O estado das albufeiras é preocupante, mas a Arrábida recebe nota positiva
Os dados são do Life, o programa comunitário que financia projectos dedicados ao ambiente, à conservação da natureza e ao combate das alterações climáticas. (...)

O estado das albufeiras é preocupante, mas a Arrábida recebe nota positiva
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 | Sentimento 0.227
DATA: 2017-07-01 | Jornal Público
SUMÁRIO: Os dados são do Life, o programa comunitário que financia projectos dedicados ao ambiente, à conservação da natureza e ao combate das alterações climáticas.
TEXTO: O estado de conservação das albufeiras nacionais é “desfavorável-mau”, tal como em França e na Grécia. A poluição das águas (especialmente superficiais) e sua alteração química são a justificação para esta classificação, de acordo com os dados divulgados na revista deste mês do programa Life-Natureza. A Espanha e a Malta foi atribuída a classificação “desfavorável-inadequado” e o melhor cenário está em Itália – o estado-membro que alcançou o “favorável” e possui as melhores perspectivas. As principais ameaças aos ecossistemas costeiros são as actividades humanas associadas a crescentes densidades populacionais, “por vezes com impactos irreversíveis nas espécies e nos habitats”, sendo que 73% dos habitats da costa europeia se encontram num estado “mau” ou “inadequado”. Actualmente, quatro em cada 10 europeus não vive a mais de 50 quilómetros da costa e as áreas costeiras continuam a ser o destino de férias de eleição para mais de metade dos europeus. Além disso, estima-se que 40% da riqueza comunitária tenha origem na zona litoral, concretamente, do sector das pescas, extracção de recursos, transportes ou energias renováveis. Prevê-se que as alterações climáticas tornem a preservação das albufeiras, estuários, salinas, dunas, recifes ou flora marinha mais desafiante. Segundo Humberto Rosa, director da Capital Natural da Direcção-Geral do Ambiente da Comissão Europeia, face à importância que a região costeira tem na Europa, torna-se crucial que o desenvolvimento económico não ponha em causa a protecção ambiental dos ecossistemas, tanto mais porque a preservação dos valores naturais tem tantos benefícios económicos como ambientais. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Um caso de sucesso é o do Parque Marinho Luiz Saldanha, na Arrábida, onde se localiza um importante número de espécies raras em Portugal. Nas últimas décadas, este tem sido um dos ecossistemas mais afectados pela acção humana devido ao desenvolvimento urbano costeiro, pesca excessiva e poluição, mas o projecto Biomares, iniciado em 2007, tem conseguido reverter a sobre-exploração das espécies e reduzir os danos no solo marítimo. Na verdade, o mapeamento detalhado da zona permitiu informar a indústria piscícola e os donos de embarcações de recreio acerca dos melhores locais para pescar ou ancorar os barcos sem danificar o habitat. Desde 2014, está em curso o Programa para o Ambiente e a Acção Climática (Life) e o objectivo é “contribuir para o desenvolvimento sustentável e para a concretização dos objectivos e metas da Estratégia Europa 2020”. Texto editado por Ana Fernandes
REFERÊNCIAS:
Países Portugal França Grécia Espanha Itália Malta
Encontrado por Darwin, só agora tem um lugar na árvore da vida
Durante mais de 180 anos, um mamífero ungulado extinto atormentou os cientistas: não sabiam bem quais eram os seus parentes próximos. Agora tudo se resolveu graças ao contributo do ADN. (...)

Encontrado por Darwin, só agora tem um lugar na árvore da vida
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 | Sentimento 0.0
DATA: 2017-07-01 | Jornal Público
SUMÁRIO: Durante mais de 180 anos, um mamífero ungulado extinto atormentou os cientistas: não sabiam bem quais eram os seus parentes próximos. Agora tudo se resolveu graças ao contributo do ADN.
TEXTO: Se houve mamífero que tinha parecenças com muitos animais em simultâneo foi um ungulado já extinto de nome Macrauchenia patachonica. Tinha uma tromba, seria como os elefantes? Se andou em ambientes marinhos, saberia fazer apneia? Estas eram apenas algumas das questões colocadas sobre este ungulado. Mas a maior de todas era esta: onde se situa na árvore da vida? Desde a sua descoberta, há cerca de 180 anos, que era órfão. Agora o mistério foi desvendado e o Macrauchenia patachonica encontrou uma ordem “irmã”, a Perissodactyla, que tem descendentes vivos, como os cavalos e rinocerontes. A linhagem deste ungulado terá surgido há cerca de 65 milhões de anos, segundo um artigo na revista Nature Communications desta terça-feira. Tinha entre 400 e 500 quilogramas, um pescoço longo e uma tromba. Pertencia à ordem Litopterna, uma ordem extinta de mamíferos ungulados, que terá habitado o nosso planeta entre há cerca de 65 milhões de anos e 11 mil anos. A primeira pessoa a encontrar o “um dos últimos ungulados nativos da América do Sul”, como é conhecido, foi o naturalista Charles Darwin em 1834, no Uruguai e na Argentina. A descoberta foi feita durante a sua viagem no navio Beagle entre os anos de 1831 a 1836. Depois, decidiu passar o quebra-cabeças da identidade dos fósseis encontrados ao paleontólogo britânico Richard Owen, que acabou por lhes dar o nome científico Macrauchenia patachonica em 1838 e colocou esta espécie na infraclasse dos placentários. Mas como refere o artigo científico na Nature Communications, Richard Owen tinha poucos ossos dos membros e das vértebras deste animal para analisar. Por isso, acabou por descrever o mamífero como um parente dos lamas, sobretudo porque era comprido e tinha um pescoço como o dos camelos. Contudo, não reparou noutras das suas características, como a posição das suas cavidades nasais bem perto das órbitas oculares. “As análises de Owen indicaram que o Macrauchenia era, quanto à sua classificação, um ungulado, mas foram inconclusivas”, lê-se no artigo. A combinação das suas características terá baralhado Richard Owen, que “deixou” que fossem os paleontólogos do século XXI a definir o lugar do Macrauchenia patachonica na árvore da vida. Num estudo de há cerca de dois anos já se tinham realizado análises ao colagénio (proteínas encontradas na pele, nos ossos, cartilagem ou músculo liso) dos fósseis. Percebeu-se então que a Macrauchenia patachonica estava ligada a uma ordem de animais vivos: a Perissodactyla, que inclui os cavalos ou rinocerontes. Agora uma equipa liderada pelo paleontólogo Michael Hofreiter, da Universidade de Potsdam, na Alemanha, veio dar força a esta afirmação. Neste novo estudo fizeram-se análises ao ADN mitocondrial, que está fora do núcleo das células e é transmitido apenas pela mãe. Extraíram-se amostras de ossos de seis exemplares do género Macrauchenia e de 11 toxodontes (um mamífero extinto que ainda coexistiu com o Macrauchenia e que também foi encontrado por Charles Darwin). Os fósseis são de vários países da América do Sul, como o Uruguai, a Argentina e o Chile. A missão foi então reconstituir o genoma mitocondrial da espécie Macrauchenia patachonica. E como o seu ADN era antigo foi preciso encontrar material de parentes próximos daquela espécie, para se colmatarem as falhas do ADN mais “velhinho”. Mas não foi uma tarefa fácil, como diz Michael Westbury, também da Universidade de Postdam, num comunicado do Museu Americano de História Natural (Estados Unidos), que também contribuiu para este trabalho: “Tínhamos um problema difícil de resolver aqui: o Macrauchenia não tinha qualquer parente vivo próximo. ”Mas na gruta de Baño Nuevo, no Chile, descobriu-se uma falange de um exemplar do Macrauchenia patachonica, que permitiu assim fazer comparações com os genomas do rinoceronte e do cavalo. E verificou-se que havia uma proximidade genética entre o animal já extinto e aquelas duas espécies actuais. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. No final, a equipa recuperou quase 80% do genoma mitocondrial do Macrauchenia patachonica. Com esta informação foi possível perceber que a espécie pertencia ao grande grupo Panperissodactyla e é próxima da ordem Perissodactyla. A equipa concluiu também que a linhagem dos Macrauchenia surgiu há cerca de 66 milhões de anos, praticamente em simultâneo com uma das maiores extinções de vida na história da Terra. A colisão de um grande meteorito criou a enorme cratera de Chicxulub, no Iucatão (México), e pensa-se que terá sido este acontecimento que levou ao desaparecimento dos dinossauros e de muitas outras formas de vida. Os resultados deste novo estudo são compatíveis com o trabalho realizado há dois anos. “O nosso estudo confirma e alarga os resultados de outra investigação molecular publicada há dois anos, que utilizou o colagénio para inferir relações [de parentesco entre seres vivos]. Tal como nesse estudo, o nosso considerou que os parentes vivos mais próximos do Macrauchenia estão na ordem Perissodactyla, que inclui os cavalos, rinocerontes e os tapires”, explicou, no comunicado, Michael Hofreiter. Há razões para dizer que Charles Darwin e Richard Owen ficariam contentes com estes resultados: afinal o mamífero que tanto os atormentou já encontrou os seus parentes vivos.
REFERÊNCIAS:
Uma viagem inesquecível (no Porto) sobre a vida
Galeria da Biodiversidade é inaugurada esta sexta-feira no Porto. É na Casa Andresen do Jardim Botânico e é o primeiro pólo do Museu de História Natural e Ciência da Universidade do Porto. Abre ao público no sábado. É obrigatório visitar. (...)

Uma viagem inesquecível (no Porto) sobre a vida
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 | Sentimento 0.8
DATA: 2017-07-01 | Jornal Público
SUMÁRIO: Galeria da Biodiversidade é inaugurada esta sexta-feira no Porto. É na Casa Andresen do Jardim Botânico e é o primeiro pólo do Museu de História Natural e Ciência da Universidade do Porto. Abre ao público no sábado. É obrigatório visitar.
TEXTO: Às vezes, como esta, entramos num espaço e saímos dele com a cabeça invadida por imagens e sensações. Um esqueleto de uma baleia suspenso num átrio, um cubo de vidro cheio de ovos de vários tamanhos e cores, outro cubo transparente com miniaturas de todas as raças de cães que há no mundo, cheiro de morango ou canela ou outra coisa qualquer, o som do coração de um rato, Charles Darwin sentado numa sala com dois coelhos ao colo em cima de uma almofada, Sophia de Melo Breyner numa secretária a escrever e que surge como uma lindíssima silhueta se a espreitarmos do átrio. E tantas, tantas outras. Estão todas dentro de uma casa que se chama Galeria da Biodiversidade, da Universidade do Porto (UP), e que é inaugurada esta sexta-feira. É o primeiro pólo do Museu de História Natural e da Ciência da UP que já terá custado dez milhões de euros e que abre ao público no sábado e esta sexta-feira será inaugurado por Marcelo Rebelo de Sousa. Mas não é um museu. Os museus não são assim. Da mistura única (no mundo?) de história, arte, literatura, biologia, tecnologia resultou esta inesquecível Galeria da Biodiversidade. A experiência mora na Casa Andresen do Jardim Botânico do Porto, um palacete do século XIX, onde Sophia de Mello Breyner brincou. E onde hoje, arriscamos, se divertiria muito também. O museu foi aberto há 101 anos e inaugurado pelo então Presidente da República, Bernardino Machado. O livro original da cerimónia assinado estará lá hoje, ao lado de outro que Marcelo Rebelo de Sousa deverá assinar. Mas, agora, existe ali algo completamente diferente. Nuno Ferrand, biólogo e coordenador do ambicioso projecto de criação do Museu de História Natural e da Ciência da UP, guiou o PÚBLICO numa vista ao espaço que durou uma hora e 24 minutos. Avisa, desde logo, que este pólo não quer competir com os célebres museus de história natural que existem em Paris ou Inglaterra. Vai começar a visita a “alguma coisa diferente” que quer captar e deslumbrar as pessoas pela beleza do lugar e que se apresenta como “uma viagem sobre a vida”. O (pouco) que aqui reproduzimos fica muito aquém do que apre(e)ndemos. Imagine que nos acompanha. A conversa começa ainda fora da exposição, ao pé dos elevadores e do espaço que será em breve ocupado por um café. “A reabilitação da casa começou em 2010, depois tivemos a exposição de Darwin e outras e a casa fechou outra vez, em 2013, durante dois anos para a recuperação. A partir daí começámos a trabalhar nos conteúdos, num modelo que aproxima um museu de cariz universitário e um centro de Ciência Viva, o primeiro do Porto e o primeiro do país dedicado à biodiversidade. Esta é a primeira vez que vamos ter uma experiência de junção, uma parceria íntima. ”Subimos as escadas, em caracol, e entramos no átrio da casa onde foi colocado um enorme esqueleto de baleia suspenso no centro. É o início da ideia que une arte e ciência. “Esta é a grande metáfora. É o início do projecto. A esta baleia chamamos ‘O desejo de Sophia’. Foi a baleia que a Sophia imaginou um dia aqui montada. No seu conto A Saga nas Histórias da Terra e do Mar ela imagina que o átrio – e descrevendo-o como desmedidamente grande – daria para armar o esqueleto de uma baleia, cujos ossos repousavam, abandonados, nos corredores da Faculdade de Ciências. A baleia estava lá de facto. Esta foi a baleia que ela viu numa visita que terá feito à Faculdade de Ciências (hoje é o edifício da reitoria). E nós trouxemo-la para aqui. E vemos a espectacularidade de uma baleia a surgir daquela sala e a encontrar o sítio onde Sophia sempre sonhou que mergulhasse. ”Subimos mais umas escadas e chegamos à varanda que está por cima do átrio quadrado com janelas que deixam entrar a luz e o verde do jardim. Aqui, estão quatro vitrinas com os argumentos fundamentais para conservarmos a diversidade biológica: a beleza, a ética, a economia e a ciência. Todo o projecto nasce de uma colaboração entre Nuno Ferrand, Luís Mendonça, professor das Belas-Artes, e Jorge Wagensberg, um dos mais conhecidos museólogos mundiais da Universidade de Barcelona e que concebeu aquelas vitrinas. Parámos em todas as vitrinas e experimentámos os desafios interactivos que estão entre elas. O primeiro argumento é a Beleza e são quase mil ovos suspensos. Chama-se “Diversidade dos ovos”. “Fomos à procura de um objecto que representasse a beleza do mundo natural e o ovo é o melhor de todos, porque é a mais bela metáfora para a origem da vida. As pessoas ficam encantadas a olhar para isto. Estão organizados pelo tamanho (do mais pequeno ao maior), pela cor (dos mais claros para os mais escuros) e pela forma (esféricos e ovóides). Não é nada aleatório. Os espaços vazios e muito preenchidos mostram questões que existem na biologia, nós não sabemos porque é que há mais ovos pigmentados do que não pigmentados, por exemplo. Depois de ver a beleza do significado do ovo, podemos brincar. ”A caixa ao lado serve para isso mesmo: brincar. Desta vez, é uma caixa onde dançam dois ovos esféricos e dois ovos ovóides. Demonstra como são os ovóides que rebolam menos, ou seja, partem-se menos e têm mais hipóteses de sobreviver. Há mais caixas para brincar e que servem para miúdos e graúdos. Aliás, todos os espaços têm algo que interage com o visitante. “Há uma cadeira onde nos sentamos para ouvir o bater coração de uma baleia (o maior mamífero na Terra com seis batidas por minuto), o coração de um rato (o mais pequeno mamífero do planeta, com um coração que bate mil vezes por minuto) e o nosso (que bate mais ou menos 70 vezes por minuto). ”Há uma mesa com funis articulados que deitam cheiros num jogo de poucos segundos para detectarmos se estamos a cheirar canela, morangos ou gengibre, entre outros, antes de surgir a imagem com a resposta. Há um quadro com imagens, ligadas umas às outras, com as obras de arte que se fizeram com cães. Há um local onde podemos tirar uma fotografia com a célebre técnica que Andy Warhol usou com Marilyn Monroe, numa recordação que pudemos imprimir, levar para casa e que está incluída no preço do bilhete. Uma caixa que guarda uma representação do mundo para onde espreitamos e podemos experimentar o mesmo olhar que uma vaca teria, ou uma abelha, ou um falcão, ou uma coruja, ou uma aranha, ou uma cobra, ou uma minhoca. Na vitrina da ética temos miniaturas brancas que representam as 400 raças de cães que há no mundo. “Repare que a cores só há uma coisa: o lobo. No centro de tudo está o lobo. Porque nós hoje sabemos pela genética que todos os cães têm como antepassado comum o lobo. Os cães são a nossa primeira domesticação, ainda não eramos sedentários. O argumento da ética aqui é que, como sabe, o lobo já se extinguiu em muitos países, já demos cabo dele, como desapareceram muitas milhares de espécies. Sem cães, a nossa vida seria muito diferente. Sabe quantos cães há no mundo? Mil milhões. Nós somos sete. Aqui está a importância da preservação de espécies. Qualquer espécie vale a pena ser preservada pelo simples facto de existir. ”Há mais duas vitrinas. Uma que guarda uma colecção de sementes que mudaram o mundo e sustentam a vida no planeta. É o argumento da Economia. Outra defende o argumento da Ciência com uma caixa com todos (mesmo todos) os comprimidos que pudemos encontrar à venda numa farmácia em Portugal. Depois, a toda a volta desta varanda na casa, há salas ou quartos diferentes. Num canto, apresenta-se o conceito de Darwin da selecção sexual. Tem fêmeas atentas à luta entre dois veados machos e tem pavões, machos com incómodas e imponentes caudas e fêmeas mais discretas. Ao lado, há modelos em tamanho real de animais diversos. “Aqui vemos como a natureza só precisou de ‘inventar’ três coisas para nos movimentarmos no planeta: patas, barbatanas ou asas. ”Noutra há um imenso painel com três mil caracóis, de uma só espécie, onde não há um igual. “É aqui que podemos perceber cada um de nós é um acontecimento único e irrepetível. ”Depois, o espaço onde se exibe a arte da camuflagem é o único lugar onde vamos encontrar animais vivos. “Que nos lembra que todas as espécie têm (pelo menos) uma coisa em comum: queremos comer mas não ser comidos, queremos sobreviver. O homem é a espécie com maior sucesso neste desafio. ”Temos ainda a sala com a história de cinco mil anos da domesticação do milho, desde o mais ancestral ao actual, e que nos oferece a possibilidade de levar uma espiga para casa. Só tem de escolher: quer andino e colorido, milho-rei ou transgénico?Na sala dos coelhos, encontramos Charles Darwin com um realismo desarmante. As mãos, os olhos, o cabelo. No colo, tem dois coelhos, um deles é o de Porto Santo. Quase ficamos à espera que, a qualquer momento, alguma coisa se mexa ali. “Aqui temos o mais célebre senhor sentado. Estamos na sala dos mistérios dos mistérios da biologia, a especiação. Como é que as espécies se transformam umas nas outras? A grande obra de Darwin [a Origem das Espécies] resulta de dezenas de anos de reflexão sobre cinco anos de viagem à volta do mundo que foram, sobretudo, uma enorme colecção de argumentos. Mas um dos pontos fracos que ele sentia era a falta de uma prova, uma demonstração experimental. Darwin chegou a acreditar que o coelho de Porto Santo – introduzido na primeira viagem de exploração dos descobrimentos portugueses, de Bartolomeu Perestrelo e João Gonçalves Zarco – era a prova que precisava. Afinal, o coelho de Porto Santo não era um processo de especiação mas um processo acelerado de adaptação de uma espécie a um ambiente diferente. Hoje sabemos que a especiação é um processo que demora milhões de anos e não apenas 450 anos. ”Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Agora, descemos as escadas e chegamos à espécie humana. Constatamos que somos “tão diferentes e tão iguais” com imagens do projecto Pantone, concebido por Angélica Dass, que exibem uma amostra da extraordinária diversidade humana. E podemos “brincar” outra vez, numa câmara que nos mostra como seria o nosso rosto se tivéssemos nascido na Ásia ou África. Há ainda um lugar onde podemos ouvir alguns dos mais conhecidos poemas de Sophia de Mello Breyner. Noutro espaço está uma homenagem a Paulo Alexandrino, investigador e fotógrafo da natureza, colega e amigo próximo de Nuno Ferrand e que morreu há pouco mais de um ano. E uma sala que recebe a exposição (temporária) de todo o espólio científico do célebre biólogo Desmond Morris, autor de O Macaco Nu ou O Zoo Humano, que foi entregue à UP. E há mais, muito mais. Nuno Ferrand vai ter de repetir esta visita guiada esta sexta-feira para Marcelo Rebelo de Sousa em apenas uma hora. Uma tarefa que se adivinha difícil tendo em conta o que sabemos que Nuno Ferrand tem para contar e o que sabemos da curiosidade do Presidente da República. O público em geral pode entrar na Galeria da Biodiversidade no sábado. Na primeira semana, a entrada é gratuita. Está aberta a casa de todas as espécies. A casa que celebra a vida.
REFERÊNCIAS:
Detido o organizador do festival nas Bahamas que terminou em fiasco
Prometia-se praias de areia branca, bungalows de luxo, modelos bonitas, artistas famosos e refeições gourmet no Fyre Festival. Era tudo um embuste. (...)

Detido o organizador do festival nas Bahamas que terminou em fiasco
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 | Sentimento 0.0
DATA: 2017-07-01 | Jornal Público
SUMÁRIO: Prometia-se praias de areia branca, bungalows de luxo, modelos bonitas, artistas famosos e refeições gourmet no Fyre Festival. Era tudo um embuste.
TEXTO: Billy McFarland, o organizador norte-americano de um festival de música nas Bahamas que se apresentava como uma espécie de Coachella para milionários mas que colapsou antes sequer de começar, foi detido na sexta-feira em Nova Iorque, noticia o New York Times (NYT). O promotor do Fyre Festival foi detido no seu apartamento em Manhattan por agentes do FBI. Em causa, aponta o diário nova-iorquino, estão suspeitas de fraude financeira. McFarland é acusado de ter defraudado dois investidores em mais de um milhão de dólares, mentindo sobre a natureza e a robustez financeira das empresas Fyre Media e Fyre Festival LLC, organizadoras do festival. O norte-americano terá ainda mentido sobre as suas próprias finanças: alegou ter facturado milhões em 2016, quando na verdade fez menos de 60. 000 dólares com o agenciamento de 60 artistas. O empresário arrisca agora até 20 anos de cadeia. “William McFarland prometeu um festival musical único na vida, mas na verdade organizou um desastre. McFarland apresentou alegadamente documentos falsos para levar investidores a injectar milhões de dólares na sua empresa e no fiasco chamado Fyre Festival”, lê-se num comunicado da procuradoria do sul de Nova Iorque citado pelo NYT. Como o PÚBLICO referiu em Abril, o Fyre Festival conquistou fama mundial pelas piores razões. Espectadores que tinham pago avultadas quantias pela promessa de uns dias entre iates, praias de areia branca, modelos bonitas e artistas de renome mundial, no paradisíaco cenário das Bahamas, acabariam por aterrar num cenário bem-diferente: um acampamento sem luz e sem comida. O evento aspirava a tornar-se uma referência no roteiro dos festivais musicais e promoveu-se à custa do anúncio da presença de figuras como as modelos Bella Hadid e Kendall Jenner, prometendo prolongar-se por dois fins-de-semana, numa ilha privada, e com direito a passar a noite em iates privados. Do cartaz faziam parte nomes como Major Lazer e Disclosure. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Chegado o momento, os prometidos bungalows de luxo eram afinal tendas anteriormente utilizadas para acolher vítimas de um furacão. As anunciadas refeições confeccionadas por chefes de renome internacional não passavam de pequenas sandes. A ilha tropical mostrada nos anúncios era afinal um terreiro inóspito dominado por cães selvagens, e não havia condições elementares de segurança e de higiene. Nomes do cartaz (também este muito aquém do prometido) como os Blink 182 acabariam por cancelar as actuações, alegando o incumprimento das condições contratualizadas. Na altura, McFarland justificou o fiasco com o mau tempo, que teria prejudicado a preparação do festival na semana anterior ao evento. No entanto, membros da organização afirmam que o desastre se adivinhava muitos meses antes do festival, perante a falta de condições financeiras e logísticas. Para além da revolta expressa através das redes sociais, os espectadores defraudados avançaram para os tribunais, havendo registo de um processo onde o pedido de indemnização ascende a 100 milhões de dólares.
REFERÊNCIAS:
Palavras-chave espécie cães
A águia não merecia isto
Um documentário formatado e inspiracional cujas imagens espectaculares são completamente desaproveitadas: A Caçadora e a Águia. (...)

A águia não merecia isto
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 | Sentimento 0.0
DATA: 2017-07-01 | Jornal Público
SUMÁRIO: Um documentário formatado e inspiracional cujas imagens espectaculares são completamente desaproveitadas: A Caçadora e a Águia.
TEXTO: A palavra “documentário” talvez não seja a designação mais correcta para A Caçadora e a Águia, pelo menos no sentido mais “estrito” em que a palavra costuma ser usada. Há, de facto, no filme de Otto Bell o registo do quotidiano de uma família nómada nas estepes e montanhas da Mongólia, e do desejo de uma miúda de 13 anos de prosseguir a linhagem familiar da caça com águias. Mas essas imagens foram em seguida “moldadas” na montagem numa narrativa linear e formatada, à medida das boas consciências ocidentais, que corre o risco de tornar Aisholpan, a “caçadora” do título, num exemplo de uma “nova geração” feminina à beira de abalar as convenções patriarcais. Realização:Otto Bell Actor(es):Aisholpan Nurgaiv, Daisy Ridley, Rys NurgaivSubscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Esclareça-se: esse tipo de “formatação” não é de hoje (já vem dos tempos de Flaherty e do Nanook, o Esquimó, ou das antropomorfizações da Disney) nem é, por si só, chocante que Bell tenha querido fazer um filme que saia do “circuito fechado” do documentário para chegar ao grande público. Mas, a cada momento de A Caçadora e a Águia, Otto Bell parece escolher o caminho narrativo mais simples e mais viajado, e opta por contar a história de acordo com a fórmula já bem gasta da heroína que segue o seu sonho contra tudo e contra todos, com direito a música bombástica e voz off inspiracional. Teríamos todos ficado melhor servidos com um filme que respeitasse a singularidade da sua heroína e do seu laço com o animal, da relação quase mística entre mulher e águia. As imagens são, de facto, espectaculares, mas não chegam.
REFERÊNCIAS:
Sonae estuda entrada em bolsa de retalho alimentar e negócio imobiliário
A Sonae admitiu vir a colocar em bolsa a Sonae MC, o negócio na área de retalho alimentar, e a Sonae RP, a entidade que gere a propriedade imobiliária de retalho do grupo. (...)

Sonae estuda entrada em bolsa de retalho alimentar e negócio imobiliário
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 | Sentimento 0.2
DATA: 2018-07-14 | Jornal Público
SUMÁRIO: A Sonae admitiu vir a colocar em bolsa a Sonae MC, o negócio na área de retalho alimentar, e a Sonae RP, a entidade que gere a propriedade imobiliária de retalho do grupo.
TEXTO: “O Conselho de Administração continua a analisar a possibilidade de listar parte do portefólio de retalho da empresa, no qual a Sonae manterá uma posição maioritária”, indicou no comunicado enviado à Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM) na segunda-feira à noite. A Sonae adiantou que “o portefólio de retalho potencialmente sujeito à entrada em bolsa incluiria a Sonae MC, o negócio líder de mercado na área de retalho alimentar, e a Sonae RP, a entidade que gere a propriedade imobiliária de retalho da Sonae”. “Esta potencial operação é consistente com o princípio estratégico da Sonae de criar valor para os accionistas e de garantir as melhores condições para que as suas empresas cresçam e reforcem as suas posições”, de acordo com o comunicado. O Barclays, o BNP Paribas e o Deutsche Bank foram nomeados pela Sonae para organizar “reuniões exploratórias com potenciais investidores para uma possível entrada em bolsa”, não tendo ainda sido, nesta fase, “tomada qualquer decisão formal”, segundo a mesma fonte. A Sonae Retail Properties (RP), criada em 2009, é responsável pela gestão do património imobiliário de retalho. Já a Sonae MC, no retalho alimentar, integra os hipermercados Continente, os supermercados de conveniência Continente Modelo e Continente Bom dia, as lojas Meu Super, as cafetarias e restaurantes Bom Bocado e Bagga e os supermercados Go Natural. Integra ainda a Make Notes, Note! (livraria/papelaria), a ZU (produtos e serviços para cães e gatos), a Well’s (saúde, bem-estar e ótica) e a Dr. Well’s (clínicas medicina dentária e medicina estética), segundo a informação disponível na página da Sonae na internet. No dia 15 de Março, o co-presidente executivo do grupo Paulo Azevedo afirmou que a Sonae admitia vir a cotar em bolsa o negócio do retalho, respondendo assim ao interesse demonstrado pelo mercado, mas mantendo sempre uma participação maioritária. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Falando na apresentação das contas de 2017 do grupo da Maia, Paulo Azevedo disse, na altura, que esta possibilidade ia começar a ser estudada, não estando definidas nem as unidades do negócio do retalho que poderão vir a ser cotadas, nem qual a percentagem de capital a dispersar em bolsa. Actualmente, o grupo Sonae tem já cotadas duas empresas no PSI20, o principal índice da bolsa de Lisboa, a Sonae SGPS e a Sonae Capital. A Modelo Continente chegou a estar cotada, mas saiu de bolsa em 2006.
REFERÊNCIAS:
Palavras-chave cães
Alto da Ajuda vai ser uma das frentes de batalha contra as cheias em Lisboa
Terminadas as obras no parque urbano do Rio Seco, no Alto da Ajuda, Câmara de Lisboa está a terminar o projecto de criação de uma bacia que vai reter as águas das chuvas para travar cheias nas zonas baixas da Ajuda, Belém e Alcântara. (...)

Alto da Ajuda vai ser uma das frentes de batalha contra as cheias em Lisboa
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 | Sentimento 0.0
DATA: 2017-07-11 | Jornal Público
SUMÁRIO: Terminadas as obras no parque urbano do Rio Seco, no Alto da Ajuda, Câmara de Lisboa está a terminar o projecto de criação de uma bacia que vai reter as águas das chuvas para travar cheias nas zonas baixas da Ajuda, Belém e Alcântara.
TEXTO: Estão concluídas as obras do Parque Urbano do Rio Seco, no Alto da Ajuda, em Lisboa, no vale situado entre a Faculdade de Arquitectura da Universidade de Lisboa e o bairro camarário 2 de Maio. O fim destas obras e a criação da Bacia de Retenção do Alto da Ajuda vão permitir ligar, através de espaços verdes, o Parque Florestal de Monsanto à Rua Eduardo Bairrada. Na manhã desta terça-feira, autarcas, arquitectos e engenheiros juntaram-se a convite da Câmara de Lisboa para ver o final da última fase de obras no parque, iniciada no Verão de 2015. “Quem o viu e quem o vê”, é a impressão geral. “Ninguém podia passear aqui. Era uma lixeira, um matagal”, lembrou o vereador da Estrutura Verde e Energia, José Sá Fernandes. O local serviu durante anos como depósito de candeeiros velhos da cidade e lixo dos moradores. Mas ali também subsistiam ainda pombais, cavalos e pequenas hortas dos moradores. Hoje há um pombal e um picadeiro, assim como 19 talhões com hortas. As três últimas fases do Parque Urbano do Rio Seco saíram de projectos vencedores do Orçamento Participativo de Lisboa: a segunda fase em 2008, a terceira e quarta fases em 2010 e 2011. As obras desta última, iniciadas em 2015 e dadas agora como terminadas, foram, no entanto, pagas pela EDP, ao abrigo do protocolo que lhe atribuiu 480 mil euros, e não pelo orçamento camarário onde tinham sido inscritas com 800 mil euros do Orçamento Participativo. O dinheiro que autarquia destinara para o projecto vencedor foi canalizado para o projecto de requalificação do espaço público do bairro contíguo ao parque, o 2 de Maio. Em todo o parque, foram plantadas cerca de mil árvores e cinco mil arbustos. Há espaços de relva, caminhos e zonas de merendas. Para a semana chegam os bancos, a instalar na parte superior do jardim, e dentro de três semanas a autarquia espera ter concluído o parque infantil. No local onde decorreram as últimas obras ainda não há relva. Espera-se que chova. A criação deste parque urbano, que a autarquia apelidou de Corredor Verde do Rio Seco, faz parte da política de criação de corredores verdes que liguem “importantes zonas da cidade”. No futuro, o pelouro pretende ligar este novo corredor ao Jardim Botânico da Ajuda e Calçada da Ajuda e criar um outro elo que permita fazer, por espaços verdes, o caminho até à Tapada da Ajuda. Sempre que chove muito, as zonas baixas da Ajuda, Belém e Alcântara são afectadas por cheias. Para lá desce a água e os sedimentos arrastados pelas chuvas torrenciais. É um fenómeno que se repete todos os anos e interessa, por isso, gerir as águas pluviais no Alto da Ajuda de forma a diminuir o caudal que chega à zona ribeirinha da cidade. Como forma de “travar o escoamento de água e sedimentos para a zona baixa”, explicou José Saldanha Matos, um dos coordenadores do Plano de Drenagem do município, a autarquia está a ultimar o projecto de criação de uma bacia de retenção de água a céu aberto. Uma intenção que já tinha sido anunciada em 2008. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. No local onde se realizava a festa dos estudantes Semana Académica de Lisboa, entre o Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas (ISCSP) e a Faculdade de Arquitectura, vai ser criada uma bacia naturalizada que retenha a água das chuvas, “por períodos de tempo controlados”. Evitando, assim, as cheias que atingem regularmente as zonas baixas desta parte da cidade. Sobre a actual intervenção, ainda não foi feito um orçamento uma vez que o projecto ainda não está terminado. O pelouro dos Espaços Verdes espera terminar esta obra ainda este ano. O projecto prevê ainda a plantação de árvores à volta da bacia e a criação de espaços verdes para que este seja um espaço “por excelência de usufruto” para os estudantes e moradores, disse Sá Fernandes. Desta forma, a criação desta bacia, contígua ao parque urbano, concretiza a “transição urbanística com [o Parque Florestal de] Monsanto”. “Queremos que Monsanto cresça”, afirmou o arquitecto municipal João Castro.
REFERÊNCIAS:
Palavras-chave ajuda infantil
O corpo do som (e outros enigmas do mundo)
Parece que o Mundo, a nova peça de Clara Andermatt, em co-criação com João Lucas, envolve-nos num maravilhamento, numa sucessão de sentidos em aberto. (...)

O corpo do som (e outros enigmas do mundo)
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 | Sentimento 0.137
DATA: 2018-11-30 | Jornal Público
SUMÁRIO: Parece que o Mundo, a nova peça de Clara Andermatt, em co-criação com João Lucas, envolve-nos num maravilhamento, numa sucessão de sentidos em aberto.
TEXTO: O título da nova peça de Clara Andermatt coloca-nos desde logo em certa disposição anímica: percepções suspensas e deambulações mentais sobre a existência são os territórios para onde Parece que o Mundo nos leva de viagem. Diante de cortinas escuras a pender em semicírculo num intenso contraluz com o luminoso fundo do palco, quatro figuras de toucas na cabeça e fatos de banho discretamente coloridos evoluem para a boca de cena, numa sucessão de poses, como banhistas retro a rastejar de bruços mirando em redor em atitudes de focas atónitas; escutamos o som amplificado dos seus corpos a roçar uma areia imaginária e, ténue, o das vagas a nascer e a morrer na praia. Do corpo de uma mulher que abraça e tange as cordas de um contrabaixo, solta-se um cântico gutural que parece sair-lhe das entranhas, quase se confundindo com o instrumento que acolhe com o ventre; quando um homem expõe o rosto de olhos semicerrados a um clarão de luz, é na nossa própria pele que experimentamos o langor cálido do sol a penetrar. Silhuetas oscilantes fazem-nos acreditar em folhas secas a rodopiar ao sabor imprevisível de uma brisa. Autoria: Clara Andermatt e João Lucas Coreografia: Clara AndermattÉ sobretudo através de um mergulho sensorial nos elementos do mundo natural, na experiência física de estar vivo, e nas cogitações existenciais, poéticas ou metafísicas que tais percepções suscitam no humano, que se percebe que o último livro que Italo Calvino (1923-1985) publicou em vida, Palomar, foi o gatilho desta criação. Livro que, na verdade, se quis diluir na peça. Dele restam, talvez, a própria performatividade do texto – estrutura modular, de breves contos –, a alusão à personagem do Sr. Palomar (a discreta mas omnipresente presença em cena do homem que observa), e imagens alusivas à sua meditação ficcional. Nesta primeira verdadeira co-criação da coreógrafa com o músico-compositor João Lucas, o principal traço de identidade está na conexão intrínseca entre movimento e som, na liberdade despudorada com que um invade o território do outro: Andermatt (n. 1963) e João Lucas (n. 1964), parceiros criativos desde os primórdios da Nova Dança, apostam, nesta sua 14. ª colaboração, num entrosamento orgânico entre quatro bailarinos, três músicos, um violino, um violoncelo e um contrabaixo (que se transformam de objectos em sujeitos performativos). Fusões sensuais entre corpos e instrumentos a dissipar funções convencionais de uns e outros são um desenvolvimento, que nos traz imagens e memórias, de experiências criativas da dupla em Uma História da Dúvida (1998), Dan Dau (1999) ou Void (2009). Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Mas há em cena outro personagem: os sons electrónicos espacializados (Jonas Runa) constroem patamares discursivos subliminares, qual dança auditiva e cenografia invisível, essenciais a esta viagem. A cópula das tartarugas, no seu bizarro jeito lento e pesado ao som de Can’t help falling in love (Elvis Presley), traz-nos de volta o humor irónico de Andermatt. Ao distinguir figuras humanas soerguidas por entre o fumo, somos guiados, quiçá, ao flagelo incompreensível dos incêndios, qual rebelião desordenada da natureza contra a civilização. Parece que o Mundo envolve-nos num maravilhamento, numa sucessão de sentidos em aberto. À medida que se encaminha para o final, porém, a peça parece perder algum do seu fôlego inventivo, e resquícios algo literais (como a alusão aos baixos relevos pré-colombianos) fazem certo contrapeso à prossecução do seu magnífico voo livre sobre os enigmas do mundo.
REFERÊNCIAS:
Partidos LIVRE
Portugal, a Ibéria e a Europa: cruzamentos criativos em quatro séculos de música
O último fim-de-semana foi palco, em Lisboa, de uma série de eventos musicais complementares entre si, dos quais, por impossibilidade de desdobramento físico de quem aqui assina, só uma parte será devidamente comentada. (...)

Portugal, a Ibéria e a Europa: cruzamentos criativos em quatro séculos de música
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 | Sentimento 0.5
DATA: 2018-11-30 | Jornal Público
SUMÁRIO: O último fim-de-semana foi palco, em Lisboa, de uma série de eventos musicais complementares entre si, dos quais, por impossibilidade de desdobramento físico de quem aqui assina, só uma parte será devidamente comentada.
TEXTO: Em co-produção com Fundação Juan March, decorreu na Fundação Gulbenkian o ciclo Iberia, dedicado às relações musicais entre Portugal e Espanha, e composto por quatro concertos de música antiga e duas curtas mesas-redondas. O período cronológico estendeu-se de c. 1550 a c. 1800; no concerto inaugural, só os 50 anos mais recentes ficaram de fora, enquanto os restantes se concentraram numa época ou num estilo. O recital do cravista Pierre Hantaï percorreu, na primeira parte, peças desde Antonio de Cabezón (1510-1566) a Juan Bautista Cabanilles (1644-1712), enquanto a segunda parte foi dedicada a Carlos Seixas (1704-1742) e Domenico Scarlatti (1685-1757). Em tudo o cravista colocou a marca do seu virtuosismo, feito não só de fluidez e fulgor, mas também de clareza na articulação e de perfeição no balanço rítmico. As célebres variações sobre o tema Las Vacas, de Cabezón, soaram surpreendentes e acutilantes, enquanto as Passacalles de primer tono, de Cabanilles, apresentadas como primeira audição moderna, foram dadas de forma absolutamente feérica. A conexão estilística entre Seixas e Scarlatti foi sublinhada por uma interpretação em que não se negou ao primeiro o golpe de asa geralmente associado ao segundo, nem a este último a delicadeza galante característica do primeiro. Longe vão felizmente os tempos em que se tentava, com Seixas, demonstrar a oposição entre a alma portuguesa e a espanhola, e em que se supunha ter sido Scarlatti surdo à música ouvida em Lisboa!De facto estava-se então em pleno período de assimilação, nos reinos ibéricos, da música coeva italiana, processo que se acentuou com a chegada de alguns dos seus mais destacados representantes, como Scarlatti. Pelo contrário, Jayme de la Té y Sagau, músico de origem catalã que residiu em Lisboa cerca de 30 anos (entre 1706-7 e 1736), é ilustrativo do anterior período de transição. Embora tenha montado na capital uma oficina de impressão musical, é hoje virtualmente desconhecido como artista; este ciclo deu-nos a oportunidade de o apreciar como compositor capaz da expressão textual mais veemente. Deliciámo-nos com a faceta amável da cantata a solo Ansia enemiga, mas também com a faceta furiosa e virtuosística, mais ao estilo italiano, da cantata a solo Qué me quieres, ambas defendidas com inigualável verve por Ana Quintans e Carlos Mena, respectivamente. As duas facetas surgiram bem representadas no último duo do programa, Miró a Matilde el Amor, uma obra belíssima que demonstra à saciedade o virtuosismo retórico do autor e, por implicação, a capacidade de realização artística e intensificação emocional da vida musical lisboeta de inícios do século XVIII. Contudo, sendo estas cantatas relativamente curtas e sem forma fixa, a opção de as interromper a meio para que o teclista mudasse de instrumento (cravo ou órgão) prejudicou desnecessariamente a percepção da sua unidade; também a opção de as intermediar com uma só peça para cravo de cada vez pecou por saber a pouco. No que respeita à música vocal, o ciclo contou ainda com o Coro Gulbenkian, numa versão de apenas 16 vozes, sob a direcção segura e sensível de Pedro Teixeira. Este apresentou um programa de obras marianas ibéricas dos séculos XVI-XVII, em que avultou, na segunda parte, a estreia moderna do Magnificat do 8º Tom de Filipe de Magalhães (c. 1571-1652) e, na primeira, a Missa Maria Magdalena, a seis vozes, de Francisco Garro (c. 1556-1623). A textura frequentemente cerrada desta última obra deriva de um motete de Guerrero; o tratamento do Credo e especialmente o Sanctus e o Agnus Dei revelaram-se admiráveis, apesar de os naipes de soprano terem soado pontualmente pouco confiantes e coesos. Houve também ensejo de escutar, entre outras peças, a exploração magistral do hino Ave maris stella por Estêvão Lopes Morago (c. 1575-c. 1630); de Diego Ortiz (1510-1570), o motete Beata es Virgo Maria (raramente executado, mas bela ilustração do ideal de suavidade sonora da época); e a inspiradora energia de Estêvão de Brito (c. 1570-1641) no gradual Sancta Maria e no motete O Rex gloria, que fechou o concerto. A parte cronologicamente mais recente do ciclo foi confiada ao quarteto de cordas Quiroga, cujas coesão e musicalidade foram patentes ao longo do programa, dedicado ao estilo clássico de raiz haydniana. A par da escrita competente e agradável, mas pouco aventurosa, de João Pedro de Almeida Mota (1744-1817) — um lisboeta que fez carreira em Espanha —, pudemos apreciar a inspiração do Quinteto para cordas com duas violas nº1, de José Palomino (1755-1810) — um madrileno que, a partir de 1733, se integrou na vida musical da corte e dos teatros lisboetas. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Enquanto se realizava este concerto, no Museu da Música dava-se a ouvir, através do pianista Philippe Marques, João Domingos Bomtempo (1771-1842), da geração seguinte, cujas referências se encontravam sobretudo em Paris e Londres. Ao princípio da noite, num programa intitulado Viena-Lisboa 1816-1916, a Orquestra Metropolitana, sob a batuta de Pedro Neves, apresentou no Teatro Thalia uma bela interpretação da Sinfonia nº 4 de Schubert, escrita em 1816, e o Concerto para violino de Luís de Freitas Branco, escrito um século depois. Embora haja ainda margem para que a interpretação cresça em equilíbrio orquestral e convicção solística, o violinista Carlos Damas alardeou segurança técnica e beleza tímbrica numa obra tardo-romântica, em muitos aspectos atractiva, sobre a qual pairam o melodismo de Grieg e o fôlego épico de Rimsky-Korsakov, especialmente patente na orquestração, onde sobressaem, de forma surpreendente, os metais. Solista: Carlos Damas (violino) Direcção musical: Pedro NevesMais um século decorrido, Luís Tinoco escreveu Cassini em celebração dos 25 anos da Orquestra Sinfónica Portuguesa — mas sobre a sua estreia no passado domingo, no Centro Cultural de Belém, pela mesma orquestra, ao mesmo tempo que Té y Sagau era revelado na Gulbenkian, infelizmente só podemos especular.
REFERÊNCIAS:
Tempo domingo
Taberna dos Cabrões: ossos, iscas e um chocalho quando há “gado novo”
É uma taberna onde reina a boa disposição, por entre as piadas de Serafim e as melhores iscas do Montijo e mais além. (...)

Taberna dos Cabrões: ossos, iscas e um chocalho quando há “gado novo”
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 | Sentimento 0.136
DATA: 2018-11-30 | Jornal Público
SUMÁRIO: É uma taberna onde reina a boa disposição, por entre as piadas de Serafim e as melhores iscas do Montijo e mais além.
TEXTO: Estamos sentados a comer um prato de rins grelhados e a olhar com alguma inveja para o que, noutras mesas, parece ser um cozido, mas que aqui se chama “ossos carregados” e que já tinha acabado quando fizemos o nosso pedido, quando a porta que dá para o pátio se abre e entra uma figura imponente com um chocalho na mão. Serafim Tavares, nascido nas Beiras há 61 anos, mas homem do Montijo desde sempre, é grande, de bigode afirmativo, e toca o chocalho com tanta energia que quase damos um salto na cadeira com o susto. Mas na Taberna dos Cabrões, no Montijo, é sempre assim, os almoços acontecem entre brincadeiras — “dizemos que o chocalho é quando há gado novo”, explica depois, quase a desculpar-se pela brejeirice. Mas é precisamente pela brejeirice e pela animação que muita gente vem a esta casa, no Alto das Barreiras, com uma fachada onde ainda se lê Vinhos e Petiscos e que quase passaria despercebida a quem vai na estrada, não fosse o grande número de carros estacionados junto à porta — sempre sinal de que alguma coisa boa se passa no interior. Serafim está na grelha, mas de vez em quando faz a sua aparição na sala, diz umas quantas piadas relacionadas com o nome do estabelecimento, deixa os clientes às gargalhadas e volta para o trabalho. Mas se o nome desperta a curiosidade e as piadas chamam gente, o facto é que a comida é o mais importante. E aqui come-se bem. “Não trabalhamos com congelados, o grão é posto de molho, o feijão é posto de molho, a alface é apanhada no dia, se comeu alface agora ao meio-dia, às 10h ela ainda estava na terra”, garante Serafim, quando, às 16h30, consegue finalmente sentar-se a conversar connosco no pátio exterior, onde fica também, numa zona coberta, a grelha que durante a hora do almoço não pode largar. Este pátio onde estamos, Serafim conhece-o muito bem, desde pequeno. “Fui criado aqui ao lado, onde é a Fábrica Isidoro”, conta. “A gente fugia à minha mãe para vir para aqui para a brincadeira. ” Nesse tempo, como diz a fachada voltada para a estrada, esta era uma casa de vinhos e petiscos. “Havia uma senhora que esteve aqui 55 anos dentro do balcão. Tenho ali o alvará de 1946, que é o mais antigo do Montijo ainda em actividade. ”Por volta de 2002, Serafim começou a vir “vender uns copos” — e nunca mais saiu. Para acompanhar os copos fazia umas comidas, começaram a servir um almoço e a casa foi-se fazendo. A história do nome, já a contou mil vezes, mas aqui fica para memória futura: “À tarde juntava-se sempre bastante gente, porque a fábrica do tijolo ainda trabalhava. Havia aqui um indivíduo, que por acaso até era da minha criação, que dizia que só pagava para cabrões. Estavam ali uns sete e ele disse ‘se for cabrão podes dar-lhe um copo’. No final perguntou quanto era e todos tinham bebido, e ele disse ‘ah, bebeu tudo, então é uma taberna de cabrões. ” E assim ficou. Com a Ana, “que está nas contas, ao balcão, e foi criada aqui praticamente” com ele, e com o filho, Serafim tornou a Taberna dos Cabrões uma referência. “Até o nosso actual primeiro-ministro veio aqui”, antes de ser chefe do Governo, diz, lembrando o momento que deu até foto no jornal. Mas manter uma casa de onde os clientes saiam sempre felizes não é tarefa fácil. Serafim levanta-se às seis da manhã para garantir produto fresco. “Hoje, eram seis e já estava no mercado abastecedor para retalhistas a escolher o meu produto. Vou lá comprar tudo, não quero que me tragam nada. Ao talho vou todos os dias, porque as coisas acabam. Ali no quadro já devem estar cruzes dos pratos que acabaram, amanhã é tudo fresco outra vez. ” Quando chegou das compras, já era altura de “pôr os ossos ao lume” num prato de Inverno que, “para quem não comer os enchidos, pode-se considerar um cozido light”. Mas o prato mais famoso são as iscas (e, segundo diz Serafim, António Costa é um dos apreciadores). “Vêm pessoas de longe por causa delas. A diferença é que eu corto-as fininhas, se pedir no talho não cortam assim. E são temperadas na hora, não as ponho a marinar, o nosso alho é branquinho por causa disso. E como são muito fininhas, ganham gosto. ”Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. No início, o que sabia fazer na cozinha era desenrascar-se — “eu tinha uns oito anos e já estrelava ovos para mim e para o meu irmão” — mas o gosto foi-se instalando e hoje vai a outros restaurantes e conversa com amigos cozinheiros, sempre a querer aprender mais. “Amanhã era para fazer grão com mão de vaca, mas afinal vai ser um borregozinho à pastor”, promete. Estrada Nacional 119, Km 1, MontijoTel. : 212 320 056Aberto todos os dias, das 10h às 19hÀs vezes, olhando para o movimento à porta, havia quem perguntasse: “Como é que aquela barraca mete tanta gente?”. Serafim faz um sorriso modesto: “Você vê, a casa é humilde, pobre. A gente tenta fazer a diferença. ” Quanto aos cabrões, não é caso para preocupação. “Como diz um cliente nosso, nem todos os que aqui vêm são, mas nem todos os que são vêm, se não era preciso um restaurante daqui até Pias. ” E lança uma das suas sonoras gargalhadas.
REFERÊNCIAS:
Palavras-chave filho homem vaca