Granito, silêncio e sossego numa aldeia ajuizada
Nas Casas do Juízo é o silêncio que manda, de dia e de noite. Há décadas, viviam na aldeia cerca de três centenas de habitantes, hoje são 17. Há um forno comunitário e muitas histórias para contar. (...)

Granito, silêncio e sossego numa aldeia ajuizada
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 | Sentimento 0.0
DATA: 2018-06-21 | Jornal Público
SUMÁRIO: Nas Casas do Juízo é o silêncio que manda, de dia e de noite. Há décadas, viviam na aldeia cerca de três centenas de habitantes, hoje são 17. Há um forno comunitário e muitas histórias para contar.
TEXTO: Assim que abandonamos a auto-estrada e entramos na nacional passamos pelas aldeias a uma velocidade inferior a 50km/h, o que nos permite ver as casas com tempo, assim como os poucos habitantes que por ali param, nas soleiras das portas. O interior do país está abandonado. É um facto confirmado pelas casas fechadas, pelos velhos que se vêem aqui e ali e que cumprimentamos com alegria. “Boa tarde”, acenamos de dentro do carro e retribuem-nos com saudações semelhantes e um olhar curioso. Somos só uns turistas de ocasião que, por vezes, se deixam enganar pelo GPS e surpreendem-se com o interior das aldeias, aquele que não se vê da estrada. Equivocados, entramos em Souropires — em tempos Soeiro Peres, o nome do senhor daquelas terras. O telefone toca. Há uma hora que deveríamos ter chegado a Juízo e José Pinto Guerra, o empresário que reconstruiu e gere as Casas do Juízo, mostra-se preocupado. “Onde está? Vá em direcção à igreja, do seu lado direito tem o solar dos Távoras, desça, vire à esquerda…”Deixamos de ouvir e ficamos presos à frase “o solar dos Távoras”. Entramos assim numa breve lição de história para contar quem são os Távoras, como caíram em desgraça, embora não saibamos bem se estes serão os mesmos do Marquês de Pombal. Mas o edifício é imponente, monumento nacional, descobrimos depois, e faz-nos atrasar um pouco a chegada à aldeia que fica no Vale do Côa, no concelho de Pinhel, a poucos quilómetros dali. Entramos no Juízo e é fácil dar com o complexo, uma vez que está tudo devidamente identificado; além disso, José Pinto Guerra espera-nos na estrada empedrada, ajudando-nos a estacionar perto da Taberna do Juiz, o espaço de restauração que abriu para servir quer quem fica nas casas, quer quem vem de fora para petiscar. Comecemos do princípio. José Pinto Guerra é do Juízo, saiu para estudar na Guarda, fez engenharia no Instituto Superior Técnico nos anos quentes da revolução — então, pensou estudar fora, mas terminou o curso e trabalhou na Marinha Grande. O tempo passou e recuperou, há 20 anos, uma casa na aldeia. Em 2014, o engenheiro e a mulher regressaram à terra com a ideia de fazer um turismo rural. Foram comprando as casas que pertenciam à família, “aos primos e assim”. A rua separa os dois espaços: de um lado, a casa onde tudo começou, aquela que o casal habita quando está na aldeia, assim como quatro casas que podem ser arrendadas em qualquer altura do ano; do outro lado da rua, está o complexo construído mais recentemente, com mais quatro casas e a Taberna do Juiz, que rodeiam a capela, com um forte Cristo de pedra. “Tentaram roubá-lo partindo-lhe as pernas, mas não conseguiram porque é de granito, muito pesado”, recorda José Pinto Guerra enquanto mostra, orgulhoso, a capela que a família ofereceu à freguesia e onde só se reza missa com autorização do bispo. Rua de São Lourenço Vale do Côa Tel. : 271 401 009/ 927 585 758 E-mail SiteTaberna do Juiz: 916 555 463 Diárias na época alta e fim de ano: entre 85€ (T0) e 240€(T4)O granito domina a aldeia e as casas reconstruídas, por dentro e por fora. “Estava tudo muito degradado, os pátios cheios de silvas. Inicialmente, pensámos só pôr telhados e portas, mas depois tivemos de fazer tudo”, descreve. As oito casas ganharam os nomes dos espaços que antes ali ficavam, como a Casa da Capela, paredes-meias com o recinto religioso; a Casa do Museu, um pequeno T0 construído em torno do engenho de um lagar; a Casa do Telheiro, ao lado de um espaço coberto onde várias mesas e cadeiras convidam a ficar; ou a Casa do Juiz, com grades nas janelas e que se crê terá sido uma pequena cadeia — a aldeia deve o seu nome à possível existência de um juiz na localidade, conjectura o proprietário. Ao todo, as casas, com diferentes tipologias (do T0 ao T4) comportam 30 pessoas. As casas estão apetrechadas com tudo o que precisa para cozinhar no local, do fogão ao frigorífico, e na Taberna do Juiz pode comprar alguns ingredientes para a receita que quer fazer, caso se tenha esquecido de a adquirir na mercearia mais próxima, que não fica na aldeia, mas nas localidades vizinhas. Se quiser ir ao supermercado, deverá ir a Pinhel ou a Trancoso. O empreendimento tem ainda uma piscina coberta, uma estufa e uma quintinha com animais. Quem não quiser cozinhar pode sempre tomar as refeições — o pequeno-almoço (8€/pessoa) ou uma refeição (entre 10 e 15€/pessoa) — na Taberna do Juiz. É lá que tomamos um pequeno-almoço muito completo: do sumo natural aos batidos, dos iogurtes aos cereais, dos pães de sementes à bola de carne, passando pelos biscoitos de manteiga e o bolo mármore caseiro. E também um jantar composto por uma tábua de enchidos e de queijos, uma sopa fantástica de favas (com a casca da leguminosa incluída), alguns petiscos e sobremesa. O silêncio domina a aldeia, de dia e de noite. Há décadas eram cerca de três centenas os habitantes, hoje são 17. Há um forno comunitário, um espaço onde antigamente se punham as ferraduras ao gado, vários poços e muitas histórias para contar com algumas curiosidades como uma oliveira milenar ou vestígios romanos, enumera José Pinto Guerra, que gosta de mostrar o Juízo com tempo e, com a mulher, Isabel, imagina novas actividades para promover a terra. Há tempos recriaram uma merenda como a que os trabalhadores do campo faziam, carregada numa burra; agora já estão a planear a apanha da amêndoa. Isabel é a criadora dos ajuizados, uns bolinhos com amêndoas da propriedade, e da Pinga do Juízo, um licor de figo. O casal não revela o segredo de um e de outro, mas Isabel já anda a magicar uma receita nova para uns biscoitos que possa partilhar com os mais curiosos. De manhã, André e Daniela abrem a Taberna para tomarmos o pequeno-almoço. No final, juntam uma série de panfletos — da Grande Rota das Aldeias Históricas de Portugal, de Pinhel, da Grande Rota do Vale do Côa, do Parque Arqueológico do Vale do Côa. O Juízo fica bem localizado, no cruzamento das rotas das Aldeias Históricas e do Vale do Côa, e Daniela dá uma sugestão de como fazer o melhor percurso para aproveitar bem o fim-de-semana. Obedientes, cumprimos o percurso sugerido. Começamos por Marialva e subimos até ao castelo, continuamos para Vila Nova de Foz Côa e almoçamos doses generosas no restaurante do museu. Aproveitamos para ficar e usufruir da vista sobre o vale do Côa, assim como para visitar o museu, já que para ver as gravuras in loco é preciso marcar com antecedência. “Se quiserem muito ir, também se arranja, mas sugiro voltarem”, diz José Pinto Guerra. Daniela é da mesma opinião e estabelece em que altura deveremos regressar — no Inverno, quando está frio e as casas são muito quentinhas com as mantas e a lareira. O nosso percurso continua em direcção a Castelo Rodrigo, mais uma aldeia histórica, mas antes fazemos um desvio até à serra da Marofa, onde, do alto dos seus mais de 900 metros, há antenas retransmissoras, mas também um Cristo Rei de braços abertos, desde 1956, a olhar para Espanha, lá ao fundo. Depois de Castelo Rodrigo, chegamos a Almeida, seguimos para Castelo Bom e depois Castelo Mendo — tudo na rota das aldeias históricas. Há sugestões para fazer estas rotas caminhando, em BTT ou mesmo em todo-o-terreno. No Verão, além da piscina das Casas do Juízo, existem praias fluviais para descobrir na região. E, com tempo, é possível planear uma viagem de barco ou de comboio pelo Douro. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Terminado o fim-de-semana, concluímos que José Pinto Guerra tem razão, falta tempo para explorar a zona com calma. “Quando precisarem de juízo, venham até ao Juízo”, brinca. As casas são muito agradáveis, com todas as comodidades necessárias para umas férias prolongadas. A limpeza, arrumação dos quartos é feita diariamente. Os espaços primam pelo conforto e no Inverno há lenha para alimentar a salamandra. A piscina é interior e tem um pequeno ginásio, não se esqueça da touca. O silêncio e a vista para o casario contribuem para que esqueçamos o movimento da cidade. Os móveis são sólidos e as camas confortáveis, mas não há coerência na decoração dos espaços. Por exemplo, na Taberna do Juízo há uma parede cheia de pratos pendurados, onde os antigos convivem com os tradicionais e outros de uso comum. O casal reconhece que, por vezes, compra objectos e que pensa se ficarão bem. Muitos não ficam. A Fugas esteve alojada a convite das Casas do Juízo
REFERÊNCIAS:
A Santiago também se sobe de olhos no mar
Nem tanto ao mar nem tanto à terra. A rota de peregrinação histórica agora recuperada sobe o litoral Norte entre o oceano, a serra, os rios, as povoações e o património arquitectónico. O caminho é uno, mas o que se vê lá fora e o que se sente cá dentro é tão diverso quanto o número de peregrinos. Já se adivinha o problema: é vício sem cura ou antídoto. (...)

A Santiago também se sobe de olhos no mar
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 | Sentimento 0.0
DATA: 2018-06-21 | Jornal Público
SUMÁRIO: Nem tanto ao mar nem tanto à terra. A rota de peregrinação histórica agora recuperada sobe o litoral Norte entre o oceano, a serra, os rios, as povoações e o património arquitectónico. O caminho é uno, mas o que se vê lá fora e o que se sente cá dentro é tão diverso quanto o número de peregrinos. Já se adivinha o problema: é vício sem cura ou antídoto.
TEXTO: Não fosse aquela concha de vieira, gorda e rosada, e talvez Nuno Gaspar não estivesse hoje aqui. Talvez nenhum dos quatro ciclistas portugueses descesse agora a rua a alta velocidade rumo a Santiago de Compostela. Há uns anos, o espanto de esperar peixe e ver o pequeno molusco “a esguichar água” no extremo do anzol foi um “sinal” para Nuno. Nunca tinha ouvido falar de vieiras por ali, quanto mais conchas apanhadas à cana. “Foi um chamamento”, diz entre o sério e o gracejo, com a concha sobre a testa, qual farolim, presa aos aros do capacete. “É a terceira vez que faço o caminho e é a terceira vez que a vieira vem comigo. ”Dos quatro, Nuno é o único para quem ter como meta o túmulo do apóstolo não é uma estreia. Já fez duas vezes o Caminho Português Central a partir do Porto. E, agora, desafiou três amigos do BTT a saírem de Lisboa rumo a Santiago, derivando no Porto para o Caminho Português da Costa. Desde o ano passado que a rota se encontra totalmente reabilitada, com nova sinalética ao longo do percurso, desde o Porto até Valença. De sábado a sexta-feira, conta Pedro Vilante, planeiam pedalar entre “90 e 100 quilómetros por dia”, ficando a dormir onde o cansaço dita o fim de cada etapa. Para Nuno, no entanto, há uma paragem obrigatória: visitar o albergue de peregrinos em Caldas de Reyes. “É a minha família galega. ” Há quatro anos, quando ali chegou pela primeira vez, encontrou o proprietário à porta para o receber, a mãe debruçada sobre a janela e a filha sentada nas escadas. Como se estivessem ali desde sempre à espera dele. Foi um sentimento de encontro, de pertença, de empatia. Daqueles que não se conseguem transpor em palavras. “Depois estava lá outro rapaz, que também se chamava Nuno e que também era português, que tinha estragado os sapatos no caminho. ” O dono do albergue apercebeu-se e veio com um presente nas mãos. “Não te deixo sair daqui sem as botas que eram do meu pai”, recorda ouvi-lo dizer. Em Setembro do ano passado, Nuno voltou ao caminho e ao albergue. “Ficámos uns cinco minutos abraçados. Sem falar. ”Desta vez, não devem ficar alojados no albergue. Mas para Nuno aquele reencontro faz tão parte do caminho quanto o caminho em si. Tem de lá ir. Nem que para isso tenha de obrigar os amigos a um pequeno desvio. Depois do abraço, não faltarão mais do que 36 quilómetros para chegarem a Santiago de Compostela. Um instante para quem, naquele momento, já carrega 500 quilómetros nos pedais. “A vida é dura e o caminho também”, resume às tantas um esforço que nem esforço parece ser. E o fim? Qual é a sensação de finalmente vislumbrar a catedral? “Desmanchei-me quando lá cheguei pela primeira vez”, confessa Nuno. “Não faço o caminho pela religião, mas é uma comoção que não se explica. ”Quando encontramos os quatro ciclistas portugueses em Carreço, no concelho de Viana do Castelo, pouco falta para contrariarmos o rio Minho até Valença e terminarmos o Caminho Português da Costa. Espanha começa para lá da ponte metálica e, a partir dali, as principais rotas peregrinas portuguesas convergem num único trajecto assinalado em direcção a Santiago de Compostela. Deste lado da fronteira, o Caminho Português Central é o mais conhecido e aquele que é tido como o mais antigo em território nacional. Os registos históricos remontam-no, pelo menos, ao século XII, altura em que a maioria dos peregrinos fazia o percurso por Braga. Era sede da diocese e a alternativa mais viável. “Até à construção da ponte de Barcelos era difícil atravessar o rio Cávado [na zona mais litoral]”, conta Manuel Araújo, técnico superior do Arquivo Histórico Municipal do Porto. Além de estudar os caminhos de Santiago há cerca de “25 ou 30 anos”, Manuel é peregrino há mais de 20, com muitas rotas jacobinas percorridas. Depois da primeira experiência, garante, “fica-se de tal maneira viciado que não há antídoto para isto”. Com a descida das populações do Norte até à orla costeira e a edificação de uma economia baseada nos recursos do mar, os habitantes devotos das novas povoações fixadas junto ao litoral terão iniciado uma nova rota de peregrinação até Santiago de Compostela. Em vez de alongarem o percurso num desvio pelo interior do país, as populações costeiras e os peregrinos que desembarcavam nos portos marítimos subiam em recta pela costa, partindo de vila em cidade até à travessia ribeirinha final para Espanha. Assim terá nascido o Caminho Português da Costa no século XV. Embora “haja quem diga que até é anterior ao central”, aponta Manuel Araújo. É que o percurso passa junto à igreja paroquial de Castelo do Neiva (concelho de Viana do Castelo), o mais antigo templo dedicado a Santiago fora do território espanhol. De acordo com os registos históricos, terá sido consagrada no século IX, pouco depois da descoberta do túmulo do apóstolo em Compostela e três séculos antes da criação do Reino de Portugal. Esta rota jacobina — que se separa do caminho central no Porto, subindo a faixa costeira por Vila do Conde, Esposende, Viana do Castelo, Caminha — caiu entretanto em desuso e manteve-se esquecida quando, em meados do século passado, as peregrinações a Santiago de Compostela receberam um novo impulso. Enquanto o percurso pelo interior do país ascendia a uma das rotas mais populares até Santiago (a segunda mais concorrida, a seguir ao hiperbólico “Caminho Francês”, que em 2016 foi escolhido por 64% dos caminhantes, de acordo com os dados publicados pela Oficina do Peregrino), o percurso costeiro português não surgia sequer discriminado nas estatísticas oficiais. Há cerca de onze anos, no entanto, os dez municípios atravessados por esta variante do caminho aliaram-se para justificar historicamente o percurso e torná-lo uno, do Porto a Valença. “Esse trabalho começa muito cedo, principalmente com um grupo de técnicos que impulsionou um conjunto de reuniões para tentar promover e descobrir este caminho”, recorda Aurora Viães, vereadora de Vila Nova de Cerveira. Num primeiro momento, assume a autarca, o projecto não recebeu o mesmo “afinco da parte política”. Mas com o passar do tempo “houve um congregar de vontades”. Início: Cais da Ribeira (Porto) Fim: Ponte metálica sobre o rio Minho (Valença) Distância (em território português): 149, 5km Distância total (até Santiago de Compostela): 258km Duração: sete dias até Valença e 12 até Compostela (média de 20km/dia) Concelhos percorridos: Porto, Matosinhos, Maia, Vila do Conde, Póvoa de Varzim, Esposende, Viana do Castelo, Caminha, Vila Nova de Cerveira e Valença Credencial: pode ser adquirida na Catedral do Porto e é necessária não só para aceder aos albergues oficiais como para obter a compostela no final do percurso — para isso, há que a ir carimbando ao longo do caminho (nos albergues, postos de turismo, estabelecimentos públicos e comerciais ou igrejas), pelo menos três vezes por etapa, a fim de confirmar a realização do caminho Compostela: para obter o certificado basta percorrer os últimos 100 quilómetros até Santiago de Compostela (ou 200 quilómetros caso se parta de bicicleta ou a cavalo) Mais informações: www. caminhoportuguesdacosta. comNo ano passado, a candidatura conjunta aos fundos do Norte2020, no valor de quase dois milhões de euros, permitiu “fazer toda a marcação do percurso, colocar as placas de sinalização e criar uma linha de promoção com uma linguagem comum”. O Caminho Português da Costa é agora não só uma rota de peregrinação até Santiago de Compostela, como um site, uma aplicação móvel e um guia impresso, onde é possível encontrar dicas sobre os cuidados a ter antes, durante e depois da caminhada, assim como informação detalhada sobre os trilhos, a localização dos albergues oficiais, além dos muitos pontos de interesse que surgem ao longo do percurso, entre outros dados. Não deixa de ser curioso que a barca de passagem que daria origem à reconstituição histórica e requalificação do Caminho Português da Costa acabe por ficar fora do itinerário principal sinalizado no terreno. Os caminhos de Santiago sempre foram assim mesmo: cada peregrino escolhia fazer a travessia por onde mais lhe convinha, numa intrincada rede de percursos e alternativas possíveis. Ao hiato dos séculos, resistem agora apenas os mais populares ou aqueles cujo traçado foi sendo inscrito na História e escolhido pelas entidades (eclesiásticas ou governamentais) para sobreviver ao tempo. No concelho de Esposende há, por isso, dois trilhos possíveis. O primeiro, mais antigo e de fundação romana, provém de São Pedro de Rates (onde existe um albergue oficial) e percorre zonas rurais até chegar a Fonte Boa, onde antigamente uma “barca por Deus” fazia a travessia gratuita dos peregrinos até à margem direita do rio Cávado. Já o segundo percurso, que hoje integra o itinerário principal, sobe pelas povoações costeiras, da Apúlia às Marinhas (onde fica o albergue seguinte). Um pé histórico no rio, outro no veraneio da areia. É conforme se prefira, portanto. Ou que se faça uma travessia a dois tempos, como foi o nosso caso, já que venceremos o Cávado só para depois voltar atrás e caminhar por entre um pinhal arenoso até Fão. Para José Costa, técnico de turismo da autarquia de Esposende, “a Barca do Lago é o ponto mais importante na história dos peregrinos” no concelho. Motivo que compensa o desvio para subir a bordo de uma réplica da embarcação medieval que deu nome à localidade. Até aos anos 1940, uma barca de carga fez por aqui o transporte de carros e de animais de uma margem à outra. O pequeno barco de passageiros manteve-se até finais dos anos 1970. Em 2007, a ideia de recriar a velha embarcação de madeira para reconstituir a travessia histórica do Cávado entre as freguesias de Fonte Boa e de Gemeses foi a ignição no motor que levaria ao nascimento do projecto de recuperação do Caminho Português da Costa. “Foi a génese. Não fazia sentido pensar este projecto só a nível local”, recorda José Costa. “Tínhamos de fazê-lo numa perspectiva mais alargada. ” A aliança entre municípios vizinhos acabou por expandir-se aos dez concelhos actuais. No entanto, no final do processo, acabou por não ser possível incluir a recriação da barca na candidatura aos fundos comunitários. O empresário e canoísta Belmiro Penetra decidiu fazê-lo a título privado, integrando o projecto na empresa Proriver, especializada em actividades desportivas no rio. “Quando fui [a Santiago de Compostela] houve pessoas que me ajudaram a troco de nada, por isso também é uma forma de retribuir”, conta o antigo atleta olímpico. Em 2006, Belmiro fez parte de uma peregrinação especial: partiram de Esposende em canoa, seguiram a remar até Padrón, já em Espanha; e depois dali a pé até Compostela. “Não tinha ligação religiosa a Santiago, mas fui a três Jogos Olímpicos e vários mundiais e nenhum deles me marcou tanto como o caminho”, confessa. Depois de avanços e recuos e três anos de construção, desde Maio do ano passado que a barca repete a travessia ancestral do Cávado ao ritmo de música medieval. A passagem continua a ser gratuita para peregrinos e muitas vezes acaba por transformar-se em passeio. “Dá-me gozo fazer a voltinha e mostrar a paisagem às pessoas”, conta. Apesar de ser uma travessia mais histórica e bucólica, a maioria dos peregrinos acaba por seguir o itinerário principal. Sobe pelo casario da Apúlia até Fão e dali atravessa a ponte metálica rumo ao centro histórico de Esposende. É o caso de Anna, que encontramos junto ao “caminho das areias”, um pequeno troço arenoso entre pinheiros e campos agrícolas. No Inverno, o trilho torna-se “um bocadinho tortuoso por causa das lamas”, confessa José Costa. Mas, sob o sol da Primavera, nada nos parece mais abençoado que a sombra e o aroma do arvoredo. “Ontem estava muito vento. Era difícil caminhar, porque o vento puxava para trás, mas hoje está agradável”, conta Anna entre os fôlegos da caminhada. Ao terceiro dia, é a paisagem costeira que mais encanta a alemã de 36 anos. “Agora é Primavera, por isso a costa está tão bonita!” Olha em redor e enumera: as flores, a areia, a temperatura, os cheiros. Depois de ter feito o “Caminho Francês”, este parece-lhe “mais fácil” e com “menos pessoas”. “É uma boa opção para principiantes”, defende. Mas Anna está longe de ser nova nestas andanças. Costuma caminhar e fazer escalada com frequência, adora a natureza. “Essa é a razão por que faço isto: para ficar 12 dias na natureza, simplesmente a mover-me de sítio para sítio”, conta. “Podes pensar sobre tudo. Regressar a ti mesma. ” Apesar de ter crescido no seio de uma “educação católica restrita”, Anna não faz o caminho por motivos religiosos. Ao contrário de Michael, que encontraremos dois dias depois no passadiço junto à praia de Moledo. É a fé que move o polaco de 22 anos. Assim que chegou a Portugal foi a Fátima de autocarro. E agora segue em direcção a Compostela com uns peregrinos italianos que conheceu no Porto. O foco dele, confessa, é o caminho. Não há espaço para turismo no programa. No final de cada etapa, visita brevemente o casario junto ao albergue, vai até à igreja e pouco mais. As motivações para caminhar até Santiago de Compostela, no entanto, diferem de peregrino para peregrino. Muitos, como Anna ou os quatro ciclistas portugueses, já não o fazem por devoção religiosa. “Há pessoas que querem mudar de vida, por motivos profissionais ou pessoais. Há quem queira fazer caminhadas culturais, conjugando o caminho com visitas a monumentos. Outros fazem-no pela espiritualidade ou integrados em sessões de ioga. E há quem o faça pela superação pessoal, para provar a si próprio que é capaz”, enumera Paulo Almeida Lopes, gerente da Green Walk, uma empresa especializada em actividades turísticas ao ar livre na região Norte. “Tivemos uma norte-americana em cadeira de rodas, por exemplo. Tinha uma equipa de cinco pessoas a ajudá-la. Fez num mês aquilo que habitualmente se faz numa semana, mas chegou a Santiago. ”Do alto do Templo-Monumento do Sagrado Coração de Jesus, em Viana do Castelo, vê-se todo o miolo da cidade. O labirinto medieval, a esquadria moderna dos novos bairros, os estaleiros. Vê-se o rio desaguar no mar e as ondas a bater suaves nos rectângulos arados. Para onde quer que se olhe, o arvoredo irrompe o cume dos cerros. A varanda do zimbório abarca tudo. E é por isso que aqui estamos, ainda que o caminho não suba ao Monte de Santa Luzia. É que daqui podemos seguir o dedo de Miguel Costa e imaginar o percurso jacobino, do Cabedelo à Areosa. Vem pela antiga estrada real, a cortar a mata na outra margem do Lima, até entrar na cidade pela ponte Eiffel lá em baixo. “Antigamente a travessia do rio fazia-se de barca, junto à capela de São Lourenço”, aponta o técnico de arqueologia da autarquia. Em frente à minúscula igreja, solitária nas areias do estuário, ainda se vêem as estacas da primeira ponte, feita em madeira. Ao chegar a Viana do Castelo, continua Miguel Costa, já no centro histórico, “o caminho respeita as ruas medievais” da antiga cidade muralhada. Entra pela extinta porta das Atafonas e sai pela porta de Santiago, assim nomeada devido ao fluxo de peregrinos que por ali passavam. Entre uma e outra, numa ruela do estreito labirinto, espreitamos o “primeiro albergue de peregrinos” da cidade. O “hospital velho” foi fundado em 1468 para dar guarida a mercadores em trânsito e devotos a caminho de Compostela, depois passou a acolher pessoas desfavorecidas. Tornou-se “velho” com a construção de um outro hospital, o da Misericórdia, erguido um século depois, para lá da porta de Santiago, quando a cidade já transbordava as muralhas. Se o velho hospital está actualmente em obras para ser convertido em espaço de recepção ao peregrino, a igreja da Misericórdia ainda conserva elementos que atestam a passagem secular dos caminhantes devotos, nomeadamente num dos painéis de azulejos. Ao longo do caminho, vamos cruzando pequenos pormenores que testemunham a passagem histórica de peregrinos por ali em direcção a Compostela. “Fomos muito questionados quanto ao rigor [do Caminho Português da Costa], o que obrigou a parte técnica a todo um trabalho de pesquisa histórica para fundamentar o traçado”, admite Aurora Viães. O trajecto marcado no terreno segue, por isso, os estudos feitos sobre a viação que era utilizada antigamente e continua por um ziguezague de vestígios. Conchas de vieira esculpidas na pedra. Alminhas à beira dos trilhos, pequenas capelas, igrejas consagradas a Santiago ou que tenham imagens alusivas à história do apóstolo peregrino. Antigos hospitais ou velhos albergues. É o caso do actual Hotel da Boega, em Gondarém, concelho de Vila Nova de Cerveira. “Desde o século XVII que fazia o apoio ao peregrino”, conta Paula Ramalho, arqueóloga da autarquia, ao apontar uma inscrição talhada na antiga entrada da propriedade. No final da rua agora denominada Caminho de Santiago, a Quinta do Outeiral nascia como “casa de obrigação a passageiros, peregrinos e mendigos”, lê-se na pedra sobre as nossas cabeças. A maioria dos caminhantes desceria depois até Vila Nova de Cerveira, onde o castelo albergava igualmente um hospital junto à igreja da Misericórdia. Lá em baixo, perto do rio, fica uma das travessias possíveis para Espanha. “Na época medieval tinha de ser feito em barca. Hoje é possível atravessar de ferry em Caminha [para A Guarda] ou nas pontes de Cerveira [ligação a Goiã] ou de Valença [em direcção a Tui]. ” A última é, no entanto, a mais utilizada actualmente, uma vez que nos outros casos a continuação dos percursos não está sinalizada em território espanhol. Ao contrário daquilo que o nome pode induzir, o Caminho Português da Costa raramente se abeira da orla marítima. À excepção de um troço entre Póvoa de Varzim e Aguçadoura e, depois, de Vila Praia de Âncora ao areal de Moledo, o trajecto histórico seguia maioritariamente “a meia encosta” ao longo da serra. Por um lado, ia-se de olhos no mar mas suficientemente longe para fugir aos ataques piratas que na altura fustigavam a costa. Por outro, a serra revelava-se não só mais abrigada do sol e do vento violento do Norte, como era mais rica em fontes de água potável. “Temos de pensar o caminho à luz daquilo que também eram as mentalidades e as condições da época”, relembrará Aurora Viães. Por isso, chegados à Areosa, deixamos a planura da faixa costeira para subir por entre os muros altos das quintas, junto à serra de Santa Luzia. “Vamos começar onde termina a estrada de alcatrão”, aponta Nuno Barbosa, guia da Viv’experiencia. A partir daqui, seguimos a sinalética pela antiga estrada real, de ziguezague empedrado, até regressarmos ao alcatrão, já em Carreço. As lajes que pisamos, ora largas, ora em quadriculado de calçada, já são posteriores mas “o traçado é romano”, garante Miguel Costa. “Antes, esta estrada já seria utilizada pelos povos suevos para as trocas comerciais”, conta. Actualmente, o caminho aperta-se pela altura dos muros das quintas, muitas delas abandonadas, com árvores frondosas a pender os frutos gordos à altura do lanche. Junto à Travessa da Saudade, passamos por uma alminha de 1898, “com uma escultura bastante bem conseguida”. E continuamos o trajecto por baixo de pequenos aquedutos medievais que, 500 anos depois, ainda transportam água das nascentes até às quintas. Mais à frente, uma pequena cascata assinala o ribeiro do Pego, com os seus moinhos de rodízios a descer o curso de água. Dos 21 edifícios de pedra, apenas o “moinho da fada” funciona, recuperado recentemente pelo proprietário. Já estamos junto à capela da Quinta da Boa Viagem quando Diego e Spencer passam por nós com as mochilas exasperadas de calor. Conheceram-se ontem e hoje decidiram continuar o caminho a dois. Se o colombiano de 36 anos ruma a Santiago pela fé e pelo desafio desportivo, para o norte-americano de 25 anos o trajecto faz parte do currículo escolar. “Numa das aulas estudámos o livro The Philosophy of Walking, de Frederic Gros. ” E agora toda a turma está a pô-lo em prática. “Terminei o Caminho Francês e como ainda tinha tempo antes do voo para os Estados Unidos e queria vir a Portugal, decidi fazer este também”, conta Spencer Miller. Na verdade, confessa o norte-americano, o plano era percorrer o Caminho Português Central. “Mas perdi-me e acabei por dar neste”, ri-se. No interior da capela amarela, despida de mobiliário, destaca-se uma enorme caravela a balouçar do tecto. Miguel avança uma explicação: apesar de o mar nos parecer longínquo daqui, era tradição os barcos darem um tiro de canhão na direcção da capela “para solicitar as graças de uma boa viagem”. O alpendre largo, aponta ainda o arqueólogo antes de partirmos, revela ser uma capela na rota jacobina. Eram construídos para que os peregrinos pudessem resguardar-se e passar a noite. Num percurso de cerca de cinco quilómetros, já lavámos os olhos de mar, limpámos as mãos no riacho e levámos o aroma dos pinheiros e eucaliptos da montanha. “Além da riqueza patrimonial, que acaba por ser um bocadinho transversal a todos os caminhos que passam pela região Norte, conseguimos ter uma variedade ambiental extraordinária”, defende Aurora Viães. Entretanto, já cruzámos quintas, áreas agrícolas e vacas silentes nos pastos. Já reforçámos o estômago no café central de Carreço. E subimos a Vila Nova de Cerveira para um passeio de barco no Minho. Próxima paragem: Santiago de Compostela. É batota, muita batota, bem sabemos. Mas encaixar em três dias um percurso de duas semanas (ou uma, se viéssemos de bicicleta) só é possível à laia de alguns saltos e omissões. Além de muito percurso ganho à força de motor, admitimos. Mas pese-se o motivo: conhecer parte da diversidade de paisagens e de localidades que o trajecto atravessa, descobrir o que se pode visitar pelo caminho e comer muito e bem — que na Península Ibérica é difícil arrematar por menos. É por isso que, chegados ao final do percurso em território nacional — onde termina a sinalética colocada no ano passado —, partimos directos para Santiago de Compostela. A Tasquinha Rua do Carmo, 23 Porto Tel. : 223 322 145 Email: geral@atasquinha. com www. atasquinha. comÁgua Pé Av. Dr. Henrique Barros Lima, 6 Esposende Tel. : 253 968 519 Email: aguaperestaurante@sapo. ptMaría Castaña Rúa da Raíña, 19 Santiago de Compostela Tel. : (+34) 981 560 137O Peregrino Boega Hotel - Quinta do Outeiral Gondarém (Vila Nova de Cerveira) Tel. : 251 700 500 Email: reservas@boegahotel. com www. boegahotel. comTasquinha da Linda Rua dos Mareantes, A-10 – Doca das Marés Viana do Castelo Tel. : 258 847 900 Email: geral@tasquinhadalinda. com www. tasquinhadalinda. comNo centro histórico, da catedral às ruelas, o ambiente parece muito mais festivo do que o habitual. Não era assim que tínhamos imaginado a chegada ao terceiro local de peregrinação mais importante da tradição católica. Mal vislumbramos peregrinos por entre os grupos de turistas e as dezenas de galegos com cartazes e autocolantes. “Hoje é o Dia das Letras Galegas”, há-de explicar a guia Maria Chamadoira. Por isso, as calles estão cheias de gente que toca e dança música regional, entre copos de cerveja e doses de tapas. A animação é ensurdecedora. Ao final da tarde, já depois de visitarmos o interior da catedral e de subirmos aos telhados do edifício, construído como uma fortificação onde não faltam ameias e torres, descemos à Praça do Obradoiro, ponto de chegada para quem vem pelos caminhos portugueses. É lá que encontramos Rita Simões e Zélia Pedro, sentadas de frente para a fachada, ainda em obras de restauro. Chegaram a tempo da missa das 12h, por isso agora aguardam que a das 19h termine para que os portugueses que conheceram no caminho se juntem a elas nos festejos da chegada a Compostela. “Não falho a missa para agradecer a Santiago o caminho e tudo o que ele me tem dado”, conta Rita. Depois de duas peregrinações a Fátima e de ter feito o Caminho Inglês, a portuguesa regressou a Santiago, desta vez a partir de Valença. “Há muita materialização das peregrinações a Fátima. Tens as carrinhas atrás, apoio na alimentação, camas reservadas. Aqui não”, compara. “Viemos sozinhas, desprovidas de quase tudo, e acabámos por partilhar mais com quem encontrámos. A cultura, a comida, o quarto”, enumera. “Também é uma forma de aliviar o stress do trabalho e desta sociedade. ”Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Hubert Mayer fez todo o Caminho Português da Costa porque “tinha algumas coisas em que precisava de pensar”. Ao fim de duas semanas, traz a compostela na mão e um sorriso rasgado no rosto. “Foi um grande momento finalmente chegar a Santiago de Compostela depois de 12 dias a caminhar”, conta o alemão de 55 anos. “É uma catedral impressionante. ” Hubert começou no Porto, ficou num parque de campismo em Lavra e foi subindo pela Póvoa de Varzim, Viana do Castelo, Apúlia. Os carimbos coloridos da credencial permitem agora relembrar (e confirmar) todo o percurso porque os nomes das localidades, confessa, são “demasiados difíceis” para decorar. “É a primeira vez que faço um Caminho de Santiago. Escolhi este porque li que tinha menos pessoas, demorava apenas duas semanas e começava no Porto, onde já tinha estado e gostei muito. ” Não podia estar mais satisfeito, diz. Do que gostou mais? “Das caminhadas ao longo da costa, das paisagens bonitas, de estar sozinho e pensar muito mas depois também conhecer tanta gente e ouvir as histórias delas”, enumera. “Foi uma óptima experiência. ” Confessa que queria sentir o que era caminhar 20 quilómetros por dia, perceber o que o esforço fazia ao corpo e à mente. “Pensei naquilo que vinha para cá pensar e tomei uma decisão. Foi algo que aprendi durante o caminho. ” Quanto ao corpo, depois das dores do primeiro dia, começou a sentir-se cada vez melhor e agora está “bastante bem”. “Podia continuar a caminhar”, ri-se. “Tenho mais um dia. Sabe como se vai a Finisterra?”Casa do Sardão Avenida de Paço, 769 - Carreço (Viana do Castelo) Tel. : 961 790 759 Email: alberguedosardao@gmail. com Facebook: Albergue Casa do Sardão Preços: 12€ por noite (em camaratas)Feel Viana Rua Brás de Abreu Soares, 222 - Praia do Cabedelo (Viana do Castelo) Tel. : 258 330 330 Email: info@hotelfeelviana. com hotelfeelviana. com Preços: quarto standard a partir de 125€/noiteHotel da Música Mercado do Bom Sucesso, Largo Ferreira Lapa - Porto Tel. : 226 076 000 (info)/ 707 292 707 (reservas) Email: info@hoteldamusica. com www. hoteldamusica. com Preços: a partir de 100€/noiteHotel Meira Rua 5 de Outubro, 56 - Vila Praia de Âncora (Caminha) Tel. : 258 911 111 Email: reservas@hotelmeira. com hotelmeira. com Preços: entre 78€ e 130€ por noite, dependendo da época (desconto para peregrinos: 40€/noite em quarto individual e 50€/noite em quarto duplo)Hotel Suave Mar Avenida Engenheiro Arantes e Oliveira - Esposende Tel. : 253 969 400 Email: info@suavemar. com www. suavemar. com Preços: a partir de 55€ por noite
REFERÊNCIAS:
Um fim-de-semana nas nuvens e a ver estrelas
O festival gastronómico The Art of Flavours foi apenas o pretexto. Passámos três dias na ilha a tentar escapar por entre os pingos da chuva, a comer como se não houvesse amanhã, a ver baleias e golfinhos e ainda a vencer medos com asas. (...)

Um fim-de-semana nas nuvens e a ver estrelas
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 | Sentimento 0.0
DATA: 2018-06-21 | Jornal Público
SUMÁRIO: O festival gastronómico The Art of Flavours foi apenas o pretexto. Passámos três dias na ilha a tentar escapar por entre os pingos da chuva, a comer como se não houvesse amanhã, a ver baleias e golfinhos e ainda a vencer medos com asas.
TEXTO: Não há direito: é a segunda noite consecutiva que nos levantamos pelas 5h. Querem-nos na recepção às 5h45, prontos para um café e um croissant rápidos, e uma banana da Madeira no fim, que o pequeno-almoço a sério chegará daqui a umas duas horas e será inesquecível. Não nos enganam. Eis-nos, então, às 6h em ponto a deixar o Belmond Reid’s Palace, no Funchal, e a entrar no jipe que nos há-de levar até ao Pico do Areeiro para um pequeno-almoço nas nuvens. André é o nosso motorista e guia nesta longa manhã. Enquanto subimos pela montanha faz-se valer da sua experiência de ilhéu e vai lançando prognósticos. “Talvez tenhamos sorte, talvez. ” Isto quer dizer que o nevoeiro cerrado que vamos vencendo talvez se transforme em céu limpo quando chegarmos aos 1810 metros (aquele que é o terceiro ponto mais alto da ilha eleva-se aos 1818, assinalados pelo marco geodésico, mas nós ficaremos oito metros abaixo). André sabe que o sol há-de nascer às 7h, e tem tudo controlado ao minuto. Pára o jipe e pede-nos para sairmos. Está um frio cortante, daquele que se entranha até aos ossos. Para ajudar à festa, sopra um vento fresquinho, vale que só a espaços. Acercamo-nos de um miradouro que há-de dar vistas memoráveis, acreditamos, mas para já só assistimos a uma dança de nuvens espessas. Pelo meio delas, de vez em quando rompem umas cores rosadas, tímidas. Cinco minutos, dez, nada. Para aligeirar a frustração, André saca do telemóvel e mostra-nos um nascer do sol de postal. “Era suposto ser assim”, ri-se. Haja boa disposição, que, apesar do frio e do nevoeiro, o cenário consegue ser grandioso. Daqui temos noção do quão verde é esta ilha e percebemos que a chuvinha que agora começa a cair em muito contribui para isso. Descemos mais uns metros e paramos o jipe numa clareira. Já vemos uma mesa montada, cadeiras forradas a branco, e funcionários do Reid’s a dispor travessas de queijo e presunto, pães e croissants, pastéis de nata e queijadas da Madeira. E a chuva continua a cair, agora com mais convicção. Saímos, servem-nos um copo de champanhe Pommery, mas logo invertemos a marcha e procuramos, de novo, refúgio no jipe. Imperturbáveis, os funcionários do hotel trazem-nos chá ou café, doces e salgados e sorrisos divertidos. Confirma-se: este pequeno-almoço será inesquecível. É justamente essa a filosofia do Belmond: fazer com que os seus hóspedes vivam experiências únicas, dentro e fora das paredes do hotel. Se as coisas tivessem corrido como previsto, teríamos tido um pequeno-almoço num quadro idílico que dificilmente esqueceríamos; assim ganhámos uma história bem-humorada para contar. E que também não esqueceremos. Depois disto ainda vamos num passeio off-road pelas entranhas da ilha, mas na verdade viemos à Madeira para participar no primeiro festival The Art of Flavours, organizado pelo Reid’s. A convite do chef Luís Pestana, uma estrela Michelin ao serviço do William, um dos restaurantes do icónico hotel do Funchal, sete outros cozinheiros estrelados mostraram, em duas noites consecutivas, as artes da sua cozinha. Na primeira noite, sábado, participaram numa “Food Party” que decorreu junto à piscina do hotel, num espaço propositadamente decorado para o efeito, a vista de sempre para a baía do Funchal. Entre os convidados de Luís Pestana, que para esta festa que se quis descontraída escolheu servir vieiras, encontravam-se Ricardo Costa e Michel van der Kroft, ambos distinguidos com duas estrelas no Guia Michelin: o primeiro no Hotel The Yeatman, em Gaia; o segundo no ‘t Nonnetje, em Harderwijk, na Holanda. A proposta de van der Kroft recaiu num ravioli com queijo Serra da Estrela, um prato que serve no seu restaurante e que é uma homenagem à sua mulher, a portuguesa Maria do Céu. A avaliar pelas pequenas filas que se formaram junto ao balcão onde Michel cozinhava, este prato é realmente uma aposta ganha. Ricardo Costa, por seu turno, preferiu servir na Madeira um prato de chocos. Davide Bisetto, uma estrela no restaurante Oro, no Belmond Cipriani, em Veneza, apostou num risotto de robalo, enquanto Joachim Koerper, do Eleven, em Lisboa, apresentou cavala. Pedro Lemos, do restaurante homónimo, no Porto, levou vaca velha, uma carne de sabor bem marcado que marinou durante uma semana e cozeu 24 horas. Já Vítor Matos (Antiqvvm, Porto) escolheu servir atum, um dos produtos estrela da ilha da Madeira. Sergi Arola (LAB by Sergi Arola, Penha Longa Resort, Sintra) preparou raviolis com cavala. A oferta gastronómica desta primeira noite do festival The Art of Flavours foi complementada por uma selecção alargada de vinhos e por propostas mais doces, que ficaram a cargo de Pedro Campas, chef pasteleiro do Reid’s. Foi também aqui que descobrimos os chocolates artesanais da Uau Cacau, produzidos por Tony Fernandes a partir de produtos típicos da Madeira, como o vinho, o mel de cana, a banana ou o maracujá. Os bombons de Tony foram para nós a pitanga no topo do bolo. Não há direito: só temos agenda para as 11h30 e despertamos pelas 7h. Descemos ao bar da piscina para o pequeno-almoço pouco depois de as portas se abrirem, às 7h30. É domingo, 10 de Junho, e a manhã está radiosa. Enquanto nos perdemos entre frutas de cores vivas, ovos acabados de fazer e crepes de ananás e coco, o sol envergonha-se e cede lugar, outra vez, a umas nuvens chatas e cinzentas. O apelo do mar, lá em baixo, e da piscina infinita atenua-se e pomos pés ao caminho, até ao centro do Funchal. Passa pouco das 9h, a cidade ainda está a acordar. A caminhada dura 15 minutos, que quase passam despercebidos se formos deitando o olho à Quinta Vigia, residência oficial do presidente do Governo Regional, ao Parque de Santo António, à marina, até nos embrenharmos nas ruelas da zona velha para descobrirmos o projecto de arte urbana “Arte de Portas Abertas”, que arrancou em 2010. De regresso ao hotel, ainda paramos para observar de relance as cerimónias de comemoração do Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades. Temos agora uma curta viagem de barco até à Fajã dos Padres, que, no entanto, se torna mais longa porque esta é uma viagem com brinde: quando menos esperávamos, à nossa direita, o mergulho elegante de uma baleia. E daqui a pouco, agora à nossa esquerda, outra vez. É um momento que tem tanto de fugaz como de emocionante. “É uma cria de uma baleia-de-Bryde e provavelmente está perdida da mãe”, ouvimos da tripulação. É também por isso, para facilitar o encontro da cria com a mãe, que seguimos logo viagem. Desta vez, porém, já temos compromissos: um grupo de golfinhos anda aqui por perto e vamos em busca deles. Não tarda a que se deixem ver: mergulham à nossa frente, ao lado, atrás do barco. “Estão a brincar connosco. ” Quem ficar indiferente ao avistamento destes animais, que atire a primeira pedra. Chegamos de coração cheio à Fajã dos Padres, um lugar inóspito na costa sul da Madeira que só se atinge de barco, por um elevador que é um arranhão ocre na rocha e que vemos ao longe e, mais recentemente, através de um teleférico que vence nuns três minutos (uma eternidade) o desnível assustador para quem tem vertigens (é o caso). A fajã tem este nome porque durante mais de 150 anos pertenceu a padres jesuítas, que aqui viveram e aos quais se deve a introdução do vinho Malvasia. Está agora aberta ao turismo e é um lugar especial. Quem cá chega recebe o enquadramento histórico, observa as plantações da quinta gerida pela família Vilhena Mendonça e, no fim, pode provar e ouvir as histórias do vinho da Madeira Malvasia Fajã dos Padres contadas por Mário Jardim Fernandes, um dos proprietários. É ele quem nos recebe na adega, nos serve um copo de 2005 directamente da barrica e nos conta que a produção é curta — o ano melhor foi o de 2006, “com 3000 e tal litros” — e que continua a fazer este vinho “para ir alimentando a alma da fajã”. Durante anos, pensou-se que a Malvasia tinha desaparecido da fajã, na sequência da grave crise vinícola que afectou a ilha em meados do século XIX motivada pela filoxera. Algures nos anos 1980, um funcionário da quinta encontrou um pé, confirmou-se que era de Malvasia e a produção renasceu. É esta alma que Mário quer continuar a alimentar. Almoçamos com vista para o mar, lapas grelhadas e bife de atum, acompanhados por Terras do Avô branco. Já sabíamos que teríamos de subir de teleférico, mas estávamos em negação. É chegada a hora. Apetece resistir, mas dos fracos não reza a história. De teleférico, seja, mas de olhos bem fechados. Só os abrimos lá em cima, quando nos sentimos com os pés bem assentes em terra. Dizem-nos que, enquanto se sobe, a vista é linda e não temos por que duvidar, mas os medos, esses, vencem-se um de cada vez. São 17h50, falta pouco mais de hora e meia para o segundo momento gastronómico do The Art of Flavours. Hoje há jantar com nove pratos no William (“Stars Dinner”) e a azáfama na cozinha é grande. Está tudo em velocidade de cruzeiro, mas ainda assim reina a boa disposição. O anfitrião Luís Pestana faz uma pausa e explica-nos que, para além de ter feito os convites aos cozinheiros, aqui o seu papel é mais de coordenação, para que nada falhe e não haja muita repetição de ingredientes no menu que vai ser servido aos clientes. “Este ciclo pretende dar oportunidade às pessoas da Madeira de experimentarem a cozinha de grandes chefs. A ideia é que cada chef traga um bocadinho da sua identidade, que consiga transmitir a quem nos visita um bocadinho da sua essência, da sua forma de estar na cozinha. ” Para Luís Pestana fica a responsabilidade de “honrar os produtos madeirenses” e de “tentar harmonizar e conciliar os diferentes pratos” de cada um dos cozinheiros. Depois, é só deixar as estrelas brilhar. Das amplas janelas do William ainda se olha para o Funchal à luz do dia quando começa o desfile. É com o berbigão “Nitro”, de Ricardo Costa, que abre a refeição, que há-de prolongar-se por mais de três horas. Segue-se a Saltimbocca 2018 de Joachim Koerper, o cremoso de batata com caviar e foie gras de Sergi Arola, um prato simples mas surpreendente: suave a batata, a contrastar com o sabor marcante do foie, o caviar a balançar o conjunto. Da Islândia veio o lagostim que Michel van der Kroft serviu com jalapeno em três texturas (gelado, mousse e creme) e vinagrete de tomate arbóreo. Lagostim pleno de sabor, gelado muito marcado, mas as duas outras texturas a casarem lindamente com a frescura do bicho e o toque doce do tamarilho. Seguiu-se o ravioli cacio e especiarias, criação de Davide Bisetto, e logo depois o atum rabilho com cogumelos e wasabi de Pedro Lemos. As carnes ficaram a cargo de Vítor Matos, que preparou um “Bosque” composto por pombo (suculento e repleto de sabor), cevadinha e molho de vinho, e de Luís Pestana, que escolheu levar para a mesa wagyu com trufa, foie gras e vinho Madeira. A carne estava perfeita, perfeita e, na opinião de muitos comensais, fechou a noite em beleza. Funchal, Sé, Estrada Monumental, 139 Tel. :291 717 171 Site Preços: quarto duplo a partir de 415€/noite, com pequeno-almoço buffetSubscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Pedro Campas apresentou a sobremesa “Sabores com tradição”, onde pôs em destaque produtos da ilha como o bolo de mel e o maracujá, e todos os pratos que desfilaram pela passerelle do William foram harmonizados com vinhos Niepoort. O The Art of Flavours, que foi marcado para os dias em que decorreu pela primeira vez o Festival do Atlântico — espectáculo piromusical que acontece durante as noites de quatro sábados deste mês na baía do Funchal — já tem data marcada para 2019: 14, 15 e 15 de Junho. Anote na agenda. A Fugas viajou a convite do Belmond Reid’s Palace
REFERÊNCIAS:
As cerejas também se comem com os olhos (mesmo antes de chegarem)
Com um atraso de três semanas, cai o vestido branco e penduram-se os brincos vermelhos pelos cerejais do Fundão. Nós fomos sobrevoar as flores — e agora deixamos-lhe as cerejas. Simpáticos, não? Renata Monteiro (texto) e Paulo Pimenta (fotos) (...)

As cerejas também se comem com os olhos (mesmo antes de chegarem)
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 | Sentimento 0.0
DATA: 2018-06-21 | Jornal Público
SUMÁRIO: Com um atraso de três semanas, cai o vestido branco e penduram-se os brincos vermelhos pelos cerejais do Fundão. Nós fomos sobrevoar as flores — e agora deixamos-lhe as cerejas. Simpáticos, não? Renata Monteiro (texto) e Paulo Pimenta (fotos)
TEXTO: Estamos no céu. Mesmo, tanto no sentido literal, como no figurado. Como é que lá chegamos? A bordo de um balão de ar quente. Dizia quem nos fez descolar que cada vez que voa é como esta, assim, “indescritível”. “Mas isso é para pessoas românticas” — e provavelmente também não é o adjectivo ideal para quem tem de descrever a experiência com algum detalhe. “Olá, o meu nome é Aníbal Soares, sou piloto de balão e este é o meu primeiro voo”, apresenta-se. Há alguém que se mexe no cesto para o encarar de frente e tentar decifrar se está ou não a brincar. O piloto segura os últimos segundos de suspense com perícia, não é decerto a primeira vez que tenta esta piada: “Hoje. É o meu primeiro voo hoje, calma pessoal. ” Os sorrisos nervosos de quem verdadeiramente vai ter o seu baptismo de voo desfazem-se em gargalhadas. Missão cumprida. Agora sim, podemos levantar. Eles já estavam à espera quando chegamos ao descampado atrás do edifício que albergava o antigo seminário do Fundão. Os cestos de verga ainda tombados, os panos de nylon a começar a abrir. “Estes já querem ir com o vento”, ri-se o outro piloto, João Rodrigues. E estavam a conseguir: quanto mais tempo passava, mais alto os panos voavam. Vistos dali, ultrapassavam o cume da serra mais alta de Portugal continental, que nos iria acompanhar durante todo o passeio, em terra e no ar, na Gardunha. Focamos o olhar. São dois balões: um primaveril, de pano amarelo, azul, cor-de-laranja, e um verde e branco, mais discreto, as mesmas duas cores que havíamos de ver a dançar lá em baixo, enquanto flutuávamos. Aproximamo-nos mais, decididos a conhecer os gigantes por dentro. “Podemos entrar?”, pedem ao nosso lado. “Não é preciso bater à porta, entrem claro”, responde aquele que viria a ser o nosso piloto, Aníbal, saído do meio do envelope (assim se chama a parte principal do nosso meio aéreo de hoje). Avançamos, directos à garganta, preparados para sermos engolidos. Pelas cores e as sombras parece que entramos dentro de um insuflável para crianças. Parte do tecido ainda está pousado, a formar o chão da tenda enorme que nos rodeia. “Demora vinte a trinta minutos até estar pronto a levantar”, diz-nos, por cima do barulho do ventilador e do vento. “Pensávamos que iam chegar mais cedo, mas afinal ainda temos tempo!”Ups. Os passeios de balão de ar quente, já se sabe, são “perfeitos ao nascer do sol”. De manhã, “começam os sons matinais, e depois ao entardecer é o contrário, vale a pena pelo silêncio e o pôr do sol. ” “E olhe onde o sol já vai hoje”, continua Soares, “a hora ideal seria um quarto para as 7h, o mais tardar 7h. ” Não madrugamos tanto, é a verdade, e são quase nove horas quando entramos no cesto. O vento está de feição, ainda assim um “pouco fraco” para ser considerado perfeito, avalia quem sabe. Verifica-se o variómetro-altímetro, murmuram-se palavras de um rádio para o outro e a chama continua a aquecer o ar no balão. Até que finalmente levantam, um a seguir ao outro, dois pontos de exclamação no céu, a afastar as nuvens. A partir de agora, o piloto só pode decidir quando aterrar: o resto, para onde e a que velocidade vai, cabe aos ventos indicar. É preciso “confiar” neles, mas não tanto quanto é preciso ter “experiência” para se saber deixar ir. Espera-nos uma hora a flutuar sobre as cerejeiras que, por estes dias de Abril, ainda só têm flores para atrair quem espera (ansiosamente) pelas cerejas de Junho. As árvores de troncos muito curtos e ramos anelados três vezes mais longos distribuem-se por corredores estritamente paralelos. Apreciadas de cima, parecem centenas de rebentos brancos. Por vezes, voamos tão baixo que basta esticar um braço para lhes tocar. É nestas alturas (ou melhor dizendo, nestas altitudes) que Aníbal Soares aproveita para conversar com quem segue o balão com o olhar, a mão direita a tapar o sol. “Bom dia! Viemos acordá-la, já viu?”, cumprimenta a dona da casa que parecemos prestes a invadir. De lá de baixo chega um aceno de volta, forte, com vontade. Não é preciso gritar para ser ouvido, já que, tirando os momentos em que o piloto dá “ao queimador” (utilizado para aquecer o ar dentro do balão para o fazer subir), o passeio é tão silencioso quanto o ambiente que o rodeia — e asseguramos que o barulho ali, na serra da Gardunha, distrito de Castelo Branco, não é mesmo um problema. Quem nos guia foi um dos dois primeiros portugueses a ter licença de piloto de balão de ar quente, em 1993. O outro foi João Rodrigues, que flutua um pouco mais à frente e que no final do mês volta para a Tanzânia, onde faz safaris (de balão, claro) no parque nacional do Serengeti. Os dois gostam de olhar para baixo a ver a reacção de quem os aprecia, que agora não vai mais longe do que tirar o telemóvel do bolso para conseguir uma fotografia do céu que eles salpicam. No início, em Évora, quando aterravam “era uma peregrinação”, ri-se o primeiro. “As pessoas vinham a correr ter connosco, vinham de bicicletas, de motoretas. Para elas o balão tinha era caído”, acrescenta o segundo. Uma dessas vezes, Aníbal estava a passar atrás de uma colina, baixinho, e aproxima-se de um agricultor que estava a cavar. “O homem não viu o balão e quando estou mais ou menos a esta altitude [estávamos a passar rente a um telhado] dou ao queimador. O homem olhou para cima, atirou a enxada fora, começou a correr e só se ouvia ‘ai de mim que me vêm buscar, ai de mim’, aos gritos”. Um dos passageiros conhecia-o e chamou-o pelo nome. Foi pior a emenda: “Ai que eles sabem o meu nome e vêm-me buscar!”. Também já testemunhou momentos felizes a bordo, “verdadeiras declarações de amor” (bem avisou que isto era “para os românticos”) e outros que não chegaram a viver felizes para sempre, depois de um pedido de casamento que teve um “não” redondo como resposta. Há sempre humor nas (muitas) histórias que conta. Interrompe-as só para chamar a atenção para alguns pontos que o nosso miradouro de 360 graus, em movimento, nos permite ver. O manto branco efémero dos cerejais numa luta desigual com o manto branco de neve que ainda cobre a serra da Estrela (de onde Aníbal já descolou da zona da torre); as casas cercadas pelos campos cultivados; os campos cercados pelas montanhas de um lado e as estradas do outro; as pessoas a acenarem das casas, dos campos e das estradas; os cães a correrem atrás da sombra do balão. Aproxima-se a hora programada para aterrar e “nós podíamos ficar aqui parados, quase”. Suspensos. Tudo porque o “vento está muito fraquinho” e não parece querer levar-nos para lado algum. “Temos de aterrar num sítio que cause o mínimo impacto negativo”, relembra o piloto, em voz alta, enquanto olha em volta, como uma águia prestes a atacar. E ali está ele. Um rectângulo disforme, comprido. Tem flores, mas são selvagens — e como não vão dar cerejas, está aprovado. Ocasião de relembrar as instruções de segurança: “Virar as costas ao sentido do voo, agarrar as pegas à nossa frente, encostar as costas, flectir as pernas. ” E ficar nessa posição até novas ordens. A aterragem é um sucesso. Saltamos para fora, ainda meio zonzos, passamos pelo meio de um jardim (“desculpe, desculpe”) e vamos em direcção ao outro balão, que agora se espalha pelo chão. Por lá, já há quem tivesse gostado tanto do passeio que queira um só para si. Cada um daqueles balões “anda na ordem dos 60 mil euros, mais impostos”, calcula João Rodrigues, o “elemento mais versátil da equipa” que está também “responsável pela manutenção dos equipamentos”. Estes preços baixam para quem procure um exemplar mais familiar, de lazer, com capacidade para transportar duas ou três pessoas. “Nesse caso consegue-se, em segunda mão, na ordem dos dez mil euros. Novo vai para os 30-35 mil. ” Vimos o entusiasmo esmorecer um pouco (um passeio de balão de uma hora, em Portugal, rondará os 150 euros). Mas os passeios são como as cerejas, tropeçam uns nos outros. Há, por isso, mais do que uma maneira de conhecer bem de perto as árvores que, entretanto, já tiraram o vestido branco e estão prestes a pendurar os brincos vermelhos, que este ano chegam duas a três semanas atrasados, culpa das condições climatéricas atípicas de Março. É esperado que as primeiras cerejas apareçam “em meados de Maio”, nos pomares a sul da Gardunha, onde o fruto amadurece mais cedo, e no início do mês seguinte, a norte. Por isso é que, depois das flores, o turismo do Fundão já só pensa no fruto de Verão. Durante todo o mês de Junho decorrerá nos estabelecimentos aderentes o festival gastronómico “Fundão, aqui come-se bem”, com foco nos “sabores da cereja”. Poderá aproveitar também o próximo mês para apadrinhar uma cerejeira, campanha que este ano tem associados descontos de 15% em várias unidades de alojamento do concelho. Por 20 euros e uma visita por ano, receberá em casa uma cesta de dois quilos de cerejas e a possibilidade de, caso a sua árvore triunfe, ir depois colher os frutos as vezes que quiser. Se quer visitar a região sem compromisso (mas com cerejas) a proposta é alugar um cesto de piquenique e procurar a sombra dos pomares para desfrutar dos produtos regionais (há três cabazes, entre os 20 e os 35 euros). Pode lá chegar de bicicleta eléctrica, por exemplo, seguindo a estrada panorâmica entre as aldeias de Souto da Casa e Alcongosta; de balão de ar quente, já que os passeios deverão voltar a decorrer durante todo o próximo mês; ou de comboio, nas rotas temáticas com vista para os “pomares de cereja em Alcongosta”, acompanhadas por guias-turísticos (todos os sábados, de 25 de Maio a 2 de Julho, parte o comboio da cereja e nos fins-de-semana o comboio turístico). Estão ainda pensadas visitas guiadas, de 1 de Junho a 15 de Julho, em quintas — que poderão ter mais do que um trunfo. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Cerca Design House Largo da Praça, 1, Chãos 6230-171 Fundão Tel. : 964 756 466; 275 759 060 E-mail Site Preços: quarto, com pequeno-almoço incluído, a partir dos 75 até aos 125 euros. Villas por 125 eurosA unidade de alojamento admite a estadia de animais de companhia, mediante aviso prévio, com um custo adicional de 15 euros por noite. A primeira vez que a Fugas dormiu na Cerca, o design com burel de cores alegres ainda só tinha pintalgado os quartos do solar antigo, de paredes de pedra, na aldeia de Chãos. Mas desde o Verão de 2016 que a unidade de alojamento aumentou a capacidade com a construção de pequenas villas. São casinhas autónomas, completamente equipadas e de janelas voltadas para um pequeno jardim (sim, de cerejeiras), com a piscina comum a pouco mais que uma mão cheia de passos. Chegamos à que nos estava destinada, com nome de flor da serra da Gardunha, já de noite. Passamos rapidamente pela sala, atiramos a mala para o sofá, atiramo-nos para a cama. Ficávamos já ali, não fossem os cânticos que nos entravam pela janela. Ousamos abrir a cortina, depois a portada — e ainda bem. Decidimos deixá-la assim para acordar com o primeiro raio de sol que ganhasse a luta contra a montanha. Sentamo-nos no chão de madeira, as pernas cruzadas (o telemóvel do lado de dentro), só a ouvir os pássaros e a água a correr. Faça o mesmo se lá for, durante o tempo que for preciso, antes de ir dormir ou logo ao acordar — e, se já for época, roube uma cereja da árvore à sua frente para lhe fazer companhia. Ou duas, ou três. Já se sabe como é que elas são assim que se trinca a primeira. Restaurante Hermínia Avenida da Liberdade 6230-398 Fundão Tel. : 275 752 537 E-mail SitePreço médio por pessoa: 20 eurosA provar: arroz de carqueja, cherovia panada (uma raiz muito popular na Beira Baixa, em forma de cenoura e com a cor do nabo), arroz de míscaros. Para sobremesa: papas de carolo, doce beirão semelhante ao arroz doce, mas feito com carolo de milho ou tigelada (ovos, leite, sopa de açúcar, canela e casca de limão, com a possibilidade de fazer uma variação que inclui licor de cerejas e cerejas). Restaurante As Tílias Rua dos Restauradores, R/C Loja B, 6230-215 Fundão Tel. : 275 772 269 Preço médio por pessoa: 20 eurosA Fugas viajou a convite da Câmara Municipal do Fundão
REFERÊNCIAS:
Na quinta de um old punk
Tim e Hallie trocaram o Reino Unido por Portugal, onde encontraram o ambiente ideal para criarem três filhos. Mas, como num gira-discos, a vida dá muitas voltas. E a deles converteu uma ruína no Sotavento num projecto turístico que reaviva uma região ignorada, ao ritmo da melhor banda sonora do Algarve. (...)

Na quinta de um old punk
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 | Sentimento 0.1
DATA: 2018-06-21 | Jornal Público
SUMÁRIO: Tim e Hallie trocaram o Reino Unido por Portugal, onde encontraram o ambiente ideal para criarem três filhos. Mas, como num gira-discos, a vida dá muitas voltas. E a deles converteu uma ruína no Sotavento num projecto turístico que reaviva uma região ignorada, ao ritmo da melhor banda sonora do Algarve.
TEXTO: Se um texto de jornal é algo que se debruça sobre o que é novo e desconhecido, então este texto seria um exercício escusado. Afinal, o que é que ainda se pode contar ou escrever sobre o Algarve mas que ainda não tenha sido dito, gravado ou fotografado? Questão diferente é procurar no Algarve o que sempre lá esteve, à vista de todos, mas por alguma razão permanece ignorado. Nesse caso, emergem milhares de razões para falar do Algarve de novo — e em especial do Sotavento que, durante décadas, se manteve numa espécie de anonimato. Se calhar, ainda bem. A Quinta da Fazenda Nova é um desses sítios que cederam o lugar nas notícias aos habituais chamarizes do Algarve que José Saramago descreveu em Viagem a Portugal como aquele sítio onde “toda a praia que se preze é beach, qualquer pescador fisherman” e onde na estrada “toda a gente tem pressa”. Arruinada pelo abandono, acabou comprada por um casal de ingleses que viram ali um número de telefone e ligaram. Isso foi há cerca de década e meia. O número de telefone ainda ali está, num muro. A ideia era transformar a ruína e aqueles dez hectares de terreno numa casa de família, um sítio onde um casal — ele dono de uma empresa de logística ligada à moda, ela relações públicas — pudesse criar três filhos longe do bulício de Londres e das distracções desnecessárias da vida moderna. Porém, algures a meio do percurso, o projecto ganhou outro corpo e acabou por se converter numa casa de campo, com mais de 400 oliveiras e muita natureza. Quando estava à venda, ninguém viu o potencial que ali se escondia porque, tal como no conto mais famoso de Saint-Exupéry, o essencial era invisível aos olhos. Geograficamente, a quinta está numa fronteira: um dos cantos a oeste confina com a estrada municipal 514 onde há um cruzamento que, de um lado, tem a placa que indica o início do concelho de Olhão e, do outro, tem a indicação de que a partir dali se entra no concelho de Tavira. Historicamente, há outro ponto de fronteira que define o que hoje é uma casa de campo com uma clientela muito fiel e muito internacional — foi quando o coração de Tim ameaçou dar de si, estava ele nos quarentas. A família decidiu travar a fundo, mudou de ritmo e de ares. O lugar chama-se Estiramantens, nos limites da freguesia de Santo Estêvão. É provável que a primeira coisa seja fazer perguntas. Que raio de nome é este? Quem foi o alemão, o holandês ou qualquer outro estrangeiro do Norte da Europa (como muitos dos que têm comprado pedaços do Algarve ignorados pelos portugueses) que baptizou Estiramantens?A verdade é que, tal como o Sotavento — espécie de membro da família algarvia a quem nunca se deu muita atenção —, tanto o lugar como o topónimo são velhos conhecidos. A etimologia do nome pode estar em striga, um termo que remonta ao processo romano de divisão cadastral strigae, que consistia na divisão das terras em talhões verticais, perpendiculares a um eixo horizontal. Outra explicação é o nome ter chegado até nós por via do topónimo moçárabe Estraga Mantens, como explica o geógrafo Luís Fraga da Silva, num texto de 2005 sobre a Tavira romana, e que merece ser lido. Entra-se, portanto, na Quinta da Fazenda Nova com a sensação de que nada é novo e, no entanto, tudo está por descobrir. O ambiente geral casa elementos antigos e tradicionais do Algarve com uma arquitectura contemporânea. A zona residencial ocupa a mesma área da antiga casa da quinta — o casal documentou todo o processo de recuperação e as fotos do antes estão disponíveis para consulta. A entrada é fortemente perfumada pelo alecrim e demais plantas do jardim de aromáticas que abastece a cozinha. “O meu pai foi arquitecto paisagista. Cresci na Escócia, no meio de jardins e natureza”, recorda Tim Robinson, hoje com 52 anos, quando tenta explicar de onde veio a imagem do que hoje está à vista dos hóspedes. A zona de refeições está no que era a cozinha da casa. A lógica do menu está explicada num quadro à vista de todos: “O chef vai ao mercado todos os dias [o de Olhão fica a dez minutos de carro]. Procura ingredientes criados, pescados ou produzidos localmente. Frutas, vegetais e ervas aromáticas vêm dos próprios jardins da quinta. Os pratos variam entre os clássicos portugueses e versões modernas de receitas tradicionais. ”No pátio traseiro, que dá acesso a outras zonas nobres da quinta — uma zona de refeições ao ar livre, uma piscina de água salgada e aquecida, as garden suites —, há um velho forno de pão, com 200 anos (dizem). Foi recuperado. E funciona. Zonas comuns e quartos estão decorados com mobiliário de estilos diversos, repositório de memorabilia de família e outros artefactos locais ou de longe, comprados ao longo de anos na feira de velharias da Fuseta, que se realiza no primeiro domingo de cada mês. Há lofts com camas king size e camas de rede; nas suítes de jardim há camas com dossel em madeira escura, ao estilo Bali, ao lado de armários japoneses ou casas de banho amplas em betão polido com loiça Villeroy & Boch. Toda a decoração é Tim e Halley a baralhar (locais, histórias e épocas) e a dar de novo, sem cedências desnecessárias ao Algarve fashion das praias in e dos campos de golfe ou hotéis sonantes. Uma estante que agora guarda livros e decoração foi no passado um armário de uma fábrica na Índia. Tais incursões a territórios longínquos não desviaram o casal do objectivo principal: recuperar e manter materiais, tradições e o espírito algarvio e português. “Eu percebo que o turismo é importante para a economia portuguesa e a primazia do Barlavento, mas quem quer conhecer o Algarve, as suas tradições, pessoas e a comida tem de vir para este lado, para o Sotavento”, sustenta Tim. “É uma experiência totalmente diferente. Não falem do golfe, de Lagos, Vilamoura. Falem de São Brás de Alportel e a sua Festa das Tochas Floridas. O Algarve tem-se promovido, mas por vezes fala-se de mais das mesmas coisas que há noutros sítios”, prossegue este empresário que, aos 52 anos, está a desenvolver novos projectos na região, agora para Faro, cidade que elege como a next big thing da região. No segundo piso do edifício principal, há uma extraordinária biblioteca com uma colecção de discos em vinil (mais de mil). É a colecção de Tim e justifica por si só uma visita. Ao lado dos discos, dos dois pratos Technics old school, dos auscultadores e das duas poltronas, alinha-se uma não menos numerosa colecção encadernada de revistas The Face, Arena e Smash Hits — uma oferta do pai de Hallie, Nick Logan, que dirigiu tais publicações em tempos idos. Experiência aconselhável: escolher um disco e depois a respectiva edição da revista que fala sobre esse disco. É como pôr a arte e o que se disse dela numa balança e avaliar o peso de ambos, a posteriori. A discografia é ecléctica mas denota o gosto de Tim, que se define como “coleccionador inveterado” — toda a decoração interior já deixava pistas nesse sentido — e que diz “I’m an old punk” (”Sou um velho punk”) quando se lhe pede para escolher um disco (optou por The Cure e Joy Division). Fazenda Nova Country HouseEstiramantens, Santo Estêvão8800-504 TaviraTel. : 281 961 913www. fazendanova. euGPS: N 37º 07’ 15’’ | W 07º 45’ 19’’Alojamento: há cinco opções de quartos (suítes, apartamentos, penthouse, loft suites e uma master suite). Preços: desde 245€ por noite, reserva directa no site (tarifa para Maio/Junho), na opção mais barata (estadia mínima de duas noites), até 1560€ por duas noites (master suite, estadia mínima de 4 noites). Além do mais, considera-se um “purista” — sobretudo quando o tema chega aos azeites, ingrediente que ele próprio produz (cerca de 500 litros por ano), a partir do fruto das centenas de oliveiras que se espraiam pela quinta. Antes da conversa, provou-se um pouco da colheita de 2017 (0, 3 graus de acidez), a acompanhar uma salada à portuguesa com sardinha. O azeite está à venda na recepção, exclusivamente para hóspedes. Numa das paredes da biblioteca está pendurado uma moldura com um texto de Paul Weller, de Junho de 1981, publicado na The Face — e ao lado deste está a carta, com o texto original enviado ao director, manuscrito pelo próprio músico inglês, que pontificou nos The Jam e The Style Council e continuou a reinventar-se a ele próprio, a arte dele e o sucesso junto do público e da crítica numa carreira a solo a partir da década de 1990. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. O texto intitula-se O Outro lado do Futurismo e é uma reflexão sobre livros e sociedade, com Aldous Huxley fortemente em pano de fundo. Se a palavra-chave de Fazenda Nova fosse a reinvenção do futuro, este texto poderia ser a cartilha, publicada com 30 anos de antecedência. Mas não é. A Fazenda Nova é apenas a quinta de um “velho punk”, que ali morou (já não mora) e viu com o coração aquilo que os olhos da maioria não foram capazes de ver: um futuro melhor. O sossego. A natureza. A carta do restaurante. A privacidade (15 quartos apenas). As vistas de mar e serra a partir dos terraços. A proximidade a sítios que merecem visita, como o Pego do Inferno (imperdível cascata e lagoa que era objecto de míticas histórias de que não tinha fundo — mas tem, e merece bem um mergulho), o mercado de Olhão, a Fuseta, a ilha de Armona, Tavira. O restaurante não serve jantares ao sábado à noite. Se por um lado se percebe a lógica — é uma noite reservada para sair —, por outro lado deixa sem opção quem não está a fim de quebrar a tranquilidade de um fim-de-semana para sair em busca de um restaurante (recomenda-se a marisqueira O Fialho, em Luz de Tavira; é melhor reservar antecipadamente, por ser muito concorrido, mas a qualidade do peixe merece bem a azáfama). A Fugas esteve alojada a convite da Fazenda Nova
REFERÊNCIAS:
Rio Ave defronta vice-campeão polaco na Liga Europa
Sorteio de Nyon determinou encontro com o Jagiellonia Bialystok a 26 de Julho e a 2 de Agosto, na segunda pré-eliminatória. (...)

Rio Ave defronta vice-campeão polaco na Liga Europa
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 | Sentimento 0.0
DATA: 2018-06-21 | Jornal Público
SUMÁRIO: Sorteio de Nyon determinou encontro com o Jagiellonia Bialystok a 26 de Julho e a 2 de Agosto, na segunda pré-eliminatória.
TEXTO: O Rio Ave vai defrontar o Jagiellonia Bialystok, vice-campeão polaco, na segunda pré-eliminatória da Liga Europa, ditou esta quarta-feira o sorteio realizado na sede da UEFA, em Nyon, na Suíça. O Rio Ave, quinto classificado do campeonato português, vai ter pela frente uma das equipas polacas mais fortes da actualidade, tendo na última temporada disputado até ao fim o campeonato com o Legia Varsóvia, que acabou por conquistar o título com três pontos de vantagem. A primeira mão está agendada para 26 de Julho, na Polónia, e segunda será a 2 de Agosto, em Vila do Conde. Na última época, o Rio Ave acabou “repescado” para a edição 2018/19 da Liga Europa, em vez do Desp. Aves, que apesar de ter vencido a Taça de Portugal, não requereu atempadamente a licença para poder competir nas provas europeias. O Sp. Braga entra em acção na terceira pré-eliminatória, enquanto o Sporting já tem lugar garantido na fase de grupos.
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Palavras-chave aves
A inteligência artificial está na moda e as marcas aproveitam
Em 2018, já há escovas de dentes, sistemas para encontrar peixes e produtos de cabelo "inteligentes". Cada vez mais empresas usam o jargão para vender produtos. (...)

A inteligência artificial está na moda e as marcas aproveitam
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 | Sentimento -0.6
DATA: 2018-05-28 | Jornal Público
SUMÁRIO: Em 2018, já há escovas de dentes, sistemas para encontrar peixes e produtos de cabelo "inteligentes". Cada vez mais empresas usam o jargão para vender produtos.
TEXTO: Ainda há poucos anos, expressões como big data e computação em cloud dominavam o vocabulário de executivos e empresas. Hoje, é a inteligência artificial que está na moda. Cada vez mais empresas dizem usar a tecnologia, seja para lançar novos serviços ou dar nova vida a produtos mundanos. Os exemplos abundam. Este ano, a Colgate e a Apple juntaram-se para criar uma escova (descrita como “inteligente”), que avalia e ajuda as pessoas a escovar os dentes para melhorarem a sua saúde oral através de sensores e jogos (custa cerca de 85 euros). A DeepFish é uma empresa lituana que usa redes neuronais, que são inspiradas no cérebro humano, para identificar espécies de peixe em fotografias. A Hoofstep analisa o comportamento de cavalos na Suécia. E, em Nova Iorque, há uma startup que diz utilizar inteligência artificial para criar produtos de beleza vegan, sem soja e sem glúten. “A inteligência artificial é uma buzzword [palavra da moda], como já foi o Java, a Web (nos anos 2000), o big data e outros. Mas qualquer buzzword descreve aquilo que é actual”, diz ao PÚBLICO Andrzej Wichert, professor e investigador no Instituto Superior Técnico. Para Wichert, porém, é fundamental fazer a distinção entre inteligência artificial e machine learning (ou aprendizagem automática). A primeira é muito mais rara. “O machine learning é quando as máquinas aprendem a realizar uma função a partir de bases de dados, por exemplo classificar imagens ou resolver tarefas específica”, explica Wichert. Por exemplo, a capacidade da escova da Colgate para dar sugestões para melhor lavar os dentes. “Inteligência artificial, como um todo, vai muito além disso, incluindo resolução de problemas do zero e exposição de conhecimento. Por exemplo, aquilo que o Watson, da IBM, e a Siri, da Apple, começam a fazer. "É normal que cada vez mais empresas queiram esta tecnologia nos seus produtos, diz Ana Margarida Barreto, professora e investigadora de Marketing e Comunicação Estratégica na Universidade Nova de Lisboa. “Uma das grandes preocupações das marcas na actualidade é garantir que a experiência que o consumidor tem com a marca é diferenciadora, única”, explica Barreto. Desde os anos 1990, refere, isso não depende apenas da qualidade do produto, mas das experiências que a marca proporciona. Porém, as novas promessas – por exemplo, uma aplicação de 2018 da L’Oreal para escolher a melhor cor de cabelo e penteado para o formato da cara, com base em algoritmos capazes de aprender – têm de funcionar. “O que está em causa é a imagem da marca. Se esta for beliscada, a concorrência sai beneficiada”, lembra Barreto. “O benefício não reside na utilização dessas expressões, mas na sua capacidade de implementação para melhorar a experiência de consumo. ”Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. São as primeiras empresas a desenvolver produtos na área, que são recordadas, diz a investigadora. “Não é qualquer empresa que pode desenvolver estratégias ao nível da inteligência artificial. Há uma corrida, sim, mas é para conseguir criar as experiências. ”De acordo com um relatório de 2018 da analista CB Insights, o número de referências à inteligência artificial aumentou cerca de cinco vezes nos últimos cinco anos, e em todos os sectores, desde a saúde ao desporto. Por outro lado, a popularidade do machine learning já está a diminuir. Segundo o relatório, a tendência de associar esta parte da inteligência artificial a tudo, “e em produtos aparentemente absurdos, mostra que o machine learning não é uma tecnologia exótica”, mas, sim, “a base de todos os programas informáticos e aplicações modernas”. “Se todas as marcas começarem a apostar no recurso à inteligência artificial como factor de diferenciação, esta deixará de cumprir o seu propósito”, diz a investigadora Ana Margarida Barreto. "Deixa de ser uma novidade e o consumidor passa a encarar essa oferta como algo previsível. ”
REFERÊNCIAS:
Palavras-chave ajuda consumo
Um tesouro da canção norte-americana
John Prine, músico a que aqui na Europa ainda não prestámos grande atenção, lança o seu primeiro álbum em 13 anos. Vale a pena começar a descobri-lo já por aqui. (...)

Um tesouro da canção norte-americana
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 | Sentimento 0.0
DATA: 2018-05-28 | Jornal Público
SUMÁRIO: John Prine, músico a que aqui na Europa ainda não prestámos grande atenção, lança o seu primeiro álbum em 13 anos. Vale a pena começar a descobri-lo já por aqui.
TEXTO: Se o Bob Dylan e o Johnny Cash dizem que és realmente bom a fazer canções, pode dizer-se que as probabilidades de o seres são bastante altas. É o caso deste senhor de 71 anos, um cavalheiro com quase meio século de carreira, que acaba de lançar Tree of Forgiveness, o seu primeiro álbum em mais de uma década. Autoria:John Prine Oh Boy RecordsJohn Prine foi carteiro de profissão, e descoberto no circuito folk de Chicago por Kris Kristofferson, que pegou nele e o editou através da Atlantic em 1971. Fundou a sua própria editora nos anos 80, a Oh Boy, que continua a utilizar para publicar todo o seu trabalho até à data. Tem dois Grammys. Bebia copos com Townes Van Zandt, que era barra pesada. Os Everly Brothers e Emmylou Harris cantam canções dele. Vai no terceiro casamento, gosta da família dele, parece que tem um cão. Sobreviveu a um cancro no pescoço e a outro, mais recente, nos pulmões. Adora fumar. As doenças e os consumos mudaram-lhe dramaticamente a voz, mas ela nunca esteve tão bonita. Está cheia de gravilha, controlada com toda a mestria no meio de várias contingências. Acima de tudo está cheia de felicidade, daquela que basta ouvir uns segundos para perceber que é mesmo de verdade. Quase que dá para o ouvir a sorrir. A vida tem sido divertida, dinâmica, difícil, boa. Tree of Forgiveness é um disco maravilhoso. Teve muita gente amiga a ajudar, nomeadamente Dan Auerbach, dos Black Keys, que de facto parece ser um tipo porreiro e que sabe disto; já há uns anos tinha contribuído para Locked Down, do irrepetível Dr. John. É curtinho, 30 e poucos minutos, dez músicas. Sem palha, sem nada para esconder. Os arranjos são simples, variados quanto baste; para além da omnipresente guitarra acústica tem uma bateriazita aqui, um teclado ali, uma pianada, um harpa mais para o fim, umas cordas no baladão. A métrica das frases e da entrega não podia ser mais enxuta, bem arrumada, com economia e toda a arte — ele é sensei. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. As temáticas vão a muitos sítios. O Sr. Prine aliás disse em entrevista que quando começaram a chateá-lo para ir gravar o disco ele não estava nem a ver como é que todas estas canções podiam ficar juntas no mesmo trabalho. Há um pouco de tudo. Ele sempre teve uma enorme, afiada e incorruptível consciência social, e com tudo o que tem que ver com ética não papa qualquer tipo de grupo. Não veio a este mundo para mentir e chama as coisas pelos nomes, como tem de ser. Está aqui o titular perdão. Muito amor, felicidade, gratidão. Lamentos sobre a dor dos jedis que andam acompanhados por gente má e a quem a vida não corre de feição. Montes de piadas sobre tudo e mais alguma coisa — Prine tem tanto mundo e já deve ter tido tantas conversas hilariantes —, vinhetas mais ou menos tragicómicas no meio de assuntos muito sérios. Encontra adjectivos encantadores (um hotel que é “swell”, um sushi bar que é “funky”), a tal coisa dos grandes e da capacidade de criar imagens vívidas. No fundo, cada canção é também um pretexto para arrumar os assuntos grandes da vida mais uma vez, em mais uma actualização, no caso mais depurada do que nunca. O tipo tem uma canção com o nome dele feita pelos Low, e basta ouvi-lo de esguelha para perceber onde Will Oldham e Bill Callahan foram buscar tanto para as suas personagens. Dá realmente ideia de que aqui na Europa não lhe prestámos ainda grande atenção. Não que isso o rale muito, mas devíamos mesmo aproveitar enquanto anda por cá. E se nunca o ouviu acredite que pode começar já por aqui, que vale a pena. Um tesouro. Na última canção, When I get to heaven, ele explica o que vai fazer quando chegar ao céu. Não querendo estragar a surpresa por inteiro, envolve pedir uma vodka com ginger ale, fumar um cigarro com nove milhas de comprimento, montar uma banda de rock’n’roll e dar um beijo numa mulher bonita. Realmente soa a programão.
REFERÊNCIAS:
“Também na BD Beja já não fica longe”
Festival Internacional de Banda Desenhada leva à capital do Baixo Alentejo 21 exposições de portugueses e estrangeiros até 10 de Junho. Um “menu” que inclui históricos como Jayme Cortez e autores contemporâneos que importa ler, como Max Andersson e Manuele Fior. (...)

“Também na BD Beja já não fica longe”
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 | Sentimento -0.05
DATA: 2018-05-28 | Jornal Público
SUMÁRIO: Festival Internacional de Banda Desenhada leva à capital do Baixo Alentejo 21 exposições de portugueses e estrangeiros até 10 de Junho. Um “menu” que inclui históricos como Jayme Cortez e autores contemporâneos que importa ler, como Max Andersson e Manuele Fior.
TEXTO: Percorrem-se as ruas e os vestígios de que o Festival Internacional de Banda Desenhada está a acontecer são poucos, discretos. É preciso chegar à Casa da Cultura, o seu epicentro, para sentir que Beja está (quase) toda ali e que durante 17 dias vai ser uma espécie de grande montra da BD. Cruzam-se autores e editores, há críticos e programadores, leitores aficionados que todos os anos o põem na agenda e até um casal de turistas brasileiros que nem acredita na sorte que teve de encontrar nesta cidade capital do Baixo Alentejo tantas exposições de qualidade e muitos dos criadores que costuma seguir a partir de São Paulo. Concertos em que a música e o desenho se cruzam até de madrugada, lançamentos de novos títulos nacionais e estrangeiros, conferências, sessões de autógrafos e muitas conversas informais à volta da mesa, com cozido de grão e vinho da Vidigueira, que o Alentejo ainda é o que era e ainda bem. Na sexta-feira, na Casa da Cultura, onde até 10 de Junho se concentram 14 das 21 exposições desta 14. ª edição, havia miúdos a correr por todo o lado e o cheiro a carne grelhada vindo do pequeno bar já preparado para a noite longa que se adivinhava invadia todas as salas. O ambiente familiar deste festival que é produto do trabalho de uma pequena equipa em que todos fazem tudo – não é, por isso, de estranhar ver o seu director a varrer a esplanada ou a limpar mesas – não significa, no entanto, amadorismo na hora de escolher o que dar a ver às cerca de dez mil pessoas que todos os anos por lá passam, nem no momento de executar a programação, cumprida a horas e quase sem interrupções. “Quando temos muita coisa a acontecer encadeada, com autores nacionais e estrangeiros, não podemos falhar. Se deixássemos as pessoas alongarem-se [nas conferências ou nos lançamentos], caíamos no risco de o seguinte não ter tempo de mostrar o seu trabalho”, diz Paulo Monteiro, director desde a primeira hora do festival e da Bedeteca de Beja, projectos que nasceram ao mesmo tempo e que têm na mira um objectivo maior – o Museu da Banda Desenhada, que conta já com um acervo muito significativo de originais de portugueses e estrangeiros e que nesta edição recebeu mais duas importantes doações de autores nacionais: Eduardo Teixeira Coelho (1919-2005) e Fernando Relvas (1954-2017). A primeira doação chega via Fábio Moraes, o comissário de uma das exposições mais interessantes desta edição do festival, a dedicada a Jayme Cortez (1926-1987), um português que se lançou na célebre revista O Mosquito (saiu com periodicidade variada e com interrupções várias entre 1936 e 1986), que Teixeira Coelho transformou numa verdadeira incubadora de autores, mas que acabou por fazer carreira e escola no Brasil; a segunda através da mulher do autor, Nina Govedarica. “Poder contar com estes originais é muito importante. Fernando Relvas é uma referência da imprensa, sobretudo na década de 80 no Se7e”, diz o director do festival, evocando o criador do Espião Acácio, crónica humorística da I Guerra Mundial que agora volta a estar disponível num volume com a chancela Turbina/Mundo Fantasma, acabado de lançar em Beja. “O Teixeira Coelho é simplesmente o mais representativo autor de BD português de todos os tempos. É impossível fazer uma história da banda desenhada europeia das décadas de 1940, 50 e 60 sem falar dele. Está ao nível de um [Franco] Caprioli [1912-1974] ou de um [Milo] Manara, que é muito mais novo [n. 1945]. Basta dizer que ele chegou a ser convidado para desenhar o Príncipe Valente depois do por Hal Foster [BD criada em 1937 e considerada uma das mais importantes de sempre], o que nunca quis, porque isso implicava ir viver para os Estados Unidos. ”Sentado no banco de jardim plantado numa das salas de exposições, rodeado pelo trabalho delicado do italiano Manuele Fior para Cinco mil Quilómetros por Segundo, que a Devir acaba de lançar no mercado português (o autor deverá estar na feira do livro de Lisboa a dar autógrafos nesta segunda-feira à tarde), Paulo Monteiro fala da preocupação de garantir, a cada edição, autores de grande qualidade e, em simultâneo, de gerações e linguagens diversas. Com trinta mil euros de orçamento anual, sem contar com boa parte dos custos de produção, já que tem por trás a estrutura da Câmara Municipal de Beja, este festival só se faz, garante, com uma relação muito próxima dos autores e dos editores, presentes nas conferências e na feira do livro que lhe está associada. “O mercado português é pequeno, todos se conhecem e compreendem que este festival é um momento de encontro, mas é também uma ferramenta de divulgação importante. É por isso que fazemos questão de mostrar nas nossas exposições os autores históricos e os que só agora lançaram o primeiro livro, os mais comerciais e os mais alternativos, e isto sem criar qualquer hierarquia de apresentação, mesmo que tenhamos aqui alguns dos melhores do mundo. ”Quem percorre as exposições – este ano são 21 distribuídas por oito locais do centro histórico da cidade, 15 delas individuais – constata que não há qualquer diferença de escala no tratamento dos autores. É verdade que nomes fortes como os do italiano Manuele Fior, do sueco Max Andersson, do francês Pierre-Henry Gomont e do português Jayme Cortez estão concentrados na Casa da Cultura, centro do festival onde estão “muito arrumadinhas” 14 exposições distribuídas por três andares, mas também é verdade que a sua obra não é tratada de forma distinta da de outros que estão praticamente a começar e com quem partilham o espaço, como Mosi e Luís Guerreiro. “Fazemos com os autores – digo sempre fazemos, porque isto é uma equipa de quatro pessoas que conta com mais seis ou sete voluntários – o que gostamos que façam connosco. Mostramos o trabalho da melhor maneira que sabemos e podemos, independentemente do peso que tem”, diz Monteiro, que é também autor e que viu o seu O Amor Infinito Que Te Tenho e Outras Histórias (Polvo, 2010) ganhar o prémio para o Melhor Álbum Português do Amadora BD em 2011. E expor da “melhor maneira” pode passar por evocar ambientes do Oeste americano para o cowboy de Rossano Rossi (chão de madeira de estábulos e saloons, vitrinas com caveiras de bovinos, espingardas e caixas de tabaco); mostrar o último desenho que Jayme Cortez fez antes de adoecer e as diferenças que havia entre os seus desenhos e a arte final em pranchas originais de Zodiako (1974); ou reservar um espaço mais sereno para os esboços que o português José Ruy, autor que prefere o título de “aprendiz” ao de “mestre” e que aos 88 anos se prepara para lançar um novo título (A Ilha do Corvo Que Venceu os Piratas, Âncora Editora), fez no Jardim Zoológico de Lisboa por sugestão de Teixeira Coelho nos anos 40. “É verdade que a concorrência é grande, mas a BD é relativamente barata de produzir, tudo depende da ambição com que quisermos fazer as coisas. Se alguém quiser mesmo publicar publica, nem que seja numa edição de autor”, diz Monteiro. “Com este mundo globalizado, com o digital acessível a todos, a dificuldade dos autores nacionais em publicar lá fora é mais mental do que outra coisa, como aquela que nos separa de Lisboa, que hoje fica a menos de duas horas de estrada. Também na BD as distâncias são mais curtas. Beja já não fica longe. ”É também por isso que é possível ver na cidade a obra de Pierre-Henry Gomont, autor Afirma Pereira (G. Floy Studio, 2018), álbum que adapta a obra homónima de Antonio Tabucchi; o trabalho de Manuele Fior ou o de Max Andersson. Estes dois últimos não podiam ter linguagens e universos mais diferentes. Cinco mil Quilómetros por Segundo, que em 2010 e 2011 ganhou os principais prémios de dois dos mais importantes festivais de BD do mundo, Angoulême e Lucca, centra-se num triângulo amoroso – o de Piero, Nicola e Lucia – e nos efeitos que tem a distância física e temporal entre os personagens. A sua história começa quando, na adolescência, os dois amigos se cruzam com Lucia, que passa a morar na mesma rua, e termina 20 anos mais tarde, com desamores e desencontros pelo meio e com o cenário a transferir-se de Itália para a Noruega e para o Egipto, antes de regressar ao ponto de partida. “Foi um livro que escrevi numa época que, felizmente, deixei para trás”, disse Fior, que é também arquitecto, na sessão de lançamento. “Não tinha um lugar a que pudesse chamar casa e isso metia medo. ” Foi com essa sensação – “O medo e o erotismo são dois dos principais motores da narrativa”, aprendeu com outro autor italiano a que chama “mestre”, Lorenzo Mattotti – que construiu uma história sobre um personagem que fica, outro que escapa e outro ainda que consegue sair do seu lugar, mas acaba por voltar, explicou. Uma história em que a cor se transformou numa ferramenta estrutural. “A cor chega ao mesmo tempo que o guião, não é uma coisa que se acrescente depois. Este livro é uma história das personagens e uma história da cor. ”Fior toca a maioria, talvez, porque fala do quotidiano, do amor, da viagem, da perda, defende Paulo Monteiro, criando um “imaginário quase mágico”. Sem magia, sem cor e sem a mesma queda para a empatia, Andersson e o seu The Excavation (Fatagraphics Books), romance gráfico ainda não editado em Portugal, lidam com “temas ácidos” que nos podem pôr a pensar em nós e na nossa própria história, mas de forma bem mais “incómoda”, acrescenta o director do festival. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. O projecto deste autor sueco, que também trabalha em cinema de animação, demorou 18 anos a concluir e tem o seu registo gráfico habitual – um lado negro e surreal –, que aqui ganha ainda mais peso, porque usa os sonhos como matéria-prima. “São os meus sonhos que aqui estão. Este livro partiu de uma colecção que fui cortando e montando, como faço no cinema, para contar uma história, que é ao mesmo tempo minha e imaginada enquanto dormia”, diz ao PÚBLICO. Um aperitivo para a leitura deste álbum que se ocupa de forma singular da construção da identidade e do papel que nela tem a memória: um protagonista de que nunca saberemos o nome encontra parte da família (e um cadáver por baixo da mesa da cozinha) de que há muito se distanciara no meio das ruínas da casa onde viviam, acidentalmente posta a descoberto durante umas escavações arqueológicas. Quando Monteiro diz que a cidade alentejana e o seu festival já não ficam assim tão longe, fá-lo também mostrando como o mundo pode chegar ali através de autores como Max Andersson: “No cartaz em que anuncia a ‘digressão’ de Excavation ele junta Beja a Paris. ” Na realidade (fomos ver), junta Beja a Cracóvia, Moscovo, Aix-en-Provence, Montpellier e. . . Paris.
REFERÊNCIAS:
O Folclore Impressionista dança-se com fantasmas de corpos presentes
Campos Espectrais, Vol.1 é um álbum que não é um álbum, criado por um conjunto de pessoas que não é uma banda. "Uma banda-sonora imaginária para a paisagem arrepiante do Vale do Côa", apresentam-se. (...)

O Folclore Impressionista dança-se com fantasmas de corpos presentes
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 | Sentimento 0.0
DATA: 2018-05-28 | Jornal Público
SUMÁRIO: Campos Espectrais, Vol.1 é um álbum que não é um álbum, criado por um conjunto de pessoas que não é uma banda. "Uma banda-sonora imaginária para a paisagem arrepiante do Vale do Côa", apresentam-se.
TEXTO: Há momentos em que tudo é nebuloso como num filme de John Carpenter – e respectiva banda-sonora. Há momentos em que o sol irrompe e as sombras se desvanecem no horizonte para revelar uma escarpa graciosa e imponente, luz reluzindo a superfície do rio. Há momentos em que mergulhamos em nós mesmos, contemplando cenários imaginários, ouvindo a dolência de uma guitarra acústica dedilhada, um órgão com sopro de flauta e o chilrear de pássaros nas árvores. Não sabemos se estão lá. Nem os pássaros, nem aqueles rostos que nos invadem o pensamento, aqueles rostos de feições esbatidas, quais espectros de boina na cabeça, ou de xaile cobrindo o tronco. Ouvimos pássaros e insectos e ouvimos sinos na torre da Igreja. Ouvimos terra removida, passos dados sobre a terra enquanto um sintetizador toca notas esparsas. Este é um álbum que não é exactamente um álbum, criado por um conjunto de pessoas que não é uma banda (mas tem núcleo duro, formado por João Paulo Daniel, Sérgio Silva, músicos com passado nos Hipnotica ou na primeira encarnação dos Beautify Junkyards, e o artista visual António Caramelo). Foi editado em cassete e alojado numa caixa de cartão. Gravado na caixa surge um nome: Folclore Impressionista. No interior da caixa, postais dos montes caindo sobre o rio. Uma ilustração reproduz o impacto sensorial do cenário natural, outra surge como mapa sem localização específica. Num pequeno encarte, estão as fotos gastas desfocadas, estão aqueles rostos e uma curta apresentação: “Uma banda-sonora imaginária para a paisagem arrepiante do Vale do Côa”. Foi dessa região fronteira entre a Beira e Trás-Os-Montes, entre Portugal e Espanha, entre o passado imemorial das gravuras rupestres, o passado próximo e o presente agora calcorreado que os Folclore Impressionista resgataram a sua primeira edição oficial, Campos Espectrais Vol. 1. Este sábado, será apresentada na ADAO – Associação Desenvolvimento Artes e Ofícios, no Barreiro. Ali acontecerá a Noite da Raposa, organizada pela associação cultural Out. Ra, e, além de Folclore Impressionista, actuarão, a partir das 22h, Raw Forest, Pedro Sousa, Kerox, Bleid e Contreira. Estamos longe de Foz Côa, no final de tarde de uma esplanada lisboeta, mas é para lá que viajamos enquanto João Paulo Daniel nos fala de Stone Tape, filme que a BBC2 escolheu estrear no Natal de 1972. Nele, uma equipa desloca-se a uma casa assombrada para desvendar o mistério que a rodeia. Concluem “que as paredes preservam memórias de acontecimentos”, conta João Paulo. “E não sei se isso é totalmente descabido”, confessa. “Campos espectrais refere-se mesmo a campos que têm espectros. É qualquer coisa que anda por ali. " Estamos de volta a Foz Côa: "É tão intenso, tão forte, pela História e pela configuração topográfica, que não sentes estar simplesmente num sítio com um rio. ”João Paulo Daniel cresceu em Foz Côa, antes de a vida o trazer para Lisboa, e conhece intimamente o local. Com ele na esplanada está António Caramelo, que só chegou a Foz Côa guiado por João Paulo. Em duas residências, fotografou, filmou em VHS, fez recolhas sonoras no campo e registos hidrofónicos, ou seja, dos sons dos cursos de água. “Fomos fotografar, ver e ouvir. Fazendo gravações de campo, temos uma percepção muito intensa e completamente diferente, porque estamos de auscultadores nos ouvidos, a ouvir com uma atenção que não teríamos de outro modo”. Ouvimos esses sons integrados nas sequências criadas com sintetizadores cósmicos, órgãos estelares, caixas de ritmo reverberantes, pianos, guitarras acústicas. Ouvimos música que é um contínuo em lenta mutação, e que fruímos sugestionados pelas imagens incluídas na edição, responsabilidade da editora/promotora Nariz Entupido. “Uma ideia de atmosfera, é isso que criamos. Trabalhamos sobre atmosferas e não sobre detalhes”, explica João Paulo Daniel. “Saltamos entre o visível e o invisível”, acrescenta António Caramelo, responsável pelos vídeos projectados durante as apresentações. Os espectros, novamente. João Paulo Daniel foi à procura deles na sua Foz Côa por necessidade. “Precisava de o fazer ali, precisava de organizar a memória. Tenho uma memória terrível, não guardo detalhes, só sensações. Tinha essa necessidade de organização. ”Está tudo em Canado do Inferno, Subir ‘os trinta’, Vale dos moinhos ou Ancient ritual, alguns dos títulos das peças que ouvimos na cassete e que remetem para locais e memórias específicos. Está nos postais de António Caramelo ou nas ilustrações de Xavier Almeida, Pedro Petiz e João Fonte Santa que a acompanham. Uma viagem aberta à contemplação e ao mistério, fenda criada entre a paisagem visível e os fantasmas que a atravessam – a música e as imagens surgindo nessa intersecção. Folclore Impressionista é, define, João Paulo Daniel, “uma plataforma para trabalhar este tipo de temas": "Assenta em som e imagem, mas não lhe conhecemos bem as fronteiras, é algo mais gasoso, aberto à participação de quem entendermos. ”O projecto nasceu sob o signo do conceito de hauntology, cunhado pelo filósofo francês Jacques Derrida na sua obra de 1993, Os Espectros de Marx, e vertido para categorização musical já no nosso século. Encontramo-lo em editoras como a Ghost Box, onde editam agora os Beautify Junkyards, ou a Folklore Tapes – é música reflexiva, onírica, ambiental, verdadeiramente assombrada por fantasmas do passado, que surgem pelo recurso a library music, de emissões radiofónicas ou sons televisivos antigos recontextualizados, reconfigurados ou enxertados em matéria do presente. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. João Paulo Daniel considera que, “vivendo num meio virtual em que o tempo parece já não fazer sentido, é completamente assíncrono”, é-lhe impossível “fugir” deste conceito de hauntology. Folclore Impressionista começou por explorá-lo no diálogo daquela música ambiental intensa com imagens de “actores e realizadores muito específicos que, de uma forma ou de outra, trabalham a questão da geografia, mas a geografia psicológica”, explica António Caramelo, citando os nomes de Andrey Tarkovsky ou Alejandro Jodorowsky – já trabalharam também sobre Art of Mirrors (1973), de Derek Jarman, e, mais recentemente, sobre A Journey to Avebury (1971), do mesmo realizador. Neste Campos Espectrais Vol. 1 – há outros a serem pensados para exploração futura -, entregaram-se à deambulação para definir “uma percepção de lugar, da energia do lugar”. Depois, enquanto a música e a imagem eram trabalhadas, tudo se expandiu. Foz Côa passou a ser apenas uma camada mais, um eco forte entre aquilo que é este disco que não é um disco, deste conjunto de músicos e artistas que não são uma banda. Ouvimos a música, contemplamos a imagem. Viajamos. Os espectros revelam-se.
REFERÊNCIAS: