O cacau é como o azeite, como a salsa, como o vinho
O italiano Claudio Corallo diz que faz em São Tomé e Príncipe o melhor chocolate do mundo. Como? Ele até conta, mas “as pessoas gostam de segredos menos cansativos”. (...)

O cacau é como o azeite, como a salsa, como o vinho
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 | Sentimento 0.0
DATA: 2017-07-02 | Jornal Público
SUMÁRIO: O italiano Claudio Corallo diz que faz em São Tomé e Príncipe o melhor chocolate do mundo. Como? Ele até conta, mas “as pessoas gostam de segredos menos cansativos”.
TEXTO: Guarda cafés “que dão arrepios”, de tão aromáticos que são. Na sala de sua casa, em São Tomé, há um discreto quadro na parede com papelinhos correspondentes aos lotes de café que produziu desde 2000. Mas concentramo-nos no que está em cima da mesa em frente aos dois sofás: o chocolate Corallo. Claudio Corallo garante que faz o melhor chocolate do mundo e aqui estão estas discretas caixas de cartão a desafiar quem disser o contrário. Nasceu na zona de Florença, numa família totalmente dedicada ao azeite. Em 1974, mudou-se para o Zaire, actual República Democrática do Congo, para plantar café, tinha então 23 anos (tem agora uns enérgicos 66). Quando a situação política se complicou, na segunda metade da década de 1990, foi obrigado a abandonar o país. Já tinha passado pela Bolívia, acabou em São Tomé e Príncipe. Estivemos no Terreiro Velho, a roça do Príncipe onde produz cacau, café e pimenta. Mas a conversa foi em sua casa, na capital, onde está também o laboratório. Talvez seja inesperado ouvir que há semelhanças entre um cacaueiro e uma oliveira. Porque é que o seu cacau é bom? Qual é a principal característica?Eu! Sim, não há dúvida. Na Bolívia, fizemos o melhor café do país; no Zaire, era considerado o melhor robusta do mundo, e no mercado valia muito mais do que os outros. Fazia um café extraordinário, que não tinha nada a ver com o café comercial. No Príncipe, faço também café libérica, que é super-apreciado porque é superperfumado. Fazemos cacau, e é a mesma coisa. É como ter duas vinhas no mesmo terroir: uma dá um superbom vinho, a outra não. Qual é a diferença? É o homem que produz. É normal, não? Dá-se o mesmo ingrediente a dois cozinheiros e eu faço uma porcaria, o outro uma coisa super. Tem a ver com a forma como é tratado durante o crescimento da planta?Se você tiver uma cadeira, bem feita, leve, forte, linda, e perguntar ao marceneiro: “Qual é o segredo?”, ele olha para si e diz: “Faço marcenaria há 60 anos”. É o meu trabalho, faço com prazer e com cuidado. Toda a gente gosta de saber o segredo, a planta, a variedade, a terra, o clima. . . Aqui muda muito o terroir, porque [os terrenos] são pequenos, há muitas colinas, mas nós trabalhamos em diferentes terroirs e a qualidade é sempre elevada. A pimenta que fazemos é fantástica. A baunilha está [plantada] há 19 anos e só este ano é que estamos a trabalhar com ela. É espontânea: deixámos brotar e 17 anos depois, três plantas, num raio de 50 metros, deram vagem entre 8 e 12 metros de altura. Deixei a vagem rebentar na planta, plantei outra baunilha da mesma estaca, e no ano passado mais plantas produziram, na mesma zona, sempre entre 8 e 12 metros de altura. Tirei só seis vagens, deixei o resto, e este ano está novamente a florescer. [Levanta-se, desaparece da sala e regressa com um frasco de vidro grande, com meia dúzia de vagens de baunilha. Abre o frasco e passa-o a alguma distância do nosso nariz]. Isto é só uma passagem rápida para dar uma ideia. É incrível. Olha o tamanho desta vagem!Já a utilizou?Já utilizei para uma prova. Quero apanhá-la madura na planta, espontânea, porque diverte-me ver até onde se pode chegar com a qualidade de um produto, cuidando tudo do início até ao fim. É essa a sua marca, não é?É uma característica comum a todos os meus produtos. Sou conhecido no mundo por isso. No Zaire, exportava contentores com sacos de 60 quilos, cada contentor tinha 18 toneladas. Aqui para fazer 18 toneladas preciso de três anos. As plantas reproduzem-se pouco, com rendimentos muito baixos. É uma dor de cabeça. Mas estamos com um produto que é um indicador [de qualidade]. Esta [pega numa caixa de grãos de café cobertos de chocolate] são três variedades da mesma espécie, cultivadas no mesmo campo, trabalhadas da mesma maneira e tem três sabores totalmente diferentes. É como experimentar três copos de vinho tinto, derivados de três castas diferentes, cultivadas na mesma vinha, vinificadas da mesma forma, na mesma adega, pela mesma pessoa. A diferença de paladar deve-se à casta. Com a pimenta a mesma coisa: a mesma pimenta trabalhada de duas maneiras diferentes dá dois perfumes diferentes. Porque escolheu São Tomé?Porque é perto. Vinha do Zaire, actual RDC. Tinha lá as minhas plantações. De Kinshasa até aqui são 1350 quilómetros. Para deixar a família em lugar seguro preferi deixá-la aqui, perto do mar. Claro que sabia que havia café super-interessante, que havia cacau. Mas o cacau de São Tomé no mercado vale tanto como os outros cacaus. O que produzia no Zaire? Só café?Só café. Era no meio do mato, uma coisa fantástica, mas tivemos que fugir. Quando cheguei aqui não era para trabalhar. Mas comecei a ver as plantas de café e fazia as minhas provas, por curiosidade. Fiquei cá três anos para perceber se dava para organizar uma base. Já tinha experimentado fazer chocolate?Cheguei ao chocolate absolutamente por acaso. Nunca gostei de chocolate e não sei fazer nada na cozinha. Venho da escola do azeite. Toda a família, amigos, primos, eram ligados directa ou indirectamente à produção de azeite. Estava habituado a avaliar o azeite, e era uma guerra a cada ano para saber se o amargo era da oliveira ou se era amargo porque havia folha ou por causa da mosca da azeitona — pode ser amargo natural ou amargo por defeito. Por isso estava treinado nisso. Quando cheguei aqui, gostava da planta de cacau, que pode ser bastante semelhante à oliveira. Não tem nada a ver com o café: café é um arbusto e poda-se de uma maneira, o cacau é uma outra história. Que semelhanças são essas entre o cacaueiro e uma oliveira?Um camponês que sabe podar uma oliveira, se estiver à frente de uma planta de cacau, adivinha. É igual. Comecei a experimentar o cacau que encontrava. E em todo havia uma amargura que não dava dúvidas: era amargura derivada de defeito. Por exemplo, a rúcula: tem um amargo natural; se a esquecer durante uma semana no frigorífico, a folha começa a escurecer e traz uma outra amargura que não tem nada a ver com a amargura natural da rúcula, é derivada de um defeito de armazenamento. Encontrou isso no cacau?Fiquei verdadeiramente admirado. Queria ter uma ideia mais ampla, experimentar mais cacau, e fiz uma coisa muito simples: pedi a um amigo na Itália que contactasse os maiores grossistas para que enviassem amostras dos melhores lotes de cacau que tivessem. “Não me interessa o preço, pago as amostras, o transporte, mas quero o top da qualidade. ” Contactaram dois grossistas em Itália e França, um deles o grossista de cacau mais conhecido do mundo. Recebi as amostras dos melhores lotes que havia no mercado, do cacau comercial, que é cotado em bolsa. Em todas as favas que experimentámos havia esta amargura que eu não tinha dúvidas de que era um defeito. Era bastante incrível. O defeito sente-se. Mesmo não sendo um conhecedor?Eu nunca tinha comido cacau nem gostava de chocolate. Sente-se o defeito. É naturalíssimo! O que é incrível é que ninguém tenha dito isto antes. Logo, não deve ser tão evidente quanto isso. As pessoas têm um enorme cromossoma da ovelha! Impressionante! Eu dizer, há 20 anos, “desculpa, mas este amargo é um defeito”, não foi fácil. Mas disse. E provei-o. Criei este laboratório para descobrir a origem do defeito do cacau, para evitar o seu aparecimento: analisar todas as amostras que preparavam na plantação. No final, consegui o percurso certo, não para eliminar os defeitos mas para os evitar, o que é bem diferente. Porque eliminar o defeito, como fazem na indústria, não é um procedimento selectivo: elimina tudo, perfume, defeito, vida, fica uma pasta que tem um sabor que, se não se juntar baunilha ou qualquer coisa, não sabe rigorosamente a nada. Porque é que eu tenho tanto sucesso em todo o mundo? Faço conferências na Califórnia, Suiça, Alemanha, Bélgica, porquê?Está a passar esse conhecimento a outras pessoas aqui?A formação é a base do meu trabalho. Formamos toda a gente porque para chegar a esta qualidade é preciso um trabalho de equipa. Estão envolvidas 250 pessoas — duas plantações, um escritório, um laboratório. A formação é sempre a base. Cada pessoa tem que conhecer muito bem o seu trabalho e sentir que está participando no resultado, ter orgulho do trabalho que faz. Voltanto atrás: quando diz que não gostava de chocolate. . . E tinha razão. Tinha razão. Sempre gostei de confeitaria, mas a confeitaria está para o chocolate como a sangria está para o vinho. Não se pode julgar um vinho bebendo uma sangria. Não posso julgar um chocolate comendo um bombom. E como foi dedicar-se a uma coisa de que não gostava à partida?Um dos ensaios que fazíamos no laboratório era torrar, descascar e moer. Enquanto melhorávamos a técnica, este cacau descascado e moído saía sempre com mais perfume. E eu experimentava o cacau: chupava a mucilagem fresca, na cápsula. Outra coisa curiosa: sou o único no mundo a ter feito aguardente de polpa de cacau. Não existia?Não, e porquê? Porque é um subproduto. Quer experimentar? São 73 graus! É robusta![Sai para ir buscar uma garrafa de plástico de litro e meio com um líquido transparente e alguns copos]. Ponho pouco porque é uma bomba! Mostro como se faz: ponho uma gota na boca, e depois mastiga-se de maneira a diluir-se com a saliva. Porque se vai directo para a garganta fica sem respiração. Sente como é redondo? Como é profundo? Há grapa de 50 graus que arranha; este é veludo. A polpa, a goma do cacau, que as pessoas comiam fresca no momento da colheita: eu fiquei tão apaixonado por este perfume que quis capturá-lo. Comercializa?Não. O nosso distribuidor em Itália já deixou de insistir. Faço macerar passas de uva aqui dentro e depois de quatro meses ponho no chocolate. É muito bom e além disso é o único chocolate do mundo com o seu próprio álcool. Fazemos 30, 40 litros por ano. Quando a colheita é muito distribuída no tempo não dá para destilar porque é tão pouco que fermenta mal. A baunilha também só será usada no chocolate?Sim, porque apanho a baunilha madura e faço um concentrado com chocolate. Basta. Falaram-me tanto de chocolate cru. Pedi a alguém para me mandar todo o chocolate cru que encontrasse no mercado, para experimentar. [Levanta-se novamente e traz uma caixa de cartão com várias tabletes] Tenho aqui porcarias indignas. Coisas vergonhosas. A coisa mais comestível não sabe a nada. Experimente primeiro o meu: não gosto de moer o cacau fino, porque matam-se os perfumes. É como a salsa. Começa a moer, o perfume aumenta, continua a moer, o perfume começa a morrer. Tem uma curva. Este é cacau cru. [Depois de se provar um dos chocolates que mandou vir:] Fica um amargo pegado na garganta, que para limpar é preciso um desentupidor. Agora a boca está disfarçada com o açúcar, mel de não sei o quê. . . A ausência de açúcar não é sinónimo de amargura. Chamou alguém que entendesse de chocolate para trabalhar consigo?Escuta uma coisa, se alguém entendesse de chocolate diria: “Isto não bate certo, porque este amargo não é natural”. Eu faço chocolate como na Toscana se faz o azeite. Se até hoje não havia ninguém a dizer que o amargo é um defeito do chocolate. . . Aliás, todos diziam que um bom chocolate tem de ser amargo. Ia chamar quem? Quando quis destilar a polpa do cacau contactei um grande enotécnico e disse-lhe: “Gostaria de destilar a polpa do cacau, mas nunca destilei na vida. Tens tempo de me dar duas ideias? Eu descrevo-te o fruto. ” A resposta: “Não precisas de me descrever o fruto, porque fiz uma pesquisa bastante longa para utilizar a goma do cacau e não deu resultado”. Allora!Enquanto estiver convencido que sou imortal, vou à frente. Não fico sentado a ver a baunilha crescer, faz-se a pimenta, faz-se outra coisa. Qual era afinal a origem dos defeitos do cacau?Era uma cadeia de erros, de falta de cuidados, do início ao fim. Começa pela colheita, num momento que ou é tarde ou cedo. Armazenamento: temos um armazém elevado e desumidificado. Como podemos pensar em armazenar um produto com esta humidade que há aqui? Este é um treino constante. Esse rigor. . . Rigor! Rigor é a base de tudo. Quando me dizem: “Mesmo assim, presta”. É o início do fim. Incutir esse rigor nas outras pessoas deve ter exigido muito trabalho também, não?Muito exemplo. O exemplo é a base. Dizer as coisas e não dar exemplo, mais vale calar, poupar energia, porque o resultado vai ser o mesmo. Os outros continuam a trabalhar como sempre trabalharam ou já mudaram por sua causa?As pessoas não gostam do meu segredo: cuidado, rigor, trabalho e exemplo. As pessoas gostam de segredos menos cansativos. No Zaire era a mesma coisa. O nosso café valia quatro vezes mais que os outros e ninguém o fazia porque era preciso ficar no campo, com as pessoas: tem que se atribuir a tarefa certa, [equilibrar] a qualidade e a quantidade da tarefa. Se não sabemos trabalhar no campo não temos a capacidade de avaliar a tarefa e as coisas não funcionam. É grotesco. Devia produzir-se mais cacau em São Tomé e Príncipe, ou melhor cacau?Tentamos que o trabalho no campo progrida na qualidade, mas se o preço do café ou do cacau é uma lotaria, se no fim do ano não compensa, as pessoas abandonam o campo, e quando voltarem já não há uma produção. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. O problema do cacau é que tem de ser fermentado e é preciso uma massa [em quantidade suficiente] que dê uma inércia térmica para manter a fermentação. Mas a colheita do cacau não se faz numa semana, é diluída em nove meses. Estamos perto do Equador, não há um pico de produção. Se a colheita der poucos quilos de cacau não dá para fermentar e vai para o lixo. Por isso, temos que nos juntar e eu compro cacau [a outros produtores]. Compro o fruto e faço o resto. Está tudo controlado do início ao fim. Quanto tempo levou até dizer ‘está perfeito’?Perfeito, nunca. Melhoramos sempre. O chocolate é feito com um produto vivo. Como o vinho, que cada colheita dá as suas características peculiares.
REFERÊNCIAS:
Os prémios do 25.º Curtas Vila do Conde falam português
Farpões, Baldios, de Marta Mateus, e Où en êtes-vous…, de João Pedro Rodrigues, são os vencedores da edição de aniversário do festival de cinema. (...)

Os prémios do 25.º Curtas Vila do Conde falam português
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 | Sentimento 0.0
DATA: 2017-09-24 | Jornal Público
SUMÁRIO: Farpões, Baldios, de Marta Mateus, e Où en êtes-vous…, de João Pedro Rodrigues, são os vencedores da edição de aniversário do festival de cinema.
TEXTO: E, aos 25 anos do Curtas Vila do Conde, é o cinema português que sai vencedor do festival. Farpões, Baldios, primeira curta de Marta Mateus, olhar efabulatório e fabulista sobre o Alentejo estreado na Quinzena dos Realizadores de Cannes, foi escolhido como o melhor de todos os filmes a concurso por um júri formado pelos programadores Nicole Brenez, António Preto, Dennis Lim e Pela del Álamo e pelo produtor Georges Schoucair; João Pedro Rodrigues venceu o concurso nacional com Où en êtes-vous, João Pedro Rodrigues? e Gabriel Abrantes foi melhor realizador com Os Humores Artificiais. Num breve comentário assinado em conjunto, o júri considera que Farpões, Baldios “revivifica uma linhagem de obras onde a infância desbloqueia os sofrimentos, os erros e a virtualidades do passado, tradição que devemos, entre outros, a Manoel de Oliveira, a António Reis e Margarida Cordeiro, a Teresa Vilaverde”. É a quarta vez que um filme português recebe o prémio máximo do certame, sucedendo a João Nicolau (Rapace, em 2006), Jorge Quintela (Carosello, em 2013) e Filipa César (Mined Soil, em 2015). Mas, neste ano de comemoração, o prémio a Marta Mateus tem uma dimensão muito especial: trata-se de um primeiro filme de uma realizadora portuguesa que chega a Vila do Conde depois da aclamação no mais importante dos festivais de cinema de categoria A, num momento de relações tensas entre o meio do cinema e as entidades governamentais. Momento esse que foi, aliás, abordado num debate ao fim da tarde de sábado no Auditório Municipal, onde as questões centrais do financiamento, dos concursos e dos júris foram mais uma vez discutidas em presença de produtores, realizadores e deputados do BE e do PCP – mas sem o novo presidente do ICA, Luís Chaby Vaz, que cancelou a sua presença (mesmo enviando um representante do instituto). A par da estreante Marta Mateus, o júri premiou ainda dois outros cineastas portugueses com nome feito e presença regular no festival. João Pedro Rodrigues, que com João Rui Guerra da Mata ocupou a galeria Solar em 2016 com um conjunto de instalações, venceu a Competição Nacional com a curta realizada a partir de materiais de arquivo para a retrospectiva que lhe foi dedicada em 2016 pelo Centro Pompidou, Ou en êtes-vous, João Pedro Rodrigues?. Gabriel Abrantes, que tem este ano igualmente uma peça na Solar, sagrou-se melhor realizador pela sua comédia sci-fi rodada no Brasil Os Humores Artificiais. Se estão longe de constituir escolhas polémicas – e a selecção 2017 foi tão forte que qualquer escolha do júri iria sempre inevitavelmente desiludir –, não deixa de ser pena que O Homem Eterno, de Luís Costa, ou Coelho Mau, de Carlos Conceição, para apenas falar de dois títulos de jovens realizadores que mereceriam lugar no palmarés, tenham ficado de fora dos vencedores. O francês Yann Gonzalez, vencedor do prémio de melhor curta de ficção no concurso internacional pela ficção onírica Les Îles, tem tido a sua obra acompanhada pelo Curtas ao longo dos anos, tendo até assinado um dos filmes encomendados para o 20. º ano do festival, Land of My Dreams, mas já os vencedores nas categorias de animação e documentário, a sueca Niki Lindroth von Bahr (com My Burden, desesperado musical animado em stop-motion) e o brasileiro Jonathas de Andrade (O Peixe, falso documentário à volta de verdadeiros pescadores brasileiros), tiveram este ano a sua primeira presença em Vila do Conde. Na competição de filmes de escola Take One!, por onde passaram em anos anteriores Leonor Teles ou João Salaviza, o vencedor foi o documentário de Inês Pinto Vila Cova, De Gente se Fez História, construído a partir de imagens familiares de arquivo que permitem um outro olhar sobre a comunidade das Caxinas. Os prémios do público foram, na competição nacional, para Surpresa, animação de Paulo Patrício, e, no concurso internacional, para Retouch, ficção do iraniano Kaveh Mazaheri na tradição pós-Kiarostami de Asghar Farhadi. Grande Prémio – Farpões, Baldios, de Marta Mateus (Portugal)Competição InternacionalMelhor Animação – My Burden, de Niki Lindroth von Bahr (Suécia)Melhor Documentário – O Peixe, de Jonatás de Andrade (Brasil)Melhor Ficção – Les Îles, de Yann Gonzalez (França)Prémio do Público – Retouch, de Kaveh Mazaheri (Irão)Competição NacionalMelhor Filme – Où en êtes-vous, João Pedro Rodrigues?, de João Pedro RodriguesMelhor Realizador – Gabriel Abrantes, por Os Humores ArtificiaisPrémio do Público – Surpresa, de Paulo PatrícioCompetição Take One!De Gente se Fez História, de Inês Pinto Vila CovaCompetição ExperimentalFrom Source to Poem, de Rosa Barba (Alemanha)Nomeação Curtas aos Prémios Europeus de CinemaLos Desheredados, de Laura Ferrés (Espanha)Competição de Vídeos MusicaisSubscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Old Habits, dos Minta & the Brook Trout, realização de João NicolauPrémio CurtinhasRevolting Rhymes Part One, de Jakob Schuh e Jan Lachauer (Reino Unido)
REFERÊNCIAS:
O pior negócio da vida de Trump foi ter humilhado John McCain
Há dois anos, Donald Trump pôs em causa o estatuto de herói de guerra do senador do Partido Republicano. Esta semana, McCain enfrentou um diagnóstico de cancro e foi ao Senado votar contra o fim do Obamacare, contribuindo para uma derrota humilhante do Presidente. (...)

O pior negócio da vida de Trump foi ter humilhado John McCain
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 | Sentimento -1.0
DATA: 2019-11-15 | Jornal Público
SUMÁRIO: Há dois anos, Donald Trump pôs em causa o estatuto de herói de guerra do senador do Partido Republicano. Esta semana, McCain enfrentou um diagnóstico de cancro e foi ao Senado votar contra o fim do Obamacare, contribuindo para uma derrota humilhante do Presidente.
TEXTO: Há quase nove anos, no final de Agosto de 2008, o então candidato do Partido Republicano à Casa Branca, John McCain, espantava o mundo da política americana ao revelar a sua escolha para a vice-presidência do país – a candidatura acabou por se afundar, mas foi assim que o mundo ficou a conhecer uma governadora do estado do Alasca chamada Sarah Palin. Indeciso entre acenar aos centristas com o seu amigo Joe Lieberman ou aproveitar a onda da direita ultraconservadora que começava a levantar-se, McCain fez a escolha com o mesmo raciocínio que o tem acompanhado desde a juventude. Quando o homem que o ajudou a vetar os nomes para a candidatura à vice-presidência lhe disse que Palin implicava um alto risco mas também uma alta recompensa, o senador do Arizona nem pestanejou: "Não devias ter dito isso. Toda a minha vida gostei de correr riscos. "Por essa altura, durante a campanha e a eleição que acabaria por perder para Barack Obama, o nome Donald Trump não estava sequer no radar de John McCain, mas não é difícil perceber porque é que nem o actual Presidente norte-americano – com o seu feitio complicado, reforçado pelo inigualável poder da Casa Branca – é capaz de sair por cima numa luta pessoal com o senador. E não é porque John McCain tenha sido sempre sinónimo de integridade no país, e de independência no Partido Republicano: conhecido como um "maverick" (dissidente), McCain foi sempre muito hábil a fazer a ponte entre as várias lutas do momento e os seus interesses pessoais, tendo conseguido, ao fim de 35 anos na política, surgir como uma das cabeças mais livres do Partido Republicano ao mesmo tempo que foi votando quase sempre em linha com a maioria. Num artigo publicado na revista Vanity Fair em 2010, o repórter Todd S. Purdum analisou o desvio de McCain para a direita mais conservadora e anti-Obama por essa altura, e repetiu a pergunta que muitos faziam: o que acontecera ao outro John McCain, àquela "figura refrescantemente imprevisível que se destacava entre os seus colegas e parecia prometer algo mais e melhor do que a política do costume"?"Essa pode não ser a pergunta certa", disse Purdum, desenhando depois um quadro muito mais feio da personalidade de John McCain do que aquele que vive no imaginário da maioria: "É bem possível que nada tenha mudado em John McCain, um sobrevivente implacável e egocêntrico que passou cinco anos e meio em cativeiro no Vietname, e que disse um dia a Torie Clark [antiga porta-voz de McCain] que o seu animal preferido é a ratazana, porque é astuta e alimenta-se bem. "É verdade que também não faltam elogios a John McCain, antes e depois de lhe ter sido diagnosticado um cancro do cérebro, já este mês, aos 80 anos – ao contrário de muitos outros casos, o senador do Arizona não precisou de ser afectado por um problema grave para ser respeitado por colegas, adversários e jornalistas. No passado fim-de-semana, antes de alguém imaginar o que poderia vir a acontecer no Senado nos dias seguintes, o jornal Washington Post prestou-lhe tributo em vida, num editorial em que aponta as razões pelas quais todos devem aprender com John McCain. E lembrou um episódio passado naquela campanha contra Barack Obama, em 2008, quando uma eleitora do Partido Republicano gritou, durante um comício, que Obama era "um árabe"(com a intenção de o retratar como terrorista). "Não, minha senhora. Não. Ele é um bom homem de família, um cidadão com o qual tenho discordâncias em assuntos fundamentais. Queremos lutar, e eu quero lutar, mas vamos ter respeito", disse McCain – uma reacção que, vista à luz da realidade actual em Washington D. C. , é de uma elevação ainda mais vincada. E foi este misto de capacidade de sofrimento, de luta pelas convicções e de vontade de bater o pé a quem tenta fazer-lhe frente – seja isso bom ou mau – que apareceu na passada terça-feira no Senado norte-americano, depois de uma viagem de mais de dois mil quilómetros, poucos dias depois de ter ficado a saber que tem uma forma particularmente agressiva de cancro e poucos dias antes de começar a ser tratado com quimioterapia. Assim que chegou, fez um emocionante discurso perante os seus colegas, com uma seta apontada ao Presidente Donald Trump – a terminar um apelo a que os senadores de ambos os partidos se unissem para discutirem e aprovarem uma lei que, no seu entender, melhorasse o Obamacare, McCain olhou para os seus colegas do Partido Republicano e disse-lhes: "Não somos subordinados do Presidente; somos iguais a ele. "Mas, mesmo depois desse discurso, muitos no Partido Republicano e na Casa Branca ainda acreditavam que era possível convencer McCain a fazer o que ele tem feito desde que Donald Trump foi eleito: deitar cá para fora o desprezo pelo Presidente e pela forma como o partido geriu as eleições primárias no ano passado, mas votar em linha com os seus colegas em 90, 7% das vezes. O problema é que McCain não precisava de sair de casa, nem de fazer a tal viagem de mais de dois mil quilómetros, para frustrar os planos do seu partido. Se não tivesse aparecido no Senado esta semana, o Partido Republicano ficava com apenas 51 dos seus 52 senadores, e bastava que dois deles furassem a disciplina para que não fosse possível derrubar o Obamacare. Com McCain no Senado, os líderes do partido e o Presidente ficaram um pouco mais descansados: mesmo que dois senadores do seu lado votassem contra, teriam sempre John McCain para cortejar durante a semana. E o dissidente McCain começou por dar uma alegria ao seu partido e à Casa Branca logo na terça-feira, ao viabilizar o início do debate sobre o fim de uma das principais bandeiras da Administração Obama. Um voto favorável que lhe valeu um elogio público de Donald Trump no Twitter: "Senador McCain, obrigado por vir a D. C. para uma votação tão importante. Podemos agora dar aos americanos óptimos cuidados de saúde!". @SenJohnMcCain-Thank you for coming to D. C. for such a vital vote. Congrats to all Rep. We can now deliver grt healthcare to all Americans!O que se seguiu foram horas e horas de debates, discussões e reuniões nos corredores e nos gabinetes, numa corrida do Partido Republicano contra o tempo para acabar a semana com uma promessa de campanha e uma luta de sete anos cumpridas: o fim do Obamacare. Mas as duas principais propostas do Partido Republicano foram reprovadas durante a maratona que começou terça-feira, muito graças à determinação de duas senadoras republicanas: Lisa Murkowski, do Alasca, e Susan Collins, do Maine, mantiveram-se unidas contra o seu partido e deixaram cada vez mais nas mãos de John McCain (o terceiro elemento necessário para travar o fim do Obamacare) o papel de herói ou vilão. As duas senadoras foram decisivas para impedir o Partido Republicano de aprovar o fim do Obamacare e a sua substituição por um novo sistema que iria deixar sem seguro mais de 20 milhões de pessoas nos próximos anos, segundo um estudo do gabinete independente do Congresso. O Partido Republicano tentou depois derrubar o Obamacare sem pôr no seu lugar um novo programa no imediato, mas as duas senadoras voltaram a impedir que os republicanos tivesses os votos suficientes. Na madrugada de sexta-feira, a liderança do Partido Republicano no Senado levou a votos a última tentativa: deitar abaixo o Obamacare e substituí-lo por um sistema que o mantinha em vigor no essencial, numa proposta conhecida como "skinny repeal" – os cidadãos e as empresas deixavam de ser obrigados a ter seguros, mas outros pontos essenciais do Obamacare continuariam em vigor (o que, ainda assim, deixaria milhões de americanos sem cobertura). Essa proposta tinha como objectivo duas coisas: dava ao Partido Republicano e ao Presidente Donald Trump a possibilidade de dizerem aos seus eleitores que tinham conseguido derrubar o Obamacare, e permitia manter a esperança numa demolição total da lei actual. Depois de aprovado esse "skinny repeal", uma comissão conjunta da Câmara dos Representantes e do Senado (ambos de maioria do Partido Republicano) iria pegar nas propostas que cada uma das câmaras tinha aprovado e depois poderia endurecer a lei final – um cenário ainda assim difícil, devido às óbvias divergências no interior do partido, mas que pelo menos daria mais tempo e um novo alento à liderança republicana na Câmara dos Representantes e no Senado, e também ao Presidente Trump. Mas na sexta-feira esse plano foi travado. No final de uma votação dramática e histórica, as senadoras Collins e Murkowski mantiveram-se firmes e votaram contra – nesse momento, o Partido Republicano não poderia perder nem mais um voto nas suas fileiras, já que desse modo só teria 49 dos seus 52 e o vice-presidente nem sequer poderia desempatar. E foi nesse momento que todos os olhos se viraram para o senador John MCain. O palco estava montado e a cena tinha vindo a escrever-se a ela própria nos últimos dois anos: no Verão de 2015, o então candidato Donald Trump disse que não considerava McCain um herói de guerra. "Eu gosto de pessoas que não foram apanhadas", disse Trump, referindo-se ao facto de McCain ter sido capturado e torturado durante cinco anos e meio na guerra do Vietname. Desde esse Verão, McCain e Trump foram trocando golpes, e o senador do Arizona nem sequer esteve presente na convenção do Partido Republicano no ano passado. Depois de ter sido humilhado por Trump durante tanto tempo, e de nunca ter respondido no mesmo tom, McCain tinha agora uma oportunidade para humilhar o Presidente – num momento semelhante a muitos outros ao longo da sua vida, quando as suas convicções se misturaram com os seus interesses pessoais. Ao juntar-se às senadoras Collins e Murkowski, McCain fez História ao roubar ao Partido Republicano e ao Presidente Donald Trump a promessa de acabar com o Obamacare. Mas, apesar de ter votado contra o fim do Obamacare, McCain é muito crítico do actual sistema – tal como as duas senadoras que votaram contra sexta-feira, o que o senador do Arizona pretendia era que os seus colegas aceitassem fazer alterações às propostas que foram apresentadas esta semana. Agora, resta ao Partido Republicano dialogar com o Partido Democrata para conseguir corrigir algumas das deficiências que os dois partidos reconhecem existir no Obamacare. Ou isso, ou ir aprovando medidas avulsas nos próximos meses que podem ir minando a lei em vigor, apesar de os resultados dessas possíveis alterações só terem consequências na vida das pessoas nos próximos anos – algumas delas só depois das eleições presidenciais de 2020 e outras depois das eleições para as duas câmaras do Congresso em Novembro do próximo ano. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Mas, antes disso, o Senado vai para umas curtas férias sem que o Partido Republicano tenha conseguido aproveitar a sua maioria nas duas câmaras do Congresso e um Presidente na Casa Branca para cumprir uma promessa com sete anos. Foi para derrubar o Obamacare que os republicanos pediram aos eleitores americanos que lhe dessem a maioria nos poderes legislativo e executivo – agora que falharam essa promessa, dificilmente vão afastar a imagem de fracasso a tempo de recuperarem para as eleições de Novembro de 2018. Apesar de as senadoras Susan Collins e Lisa Murkowski terem sido as principais figuras desta semana, por terem assumido a sua oposição contra a liderança do Partido Republicano e contra o Presidente Trump na questão do Obamacare desde o início até ao fim e sem vacilarem, as duas figuras do momento são Donald Trump e John McCain – pelo passado de confrontação entre os dois e pelo desfecho da votação desta sexta-feira, que pode também ser visto como uma vingança do senador do Arizona. Os dois responsáveis reagiram à votação através da rede social Twitter. Trump foi mais brando do que é costume, dizendo apenas que três senadores do Partido Republicano e 48 do Partido Democrata desiludiram o povo americano, e aproveitou para tentar não ficar mal na figura: de acordo com a sua análise, o falhanço da votação vai manter o Obamacare em vigor, pelo que agora resta esperar pelo fracasso da lei da Administração Obama, como o Presidente tem dito "desde o início". McCain explicou que votou contra o "skinny repeal" porque "não era suficiente para derrubar e substituir o Obamacare com reformas significativas".
REFERÊNCIAS:
Fábrica da La Seda em Sines está insolvente, Caixa arrisca perder 500 milhões
Dois anos e meio depois de ver o seu Processo Especial de Revitalização aprovado, a Artlant está em insolvência. Em Janeiro de 2015 tinha dívidas de 690 milhões de euros, 75% das quais à CGD. (...)

Fábrica da La Seda em Sines está insolvente, Caixa arrisca perder 500 milhões
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 | Sentimento 0.0
DATA: 2017-12-04 | Jornal Público
URL: https://arquivo.pt/wayback/20171204211855/https://www.publico.pt/n1780587
SUMÁRIO: Dois anos e meio depois de ver o seu Processo Especial de Revitalização aprovado, a Artlant está em insolvência. Em Janeiro de 2015 tinha dívidas de 690 milhões de euros, 75% das quais à CGD.
TEXTO: Foi proferida esta quarta-feira, 26 de Julho, a “sentença de declaração de insolvência do devedor Artlant PTA”, pode-se ler no anúncio do Tribunal de Lisboa, disponibilizado esta quinta-feira no site do Citius. A requerente do pedido, identificada no anúncio como tal, é a empresa Sociedade de Montagens Metalomecânicas, SA (SMM), constando ainda a CGD, a Artelia Ambiente e a AICEP como credores. Correm agora 30 dias, não suspensos pelas férias judiciais, para reclamar os créditos sobre a Artlant junto da justiça. No edital, consultado pelo PÚBLICO é recordado aos credores da Artlant que “pode ser aprovado Plano de Insolvência, com vista ao pagamento dos créditos sobre a insolvência, a liquidação da massa e a sua repartição pelos titulares daqueles créditos e pelo devedor”. E que “podem apresentar proposta de Plano de Insolvência o administrador da insolvência, o devedor, qualquer pessoa responsável pelas dívidas da insolvência ou qualquer credor ou grupo de credores que representem um quinto do total dos créditos não subordinados reconhecidos na sentença de graduação de créditos ou, na falta desta, na estimativa do sr. juiz”. Esta é a segunda chamada da Artlant – antiga Artenius Sines – à justiça pelos créditos devidos pela unidade de produção de ácido tereftálico purificado (ou PTA da sigla proveniente do inglês Purified Terephthalic Acid, matéria-prima para, por exemplo o fabrico de garrafas de plástico), inicialmente pertencente aos activos da catalã La Seda de Barcelona e que até hoje pesa nas contas da Caixa Geral de Depósitos. Em Outubro de 2014, em pleno Processo Especial de Revitalização (PER) a lista de créditos então conhecida dava conta de uma dívida da Artlant de cerca de 690 milhões de euros a diversos credores. Deste total, então, 75% ou cerca de 520 milhões de euros eram devidos à Caixa Geral de Depósitos. Foi o banco público que tinha liderado, em Janeiro de 2010, o financiamento de 370 milhões de euros à unidade industrial de Sines, para que a mesma fosse concluída. O projecto da unidade de PTA em Sines foi classificado de Potencial Interesse Nacional (PIN) pelo Conselho de Ministros (CM) de 28 de Junho de 2007. Foi no mesmo CM que o executivo liderado por José Sócrates atribuiu o igual estatuto de PIN à unidade de pregado da antiga Pescanova em Mira, que também entrou em insolvência anos mais tarde. O PER da Acuinova (empresa da Pescanova com a unidade em Mira) foi recusado recentemente pelo Tribunal de Coimbra. A unidade de PTA, com mais de 400 milhões de euros de investimento previstos, começou a ser projectada em 2008 pela La Seda de Barcelona, da qual a CGD chegou mais tarde a ser a segunda maior accionista, com 14, 7% do capital da catalã. O maior accionista individual da La Seda passou a ser, desde Agosto de 2010, a BA PET BV, criada pelos mesmos accionistas da BA Vidro e liderados por Carlos Moreira da Silva, que foi em dois momentos distintos foi presidente da catalã (entre Abril de 2010 e Abril de 2013 e entre Junho de 2013 e Fevereiro de 2014). A BA PET chegou a ultrapassar os 20% do capital da La Seda. O projecto de Sines foi lançado e iniciado pela La Seda, quando a catalã ainda detinha 100% do capital da subsidiária portuguesa (então designada Artenius Sines). Mas, a 16 de Setembro de 2010, era comunicado publicamente que a La Seda alienara 59% do capital da Artlant a três accionistas portugueses: o Fundo de Recuperação da ECS (29, 26%), a CaixaCapital (18, 52%) e o InovCapital (hoje Portugal Ventures Capital, com 11, 11%). A unidade de Sines entrou, finalmente, em laboração em Março de 2012, tendo a La Seda como principal cliente. Contudo, em Fevereiro de 2014, a petroquímica catalã, que se manteve dona de 41, 11% da Artlant e de mais de duas dezenas de unidades industriais na Europa, viu a justiça espanhola decretar a sua liquidação e posterior dissolução por incapacidade em ressarcir os seus credores. Em Agosto de 2014, torna-se público que o (então) Tribunal de Comércio de Lisboa tinha aceite o pedido de PER da Artlant. Um Processo Especial de Revitalização, pela legislação em vigor, visa colocar a empresa ao abrigo de credores em caso de incumprimento de dívidas, impossibilitando, durante o tempo que está a ser negociado, um possível decreto de insolvência. É uma possibilidade de as empresas procurarem a sua reestruturação financeira, sob a gestão de um administrador judicial mandatado pelo tribunal, em que a mesmas se comprometem – juntamente com parte condicional dos credores – a um plano de recuperação que a maioria dos créditos em causa aprovem e que a justiça homologue. São, normalmente, acordados prazos e condições de pagamento (com ou sem perdão de dívida). E, nos PER, os trabalhadores são classificados como “privilegiados” na hierarquização dos créditos para efeitos de reclamação na justiça. Mas, aparentemente, o PER aprovado a 15 de Janeiro de 2015 pelos principais credores da Artlant não foi suficiente para “salvar” a empresa. Desconhece-se, por agora, qual é o montante de dívida que a Artlant acumulou nos últimos dois anos e meio. Mas, em Outubro de 2014, quando o PER da Artlant estava ainda a ser negociado, a lista de créditos aprovada pelo administrador judicial reconhecia 689, 7 milhões de euros de dívida da unidade de PTA em Sines. O PER da Artlant – que como PIN recebeu 38, 8 milhões de euros do quadro comunitário de apoio em 2012 - contemplava dois lay off dos 161 trabalhadores então na unidade, até um núcleo final de seis pessoas. A recuperação da Artlant foi então viabilizada pela CGD (detentora de mais 75% do total da dívida reconhecida em 2014, ultrapassando os 520, 66 milhões de euros), pela Artelia (fornecedora de equipamento industrial) e pela AICEP – as três juntas detinham 87% da dívida acumulada pela Artlant até essa data. E, as três, aprovaram o PER. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Os restantes accionistas portugueses – Portugal Capital Ventures, Fundo de Recuperação FCR e o Fundo Caixa Capital –, donos de 58, 8% do capital da Artlant mas de créditos de 25 milhões de euros (sendo assim minoritários na contagem de votos para aprovação do Plano de Recuperação) – abstiveram-se na votação do PER da Artlant. No plano aprovado em Janeiro de 2015, consultado na altura pelo Jornal de Negócios, ficara acordado que "em relação ao crédito da CGD", garantido pelas instalações industriais em Sines e pelos imóveis onde se localizam, e pelo "penhor da totalidade das acções representativas do capital social da Artlant", "sai o mesmo afectado por a Artlant se propor a pagar 70% do seu valor, cujo pagamento é diferido para os anos de 2021 a 2034". Haveria, neste contexto, um “perdão” de dívida à CGD de 30% (cerca de 156 milhões de euros dos mais de 520 milhões em causa). Mas previa – e a CGD aprovou o PER – que o banco público contratasse com a Artlant "um novo financiamento até ao valor de 60 milhões de euros" em "fundos, garantias e cartas de conforto" para "apoiar a sociedade na fase de rearranque da sua actividade". O processo segue agora em tribunal. Outra vez.
REFERÊNCIAS:
Palavras-chave tribunal social
Braço-de-ferro entre camionistas e Temer agrava clima político no Brasil
A quatro meses das eleições, os efeitos da paralisação dependem de como Michel Temer gerir a crise. “A política brasileira está jogando um grãozinho de areia todos os dias numa torre extremamente frágil.” (...)

Braço-de-ferro entre camionistas e Temer agrava clima político no Brasil
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 | Sentimento 0.0
DATA: 2018-05-28 | Jornal Público
SUMÁRIO: A quatro meses das eleições, os efeitos da paralisação dependem de como Michel Temer gerir a crise. “A política brasileira está jogando um grãozinho de areia todos os dias numa torre extremamente frágil.”
TEXTO: Ao sétimo dia, a greve dos camionistas mantinha centenas de pontos de bloqueio no Brasil, afectando o abastecimento de supermercados e bombas de gasolina, fazendo cancelar voos em 14 aeroportos, levando a cortes nos transportes públicos e universidades a anunciar que não haverá aulas na segunda-feira. Alguns camiões garantiam abastecimento de gasolina para serviços essenciais sob escolta policial em vários locais, depois de o Presidente, Michel Temer, ter ordenado a intervenção de militares. As refinarias estavam também sob protecção policial e os carregamentos eram feitos sob vigilância das forças de segurança. O Governo continuava a tentar chegar a um acordo com os camionistas, que muito penalizados com a subida dos preços do diesel (56% desde Julho passado) pedem uma isenção de imposto na compra do diesel e outros direitos, como não terem de pagar portagem quando seguem sem atrelados ou carga. O Governo propôs medidas temporárias – a proposta mais recente é um desconto de 10% durante pelo menos dois meses – e chegou a haver um anúncio de acordo na quinta-feira, mas os camionistas têm insistido numa solução definitiva para desmobilizar. Ainda que o número de bloqueios nas estradas tenha diminuído após a ordem de Temer mobilizar o exército, e de centenas de camiões terem sido escoltados em pelo menos sete estados e Brasília assegurando fornecimentos urgentes para hospitais e outros serviços públicos, a situação demora a regularizar-se e há ainda muitos camionistas na rua, quer a bloquear vias, quer imobilizados em protesto. A pressão subiu também sobre os líderes dos camionistas, com várias investigações da Polícia Federal à paralisação e pesadas multas para quem bloquear passagens. Enquanto o Governo se diz optimista em relação à possiblidade de um acordo, surgiram números de prejuízos. Segundo o jornal Estado de São Paulo, os cofres públicos podem contar com menos dois mil milhões de reais (mais de 450 milhões de euros) por causa da paralisação e os supermercados estimam mais de 300 mil euros de prejuízos. A indústria pecuária foi fortemente afectada pela dificuldade em conseguir o fornecimento diário de alimentação para os animais e várias unidades suspenderam a produção, a indústria de produção de açúcar também se desacelerou enquanto as máquinas iam ficando sem combustível, e a produção de automóveis, que contribui com cerca de um quarto da produção industrial do Brasil, parou na sexta-feira. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Além dos camonistas, surge outra greve no horizonte de Temer, a greve da Petrobrás. A petrolífera estatal decretou uma paralisação “de advertência” para a próxima quarta-feira, contra uma potencial privatização da empresa e pela manutenção de preços. Tudo isto acontece a pouco mais de quatro meses das eleições presidenciais e o ambiente político e social está muito sensível. Para o economista Eduardo Giannetti, professor na Universidade de São Paulo, o Brasil está num momento que compara ao de uma experiência com uma torre de areia quando se lança um grão para a estrutura. Pode ficar tudo como está, mas um só grão pode “fazer a torre desabar”, disse, numa entrevista à Folha de São Paulo. “A política brasileira está jogando o grãozinho de areia todos os dias nessa torre e ela é extremamente frágil. ”O poder dos camionistas é grande, sublinha Giannetti, lembrando o seu papel, por exemplo, no fim do regime de Pinochet no Chile. Este protesto tem o potencial de ser o embirão de uma “revolta tributária” alargada, em que a população deixa de aceitar a legitimidade do Governo para cobrar impostos, ou mesmo precipitar a queda de Temer ainda antes das eleições. “Não prevejo que isso aconteça, mas também não descarto”, o que dependerá do evoluir da situação e sobretudo da capacidade de Temer lidar com ela, considerou Giannetti.
REFERÊNCIAS:
Palavras-chave direitos social
Um solo para Inês Jacques se descobrir no escuro
A bailarina e coreógrafa regressa aos palcos com uma peça em que tenta contrariar o excesso de informação. (...)

Um solo para Inês Jacques se descobrir no escuro
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 | Sentimento -0.15
DATA: 2017-09-24 | Jornal Público
SUMÁRIO: A bailarina e coreógrafa regressa aos palcos com uma peça em que tenta contrariar o excesso de informação.
TEXTO: Há já algum tempo que a bailarina e coreógrafa Inês Jacques andava afastada de palcos de maior exposição. Nos últimos três anos, dedicou-se à investigação de técnicas mais relacionadas com a saúde do corpo em movimento, mais do que a trabalhos de criação coreográfica. “Estive a estudar outras técnicas que são mais próximas da fisioterapia do que da dança”, resume ao PÚBLICO. Embora não seja possível estabelecer uma correspondência directa, Inês admite que o peso da influência no seu movimento desse estudo específico neste período na construção de Excesso de Luz Cega não será muito diferente daquele que teria o trabalho com um qualquer coreógrafo caso tivessem passado esse intervalo a trabalhar juntos. “Há muitas posições ou movimentos que faço que vêm deste vocabulário que tenho habitado recentemente”, diz. Foi durante este afastamento em que se dedicou a outras possibilidades de trabalho sobre o corpo que Inês Jacques foi pensando e alimentando a ideia de criar um solo – em cena desta quarta-feira a sábado, no Negócio, em Lisboa – no qual pudesse colocar tudo aquilo que lhe era essencial. “E acabou por evoluir para algo [que trata] daquilo que sou e como é que estou”, conta. “Foi daí que surgiu a ideia de trabalhar no escuro, no sentido de procurar um foco mais atento da parte do espectador ou de desafiar a sua observação. E assim me sublinhar como pessoa, num modo mais low-profile ou menos híper-expositivo. ”Bailarino(s):Inês Jacques Coreografia:Inês JacquesOu seja, a partir de várias leituras sobre a escuridão, a noite e os seus efeitos sobre a visão e a percepção, Inês foi construindo uma partitura coreográfica que se desenvolve, em parte, na penumbra. Sem se dedicar propriamente a uma “investigação científica do movimento nesse universo”, explora uma vida que “não nos está tão acessível”, inspirando-se, entre outras coisas, no mundo animal. Longe da claridade, o espectador é colocado num lugar da intuição, entrevendo movimentos mas deixado também numa posição de os adivinhar. Há nisto um propósito de estimulação da imaginação que Inês quer desencadear como contrapeso ao excesso de informação que povoa os nossos dias. “Na verdade, já vivo um pouco assim”, admite. “Deixo passar um tempo para ver o que resiste e o que fica de toda a informação dos anos anteriores. ”A forma como o corpo de Inês Jacques se move entre a luz e a escuridão faz-se também valer de uma velocidade em desaceleração. Os gestos são lentos, abrandam o ritmo quotidiano, a fim de “poder dar tempo para haver uma certa leitura”. Excesso de Luz Cega apresenta o movimento como algo enigmático, inspira-se por vezes em “criaturas que podem crescer, desenvolver-se ou encolher-se”, parece testar os limites físicos do espaço ou ecoar uma ideia de gestação, mas recusa sempre a escuridão como lugar de medo. Pelo contrário, aqui o escuro é “um sítio rico”, um lugar para descobrir e conquistar, para avançar mesmo que de forma hesitante num caminho de descoberta. Se a luz pode mostrar demasiado, Inês Jacques quer antes pensar no muito que, por se encontrar oculto, falta descobrir.
REFERÊNCIAS:
Palavras-chave medo estudo corpo animal
Desconcertantes serpentinas negras
Em BOMBYX MORI, encantatória e desconcertante proposta coreográfica, Ola Maciejewska encapsula diversas considerações artístico-discursivas que promovem ligações improváveis entre o sujeito humano e a matéria. (...)

Desconcertantes serpentinas negras
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 | Sentimento -0.16
DATA: 2017-09-24 | Jornal Público
SUMÁRIO: Em BOMBYX MORI, encantatória e desconcertante proposta coreográfica, Ola Maciejewska encapsula diversas considerações artístico-discursivas que promovem ligações improváveis entre o sujeito humano e a matéria.
TEXTO: Estamos definitivamente a experienciar tempos turvos e instáveis. No seu recente livro Staying with the Trouble. Making Kin in the Chthulucene (2016), a teórica Donna Haraway aponta para a necessidade de reconhecermos o turbilhão perturbador do presente, e encontrarmos respostas igualmente potentes às situações devastadoras, de modo a desenhar possíveis lugares de calma na espessura dos dias. Segundo a autora, necessitamos de estabelecer relações inventivas entre as mais diversas entidades planetárias, encontrar modalidades de viver e morrer-com, contrapondo-as às ditaduras do humano (antropoceno) e do capital (capitaloceno). Em BOMBYX MORI, encantatória e desconcertante proposta coreográfica, a jovem coreógrafa e performer polaca Ola Maciejewska encapsula diversas considerações artístico-discursivas que se inscrevem neste desfiar de pensamento tentacular, promotor de ligações improváveis entre o sujeito humano e a matéria. Trata-se de uma peça para três performers, elaborada na sequência de outro projecto intitulado LOÏE FULLER: Research (2011), que integrou o (pré-) Serralves em Festa na Baixa do Porto. Concepção: Ola MaciejewskaInterpretação: Amaranta Velarde Gonzalez, Maciek Sado, Ola MaciejewskaSom: Alberto NovelloAdaptação de Luz e Direção Técnica: Rima Ben BrahimGuarda-roupa: Valentine SoléProdução: Élodie PerrinEm LOÏE FULLER: Research, Maciejewska apropria e confere novo sentido ao longo vestido circular que a coreógrafa da vanguarda da dança moderna Loïe Fuller (1862-1928) tornou emblemático na sua hipnótica Serpentine dance (1891). Loïe Fuller serve-se de um fino vestido em seda como ecrã diáfano, não só para receber as inovações tecnológicas da energia eléctrica, como para evocar as diversas camadas extra-físicas e pan-psíquicas do sujeito moderno. A hipnose, em voga na época, convocava a ambivalência do corpo e do espírito, e os seus vestidos expandiam o humano em ser híbrido, do mesmo modo que desestabilizavam a sensibilidade do espectador. Ola Maciejewska interessa-se menos pelo aspecto hipnótico destas matérias em movimento, e mais pelo descentramento do humano que a obra de Loïe Fuller convoca, ao evidenciar o objecto, a luz e o som como parte da “obra de arte total”. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Em LOÏE FULLER: Research, vimos Ola a entrar no espaço público com dois vestidos, um negro e um amarelo, que coloca em oposição no espaço: a noite e o dia que se encontram nesse estado hipnótico, entre o sono e a vigília, a realidade e a imaginação. A performer manipula primeiro o vestido negro e sua matéria, dispõe-no cuidadosamente no chão e evidencia a sua forma circular. Segue-se um processo de incorporação da performer que o habita, explorando as múltiplas potencialidades de movimento, da forma e dos bastões incorporados no vestido. Igual processo se dá com o vestido amarelo e, em ambos os momentos, Maciejewska desconstrói o imaginário etéreo e a coreografia ilustrativa e formalista da Serpentine Dance. O desenho coreográfico pauta-se pela ambivalência, pela ambiguidade e pela violência. A figura de vestido é múltipla e metamórfica, remetendo-nos para imagens tão díspares como a figura da feiticeira, entidades animais ou objectos esculturais híbridos em movimento. Em BOMBYX MORI, Maciejewska e outros dois performers retomam os longos vestidos de Loïe Fuller, porém não brancos e reflectores como outrora, mas negros sobre fundo e linóleo brancos. O início desta peça assemelha-se à sua anterior. A matéria do tecido convoca os gestos: um desdobrar lento e meticuloso que no desenhar dos três círculos testa a atenção e a resiliência do espectador. Os performers retomam o processo de entrada no objecto, e deambulam pelo espaço branco, evocando a abstracção becketiana de Quad (1981), e emitindo sons guturais que amplificados contribuem para o desconcerto do todo. A performance prossegue com a manipulação daquela imensa matéria negra, com o som do tecido e da movimentação do ar amplificados e distorcidos a comporem a sonoplastia, ora em gestos violentos e bruscos, ora fluidos e etéreos. Com o espaço em penumbra, os três corpos vão desenhando figuras híbridas e bizarras, que convocam a metamorfose que vai da animalidade esvoaçante a seres aquáticos e à abstração geométrica. Nas suas memórias, Loïe Fuller referia que “a natureza era o nosso maior guia, o nosso mestre, mas nós não a observamos”, e que “o alfabeto da dança é o de se mover no caos”. Bombyx Mori é o nome em latim para a espécie domesticada do “bicho da seda”, um insecto de grande relevância económica, cujo processo metamórfico de larva em borboleta é interrompido para a obtenção do casulo em seda, com a morte da larva. BOMBYX MORI condensa a estranheza de uma prática rizomática e tentacular, seja na relação que estabelece com o legado histórico da vanguarda da dança, desconstruindo-o, ou na evidência que confere à hibridez como fundamento coreográfico, em detrimento do foco no movimento do corpo humano. Ao dar nome à animalidade que o capitalismo captura e elimina para sustentar um economia de consumo, BOMBYX MORI inscreve-se ainda numa linhagem político-ecológica nesta era de capitaloceno.
REFERÊNCIAS:
A ética do negativo
A obra de Jonathan Saldanha destaca-se por operar nessa partição política do sensível que confere voz a alguns destes negativos: o da linguagem, através de elementos pré-linguísticos, e o do humano, evidenciando a matéria não-humana, e instaurando no espaço-entre uma ética por vir. (...)

A ética do negativo
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 | Sentimento -0.3
DATA: 2017-09-24 | Jornal Público
SUMÁRIO: A obra de Jonathan Saldanha destaca-se por operar nessa partição política do sensível que confere voz a alguns destes negativos: o da linguagem, através de elementos pré-linguísticos, e o do humano, evidenciando a matéria não-humana, e instaurando no espaço-entre uma ética por vir.
TEXTO: O processo inicia-se na penetração dos estratos da arquitectura do Rivoli. Movimentos que conduzem o público às galerias técnicas do palco onde os aguarda um profundo fosso negro. Uma pré-dramaturgia que se pode inscrever na linhagem temática de O Poço, performance absolutamente singular, com direcção artística de Jonathan Saldanha, que assinalou o último fim de semana do Festival DDD – Dias da Dança, no Porto. Numa relação vertiginosa com o palco e o buraco negro que nele se recorta, os espectadores são submetidos a uma experiência sónica desestabilizadora. Uma polifonia do que se intui ser a queda de objectos, matéria, vozes e ecos atravessa o público, através de um sound system de 16 canais dispostos na vertical. Sobre o palco sedimentam-se três toneladas de granulado de borracha de pneu que, à semelhança dos restantes materiais que compõem os figurinos e os objectos da peça (como o plástico), são derivados do petróleo, resíduos da exploração e da acumulação capitalista. Nesta entidade arquitectónico-acústica interceptam-se diversos estratos onde circulam elementos orgânicos e inorgânicos, sons naturais e artificiais, e que se traduzem numa dramaturgia sequencial de paisagens (da qual só lamentamos a regularidade temporal). Após o momento sonoro inicial em escuridão, surge um performer, vestígio residual da presença humana, que corre em cenário pós-apocalíptico. Inesperadamente, figuras camufladas num mimetismo com o palco irrompem numa massa humana em circulação veloz em torno do buraco negro, que se converte numa das imagens mais extáticas da peça. Com desenho de luz rasante, e composição sonora de percussão rítmica e animalidades não-humanas, esta massa interage com uma outra turba em situações de confronto. O estrato que se segue repõe a calma: figuras técnicas em modo de função alisam a matéria sobre o palco. E no subterrâneo distinguimos uma entidade visceral motorizada que circula por entre a estrutura de pilares. Segue-se no plano superior uma motard que desenha imagens de aceleração e derrapagem, qual “poço da morte”, o único momento de literalidade que escapa à abstracção do humano. Uma outra entidade superior suspensa no centro da teia, híbrido objecto-animal, movimenta-se no eixo vertical. E finalmente, após outras movimentações subtis de figuras humanas, dá-se a queda literal de detritos que se vão acumulando sobre as bordas daquela terra esventrada. O blackout repõe o silêncio. Evidenciam-se a matéria e o animismo acústico, suprime-se o humano e anula-se a cartografia de reconhecimento convencional (a linha do horizonte, o ocularcentrismo, a horizontalidade do som). Trata-se de um Poço-Máquina onde os eventos resultam da acção oposta de dois cones verticais: um descendente, da actividade humana que se comprime na perfuração da superfície e que segue um drive de atracção pelo inorgânico, o poder e a morte; o cone ascendente é o da actividade telúrica, animada pelos fluidos do petróleo que emergem da profundidade e se individuam. São o eixo vertical de agenciamento económico-político e geoterritorial versus o eixo-resposta do imponderável da Terra, essa entidade Gaia que necessitamos de aprender a viver-com, como nos alerta Isabelle Stengers (no contexto actual em que a acção humana é já a maior força de transformação da Terra, uma era geológica que cientistas propõem designar de Antropoceno). Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. O Poço subverte os campos artísticos da coreografia, do teatro, da instalação sonora e cénica, propondo-se como um evento de auscultação dos sintomas acústicos do inconsciente da Terra. Inscreve-se na obra de Jonathan Saldanha, que se tem pautado pela investigação sonora, cénica e fílmica sobre elementos pré-linguísticos, coros generativos, animismo acústico, entre outros. Uma obra profundamente ética na sua pesquisa sobre o gesto e o som pré-linguagem, que não só pretende escapar ao logocentrismo, como se inscreve na crítica à violência do humanismo antropocêntrico, ao anular o humano e conferir subjectividade à sonoridade da matéria. Em estreita relação com esta peça, encontramos a exposição Afasia Táctica, patente na Culturgest Porto, uma instalação vídeo pensada para a arquitectura do espaço, com instalação sonora de um coro difundido e uma voz central. A ausência da linguagem aqui, como a redução do humano em O Poço, associa-se à experiência da violência que, muito embora velada, está implícita na inoperância tática de quem a tolera, na movimentação de massas de corpos, e na exploração da Terra. A modernidade instaurou dicotomias (sujeito-objecto, natureza-cultura, entre outras) alicerçadas na criação de opostos, negativos imaginados que naturalizou. A obra de Jonathan Saldanha destaca-se por operar nessa partição política do sensível que confere voz a alguns destes negativos: o da linguagem, através de elementos pré-linguísticos, e o do humano, evidenciando a matéria não-humana, e instaurando no espaço-entre uma ética por vir.
REFERÊNCIAS:
Palavras-chave morte violência cultura negro animal
Férias algarvias em 3D
Para Pão Rico a autora-intérprete Vera Mantero pesquisou sobre a descaracterização do litoral algarvio. (...)

Férias algarvias em 3D
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 | Sentimento 0.0
DATA: 2017-09-24 | Jornal Público
SUMÁRIO: Para Pão Rico a autora-intérprete Vera Mantero pesquisou sobre a descaracterização do litoral algarvio.
TEXTO: “Este é um espectáculo de ideias feitas”, prevenia Vera Mantero no texto da folha de sala. Para Pão Rico a autora-intérprete pesquisou sobre a descaracterização do litoral algarvio, a partir de um lugar emblemático: a cidade de Quarteira. O desafio não era fácil: o que pode uma performance acrescentar aos lugares comuns, quando o debate é acirrado por já tão esgrimidos argumentos e o termo gentrificação entrou na gíria?Com o olhar desarmado de quem assume a condição exterior, de turista, Mantero leu e conversou com os locais, deambulou por aldeamentos e campos de golf, pelo betão a esmagar a praia, lotas e parques diversão. A peça, eco genuíno e desafectado, sensível e bem-humorado dessa vivência, encontrou dispositivos cénicos certeiros para com ela deslizarmos num registo impressivo e reflexivo em 3D, a que a intimidade do anfiteatro montado dentro do palco ajudou. de e por Vera ManteroLisboa, Palco do Grande Auditório da Culturgest, 27 de Maio, 21h30Sala cheiaAs balizas foram bem definidas: em cena três grandes balões azuis (do icónico creme Nívea) ladeados de redes pesca; ao fundo, a projecção em grandes dimensões da areia da praia revolvida por mãos cobiçosas a desenterrar notas de Euro. Zoom out para a vista panorâmica da cortina de prédios sobre a praia de Quarteira, e eis que Mantero irrompe em palco, de biquíni, o glamour risível da veraneante temporária empolado pelo logotipo sonoro da 20th Century Fox em alto volume. Mas a experiência presentificada expande-se a outras cronologias. Excertos de As Praias de Portugal, o “guia para banhistas e viajantes” de Ramalho Ortigão (1876), ditos aos vivo ou em off (Mantero revela-se uma belíssima diseuse) são uma actualíssima sátira existencial sobre o ócio, e a narração novecentista dos efeitos benfazejos da exposição balnear, lembra-nos épocas em que poucos sabiam o que eram férias e, muito menos, o turismo. Ou como a febre do dinheiro e da areia infectou a orla algarvia no pós-25 de Abril, quando a projecção percorre páginas do Jornal de Quarteira dos anos 70/80, enquanto a intérprete interage com um hilariante kit de relva portátil e tacos de golfe. Vistas do Google a revelar o padrão repetitivo da malha urbana de aldeamentos e piscinas, alternam com a imensidão tranquila do mar; marinas com iates para todo o tipo de bolsos a impor-se a pequenas embarcações pesqueiras de nomes extraordinários. Ouvimos sobre o atum, o “porco do mar” do qual, da lota às indústrias de transformação, tudo se aproveita; e, enquanto ao canto do palco um ecrã expõe os gestos automatizados das camareiras nos quartos de hotel, seguimos o incrível guia de preceitos desta população sazonal, silenciosa e descartável, destituída da aura de resistente trágico que, apesar de tudo, envolve o pescador. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. O videoclip do rap algarvio com bairros anódinos em fundo, é o de uma região a viver a vários tempos, esquecendo que o baile mandado terá sido o seu primeiro rap. Depois do timbre nostálgico de Serrenhos do Caldeirão, exercícios em antropologia ficcional (2012), sobre a desertificação do interior montanhoso, Mantero foi bem mais acutilante no papel de artista-etnógrafa, embora as conexões entre a sua vincada personalidade motora e a concepção cénica nem sempre entrem em conjugação. Se ambas as peças assinalam um novo território criativo no seu percurso, sinalizam, ainda, um discreto novo interesse da dança portuguesa por “temas nacionais”. E, se o Algarve conheceu a explosão turística muito antes do resto do país, a imagem final, um mergulhador-peixe a fitar-nos perplexo enleado na rede que desceu sobre o proscénio, é a de todo um Portugal a assistir, atónito, a um fenómeno sem precedentes.
REFERÊNCIAS:
O sexo entre Jane Fonda e Robert Redford é assunto encerrado
O encontro iniciado há 50 anos em Descalços no Parque fecha-se com Our Souls at Night: talvez estas duas presenças decisivas do cinema e da vida cultural, social e política da América não voltem a filmar juntas. (...)

O sexo entre Jane Fonda e Robert Redford é assunto encerrado
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 | Sentimento -0.1
DATA: 2018-07-20 | Jornal Público
URL: https://arquivo.pt/wayback/20180720114020/https://www.publico.pt/1784115
SUMÁRIO: O encontro iniciado há 50 anos em Descalços no Parque fecha-se com Our Souls at Night: talvez estas duas presenças decisivas do cinema e da vida cultural, social e política da América não voltem a filmar juntas.
TEXTO: Para quem quiser saber como é o sexo entre Jane Fonda e Robert Redford, respectivamente 79 e 81 anos, cinco décadas depois de se terem casado em Descalços no Parque (Gene Sacks, 1967), Our Souls at Night “corta” antes do tempo. Jane preferia ter mais material para mostrar, faz o jogo de pedir responsabilidades ao realizador, Ritesh Batra, mas talvez tenha sido por imposição do seu par Robert Redford, que também é produtor do filme, e que segundo ela não gosta de filmar, quanto mais de mostrar, sequências de cama. Este número – ela a chamar as coisas pelo seu nome, ele a fazer de conta que não as ouve – é o que eles já faziam no tal filme de 1967, que adaptava uma peça de sucesso de Neil Simon. O filme acabava com ela a abaná-lo no parapeito de um sexto andar. Foi esse o jogo da conferência de imprensa em Veneza dos dois homenageados com o Leão de Ouro para as respectivas carreiras. Ela a dizer “falo eu” sempre que o sexo é chamado à mesa, ele na reserva, como quando lhe perguntam se o sonho americano “é uma mentira” e ele responde que é preciso perguntar isso a todos os americanos, não pode falar por eles (mas a reserva não o impede de dizer coisas assim: com o mundo como está não se pode ter esperança no futuro, mas pode-se pensar no futuro para ter esperança). Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. E é esse o tom que se mantém no fecho, talvez se possa dizer assim sem brutalidade, deste encontro de 50 anos – depois de Perseguição Implacável (Arthur Penn, 1966), Descalços no Parque e O Cowboy Eléctrico (Sydney Pollack, 1979), Jane e Robert fizeram para o Netflix Our Souls at Night. No filme de Ritesh Batra, que serve de álibi à atribuição do Leão de Ouro às carreiras, é Jane que um dia bate à porta dele, a perguntar-lhe por que é que, já que são vizinhos, não dormem juntos, sim, para falarem antes de adormecer juntos, a noite é o que custa mais. . . Como diz Redford: “Queria voltar a filmar com Jane Fonda antes de morrer. " Produziu e entregou a tarefa a um dos produtos do seu Sundance Film Festival. Com Jane “tudo sempre foi muito fácil. " Devolve Jane: “Apaixonei-me sempre por ele”, queria ver como seria aos 80 anos. Antes da rodagem, Ritesh Batra estava com os dois nos ensaios e dava por si desligado do que se dizia e a pensar: “Eu estou na mesma sala que Robert Redford e Jane Fonda. " O tom suspenso que às vezes Our Souls at Night ganha, quando em vez de entrar a fundo nas convenções da história de amor entre maduros no acto final das suas vidas recua passos e fica a olhar para eles, a filmar a forma como andam, os gestos, faz acoplar à ficção um outro tempo, uma outra respiração. É uma atenção à mecânica e à fragilidade dos corpos, uma atenção respeitosa à forma como duas belas criaturas agora existem. Em suma, e em surdina, um documento com as últimas imagens juntas daquelas que foram presenças decisivas do cinema e da vida cultural, social e política da América. É esta relação com um território, as suas figuras e a sua dimensão mitológica que Lean on Pete, de Andrew Haigh (competição), nos frustra. Surpreendentemente, porque vem de um cineasta que em Weekend (2011) e em 45 Anos (2015) tinha filmado, precisamente, a presença das paisagens nos corpos e nas emoções (mas claro, estava na Inglaterra natal). Este percurso pela América, através da história de um adolescente, órfão, na companhia de um cavalo, em busca de segurança, uma angústia que pede que alguém a aplaque, é uma “viagem” que vai apagando qualquer paixão ou vibração no contacto com um território que é mitologia. E o cineasta até andou a ver filmes – por exemplo, revelou, Paris, Texas, de Wim Wenders (1984), Fat City, de John Huston (1972), Os Cavalos Também se Abatem, de Sidney Pollack (1969) –, como se quisesse encontrar neles indicações, sinais, para a viagem. E até tinha um actor, Charlie Plummer, que de forma tão perturbante evoca River Phoenix – o River Phoenix de Fuga sem Fim (Sidney Lumet, 1988), por exemplo, filme em que o protagonista corria para sobreviver ao caos familiar. Mas a experiência sensorial, emotiva, da deslocação, do movimento, é conformada a meras indicações no argumento e nos diálogos. Não é incorporada como energia do filme. Esquivo e pudico como é apanágio de Haigh, é também inerte.
REFERÊNCIAS: