Sonhos deficientes
É libertador descobrir que também posso queixar-me dos meus sonhos. (...)

Sonhos deficientes
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 | Sentimento -0.4
DATA: 2015-05-02 | Jornal Público
SUMÁRIO: É libertador descobrir que também posso queixar-me dos meus sonhos.
TEXTO: Às vezes sonho sonhos bons. Mas são sempre estragados por merdas. Anteontem à noite sonhei que a Maria João e eu estávamos na praia. Hesitávamos em entrar na água mas veio uma onda verdíssima em que mergulhámos. Só que, antes de nos fazermos ao mar, a praia estava cheia de cagalhões de cães: o sonho estava estragado por um exagero de realidade. O prazer de sermos levados pelas ondas foi morto pela vil imaginação das centenas de pôias caninas que as águas tinham posto a circular. Quando acordei pensei: mais um pesadelo. Até que - por força de seis décadas a sonhar seguidamente e, para todos os efeitos, em vão - dei comigo a mandar vir. Comecei a queixar-me. As queixas são sempre boas e aliviadoras. Até porque partirmos sempre do princípio, não só estatisticamente pouco provável como escusadamente vexante, que a culpa é nossa. Nunca é. Nossa, nunca é. Pode ser, quanto muito, de cada um de nós. Mas nossa - como colectividade forçada de egoístas narcissistas cuja missão existencial é descartarmos o maior número possível das nossas responsabilidades ou (numa tradução mais antiga) obrigações - nunca pode ter sido. Queixo-me dos meus sonhos. Queria sonhos bons, sem contrapartidas. Fui mal servido. Culpo-me a mim próprio. Queria sonhar com dias de praia que tivemos o ano passado, sem um único esforço de imaginação. Mas é libertador descobrir que também posso queixar-me dos meus sonhos. São maus. São uma merda. Rejeito-os. Exijo outros. Ora bem.
REFERÊNCIAS:
Palavras-chave morto cães
Borboleta rara em Portugal registada em fotografia
Imagem tirada na zona de Vila Real é o primeiro registo fotográfico de qualidade de uma castanhinha-das-bétulas em território português. Raramente é avistada porque passa a maior parte do tempo nas copas das árvores. (...)

Borboleta rara em Portugal registada em fotografia
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 | Sentimento 0.3
DATA: 2015-05-02 | Jornal Público
SUMÁRIO: Imagem tirada na zona de Vila Real é o primeiro registo fotográfico de qualidade de uma castanhinha-das-bétulas em território português. Raramente é avistada porque passa a maior parte do tempo nas copas das árvores.
TEXTO: O fotógrafo amador José Agostinho Fernandes estava no vale da Campeã, freguesia do concelho de Vila Real, zona onde vive, quando avistou uma borboleta adulta. Fotografou-a, mas na altura estava longe de imaginar o que tinha acabado de captar com a sua máquina fotográfica. Agora já sabe: obteve a imagem rara de uma castanhinha-das-bétulas – ou Thecla betulae, o seu nome científico –, que permitiu confirmar a presença desta borboleta em Portugal. “A borboleta chamou-me a atenção pela sua beleza e pela rapidez do voo, mas nunca me passou pela cabeça que fosse assim tão rara”, conta ao PÚBLICO. Estava a rachar lenha no seu quintal quando deu por ela: “Já habituado a seguir o voo de aves e insectos, reparei no voo rápido de uma borboleta desconhecida, oscilando entre o preto e o laranja e no pouso dela num abrunheiro de pequeno porte. Segui o seu percurso nos ramos, fotografei-a assim que tive oportunidade e não pensei mais nela”, diz ainda José Agostinho Fernandes, agora citado numa nota no site da Câmara Municipal de Vila Real. Mais tarde, acabou por publicar a fotografia num grupo do Facebook de amantes de fotografia da natureza e, desde então, as mensagens entusiásticas a alertarem-no para que tinha fotografado uma espécie muito invulgar não pararam de chegar. “Nem sequer partilho a maior parte das fotografias que faço. Sou capaz de colocar uma ou duas das centenas que faço. Foi um mero acaso ter partilhado esta. ”Esta borboleta, que passa a maior parte do tempo nas copas das árvores, nomeadamente do abrunheiro, tanto quanto foi possível apurar, foi registada em fotografia pela primeira vez em Portugal em 1999. Mas essa fotografia, tirada pelo biólogo Thomas Merckx, na Serra da Peneda, não era muito boa. Tinha sido tirada por um telemóvel. Agora, a fotografia de José Agostinho Fernandes foi feita numa máquina reflex e com uma lente macro. O registo deste lepidóptero foi, assim, um acontecimento congratulado pelo meio académico, que está a trabalhar para saber mais sobre as suas especificidades. “A borboleta já tinha sido avistada por investigadores, mas este é o primeiro registo fotográfico de qualidade feito em Portugal”, sublinha Paula Seixas, investigadora da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro. “Não sabemos exactamente há quanto tempo está presente em Portugal, mas sabemos que está cá há décadas”, acrescenta a investigadora, que tem trabalhado, em colaboração com a câmara municipal, no Programa de Preservação da Biodiversidade de Vila Real. “Nesta zona, nunca houve registo absolutamente nenhum e, portanto, foi uma forma de conseguirmos saber que a borboleta está cá. ”Além disso, existem poucos estudos científicos sobre esta espécie, por isso há pouca informação científica sobre ela. “Esta fotografia foi muito importante porque é muito difícil identificar e monitorizar esta espécie, não só em Portugal como no resto da Europa”, refere ainda Paula Seixas. É, aliás, no Norte e Centro da Europa que esta borboleta está presente (sobretudo na Holanda, França e Reino Unido) e onde as suas populações têm sido alvo de medidas de protecção. Sabe-se que a castanhinha-das-bétulas põe os ovos nos ramos do abrunheiro, onde passa o Inverno, até eclodirem em forma de lagarta na Primavera. Verdes com listas amarelas, as lagartas acabam por ficar camufladas na folhagem, passando despercebidas, até se tornarem borboletas em Julho e Agosto. Nesta altura, vão para a zona mais alta das árvores e dos arbustos, de onde raramente descem, sendo por isso vistas poucas vezes. “Tive a sorte de ter uma árvore numa depressão do meu terreno e de ela ter ficado quase à altura dos meus olhos”, conta José Fernandes. Não se sabe por que razão a castanhinha-das-bétulas poderá estar a aparecer em Vila Real. No entanto, Paula Seixas lança o desafio para que se procure saber mais sobre ela. “Não sendo uma espécie muito vista, valia a pena conhecer a sua função do ponto de vista ecológico. Ela pode ser perfeitamente um bioindicador de um ecossistema, pode ser importante para a sobrevivência do abrunheiro e de outras árvores de fruto, assim como ter uma função importante que neste momento se desconhece. ”Todas estas novas interrogações científicas surgiram simplesmente porque José Agostinho Fernandes gosta de fotografar a fauna e a flora, um interesse que nasceu há cerca de três anos, quando foi convidado para fazer um passeio fotográfico no Alvão. O Programa de Preservação da Biodiversidade promovido pela autarquia de Vila Real tem incentivado os vila-realenses a observarem com mais atenção o que está mesmo ao seu lado e a maior parte das vezes passa despercebido.
REFERÊNCIAS:
Craveiral, uma aldeia de 38 casas para “criar vida rural”
Na costa alentejana, num terreno onde no passado se plantaram cravos, acaba de nascer um projecto de turismo ligado à preservação da natureza. (...)

Craveiral, uma aldeia de 38 casas para “criar vida rural”
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 | Sentimento 0.0
DATA: 2018-07-21 | Jornal Público
SUMÁRIO: Na costa alentejana, num terreno onde no passado se plantaram cravos, acaba de nascer um projecto de turismo ligado à preservação da natureza.
TEXTO: No passado, houve aqui uma plantação de cravos, da qual só restou o nome, Craveiral. Mas quando Pedro Franca Pinto chegou não havia nada, era apenas um terreno à espera de uma boa ideia. “Quando o comprámos, era mato, não existia nada”, conta, enquanto passeamos pelo espaço (que, na altura da visita da Fugas, ainda estava na fase de finalização das obras). Ontem, passados quase oito anos desse primeiro momento, e com um investimento de 5, 5 milhões de euros, o Craveiral abriu oficialmente ao público, depois de um período de soft opening — e já só é possível fazer reservas para Agosto. A Pedro, juntaram-se depois João de Azevedo Canilho e Luís Miguel Capinha, e os três sócios apresentam agora o projecto Craveiral Farmhouse, nove hectares na costa alentejana, em São Teotónio, perto da Zambujeira do Mar. A receber-nos, nesses dias de final de obras e muita ansiedade à espera da abertura, estavam ainda os dois primeiros animais do Craveiral: os burros Cravo e Ferradura. As casas — 38, todas independentes, com terraço e cozinha — surgiram no meio de uma zona que pertence à Rede Natura 2000 da qual fazem parte vários habitats prioritários que é preciso proteger. Pedro explica que, embora fazendo parte do sítio de Monchique, o Craveiral “não tinha nenhum desses habitats, pelo que foi necessário recriá-los e trazer espécies protegidas que têm potencial de crescimento aqui”. Uma das formas de o fazer é, por exemplo, criando o charco temporário mediterrânico, aproveitando uma ligeira depressão no terreno. “Já criámos as condições para ele começar a desenvolver-se. Sendo temporário, recupera as águas naturais, da chuva, mas no Verão seca. Vai permitir o desenvolvimento da flora do sítio de Monchique e, com a colocação dos ninhos nas árvores, vai atrair as aves típicas desta zona, que procuram o charco para nidificarem. ”Como o Craveiral é um projecto de conservação da natureza, a ideia é que quem aqui se instale possa mergulhar num mundo que tem cheiros, sabores e cores próprias. “Vamos ter um centro de interpretação da natureza e um circuito com plantas autóctones e explicar as características gastronómicas, medicinais, e o potencial para a cosmética da flora desta região. ” Inicialmente serão sobretudo os aromas e os sabores, mas, revela Pedro, a médio prazo o objectivo é vir a fazer sabonetes e cremes com as diversas plantas. Mas, porque num passeio, mesmo com explicações, ninguém consegue apreender tudo o que há para saber sobre a flora local, haverá também workshops que ajudarão os hóspedes interessados a aprender as várias utilizações de cada planta. O mesmo acontecerá com os produtos da horta (que não faz parte do projecto de conservação da natureza), usados no restaurante, que tem um projecto de arquitectura assinado por Tiago Silva Dias. Sem nome, pelo menos para já, o restaurante, com 70 lugares no interior e 70 na esplanada (por enquanto apenas para hóspedes), segue o princípio farm to table, ou seja, vai privilegiar os produtos da horta local e do pomar, quando estes começarem a produzir em maiores quantidades. Na lógica de envolvimento com a sociedade, foi estabelecida uma parceria com a Associação VilacomVida, para, no restaurante, haver um espaço de pizzas feitas em forno de lenha no qual trabalharão pessoas com Asperger ou Síndrome de Down. Percorremos o caminho entre as casas, a zona do restaurante, as piscinas (uma interior, com sauna, jacuzzi e ginásio) e duas exteriores, sendo uma maior e mais apropriada para famílias com crianças e a outra mais reservada, esta situada no núcleo de casas que ainda não estão completamente finalizadas. Pedro, João e Luís vão mostrando os detalhes que fazem a diferença neste projecto: a água é toda reutilizada, sendo a que cai dos telhados canalizada para um depósito de rega, todas as zonas construídas são ligadas por passadiços para não tocar a terra, há um picadeiro (podem-se fazer passeios a cavalo) e canis para quem quiser trazer os cães. É também altura para conhecermos melhor os três amigos. Pedro é advogado e, até se lançar nesta aventura, a sua relação com a área do turismo era sobretudo através da assessoria jurídica, voltada também para o imobiliário e a reestruturação de empresas. Mas o gosto pela agricultura esteve sempre lá, diz, e por isso, em 2013, criou a Belong, um projecto de agricultura biológica, cujos produtos são distribuídos em cabazes. João, que durante muitos anos trabalhou numa multinacional de telecomunicações, e Luís, que é designer gráfico, já tinham experiência com turismo, entendido sobretudo como a arte de receber bem e fazer com que os hóspedes se sintam como se estivessem em casa. É o que fazem com a Casa Amora, junto do Jardim das Amoreiras, em Lisboa. São TeotónioEm São Teotónio, vira-se à esquerda em direcção à Relva Grande e passando a Aldeia de Quintas, continua-se um quilómetro até chegar ao Craveiral. www. craveiral. ptPreços: entre os 100€ (estúdio para duas pessoas, em época baixa) e 500€ (T2 para seis pessoas. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Foi com o mesmo cuidado que escolheram todos os materiais e objectos para as casas do Craveiral. “Apostámos nas empresas portuguesas”, explicam os três. “Portugal tem um potencial incrível e usarmos produtos nacionais é uma forma de diferenciarmos o projecto. Conseguimos ter produtos ao nível do melhor que há no mundo e que são feitos cá. Desde o início que quisemos associar o Craveiral ao desenvolvimento de marcas nacionais. ”As casas são de um conforto feito de madeiras claras, paredes brancas aqui e ali cobertas de cortiça escura, tapetes alentejanos, um chapéu de palha pendurado no bengaleiro, como se ali vivesse alguém. “Para o mobiliário, escolhemos peças da DAM, de São João da Madeira, da Wewood, empresa do Porto, os sofás são da Larforma, as cadeiras de Vila Nova de Gaia, os electrodomésticos são Meireles. No projecto de execução, as madeiras são de pinho nacional. Tudo o que é possível obter cá, estamos a conseguir. ”O sonho é que esta aldeia que agora nasce na costa alentejana seja também um motor de desenvolvimento da região. “Podemos usar os meios que existem para o Craveiral e potenciar os terrenos à volta, eventualmente usar os nossos recursos agrícolas para prestar serviços a outras pessoas que tenham casas na zona mas que só venham aos fins-de-semana. ” Tal como os arquitectos falam em “criar cidade”, a ideia aqui, resume Pedro, é “criar vida rural”.
REFERÊNCIAS:
Cacela Velha: nómadas por terras árabes
Uma autovivenda, 1000 quilómetros em ziguezague, sem GPS, sem Internet nem auto-estradas. Na mão, o mapa da Rede de Acolhimento ao Autocaravanismo no Algarve, a única do género no país. A volta ao extremo sul começa em Cacela Velha e termina em São Marcos da Serra. (...)

Cacela Velha: nómadas por terras árabes
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 | Sentimento 0.0
DATA: 2018-07-21 | Jornal Público
SUMÁRIO: Uma autovivenda, 1000 quilómetros em ziguezague, sem GPS, sem Internet nem auto-estradas. Na mão, o mapa da Rede de Acolhimento ao Autocaravanismo no Algarve, a única do género no país. A volta ao extremo sul começa em Cacela Velha e termina em São Marcos da Serra.
TEXTO: Há duas camas em casa e a lei permite tirar uma sesta. Uma são os bancos traseiros, que se estendem formando um colchão; outra é uma plataforma que desce desde o tejadilho. A segunda é capaz de ser melhor, porque as vistas de cima são sempre mais vagas, desmanchadas, panorâmicas. Afastando a pequena cortina com o dedo, lá está ela, a ria Formosa, com a luz a bater-lhe de chofre, fazendo riscos sempre que encontra a areia. Cacela Velha é essa ideia de afastar uma cortina com o dedo e ver de repente uma aldeia em contraste, equilibrada num forte sobre a Formosa e o Mediterrâneo. Impossível, para quem vinha na nacional 125 a admirar restaurantes de chicken piri-piri, cartazes de protesto contra os buracos na estrada e pensões decadentes dos anos 1980. Viajar de autocaravana dá para ver tudo. Primeiro, porque, mais uma vez, vai-se no alto. Depois, porque se vai lento, ao som do tilintar das – poucas – panelas. De motor desligado, é nas manhãs que se sente a sobrevivência. Ou porque o sol nasce violento, porque um galho bate à janela parecendo a GNR ou a chuva soa a balas sobre a chapa gasta. Tudo volta a ser elementar, do número de talheres ao peso do vestuário, mesmo se é preciso fazer de casacos almofadas. Nos últimos minutos de cochilo, um cão ladra sozinho no Largo Ibn Darraj Al-Qastalli e um barulho estranho vem do Poço Antigo, o lugar do bairro islâmico criado no século XII, fora das muralhas, para acolher a população que crescia. “Encontrámos 100 indivíduos. ” Nenhum vivo. Era o que nos haveria de explicar Maria João Valente, investigadora da Universidade do Algarve, que participa nas escavações arqueológicas em Cacela Velha, em conjunto com a Direcção Regional de Cultura e a Simon Fraser University, com o apoio da autarquia local. Começaram no dia 18 de Junho, vêm aos grupos de 30 e põem à vista uma “pequena Pompeia”, como gosta de exagerar Maria João, falando dos vestígios cerâmicos, botânicos e biológicos que ajudam a reconstruir o passado do “primeiro lugar a ser reconquistado pelos cristãos no Algarve”, mas que ainda cheira a tempo islâmico. Se 100 dormiam debaixo da terra de Cacela, por cima nenhuma autocaravana pode pernoitar. Não podem, mas no descampado do parque de estacionamento, proibido a casas móveis por um sinal de trânsito, estão quatro. Saem delas luzes azuis, espaciais, que não estão nos poemas de al-Abdari nem de al-Qastalli, que aqui viveram. A maior, de matrícula espanhola, tem uma antena parabólica a apontar para os astros. “A caravana é mesmo para isto. No dia em que tivermos de programar tudo e cumprir regras, devolvo-a ao meu pai”, resolve o condutor andaluz. Ao lado, dois portugueses preparam-se para abrir uma garrafa de vinho. “Nós vimos o sinal, mas ignorámo-lo”, assumem. O problema do autocaravanismo selvagem, como é apelidado, não é novo, e tem várias faces. De um lado está a filosofia de mobilidade e a ligação genética ao natural. Do outro, a necessidade de regulamentar o sector devido ao mau uso dessa liberdade, com consequências sobretudo ambientais (pelo despejo de águas químicas e lixo em locais inapropriados). Só nas áreas de serviço e parques de autocaravanismo acompanhadas pela Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional (CCDR) do Algarve, o número de veículos aumentou de 13. 027 para 43. 460 entre 2012 e o ano passado. Mas a massa será muito maior, contando com parques de campismo tradicionais, áreas de serviço não licenciadas e um grande volume de “dormidas informais”. “A informalidade acontece sobretudo em parques de estacionamento, falésias, junto às praias, aos canaviais”, regista Alexandre Domingues, da CCDR Algarve. Mas é crime? Há quem aponte vazios na legislação, mas as autarquias têm intervindo cada vez mais na regulamentação dos concelhos. No caso de Vila Real de Santo António, dormir sem licença é ilegal. “É necessário garantir condições de higiene e segurança para o despejo dos esgotos, o abastecimento de água potável e electricidade”, defende André Oliveira, coordenador de Áreas de Serviço de Autocaravanas do município, adiantando que, “devido ao aumento da pressão turística promovido pelo grande aumento de autocaravanistas”, prevê-se que em Setembro um novo regulamento venha garantir “um maior conforto para os autocaravanistas” mas também “diminuir o autocaravanismo selvagem”. Quem, ainda assim, insiste em ficar fora dos parques (ver “Onde dormir”) tem alternativa. Deve enviar um requerimento ao presidente da câmara com pelo menos 60 dias de margem a identificar o quando, o onde e o porquê do acampamento; anexar uma planta de localização à escala de 1:5000; prever o número de hóspedes, tendas, caravanas ou autocaravanas que virão; e apresentar uma autorização do proprietário do terreno a ocupar. E isto é válido apenas para “actividades/eventos de média a grande escala”, esclarece André Oliveira. Talvez o interesse em passar uma noite junto a uma alfarrobeira não seja assim tão intenso para a maioria dos viajantes. Cacela Velha fica numa saída, à direita, da Estrada Nacional 125, entre Tavira (a cerca de 10 km) e Vila Real de Santo António. “Se aparecesse um tipo a dormir à beira da estrada, tudo bem, mas são às centenas”, enquadra José Brito, também da CCDR Algarve, para justificar a necessidade de “trazer estas pessoas que andam mais soltas para as áreas de pernoita”. Há mais de dez anos que o problema se intensifica em diferentes pontos da região, onde o lixo se acumula mas também não existem alternativas interessantes para os caravanistas. Os responsáveis desta CCDR apontam o desinteresse pelo sector, que ainda é visto como um turismo de baixo consumo mas também como concorrente directo da hotelaria. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Além dos parques de campismo da ria Formosa e de Monte Gordo, existem os parques de autocaravanas da Manta Rota e da Muralha. As áreas de serviço para autocaravanas são locais onde é permitido pernoitar, normalmente dotadas de ligação a água, electricidade e zonas de despejo de águas. Nem todos os parques do país estão em espaços naturais, o que pode tornar o caravanismo numa prática de alcatrão pouco convidativa e sem grande espaço em relação ao vizinho. O Parque da Manta Rota, por exemplo, tem capacidade para 100 a 120 veículos. Ainda assim, fica junto à praia, numa zona arborizada. Encerra de 1 de Julho a 14 de Setembro. No entanto, este segmento “é incomparavelmente mais interessante do que o típico turismo dos ingleses em Albufeira”, mesmo do ângulo económico, a avaliar pelos muitos milhares de euros que custam algumas caravanas. Por outro lado, permite dinamizar a região fora da “época alta” e das zonas de maior concentração turística. Neste mês de Junho em que andamos na estrada, quando as noites caíram quentes sobre Cacela, é a época baixa dos nómadas sobre rodas. É de Outubro a Abril que se dá um desfile de autocaravanas no Sul do país. São os novos “pássaros migratórios”, como classifica Alexandre Domingues. Vêm do Norte da Europa gozar a reforma; ficam dois, quatro, sete meses longe da neve. Esta noite, são oito faróis apagados a ver as estrelas. E nómada que é nómada amanhã já não está cá.
REFERÊNCIAS:
O moinho que só dá bons sonhos
Perdidos no meio da natureza, rendemo-nos ao convite deste Molinum: descansar e recarregar baterias, com os pés fincados na tradição e a mente aberta a boas energias. (...)

O moinho que só dá bons sonhos
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 | Sentimento 0.35
DATA: 2018-07-21 | Jornal Público
SUMÁRIO: Perdidos no meio da natureza, rendemo-nos ao convite deste Molinum: descansar e recarregar baterias, com os pés fincados na tradição e a mente aberta a boas energias.
TEXTO: Chegar aqui não é fácil. Há curvas e curvinhas e, sobretudo de noite, viaja-se com aquela sensação de estarmos perdidos no universo, à procura do nosso caminho. Não desistimos, porém. Nem mesmo quando o sistema de navegação nos engana. Paro por um segundo, respiro fundo — e até a tagarelice dos miúdos no banco de trás faz uma pausa —, volto a inserir as instruções e sigo viagem, sempre, sempre a subir. A estrada vai ficando cada vez mais estreita, por vezes esburacada, parecendo adensar a sensação de que continuamos no caminho errado. Até que, bem no topo do que parece ser uma colina (a manhã mostrar-nos-ia horizontes mais amplos do que esperávamos), chego por fim ao destino: um bed & breakfast com uma singularidade — inclui um moinho centenário, que vamos ocupar. Ainda não é muito tarde, mas tudo à volta já é silêncio. Apenas o cantar dos ralos quebra a solenidade que, em noites de céu limpo, é iluminada por um manto de mil pontos de luz, cujo protagonismo não é abafado por muita iluminação artificial — a que há é apenas a necessária para sabermos onde pisamos. Tal como nós, noutros tempos, também outra visitante especial fez o nosso serpenteante trajecto e aqui parou um dia. Então, respirou fundo e decidiu recomeçar. A diferença é que para Joana Mendes, este era (e é) o seu “ninho”. Algarvia, Joana estudou gestão em Lisboa e ficou pela capital a trabalhar. Até que surgiram os anos da crise e o desemprego, que a levaram a compreender que teria nesta propriedade uma oportunidade. Para ela, uma verdadeira viagem ao passado com destino ao futuro: é que foi aqui que viveu até aos três anos. Agora, estamos as duas no meio desta propriedade, outrora envolta pela aridez dos campos de cereais. No exacto local em que o bisavô construiu um moinho em 1900 — e que laborou como comunitário até à década de 60 do século passado. “A população nos arredores era alertada pelo som dos búzios presos às velas do velho mastro de carvalho”, descreve-nos Joana. Quando a melodia invadia os montes circundantes, significava que o vento estava de feição e, então, gentes um pouco de toda a parte à volta subiam o morro com os cereais para moer. E a história até é mais antiga, porque antes de o bisavô da actual proprietária pôr as mãos na massa já aqui havia uma pequena indústria de cereais, existindo registos de um moinho anterior, erguido em 1838, um espaço que agora é ocupado pela casa principal. O moinho e tudo à sua volta acabaria por calhar ao pai de Joana no sorteio de herança e este, por sua vez, tratou de investir na propriedade. Em 1985, teve a ideia de construir uma casa maior e de dotar o espaço com valências procuradas por quem chega ao Algarve para uns dias de repouso: piscina, court de ténis, espaços para relaxar. “Conseguiram criar um ambiente descontraído”, descreve Joana. Começaram por alugar a propriedade primeiro como um todo e, desde 1999, como bed & breakfast. Mas Joana pressentiu que havia mais potencial neste cantinho. O regresso não foi apenas uma fuga à crise. Foi também voltar as costas a um outro estilo de vida, começando por arranjar espaço para o início de uma nova. Um processo em que, explica Joana, vai dando um passo pequenino de cada vez — “vamos arranjando todos os anos alguma coisa, mas optei por não contrair empréstimos”. É que se os anos difíceis em Lisboa a arrastaram para sentimentos mais depressivos, também se encarregaram de colocar no seu caminho respostas em forma de gente. Foi o caso de Renata Cortês, que depois de estudar exercício e saúde na Faculdade de Motricidade Humana e de acumular experiência como personal trainer em ginásios, tanto em Portugal como em Espanha, percebeu que o seu caminho não seria por aí. Foi em Barcelona que descobriu o mindfulness, uma prática que passa por chamar mente e corpo ao presente de forma a conseguir lidar com pensamentos e emoções: “A maioria das vezes não prestamos atenção ao que nos rodeia por estarmos presos no passado ou focados no futuro”, explica. O mindfulness consiste em técnicas de meditação simples que pretendem anular o stress provocado pela ansiedade ditada pela experiência. Em Barcelona, Renata acabaria por fazer formação no Instituto esMindfulness e, já em Portugal, os seus caminhos cruzaram-se com os de Joana. E, subitamente, ambas compreenderam que a resposta que procuravam residia num pequeno morro algarvio, onde proporcionam também sessões de redução de stress. Se aqui a ideia não passa por perder dinheiro, a anfitriã, com quem conversamos numa sala luminosa e acolhedora, também não pretende ter uma porta aberta com a pressão de ter de facturar obrigatoriamente para conseguir pagar as prestações das quais em tempos se conseguiu livrar. Assim, à medida que o projecto vai crescendo, e recebendo mais pessoas, os arranjos vão sendo feitos. E Joana vai-se adaptando às necessidades que vão surgindo: “Há tempos ficámos sem ajuda nas limpezas. Tinha duas hipóteses: ou ficar irritada ou concentrada para fazer bem aquele serviço. ” “Arranjar alguém no próprio dia não era viável, por isso optámos por fazer nós, com a ideia em mente que, com o valor poupado, ainda jantaríamos fora”, brinca Renata. Caminho do Moinho do Zambujal, nº44 8100-078 Boliqueime E-mail Site Tel. : 289 094 024A propriedade dispõe de quatro quartos na casa principal, todos de decoração rústica e entre os quais uma suíte (duplos a partir de 69€/noite; suíte desde 79€/noite); uma noite no moinho custa desde 99€/noite. Destaque para os programas de vários dias, com pacotes a partir de duas noites e até cinco. Entre as experiências propostas, há sessões de ioga, com João Gouveia, e de mindfulness, com Renata Cortês (a partir de 60€/pessoa). Mas se o objectivo passar por fazer um período mais longo de repouso, há pack Mindfulness De-stress (cinco noites, a partir de 740€/pessoa em quarto duplo). Outras experiências incluem tour gastronómico pela ria Formosa (97€/pessoa), rota dos petiscos em Faro (96€/pessoa) ou junto ao Arade, em Silves (89€/pessoa). Também o pequeno-almoço, recheado de mimos caseiros em forma de compotas de fruta ou de sumo acabado de espremer, é todo feito ali e preparado por Joana, que faz questão de estar presente, ainda que de maneira recatada, para acolher sem imposições quem recebe. No fundo, aqui somos hóspedes mas sentimo-nos tratados como convidados. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Depois de assentar arraiais e de proceder a várias melhorias na casa principal, Joana compreendeu que um dos factores que a poderia diferenciar das demais unidades seria o moinho. Aos poucos, foi sendo reconstruído, recuperado e preparado para se transformar numa casinha à medida de duas pessoas (ainda que, no nosso caso, um adulto e duas crianças pequenas tivessem conseguido passar uma noite confortável, o moinho está idealizado para escapadas românticas ou para uma só pessoa que busque um pouco de isolamento). No piso térreo, as grossas paredes em pedra do moinho foram esculpidas para receberem uma casa de banho em miniatura e uma abençoada kitchenette que nos permitiu inventar um jantar já fora de horas. Degraus de pedra ao longo da parede circular levam-nos ao quarto — uma confortável cama ao centro e pouco mais. Na decoração, elementos que nos remetem para o antigo e para o folclore local, mas também detalhes de design de extremo bom gosto. Ao fim de pouco tempo não nos espanta que muitos encontrem aqui o espaço ideal para recarregar baterias. Até porque nesta propriedade o stress, assim como uma boa parte do mundo, fica à porta: há acesso à Internet, mas a televisão foi abolida. Por isso, depois da ceia, durante o serão, trocamos os filmes pelos jogos de mesa, jogando à bisca dos cinco até nos cansarmos. Na casa principal há mais com que passar o tempo: matraquilhos, mesa de snooker, jogos vários… E ao longo do dia, com o cantar dos ralos a ser substituído pelas harmonias de insectos e pequenas aves que parecem compor uma orquestra, tão depressa se encontra lugar junto a uma lareira, se o frio se impuser, como, se o calor apertar, se passa o tempo em mergulhos numa piscina com uma vista de quase 360º. Entre tantas sensações, impossível não cumprir o proposto por Renata: viver o momento em pleno. E bons sonhos não faltam. A Fugas esteve alojada a convite do Turismo do Algarve
REFERÊNCIAS:
Palavras-chave ajuda corpo desemprego aves ansiedade
A geografia sentimental (e literária) de uma torga
Fez de Trás-os-Montes o seu, o nosso, “reino maravilhoso” e a sua porta foi sempre São Martinho de Anta. Foi aí que nasceu, foi aí que escolheu ser enterrado como Miguel Torga, o nome literário que é também uma homenagem a essas paragens. Daí partimos numa viagem pela sua vida e pela sua obra — com a serra e o Douro como espelhos. (...)

A geografia sentimental (e literária) de uma torga
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 | Sentimento -0.07
DATA: 2018-07-21 | Jornal Público
SUMÁRIO: Fez de Trás-os-Montes o seu, o nosso, “reino maravilhoso” e a sua porta foi sempre São Martinho de Anta. Foi aí que nasceu, foi aí que escolheu ser enterrado como Miguel Torga, o nome literário que é também uma homenagem a essas paragens. Daí partimos numa viagem pela sua vida e pela sua obra — com a serra e o Douro como espelhos.
TEXTO: “Este livro andava ao vento sobre a campa fria do poeta, foi deixado como lembrança por um discípulo venerador. Para que ficasse inteiro e firme, como foi o Mestre, guardei-o para que outros o leiam e amem (. . . ). ”É uma campa rasa, a do poeta, uma tampa estreita — simples, rústica, granítica. Passa despercebida no cemitério de São Martinho de Anta. Como Miguel Torga quis. Uma torga terá sido o único pedido, e lá está ela, com se fosse o símbolo, ou a porta, do paraíso. Um paraíso necessariamente incomum: a torga é uma urze, gosta de terrenos inóspitos e lanças raízes fundas, aquece (posta a arder, dura a noite inteira), é espontânea. Nesta terra de serranias, difícil e rochosa, abunda, amaciando de lilás o cenário agreste. Nesta terra de serranias, nasceu Adolfo Correia da Rocha, que se faria, improvavelmente, médico. As raízes fundas nunca se desprenderam, nem quando foi para o Brasil, nem nas tantas viagens que fez, nem em Coimbra, onde fez a vida. As raízes fundas foram feitas metonímia, as raízes fundas foram personificadas. Nesta terra de serranias, escolheu ser enterrado Miguel Torga (o Miguel vem dos seus dois heróis literários, os espanhóis Miguel Cervantes e Miguel Unamuno), o escritor para quem o paraíso foi um “reino mágico”, que é o mesmo que dizer Trás-os-Montes. Não sabemos por quantas mãos passou o velho exemplar dos Novos Contos da Montanha até chegar ao armário do Espaço Miguel Torga (EMT), a poucos metros da casa onde o escritor nasceu. Sabemos que a 22 de Maio de 1998, Arménio Vasconcelos, de Leiria, deixou o seu testemunho na primeira página do livro, manchada e já dura como um pergaminho. Assinado e datado, conta a descoberta do livro na campa, no fim de uma viagem de homenagem a Torga, que morrera três anos antes, em 1995. Agora, quem chega à campa do escritor provavelmente não encontrará livros (não faltarão flores: nós deparamo-nos com rosas vermelhas a rodear um jarro) mas estará em pleno território torguiano, servido de roteiro apropriado (delineado pela filha, Clara Rocha), que se declina na serra e no Douro, os dois rostos de Trás-os-Montes que ele descreveu e que o descrevem. Nós seguimos o roteiro improvisado pelo director do EMT (São Martinho de Anta), João Sequeira, em torno das próprias palavras de Torga. “S. Domingos, S. Leonardo, a Senhora da Azinheira, o Poio. . . As páginas capitais de uma antologia panorâmica da minha geografia nativa (. . . )”. Concentramo-nos no concelho de Sabrosa (a “terra de Fernão Magalhães”, como se anuncia) com um desvio apenas até ao vizinho Peso da Régua. Na verdade, não saímos de São Martinho de Anta — “S. Martinho é um marco de orientação e segurança que vejo em todas as horas de perplexidade e angústia e de todos os quadrantes do mundo”. “O que estamos a fazer era uma das actividades preferidas de Miguel Torga”, nota João Sequeira, também nosso guia informal por este território híbrido de biografia e literatura, a dada altura do nosso passeio. “Ele gostava de fazer de guia turístico. ”“Mostro-lhes o que nunca viram: panoramas que são autênticas obras-primas da ecúmena, onde a geografia física e a geografia humana se complementam. A ossatura telúrica e a epiderme elaborada. O natural e o cultural em conjunção perfeita. E fico desobrigado. O resto é por conta deles. Se prestam, vão mais ricos. Dilataram o espírito à proporção dos horizontes. Se não prestam, vão mais pobres. Mediram-se com a grandeza e perderam. ”Para trás ficou já a Senhora da Azinheira, um “sítio por excelência da geografia de Torga”, sublinha João Sequeira. Oficialmente até é Senhora da Assunção, mas a azinheira por detrás da capela impôs-se. No nome, apenas, porque o orago é celebrado a 15 de Agosto. E “ele gostava muito da romaria aqui”, algo que lhe ficou talvez “da infância”. É uma festa especial, esta, que prossegue no dia seguinte com merendas nos penedios — “cada família tem a sua fraga”, explica João Sequeira — feitas dos restos e de vista. “Vejo a Senhora da Azinheira a branquejar no alto da serra, oiço o sino a badalar, sabe-me a boca tabafeira, cheira-me a rosmaninho. ”Não a vemos no alto, talvez nos falte treino, mas vemos do seu alto. O Marão e o Alvão, o cheiro a rosmaninho rodopia, estamos empoleirados num “mar de fragas”, onde se escavaram degraus toscos e improvisaram bancos. Voamos pelos vales, a âncora é a quase singela capela, branca, rematada a granito, interior que poderia ser espartano não fora o dourado — ocupa o retábulo, desenha pórticos e remates — e o colorido vivo do tecto em abóbada de madeira. É o barroco do século XVIII a aliviar a dureza da serra que aqui se salpica de castanheiros. É pela sua crista que seguimos, contando as árvores que lhe resistem na luta contra o granito, que surge como uma erupção, e o vento, resiliente. Restos escurecidos de abrigos, aldeias de montanha, Garganta, a terra dos avós paternos de Torga, outrora com “forte sentido comunitário”, agora vazia, casas grandes fechadas. É na estrada que a liga a Vilar de Celas que fazemos o desvio. O carro fica na beira da estrada, percorremos umas poucas centenas de metros, para além do carvalhal, biombo involuntário da necrópole de Touças. “Se um dia vier a talho de foice, hei-de escrever uma página sobre estas necrópoles transmontanas, de granito, aninhadas no cimo de uma serra, com ar de quem lava as mãos disto da vida e da morte. ”É uma paisagem que nos remete a paragens mais setentrionais, Escócia ou Irlanda — verde-esmeralda contra serras nuas de penedos amarelecidos, as pedras graníticas velhas, gastas, musgosas, que se empoleiram em pequenos muros, montam mosaicos. E nela queremos adivinhar um círculo sagrado de pedras — ilusão da primeira vista. As pedras, se já tiveram um alinhamento geométrico, perderam-no, afinal. Mantêm, porém, a aura ancestral, misteriosa, como se capaz de todas as magias e por isso, milénios depois, ainda ali se fizeram sepulturas antropomórficas, incluindo duplas. Torga, conta João Sequeira, quis escavar neste local, enquanto jovem, mas rapidamente desistiu. O fascínio, esse, permaneceu — “que silencioso alfabeto de pedras era aquele?”, escreveu. A cultura megalítica é insidiosa por estes caminhos, os topónimos ecoam-no. Torga não lhe foi indiferente — refere, por exemplo, os monumentos megalíticos que nimbam a serra de mistério e que desde rapaz venera “como sacrários de uma ancestralidade” a que é “fiel”. Por isso não é surpreendente que quando soube da notícia de escavações na Mamoa de Madorras, “um sepulcro de gigantes construído por gigantes”, escreveu, tenha ido imediatamente para lá, conta João Sequeira, acompanhar os trabalhos. “A grande mamoa da serra escavada. A câmara, o corredor e os contrafortes expostos à luz do dia e ao espanto de quem olha. ”Teve a impressão, registaria ainda, “de que estava a ser feita a autópsia do passado”. E o passado está de costas voltada para a estrada, a poucos metros dela, mas camuflado — vê-se sem se ver. Para quem passa é mais um monte de terra, a entrada abre-se do outro lado, o corredor já mal delineado, o portal em equilíbrio que pareceria precário não estivesse ali desde o neolítico, o espaço circular da câmara interior já vazio de sacralidade. Sagrado foi sempre São Martinho da Anta: “Nenhuma hora da minha vida tem significação sem esta referência. ”“Aqui estou. Vim mostrar a mulher aos velhos, à senhora da azinheira e ao negrilho. Gostaram todos. ”São Martinho terá mudado muito desde esse ano de 1940, o das apresentações mútuas. Era aldeia, passou a vila. Há casas novas, avenida até à igreja, os pais partiram, o negrilho (ulmeiro) já não é um “gigante a sonhar, bosque suspenso/ Onde os pássaros e o tempo fazem ninho!” — “secou quando o Torga morreu”, conta João Sequeira. É agora um resto macilento, tronco, quatro ramos amputados, pedaços de metal como ligaduras (e parte dele está nas traseiras do Espaço Miguel Torga, embrulhado em plásticos), certamente mantido como símbolo. O busto de escritor (“Aqui/ neste Lugar/ e nesta hora”) e o poema “A um negrilho”, este negrilho — ainda que, na verdade, na terra onde nasceu houvesse “só um poeta”, escreveu, o “mestre da inquietação/ serena”. Estamos no Largo do Eirô, que parece ser o principal, alinhado em rosto ecléctico, com “queda” clara para o granito, e cruzeiro central. Aqui, a farmácia, correio, minimercado, multibanco, clínica dentária, Residencial Central — onde Miguel Torga gostava de fazer refeições, diz João Sequeira, “era do senhor Mário, que foi presidente da junta por indicação do escritor” e que agora é só para dormidas —, junta de freguesia. No primeiro andar funcionou uma extensão do centro de saúde, diz João Sequeira, por teimosia do próprio escritor (e médico). Fechou e com ele fechou-se algum material médico-cirúrgicos que Miguel Torga, ou, no caso, o médico Adolfo Correia da Rocha, doou, incluindo batas suas que estão expostas numa vitrina no espaço que agora está vazio de função (e fechado). Quando Miguel Torga, que vivia em Coimbra, estava em São Martinho de Anta (o que acontecia frequentemente, “vinha por temporadas”), não faltava quem lhe batesse à porta para consultas. A sua casa fica a poucos metros do largo, na rua que um ano depois da sua morte passou a ter o seu nome. É uma casa térrea, humilde, que herdou dos pais — a irmã vivia ao lado. Sofreu algumas obras quando a sua mulher, Andrée Crabbé, aqui viveu uns meses, “a casa nativa actualizada, com todas as sombras do passado pintadas (. . . )”. Branca, com portadas pintadas de azul claro, cortinas de rendas a preencher os quadrados envidraçados da porta da cozinha; rododendros, as azáleas, noveleiro, carvalhos, o quintal. Tanto a casa como o terreno foram doados, em 2014, pela família à Direcção Regional de Cultura do Norte para ali se instalar uma casa-museu cuja abertura esteve anunciada para 2015 — por enquanto, permanece muda. Muda está também a sineta da escola local, que continua lá, no pequeno frontão da fachada. Já não se ouve, portanto, o “Tem lêndeas. . . Tem lêndeas. . . Tem lêndeas”, de A Criação do Mundo, o romance semiautobiográfico, nem “há mimosas à roda” — conta João Sequeira que um dia de Natal, na década de 1970, Torga passou a tarde a replantar as mimosas da sua infância na escola. O EMT tinha a ideia de o fazer, em sua homenagem, mas, sendo proibido plantar mimosas, uma torga substituiu-a na escola ainda a funcionar. “Foi ali que num remoto dia de mocidade me senti consciente do meu destino de artista (. . . ). Ali ia retemperar a lira quando a sentia bamba. ”“Ali” é São Domingos de Monte Coxo e chegamos com o nevoeiro a tapar o “grandioso panorama circular” de que fala Torga nos seus Diários. O caminho é difícil até ao santuário, as pedras intrometem-se na terra sulcada pela chuva; o cenário é desolador, calcinado ainda. Lá em cima, as abertas deixam ver o apenas cenário aos retalhos — descemos seguindo o compasso de duas perdizes bamboleantes. Estivera Miguel Torga aqui, estas não poderiam estar tão relaxadas. Caçador ávido, muitos dos seus dias passava-os montes fora, boné na cabeça, espingarda a tiracolo. Dizia-se “geófago”: “Caminho que me desunho”. É por esses montes, em estradas serpenteadas, que descemos para o Douro, ou melhor, o “Doiro, rio e região, certamente a realidade mais séria que temos”. É que não basta“(. . . ) descer de Sabrosa para o Pinhão, estacar em S. Cristovão, e abrir a boca de espanto. Não é ir a S. Leonardo de Galafura (. . . ), olhar o caleidoscópio, e ficar maravilhado”. Se a casa-museu Miguel Torga ainda continua no plano das intenções, o Espaço Miguel Torga (EMT) é a porta de entrada para o mundo do escritor na sua terra natal. No edifício de Souto de Moura, térreo, revestido a xisto, que abraça um terreiro (ocupa o terreno da feira: durante a construção esta transferiu-se para o Largo do Eirô e não mais regressou, apesar de se ter mantido esta “ágora” para ela) e se “afunda” na paisagem (onde se plantou um vinha), passa-se em revista a vida e obra do escritor. Há 27 painéis onde se acompanha cronologicamente a sua vida, se mergulha nas polémicas onde o escritor, sempre livre na sua cidadania (uma torga, não esquecer), se envolveu (ou viu envolvido, como a do Nobel) e acompanhamos a sua carreira pelos olhos da imprensa (nacional e internacional). As fotografias são abundantes, cruzando-se a sua vida pública com a privada, as suas palavras vão aparecendo, assim como as de outros — sobre ele. Nos arquivos estão manuscritos, algumas edições raras e noutros idiomas. Anfitrião natural de quem chega a São Martinho de Anta no encalço de Miguel Torga, o espaço tem sentido um afluxo de visitantes maior este ano, se calhar, aventa João Sequeira, “pela reintrodução de Torga no currículo opcional do 12. º ano”. Aqui chegam escolas e universidades séniores; visitantes de fim-de-semana e amantes de arquitectura. Encontram a sala de exposições permanente, uma de exposições temporárias (até finais de Julho A máscara em Trás-os-Montes), cafetaria (com funcionamento irregular), biblioteca, loja e auditório. E este não é um espaço estático. A programação é regular e passa por acolhimento (de concertos a apresentações de livros, por exemplo) e promoção (e produção) de vários eventos que já fazem parte do calendário cultural de Sabrosa. Vejam-se os ciclos de música “Novas Canções da Montanha” e o de poesia “Solstícios e Equinócios”, as sessões “A vida passa lá fora”, conversas conduzidas por Fernando Alves e convidados de várias áreas, os espectáculos itinerantes “Conto Contigo”, que, em parceria com o Peripécia Teatro, levam encenações de contos de Miguel Torga a aldeias da região, e o Festival Literário do Douro. A 12 de Agosto celebra-se sempre em festa o aniversário de Torga e a 17 de Janeiro assinala-se a sua morte. E continuam a recolher-se (e a promover a sua audição e interacção com diversos públicos) os “Sons da Montanha” — um projecto de gravação de preservação da memória — do universo torguiano. Como irA partir do Porto, seguir pela A4 em direcção a Vila Real. Sair para o IP3 e continuar pelo A24/IP3 até à N322. Sair em São Martinho de Anta. Onde comerConstantino Rua Fundo do Povo, 23 S. Martinho de Anta Tel. : 259 939 133O Douro é um drama “feito de carne e sangue”. Se beleza não lhe falta, “a própria beleza deve ser entendida”. Adentramo-nos, então, pela beleza do drama. Entre florestas verdes, novamente o rosto pétreo que aflora em vertigem vertical no Poio, dramatismo acentuado pelo negro que o fogo deixou pintado no solo e nos troncos, e já vemos as vinhas a bordar os montes. Torga fazia quilómetros e quilómetros por aqui e um dia chegou a Ordonho. “Entre duas perdizes”, escreveu, desbloqueou S. Leonardo de Galafura, o poema, depois de 30 anos, “bem medidos”, a olhar o miradouro. Nós paramos numa das curvas à saída da aldeia e olhamo-lo, também, “alcandorado no seu trono de penedos e nuvens, com o Douro ajoelhado aos pés e o céu a servir-lhe de resplendor”. Havemos de lá chegar. Por enquanto, continuamos a descer, enganando as pedras que resvalaram dos muros dos socalcos na tempestade do dia anterior — um final de Maio violento. As quintas vão-se sucedendo, Caleira, do Crasto, Marka, as placas “vende-se vinho” na beira da estrada — cenários de Vindima. A estação de Ferrão já foi essencial nestas paragens, para o abastecimento destas quintas e aldeias, e para entretenimento: “As pessoas vinham ao domingo só para ver os comboios passar, faziam festas aqui. ” Agora, o comboio ignora a estação de Ferrão — os edifícios esventrados parecem indicá-lo —, embora nesta tarde pare para deixar entrar um grupo de turistas brasileiros. Fica o silêncio do abandono, um parque de merendas novo em folha do lado de lá da linha, rente ao Douro a correr entre o lamacento e o verde (a “cor barrenta muito falada por Torga”, nota João Sequeira) — no Cais do Ferrão, um barco solitário. “Corre, corre caudal sagrado”, escreveu Torga aqui. Nos passos de Torga não mais deixaremos de ter o Douro a espreitar ou a exibir-se. No miradouro de S. Cristóvão, vêmo-lo a receber o rio Pinhão, e em São Leonardo de Galafura temos uma das suas mais belas vistas. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. “O Doiro sublimado. O prodígio de uma paisagem que deixa de o ser à força de se desmedir. Não é um panorama que os olhos contemplam: é um excesso de natureza. ”Miguel Torga nunca se cansou de aí perscrutar o cenário, medir as curvas do rio, aquilatar a geometria dos socalcos e a insolência dos campos e bosques. Voltou sempre, ao longo da sua vida. Ao rio e à serra, a Trás-os-Montes. Em cada regresso, nova reflexão, novo poema, os mesmos locais. Uma descoberta contínua (e compulsiva) que foi também uma espécie de auto-psicanálise. “Estas paisagens já estão de tal modo explicitadas dentro de mim, que parecem escritas no meu entendimento. Quando cuido que estou a interpretá-las, estou a ler-me. ”
REFERÊNCIAS:
Há alguma maneira eficaz de evitar aquele “Já chegámos?”
Nas viagens de carro, ou até mesmo de avião, há uma mão cheia de jogos para entreter os miúdos e ajudá-los a passar o tempo. (...)

Há alguma maneira eficaz de evitar aquele “Já chegámos?”
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 | Sentimento 0.6
DATA: 2018-07-21 | Jornal Público
SUMÁRIO: Nas viagens de carro, ou até mesmo de avião, há uma mão cheia de jogos para entreter os miúdos e ajudá-los a passar o tempo.
TEXTO: Quem já viu aquela cena do Shrek 2, em que Eddie Murphy, a voz do divertido burro, entoa de todas as formas e feitios sempre a mesma frase, sabe bem do que aqui tenciono falar: “Are we there yet?”. Ou, na versão portuguesa, “já chegámos?”, “Falta muito?”, “Quanto tempo falta?”, “Quando é que vamos chegar?”, “Estou com fome!”, “Estou farto de andar de carro!”, “Podemos parar?”, “Mãe, o Tiago, está-me a bater!”, “Pai, a Inês não me dá o carro!”. Isto a cada 40 segundos, de forma a impacientar o mais zen dos progenitores. E se pode ser assim nas viagens diárias para a escola ou em cada deslocação que demora mais do que 15 minutos, percebe-se que possa haver algum pânico entre os pais que se vão abalançar numa viagem para atravessar o país de carro para ir a banhos (seja de mar, seja de montanha), ou entre os que sabem que não há maneira de parar um avião para os deixar descansar e mudar de ares. Mas, como dizia Pedro Abrunhosa, é preciso ter calma. Afinal, manter as crianças a bordo entretidas pode ser mais fácil do que parece, e pode, até, dispensar os famosos jogos electrónicos, smartphones e o visionamento de DVD. Tão importante como o carácter lúdico das actividades que aqui propomos pode ser o exercício mental que algumas envolvem e que, mais cedo ou mais tarde, revelarão ser benéficas para a destreza mental de que todos precisamos no dia-a-dia. Os exemplos que aqui trazemos foram todos testados no terreno, feitos por quem já perdeu a conta às horas que passou em autocarros, comboios, aviões, barcos, automóveis e autocaravanas. Seja numa viagem à volta do mundo com uma criança de cinco anos, seja em roadtrips ao Sul de Portugal com um casal de crianças com diferentes idades (mais concretamente, de 11 e de três). O segredo é os pais participarem sempre — e prometo só dar exemplos que nem distraem, para o caso de um dos pais estar a desempenhar a função de motorista. Aqui vai disto. Para quem anda de carro, este é um clássico que pode ser jogado em várias versões. Quando os miúdos conhecem as letras do alfabeto, o jogo pode ser inventar um nome próprio que use as iniciais das matrículas do carro que vai na frente, e perde o primeiro ocupante que não conseguir inventar um nome, ou repita um que já foi dito. Um carro com AC na matrícula daria baptismos variados, como Ana Carolina, Anatólio Carapau, Anacleto Conceição…. No caso de o alfabeto ainda não estar assimilado, podemos tentar as cores. Cada criança escolhe uma cor e vai contar o número de carros que passam com a que escolheu, durante um determinado período de tempo. Três minutos, por exemplo. Ganha aquela que tiver escolhido a cor mais usada. Estamos todos habituados a papel e caneta, e a esconder as palavras que escrevinhamos da curiosidade do adversário. Mas, no caso de se tratar de uma viagem de carro, e como não dá para pedir ao condutor para largar o volante, há a opção de fazer o jogo só na base do exercício mental. A regra principal mantém-se: um jogador canta o abecedário em surdina, até o outro gritar “stop!” e com isso escolher a letra que vai comandar o jogo. Por exemplo, a letra H. Depois, cada jogador diz uma palavra de cada categoria (nomes próprios, países, cidades, animais, profissões, plantas, objectos, actividades, etc. , etc. ) até o vocabulário se esgotar (é permitido dar ajuda aos mais novos!)Uma outra variável para exercitar o vocabulário e o alfabeto é levar os passageiros a pensar em coisas que comecem com cada letra, por ordem alfabética. Peça a cada uma das crianças para se fixar num dos lados da estrada. Por turnos, peça-lhe para encontrarem coisas começadas por uma letra de cada um dos lados. O primeiro encontra algo com a letra A no lado direito — uma árvore, por exemplo. O segundo encontra algo com a letra B do lado esquerdo: um burro, se assim calhar. E assim sucessivamente. Para terminar as sugestões com o alfabeto, outro jogo muito engraçado, que permite combinações hilariantes e uns momentos bem passados e muito amor esbanjado em frases começadas com um “Gosto de ti mais do que…” . Começamos na letra A para arrancarmos, por exemplo, que “gosto mais de ti do que da águia mais rápida do mundo”, e seguimos para a letra B para o passageiro seguinte declarar que “gosto mais de ti do que da bola nos pés do Cristiano Ronaldo”. O mais novo pode não saber o alfabeto, mas não lhe falta imaginação para terminar frases começadas com um “Gosto mais de ti do que…”Os miúdos e graúdos têm sempre dificuldade em entender quanto é, de facto, um minuto . A missão é conseguir acertar o momento exacto em que um minuto chega ao fim, a partir do momento que a mãe ou o pai arrancam a contagem com um “Já”. Um deles tem o cronómetro na mão. O outro tenta adivinhar quando chegam os 60 segundos. É garantido: passado pouco tempo são peritos em estimar o tempo. Observe os passageiros que viajam no carro ao lado, ou no banco da frente do avião e imagine que pode telefonar-lhes e fazer perguntas. O que é que lhes iria perguntar? E o que é que eles responderiam? Peça a uma das crianças para perguntar e a outra para responder. E surpreenda-se com os intrincados enredos que dali poderão sair. Peça aos miúdos para inventarem, com a melodia que preferirem e o ritmo que entenderem, cantigas malucas que incorporem números. Pode dar o exemplo citando o Gabriel, o Pensador, “2, 3, 4, 5, meia, 7, 8, está na hora de molhar o biscoito, estou no osso mas eu não me canso, está na hora de afogar o ganso. ” É muito provável que um deles se saia com o “Sete e sete são 14, com mais sete são 21, tenho sete namorados e não gosto de nenhum. ” Mas deixe-os levar pela imaginação, e prepare-se para pérolas tipo esta: “10, 9, 8, 5, 6, 7, quando é que a minha mãe muda de cassete?”Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Cada dia pode ser um passatempo diferente: num dia contamos quantos botões há na roupa de cada um (e cada botão vale um ponto), no outro quantas peças de roupa, noutro ainda quantas cores trazemos vestidas. Não interessa quem ganha, interessa que todos contem. Outro exercício para pôr os mais novos a contar de forma divertida é usando beijos em vez de números — para crianças com idades inferiores a quatro anos, o sucesso é garantido. Em vez de perguntar quanto é um mais um, faça o som de um beijo para cada número. “Quanto é (beijo) mais (beijo, beijo, beijo)?”Para as contas de sumir, fale-lhes das guloseimas que a avó tem em casa para os netos. “A avó tinha seis 'chupas' e dois chocolates no armário. Chegaram a Matilde e a Mariana e comeram um 'chupa' cada uma. Quantas gulodices ficaram?”. Com tanta sugestão, é provável que, no fim de todos estes jogos, já tenha chegado ao destino. A não ser que, tal como Shrek, esteja a deslocar-se para o reino do “Far, Far, Away”.
REFERÊNCIAS:
Os Picos chegam ao pico do centenário
Há cem anos, a 22 de Julho de 1918, Afonso XIII declarava o primeiro parque nacional que, mais tarde, em 1995, se passou a designar Picos da Europa. No espaço protegido mais extenso de Espanha, a natureza chama-nos e esse apelo é irresistível. (...)

Os Picos chegam ao pico do centenário
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 | Sentimento 0.0
DATA: 2018-07-21 | Jornal Público
SUMÁRIO: Há cem anos, a 22 de Julho de 1918, Afonso XIII declarava o primeiro parque nacional que, mais tarde, em 1995, se passou a designar Picos da Europa. No espaço protegido mais extenso de Espanha, a natureza chama-nos e esse apelo é irresistível.
TEXTO: “Don Alfonso XIII, por la gracia de Dios y la Constitución, Rey de España; A todos los que la presente vieren, sabed: que las Cortes han decretado e Nos sancionado lo seguiente: Se declara «Parque Nacional de la Montaña de Covadonga» el macizo de Peña Santa, cuya delimitación y tambien su Reglamento aprobará el Gobierno, a propuesta de la Junta Central de Parques Nacionales. Dado en San Sebastián a veintidós de julio de mil novecientos dieciocho. ”Assim nascia, completam-se cem anos amanhã, aquele que, mais tarde, em finais de Maio de 1995, já sob o reinado de Juan Carlos I, haveria de passar a ser conhecido mundialmente como Parque Nacional dos Picos da Europa, com uma área próxima dos 70 mil hectares, o que lhe confere o estatuto de espaço protegido mais extenso de Espanha, composto por três principais maciços montanhosos que abarcam outras tantas comunidades autónomas, o principado das Astúrias, a Cantábria e Castela-Leão. - Honra e responsabilidade. São as duas palavras que logo assomam aos lábios de Rodrigo Suárez Robledano, director do parque nacional e gestor da reserva da biosfera dos Picos da Europa, reveladoras de quem se sente grato pela experiência e, ao mesmo tempo, na expectativa quanto ao futuro deste imenso espaço verde. - Uma responsabilidade, já que representamos as muitas centenas de pessoas que, desde 1918, dedicaram a sua sabedoria profissional e o seu trabalho para conseguir fazer deste parque nacional um exemplo de conservação de valores naturais e de apoio às comunidades rurais. E uma honra, na medida em que nos comove exercer a direcção deste espaço neste momento tão significativo, garante ainda o director do parque que acolhe mais de dois milhões de visitantes por ano. - Após um período de ligeiro decrésimo no número de turistas, motivado pela crise económica que tanto afectou os países do Sul da Europa, o parque voltou a superar, tanto em 2015 como em 2016, os dois milhões de visitantes, números que baixaram o ano passado, mas ainda assim superiores aos dois milhões. O parque nacional dos Picos da Europa foi, nos últimos anos, o terceiro mais visitado entre os parques da Red de Parques Nacionales, depois de Teide (na zona mais alta da ilha de Tenerife) e do da serra de Guadarrama (na Comunidad de Madrid). O parque nacional dos Picos da Europa está situado, sentimentalmente falando, muito próximo de Portugal. - É importante ressalvar que um grande número desses visitantes são portugueses e que há laços muito fortes que nos unem ao único parque nacional de Portugal (Peneda-Gerês), sem esquecer que os preços praticados pela hotelaria da região são muito económicos (tanto em Cangas de Onís, como noutras aldeias ao longo do vale, come-se bem e por pouco dinheiro). O facto de se poder circular com uma viatura, ainda que apenas por estradas estreitas de terra batida, potencia o número de curiosos, satisfeitos por verem os lugares mais sedutores do parque, se não acessíveis de carro, pelo menos de teleférico, a curta distância de um parque de estacionamento. Natural de Madrid, onde nasceu há 61 anos, Rodrigo Suárez Robledano é director do parque desde Outubro de 2004 (após mais de seis meses sem director nem presidente), cargo que desempenha depois de uma experiência (entre outras) como chefe do serviço territorial do Meio Ambiente de Segóvia e membro do patronato do parque nacional de Covadonga. Hoje, quando olha para trás, recorda três datas neste seu trajecto, a sua nomeação como director-conservador e outras duas, de grande importância para o parque, uma em Fevereiro de 2015, quando se obteve a última ampliação do parque nacional, concluindo todo um processo que se foi desenvolvendo em anos anteriores, e a outra, vital para a conservação deste espaço, quando, finalmente, o rio Duje voltou a respirar sem os resíduos do gado. - Essa situação de contaminação já se arrastava desde a primeira ampliação do parque nacional, em 1995. Felizmente, mediante uma acção concertada do parque nacional, da Confederação Hidrográfica do Cantábrico (órgão gestor da água), do tribunal e da polícia, foi possível suprimir esses despejos e recuperar a vida aquática nesse troço afectado. Num espaço protegido tão vasto, os problemas sucedem-se e nos últimos anos a polémica em relação ao lobo-ibérico, ou à política seguida pelos responsáveis do parque nesta matéria, tem ocupado muitas mentes e algumas páginas dos jornais. - O lobo-ibérico é um dos grandes valores naturais do parque nacional (até há bem pouco tempo, quando se declarou o parque nacional da serra de Guadarrama, era o único que contava com a presença desta espécie emblemática). Mas também a criação de gado extensiva, que tanto contribuiu para conformar a paisagem do parque como o conhecemos. O problema é que o lobo, no parque e nos meses de Verão, quando está ocupado com o gado que acede às zonas mais altas, nada mais tem que fazer do que abandonar o seu covil e encontrar-se com uma vaca. O director-conservador dos Picos da Europa acredita que tem soluções para satisfazer as diferentes vontades, aplicando normas que tanto podem proteger os proprietários dos animais como a própria espécie. - O parque nacional segue, em matéria de gestão do lobo, uma política que tem vários eixos: desde logo, uma compensação financeira, actualizada periodicamente mediante o valor das reses, face aos danos produzidos pela espécie. Por outro lado, fazemos um acompanhamento permanente do lobo, de forma a identificar a sua evolução populacional e temos à nossa disposição de elementos preventivos de ataque, como cercas electrificadas fixas, já utilizadas pelos criadores de gado, ou móveis, sem ignorar a investigação de outras possíveis linhas de prevenção e, ainda que excepcionalmente, se o volume de danos o aconselha, se não há outra solução satisfatória, a extracção de um número concreto e limitado de exemplares de alcateias em que se constate a reprodução em alguma das duas temporadas de criação anteriores. Rodrigo Suárez Robledano tem a noção do que representa o lobo-ibérico como valor natural para o parque mas não pode, neste cenário grandioso, esquecer o papel dos criadores de gado que emprestam as suas vidas, com grande esforço, para manter o carácter dos Picos da Europa. - A verdade é que o parque nacional está próximo da saturação quanto ao número de alcateias e tenho sérias dúvidas se este ano não se implantaram duas mais, a juntar às seis já existentes, o que significa que a população da espécie está em crescimento no parque. O lobo-ibérico (canis lupus signatus) é apenas um dos muitos exemplos da variada fauna (e em termos de flora estão registadas mais de 1700 espécies e subespécies, o que representa mais de 20% da flora vascular do país) que caracteriza os Picos da Europa, deste rico património natural onde a caça e a pesca são proibidos. Há, por aqui ou por ali, espécies ameaçadas a nível regional e até europeu, mas ainda assim, graças à diversidade paisagística e florística, todos os níveis da cadeia trófica estão representados, podendo encontrar-se, com maior ou menor dificuldade, tanto invertebrados (e os vertebrados, de acordo com inventários realizados pelo próprio parque nacional dos Picos da Europa, ascendem a mais de duas centenas) como grandes predadores, alguns deles já extintos da sua área de distribuição original dentro das fronteiras da Península Ibérica. Para tanto, a inacessibilidade a que (certas) zonas dos Picos da Europa estiveram votadas antes do espaço ser declarado parque nacional revelou-se de extrema importância, permitindo a subsistência de algumas espécies. Nos caudais fluviais, relativamente bem conservados, podem encontrar-se cinco espécies diferentes de peixes, entre eles a truta (salmo trutta) e o salmão atlântico (salmo salar), pelo meio de uma variada fauna de anfíbios e de répteis, enquanto nas áreas preenchidas pelos bosques, quase sempre tão silenciosas, são protagonistas as espécies que, ao nível do continente europeu, têm as suas populações em latitudes mais setentrionais e cujos redutos na Península Ibérica se encontram em grande perigo de extinção. Entre eles, o tetraz-grande (tetrao-urogallus), que a cada ano que passa exige maiores medidas para a sua conservação, ao passo que a cabra-montês (capra-pyrenaica) começa a reaparecer, depois da introdução de alguns exemplares na vizinha reserva nacional de caça de Riaño. Nem todos se sentem satisfeitos com uma visão, mais ou menos fugaz, dos lugares icónicos do parque — outros há, alguns deles intrépidos viajantes, que pretendem tocar o pico dos picos; contemplar, num dia de uma luz diáfana, o mar Cantábrico; escalar, quando um manto branco de neve cobre tudo à sua volta, os picos, os vales, tudo. Se o parque é acessível para quem se move de carro e não aspira a tocar os céus, os diferentes trilhos que se estendem pelo coração verde das Astúrias são uma tentação permanente para quem gosta — ou pode — de caminhar. O céu não está vestido com muitas nuvens — mas por aqui é preciso desconfiar dos humores do clima, um único dia pode trazer de tudo, o Inverno, a Primavera, o Verão e o Outono. Num dia bom, como este, talvez não se revele má ideia percorrer um pouco mais de uma dezena de quilómetros, para lá e outros tantos para cá, começando por deixar para trás, às primeiras horas da manhã, a pequena aldeia de Poncebos (a curta distância de Arenas de Cabrales) entregue ao seu silêncio tão sepulcral às diferentes horas do dia e da noite. No início, o trajecto, por vezes duro e, aqui acolá, íngreme, inspira muitas mentes a um regresso precoce aos vales; quando se vence o primeiro desafio, o parque parece oferecer uma recompensa ao viandante e o percurso descobre-se numa linha recta (com umas imperfeições, é verdade), de uma altura que oferece uma panorâmica vertiginosa sobre a garganta que o rio Cares exibe nas suas profundezas. Escuto-lhe o marulho, a rota segue numa das suas margens, garante o sentido de orientação mesmo a quem nunca o teve, o passeio é como o clima por estes lados, provoca múltiplos sentimentos, ora me torna nostálgico, ora pueril, ora distante, ora próximo, enquanto os olhos se vão plantando aqui e ali — e antes de chegar à aldeia de Caín —, em pontes que ligam as margens do Cares, nesses misteriosos túneis cavados nas rochas, na Garganta Divina, tão profunda, a tal ponto que separa o maciço Central do Ocidental dos Picos da Europa. O parque é exigente, convida a uma permanência prolongada para quem o quer conhecer na sua intimidade. No maciço central, onde a altitude ganha todo o esplendor dentro dos Picos da Europa, parto de Sotres (o lugarejo mais alto do parque) e, sem grande dificuldade, cruzo os Invernales del Texu (ou Tejo), um grupo de dezena e meia de casas a quase mil metros acima do nível das águas do mar (conhecidas por invernales e onde também é possível chegar de carro) para os pastores guardarem o gado nos meses mais frios. O trilho vai serpenteando, a paisagem prende todos os olhares, todos os sentidos, passa-se o collado de Pandébano, com vistas impressionantes, subidas e descidas, atravessando a majada de la Terenosa (onde há um refúgio) até que se chega, verdadeiramente grato pelo cenário que se oferece à contemplação, à base do pico Urrielo, também conhecido por Naranjo de Bulnes, erguendo-se, imponente, até chegar aos 2519 metros, uma forte tentação para quem gosta de escalar e possui equipamento e preparação física adequadas — e um perigo constante no Inverno perante a queda, por vezes inesperada, de neve. Desligo, por momentos, o olhar do monte mais emblemático (mas não o mais alto, estatuto que é conferido à torre de Cerredo, com 2648 metros, também no maciço central) dos Picos da Europa, assim conhecido devido às suas tonalidades alaranjadas quando exposto aos raios solares, e percorro um trilho que me fará desaguar, lá mais para a frente, em Bulnes, uma minúscula aldeia detida no tempo, tão acolhedora e reconfortante após uma caminhada que, face ao desnível, nem sempre se revela dócil. Bulnes, com duas dezenas de habitantes e aninhado no meio de magnificentes montanhas com vontade de tocar o céu, é um dos lugares mais encantadores de todo o parque nacional, com as suas casinhas de pedra decoradas com flores viçosas, os seus bonitos telhados, a sua igreja, a sua ponte, tão banhado de uma serenidade que apazigua os espíritos mais exaltados. A Bulnes, sempre envolto nesse manto tão tranquilo, não se chega de carro (nem sequer num veículo todo-o-terreno) e, até 2001, a aldeia esteve praticamente isolada do mundo — a única via de comunicação, estreita e íngreme, era ao longo do canal del Texu, uma situação que muito contribuiu para manter intacto o carácter rural desta aldeia. Já no início deste século, de forma a potenciar o número de turistas (mas também para facilitar o transporte de produtos de primeira necessidade), foi inaugurado um funicular subterrâneo que liga Bulnes a Poncebos em escassos sete minutos ao longo de pouco mais de dois quilómetros e com um desnível de 400 metros. É fácil deixar-se enfeitiçar pela beleza estética (em contraste com a inestética do funicular) desta aldeia pitoresca, pelo ar que se respira, pelas panorâmicas, sentado num terraço com vista para um mundo verde ou, em contraste, para os cumes despidos das montanhas, de preferência com um pouco de queijo de Cabrales e um copo de sidra à nossa frente. Decido-me a caminhar um pouco mais, uns dez ou quinze minutos, ao encontro do mirador de Bulnes, de onde abarco com o olhar, uma vez mais, toda a imponência do Naranjo (e, ainda que parcialmente escondida pelas nuvens, a torre Cerredo) esse pico tão inacessível para muitos e tão sedutor para os alpinistas. Regresso a Bulnes, para mais uma errância feliz, para me sentar à sombra de uma árvore, recuperando forças para (uma vez que abdico do funicular) iniciar o percurso até Poncebos ao longo do canal de Texu, pouco mais de uma hora (uns cinco quilómetros) por um caminho por vezes estreito mas sempre tão encantador, observando com respeito os desfiladeiros, essas gargantas que ameaçam engolir-nos ao menor descuido, aqui ou acolá uma corrente de água que nos transporta para o passado, quando, há muitos, muitos anos, um glaciar, nascendo na base do Naranjo, deslizava por este território para moldar a paisagem que nos dias de hoje provoca ondas de espanto em todos os que vivem esta experiência tão gratificante. Quando Poncebos já se perscruta no horizonte, nada melhor do que um mergulho nas águas geladas e cristalinas do rio, antes de ficar por momentos a admirar a elegante ponte de pedra de la Jaya, uma vez mais com os pés na água, para sentir a temperatura do Cares. Deixo para o fim um dos percursos mais simples, mais visitados, mais acessíveis de carro e não menos belos em todo o parque nacional. Saio de Cangas de Onís quando o sol já ameaça subir nos céus, numa altura em que meio mundo ainda se entrega à sua sonolência, para me deter, daí a uns minutos, nas proximidades da Basílica de Covadonga. Santuário católico, a sua construção iniciou-se em 1877 mas as suas obras, impulsionadas pelo arcebispo de Oviedo, D. Benito Sanz y Florés, para devolver os tempos de esplendor a Covadonga, apenas foram concluídas já no século XX (em 1901), já com a assinatura de Federico Aparici, sucessor do primeiro mentor, Roberto Frasinelli. Em estilo neo-românico, a basílica foi erguida com pedra rosácea e mármore recolhida das próprias montanhas de Covadonga, destacando-se no seu interior algumas obras de arte, como um quadro de Luis de Madrazo, representando a proclamação do rei Pelayo, ou um outro, de Vicente Carducho, que fala da Anunciação ou, finalmente (por entre capelas e o órgão inaugurado em 2001 que também justificam um olhar), uma imagem de Nossa Senhora esculpida com mestria pelo catalão Juan Samsó. Covadonga é um apelo constante para os peregrinos, para os portadores de uma fé inabalável. Nenhum deles, durante uma viagem pelos Picos da Europa, deixa de prestar o seu tributo à Santa Cueva, onde se encontra a Virgem de Covadonga, para os mais íntimos, como os asturianos, carinhosamente designada como La Santina. Em tempos remotos, a capela da Santa Cueva era em madeira mas em 1777, na sequência de um incêndio em que se perderam a imagem da virgem, jóias, cálices, todos os artefactos que a ela pareciam pertencer por direito, optou-se por uma construção mais sólida, menos exposta aos perigos. A senhora que hoje se observa, por vezes com os olhos dos crentes cheios de lágrimas, remonta ao século XVI, sendo proveniente da catedral de Oviedo, um ano após o fogo consumir tudo à sua volta e como recompensa pela perda da imagem original. Covadonga é, definitivamente, um lugar para os devotos, por vezes ignorado por quem apenas pretende estar rodeado da natureza e dessas montanhas admiráveis, pelo meio de trilhos que, com tantas e invejáveis panorâmicas, são como espasmos de amor. Logo à direita, ainda antes de encontrar a imagem de Nossa Senhora, apresenta-se o sepulcro de D. Pelayo, enterrado numa paróquia próxima, em Santa Eulalia de Abamia, mas mais tarde trasladado, a exemplo dos restos mortais da sua mulher e da sua irmã, para a Santa Cueva. Mais difícil de encontrar é o túmulo de Afonso I e da sua senhora, Hermelinda, filha de Pelayo, ainda assim próximo da capela românica levantada nos anos 40 do século passado, obra considerável do arquitecto D. Luis Menendez Pidal. Dispondo de um bocadinho mais de tempo e recusando o apelo da natureza, não deixe de reparar, próximo do altar, numa obra assinada por Juan José Garcia para a II Bienal de Barcelona, uma representação da batalha de Covadonga. Quando Afonso XIII se encontrava no seu refúgio de veraneio, em Julho de 1918, em San Sebastián, certamente que antes de declarar este espaço como parque nacional, muitos anos antes de ser reconhecido, em 2002, pela UNESCO como Reserva de Biosfera, recordou-se de um momento histórico, do 12. º centenário dessa batalha não menos histórica que teve lugar por estes lados, quando D. Pelayo começou a combater os muçulmanos, dando início à Reconquista, materializada séculos depois. Os Picos da Europa vivem, pelo menos em algumas áreas, do passado mas os seus responsáveis olham o futuro imbuídos desse forte desejo de proteger um espaço tão frágil, tão delicado, de tanta beleza. Quem resiste, sem alguma ponta de emoção, aos majestosos lagos Enol e Ercina, relativamente próximos de Covadonga e de onde partem tantos trilhos que tanto nos podem conduzir a antigas minas como a miradouros como o de Urdiales?- É urgente continuar com a planificação do parque nacional que estabelecerá o futuro deste espaço para os próximos dez anos. Os Picos da Europa necessitam de grande tranquilidade, para que se possa trabalhar sem a pressão de tantos interesses sectoriais que incidem sobre ele. O parque tem um grande potencial como factor de desenvolvimento do meio ambiente, mas é fundamental que todos os sectores se mentalizem da grande importância deste espaço como motor económico e como fórmula para atingir um rendimento em forma de consciencialização ambiental das novas gerações. Em resumo e como dizemos por aqui: que todos rememos na mesma direcção. Só assim será possível conservar de forma adequada os recursos naturais, culturais e etnográficos do parque, permitindo, ao mesmo tempo, que seja factor primordial no desenvolvimento das aldeias do interior e meio-ambiente do parque. Sinto a força das palavras do director-conservador do parque, Rodrigo Suárez Robledano, um homem que não resiste ao chamamento da natureza. Mas também sinto a força e o carácter (mesmo com a invasão de turistas) em lugares como Cangas de Onís ou Potes. Talvez graças a Afonso XIII. Há dois aeroportos localizados relativamente próximos do parque: um em Santander (a uns 80 quilómetros e mais conveniente para quem pretende iniciar a exploração pelo lado oriental) e o outro o das Astúrias (situado em Castrillón, a 15 quilómetros de Avilés, a 40 de Gijón, a 50 de Oviedo, a capital do Principado, e a 125 de Cangas de Onís, outra das portas de entrada nos Picos da Europa). Para o primeiro destino, na Cantábria, não há qualquer ligação aérea directa desde Portugal; já para o aeroporto das Astúrias, há um voo diário da TAP (operado pela White Airways) de Lisboa (pouco menos de duas horas e uma tarifa de ida e volta a rondar os 250 euros). De carro (de grande utilidade para visitar o parque, pelo que deverá alugar um caso utilize transporte aéreo), são pouco mais de 800 quilómetros entre Lisboa e Cangas de Onís — e menos de 600 para quem inicia a viagem no Porto. Os Picos da Europa, com um clima húmido temperado tipo Atlântico (na vertente norte Atlântico puro e na vertente sul Atlântico continental), têm o seu encanto em qualquer estação do ano — tudo depende do prazer que podem despertar no viajante, umas vezes seduzido pela neve, outras por temperaturas mais amenas e mais convenientes para a realização de caminhadas. A precipitação (neve e chuva) é abundante ao longo do ano, superando, em algumas zonas, e em média, os 2000mm por ano, enquanto os meses de Junho e Julho são, por norma, os mais secos — não é por acaso que a maior afluência de turistas se regista nos meses de Verão, pelo que a Primavera e o início do Outono se podem revelar como alturas ideais para visitar o parque. Hotel Picos de Europa Calle Mayor, s/n Arenas de Cabrales Tel. : 00 34 985 84 64 91 E-mail: reservas@picosdeuropa. com www. picosdeeuropa. com Preços: entre 50 e 80€ mas com tarifas (quarto duplo) que podem ultrapassar os 120€ em algumas épocas do ano. Um hotel cheio de história (aberto em 1907 e utilizado como hospital durante a Guerra Civil espanhola, foi restaurado em 1989), no centro de Arenas de Cabrales, com piscina e uma panorâmica soberba sobre as montanhas. La Tahona de Besnes Lugar Barrio Besnes, s/n Peñamellera Alta Alles Tel. : 00 34 985 41 56 41/00 34 681 16 40 79 E-mail: tahonabesnes@gmail. com www. latahonadebesnes. es Preços: a partir de 90€, mas entre 13 de Julho e 26 de Agosto apenas aceita reservas para um mínimo de quatro noites (cerca de 340€, sem pequeno-almoço). Num cenário deslumbrante, um espaço que contempla hotel (12 quartos) e cinco casas rurais restauradas com requinte e de acordo com a arquitectura tradicional. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Casa Sagües Valedelabarca, s/n Arenas de Cabrales Tel. : 00 34 661 54 87 67 Com um preço médio de 25€ (excluindo bebidas), a Casa Sagües é um bom exemplo da cozinha tradicional asturiana, com bons queijos da região e o cabrito no forno (a lista também contempla peixe e marisco) como especialidade. El Molín de la Pedrera Calle Río Güeña, 2 Cangas de Onís Tel. : 00 34 985 84 91 09 E-mail: reservas@elmolin. com www. elmolin. com Uma instituição com mais de 30 anos, gerida por uma família e aberta diariamente entre meados de Julho e meados de Setembro. A cozinha é regional com um toque de criatividade: prove uns lombos de sardinha sobre carpaccio de laranja ou os chorizos à la sidra (entradas) e uma fabada asturiana ou uma presa ibérica com vinho do Porto. O preço médio ronda os 20 euros. É possível efectuar visitas guiadas e interpretadas pelos guias próprios do parque nacional, de forma gratuita (basta reservar e apresentar-se no local da partida à hora determinada) e unicamente em espanhol. O grau de dificuldade das caminhadas é baixo ou médio, tendo lugar apenas de segunda a sexta e entre os meses de Julho e Setembro, à excepção do dia 8 de Setembro, dia das Astúrias — para grupos com não mais do que 20 pessoas e um mínimo de três. As rotas são distintas (entre três a quatro horas de percurso) e tanto podem ser feitas a partir da zona dos lagos de Covadonga, nas Astúrias, como na Cantábria (Liébana) ou em León (zona de Sajambre e o vale de Valdeón). A actividade é desaconselhável para pessoas com problemas cardiovasculares ou físicos e recomenda-se o uso de calçado de montanha ou desportivo, que leve água, um chapéu, protector solar e um corta-vento (nunca se sabe quando a chuva pode fazer a sua aparição) — sem esquecer uma atitude responsável de forma a preservar um espaço de grande fragilidade. Não perca a oportunidade de errar, como um turista dentro de um museu, pela gruta-exposição situada no bairro Cares, em Arenas de Cabrales, para tentar compreender (e provar) a história do queijo que, desde 1981, goza do estatuto de Denominação de Origem e é, seguramente, um dos mais famosos produtos da gastronomia asturiana. A visita é guiada e permite-lhe ficar a par de todo o processo de elaboração do queijo de Cabrales, de noções singulares que provavelmente desconhece, como a existência dos soplaos, essas correntes de ar naturais que motivam o aparecimento do fungo penicillium roqueforti, de vital importância para a maturação tão característica deste queijo. Logo que a projecção audiovisual se aproxime do fim, fique com a certeza de que o melhor está para vir — uma prova de queijos. Retenha na memória, talvez para mais tarde, os nomes: Gamoneu, Cabrales, Los Beyos, Tipo Valdeón, Bejes-Tresviso. Mas há outros. Os portugueses apenas carecem de um documento de identificação (passaporte, bilhete de identidade ou cartão de cidadão) para visitar o país. A moeda é o euro. A língua oficial é o espanhol.
REFERÊNCIAS:
As marinhas estão a ganhar nova vida e o sal não é o seu único tempero
Degustar ostras e salicórnia em pleno coração da ria, fazer uma massagem com lamas ou simplesmente mergulhar o corpo na água salgada. São várias as propostas a cumprir nas “novas” marinhas de Aveiro. (...)

As marinhas estão a ganhar nova vida e o sal não é o seu único tempero
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 | Sentimento 0.068
DATA: 2018-07-21 | Jornal Público
SUMÁRIO: Degustar ostras e salicórnia em pleno coração da ria, fazer uma massagem com lamas ou simplesmente mergulhar o corpo na água salgada. São várias as propostas a cumprir nas “novas” marinhas de Aveiro.
TEXTO: Numa tarde, Mónica Martinez chega a abrir e a preparar umas “300 ostras” e nem assim fica enjoada deste bivalve. “Até gosto de comer uma ou outra pelo meio”, confessa. “Isto não é complicado. Só é preciso saber a técnica para as abrir e usar luvas para não magoar as mãos”, acrescenta, ao mesmo tempo que se mantém focada na tarefa. O momento não é propício a distracções. Os visitantes não param de chegar e vêm com expectativas elevadas: degustar “as melhores ostras a nível nacional” — Mónica assegura que a classificação é feita por quem as prova —, apanhar e provar salicórnia e assistir ao pôr do sol a partir das águas da ria de Aveiro. O convite lançado pela gerência da Ostraveiro parece ter agradado a muitas pessoas e a marinha Passagem acabou por ser palco de uma grande festa com cheiro a Verão. O espaço que durante décadas esteve dedicado à produção de sal está, agora, transformado em atractivo turístico, aliado à produção (e degustação) de ostras e salicórnia. Um pequeno recanto da ria, situado bem próximo do centro de Aveiro, onde cabe quase tudo aquilo que é necessário para um dia de lazer: uma zona com camas de rede, áreas de esplanada, um parque infantil e um bar de madeira literalmente plantado em cima da água. “É um bar que serve apenas gin”, explica Sandro Sousa, o empresário que, juntamente com a mulher, Sandra Sousa, decidiu recuperar uma antiga marinha de sal e dar-lhe uma nova vida, associando-a à actividade que já vinham desenvolvendo na Ostraveiro (produção de ostras). Abriram no final do Verão do ano passado, apenas em “fase de testes”, e, no passado mês de Fevereiro, o projecto começou a entrar em velocidade cruzeiro (a marinha está aberta todos os dias). “As pessoas gostam muito de vir cá e de consumir aquilo que produzimos aqui”, refere Sandro Sousa — além das ostras, a carta da casa contempla ainda berbigão, amêijoas e lingueirão (só este último não é produzido na marinha Passagem). Ainda que não seja obrigatória a reserva prévia, a gerência aconselha a marcação de mesa, tanto mais porque o acesso à marinha é feito através de barco. Uma curta travessia de dois minutos — apenas para atravessar o canal da antiga lota —, orientada por marinheiros experientes, como é o caso de António Piorro, que passou mais de 20 anos no mar e que parece conseguir fazer esta pequena navegação com uma perninha às costas. Na verdade, os visitantes quase nem chegam a sair do centro de Aveiro, ainda que sejam tentados a pensar que estão “num pequeno paraíso”. “Sem dúvida um sítio para trazermos pessoas que venham de fora”, avaliam Sandra Martins e Andreia Rosas, duas amigas, ambas de Aveiro, que decidiram participar no sunset do passado dia 26. “Queríamos conhecer o espaço e aproveitámos o evento”, introduz Sandra Martins. E a primeira avaliação não deixava margem para dúvidas. “Isto é fantástico e mantém viva essa tradição das marinhas em Aveiro”, nota, por seu turno, Andreia Rosas, fazendo votos para que outras antigas salinas possam ter um destino idêntico. O convite falava apenas na degustação de ostras e na apanha de salicórnia mas os anfitriões da festa, Sandro e Sandra, fizeram questão de brindar os convidados com um showcooking de petiscos à base dessa planta salgada. Para isso, chamaram a presidente da Associação Figueira Com Sabor a Mar, Isabel João, que ensinou a confeccionar pataniscas de salicórnia e peixinhos da horta (com salicórnia). “Para as pataniscas, usamos farinha, água, cebola, ovos, salicórnia e um dedal de cerveja; já os peixinhos da horta levam farinha, água ou leite, ovo e salicórnia, neste caso com os troços maiores”, explica a também proprietária do Restaurante Picadeiro, da Figueira da Foz. Com Isabel João veio também uma pequena comitiva figueirense, cidade que também conta com grandes tradições na produção de sal e que “está a trabalhar para manter bem viva a tradição do salgado”, afiança Miguel Pereira, vereador da câmara da Figueira da Foz. E tanto lá como em Aveiro o grande impulso para a requalificação das antigas salinas tem vindo a ser dado pelo sector do turismo. Em Aveiro, os últimos dois anos têm sido marcados por alguns sinais positivos no que concerne às marinhas de sal — já agora, evite, por estas bandas, chamar-lhes salinas (dizem que é uma afronta e que os antigos marnotos jamais a perdoariam). As antigas áreas de produção de sal estão a revitalizar-se, contrariando o triste cenário que a cidade da ria vinha enfrentando nas últimas décadas: os montes brancos deixaram de ser uma constante na paisagem (das cerca de 270 marinhas que se mantinham activas nas décadas de 60 e 70 do século passado, restavam menos de uma dezena). Com o aumento da afluência de turistas à cidade, não tardou a que alguns empresários percebessem a oportunidade que jazia — o termo pode parecer exagerado, mas a verdade é que muitas marinhas estavam completamente largadas ao abandono e degradadas — ali ao lado, às portas da malha urbana. E ainda que a grande maioria mantenha essa função básica de produção de sal, nestas marinhas revigoradas criaram-se propostas de actividades e experiências que não se esgotam na observação dos afazeres dos marnotos. Disso é exemplo o Spa Salínico, inaugurado em Agosto de 2016, nas marinhas Grã Caravela e Peijota. O espaço, gerido pela empresa turística Cale do Oiro, não tardou a conquistar uma grande legião de fãs, atraídos pela possibilidade mergulhar na água da salina — à qual a empresa faz questão de acrescentar uns bons punhados de sal —, de beber um copo ao pôr do sol ou fazer uma massagem de relaxamento ou tratamento de beleza. São várias as opções disponíveis neste spa a céu aberto (serviços sujeitos a marcação prévia) e que vêm complementar o tratamento que já é garantido através de um banho na água da marinha: massagem simples de relaxamento com água de salmoura, massagem de pedras quentes com água salgada, ou o tratamento de assinatura, o Ritual Salinas. “Consiste numa esfoliação com flor de sal e óleo de coco, seguida de hidratação profunda da pele. Esta massagem prevê não só o relaxamento mas também a eliminação de toxinas e por arrasto drenagem de celulite”, assegura a técnica de spa Teresa Estêvão. Depois de ter vivido e trabalhado na Islândia, bastou-lhe adaptar os conhecimentos e experiência aí adquiridos para a realidade do salinário aveirense. E jura a pés juntos que o sal “é um mineral riquíssimo, que funciona como diurético, antipirético, cicatrizante, regenerador da elasticidade da pele, entre muitos outros benefícios”. Se ainda assim subsistirem dúvidas, a empresa detentora do spa salínico está disposta a mostrar os “resultados de análises feitas à água e às lamas, que comprovam as suas propriedades terapêuticas”, assegura Fernando Catarino, um dos proprietários da Cale do Oiro. Este vai ser já o terceiro ano de funcionamento do spa salínico — o espaço só agora está a dar início à temporada de 2018 —, mas as perspectivas continuam a ser bastante positivas. Tanto mais que a empresa está prestes a lançar no mercado novos produtos de cosmética made in Grã Caravela e Peijota — uma lama, um creme hidratante, uma água micelar e um bronzeador natural, que se juntarão aos sabonetes e sais já existentes. “E aguardamos pela aprovação de um projecto de requalificação dos palheiros, que vão tornar o espaço ainda mais atractivo e moderno”, acrescenta Fernando Catarino, antevendo que essa renovação já não possa ser feita a tempo deste Verão. Por ora, mantêm-se os ingredientes dos anos anteriores: visitas guiadas, uma loja com produtos à base de sal e uma esplanada com bar, além do spa. A história do aproveitamento das salinas aveirenses para o turismo terá começado há nove anos, na ilha dos Puxadoiros, quando um grupo de investidores se juntou para comprar e recuperar aquela marinha. “No início, era um projecto aquícola mas foi fácil perceber que havia ali uma beleza natural num estado puro”, recorda Vergílio Rocha, um dos proprietários do espaço. Reconhecido o potencial turístico, a aposta passou por conciliar a vertente da aquicultura e da produção de sal, com o turismo de natureza, dando a conhecer o ecossistema que é a ria de Aveiro — com especial destaque para as aves ali existentes (flamingos, pernas-longas, borrelhos, andorinhas do mar, gaivotas e garças). Sempre com esta certeza: “Este não é um sítio para turismo de massas”, realça Vergílio Rocha, lembrando que, por estar numa ilha, esta marinha — que integra um conjunto de oito — apenas é acessível através de barco. Actualmente, a exploração turística da marinha dos Puxadoiros está entregue à empresa Aveiro Emotions — que actua, também, na área dos passeios de moliceiro, restauração, entre outras —, mas a aposta num produto diferenciado continua a ser a tónica dominante. “São visitas guiadas, com a degustação de alguns produtos, e com uma viagem de barco de cerca de 30 minutos para cada lado”, destaca Virgílio Porto, da Aveiro Emotions, reconhecendo que esta distância encarece um pouco o produto (20 euros por pessoa) mas também traz inúmeras vantagens. Também por iniciativa da Aveiro Emotions está a ser lançado o Aquaria, um local para a prática de SUP (stand up paddle), nascido, precisamente, uma antiga marinha — o empreendimento está a operar na área de team building. Justiça seja feita, também, à câmara municipal de Aveiro, que ainda na década de 90 do século passado decidiu adquirir uma marinha e transformá-la em ecomuseu. Na Troncalhada, dão-se a conhecer os métodos de produção artesanal do sal e mantêm-se vivas as tradições ligadas a esta actividade secular. Na prática, este núcleo museológico é uma marinha em actividade, mas aberta ao público — com a possibilidade de agendar visitas guiadas. Uma característica que é comum a todos os projectos de revitalização das antigas salinas de Aveiro, como comprova a “novíssima” marinha Noeirinha — mais um espaço que acaba de ser colocado ao serviço de turismo e que acaba de ser inaugurado (ver texto nestas páginas). Começa, assim, a garantir-se o regresso dessa paisagem recortada em mosaicos e decorada com montes brancos. E também se dá início a uma campanha de marketing em torno do salgado aveirense sem precedentes: há cada vez mais turistas a provar o sal, flor de sal ou a salicórnia produzida nas marinhas do município; as prateleiras das lojas da região vão-se enchendo de cosméticos e temperos feitos a partir do cristal saído das salinas. Com um dado adicional: está em curso um programa da Associação Comercial de Aveiro que visa estimular e apoiar projectos empresariais em torno das marinhas – chama-se Sal de Aveiro e já tem disponível uma bolsa de arrendamento de salinas. Fica apenas a faltar um investimento nas vias de acesso a estas infra-estruturas agora colocadas ao serviço do turismo — as estradas que servem a grande maioria das marinhas aveirenses estão em péssimo estado. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Marinha Passagem Empresa: Ostraveiro Tel. : 913 453 876 E-mailMarinhas Grã Caravela e Peijota Empresa: Cale do Oiro Tel. : 915 661 480 E-mailIlha dos Puxadoiros Empresa: Aveiro Emotions Tel. : 969 008 687 E-mailMarinha da Troncalhada Museu da Cidade de Aveiro Tel. : 234 406 485 E-mailTasca do Sal Cais dos Mercantéis, 15 3800-226 Aveiro Tel. : 234 096 267Restaurante Salpoente Canal de São Roque, 82/83 3800-256 Aveiro Tel. : 234 382 674Hotel das Salinas Rua da Liberdade, 10 3810 – 126 Aveiro Tel. : 234 404 190
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Um apetecível oásis na aridez algarvia
Em Silves e há mais de 40 anos, a Marisqueira Rui é uma referência em mariscos e peixes frescos. Num estilo bem português, e sem cedências aos gostos ou costumes dos turistas. (...)

Um apetecível oásis na aridez algarvia
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 | Sentimento 0.0
DATA: 2018-07-21 | Jornal Público
SUMÁRIO: Em Silves e há mais de 40 anos, a Marisqueira Rui é uma referência em mariscos e peixes frescos. Num estilo bem português, e sem cedências aos gostos ou costumes dos turistas.
TEXTO: Mesmo não estando à beira-mar plantada, é o ar do mar e a brisa marinha que atrai a clientela à Marisqueira Rui. Em Silves, à sombra do velho castelo — que foi visigodo, romano e mouro antes de lusitano —, domina o ar cálido das terras secas do interior, que nem as águas do Arade conseguem amainar com o seu débil curso, e é o aroma marinho, a frescura de peixes e mariscos e a cerveja gelada que fazem da velha marisqueira um apetecível oásis no meio da aridez. É assim há mais de 40 anos. Mesmo antes da massificação turística e do corrupio de veraneio que a casa é uma referência para mariscos e peixes frescos. “Somos sem dúvida uma das marisqueiras mais conhecidas e apreciadas no país e em toda a região algarvia”, assim se apresenta. E talvez por isso seja ainda um dos raros restaurantes do Algarve que não vive da sazonalidade nem se adaptou aos gostos e costumes dos turistas. Bem pelo contrário. São eles que se afeiçoam ao estilo bem português da marisqueira, com base no produto fresco e manipulação mínima, serviço dinâmico e despachado, cerveja a copo de produção nacional e vinhos na mesma linha. Pelos vistos, não só se adaptam como aderiram, já que não são raras as aglomerações à espera de mesa, apesar das três salas que podem acolher à vontade centena e meia de comensais. Tem também a vantagem de se situar numa rua sem trânsito, com uma esplanada que mesmo no pico do Verão consegue estar abrigada à sombra do prédio logo desde a hora de almoço. A maresia absorve-se logo à entrada com o grande aquário que acompanha a parede onde borbulha grande variedade de mariscos. A frescura prolonga-se pelo balcão de fundo que liga as duas sala principais com as suas vitrinas a exibir peixes frescos e convidativos camarões, percebes, búzios, bruxas, lagostins e quejandos. A cerveja jorra em permanência das torneiras instaladas no balcão e parece haver uma regra que faz com que os diligentes funcionários não deixem que alguma vez os copos fiquem vazios nas mesas. Eles repõem mesmo que não haja pedido expresso. Para reforçar a sensação fresca, também as paredes estão forradas com cortiça a meia-altura e com prateleiras no topo exibindo algumas relíquias vinícolas, a atestar a pujança e longevidade da casa. Mesas com toalhas de papel sobre a cobertura de algodão amarelo, ambiente simples e serviço despachado, como é timbre deste estilo de casas. Com a carta chega também cestinho com pão torrado e manteiga e um pires de maionese. Também compôs com cerveja gelada ainda antes de qualquer pedido. R. Comendador Vilarinho 27 8300-117 Silves Site Tel. 282 442 682 / 919 856 475 Horário: 12h/01h (cozinha ate às 23h) Fecha à terça-feira Esplanada Estacionamento nem sempre fácil (parque na beira-rio)A par da longa lista de mariscos, a carta oferece também uma dúzia de pratos com peixes frescos, seis “especialidades” e uma dezena de pratos de carne, onde não faltam os bacalhaus (grelhado ou cozido com grão), os bifes, costeleta e tornedó e a inevitável carne de porco com amêijoas. As doses variam entre os 12€ e os 16€. As “especialidades”, com um tempo de preparação de meia hora e sempre em dose dupla, incluem as cataplanas (peixe ou amêijoas) e os arrozes ou massadas que podem ser de peixe, mariscos, lavagante ou tamboril com navalheira, a preços que rondam os 30€, com a excepção do lavagante, que duplica. É claro que é sobretudo pelos mariscos frescos que a clientela ocupa o grosso dos lugares da marisqueira. A lista alonga-se por mais de duas dezenas de indicações, desfiando conquilhas, amêijoas, ostras, búzios, canilhas, camarões, perceves, sapateiras, santolas, lagosta, lagostim, cavaco, lavagante, navalheiras e as bruxas, que por aqui são baptizadas de ferreirinhas. Há de tudo, como se vê, e com preços ao quilo e há cerca de três semanas podiam ir dos 30€ (perceves) aos 100€ (lagosta). Começamos precisamente pelas perceves, e não só pelo preço. Antes porque se mostravam fresquíssimas, com brisa marinha e resquícios de plâncton e das pedras de onde foram arrancadas. É, de facto, o mar que chega à mesa. Com os copos de cerveja gelada vieram também umas torradas com manteiga cortadas em tiras, daquele pão macio/maçudo e adocicado que deveria ser banido das mesas portuguesas. E tão bom pão rústico há ainda pelo interior do Algarve!Saciada a sede com a frescura passava a ser uma questão sabores e a escolha do envolvente Kompassus Blanc de Noirs, um dos grandes embaixadores dos espumantes da Bairrada, assentou na perfeição com os sabores simples e naturais do que estava para vir. Primeiro, com a natureza marinha de uma sapateira e seu recheio, de cozedura e sapidez irrepreensíveis. Seguiram-se uns camarões médios abertos em dois e grelhados, com alho e manteiga e um molho picante que é servido à parte. A satisfação ia claramente em crescendo e atingiu o topo com um garboso carabineiro suado, a brilhar de desejo na sua cor púrpura. Carnes firmes e delicadas com textura definida e sabores espevitados por molho frutado, limonado e levemente picante que envolvia o palato. Sorveu-se até à ínfima parte com completa satisfação e aprovação. Houve oportunidade ainda para constatar a qualidade e boa execução do arroz de mariscos. Com abundância de mariscos frescos, incluindo lingueirão, e o aroma e goma inconfundíveis do grão carolino. É assim mesmo!Para fechar, como é de tradição nas mais populares marisqueiras, o prego do lombo (6€) frito na frigideira com alho e azeite. Carne de excelência e execução perfeita para um final em grande. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Nas sobremesas, não podia faltar o algarvio D. Rodrigo (2, 75€), que mereceu também nota alta, a par de outros doces regionais e ainda alguns queijos nacionais. Não fazia mesmo falta nenhuma o complemento de horrores gelados que é oferecido de forma autónoma numa daquelas listas plastificadas. As crianças gostam, é certo! Mas não somos obrigados a fazer-lhes mal!Percebe-se, pois, que esta Marisqueira Rui se apresente como uma das mais apreciadas no país e na região algarvia. Não só pela variedade e qualidade dos mariscos, mas também pela cozinha simples e natural como os prepara e serve. Numa região onde reina a descaracterização, louve-se também o serviço simpático, eficiente e atencioso e a matriz de tradição portuguesa e popular. Também por isso reforça a sensação de saboroso e apetecível oásis.
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