carrinho que habitualmente transportava os capachos entalados entre pastas de azeitona e deslizava pelos carris até à prensa. “São meia dúzia de metros, mas naquela altura era quase a montanha-russa”. Agora, o antigo lagar da família, de uso comunitário pela população de Casal de Loivos até 2001, está transformado em museu. E é o filho mais velho, Pedro, quinta geração, que acaba por nos fazer parte da visita guiada. Tem jeito e leva a lição bem estudada, mas já não viu nenhuma daquelas máquinas laborar. Ao contrário do pai, que só saiu da aldeia para estudar na faculdade e regressou. Por isso, tudo aqui lhe traz recordações. Do tempo em que rebolava em cambalhotas pelas bagaceiras com os colegas da escola primária (entretanto encerrada). Do tempo em que jogava à cabra cega ou andava a trote nos cavalos que acartavam as uvas nas vinhas mais íngremes. Lembra-se do tempo em que os trabalhadores só regressavam a casa no final da vindima e, por isso, sucediam-se os bailes, as músicas e as danças. Lembra-se de entrar muito miúdo para os lagares e participar na pisa da uva. “Sempre estive aqui e como era o mais novo de três filhos e o único rapaz fui habituado desde pequeno a trabalhar e a ajudar, não só na parte agrícola, como na produção de vinho e de azeite”, recorda. “Na altura de estudante, houve uma época em que ia às aulas de manhã e regressava para ajudar o meu pai, que já tinha uma certa idade. ”Daí nasceu o “gosto pela terra” e, mais tarde, a vontade de “dar seguimento àquilo que foi deixado pelos pais, avós e bisavós”, materializada na empresa D’Origem, criada em 2001. “Até então, a família produzia vinho mas vendia-o às grandes empresas. ” Agora Paulo produz e comercializa vinhos DOC Douro, azeite e outros produtos locais com marca própria. E consegue homenagear os antepassados em cada garrafa — do tinto de entrada de gama com nome de Herança ao reserva tinto e ao branco Velha Geração, ou o azeite D’Origem, com fotografias antigas dos seis familiares a povoar cada rótulo. Das cabriolices da infância recupera as Fisgas, nome do rosé que produz. O objectivo, conta Paulo, é “primar pela qualidade em detrimento da quantidade” — os 10 hectares de terreno também assim o exigem — e, aos poucos, “começar a produzir algum vinho do Porto”, uma vez que continua a vender a produção das vinhas velhas a exportadores. Em 2007, chegou o sumo de uva — o “vinho dos miúdos” — e, entretanto, começou a comercializar as amêndoas colhidas na propriedade e o mel de um parceiro da região. “Tento diversificar e inovar para ser um pouco diferente do comum das outras empresas. ” Só assim um pequeno produtor consegue emergir na luta de tubarões que é o comércio de vinhos DOC Douro e do Porto, defende. Outra forma foi a aposta no turismo, primeiro com a transformação do antigo lagar de azeite (que inclui um pequeno lagar de vinho no final) em espaço museológico, depois com a criação de uma sala de provas com vista sobre o Douro (quase concluída) e, no futuro, “a ideia é passar para a casa-mãe, recuperá-la e transformá-la em turismo rural”. “Isto acaba por ser uma empresa familiar e eu tenho dois filhos, o Pedro e o Diogo. O mais novo gosta da parte da maquinaria e de pôr a mão na massa e o Pedro acaba por gostar mais do contacto com as pessoas. ” Quem sabe, um dia não serão eles a continuar o trabalho deixado por pais, avós, bisavós e trisavós. D'OrigemRua da Calçada - Casal de LoivosTel. : 962 376 096 / 254 731 888Email: dorigem@dorigem. ptwww. dorigem. ptQuando fez 50 anos, Ricardo Costa decidiu mudar de vida. Não queria mais trabalhar com computadores, sistemas digitais, sistemas de informação e consultoria na área. Queria “ter o estilo de vida parecido aos rapazes” que via lá fora, a trabalhar de calções e chinelos nos resorts. No Douro, a indumentária com que sonhava cinge-se aos dias tórridos do Verão duriense, mas não se arrepende da escolha. A família, natural de Oliveira de Azeméis, sempre teve uma lancha e, todos os anos, subiam o rio até Barca D’Alva, na fronteira, e desciam. O Pinhão ficou-lhe “sempre no olho” e, a meio século de vida, foi ali que atracou. Veio “sem conhecer ninguém”, com “a lancha atrelada”, e começou a dar aulas de esqui aquático e a fazer passeios de barco. Foi “um ano sabático”, aquele 2010. A partir daí, “tinha de arranjar o que sustentasse a ideia”. Comprou três barcos rabelo, reconstruiu-os e criou a empresa Magnífico Douro. Entretanto adquiriu outro barco tradicional duriense, uma lancha para os desportos náuticos e, este ano, um barco com capacidade para 250 pessoas, de forma a explorar o segmento corporate, dos eventos e das viagens de grupo. Além dos barcos, a empresa faz ainda caminhadas, passeios de bicicleta, de carro ou de caiaque (da foz do Tua ao Pinhão). “Estamos a verificar uma tendência no Douro que é o baixar da idade média dos visitantes e, com isso, temos turistas cada vez mais activos. ”Ao longo dos anos, foi somando “milhares de horas de nagevação” no rio Douro mas, garante, nunca se cansa. “Todas as vezes vejo um outro rio Douro: é a luz, os cheiros, a própria paisagem que está sempre a mudar, agora estamos no tempo dos vermelhos, amarelos, castanhos. Passarmos de manhã é diferente de visitar à tarde ou ao pôr do sol. O percurso é o mesmo mas a experiência é sempre diferente. ”Uma mutação natural constante que não vê replicada no panorama urbano, económico e social do Pinhão. Para Ricardo, “pouco ou nada” se alterou com a classificação do Alto Douro Vinhateiro como Património da Humanidade. “Há um perfil de turista que procura destinos com chancela da UNESCO e de outras denominações de notoriedade e que vêm por isso mesmo, mas, além do maior número de visitantes, não teve um impacto directo no Pinhão”, defende. No entanto, aponta “a diversificação da oferta turística” como o caminho a seguir para desenvolver a região. “Queremos que as pessoas venham para cá e que tenham a possibilidade de preencher todos os dias de estada com actividades diferentes e que esses dias preenchidos sejam cada vez mais. ” Ao mesmo tempo, acredita que os programas turísticos de um dia no Douro, com partida do Porto, ainda têm muita margem para crescer e que devem ser uma aposta local. “São bons porque têm um impacto mínimo e podem crescer porque não estão dependentes do número de camas na região. ”Magnífico DouroCais na Rua Marginal do Pinhão (frente ao portão do jardim do Hotel Vintage House)Tel. : 913 129 857Email: info@magnificodouro. ptwww. magnificodouro. ptO dia acordou quase em Dezembro e a manhã está particularmente fria junto ao Parque Industrial das Aveleiras, à saída de Tabuaço. O vento corta a pele e faz esvoaçar ligeiramente os cabelos de quem passa entre as duas únicas empresas que ali se erguem: a confeitaria Douromel e a recém-chegada destilaria Colbato Douro. (Ao lado, uma robusta mota desafia as leis da gravidade na vertigem de um terraço, mas já não entra nas contas do parque). Se fosse Verão e final de tarde, em frente à primeira produtora de gin da região haveria sofás feitos de paletes e um minibar, música de sunset e turistas a aproveitar as férias. Até porque foi mais ou menos assim que nasceu o gin Cobalto 17. Estávamos em 2014 e Edgar Rocha, enólogo de Vila Real, e Miguel Guedes, engenheiro químico de Cambres (Lamego), estavam numa esplanada a beber gin e a conversar. “Éramos responsáveis pela produção numa destilaria industrial da zona e já trabalhávamos com destilados há vários anos, por isso tínhamos um bocado o hábito de dar a nossa opinião entre nós sobre o que bebíamos”, recorda Miguel. Naquele dia, porém, a conversa foi mais longe e fez-se ideia de negócio, ainda em tom de brincadeira. “Estamos sempre a falar, a falar, temos de fazer um gin a nosso gosto. E assim foi. ”Por estes dias, sucedem-se comemorações em Vila Real com carimbo da UNESCO. Primeiro no final de Novembro, quando a olaria negra de Bisalhães entrou para a lista de Património Cultural Imaterial da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura. Agora como epicentro das celebrações dos 15 anos da classificação do Alto Douro Vinhateiro como Património da Humanidade. A cerimónia evocativa decorre no dia 14 de Dezembro e tem como objectivo apresentar um balanço da projecção da região nos últimos anos e demonstrar “como é que o território tem sabido preservar e conciliar os valores fundamentais da região com o seu crescimento”, lê-se na página da CCDR-N. A entidade está a organizar o encontro, através da Missão Douro, em parceria com a autarquia de Vila Real, a Comunidade Intermunicipal do Douro e a Liga dos Amigos do Alto Douro Vinhateiro. Vila Real é um dos 13 concelhos que compõem a região classificada pela UNESCO a 14 de Dezembro de 2001, que integra 24. 600 hectares de área no coração da mais antiga região vitícola demarcada e regulamentada do mundo (com cerca de 225 mil hectares). Nas horas livres, ficavam no laboratório a “fazer centenas de microdestilações e a experimentar botânicos diferentes”. “Muitas vezes saíamos do trabalho, íamos jantar os dois e depois íamos para o laboratório até às 24h, 1h, às vezes até às 2h ou aos fins-de-semana”, lembra Miguel. Foram largos meses de experiências até chegarem à receita do Cobalto 17, o primeiro e, até ao momento, único gin produzido na região. Miguel Torga, poeta maior do Douro, precisou a cor do rio num único azul, cobalto — e assim nasceu o nome da bebida. Dos socalcos da região vêm as uvas da casta Tinta Amarela, muito utilizada na produção de vinho do Porto. “Dos testes que fizemos, era a que se adaptava melhor, apesar de ser a mais difícil de trabalhar, tanto na vinha como aqui”, descreve Edgar. E ainda as pêras, a hortelã-pimenta e a lúcia-lima, às quais se junta o cardamomo e o zimbro. Um conjunto de ingredientes que torna o gin “muito aromático e muito suave e subtil de boca”, defende Edgar. “É isso que faz a diferença, além do rótulo e da garrafa”, que uma vez mais ganham inspiração na região. Não será, no entanto, uma heresia produzir gin na região vinícola demarcada mais antiga do mundo? “Acho que o fazemos por isso mesmo, para quebrar um bocado a linha”, defende Edgar. “É aí que está o engraçado — fazer aquilo que ninguém faz”, completa Miguel. Até porque, para os dois durienses de gema, o nascimento da empresa não podia ser noutro lugar. “Somos de cá, sentimo-nos bem cá e queremos sempre fazer alguma coisa pelo que é nosso”, enumera Edgar. Quase 95% da produção ruma, no entanto, ao estrangeiro. Este ano, vão ser quase 40 mil garrafas, a maioria com carimbo de saída para países como Angola, Inglaterra, Itália, Austrália, Noruega, Alemanha, Canadá, Colômbia, China, Polónia, Argentina. Cobalto - 17 DouroZona Industrial das Aveleiras - Barcos - TabuaçoTel. : 254 090 473Email: geral@cobaltodouro. ptFacebook: Cobalto 17Maria da Graça tinha um sonho antigo: cozinhar para outros os pratos da sua infância, dando a conhecer os sabores tradicionais da gastronomia regional, que hoje raramente se encontram nos restaurantes. A meada de cabrito, os milhos com bacalhau, o ensopado de javali, o cabrito enformado, o arroz de míscaros, o bolo borrachão. Pratos “que os nossos antepassados nos deixaram, que são riquezas tão grandes e aos quais hoje ninguém dá valor”, defende. Em 2009, dois dos quatro filhos juntaram mãos ao sonho e um ano depois nascia o Toca da Raposa, em Ervedosa do Douro. O projecto era audacioso: abrir um restaurante fora do principal eixo turístico no Douro (entre Peso da Régua e Pinhão), onde os pratos fossem todos confeccionados na hora, as sobremesas feitas no restaurante, com especial cuidado no empratamento, em que se privilegiasse o vinho a copo e a batata frita só entrasse no menu para as crianças. Uma aposta que, seis anos depois, parece ganha, embora nenhum queira ficar à sombra do sucesso. “Qualquer negócio tem de reinventar-se a si próprio. Só dessa forma é que, nos dias de hoje, se consegue perpetuar no tempo”, defende Fernando, responsável por desenvolver o conceito, a composição inicial de cada ementa e a carta de vinhos. Recuperar novos pratos e ter cada vez mais uma ementa marcada por ciclos gastronómicos, com produtos locais biológicos e de época, são alguns dos objectivos para o próximo ano. E manter intacto o único “grande segredo”: pôr um “amor incondicional em cada prato que se faz”. Filha de lavradores e toda a vida comerciante, Maria da Graça sempre gostou de cozinhar (“já nasce um bocadinho connosco”, acredita). Aprendeu a arte ao longo dos anos, a observar os que a rodeavam entre tachos e panelas. “Ninguém me ensinou, eram os meus olhos que viam cozinhar, por isso estava atenta a tudo o que se fazia à minha volta. ” Depois, como costuma dizer, “usa e serás mestre”. Nada, no entanto, lhe dava mais prazer que cozinhar para os filhos quando estavam a estudar fora. “Ficava muito feliz porque eles chegavam a casa na sexta-feira e quando partiam na segunda já iam mais rosados”, recorda. A mesa alarga-se agora a muitos clientes, portugueses e estrangeiros, mas o objectivo é que o restaurante se mantenha na família e que um dia um dos filhos ou dos netos possa manter o legado. “É extremamente importante continuarmos a passar a tradição para as gerações mais novas”, defende Fernando, que dá igualmente os primeiros passos no ramo da cozinha, com a Companhia da Nata. O projecto procura harmonizar dois produtos bem portugueses: o pastel de nata e o vinho do Porto. Quer o prato a acompanhar o copo, quer tudo junto num pastel de nata de vinho fino. O food truck, com doces a sair do forno, deve andar agora pelo Porto. “Improvisou-se um laboratório, tinha imensas garrafas e matéria-prima e aqui se fez um lote de vinho”Já na Toca da Raposa, cabe a Maria do Rosário fazer com que cada cliente se sinta em casa e “leve mais além aquilo que é o Douro Património da Humanidade”. Não apenas as paisagens vinhateiras, os socalcos, os monumentos ou os vinhos, mas também a gastronomia, tradicionalmente “muito rica e saudável” para vencer o clima severo do Douro e dar energia ao trabalho árduo nos campos. “Acontece-nos imensas vezes os clientes dizerem que já não sentiam aqueles sabores desde a infância. Isso é extremamente satisfatório e o nosso trabalho também é esse: fazer as pessoas reviverem experiências passadas”, refere Fernando. Pela pequena sala do restaurante já passaram vários pedidos de casamento — “escolhem sempre aquela mesa”, aponta Rosário — e são muitos os enólogos da região que ali vão regularmente. Uma noite, um deles criou mesmo um lote de vinho para um amigo em pleno restaurante. “Improvisou-se um laboratório, tinha imensas garrafas e matéria-prima e aqui se fez um lote de vinho. Hão-de ter sido limadas as arestas noutro sítio, mas foi aqui que ele nasceu”, recorda Rosário. E não duvida: “Também são estas humanidades do dia-a-dia que fazem do Douro Património Mundial”. Toca da RaposaRua da Praça - Ervedosa Do DouroTel. : 254 423 466Email: geral@tocadaraposa. com. ptFacebook: Toca da Raposa“Nasci a sete quilómetros daqui, em Covas do Douro, e há 20 anos que sou o agrónomo responsável pela Quinta das Carvalhas, da Real Companhia Velha. Foi o meu primeiro emprego. ” A descrição biográfica, feita em jeito de introdução mal iniciamos um passeio rápido pela quinta, impõe-se como uma evidência: o Douro está tão entranhado no ADN de Álvaro Martinho Lopes quanto as raízes das vinhas no solo xistoso. As mesmas que agora nos mostra, empoleirado junto a uma fraga rochosa, não sem antes nomear cada uma das plantas que ali se avistam. É difícil ficar indiferente à forma apaixonada como fala da região, das vinhas, de cada casta e, sobretudo, da natureza, diversa e exuberante. “As uvas do Douro não são boas, são deliciosas”, repetirá várias vezes. E uma das razões está naquele solo pobre, que obriga as plantas a concentrar energia e a exceder-se para garantir a sua preservação. A produção pode ser baixa, mas a qualidade dos produtos sobe acima da média. Para os humanos, o clima do Douro são “nove meses de Inverno e três meses de inferno”; para as plantas é um “paraíso”, defende. Filho de caseiros, entre sete irmãos, Álvaro tinha 13 anos quando visitou uma cidade pela primeira vez. Não um grande centro urbano, mas Peso da Régua, a pouco mais de 30 quilómetros de distância de Covas do Douro. “Foi a primeira vez que andei de elevador. Levei o dia inteiro a subir e a descer”, recorda. Dos tempos de miúdo, em que fazia parte das obrigações familiares ajudar nas lides agrícolas, nasceu a paixão pela natureza. Fez o curso técnico-profissional de agricultura e mais tarde a licenciatura em Engenharia Agrónoma. Desde 2008 que produz dois vinhos, o Maquia e o Mafarrico, em parceria com Dirk Niepoort, numa pequena parcela de vinhas velhas na Cumieira. Um projecto de realização pessoal, que combina com o trabalho na Quinta das Carvalhas. Em 1997, o destino profissional uniu-o à quinta mais emblemática da Real Companhia Velha e por mais convites que lhe façam não se adivinha um divórcio. “Devo tudo a esta empresa. É um projecto com que me identifico. ” Álvaro gosta de “olhar a vinha como se fosse um jardim” e há 15 anos que dá forma ao conceito na propriedade, com mais de 250 anos de história. Chama-lhe “quinta de imagem” e a ideia passa por aprimorar todos os espaços que compõem os 400 hectares da propriedade. Não só a colocação do asfalto que percorre o itinerário principal da quinta, a criação de canteiros, arbustos de flores e quedas de água, mas também a recuperação dos muros de xisto, das oliveiras e amendoeiras, a conversão para uma viticultura sustentável e a manutenção da mata mediterrânica (que ocupa 30% da propriedade). Todo esse trabalho, acredita, ajuda a tornar a quinta (e o Douro) num “produto de elite”, com consequências positivas no enoturismo e na forma como os turistas vêem a região. Álvaro mantém-se responsável por uma das visitas guiadas à quinta e, por vezes, ainda termina o passeio de guitarra e harmónica, entoando canções sobre o Douro. Na banda 4Wine, alarga o reportório a “temas e autores que fizeram história nos anos 1980 e 90”, animando jantares vínicos e outros eventos ligados ao vinho e à gastronomia da região. “Não sei música, faço tudo de ouvido, é o vício que tenho”, conta. Sem tempo para um concerto ao vivo, ficamo-nos por uma das canções que Álvaro compôs – o som do telemóvel a embalar a paisagem à janela. “O cheiro da Primavera destas vinhas e olivais / A força da natureza não se esquecerá jamais / Em Setembro tem o mosto, em Janeiro tem o frio / Muita história já se fez nas encostas deste rio / É nesta vinha onde eu vivo / E o vinho que ela fez / E agora não volto atrás / Estou feliz mais uma vez”, Quinta das Carvalhas - Real Companhia VelhaPinhãoTel. : 254 738 050 / 925 141 948E-mail: turismorealcompanhiavelha@gmail. comrealcompanhiavelha. ptQuem olha agora em redor daquela pequena praceta no lugar de Arroios, em Vila Real, dificilmente acredita que há dez anos quase todos os edifícios estavam em ruínas. “Quando vim para cá morar só havia uma casa em bom estado”, recorda Celeste Pereira. Apesar do cenário desolador, foi “amor à primeira vista”. A antiga jornalista, natural de Vila Nova de Famalicão, estava à procura de um lugar na zona de Vila Real, onde vivia há 14 anos, com “horizontes largos” o suficiente para acomodar toda a família, entretanto alargada a quatro filhos. Encontrou “o paraíso” em Arroios. “A primeira vez que aqui vim, fiquei encantada”, lembra-se. Mas o estado de degradação da capela de Nossa Senhora das Dores, de fachada imponente sobre o largo, inquietava-a. “Uma pessoa vê este património abandonado e quer contribuir. ” Iniciou um movimento cívico para tentar recuperar o edifício barroco do século XVIII e estava quase a desistir quando, há três anos, a então presidente da junta de freguesia, de saída após 28 anos no cargo, decidiu que aquele seria o seu último legado. Hoje, a praceta — que entretanto recebeu o nome da governante — é uma “pequenina pérola por descobrir”, defende Celeste. Este ano, como forma de divulgar aquele espaço, foi lançado o Projecto Capella e, durante sete meses, diferentes momentos artísticos foram subindo ao púlpito do edifício no terceiro sábado de cada mês, com um mercado de produtos da região a ocupar a praceta. Um dos objectivos da iniciativa passava por promover o desenvolvimento local através da cultura e, além de ter trazido ali muita gente das redondezas pela primeira vez, teve, para já, outra consequência directa: o padre da freguesia vai começar a rezar missa na capela uma vez por semana — e não apenas uma vez por ano, na festa da família, em Setembro —, devolvendo o pequeno santuário ao quotidiano da comunidade. O Projecto Capella foi uma iniciativa desenvolvida pela alltodouro, a vertente de animação turística e cultural da Greengrape, empresa fundada por Celeste em 2009 na área de consultoria de comunicação e de assessoria de imprensa. Depois de arcar com a totalidade dos custos destas primeiras sete edições, o projecto só regressará no próximo ano se conseguirem captar investimento e apoios de associações e privados. Mas a iniciativa marcou igualmente uma nova fase da alltodouro, agora transformada essencialmente num portal de reserva de novas experiências no Douro. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. “Nasceu como um projecto de agregação, em que o objectivo era trabalhar a união inter-sectorial no Douro, associando diversas empresas na área dos vinhos, do turismo, da cultura e da gastronomia em volta de uma marca única, para criar dimensão e massa crítica suficiente para conseguir viabilizar a exportação. ” Mas aquilo que encontrou foi ainda muito individualismo. “O Douro necessita de trabalhar mais o colectivo e de conseguir fazer com que os diferentes players se unam em torno da definição de uma estratégia a longo prazo para a região”, defende. Para Celeste, o Douro “está cada vez mais aberto, pujante e afirmado do ponto de vista turístico, não só em território nacional como no estrangeiro”. Mas ainda falta percorrer parte do caminho que os vinhos ali produzidos já lavraram: mostrar-se mais ao mundo e trazer mais mundo à região. E isso, acredita, só será possível com uma estratégia de dinâmica colectiva a médio-longo prazo, concertada entre instituições e empresas locais. GreengrapeRua Fundo do Povo, nº 6 - Arroios (Sede)Praça Luís de Camões, nº 30 1º andar - Vila Real (Escritórios)Tel. : 939 312 449 / 936 825 649www. greengrape. pt
REFERÊNCIAS:
A Majora está a renascer e junta no tabuleiro biólogos, músicos e aventureiros
A mítica marca de brinquedos regressa este ano com novos jogos. Os tempos da antiga fábrica do Porto ficaram para trás, mas não os 77 anos de história da Majora. Há novos parceiros, regressam os clássicos de tabuleiro e já se pensa na expansão para Espanha. (...)

A Majora está a renascer e junta no tabuleiro biólogos, músicos e aventureiros
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 | Sentimento 0.0
DATA: 2016-12-31 | Jornal Público
SUMÁRIO: A mítica marca de brinquedos regressa este ano com novos jogos. Os tempos da antiga fábrica do Porto ficaram para trás, mas não os 77 anos de história da Majora. Há novos parceiros, regressam os clássicos de tabuleiro e já se pensa na expansão para Espanha.
TEXTO: Aos oito, nove anos, Élio subia ao sótão do prédio, junto ao elevador, para brincar com os vizinhos pequenos. Foram muitas as brincadeiras na Marinha Grande e muitas a jogar ao Sabichão. Gostava de testar os conhecimentos com o mítico jogo de tabuleiro da Majora, famoso pelo boneco mágico que “tudo sabe e a tudo responde com exactidão”. Os miúdos giravam o boneco à volta de dois círculos – um de perguntas e outro de respostas – e no momento de verificar se tinham acertado, o sabichão, através da mecânica do brinquedo, rodava em torno das respostas e, com um ponteiro na mão, indicava a certa. Era um desafio. Mas o que mais divertia Élio era “enganar” o Sabichão. “Arranjava uma forma de o boneco apontar para uma resposta errada e dizia: ‘Ah, afinal não sabes tudo!’”. Estava longe de imaginar que, anos mais tarde, seria ele próprio o autor de muitas das perguntas do novo Sabichão, um dos clássicos que a Majora se prepara para relançar no próximo Natal. Aos 77 anos, a empresa de brinquedos fundada no Porto por Mário José António de Oliveira está em plena reinvenção. Depois das dificuldades financeiras que ditaram o encerramento da fábrica e o fim da actividade em 2013, o fundo de investimento Edge Ventures (holding da empresa The Edge Group, do investidor José Luís Pinto Basto) comprou as marcas e o espólio ao Montepio (credor da Majora) em 2014 e relançou o projecto. Um investimento de 600 mil euros na compra dos activos e um milhão de euros na estratégia de relançamento, com o objectivo de facturar um milhão de euros ao fim do primeiro ano de regresso ao mercado. Este é o ano do relançamento de uma empresa que acompanhou gerações: a Majora nasceu em ditadura, afirmou-se nos anos 1950, atravessou todo o Estado Novo (e o espólio ilustra bem como os jogos reflectiam e inculcavam os princípios sociais e culturais do regime), chegou ao 25 de Abril, passou pelo processo de consolidação da democracia portuguesa, pela integração da economia no mercado único, pelo alargamento da concorrência global até ao encerramento da fábrica em Março de 2013. Ainda que nunca tenha saído das prateleiras porque o stock de jogos ainda existe, regressa agora. A actividade deixou de estar no Porto. A nova sede é nos escritórios do The Edge Group, num centro de negócios de Lisboa ao lado de outras empresas. No open space do grupo, repousam alguns caixotes de papelão repletos de jogos antigos, muitos deles com peças misturadas de vários brinquedos. São uma inspiração para a renovada Majora. E se os tempos da fábrica fundada no Porto em 1939 ficaram para trás, não foi esquecida a história da empresa que editou o Mikado, o Jogo da Glória, a Roda da Sorte, a Fisga Lança-Ventosas ou O Martelo Lança Discos. Pelo contrário. Este ano, a Majora vai lançar 33 jogos – 22 são novos e 11 são reedições de clássicos que ao longo das décadas reuniram à mesa pais, filhos, avós, netos, primos, amigos, tios, sobrinhos… E estão de regresso alguns dos jogos emblemáticos – o Sabichão, o Jogo da Glória, As Sílabas, o Loto, as Damas, o Ludo, o Desafio, as Cartas de Jogar, os Números, as Letras e as Profissões. Élio Vicente, 44 anos, é hoje biólogo marinho no Zoomarine de Albufeira e não pestanejou quando lhe falaram em criar perguntas sobre animais e ciências biológicas para o Sabichão. Foi como um regresso ao sótão do prédio. Quem o foi desafiar foi José Matos, bastonário da Ordem dos Biólogos, uma das instituições que está a colaborar com a empresa. Com tantas perguntas para fazer, a CEO da nova Majora, Catarina Jervell, foi à procura de instituições e empresas de diferentes áreas para elaborar perguntas e fazer a respectiva revisão científica. E aos biólogos juntaram-se músicos, astrónomos, desportistas e outros aventureiros…1939 A Majora nasceu no Porto em 1939. A fábrica encerrou em 2013 e, no ano seguinte, as marcas o espólio foram vendidos pelo credor (o Montepio) ao fundo de investimento Edge Ventures. Nesta nova fase da empresa, a palavra de ordem foi passar a trabalhar em rede. Não só na concepção dos jogos, mas também no processo de fabrico. A Majora já não tem uma fábrica própria. A produção dos jogos está em Lisboa, e a impressão é feita através de fornecedores. Os jogos a lançar no Natal são produzidos em gráficas em Portugal, Reino Unido e Polónia, ficando a distribuição das encomendas centralizada num armazém em Torres Vedras. Catarina Jervell quis começar o relançamento pelos jogos de tabuleiro, a imagem de marca da Majora. O conhecido logótipo em triângulo, combinando o amarelo, o vermelho e o azul, mantém-se, mas há uma nova composição das peças do tangram dentro desse triângulo, agora com duas figuras a brincar. A reedição dos jogos tradicionais não terá uma linha vintage, mas um novo desenho gráfico que, acredita a CEO, vai trazer de volta muitas memórias. O novo Sabichão é o exemplo desta construção em rede. Para o jogo também foi pensado um novo desenho gráfico, “mais apelativo para as crianças dos dias de hoje”, diz Jervell. A imagem está guardada a sete-chaves até o jogo chegar às prateleiras. Mas já se sabe que desta vez o boneco não vem sozinho, traz consigo “uma turma de amigos”, ligados às temáticas do jogo: ciências, animais, música, desporto, história, geografia, astros e exploração espacial. Nas perguntas e respostas do Sabichão colaboraram instituições como o Planetário Calouste Gulbenkian, a Ordem dos Biólogos, a Outside (empresa de promoção de actividades desportivas ao ar livre), o projecto educativo Foco Musical e a Nutri Ventures (empresa que promove a alimentação saudável através do entretenimento infantil e da qual o The Edge Group é accionista). “Nenhuma empresa é uma ilha e por isso fomos procurar parceiros”, frisa Catarina Jervell, enquanto alguns dos novos criativos partilham com o PÚBLICO a experiência de fazer jogos de tabuleiro. Élio Vicente e José Matos, da Ordem dos Biólogos, José Bóia, CEO da Outside, e Cláudia Rodrigues, directora de vendas da Nutri Ventures, elaboraram perguntas para o Sabichão. Quando o bastonário da Ordem dos Biólogos começou a pensar no desafio para crianças e jovens, procurou que elas não fossem uma repetição do que aprendem na escola, mas um complemento. E também ele foi buscar a sua experiência de jogador para elaborar as perguntas. “Como tinha muito boa memória do tipo de questões de que não gostava (as muito maçudas, como ‘Quantos ossos tem o corpo humano?’), procurámos perguntas que agucem a curiosidade”, explica. 33 A Majora vai lançar 33 jogos este ano: 11 reedições de clássicos e 22 novos jogosO Sabichão exigiu dos autores um enorme poder de síntese, porque as perguntas e as respostas têm de caber dentro de uma pequena bola. E muitas tiveram de ser eliminadas porque o texto, para estar devidamente enquadrado, não podia ser tão curto. José Matos recorda uma pergunta que ficou de fora por causa do número limitado de caracteres: “Por que é que, por mais que lavemos os dentes à noite, acordamos todos os dias com mau hálito? É este tipo de perguntas que leva os jovens a gostar da biologia, que lhes dá a resposta”. José Bóia, professor de educação física e CEO da Outside, vê “potencial na linha de actividades ao ar livre”. A Majora já produziu raquetes de pingue-pongue, tacos de hóquei, badminton e jogos de tabuleiro sobre desportos, e quer voltar a apostar em jogos que desenvolvam a motricidade das crianças. À Majora, a Nutri Ventures trouxe mais um desafio: desenvolver ideias “que nos convidem a combater o sedentarismo”, pontua Cláudia Rodrigues, directora de vendas da empresa de entretenimento infantil. O novo projecto arrancou em Setembro. O próximo passo será desenvolver a estratégia de internacionalização, a começar com a entrada no mercado espanhol em 2017. Há mercado por explorar: Portugal importa muito mais brinquedos do que vende ao estrangeiro (em 2015 foram exportados brinquedos, jogos e artigos para divertimento no valor de 76 milhões de euros, enquanto as importações chegaram aos 312 milhões de euros). Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Os jogos digitais para crianças vieram para ficar – e a estratégia da Majora também vai passar por aí – mas os jogos de tabuleiro “são importantes para criar um trade-off” e “um ponto de coesão e proximidade familiar”, salienta Catarina Jervell. A Majora está ao mesmo tempo a trabalhar na estratégia digital para o próximo ano, área em que a antiga marca chegou a entrar, quando lançou uma app comemorativa dos 50 anos do Sabichão. “Não será uma aplicação individualizada com um jogo único”, mas “um programa de conteúdos interactivos”, para smartphone e tablets, que Catarina Jervell não quer revelar neste momento. A aplicação está a ser desenvolvida com a garantia de que “as crianças não correm o risco de serem invadidas por conteúdo inadequado para a sua idade”. Para já, regressam os jogos que não precisam de bateria. E agora que as perguntas do Sabichão já estão prontas, Élio Vicente está à espera que chegue o Natal para voltar aos jogos de tabuleiro. Pode ser um regresso ao sótão e certamente vai recordar o que guarda desses tempos: “Estar com as pessoas, partilhar imaginários, promover conversas”.
REFERÊNCIAS:
Partidos LIVRE
Destroços de caça-minas da Grande Guerra revelam que inimigo estava às portas de Lisboa
A 26 de Julho de 1917, o navio Roberto Ivens afundou-se na barra do Tejo depois ?de ter embatido numa mina subaquática alemã. Os seus restos foram identificados no fundo do mar em Fevereiro, agora revelam-se imagens inéditas então obtidas. (...)

Destroços de caça-minas da Grande Guerra revelam que inimigo estava às portas de Lisboa
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 | Sentimento 0.8
DATA: 2016-12-31 | Jornal Público
SUMÁRIO: A 26 de Julho de 1917, o navio Roberto Ivens afundou-se na barra do Tejo depois ?de ter embatido numa mina subaquática alemã. Os seus restos foram identificados no fundo do mar em Fevereiro, agora revelam-se imagens inéditas então obtidas.
TEXTO: Das armas químicas aos tanques, a I Guerra Mundial (1914-1918) foi palco de várias inovações militares. E para cada nova forma de matar, houve uma resposta defensiva. Foi assim que nasceram os caça-minas: navios especializados em detectar e destruir as minas colocadas debaixo de água pelos submarinos. Portugal teve nove destes navios que procuravam minas alemãs nas barras dos portos de Lisboa e de Leixões. Mas a 26 de Julho de 1917, o caça-minas português Roberto Ivens chocou com uma mina na barra do rio Tejo e afundou-se. Quinze homens morreram. Este foi um dos dois navios de guerra portugueses que foram afundados durante o conflito. Em Fevereiro, quase cem anos depois, os destroços do Roberto Ivens foram identificados perto do Bugio, na foz do Tejo, num local diferente daquele onde se pensava que estava. Os investigadores esperam agora que os vestígios permitam obter mais informação sobre esta actividade que a Marinha Portuguesa desempenhava ao largo da costa durante a guerra. Mas a identificação do navio permite já concluir que os submarinos alemães se aproximavam muito mais de Lisboa do que se imaginava. “Quando se pensa na I Guerra Mundial, toda a gente pensa nas trincheiras. Mas foi pelo mar que a guerra veio até Portugal e esta é uma temática que não é muito conhecida. Estes destroços contam-nos mais sobre este tema”, diz ao PÚBLICO o investigador Paulo Costa, do Instituto de História Contemporânea (IHC) da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas (FCSH) da Universidade Nova de Lisboa. O historiador é o responsável científico pela investigação que contou com a Marinha Portuguesa, o Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior e o Instituto Hidrográfico (IH). Nesta quarta-feira, faz 100 anos que a Alemanha declarou guerra a Portugal, dias depois de um destacamento da Armada portuguesa ter subido a bordo dos navios alemães e austríacos que estavam no estuário do Tejo, então território neutro. A acção — que acabou com honras militares e a bandeira portuguesa içada nos navios — deveu-se à Inglaterra, aliada de Portugal, que pediu às autoridades portuguesas que aprisionassem os navios dos seus inimigos. Foi assim que Portugal entrou oficialmente num conflito que matou 8, 5 milhões dos cerca de 65 milhões de homens integrados nas forças militares das várias nações beligerantes, além de ter deixado feridos outros 21, 18 milhões e de ter feito mais de 7, 75 milhões de prisioneiros e desaparecidos em combate, de acordo com a enciclopédia Britannica. As forças militares portuguesas perderam 38 mil dos seus mais de 105 mil homens. Aos que sobreviveram à guerra ou cresceram durante aqueles anos, chamaram-lhes mais tarde “geração perdida”. “Medonha explosão”Por cá, o desastre do navio foi notícia. “O caça-minas Roberto Ivens (. . . ) andava no seu perigosíssimo trabalho de rocegagem [termo técnico para a procura de minas submarinas], quando às 13 horas do dia 26, encontrando-se a 12 milhas ao sul de Cascais, deu-se uma súbita explosão que o fez saltar, partido pelo meio, afundando-se em um minuto”, lê-se numa notícia da edição de 6 de Agosto de 1917 da revista semanal Ilustração Portugueza. “À medonha explosão apenas sobreviveram sete homens (. . . ). As vítimas foram 15. No número d’estas contam-se o comandante do navio sr. Raul Alexandre Cascaes, 1º tenente; Narciso Bento Antonio, 1º sargento; Antonio Simões, sargento ajudante condutor de máquinas, e Jaime Constantino, 1º sargento condutor de máquinas. ”“Este episódio vem trazer alguma luz sobre o que foram as rotinas da Marinha Portuguesa na defesa da costa de Portugal”, diz Paulo Costa. “Sabe-se muito pouco sobre o dia-a-dia das patrulhas da Marinha. ”O uso de minas subaquáticas foi uma prática comum I Guerra Mundial. O engenho era colocado em profundidade para não ser visto e atingir o casco de navios de grande carga. As minas eram de metal e tinham espigões. Lá dentro, estavam os explosivos, que só eram accionados quando algo embatia nos espigões. “Estes espigões continham no interior uma ampola de vidro com ácido que, ao partir-se, deixava escorrer o ácido no seu interior e, através de uma placa de chumbo, activava um detonador eléctrico”, explica o historiador. Por serem ocas, as minas flutuavam. Por isso, os submarinos lançavam-nas presas a um cabo que, por sua vez, estava preso a um peso que caia no leito do mar e mantinha as minas abaixo da superfície. O Roberto Ivens, um navio a vapor com 47, 72 metros de comprimento, tinha um calado de cerca de três metros — a parte do casco que ficava debaixo de água — que bateu na mina. “As minas eram colocadas à entrada dos portos”, explica Paulo Costa. “Alguma bibliografia refere que só entre a Escócia e a Noruega, em 1919, após o fim da guerra, se desminaram cerca de 21. 000 minas. No Sul da Irlanda terão sido colocadas 400 minas só em 1917. O Canal da Mancha era praticamente não-navegável, de tantas minas que tinha. ” Na zona do porto de Lisboa, terão sido colocadas cerca de 100 minas. Quando Portugal entrou na guerra, o problema da desminagem já tinha sido abordado. A prática de rocega mais eficaz era feita com dois navios. Primeiro, prendia-se um cabo a cada um dos dois navios. Depois, os caça-minas navegavam paralelamente a uma certa distância, enquanto o cabo era arrastado dentro de água. Se este cabo transportado pelos navios apanhava o cabo que prendia a mina ao fundo do mar, esta era arrastada e acabava por ir para a superfície. Por fim, disparavam-se tiros contra a mina à superfície, que rebentava e deixava de ser uma ameaça. Depressa se percebeu que os arrastões, os navios que usam redes de pesca, tinham já muito material apropriado para a desminagem. Por isso, as marinhas dos países requisitaram os arrastões às empresas pesqueiras e adaptaram-nos para a rocega. Nos primeiros meses após a guerra começar, o Reino Unido já tinha 300 arrastões a fazer desminagem, no final da guerra eram mais de 1000. Portugal teve apenas nove. “O Reino Unido foi um dos países que nos forneceram equipamento para rocega de minas e junto de quem os oficiais portugueses tiveram instrução”, refere Paulo Costa, que consultou documentos nos Arquivos Nacionais britânicos, além de analisar os diários de bordo dos caça-minas que estão no Arquivo Central da Marinha Portuguesa e os diários de guerra dos submarinos alemães. Antes de ser requisitado pela Marinha, a 19 de Abril de 1916, o Roberto Ivens (nome do famoso açoriano oficial da Marinha que se tornou explorador em África) chamava-se Lordelo e pertencia à Sociedade de Pescarias a Vapor, Lda. Naquele fatídico dia de Julho de 1917, o caça-minas fazia a rocega com o rebocador Bérrio. Quando a mina explodiu, foi o rebocador que retirou do mar os sete sobreviventes. Um “luto que persiste”“A mina rebentou debaixo do navio e a popa despedaçou-se”, diz Paulo Costa. “Passados 100 anos, não temos o navio, temos destroços. ”O historiador já mergulhou até aos destroços que estão a 36 metros de profundidade: “Quase tudo já colapsou. Apesar disso, subsiste uma secção reconhecível da proa até à caldeira, que é o elemento mais destacado. Existe ainda uma série de escotilhas do convés perfeitamente identificáveis, sustentadas numa estrutura de cavernas e vaus (vigas que sustentam o casco). A madeira do convés já desapareceu. Vê-se também um grande guincho. ” As imagens divulgadas — e até agora inéditas — permitem identificar a proa do navio e a caldeira de metal resistente. Há mais de dez anos que os mergulhadores suspeitavam de que aquele destroço correspondia ao Roberto Ivens. Mas nas cartas náuticas o destroço do caça-minas estava assinalado noutra posição. “Pensava-se que o afundamento tinha ocorrido a 12 milhas náuticas [22 quilómetros] a sul de Cascais. Na realidade, o destroço encontra-se a sete milhas náuticas [13 quilómetros] a nordeste desse ponto [em direcção a Lisboa]”, explica Paulo Costa. Assim, a posição real do caça-minas é a menos de dez quilómetros do Bugio. A partir de 2014, com o centenário da entrada de Portugal na I Guerra Mundial a aproximar-se, a investigação acelerou, conta o historiador. A identificação dos destroços foi possível graças a observações dos mergulhadores, que permitiram comparar a estrutura do navio com a respectiva planta de construção. E ainda graças a imagens obtidas do fundo do mar por um sonar de varrimento lateral, a bordo do navio Andrómeda, do IH, e por um sondador multifeixe, a bordo da lancha Atlanta, também do IH. Estas imagens permitiram ter uma perspectiva global dos destroços. A identificação tem consequências para a história da Marinha durante a I Guerra Mundial. “Estamos a aperceber-nos de quais eram as rotinas de rocega de minas na barra do rio Tejo”, aponta Paulo Costa, acrescentando que essas rotinas não estão documentadas nem estudadas. Segundo o historiador, os diários de bordo dos caça-minas têm informação incompleta e pouco clara sobre os percursos destes navios. E não se sabe como se tomavam as decisões sobre o dia-a-dia dos navios: “Que percursos tinham de percorrer? Porquê? Quem decidia onde iam?”Por outro lado, os destroços dão indicações sobre o trajecto do submarino alemão UC54 que colocou ali a mina. “A localização do destroço revela que os alemães estiveram muito mais próximo da entrada do porto de Lisboa do que se julgava”, sublinha. “Houve uma actividade intensa de submarinos alemães na nossa costa, principalmente contra a nossa marinha mercante. Várias embarcações de pesca foram afundadas por submarinos alemães. ”Não há qualquer intenção de retirar os destroços do fundo do mar. O que se pretende agora é fazer medições das estruturas mais importantes do navio, medir a profundidade a que se encontram essas estruturas e avaliar a posição relativa de objectos que venham a descobrir-se. Os destroços não estão enterrados e, à partida, não há necessidade de fazer uma escavação, salienta o historiador. Com esta informação, os cientistas vão tentar descortinar que equipamentos se usavam na rocega. “Ainda estamos a estudar o que é que Portugal realmente possuía. Estes são os pormenores que a micro-história dá importância”, diz Paulo Costa. “Isto ajuda-nos a ter uma imagem mais completa das condições que Portugal tinha, ou não tinha, na I Guerra Mundial. ”Paulo Costa não está à espera de encontrar os restos mortais dos marinheiros: “O destroço é uma estrutura ‘aberta’, varrida por fortes correntes marinhas. Não é expectável que qualquer tipo de matéria orgânica se mantenha nestas condições durante 99 anos. ” No entanto, a antropóloga Francisca Alves Cardoso, do Centro em Rede de Investigação em Antropologia da FCSH, está a postos para o caso de se localizarem restos mortais. “A serem encontrados restos esqueletizados, o objectivo mais imediato seria identifica-los, montando um puzzle humano ósseo. Após a reconstrução, seria feita a análise dos ossos com o objectivo de chegar a uma identificação do indivíduo”, explica ao PÚBLICO a investigadora, especialista em osteologia humana. “No que toca ao espólio ser exposto e recuperado, serão seguidas as normas aplicáveis ao património arqueológico, salvaguardando o diálogo com a Marinha e com os familiares dos marinheiros que desapareceram — algo que considero necessário. Afinal, é um luto que persiste”, diz Francisca Alves Cardoso, referindo que o enterramento posterior das ossadas “seria uma opção digna”. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Na notícia de 1917 da revista Ilustração Portugueza sobressai o choque da “catástrofe”: “Não se esquecerá tão cedo a perda de tantas vidas pelos processos mais traiçoeiros e infames da guerra moderna. ” Mas Paulo Costa explica que, “a longo prazo, a memória da guerra no mar acabou por ser ocupada pelo [afundamento do] Augusto Castilho”. A 14 de Outubro de 1918, este navio foi afundado por um submarino alemão depois de sair do porto do Funchal, na Madeira, para se dirigir a Ponta Delgada, em São Miguel, nos Açores. O Augusto Castilho escoltava o navio de transporte de passageiros San Miguel, salvando-o de ser destruído do ataque do submarino, o que deu contornos heróicos ao seu destino. Mas agora a identificação dos destroços do Roberto Ivens é uma oportunidade para voltar a este acontecimento. “Faz parte da nossa história colectiva. Agora que se comemora a entrada de Portugal na I Guerra Mundial é mais do que oportuno lembrarmos este episódio”, sustenta Paulo Costa. A equipa já entrou em contacto com descendentes de familiares de alguns dos marinheiros mortos na explosão. “Já partilharam connosco uma série de documentos. ”Para o ano, os destroços do caça-minas passam a estar protegidos pela convenção de 2001 da UNESCO para o Património Cultural Subaquático, que determina a protecção do património marítimo com mais de 100 anos. Portugal é um dos signatários da convenção. “São locais com uma carga histórica muito forte”, diz Paulo Costa, recordando a sua visita ao caça-minas. “Apesar de estar muito deteriorado, é inevitável pensar na sequência de acontecimentos que originaram o afundamento e, por breves momentos, viajar no tempo. ”
REFERÊNCIAS:
Entidades UNESCO
Descer ao ventre da Terra e perceber se tudo o que brilha é ouro
Alice teve um coelho apressado que a atraiu até um buraco e lhe revelou o país das maravilhas. Nós temos um Roteiro de Minas, que nos indica vários pontos de interesse geológico e através do qual podemos ver o mundo a crescer e a encolher a velocidades estonteantes. Não é só uma questão de paisagens (...)

Descer ao ventre da Terra e perceber se tudo o que brilha é ouro
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 | Sentimento 0.0
DATA: 2016-12-31 | Jornal Público
SUMÁRIO: Alice teve um coelho apressado que a atraiu até um buraco e lhe revelou o país das maravilhas. Nós temos um Roteiro de Minas, que nos indica vários pontos de interesse geológico e através do qual podemos ver o mundo a crescer e a encolher a velocidades estonteantes. Não é só uma questão de paisagens
TEXTO: Há qualquer coisa de magnético quando se fala de minas e de mineiros. Quem nunca se impressionou com histórias de valentia e de sobrevivência, de corridas ao ouro, de acidentes trágicos e de resgates épicos que atire a primeira pedra. Eu cá sou das que dá o braço a torcer — em vez de atirar pedras, confesso os meus telhados de vidro. Aquela frase atirada para a superfície pelo grupo de mineiros que ficou soterrado a 700 metros de profundidade nas Minas de São José, no deserto de Atacama, no Chile, continua a ser um dos maiores símbolos de sobrevivência e resistência. A história está contada em livros, ficou registada em filme e até deu lugar a conferências para líderes empresariais — um dos sobreviventes contava na primeira pessoa como é que se cria uma equipa coesa, a lutar para um objectivo. Neste caso, um objectivo supremo: a própria sobrevivência, com escassez de comida, de água, de oxigénio. Pois a mim o que impressionou foram as reportagens que captaram a reacção das famílias, que acamparam à entrada da mina, dia e noite, à espera da subida dos seus: lágrimas e júbilo, mesmo quando sabiam que havia tantos desafios por vencer. Eles estão bem. No refúgio. E vão sobreviver. Esta história é de 2010, e lembro-me de a ver quase em directo na televisão. Talvez este relato me tenha emocionado mais por causa de uma viagem que tinha feito à Bolívia, uns meses antes. Não resisti ao desafio de ir experienciar um pouco da vida dos mineiros de Potosi, uma das cidades mais altas dos Andes, acima dos 4000 metros. Há quem vá visitar géiseres e paisagens de outro mundo. E há quem desça às entranhas da Terra. E há quem não resista a fazer as duas, como eu. O monte de Cerro Rico (o nome diz quase tudo) foi esventrado em centenas de quilómetros, desenhando as galerias de onde saiu quase toda a prata que enriqueceu o império espanhol, no tempo em que o mundo estava dividido em dois pelo Tratado de Tordesilhas. Mais de 600 anos depois, as minas de Cerro Rico continuavam a ser garimpadas por mineiros a quem a melhor prenda que poderíamos levar era umas folhas de coca para mascar (uma tradição local para combater os males da altitude) ou umas barras de dinamite. Sim, à entrada da mina o dinamite é de venda livre. E esta foi a experiência mais bizarra a que já me sujeitei: comprar dinamite para oferecer a um mineiro que pagava do seu bolso o material para trabalhar, na expectativa que as horas de trabalho árduo no calor dos infernos lhe permitisse descobrir prata para ficar suficientemente rico. E, afinal, talvez nem lhe chegue para pagar as despesas. Agora que já contei os meus telhados de vidro, e confessei o meu espanto e admiração por quem se aventura pelas entranhas da Terra para dela retirar os minerais de que todos precisamos, talvez se perceba melhor por que é que o tema é magnético para mim. Se pensarmos bem, e resistirmos à tentação de dar tudo por adquirido sem sequer ponderar de onde vêm os materiais que são usados em praticamente tudo o que consumimos, não há tema nenhum que não nos leve a conversas sobre minas e pontos de interesse geológico. O tema deveria ser magnético para todos. Nem é só uma questão de paisagens e de pedras: nós nem damos por ela, mas as pedras falam muito alto, algumas gritam até. Não é só uma conversa de tabela periódica e das aulas de Física e Química. Nem é só uma questão de paisagens e de pedras: nós nem damos por ela, mas as pedras falam muito alto, algumas gritam até — se quisermos pensar que são gritos cada camada de rocha que hoje nos oferecem algumas das mais impressionantes paisagens naturais como as que existem nos Geoparques Macedo de Cavaleiros, Arouca ou Naturtejo da Meseta Meridional. Pode-se conhecer pouco, ou quase nada, do que é, e do que foi, a actividade mineira. E não se pode, ou não se deve, dizer que Portugal é um país de mineiros — até porque não devemos virar as costas ao mar, o lugar onde sempre colocamos os nossos heróis. Mas podemos olhar melhor para o património que temos em frente aos olhos e debaixo dos pés. E atrevermo-nos a explorar o interior da Terra e ceder ao fascínio que conseguir ler as histórias com milhões de anos que nos contam as páginas dos monumentos geológicos, verdadeiros compêndios de ciência. Em Portugal os turistas não serão nunca convidados a vivenciar experiências como a que vivi na Bolívia — e ainda bem. Porque a legislação portuguesa e europeia não permitiria nunca que uma mina como a de Cerro Rico continuasse a ser explorada nos limites de salubridade e segurança. Aliás, essa legislações impõe agora a quem se propõe avançar com alguma actividade extractiva que apresente, em conjunto com o plano de mineração, um plano de recuperação de toda a área que foi explorada. E as laborações das fábricas já não podem ser adivinhadas pelo fumo da chaminé: é verdade, não há fumo. Nem branco, quanto mais negro. Há em Portugal muitos pontos de interesse mineiro e geológico. E há quem já tenha pensado nisso e feito, por nós, o trabalho de casa: o Roteiro das Minas e Pontes de Interesse Mineiro e Geológico de Portugal é uma iniciativa da Empresa de Desenvolvimento Mineiro - EDM e da Direcção-Geral de Energia e Geologia - DGEG, que reuniu esforços com três dezenas de parceiros para oferecer outras tantas propostas de carácter lúdico, cultural, pedagógico, científico e até terapêutico. Numa página na Internet, onde se recolhe a informação básica de cada um desses pontos no roteiro, é possível construir itinerários e rotas pessoais, e fornecer toda a informação “logística” de apoio ao visitante. Foi esse desafio que a Fugas aceitou e aqui traz nas próximas páginas. De Norte a Sul do país, o Roteiro de Minas traz-nos muitas e variadas propostas. Esta foi a nossa selecção, numa tentativa de conseguir alguma abrangência geográfica e diversidade em termos das experiências que o roteiro permite. Vamos falar de muitos metais e de muitas pedras, de locais que nos encantam à vista desarmada (como a contemplar a escarpa da pedreira abandonada de quartzo que está à entrada do museu, em Viseu) e que nos espantam, quando despimos medos do escuro e imaginada claustrofobia para nos aventurarmos pelas entranhas da Terra à procura de descobrir se tudo o que brilha é ou não ouro. E confirmar que a natureza é profundamente generosa. São os granitos que dominam Vila Pouca de Aguiar, mas foram os xistos e os calcários negros que abundam num dos extremos da serra da Padrela que permitiram depósitos à superfície de inusitadas quantidades de ouro. A geologia ajudará a explicar isto tudo (e o Centro Interpretativo de Tresminas também) mas o que mais surpreende em todas estas explicações é perceber como uma paisagem monumental pôde ser trabalhada de forma massiva e, depois de 18 séculos de abandono, ter chegado aos dias de hoje muito bem preservada — ao ponto de estar agora a dar os primeiros passos, numa parceria com a vizinha Las Medulas, em Espanha, para se ver inscrita na lista de Património Mundial da Humanidade. Tudo é impressionante em Tresminas. No conjunto das crateras de exploração a céu aberto, as chamadas Cortas (e em Tresminas são três: das Covas, das Lagoinhas e da Ribeirinha), foram removidos cerca de 3, 3 milhões de metros cúbicos, o equivalente a 9, 24 milhões de toneladas de rocha, e retirados 20 mil quilos de ouro — uma quantidade que permitiu cunhar cerca de 2, 5 milhões de moedas. Vila Pouca de Aguiar Visitas por marcação: 259 458 091 Email: geral@tresminas. com www. tresminas. com Preços: 3€/adulto; 2€/criançaPara obter o ouro é necessário desfazer essas rochas (manualmente, com picos, maços e cunhas), até as reduzir a um tamanho tão fino que permita separar o ouro por gravidade (pesa mais do que os restantes materiais). Foram precisos mais de 2000 homens a trabalhar diariamente, durante 250 anos. Os romanos instalaram-se, de facto, na região da Padrela e nela desmontaram montanhas, desenharam um emaranhado de galerias subterrâneas, que serviam para escoar o minério e para passagem de água, e poços, que serviam para ventilação e também para a retirada de materiais. Gregorio Garcia e Marisol Blanco vivem do outro lado da fronteira, em Verín, onde trabalham na vigilância florestal. Ambos conhecem relativamente bem a actividade mineira — sobretudo os perigos para quem anda a combater incêndios. “Em qualquer sítio, no meio da floresta, há uma galeria abandonada. Durante a noite é muito fácil um bombeiro cair num desses buracos. São um perigo, porque quase nada está sinalizado”, protesta Gregorio. Chegaram a Tresminas sem planos nem marcações, mas muita vontade de conhecer. Meteram-se ao caminho no Trilho dos Miradouros, um circuito curto, gratuito, bem sinalizado, de pouco mais de um quilómetro e que permite aceder aos pontos estratégicos para contemplar a imensidão das cortas mineiras de Covas e Ribeirinha. Foi lá que os encontrámos, e foi lá que pediram para nos fazer companhia no trilho seguinte — esse sim, carece de marcação e de guia. No trilho da Corta da Ribeirinha o objectivo é perceber de que forma a exploração do ouro em Tresminas conjugou a actividade a céu aberto com a actividade subterrânea. Depois de descer até ao centro da corta da Ribeirinha este trilho inclui uma visita ao interior da Galeria dos Alargamento, para perceber o complexo esquema de galerias e poços e adivinhar métodos que à época seriam sofisticadíssimos e revolucionários. Espaços oficinais dentro das galerias, canais amplos que permitiam a passagem de carregamentos sobre rodas, de tracção animal, uma espécie de precursor do que viria a ser o caminho-de-ferro, escadas interiores a dar acesso a outras galerias e galerias que dão acesso a outra corta. Patrícia Machado, a arqueóloga da câmara que nos guia a visita, ensina-nos, até, a vislumbrar os vestígios de ouro nas paredes das minas — ensina-nos tudo isso e também a não incomodar os morcegos, espécie protegida e abundante por aquelas bandas. A proposta do serviço de arqueologia da Câmara Municipal de Paredes é visitar o Centro de Interpretação das Minas de Ouro de Castromil e Banjas, instalado desde 2013 numa velha escola primária recuperada em pleno centro da aldeia, e onde há informação abundante em ambiente interactivo. Para além das pedras com dois mil anos que nos mostram como trabalhavam os moinhos (para desfazer o minério), de exemplares de lucernas (qualquer semelhança com a lâmpada do Aladino é pura coincidência) e de muitas explicações sobre como a natureza se organizou para que as rochas metassedimentares e as falhas geológicas permitissem o aparecimento (e a exploração) do ouro, há também uma curiosa maquete que oferece uma visão integrada de todo o espaço. A maquete foi oferecida por uma das últimas empresas que tentou avançar com uma concessão de ouro em Castromil, e que acabou rejeitada por pretender fazer uma exploração a céu aberto, pouco compatível com as apertadas legislações ambientais e com a cada vez maior mobilização das populações locais. Paredes Visitas por marcação: 255 788 973/4 Email: arqueologia@cm-paredes. pt GratuitoSair do centro de interpretação com todas estas explicações e referências torna muito mais fácil perceber a actividade mineira propriamente dita, logo na fase seguinte da visita. Depois de vermos filmes e maquetes já conseguirmos perceber, na hora, o que é uma corta, o espaço de exploração ao ar livre, em que a “montanha” vai sendo “desmontada” à força de água e fogo e deixamos reservada a emoção maior para a hora de entrada numa das galerias subterrâneas que estão disponíveis para visita. Recomenda-se calçado confortável (e impermeável) e que seja levada muita a sério a obrigação de usar um capacete na cabeça, que é oferecido na visita. Isto porque nos vamos sentir uma espécie de Alice no País das Maravilhas. Não só porque a entrada da galeria faz lembrar, e muito, o buraco onde se enfiou o coelho apressado, mas também porque vamos sentir que o mundo vai crescer, e encolher, a velocidades estonteantes. Ora estamos de pé, sem problemas, a olhar para as paredes da galeria e a tentar perceber a diferença dos dois tipos de ouro que existiam na região (em Castromil o ouro aparece em partículas de electrum, quase sempre microscópicas; nas Banjas, o ouro aparece em estado quase puro, e muitas vezes, com pequenas pepitas visíveis a olho nu), ora estamos a forçar-nos a baixar as pernas para o corpo continuar a caber em canais que, subitamente, parece que encolheram. Damos por nós a pensar: alguns destes romanos tinham que ser muito pequeninos. Ou então eram doidos. E razão tinham os gauleses que viviam na aldeia do Asterix. O Parque Paleozóico de Valongo tem quilómetros de trilhos marcados, acessíveis a todos os que gostam de caminhadas e de natureza, sabendo que, no caso, estará a percorrer importantes jazidas de fósseis que têm despertado o interesse dos paleontólogos nacionais e internacionais. E tem também identificadas mais de 350 cavidades a denunciar o grande interesse mineiro que os romanos tiveram na região. Nesta serra os filões de ouro surgem associados ao quartzo, que precisava de ser desmontado da rocha, e depois triturado e processado na “lavaria” que o deixaria no estado mais puro possível. A técnica romana era tão simples quanto eficaz: seguir o filão na rocha, quer este vir à esquerda ou à direita ou obrigue a escavações profundas. Loja interactiva do Turismo de Valongo Visita por marcação: 222 426 490/ 911 042 398 Email: turismo@cm-valongo. pt Preços: estudantes: 1, 55€; público em geral: 2, 05€ semana/2, 55 € fim-de-semanaÉ assim o Fojo das Pombas, a mais famosa de todas essas cavidades: estreito, sinuoso, profundo. Perfeito para quem gosta de aventura ou, até, de um bom desafio de espeleologia — já há autorizações para fazê-lo, mas não será qualquer inexperiente que ali desce de corda amarrada à cintura. Dispensámos as cordas e fizemos a visita normal, numa altura em que também alunos de escolas secundárias dos vizinhos concelhos de Paredes e Penafiel se preparavam para descer depois de nós. A emoção está garantida — e até é preciso avisar que há um sítio apropriado para a melhor selfie (com enquadramento para um precipício claro, mas sempre em segurança). Durante a visita explica-se como os romanos procediam ao desmonte da pedra e escavavam a pedra até aos limites do fisicamente possível, usando a força braçal, a água e o fogo. Maria Encarnação Silva, professora de Ciências Naturais que ali traz os seus alunos do sétimo ano, há muito tempo tem já a certeza do que lhe vão dizer: “Que o Fojo das Pombas é a melhor parte da visita de estudo. ” O Centro de Interpretação Ambiental ali ao lado que nos desculpe, mas é que não nos custa mesmo nada acreditar. Há neste momento em toda a Europa cerca de 30 mil pedreiras e minas activas. Uma das mais antigas que continua em laboração, em Portugal, é a pedreira que a Empresa de Lousas de Valongo (ELV) continua a explorar, desde 1865. A Pedreira da Milhária, assente no chamado “anticlinal de Valongo”, que permitiu o afloramento da ardósia e a sua exploração à superfície, tornou-se na pedreira mais antiga em actividade de que há registo em Portugal, com 15 hectares de área extractiva e reservas para vários anos. Rua de São Domingos Campo/Valongo Visita por marcação: 222 426 490; 911 034 687; 911 034 971 Email: museus. municipais@cm-valongo. pt GratuitoEmpresa das Lousas de Valongo Rua Central de Vinhas, 510; Campo Visita por marcação: 224 157 400 Email: info@valongoslate. comA ELV é proprietária de mais de 100 hectares na faixa lousífera de Valongo — esta empresa tem enormes reservas de matéria-prima, mesmo com uma capacidade de produção que ultrapassa os 200 mil quadrados por ano. E surge como o complemento ideal a uma visita prévia ao Museu da Lousa, situado em Campo, Valongo, concelho de grande tradição mineira, e no qual é possível perceber como seria uma casa de família e conhecer as difíceis condições de trabalho, e de vida, a que se sujeitavam. Apesar de já muitos minérios terem sido extraídos da região, é pela ardósia que o concelho continua a ser conhecido. Toda a ardósia comercializada pela ELV é extraída da mesma pedreira, numa gigantesca mina a céu aberto, de onde são retirados, mecanicamente, gigantescos blocos, de aproximadamente 16 toneladas cada, antes de serem seleccionados e encaminhados para os sectores da transformação. Se antes eram só homens a fazer este trabalho, quase não o conseguimos imaginar. Hoje presenciamos no interior da fábrica que as máquinas tomaram o lugar de quase toda a gente. E o quase é importante, porque há uma tarefa específica que não são as máquinas a desenvolver: a clivagem da pedra (o acto de a separar ou dividir) à conta de um macete e de um pulso. E a lousa, àquelas mãos experimentadas, mais parece manteiga sob uma faca. Não havia quem me convencesse que a fábrica da Secil em Maceira-Liz estaria a funcionar naquele domingo. O aspecto ordenado e limpo no seu exterior, os poucos carros no parque de estacionamento, a ausência de fumo a sair pela chaminé. Mas estava, ainda que não a todo o gás — ou melhor, sem grandes quantidades de pneus, que 50% do consumo energético da fábrica é proveniente de energias alternativas, como a queima de pneus velhos, mas só porque não tem havido encomendas que o justifiquem. O consumo de cimento é, de facto, um bom indicador da crise em que mergulhou o sector da construção. A Empresa de Cimentos de Leiria foi fundada por José de Rocha de Mello, um tecnocrata que foi estudar engenharia para a Suíça e que quando regressou a Portugal fez sociedade com Henrique Sommer, um financeiro de origem alemã. É difícil resistir à tentação de dizer que foi por causa disso (da proverbial pontualidade e eficiência suíça ou do caricaturado rigor alemão) que surgiu no lugar de Maceira-Liz a “fábrica modelo” tal como a concebeu Rocha e Mello. Visita por marcação: 244 779 900, quintas, sábados e domingos, das 14h às 18h Email: maceira@secil. pt GratuitoMais de 70 anos depois, a fábrica continua a funcionar, mesmo a um domingo de manhã, e o bairro operário que a circunda continua cheio de moradores. Um deles é Augusto Pinto Monteiro, que depois de trabalhar 38 anos na fábrica a fazer cimento que era, e é, exportado para os quatro cantos do mundo, nos abre as portas do Museu da Fábrica e nos guia numa visita que tem tanto de Ciências Naturais como de Ciências Sociais. Esta verdadeira “cidade” nasceu ali, por estar no preciso vale em que as formações calcárias da serra da Arrábida se separam das formações argilo-calcárias que se estendem até Setúbal: são elas que disponibilizam o calcário, a marga e a argila, as três matérias-primas de que é feito o cimento. Augusto lembra-se bem do apito que às horas certas chamava os trabalhadores para a fábrica, e, por ter nascido ali, assistiu praticamente ao nascimento daquela cidade operária onde não falta nada: escola primária, posto médico, capela, casa do pessoal, barbearia, restaurante, cooperativa, parque infantil, instalações desportivas. Conta-nos a história toda recorrendo a um invejável espólio (fotográfico e não só) antes de nos guiar fábrica fora, até à pedreira dos Calcários. O plano de lavra desta pedreira diz que ela ainda poderá descer mais dois patamares e nós já estamos impressionados com a dimensão e a profundidade que ostenta. O Observatório da Pedreira de Calcários é também um local privilegiado para observar algumas aves de rapina e aves aquáticas que procuram a pedreira como local de alimentação, refúgio ou nidificação. Monte de Santa Luzia, Viseu Tel. : 232 450 163 Email: museudoquartzo@cmviseu. pt Horário: terças das 14h às 17h; de quarta a domingo das 10h às 12h e das 14h às 17h GratuitoO Museu do Quartzo abriu portas em Viseu em 2012 e é o único no mundo dedicado a este mineral. Assim dito, quase que era suficiente para justificar a inclusão neste roteiro. Mas é preciso dizer também que, do alto do Monte de Santa luzia, há como que uma espécie de janela aberta para a crosta terrestre — o janelão do museu que está orientado para uma impressionante parede de quartzo é isso mesmo, um acesso privilegiado ao ventre da Terra. O Monte de Santa Luzia teve no passado exploração deste mineral (entre 1961 e 1986), e a construção do museu (que recebeu a coordenação científica do paleontólogo Galopim de Carvalho) foi uma excelente forma de a requalificar. Porque quem visitar este museu não vai ficar a perceber apenas tudo o que diz respeito ao quartzo e à forma como ele é extraído e processado. Vai também ficar bem mais consciente da importância do património geológico em todas as suas características, científicas e económicas. Com recurso a várias experiências interactivas, e todas de grande apelo e acuidade visual, vai perceber que lá porque o quartzo é o segundo mineral mais comum na crosta terrestre (perdeu a corrida para os feldspatos) não quer dizer que seja fácil encontrá-lo nas suas vertentes cristalinas, que permitem utilização em joalharia e artes decorativas. E vai poder contemplar belíssimos exemplares de minerais, recolhidos em vários pontos do mundo. Igualmente marcante, e não só para os miúdos, para quem foi inicialmente pensado, a área pedagógica vai revelar curiosidades para todos. Se “a casa é uma máquina de morar”, como avisava Le Corbusier, a que está montada no primeiro piso do museu vai revelar os minerais que existem em cada divisão: desde o fogão na cozinha ao chuveiro da casa de banho, passando pelo lápis em cima da secretária ou o candeeiro no quarto. Foi o primeiro geoparque nacional, ocupa uma imensidão de espaço (sete municípios, 4600 quilómetros quadrados) e conta a história de uma avassaladora imensidão de tempo: 600 milhões de anos. A história poderá ser lida por qualquer curioso ou entendido em geologia, mas não temos problemas em confessar que dá um inegável incremento à visita ser acompanhado por um guia com o talento e o entusiasmo que mostrou Carlos Neto Carvalho — o geólogo que é, também, o director do Geopark Naturtejo da Meseta Meridional. Tel. : 272 320 176 Email: geral@naturtejo. com www. naturtejo. comAo ouvi-lo parece fácil imaginar, e perceber, como surgiu a Falha do Ponsul, um “degrau” na paisagem ao longo de 120 quilómetros, com origem num movimento de há 300 milhões de anos, quando os continentes colidiram para formar o supercontinente Pangea. E a partir da plataforma do Castelo de Vila Velha de Ródão, em plena serra das Talhadas, “o gigante quartzítico”, como se lhe refere o nosso guia, é também fácil olhar com outros olhos para a garganta das Portas de Ródão (e ter a sorte de espreitar a maior colónia de grifos que existe em Portugal) ou perceber a imensidão do Conhal do Arneiro, uma lavra a céu aberto que ocupa uma extensão de quase 70 hectares, em que os romanos extraíram ouro por desmonte gravítico. Há um trilho pedestre que permite conhecer a totalidade deste local — o Trilho do Conhal. Assim como há outros, como a rota das minas (que está temporariamente encerrada para manutenção) que nos levam até ao couto mineiro de Segura, de onde se extraiu volfrâmio, estanho, ouro, zinco e chumbo. Este parque surgiu em 2006 e desde então tem sabido organizar-se, multiplicar-se em propostas e desafios que estão ao alcance de qualquer cidadão. Basta seguir as indicações das rotas pedestres que estão devidamente sinalizadas e agrupadas por temas. Já são cerca 40 e oferecem quase 500 quilómetros de trilhos, pelo que o mais difícil poderá ser escolher por onde começar. Mais vale pensar que precisa de voltar mais vezes do que ficar assustado com a imensidão. O Geopark Naturtejo tem 16 geomonumentos entre as suas fronteiras, e dois dos mais procurados são a aldeia histórica de Monsanto, um monte-ilha (ou inselberg) granítico que ainda não perdeu o epíteto de aldeia mais portuguesa de Portugal; o outro é o Parque Iconológico de Penha Garcia, em Idanha-a-Nova. O anúncio mostra uma praia de areia limpa com guarda-sóis de madeira. Não há ninguém no areal, estamos no concelho de Mértola, a imagem contrasta em altos berros com as imagens do Algarve que associamos ao Verão. A única inscrição exorta: “Ainda há lugares assim” e, constatamos nós, não se trata de um golpe publicitário. A surpresa é real, sobretudo quando se trata das Minas de São Domingos, um couto mineiro de larga dimensão, tão extenso que ninguém se atreve a contabilizar qual é a área que ocupa, em toda a sua extensão. Nem a Fundação Serra Martins, a instituição de direito privado (participada pela Câmara de Mértola e pela La Sabina, a empresa que ficou com o espólio, com a falência da britânica Mason& Barry) e que está a lutar pela preservação a nível social, ambiental, patrimonial e paisagístico daquele interminável legado. Mértola Não necessita de marcação prévia Entidade: Fundação Serrão Martins Tel. : 286 647 534 Email: fserraomartins@gmail. com Morada: Edifício da Escola Primária, Mina de São Domingos www. fundacaoserraomartins. ptA praia fluvial do folheto — que, na verdade, se chama praia da Tapada Grande — existe mesmo, numa das duas albufeiras de água doce que foram projectadas para abastecer de água a população que se instalou no local, e permitir um conjunto de canais durante a exploração da mina. E logo ali ao lado também existem albufeiras de água ácida, vestígios daquela que dizem ter sido a primeira linha de comboio a funcionar no país (para ligar a mina à auto-estrada fluvial que já era o Guadiana, no porto do Pomarão) e, sobretudo, quilómetros de paisagem que parece saída de outro mundo. Escombreiras gigantescas, cortas mineiras preenchidas de água ácida de um vermelho berrante, esqueletos de fábricas antiga abandonadas há décadas. Desde a Antiguidade que se procede à extracção de minérios na chamada faixa piritosa ibérica. Ouro, prata e cobre nos períodos romanos e pré-romanos. Cobre, zinco, chumbo e enxofre no período moderno. Em São Domingos, a britânica Mason & Barry fez laboração contínua entre 1858 e 1966, sempre com mais de um milhar de trabalhadores nas suas fileiras. Miguel Soeiro, de 81 anos, foi um dos que trabalhou até ao último dia. Começou aos 16 anos na fábrica do enxofre, ficou desempregado 15 anos depois, com a falência da empresa. “Fui trabalhar para Moscavide. Mas mal me reformei vim para aqui. Reformei-me a uma quarta, na quinta já estava em São Domingos a descarregar as minhas coisas”, conta. Encontramo-lo à porta do antigo cine-teatro, hoje um pequeno museu, e o melhor local para começar todas as visitas. De garrafa de água na mão (“Tenho um problema nos pulmões, não posso estar muito tempo sem beber água”, explica), Miguel Soeiro acedeu a acompanhar-nos até à Achada do Gamo, o centro das actividades metalúrgicas sobre os minérios que ali foram extraídos, onde pontuam os escombros da fábrica de enxofre onde ele trabalhou. Conta que já lá não ia “há muitos anos”, mas lembra-se, “como se fosse ontem”, onde estava a trituradora, onde ele próprio se ocupava “na lavagem do enxofre”, onde se pesavam e separavam materiais. Ao contrário do pai, “que descia ao fundo da mina”, Miguel Soeiro não se sente um herói. “Estive sempre à superfície. ” Mas habituou-se a partilhar todas as histórias que sempre ouviu circular pelas mais de 30 ruas da aldeia, quando era mais novo, e vivia com os pais e sete irmãos numa casa de duas divisões. Era uma vida dura. “Mas eu não queria ter outra”, confessa. A aldeia Mineira do Lousal, no concelho de Grândola, chegou a ter 2500 habitantes, e mais de 1100 operários, ocupados na extracção de pirite, importante para retirar o enxofre que era utilizado em fertilizantes. Funcionou entre 1900 e 1988, tendo posteriormente sido abandonada. O processo de reabilitação social, económica, ambiental e patrimonial, que permitiu a requalificação de várias estruturas, transformaram o Lousal actualmente num dos melhores sítios do país para conhecer, de forma musealizada, a actividade mineira que existiu na região. Tel. : 269 750 520 Email: info@lousal. cienciaviva. pt Preços: crianças até seis anos, grátis; dos seis aos 17 anos, 5€; adultos: 6, 50€; séniores: 5€; famílias: 15€. Galeria Waldemar Não recomendada a menores de seis anos Bilhete geral: 5€; bilhete família (até dois adultos com filhos até aos 17 anos): 15€O Centro de Ciência Viva do Lousal disponibiliza visitas guiadas a toda a área mineira, permitindo que ninguém saia de lá sem saber o que é um “chapéu de ferro” (uma rocha de cor intensa que é normalmente a parte superior de um jazigo mineral, e era, por isso, o melhor indicador de que haveria um filão para explorar) , um “malacate” (uma estrutura em forma de torre assente sobre os poços das minas, e que tem por finalidade içar matéria prima e descer trabalhadores) ou uma “corta mineira” (área de exploração a céu aberto). E, já no interior da Galeria Waldemar, a primeira galeria subterrânea que foi aberta no Lousal, e que está aberta ao público há menos de um ano, perceber que os ratos podem ser os melhores amigos dos homens. A experiência na nova aldeia do Lousal ficará completa se, por acaso, for feita a um fim-de-semana e incluir uma passagem pelo restaurante existente no local. É que a uma mesa do canto costumam juntar-se antigos mineiros. E ao fim das refeições costumam brindar todos os presentes com demonstrações improvisadas de cante alentejano. Desde há cinco mil anos que há registo de exploração mineira em Aljustrel, embora com períodos de interregno. No museu de Aljustrel e no chapéu de ferro de Algares — dois pontos que podem ser visitados — encontram-se também os vestígios das ruínas romanas de Vipasca. A paisagem de Aljustrel é, toda ela, muito dominada pela actividade mineira, com a presença de malacates e chaminés das fábricas. Malacate do Poço de Viana, Museu Municipal de Aljustrel, Núcleo de Compressores Tel. : 284 600 070 Email: museu@mun-aljustrel. pt Entrada livre Não necessita de marcação prévia. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. O malacate do poço de Viana e o núcleo da central de compressores são outros dois pontos de visita que permitem conhecer a importância da actividade mineira no concelho e na região. Mas aqui não se está a falar apenas de passado, uma vez que o couto mineiro de Aljustrel ainda tem uma exploração activa, concessionada à Almina, e onde colaboram cerca de meio milhar de pessoas na extracção de minério e produção de concentrados de cobre. A qualidade — e, já agora, a beleza — do subsolo de Aljustrel vai em breve ser visitável, com a abertura ao público da chamada Galeria 30, junto ao Malacate Vipasca. Esta galeria faz parte do projecto do Parque Mineiro de Aljustrel, que tem vindo a ser desenvolvido ao sabor da aprovação de candidaturas aos fundos comunitários. As obras de recuperação da galeria estão praticamente concluídas. Mas ainda não há data prevista de abertura ao público.
REFERÊNCIAS:
O que é que Portugal tem? Mais sabor e cor
Para se abastecer, o país vizinho importa produtos alimentares dos seus parceiros europeus. Portugal é o quarto principal fornecedor e com quem mantém estreita ligação desde sempre. Azeite, polvo e laranjas são os três mais comprados a Portugal. (...)

O que é que Portugal tem? Mais sabor e cor
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 | Sentimento 0.5
DATA: 2016-12-31 | Jornal Público
SUMÁRIO: Para se abastecer, o país vizinho importa produtos alimentares dos seus parceiros europeus. Portugal é o quarto principal fornecedor e com quem mantém estreita ligação desde sempre. Azeite, polvo e laranjas são os três mais comprados a Portugal.
TEXTO: Azeite alentejano embalado com o rótulo “produzido na União Europeia”, laranja sumarenta do Algarve que não chega a ver as bancas de fruta portuguesas, polvo nacional que é servido em tapas ou exportado por Espanha para o Japão, tomate de cor e sabor cobiçados pela indústria alimentar. Nas prateleiras dos supermercados espanhóis, cabem todos estes alimentos, incluídos na lista dos dez produtos agrícolas e alimentares que o país vizinho mais comprou a Portugal em 2015. Apesar de não ser a despensa espanhola — esse título cabe a França —, Portugal é o quarto local preferido de Espanha para se abastecer. No ano passado, 36, 6% dos bens agro-alimentares produzidos em solo nacional e exportados tiveram Espanha como destino. Por seu lado, também foi a Espanha que Portugal foi comprar 48, 1% dos alimentos que importou. A relação entre os dois países tem-se mantido firme e intocada pela crise, embora a dependência portuguesa seja mais evidente. A proximidade geográfica e os hábitos de consumo semelhantes fazem com que Espanha seja o destino mais relevante do comércio internacional português. Contudo, do outro lado da fronteira, os olhos estão postos para lá dos Pirenéus. França é o principal parceiro comercial de Espanha, escolha justificada pelo Ministério da Agricultura, Alimentação e Meio Ambiente pela “proximidade geográfica e a importância do sector em ambos os países”. Segue-se a Alemanha, em segundo lugar também nas exportações e nas importações. Portugal é o quarto principal parceiro, onde Espanha se abastece e para onde destina os seus produtos alimentares, depois dos Países Baixos. A poderosa indústria alimentar ocupa um lugar de destaque na economia espanhola, valendo perto de 21% das vendas da actividade industrial e 18, 2% do emprego. Representa ainda 17, 6% do total das exportações. À sua escala, Portugal tem para oferecer alguns produtos e ajuda, assim, a reforçar a forte posição da indústria alimentar de Espanha no mercado internacional: é a quinta que mais factura na União Europeia, destacando-se sobretudo na exportação de azeite, carne de porco (é o maior produtor da UE), vinho, tangerinas e laranjas. Enrique Santos, presidente da Câmara de Comércio e Indústria Luso-Espanhola, diz que os dois mercados são “cada vez mais inter-relacionados e interdependentes”. “Para as empresas portuguesas, o mercado espanhol tem enormes potencialidades, tendo em conta as vantagens competitivas quando comparadas com outros mercados, por exemplo, a proximidade geográfica e cultural com tudo o que isto significa em termos de custos, em que o sector agro-alimentar tem um peso importante”, afirma. Enrique Santos recorda ainda que Espanha é o “maior cliente e fornecedor do mercado português e os números do comércio bilateral não param de aumentar”. Espanha é o maior cliente e fornecedor do mercado português e os números do comércio bilateral não param de aumentar”O exemplo mais relevante nesta relação duradoura é o do azeite, o principal produto agro-alimentar exportado para Espanha e também aquele que o país vizinho mais exporta para mercados internacionais (2825 milhões de euros em 2015). No ano passado, os produtores nacionais de azeite virgem venderam mais de 165 milhões de euros deste produto aos espanhóis, o valor mais elevado desde 2013 e 51% acima do que se verificou em 2014. Em 2015, Espanha sofreu quebras de 50% na produção, o que obrigou o maior produtor mundial de azeite a comprar ainda mais fora esta matéria-prima. O presidente da Câmara de Comércio e Indústria Luso-Espanhola adianta que a procura de azeite “rondou os 1, 45 milhões de toneladas e as disponibilidades não ultrapassaram os 1, 3 milhões”. “Foi um ano muito complicado para o mercado espanhol de azeite. Houve uma importante quebra na produção em cerca de 50%, e as razões são fundamentalmente de ordem climática. Espanha viu-se forçada não apenas a importar de Portugal mas também de outros mercados produtores, como Marrocos, Grécia ou Tunísia. O mercado espanhol conta como um importante mercado de exportação de azeite e, em 2015, viu-se forçado a dar resposta a estes mercados. Daí a necessidade de importar azeite”, detalha. Os produtores espanhóis têm investido directamente no olival nacional para suprir necessidades do seu mercado e o Centro de Estudos e Promoção do Azeite do Alentejo estima que explorem 50 mil dos 177 mil hectares de olival existentes nesta região (onde se produz 76% de todo o azeite nacional). Em termos globais, a produção em Portugal registou um máximo histórico em 2015, atingindo 1, 19 milhões de hectolitros: foi o terceiro maior registo dos últimos cem anos. Foram precisamente estes olivais do Alentejo, de produção intensiva e superintensiva, com variedades de azeitona mais produtiva e dotados de sistemas de rega que “compensaram largamente a baixa produtividade observada em muitos olivais tradicionais de sequeiro do interior Norte e Centro”, referiu recentemente o INE. As exportações para Espanha têm estado a aumentar devido à qualidade do nosso polvo, o melhor do mundo, com uma alimentação rica em mariscoMas de Espanha não vem apenas o interesse pelo azeite português. O polvo é o segundo principal produto vendido aos parceiros ibéricos, não fosse Portugal o segundo exportador mundial da espécie octopus spp, apenas superado pela China. No ano passado, os espanhóis gastaram quase 90 milhões de euros em polvo, um crescimento de 43% face a 2014 que não surpreende José Agostinho, presidente da Associação dos Armadores de Pesca de Polvo do Algarve (Armalgarve Polvo). “Além de comprarem directamente no mercado, há várias empresas portuguesas que exportam para Espanha, quer fresco, quer congelado. Ultimamente, as exportações para Espanha têm estado a aumentar devido à qualidade do nosso polvo, o melhor do mundo, com uma alimentação rica em marisco”, conta. Os espanhóis vêm atraídos pela qualidade “e pagam-na”. E a popularidade crescente deste molusco, que escorrega facilmente das lotas nacionais para outros destinos, também está relacionada com um esforço de divulgação que tem sido feito pelos pescadores e autoridades de pesca. Os consumidores, diz José Agostinho, não sabiam comer polvo, mas hoje sabem que podem usá-lo de formas diversas, a ponto de rivalizar com o bacalhau. Os espanhóis consomem-no, por exemplo, em tapas, mas a verdade é que nem todo o polvo português termina a viagem em Espanha. “Compram aqui, mas depois transportam-no para o Japão. E o produto é nosso”, revela o presidente da Armalgarve, que quer aumentar as vendas para oriente. Os armadores estão, por isso, a “trabalhar para reduzir os intermediários e fazer a exportação directa”, numa tentativa de disputar o mercado com os espanhóis. Ao mesmo tempo, a venda de polvo vivo para o Japão e para a Coreia do Sul está em fase final de ensaio na Estação Piloto de Piscicultura de Olhão (a maior do país). Falta encontrar os clientes certos, dispostos a comportar os custos de transporte. “Já é possível exportar polvo vivo, mas falta encontrar os preços certos e os compradores certos. O custo de transporte é maior, tem de ser por avião e estamos a tentar arranjar clientes”, adianta. No Algarve, o interesse espanhol estende-se à laranja. Pedro Madeira, director da Frusoal, conta que, com maior capacidade de compra, Espanha tem comprado laranja portuguesa a preços acima do mercado e combinado com antecedência o negócio. “É por isso que muita laranja está a ir para Espanha”, explica o responsável desta organização de produtores. Em Portugal, diz, as “cadeias de distribuição não acompanham os preços espanhóis e, por isso, temos durante menos tempo laranja nacional à disposição dos portugueses”. O ano passado, a exportação de laranjas para Espanha disparou 58%, chegando perto dos 67 milhões de euros. Nunca foram tão valorizadas como em 2015: em 2013, as exportações valiam 34 milhões de euros (e ocupavam o 6. º lugar entre os produtos agro-alimentares fornecidos a Espanha); em 2014, mais de 42 milhões de euros. Ao mesmo tempo, as laranjas são um dos cinco produtos que Espanha mais exporta para outros mercados, com o valor das vendas a atingir uns expressivos 1160 milhões de euros. Em termos de cor e sabor, o tomate português é melhor do que o espanholNa lista dos dez principais produtos vendidos a Espanha, está o tomate, considerado o melhor do mundo, sobretudo pela indústria alimentar, que depois produz molhos e todo o tipo de sucedâneos. Espanha também vem abastecer-se (desembolsou perto de 35 milhões de euros, segundo o INE) nas versões “fresco e refrigerado”. Miguel Cambezes, presidente da Associação dos Industriais do Tomate (AIT), detalha que os espanhóis utilizam a matéria-prima produzida em Portugal devido à proximidade geográfica e às características do tomate que aqui encontram, com mais cor e sabor. “Há uma organização de produtores que tem a sua zona de influência em Elvas, mais próximo de fábricas espanholas da Estremadura do que das unidades portuguesas do Alentejo. Há contratos [de venda] que são firmados previamente e esta organização não entrega um quilo de tomate a Portugal”, conta. Há também fábricas espanholas que arrendam terrenos em Portugal onde produzem tomate para se abastecer, continua. Há ainda produtores portugueses que, não estando localizados na zona de Elvas, “entregam tomate ao abrigo de contratos firmados com a indústria espanhola e que são usados para a produção de pasta de tomate, sumos ou cubo”, adianta. Convivem duas realidades: tomate que é produzido e transformado em Portugal e enviado, depois, para Espanha. E tomate produzido em território nacional e transformado no país vizinho. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. De acordo com Miguel Cambezes, Portugal transforma 1 milhão e 507 mil toneladas, enquanto Espanha processa mais de dois milhões e 950 mil toneladas, “onde estão incluídos os tomates portugueses”. “Em termos de cor e sabor, o tomate português é melhor do que o espanhol. A cor é reconhecidamente muito boa e quando misturo concentrado feito com tomate português estou a melhorar o meu produto”, garante. A maior parte dos criadores de borrego no Alentejo vende os seus animais para serem engordados em Espanha, e é o país vizinho que ganha com o abate e comercialização da pele. Um porco alentejano que seja vendido, em média, a 450 euros a carcaça “gera quase mil euros num único presunto"Muita água, que escasseia na Andaluzia, muita terra boa e barata disponível e apoios estatais e da União Europeia trouxeram centenas de agricultores espanhóis, muitos andaluzes, para o Alentejo. Compraram milhares de hectares para olival e estão contentes. Muitos continuam de olho em Portugal. O sol do Algarve não vale só para fazer a multiplicação do número de turistas. Na produção de citrinos e bivalves, o sabor “português” distingue-se, também, pelas condições naturais das terras do Sul. Espanhóis condicionam a olivicultura. . . mas "no bom sentido”, como diz o produtor José António Castelo Branco
REFERÊNCIAS:
Pedro Dias diz-se inocente e entrega-se à polícia em Arouca
RTP mostrou detenção em directo. "Piloto" deverá ser interrogado nesta quarta-feira. (...)

Pedro Dias diz-se inocente e entrega-se à polícia em Arouca
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 | Sentimento 0.25
DATA: 2016-12-31 | Jornal Público
URL: https://arquivo.pt/wayback/20161231230727/http://www.publico.pt/1750472
SUMÁRIO: RTP mostrou detenção em directo. "Piloto" deverá ser interrogado nesta quarta-feira.
TEXTO: Pedro Dias entregou-se à Polícia Judiciária nesta terça-feira à noite em Arouca, numa detenção filmada em directo pela RTP3. O homem suspeito de ter matado um militar da GNR e um civil estava fugido às autoridades desde 11 de Outubro. A advogada que representa Pedro Dias, Mónica Quintela, telefonou na noite desta terça-feira para o director nacional da PJ, Almeida Rodrigues, para o informar da intenção do seu cliente de se entregar à PJ. O telefonema acordou Almeida Rodrigues, que se encontra na Indonésia (onde é de madrugada) a participar na assembleia geral da Interpol. Como a PJ mantinha pessoal ligado à vigilância do suspeito em Arouca, numa questão de minutos, a entrega concretizou-se. Antes de falar com Almeida Rodrigues, contou Mónica Quintela ao PÚBLICO, foram contactados Sandra Felgueiras e um jornalista do Diário de Coimbra. “Estávamos com medo que houvesse problemas na entrega de Pedro Dias, tínhamos que garantir a sua absoluta segurança”, disse a advogada, que explicou que disse aos jornalistas apenas que precisava falar com eles, tendo marcando encontro em Arouca, na casa onde acabariam por encontrar Dias. O suspeito só deverá ser presente a um tribunal na quarta-feira. Nesta terça-feira à noite, depois de ser levado em directo da casa de Arouca (a casa de uma pessoa amiga da família, segundo Mónica Quintela), foi para o departamento de investigação criminal da Guarda da PJ. Antes de ser detido, Pedro Dias deu uma entrevista à jornalista Sandra Felgueiras, em que alegou ser inocente e em que, segundo o relato da jornalista, disse que se entrega às autoridades porque não quer ser fugitivo para o resto da vida. “Mal cheguei ao alto da Serra da Freita, fui recebido com uma salva de tiros de G3. E a partir daí fui perseguido como um animal", disse Pedro Dias, num excerto da entrevista divulgada pela RTP. Nesta entrevista, Pedro Dias recusou assumir a autoria dos dois homicídios - "de maneira nenhuma" - e disse que "o senhor agente da GNR terá certamente mais a dizer". Na entrevista que deu à RTP, Pedro Dias disse que durante este tempo dormiu em casas abandonadas e chegou até a atravessar o rio Douro a nado. No final da semana, decidiu que se entregaria nesta terça-feira ao fim da tarde. Fez chegar a um familiar um bilhete anunciando isso mesmo. “Disse que não queria ser morto”, contou a jornalista Sandra Felgueiras em directo de Arouca, e por isso a RTP foi chamada à morada indicada por Pedro Dias. Ainda segundo o relato de Sandra Felgueiras, Pedro Dias afirmou que tentou entregar-se várias vezes, mas sentia que não havia condições de segurança para o efeito. “Piloto”, como é conhecido, garante que não saiu de Portugal nestas quatro semanas em que foi perseguido pelas autoridades. Pedro Dias, contou ainda a jornalista da RTP, garante que neste tempo em que esteve fugido sobreviveu com 60 euros. “Piloto” garantiu, segundo a RTP, que tudo não passou de um mal-entendido e que Portugal assistiu nas últimas semanas à prova viva de que não vivemos num Estado de direito, onde as polícias são capazes de avaliar quem é culpado. Ainda falou com a mulher ao telefone, antes de ser levado. Pedro Dias alegou também à RTP que recebeu uma chamada no dia seguinte aos acontecimentos de Aguiar da Beira de um sargento da GNR a dizer que ia ser morto. Decidiu então que não podia regressar a casa. Tentou arranjar abrigo para pensar no que iria fazer. O major Bruno Marques disse ao PÚBLICO que a GNR desconhecia que Pedro Dias pretendia entregar-se. O porta-voz do Comando Geral da GNR explica que o suspeito se entregou à Polícia Judiciária, pelo que não tem detalhes sobre o caso. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Conhecido como “Piloto”, Pedro Dias estava desaparecido desde 11 de Outubro, dia em que dois militares da GNR foram alvejados em Aguiar da Beira. Um morreu e outro ficou ferido. Na mesma madrugada, um casal foi igualmente alvejado: o homem morreu e a mulher ficou gravemente ferida, em São Pedro do Sul, distrito de Viseu. Entre o belo e o monstro, as duas faces do homem mais procurado de PortugalPerícia psiquiátrica feita ao suspeito há uns anos aponta para sociopatia
REFERÊNCIAS:
Entidades GNR PJ
António Costa contra o mundo
Desde que António Costa chegou ao governo só se discutem impossibilidades. (...)

António Costa contra o mundo
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 | Sentimento 0.0
DATA: 2016-12-31 | Jornal Público
SUMÁRIO: Desde que António Costa chegou ao governo só se discutem impossibilidades.
TEXTO: António Costa seria um fantástico primeiro-ministro se não existisse mundo. Num mundo sem gravidade, Costa, como as vacas, voaria. Num mundo sem défice, Costa esbanjaria. Num mundo sem matemática, Costa acertaria. Mas neste mundo, Costa está tramado – e nós com ele. Há quem diga: não são as suas políticas que estão desajustadas do mundo, é o mundo que está desajustado por não permitir as suas políticas. Até posso dar isso de barato. Mas pergunto: num braço-de-ferro entre as políticas actuais de António Costa e as regras que actualmente regem o mundo, ganhará o mundo ou as políticas de António Costa? Eu voto no mundo. E é por isso que não percebo porque é que o primeiro-ministro continua a espernear e a fingir que a sua estratégia para o país algum dia poderá resultar dentro da atmosfera terrestre. Minto: até percebo, em parte. António Costa saltou para cima do palco – ou, para citar Pedro Passos Coelho na entrevista ao DN de sábado, “roubou a legislatura” –, envolveu na sua estratégia partidos e portugueses, pôs toda a gente a olhar para ele e a elogiar os seus truques de magia, e agora, sem cartola nem varinha, resta-lhe sorrir muito e improvisar. O que eu não percebo – e isso não percebo mesmo – é o elevado número de pessoas que estão na plateia e ainda não se deram conta de que o malabarista é um malabarista, confundindo-o com um primeiro-ministro responsável. Não há ali responsabilidade alguma. Costa vendeu a alma para chegar a São Bento. Mário Centeno tinha um programa para o lugar, ficou com o lugar, mas não com o programa. Sobram os truques, o voluntarismo e a energia cega dos desesperados. Muita gente diz: “Bravo! Um homem corajoso que faz voz grossa em Bruxelas!” Mas qual coragem? A coragem de Hollande? A coragem de Tsipras? A coragem dos falidos que julgam resolver os seus problemas chateando os credores? A intervenção do actual governo na Europa resume-se a isto: cartas para cá, cartas para lá, e blá-blá-blá. Afinal, o que pode Costa fazer? Falar alto? Sair da União Europeia? Furar as rodas da cadeira de Schäuble? Mandar a CGTP manifestar-se em Estrasburgo?António Costa ganhou as eleições prometendo crescimento. António Costa chegou ao governo prometendo reversões que iriam impulsionar o crescimento. Onde raio está o crescimento? Não há. Não se vê. Eclipsou-se. Kaput! O crescimento em 2016, com todas as reposições, corre o risco de ser metade do de 2015. A solução de Costa para o país, que muita gente avisou que era completamente tonta, é mesmo completamente tonta. Nem sequer quero invocar o tão maltratado e incompreendido TINA. Sim, há imensas alternativas para o país. Alternativa 1: vamos cortar no sítio A ou no sítio B? Alternativa 2: vamos poupar no sítio C ou no sítio D? Alternativa 3: vamos taxar no sítio E ou no sítio F? Essas são as alternativas. Infelizmente, não é alternativa não cortar, não poupar, não taxar. Não são alternativas alargar, aumentar ou devolver. No entanto, desde que António Costa chegou ao governo só se discutem impossibilidades. Com voz grossa, com patriotismo, com cachecóis de Portugal – mas impossibilidades. E quando vier a próxima bancarrota? Bom, aí teremos de esperar que o primeiro-ministro ofereça a cada português uma vaca alada, para partirmos todos de mãos dadas, em direcção a um lugar mais bonito e mais justo. Se este mundo já não tem dinheiro para pagar o socialismo, resta uma única solução: ficar com o socialismo e mudar de mundo.
REFERÊNCIAS: