Depois do Noma, Artur Gomes cozinha com sangue na guelra
Passou cinco meses naquele que é considerado um dos melhores restaurantes do mundo, onde fez, entre outras coisas, garum de esquilo. Artur acaba de voltar a Portugal e acompanhámos a sua estreia num dos jantares Sangue na Guelra. (...)

Depois do Noma, Artur Gomes cozinha com sangue na guelra
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 | Sentimento 0.0
DATA: 2018-11-30 | Jornal Público
SUMÁRIO: Passou cinco meses naquele que é considerado um dos melhores restaurantes do mundo, onde fez, entre outras coisas, garum de esquilo. Artur acaba de voltar a Portugal e acompanhámos a sua estreia num dos jantares Sangue na Guelra.
TEXTO: Artur Gomes era o menos experiente dos chefs que cozinharam no primeiro de dois jantares Sangue na Guelra, dia 20, no Restaurante Erva, em Lisboa (o segundo aconteceu dia 26 no também lisboeta Prado). Mas essa menor experiência foi inteiramente colmatada pelo enorme entusiasmo com que este jovem de 25 anos cozinhava – e fazia-o em nome próprio pela primeira vez desde que regressou de um estágio de cinco meses no Noma e no Noma Lab, o laboratório de experiências de fermentação do restaurante de Copenhaga, considerado já por quatro vezes o melhor do mundo na lista The World’s 50 Best Restaurants. Como é que essa experiência lhe mudou a cabeça, perguntamos. “A cabeça continua a mesma”, responde com um sorriso. “Consegui foi absorver o máximo de técnicas possível. Sou uma pessoa muito sossegada, muito quietinha, que gosta de ler, vivo agarrado aos livros, passava as horas do almoço a ler jornais. ” A sorte é que David Zilber, o responsável pelo laboratório de fermentação, é o mesmo tipo de pessoa. “O David chegava ao laboratório a ler artigos de física quântica para conversarmos sobre o assunto. Explorávamos ideias como fritar a baixa temperatura”, conta. “Aqueles meses valeram-me como um ano, aprendi imenso. ”Já tinha enviado várias vezes o currículo para o Noma – que recebe constantemente estagiários vindos de todo o mundo – mas, finalmente, este ano foi escolhido. Os primeiros dois meses, passou-os na cozinha de produção e serviço e os restantes três no laboratório. Havia dias de trabalhar oito horas e outros de trabalhar vinte. “Quando comecei era o pico do Verão e tínhamos disponível tudo o que era produto”, recorda. “Estivemos a tornear 6500 alcachofras para o próximo menu de peixe e marisco, preservámos tonelada e meia de cogumelos, fizemos 600 quilos de vinagre de abóbora mais 120 quilos de garum de esquilo. ”Garum de esquilo? Garum é o molho feito a partir das vísceras de peixes fermentadas que os romanos consideravam uma iguaria e que pode ser reproduzido com outros ingredientes. Mas porquê esquilos? “São uma das carnes mais consumidas nos Estados Unidos. O que fizemos foi ver se na Dinamarca os esquilos também eram comestíveis, mas não queríamos servir directamente o animal ao cliente, para não o assustar, para isso já basta o cérebro de pato. Foi assim que desenvolvemos o garum que acabou por ir parar ao menu. ”No início, sobretudo com um dos chefs na cozinha, teve que vencer alguma desconfiança. “Ele era um durão à moda antiga e tivemos alguns choques porque ele pensava que eu era mais um que estava ali para usar o nome do Noma. Mas eu já tinha estado no Celler de Can Roca [Espanha], no Belcanto, e estava ali para aprender mesmo, com o espírito aberto. E tive que provar isso. ”Luke Kolpin, que também veio a Portugal apresentar um snack e um prato no mesmo jantar Sangue na Guelra, é no Noma o responsável pelos estagiários, e braço-direito do chef René Redzepi. Quando conheceu Artur teve a intuição de que ele iria enquadrar-se bem no laboratório. “Parte do meu trabalho com os estagiários não é tanto pôr alguém numa secção porque é preciso mais um par de mãos, tenho que pensar naquela pessoa específica, na forma como ela aprende. ” Com Artur, fez “uma das melhores opções”. A liberdade que existe no Noma para quem prova que está a dar o seu melhor permitiu a Artur contribuir com algumas ideias e desenvolver pelo menos dois produtos que estarão no próximo menu de peixe e marisco: um vinagre de dashi com metade de algas fumadas e um katsuobushi [flocos de carne seca] de rena para ser mais escandinavo”; e uma espécie de molho de soja feito a partir de ervilhas. “O dashi acabou por desenvolver um perfil de aromas muito interessante e provavelmente vamos deixá-lo envelhecer em madeira”, conta, entusiasmado. Quando o encontrámos a preparar o jantar do Sangue na Guelra, Artur tinha chegado há quatro dias do Noma. “Estes pratos foram criados nos últimos 15 dias. Tive o convite [da Ana Músico e do Paulo Barata, organizadores destes jantares com jovens chefs] e comecei a desenvolvê-los, mas foi basicamente uma noite, já tinha algumas coisas pensadas, umas ideias escrevinhadas e disse: porque não?”. Apresentou como snack um xerém de berbigão, em cima de uma base feita também de milho. “Faz dez anos que me mudei para o Algarve e é uma zona que tem tanto para dar, não só do lado do barlavento, onde estão todos os restaurantes com estrelas Michelin, mas do sotavento, que não tem estrela nenhuma mas tem tanto produto e tanto para dar. ” O xerém foi, por isso, uma homenagem. Quanto ao segundo prato, um fígado de tamboril frio coberto de folhas de trevo, com cogumelos, nasceu da preocupação em evitar o desperdício. “Gosto de usar os produtos a 100% e um dos que mais desperdiçamos é o tamboril, porque tem uma cabeça enorme que só é aproveitada para fazer caldo de peixe. Pensei como podia ir mais além, cheguei até a tirar as línguas ao tamboril. Aproveito o fígado, a pele, com que fazemos o crocante, e a bochecha, que é uma carne superválida, mais cara que lombo na Dinamarca. Só não usei a língua porque ia precisar de uma tonelada delas. ”Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. O aproveitamento é uma preocupação que Artur trouxe do Noma – os pratos que Luke apresentou no Sangue na Guelra (incluindo uma deliciosa abóbora com levedura, cogumelos e avelãs) partiram também da ideia de reaproveitar ingredientes parcialmente usados para outros pratos e que seriam descartados. Ao lado de Luke e de Artur cozinharam no Erva Carlos Gonçalves (chef do restaurante anfitrião), Daniel Costa do Alma (de Henrique Sá Pessoa, que acaba de conquistar a segunda estrela Michelin) e Filipe Manhita, chef de pastelaria da Fortaleza do Guincho.
REFERÊNCIAS:
O restaurante mais sustentável do mundo agora tem uma estrela Michelin
António Loureiro fez-se chef em muitas latitudes, mas é em Guimarães que ganha fama. Na manhã seguinte à gala do Guia Michelin, trabalha-se como se nada tivesse acontecido. (...)

O restaurante mais sustentável do mundo agora tem uma estrela Michelin
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 | Sentimento 0.5
DATA: 2018-11-30 | Jornal Público
SUMÁRIO: António Loureiro fez-se chef em muitas latitudes, mas é em Guimarães que ganha fama. Na manhã seguinte à gala do Guia Michelin, trabalha-se como se nada tivesse acontecido.
TEXTO: Vitória é um substantivo de suprema importância para Guimarães. Na língua dos vimaranenses, significa futebol, ou D. Afonso Henriques. No dicionário do chef António Loureiro, que ali nasceu há precisamente 50 anos (feitos em Outubro), passa a ser sinónimo de 2018: o restaurante dele, A Cozinha, foi eleito o mais sustentável do mundo há dois meses. Agora, a mesma casa que abriu no centro histórico acaba de receber uma estrela Michelin – a primeira para Guimarães e logo para um restaurante que praticamente acabou de nascer. "Se estava à espera? Não. Foi uma agradável surpresa", diz António Loureiro ao PÚBLICO, na manhã seguinte à noite do prémio. "O restaurante tem cerca de dois anos, demo-nos a conhecer ao guia [Michelin] há apenas um ano e não estávamos de facto à espera disto", conta. "Tinha esperança? Sim, quem trabalha com paixão tem sempre a ambição de chegar a algum lado. "Foram muitas voltas para chegar a este lado. Aos 20 anos, depois do secundário, pensou na cozinha como uma opção de carreira. Fez a primeira formação e foi logo atirado aos leões. Seguiu-se a escola de Hotelaria do Porto, para ganhar mais conhecimento e aquela confiança com que acabaria por abrir o primeiro restaurante, o Ruínas, nos arredores da cidade que o viu nascer. Foi um projecto que o "entusiasmou muito", mas, apesar de ter "algum sucesso", acabaria por se sentir "muito preso". "Sentia que não evoluía. Precisava de mais formação, de um sem-número de coisas que me estavam a faltar", recorda. Entendeu que chegara a hora de partir. Vendeu o restaurante e arquivou a veia de empresário para se fazer chef noutras latitudes. Foi para o Alentejo, nas Pousadas de Portugal, seguiu para o Algarve, num projecto hoteleiro. Na mala meteu uma ideia – regressar algum dia a Guimarães – e as primeiras memórias culinárias, que ainda hoje o acompanham, "aqueles aromas da salsa, das ervas aromáticas" que se cultivavam em casa da avó e da tia. "Eram os assados, as sopas. "Foi esse património, mais tudo o que se juntou a ele no caminho de regresso ao Norte, que incorporou no ADN do restaurante que recebe uma estrela. Os Natais na casa da avó, "com 40 pessoas, com esses cheiros que inebriavam, com todos aqueles doces, influenciam os sabores" da cozinha de António Loureiro. "Sou muito tradicionalista na forma de comer. Mas o importante é encontrar no prato a essência do produto, do sabor, do receituário, da nossa cultura", explica – e quando diz nossa cultura pensa "em Portugal, mas primeiro no Minho", que é "a grande influência" da vida gastronómica dele. Com novos saberes no bolso, decidiu regressar ao Minho, primeiro a Ofir, depois Braga. Mas o objectivo final era Guimarães, uma cidade que tem mais de 300 mil dormidas turísticas por ano, só em hotéis, e que ganha aqui mais um ponto de atracção e algo que a distingue como destino para o nicho do turístico gastronómico. O mote da casa é "cozinhar o que a Natureza te dá": produtos de época, comprados pelo chef, no mercado municipal e a fornecedores locais. Isso traduz-se numa carta que refresca sabores típicos com técnicas e combinações inovadoras. Nas entradas, um pesto de tomate e manjericão, uma manteiga trufada, azeite do Douro e uma focaccia caseira com alecrim, cavala e foie-gras, uma sopa à lavrador ou rabo de boi com legumes bio. Do mar, há polvo e pimentos (estes em puré) com cebolinhas, pimento padrão e arroz malandrinho, há bacalhau com puré de grão, azeitona, salsa, cebola e ovo, e ainda uma proposta de rodovalho e lagostim acompanhados por couve-flor, molho de espumante e copita. Nas carnes, porco ibérico, e o coelho. Tal esforço estende-se às sobremesas, de entre as quais se destaca a Chila, uma versão desconstruída da famosa torta de Guimarães, que se caracteriza por ser um rico e recheado doce conventual. A receita original é herdada do antigo Convento de Santa Clara e só é conhecida por duas famílias locais, que continuam a produzir as tortas em exclusivo. Na versão de António Loureiro, a torta apresenta a massa, o doce de ovo e chila num formato diferente, com uma sopa de morangos e uma quenelle de gelado de framboesa a dar um toque de acidez necessária que alivia a extrema doçura desta centenária receita conventual. O restaurante alia esta opção por produtos da terra (comum a muitos chefs) a outra tendência actual: uma política de desperdício zero. Todo o trabalho se submete a esse desígnio. "Há um plano para tudo, desde que o produto entra aqui até ao momento em que começa a ser manipulado. Há um plano para as cascas de tomate, para as aparas de cenoura. As sobras do que vai para o prato têm de ter uma segunda vida, não as tratamos como um subproduto. Tem de ser outro produto e de qualidade", explica António Loureiro. E isso fica patente quando vai para a mesa o Coelho da Quinta, que vem acompanhada de uma salsicha da perna que integra as pernas e toda a carcaça do animal. Assim se vê como n'A Cozinha de António Loureiro desperdício zero não é palavra vã – nem marketing. Em Setembro, esta política valeu-lhes o prémio de restaurante mais sustentável do mundo. Numa competição da Green Key, que reúne 2600 restaurantes de 58 países, a concorrência ficou toda para trás. Depois de em 2014 ter sido eleito o Chefe Cozinheiro do Ano (o mais antigo concurso de profissionais de cozinha em Portugal), já se pode falar numa carreira de sucesso?"Acaba por ser bom para mim, para a cidade e para os meus vizinhos do Largo do Serralho", responde o chef. Quem há 20 ou 30 anos morava neste largo, era vizinho de uma garagem de carros. Agora tem um restaurante com estrela Michelin ao lado de casa. "Para nós, tudo é um pouco mais difícil. Numa cidade como Guimarães, acontece tudo mais lentamente. No Porto ou em Lisboa, há mais visibilidade. Aqui temos de fazer todo um trabalho que nas grandes cidades talvez outros fariam por nós", continua. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Por isso, é importante manter-se realista. A equipa não se apoia num investidor, como acontece com outros chefs, e a fama que se adivinha não vai mudar o percurso. A carta actual será mudada para a semana, com uma ementa sazonal dedicada à caça. Os 40 lugares da casa vão continuar a ser os mesmos. "É bom saber que o chef quer continuar a apostar na autenticidade e na sustentabilidade", comenta a responsável do turismo na Câmara de Guimarães, Sofia Ferreira, que ganhou um novo trunfo para promover a cidade. Na manhã seguinte à surpresa Michelin, que levou o chef até Lisboa, o ambiente em Guimarães é calmo, como se nada tivesse acontecido. António regressou ao restaurante meia hora antes de abrir a casa. "Cheguei a horas para o serviço", comenta com um cliente, que o parabeniza. É a manhã de aniversário da mulher de António Loureiro. "Este ano, já não me preocupo com a prenda. "
REFERÊNCIAS:
Entre no Coyo Taco e imagine que está numa rua mexicana
Há mais na comida mexicana para além dos tacos e é com paixão que Alan Drummond fala dos pratos típicos do seu país. (...)

Entre no Coyo Taco e imagine que está numa rua mexicana
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 | Sentimento 0.0
DATA: 2018-11-30 | Jornal Público
SUMÁRIO: Há mais na comida mexicana para além dos tacos e é com paixão que Alan Drummond fala dos pratos típicos do seu país.
TEXTO: Alan Drummond é mexicano, mas estudou gestão hoteleira na Suíça. Andou pelo fine dinning um pouco por todo o mundo, do Dubai a Londres, até que aterrou em Miami. Pelo caminho conheceu Sven Vogtland e Scott Linquist, que também fizeram percursos semelhantes na restauração. Todos sonhavam com comida de conforto, mais do que com o requinte de um restaurante com estrela Michelin. Juntaram-se e criaram o Coyo Taco. Além de três na Florida e de outros dois, um no Panamá e outro na República Dominicana, os sócios juntaram-se à portuguesa Multifood e abriram o seu primeiro restaurante fora do continente americano. Fica no Príncipe Real, em Lisboa. Em Miami, onde o primeiro restaurante foi inaugurado em 2014, em Wynwood, o bairro dos artistas, a música ouve-se alta e o ambiente é descontraído, conta Drummond à mesa do restaurante lisboeta. O convite é para comer com as mãos e, por isso, os pratos vêm em tabuleiros de alumínio que, embora novos, parecem estar já amolgados pelo uso. Os talheres servem apenas para as bowls, insiste. Morada: Rua D. Pedro V, 65, Lisboa Telefone: 210 529 201 Horário: das 12h às 24h (até à 1h, de quinta a sábado) Preço médio: 20 euros Não aceita reservasÉ Drummond quem escolhe o que vamos comer e vai explicando cada um dos pratos – a preocupação em ter os mesmos produtos que na América, como o abacate hass ou o achiote (“uma especiaria do tempo dos incas”, define), pelo que muito do que chega à mesa foi importado. Mas há mais: os cozinheiros portugueses foram fazer formação a Miami e o contacto com Lisboa é para se manter porque os sócios do outro lado do Atlântico querem garantir que o conceito não é adulterado. “Sempre que puder, venho, qualquer desculpa vai servir para voltar”, confessa o mexicano, que está apaixonado pela luz de Lisboa. O nome “coyo” inspira-se no bairro onde cresceu, Coyoacán, na Cidade do México, famoso pelos artistas e pensadores – Diogo Rivera, Frida Kahlo, Trostsky, enumera Drummond. Um sítio onde se caminha pela rua e se podem comer muitas das propostas que nos chegam à mesa como o esquite (milho, alioli de chipotle, queijo, jalapeño e coentros) ou o guacamole. Estas são as entradas. Entre a variedade de tacos propostos, a escolha recai sobre dois: carnitas de pato (pato confitado, michoacan style, salsa serrano, cebola roxa, queijo e coentros) – “em Miami fazemos com porco e na República Dominicana com borrego, mudamos de país para país”, justifica –; e cochinita pibil (porco assado, Yucatán style, achiote, picles caseiros de cebola e habanero, queijo e coentros). Na Flórida, durante três anos seguidos ganharam o prémio de “best taco”, promovido pelo jornal local, o Miami News Times; e também já ganharam pela melhor margarita. Esta é outra aposta do restaurante, os cocktails com os quais se pode acompanhar a refeição, além das cervejas e outras bebidas da região. À mesa chega ainda um burrito (tortilla de trigo, arroz, esmagada de feijão, pico de gallo, queso mixto, queso crema) de Camaron e uma quesadillla (quatro fatias de tortilla de trigo com queso mixto, pico de gallo, salsa chipotle, coentros, queijo e queso crema). As tortilhas são feitas mesmo à nossa frente, aliás, tal como a maior parte dos pratos e das bebidas, uma vez que a cozinha é completamente aberta para a sala, que tem apenas 24 lugares. Durante as eleições intercalares nos EUA, Obama passou por Miami em campanha pelos democratas e esteve no Coyo Taco, orgulha-se Drummond, que lamenta que os republicanos tenham ganho. “Dissemos-lhe que íamos abrir em Portugal”, conta e Obama gostou de saber, acrescenta. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Foi numa ida a Miami que Rui Sanches, CEO do grupo Multifood, conheceu este fenómeno e quis trazê-lo para Portugal. Chegados à Europa, têm ambição para chegar a outras capitais? Drummond responde com um encolher de ombros. “Gostamos de trabalhar com pessoas e não com multinacionais. Conhecemos as famílias com quem abrimos restaurantes no Panamá e na República Dominicana. ” Mas a Multifood é uma empresa com alguma escala, aliás, alguns dos restaurante na zona onde o Coyo Taco abriu pertencem ao grupo, como o Tapisco, o Pesca, o Zero Zero, argumentamos. “Sim, mas conhecemos o Rui”, responde o mexicano. O almoço termina com churros polvilhados com açúcar e canela e que se podem molhar em chocolate mexicano ou cajeta (uma espécie de leite condensado feito com leite de cabra) e um gelado mexicano, paletas, de dulce de leite – há outras variedades, como ananás e hortelã, mousse de lima, ou morango e limão. Drummond já não fica para a sobremesa, ainda tem muita Lisboa para ver antes de, à noite, assistir à atribuição das estrelas Michelin, algo que não deseja para si, confessa. “O México é muito grande, há comida de diferentes regiões e queremos mostrar o melhor de cada uma”, despede-se. A Fugas almoçou a convite do Coyo Taco
REFERÊNCIAS:
Seis lobos-marinhos bebés encontrados decapitados na Nova Zelândia
As crias foram encontradas na península de Banks, perto da cidade de Christchurch, na ilha Sul da Nova Zelândia. Os lobos-marinhos fazem parte das espécies protegidas do país. (...)

Seis lobos-marinhos bebés encontrados decapitados na Nova Zelândia
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 | Sentimento 0.136
DATA: 2018-12-19 | Jornal Público
SUMÁRIO: As crias foram encontradas na península de Banks, perto da cidade de Christchurch, na ilha Sul da Nova Zelândia. Os lobos-marinhos fazem parte das espécies protegidas do país.
TEXTO: Seis lobos-marinhos bebés foram encontrados decapitados na segunda-feira, 17 de Dezembro, numa baía da península de Banks, perto da cidade de Christchurch, na ilha Sul da Nova Zelândia. As crias de 11 meses foram vistas a flutuar na maré de Scenery Nook, uma baía pouco movimentada da península, por um operador turístico de viagens de barco da localidade. Segundo o Departamento de Conservação da Natureza (DOC) do país, os lobos-marinhos terão sido decapitados num local que não aquele onde foram encontrados, antes de serem largados ao mar. Andy Thompson, gerente de operações do DOC, garante que "devido à natureza perturbadora, brutal e violenta deste crime contra as crias bebés indefesas, o acto foi denunciado à polícia que já esteve no local para tentar encontrar o responsável", lê-se no comunicado do departamento, que acrescenta ainda que as cabeças dos mamíferos não foram encontradas. Três das seis crias vão ser autopsiadas na Universidade de Massey e já foi descartada a possibilidade de as mortes terem sido provocadas por um ataque de tubarão. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Segundo as declarações de Andy Thompson no comunicado, o ódio contra estes animais vem do pensamento errado de que estes "consomem grandes quantidades de peixes valorizados na dieta humana" e que, assim, roubam o sustento aos pescadores da área. No entanto, acrescenta, a dieta dos lobos-marinhos "é maioritariamente constituída por peixe-lanterna, uma espécie que não é consumida" pelos humanos. Os lobos-marinhos são uma das espécies protegidas pela Lei de Protecção dos Mamíferos Marinhos da Nova Zelândia e é considerado crime assediá-los, perturbá-los ou prejudicá-los. Já não é a primeira vez que casos semelhantes acontecem naquela zona. Em Agosto deste ano, 41 lobos-marinhos, uma mãe e 40 crias, foram encontrados sem vida na baía de Te Oka, perto de Christchurch. Também na costa de Washington e de Seattle, nos Estados Unidos da América, foram encontradas seis crias de lobos-marinhos com ferimentos de balas e outras sete que morreram por "trauma agudo", relata a NBC News.
REFERÊNCIAS:
Castro Almeida pede "tréguas" para que PSD "não caia num suicídio colectivo"
Vice-presidente do PSD lança apelo a críticos de Rui Rio e acusa António Costa de "arrogância" e "autoritarismo" (...)

Castro Almeida pede "tréguas" para que PSD "não caia num suicídio colectivo"
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 | Sentimento 0.0
DATA: 2018-11-30 | Jornal Público
SUMÁRIO: Vice-presidente do PSD lança apelo a críticos de Rui Rio e acusa António Costa de "arrogância" e "autoritarismo"
TEXTO: Manuel Castro Almeida, vice-presidente do PSD, reconhece que o "ruído" e o clima de "hostilidade" provocado pela guerra de poder dentro do partido está a impedir Rui Rio de fazer passar para a opinião pública as propostas de oposição ao Governo. Em entrevista ao PÚBLICO e à Renascença, que pode ouvir hoje a partir das 12h, lamenta que Santana Lopes tenha saído do PSD por meras questões de "poder". Em Abril, depois de assinar dois acordos com o Governo, dizia-nos que a partir daí o PSD tinha de intensificar a oposição ao Governo. Foi isso que o PSD fez?Manifestamente sim. Há um acentuar de críticas e de formulações alternativas. Basta ver o que se passou com este OE2019. O PSD apresentou mais de 100 propostas alternativas às do PSD. Apresentámos também soluções concretas sobre o problema demográfico, na área da economia e finanças. É bem certo que não há uma percepção pública das propostas do PSD. Em boa medida porque há um problema que ainda não resolvemos que é de ruído interno que dificulta que as nossas propostas passem. Quando se fala de questões internas, não se fala de oposição. Pois, o que se intensificou entretanto foi a polémica interna. Como é que resolverá esse ruído interno?Vou querer contribuir para que as vozes do partido falem mais sobre o Governo e a alternativa ao Governo do que sobre as questões internas. Mas não vou fugir à questão porque ela é importante. É verdade que hoje há um clima de divisão, de confrontação, de divisão, de hostilidade no interior do partido que é excessivo, não é normal. Quase como se houvesse um partido na direcção e outro no Parlamento. Há, de facto, um clima de divisão que prejudica a afirmação do partido, faz ruído e não deixa o partido afirmar as suas mensagens. Este problema tem de ser enfrentado e resolvido. Há dois lados de um conflito e isto só se resolve se os dois lados resolverem aproximar-se. Tem de haver um esforço de aproximação de ambas as partes. O primeiro responsável por garantir a unidade do partido é o presidente e a direcção. Mas também é necessário que do outro lado haja a aceitação plena dos resultados eleitorais. Ele é líder, tem legitimidade, ganhou as eleições. Quando se ganham eleições, há uma legitimidade acrescida. Identifica esse outro lado com o grupo parlamentar?Não vou, de maneira nenhuma, invocar nomes de companheiros meus que na maior parte dos casos estimo. Não está a falar de Miguel Relvas, como dizia David Justino há dias?Não falo de nenhum nome em particular. Falo de companheiros que não se revêem na actual direcção. Têm todo o direito de não se rever, mas têm também o dever de contribuir para que o partido não caia num suicídio colectivo. Isso é dever de todos. É necessário que haja do outro lado um período de tréguas. Porque se não quem perde é o conjunto do partido. Mas Rui Rio parece querer afirmar-se pelo confronto e não pela aproximação. A solução não está na confrontação, mas no diálogo, cooperação entre militantes. Não há no PSD uma fractura ideológica, divisões programáticas. Não há os socialistas e os liberais, não há aqui os inadiáveis. Há pessoas que estiveram na solução ganhadora do congresso e pessoas que não estiveram. Há lutas de poder e afirmações de diferentes estilos e diferentes métodos. Isso torna este processo mais fácil de resolver. Tem é de haver disponibilidade de ambas as partes para o compromisso evitando a confrontação de forma a colocarmos o partido no trilho que nos possa permitir afirmar as nossas propostas. Não diria então como o dr. Rui Rio que quem discorda, deve sair do partido?Rui Rio não disse isso, disse que quem tem divergências estruturais deve sair do partido. Então quem tem divergências estruturais deve entrar no partido? Quem tiver diferenças estruturais deve estar fora evidentemente. Acha que Santana Lopes teve divergências estruturais e que foi por isso que saiu?Vejo com pena a sua saída, mas aqui não houve nenhuma diferença estrutural ou ideológica. Foi um problema de disputa de poder. Não teve o poder dentro do PSD, foi procurar uma alternativa que lhe permitisse estar no poder. Não conheço divergências ideológicas. Como viu o caso das faltas do deputado José Silvano? A seguir têm aparecido outros casos como as falsas presenças de Matos Rosa e Duarte Marques e agora o caso de Feliciano Barreiras Duarte. Acha possível que só os deputados do PSD tenham presenças indevidamente marcadas no Parlamento? Ou tudo isto é só luta a intriga interna social-democrata?Não sei. Só posso dizer que não conheço os factos. Há um inquérito da PGR. Espero que o apuramento dos factos seja breve. Quanto ao princípio, é tudo muito claro: qualquer deputado que falsifique uma presença merece censura. Não há desculpa para uma coisa dessas. Se algum companheiro do meu partido praticou factos que são imputados e que aparentemente não são verdadeiros - estou, aliás, convencido de que não são verdadeiros, no caso, por exemplo, do deputado José Silvano -, era grave. Há pouco disse que o PSD não pode entrar num caminho de suicídio colectivo. Há já quem fale em riscos de desagregação e implosão. Isso preocupa-o?Acredito na linha ideológica do PSD. Este partido não pode nunca acabar. É o que tem melhores condições de conduzir o país a um caminho de sucesso, progresso e justiça social e de voltar a tirar Portugal da cauda da Europa. Não estou receoso da extinção do partido. Mas o país merece e precisa ter um PSD forte. Temos de nos organizar internamente. Se não fosse assim, podíamos correr o risco de deixar que o dr. António Costa tivesse uma maioria absoluta nas próximas eleições. Isso seria gravíssimo. Nestes três anos, fomos ultrapassados por três países da União Europeia: a Estónia, Lituânia e Eslováquia. E o dr. António Costa anda todo bem-disposto a achar que tem resultados fantásticos porque o PIB cresceu 2%. O que é que o PSD acha de António Costa primeiro-ministro? Tratam-no como se fosse um primeiro-ministro razoável. Vou tentar deixar o dr. António Costa mal-disposto sem o agredir ou insultar. Só recordo que anda a apropriar-se de méritos que não tem. Não é bonito. Faz crer que tem um crescimento económico fantástico quando afinal estamos a deixar-nos ultrapassar por outros partidos europeus. Faz crer que está a fazer um trabalho fantástico no défice quando fez um trabalho mínimo comparado com os três mil milhões por ano que Passos Coelho cortou - Costa vai cortar pouco mais de mil milhões. E apresenta-se como o campeão das contas equilibradas. Essa é a maior crítica que faz a António Costa? Este PSD não é demasiado brando com Costa? Rui Rio, no caso da recondução da PGR, deu apoio a qualquer decisão que António Costa viesse a tomar. No caso da comissão parlamentar de inquérito a Tancos, disse que não devia ser questionado. . . O dr. António Costa levanta-se todos os dias de manhã, tendo como grande preocupação continuar a ser primeiro-ministro logo à noite, ou seja, manter-se no poder. Não pensa em transformar o país, tornar o país mais rico, pôr mais dinheiro no bolso das pessoas. Os socialistas não sabem fazer isto, adoram distribuir dinheiro mas criar riqueza não é com eles. Acham que a riqueza cai do céu. Está criada uma ilusão de que as coisas estão a correr bem porque hoje há crescimento e mais emprego do que há seis, sete anos atrás. Não é sério comparar o Portugal de 2018 com o Portugal de 2010, 2011. Temos de comparar o Portugal de 2018 com o resto da Europa em 2018. Aí, todos os países da nossa dimensão cresceram mais do que nós. E se calhar vamos ficar apenas com a Roménia, a Bulgária e talvez a Grécia atrás de nós. O dr. António Costa anda com um ar sorridente e bem-disposto porque tem os portugueses iludidos. Ele contenta-se com muito poucochinho. Crescemos 2% e ele acha fantástico. A avaliar pelas sondagens, as pessoas também se contentam porque o PS está a crescer. O jogo de comunicação do Governo é muito mais poderoso do que o dos partidos da oposição. O PSD, por culpa nossa, não tem conseguido explicar isto às pessoas. Quando os portugueses interiorizam esta realidade, pensam duas vezes e ficam abananados. A dívida pública subiu 19 mil milhões de euros mas o dr. António Costa faz crer que baixou porque baixou na sua relação com o PIB. É uma forma habilidosa - ele, de facto, é um artista, é muito talentoso porque é um artista a iludir as pessoas. Como se derrota um artista?Falando verdade. Mostrar o que está mal e mostrar propostas alternativas. As coisas não estão a correr de forma fantástica mas não está nada perdido. Só depende de nós. Falta saber se temos pessoas capazes de se entender para afirmar esse caminho. Isto é a pescadinha de rabo na boca. Enquanto não houver condições, não se apresentam propostas. Enquanto não se apresentam propostas de governação do país, não há condições internas. Temos de trabalhar nos dois lados. Mas quando o PSD apresentou propostas para este OE também não houve pacificação mas até muitas críticas por parte do grupo parlamentar. Tenho muito orgulho na forma como o grupo parlamentar lidou com este OE. Concordou com a "taxa Robles"?Deixe-me ser franco: não a conheço suficientemente para poder pronunciar-me sobre ela. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Acha que vai de facto haver nova negociação entre Governo e os professores?Se não houver nova negociação não estará a ser cumprido o mandato do Parlamento. Será mau e um erro do Governo. Quero apelar a que ambas as partes saiam da posição de intransigência em que estiveram. Não é caminho. Os nove anos não têm que ser uma vaca sagrada, nem o Governo deve ficar pelos dois anos. Há caminhos intermédios que passam pelo estatuto da carreira docente e pela aposentação. O Governo está com tiques de autoritarismo que se calhar o vão recusar a sentar-se à mesa com os professores. Isso é muito mau. Se ele, sem maioria absoluta, já está com esta arrogância, tem o rei na barriga, parece que sabe tudo, então o que seria António Costa com maioria absoluta?No orçamento, que é aprovado esta quinta-feira, o PSD teve comportamentos irregulares: esteve ao lado da esquerda na questão dos professores e do BE na "taxa Robles"; juntou-se ao Governo para impedir alterações no IRS, por exemplo. Os eleitores percebem a posição do PSD?Há uma mensagem forte que é a valorização das empresas no desenvolvimento do país. Já foi governante, mas também já foi autarca. Como está a ver o caso de Borba? O autarca já se devia ter demitido? Está a ser poupado pelos outros partidos por ser um independente eleito por um movimento?O fenómeno de Borba é um pequeno fenómeno com consequências dramáticas no meio de uma grande avalanche de desconsideração pelas infra-estruturas. Sou a favor primeiro do apuramento de factos. Se os factos forem o que parece que são, [o autarca] não terá nenhumas condições [para se manter no cargo].
REFERÊNCIAS:
O que há em comum entre um exoesqueleto e o défice cognitivo na doença de Alzheimer?
Projecto que explora um exoesqueleto controlado pela actividade cerebral para reparar lesões vertebro-medulares e estudo sobre proteínas tóxicas no envelhecimento e na doença de Alzheimer são os dois vencedores dos Prémios Santa Casa Neurociências 2018, no valor total de 400 mil euros. (...)

O que há em comum entre um exoesqueleto e o défice cognitivo na doença de Alzheimer?
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 | Sentimento -0.3
DATA: 2018-11-30 | Jornal Público
SUMÁRIO: Projecto que explora um exoesqueleto controlado pela actividade cerebral para reparar lesões vertebro-medulares e estudo sobre proteínas tóxicas no envelhecimento e na doença de Alzheimer são os dois vencedores dos Prémios Santa Casa Neurociências 2018, no valor total de 400 mil euros.
TEXTO: A equipa liderada por Luísa Lopes, do Instituto de Medicina Molecular João Lobo Antunes (em Lisboa), quer avançar no campo da doença de Alzheimer com um passo atrás. Ou seja, o projecto que agora ganhou o Prémio Mantero Belard, no valor de 200 mil euros atribuído pela Santa Casa de Misericórdia, vai focar-se nas etapas mais precoces de uma proteína que acaba por se revelar tóxica no cérebro dos doentes com Alzheimer. O estudo de Nuno Sousa, investigador na Universidade do Minho, que ganhou 200 mil euros com o Prémio Melo e Castro, quer melhorar um exoesqueleto concebido para reabilitação de doentes com lesões vertebro-medulares somando-lhe a capacidade de sentir as variações da temperatura, além do táctil, visual e auditivo. São os dois vencedores da sexta edição dos Prémios Santa Casa Neurociências 2018. Luísa Lopes propõe uma nova abordagem para atacar a doença de Alzheimer que passa por detectar os sinais mais precoces da transformação de uma determinada proteína que, na fase de doença, adquire uma versão tóxica para os neurónios, de uma forma fatal e irreversível. Em vez de estudar a fase em que os neurónios morrem com a proteína tóxica, os investigadores vão centrar-se nas etapas anteriores, ou seja, quando funciona normalmente e quando começa a fazer “apenas” os primeiros estragos ainda ao nível das sinapses. “Os ensaios clínicos e as novas terapias para Alzheimer têm falhado, 99% das terapias têm falhado”, começa por referir Luísa Lopes, explicando que as tentativas têm estado centradas no desenvolvimento de anticorpos capazes eliminar as placas de beta-amilóide no cérebro dos doentes, para agir na fase destrutiva da proteína. Assim a equipa deu um passo atrás. “Já sabemos que estas proteínas ficam tóxicas, tem a ver com problemas de processamento nas células ao longo do envelhecimento, mas queremos perceber melhor o que acontece a essas proteínas no envelhecimento, numa fase anterior à doença. Queremos saber qual é a sua função desde o desenvolvimento embrionário até ao envelhecimento”, explica a investigadora ao PÚBLICO. O projecto começou há três anos e a equipa, que envolve também cientistas do Instituto de Farmacologia e Biologia Molecular de Valbonne (França), já sabe que esta proteína (chamada APP) e que é precursora da beta-amilóide (que depois forma os agregados ou placas nos cérebros de doentes com Alzheimer) desempenha um papel importante na regulação da comunicação neuronal. “Sabemos que ela tem funções sinápticas porque quando a tiramos há desregulação. Mas não sabemos exactamente o que faz”, diz. Mas já existem algumas suspeitas. O trabalho levanta a hipótese de que a APP terá algum tipo de interacção com uns receptores (chamados NMDAR) que funcionam como uma espécie de porta de entrada de cálcio nos neurónios. “A nossa hipótese é que esta proteína regula o NMDAR que, por sua vez, regula os níveis de cálcio. O facto de ela estar desregulada leva a alterações e a défices cognitivos, quando ela está desregulada nas áreas que são responsáveis pela memória”, diz Luísa Lopes. Assim, antes da sua fase tóxica em que mata neurónios, a proteína fornecerá alguns sinais de desregulação nas comunicações entre neurónios e, especificamente, no “circuito” de cálcio que alimenta as células. Nesse caso, há aqui um novo alvo terapêutico? Será possível agir mediante estes alertas e antes que a proteína adquira a sua forma tóxica? Esse é o plano. “O nosso objectivo é perceber quando é que acontece esta modificação, quando passamos de uma disfunção precoce para a morte do neurónio. Achamos que aqui teremos uma janela terapêutica. Se soubermos mais sobre este processo, que é precoce, obviamente conseguiremos ter melhores alvos terapêuticos. ”Mas para agir mais precocemente é preciso um diagnóstico precoce. E aí entra uma nova tecnologia (que não foi desenvolvida por esta equipa) que permitirá obter as “assinaturas sinápticas” dos neurónios a partir de uma simples amostra de células de pele. “Esta tecnologia permite transformar as células da pele em neurónios e assim podemos ter acesso às células de pacientes de uma forma não invasiva. Assim, consegue-se manter a assinatura do envelhecimento nos neurónios ao contrário da técnica das células estaminais pluripotentes induzidas que implicam um rejuvenescimento. Vamos ver se o que vamos registar nas pessoas envelhecidas é o mesmo que estamos a ver nos modelos animais”, adianta Luísa Melo. Se a equipa conseguir detectar a fase pré-tóxica desta proteína, através da desregulação nas entradas de cálcio ou outros sinais, será então necessário pensar em formas de agir e prevenir o pior. Nuno Sousa desenvolve o seu trabalho em colaboração de outras entidades como o Instituto Santos Dumont (no Brasil), o Hospital Senhora da Oliveira em Guimarães e a Universidade Católica Portuguesa. O título da proposta vencedora é “Exosqueleto controlado por actividade cerebral para reabilitação vertebro-medular”. No resumo, os investigadores explicam que em estudos anteriores a equipa conseguiu “induzir a recuperação parcial de movimentos e percepção táctil em pacientes com lesões vertebro-medulares após o treino prolongado com um exoesqueleto controlado por actividade cerebral (medida através de electroencefalografia) que incluía feedback táctil e realidade virtual”. Segundo explicam, a melhoria “sensoriomotora” deveu-se à “integração de sinais motores e percepção multissensorial” associadas à vontade do paciente. Nuno Sousa explicou ao PÚBLICO que o exoesqueleto usado no projecto foi desenvolvido por uma empresa e é utilizado em programas de reabilitação mas sobretudo para a recuperação da parte motora. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. “A ideia aqui é melhorar o exoesqueleto que pode ser controlado por sinais de EEG, dando informação térmica e táctil ao paciente e fazendo um esforço para que tenha informação sensorial, combinada com informação visual e formação auditiva e melhor controlo dos sinais electrocefalográficos. ” O peso da ajuda que o exoesqueleto pode representar na recuperação depende do tipo de lesão do doente e não vale por si só, surgindo sempre como complemento num programa mais vasto de reabilitação. Mas Nuno Sousa refere que os resultados obtidos permitem já concluir que “há alguma recuperação plástica do sistema nervoso, alguma recuperação motora e sensorial”. A equipa espera que a recuperação parcial das lesões possa ser acelerada se os sinais de feedback forem enriquecidos com informação sobre a temperatura, coerente com os restantes estímulos. “Gostávamos de melhorar a incorporação dos sinais e fazendo com que o doente se sentisse melhor e tivesse uma sensação mais integral da sua recuperação”, diz Nuno Sousa. Esta estratégia não consegue devolver ao doente os estímulos sensoriais que possa ter perdido mas contorna o défice sensorial enviando informações (sinais) para zonas do corpo acima da lesão. O upgrade vai implicar um novo esquema de treino que até agora incluía um exoesqueleto controlado por actividade cerebral (EEG), realidade virtual, e feedback táctil. Os investigadores querem, por exemplo, treinar pacientes a controlar um avatar (com a representação das suas pernas) através da modulação do sinal de EEG enquanto recebem feedback táctil, visual, auditivo e térmico. Outro dos exercícios passa por colocar doentes de pé “durante a reabilitação com marcha roboticamente assistida enquanto recebem o feedback”. Os Prémios Santa Casa Neurociências, criados em 2013, representam um investimento anual de 400 mil euros, e têm como objectivo a promoção de investigação científica em duas grandes áreas da actuação da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa: a recuperação de lesões vertebro-medulares e o tratamento de pessoas com doenças neurodegenerativas, associadas ao envelhecimento.
REFERÊNCIAS:
Decorações da Casa Branca voltam a ser alvo de chacota
As árvores encarnadas suscitaram comparações à Rua Sésamo, Handmaid's Tale e The Shining. (...)

Decorações da Casa Branca voltam a ser alvo de chacota
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 | Sentimento 0.0
DATA: 2018-11-30 | Jornal Público
SUMÁRIO: As árvores encarnadas suscitaram comparações à Rua Sésamo, Handmaid's Tale e The Shining.
TEXTO: A Casa Branca revelou esta semana imagens das decorações de Natal, voltando a suscitar uma série de piadas. Como é costume há várias décadas, a decoração é da responsabilidade da primeira-dama. Melania Trump encheu um corredor com 40 árvores altas e encarnadas e declarou "American Treasures" como tema oficial dos enfeites natalícios. A Internet respondeu com chacota. A Casa Branca apresentou as decorações aos jornalistas e lançou um vídeo de um minuto a mostrar as várias salas e corredores. Foram usados ao todo mais de seis mil metros de luzes de Natal, 12 mil laços e 14 mil ornamentos (alguns com o slogan da campanha de anti-bullying de Melania, Be Best), instalados ao longo de vários dias com a ajuda de 225 voluntários. Já a árvore oficial, na Blue Room, mede 5, 49 metros. "A escolha do encarnado é uma extensão das riscas que se encontram no selo presidencial desenhado pelos nossos fundadores. É um símbolo de valor e bravura", explica a primeira-dama, citada pelo Washington Post. Não tardaram a chegar os memes. Alguns colocavam chapéus brancos no topo das árvores, em alusão à adaptação do livro Handmaid's Tale, de Margaret Atwood, ao pequeno ecrã. Outros comparavam as árvores ao monstro Elmo, da Rua Sésamo. Houve quem lembrasse ainda o jogo fictício The Cones of Dunshire, da série Parks and Recreation. As referências ao The Shining são uma constante. Se no ano passado o corredor de árvores brancas levou muitos a considerar o cenário equiparável ao de um filme de terror e alguém a lembrar-se de sobrepor uma imagem da personagem Jack Nicholson no final do filme; este ano a escolha da cor vermelha resultou na frase "all work and no play makes Melania be best". Também não faltou o meme com as duas gémeas no corredor. Não esquecer que a Casa Branca tem uma sala chamada Red Room — que Melania decorou com coroas feitas de lápis com o logo Be Best. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Segundo o Washington Post foi Jacky Kennedy quem começou a definir temas para as decorações de Natal da Casa Branca. O primeiro, em 1961, foi "Nutcracker Suite", repleto de elementos do icónico bailado de Tchaikovsky, o Quebra Nozes. Nancy Reagan chegou a escolher o tema "A Musical Christmas". Hillary Clinton inspirou-se na oficina do Pai Natal, "Santa's Workshop". Durante o mandato de Obama, os cães da família, Sunny e Bo, apareceram várias vezes ilustrados nas decorações.
REFERÊNCIAS:
Partidos BE
Exílios da memória: progresso e nostalgia
Uma deambulação pelos rios e lagos suíços que acolheram músicos, escritores e filósofos nos seus exílios. Wagner, Sebald, Mann, St. Gall, Nietzsche. Lugares que revelam a confluência da fé no progresso com a nostalgia pela tradição. (...)

Exílios da memória: progresso e nostalgia
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 | Sentimento 0.0
DATA: 2018-11-30 | Jornal Público
SUMÁRIO: Uma deambulação pelos rios e lagos suíços que acolheram músicos, escritores e filósofos nos seus exílios. Wagner, Sebald, Mann, St. Gall, Nietzsche. Lugares que revelam a confluência da fé no progresso com a nostalgia pela tradição.
TEXTO: Na terceira parte da viagem rumamos a norte, passando pelos lagos da Suíça germânica e pelas várias paisagens que influenciaram os exílios de músicos, filósofos e escritores. Partimos do Grimselsee, exploramos a bacia hidrográfica do Reno, passando pelas abadias medievais do lago Constança, seguimos até aos sanatórios de Davos, terminando em Sils, no vale do Engadin. Este percurso permite-nos reflectir sobre o papel da arte como expressão da identidade colectiva durante o século XIX, encontrar lugares de preservação da memória cultural, de desenvolvimento tecnológico em nome da pátria e paisagens que inspiraram reflexões sobre a história e a cultura. Estes lugares revelam as tensões entre a procura de uma identidade cultural colectiva materializada nas ideias de autenticidade e tradição — kultur — e a construção de uma identidade individual — bildung. Percorremos o curso do rio Aare em direcção ao mar do Norte, passando por inúmeras barragens e reservatórios até encontrar o rio Reuss, que seguimos até às margens do lago Lucerna. Neste lago rodeado de montanhas azuladas — Rigi e Pilatus —, há uma península onde encontramos a Villa Tribschen, a casa onde Richard Wagner viveu entre 1866 e 1872, os sete anos do seu segundo exílio suíço. Foi Luís II da Baviera que financiou a estreia de Tristão e Isolda na Ópera de Munique em 1865 e patrocinou a estada em Tribschen de Wagner e Cosima — filha do compositor Franz Liszt. Foi neste momento que Wagner retomou o trabalho da tetralogia O Anel do Nibelungo, que estava suspenso desde 1857, e iniciou o último capítulo da sua carreira que culminaria em Bayreuth. Da margem do lago, subimos uma colina até à Villa Tribschen, com o perfil do monte Pilatus ao fundo. Nas salas encontramos o piano Erard — que o acompanhou desde Veneza a Bayreuth —, pautas manuscritas, aguarelas e uma lista de visitas onde constam Gottfried Semper — o arquitecto da Ópera de Dresden — e Friedrich Nietzsche. Nietzsche visitou Wagner pela primeira vez em 1869 e a partir daí desenvolveram uma amizade fundada numa admiração mútua pela obra do filósofo Arthur Schopenhauer. Foi depois de ler O Mundo como Vontade e Representação (1819) que Wagner suspendeu o trabalho em O Anel do Nibelungo e em 1858 compôs Tristão e Isolda com novas ideias sobre a música. Subimos ao segundo andar, onde estavam os quartos de Cosima e dos convidados. Nietzsche visitava tão regularmente o compositor que tinha o seu próprio quarto. Da janela aberta vimos o perfil do monte Rigi a leste, tão azul como na aguarela The Blue Rigi (1842) de J. M. W. Turner. Os diálogos de Nietzsche com Wagner conduziram à escrita de O Nascimento da Tragédia a partir do Espírito da Música (1872). Para Nietzsche, a música de Wagner dava acesso ao “arrebatamento que resulta do colapso do principium individuationis” de onde “vislumbramos a essência do Dionisíaco, que nos é revelado pela analogia da embriaguez”. Nietzsche foi voluntário na Guerra Franco-Prussiana (1870-71), apesar de ter renunciado à sua cidadania prussa no ano anterior. Como professor de Filologia em Basileia e residente na Suíça — um país neutro —, foi apenas autorizado a participar como paramédico. Passou uma semana na frente de guerra, tendo sido dispensado por doença no dia 2 de Setembro, na Batalha de Sedan — o mesmo dia em que Napoleão III se rendeu. Em Lucerna, visitámos o Bourbaki Panorama, uma pintura com 112 metros de perímetro, que representa um importante episódio da Guerra Franco-Prussiana, a rendição das tropas francesas, comandadas pelo general Charles Bourbaki, na fronteira entre a França e a Suíça. Este panorama foi pintado por uma equipa liderada por Édouard Castres — que tinha testemunhado o conflito como voluntário da Cruz Vermelha. A pintura representa o cansaço, o desânimo e as privações dos soldados, que depois de entregarem as suas armas recebem ajuda antes de serem colocados em comboios como prisioneiros de guerra. Nota-se a diferença entre o lado sombrio de França — de onde emergem as tropas — e o lado suíço — onde uma aurora clara assinala a paz e as protecções garantidas pela Convenção de Genebra. Sem oposição, as tropas alemãs cercaram Paris. Em Janeiro de 1871, o chanceler Otto von Bismarck conduziu a Proclamação do Império Alemão e do kaiser Guilherme I, na Sala dos Espelhos em Versalhes — sob o tecto que celebra as vitórias de Louis XIV no Reno — consumando a unificação dos reinos e principados que faziam parte da Confederação Germânica. A propósito desta vitória, Nietzsche reflectiu em 1872: “Das consequências que decorreram da guerra recente com França, talvez a mais grave seja um erro largamente difundido: [que para além do Exército] também a cultura alemã foi vitoriosa nesse conflito e, portanto, deve ser coroada de louros. ”É no contexto da unificação germânica que Wagner termina a composição da música dos últimos dois capítulos de O Anel e procura apoio para construir um teatro onde possa criar um festival — à semelhança dos festivais dionisíacos de Atenas — e apresentar o ciclo completo da sua tetralogia, o primeiro dos quais tem lugar em Bayreuth, em 1876. A origem de O Anel é um poema medieval — Nibelungenlied — esquecido durante vários séculos até ser recuperado em 1755. Goethe não lhe deu importância, mais tarde Friedrich Schlegel admirou-o e gradualmente transformou-se num épico nacional. Em 1848, quando um jornal de música incentivou a criação de uma ópera baseada em Nibelungenlied, Wagner respondeu com o libreto de Siegfrieds Tod, que acabou por ser utilizado para o último capítulo do ciclo. Wagner parece personificar uma descrição do seu texto Was ist Deutsch? (1865): “Na sua alta torre erguida até às nuvens (. . . ) mantém vivos os feitos dos antepassados e tece os mitos dos deuses da nação numa teia infindável de sagas. ”Durante o tempo que passou em Dresden, onde era kappelmeister (mestre de capela), Wagner já tinha composto uma ópera baseada numa narrativa medieval, Tannhäuser, estreada em 1845 no teatro projectado por Semper. A abertura e o primeiro acto mostram o fim dos sete anos que o bardo medieval Tannhäuser passou em dissolução dionisíaca na Venusberg — a montanha onde reside Vénus. Anos depois, Semper e Wagner participaram na revolta de Maio de 1849 em Dresden — o arquitecto construiu barricadas e o músico encomendou granadas —, cujo fracasso resultou no exílio de ambos. Wagner escapou para Zurique e não assistiu à estreia de Lohengrin em Weimar, dirigida por Franz Liszt, para comemorar o centésimo primeiro aniversário de Goethe. Lembramo-nos das palavras de Goethe: “A literatura nacional é agora [1828] um termo sem significado; a época da literatura do mundo aproxima-se e todos devemos apressar a sua chegada. Mas, enquanto valorizamos o que é estrangeiro, não nos devemos confinar a nenhum modelo em particular. Não devemos dar esse valor à China, à Sérvia, a Calderón [de la Barca] nem a Nibelungen. ”Saímos de Lucerna, passamos por Zurique a caminho de Reichenau, uma ilha do lago Constança que marca o início do Reno alemão. Aí houve um importante centro de produção de manuscritos e de bibliotecas entre os séculos XI e XII. A hagiografia de St. Gall foi escrita por monges beneditinos de Reichenau e conta a sua viagem desde a Irlanda subindo o Reno, passando pelo reino dos burgúndios — onde se centra a acção de Nibelungenlied —, até construir o seu eremitério nas margens do lago Constança. Deixamos Reichenau e seguimos o percurso deste monge irlandês ao longo do lago até St. Gallen. É na biblioteca da Abadia de St. Gall que está guardado o mais antigo dos raros manuscritos de Nibelungenlied — o manuscrito B. Durante a Reforma Protestante, no iconoclasmo de 1528, a abadia foi parcialmente destruída — a colecção da biblioteca foi preservada — e foi construído um muro que a separou da cidade de St. Gallen, que se tinha desenvolvido à sua volta nos últimos oito séculos. A importância das bibliotecas monásticas para a preservação da memória cultural europeia não deve ser esquecida. Foi na biblioteca da Abadia de St. Gall que Poggio Bracciolini redescobriu em 1414 o manuscrito de De Architectura, de Vitrúvio, um tratado cujo impacto cultural se fez sentir desde o Renascimento até hoje. Do espaço desta biblioteca medieval já só resta a memória, o que podemos visitar hoje é uma sala barroca com elegantes estantes de madeira. Estavam em exposição uma série de manuscritos medievais irlandeses, um dos quais os evangelhos de St. Gall, aberto numa página com uma figura de braços abertos, pintada em tons de terra de Siena e vermelho de Veneza. Visitámos a igreja da abadia, reconstruída no século XVIII, que nos lembra as igrejas barrocas de peregrinação, como a igreja de Wies, assim como o tecto da Residência de Würzburg (ambos na Alemanha), pintado por Tiepolo. Durante o seu exílio na Suíça, Wagner fez várias caminhadas pelos Alpes e nós seguimos uma das suas visitas ao Seealpsee — um pequeno lago nos Alpes Appenzell. Subimos pelo vale seguindo um rio, passamos por prados verdes com pinheiros escuros, acompanhados por uma música intermitente que ocupava todo o vale com uma sonoridade esparsa e abstracta — entre Arvo Pärt e Steve Reich —, criada pelos badalos dos animais que pastavam nas encostas e parecia marcar a entrada para um lugar mágico. O pequeno lago, enquadrado pelos cumes do Säntis e Altenalp Türm parece uma pintura romântica e evoca a cenografia das encenações da Venusberg no Tannhäuser de Wagner. Baudelaire assistiu à apresentação desta ópera em Paris em 1861 e escreveu: “A radiosa Vénus antiga, a Afrodite nascida da espuma branca, não atravessou impunemente a escuridão horrífica da Idade Média (. . . ) ela retirou-se para o fundo de uma caverna, magnífica, é certo, mas iluminada por chamas que não são as do benevolente Apolo. Os poemas de Wagner (. . . ) partilham intensamente o espírito romântico (. . . ) e assemelham-se às grandes visões que a Idade Média apresentava sobre as paredes das suas igrejas ou tecia nas suas magníficas tapeçarias. ”As árvores à beira do lago, com as suas raízes contorcidas sobre as rochas, harmonizadas com a cor da pequena igreja, transportam-nos para as florestas primevas desenhadas por Otto Hunte para a cenografia de Os Nibelungos — A Morte de Siegfried (1924), de Fritz Lang. Este filme é baseado em Nibelungenlied, e como o poema está dividido em duas partes. A primeira conta a história de Siegfried, um príncipe da região do Reno que se aventura pelo reino dos burgúndios — governado por Gunther — e onde acaba por morrer. A segunda parte conta a história da vingança de Kriemhild — a sua mulher e irmã de Gunther —, que massacra todos os responsáveis pela morte de Siegfried. Lang realizou as duas partes do épico, seguindo o argumento de Thea von Harbou, sua mulher, em cinco inebriantes horas de paisagem, morte e vingança. As peripécias narrativas são absurdas, mas a cenografia cria quadros surpreendentes, de inspiração medieval reinterpretada de um modo modernista. Recorda-nos as fantasias de Schlegel em Fundamentos da Arquitectura Gótica (1803): “O Reno é aqui mais belo, animado no seu curso por (. . . ) rochedos suspensos e castelos arruinados, parece uma pintura, a criação intencional de um génio artístico. ”Quando Lang foi a Nova Iorque apresentar a estreia de Os Nibelungos, a cidade revelou-lhe o imaginário do seu próximo filme, Metropolis (1927), em que voltou a colaborar com Von Harbou e Hunte. O filme representa uma distopia futurista e tecnológica onde máquinas voadoras atravessam os desfiladeiros criados por arranha-céus e uma sociedade que parece materializar as proféticas palavras que Jacob Burckhardt — colega de Nietzsche em Basileia — escreveu em 1870: “[A máquina militar] vai tornar-se o modelo da existência. (. . . ) De todas as classes, os trabalhadores vão sofrer as transformações mais estranhas; (. . . ) uma pobreza planeada e controlada, com promoções e uniformes, começando e acabando diariamente ao som dos tambores é o que deve logicamente seguir-se. ”Estes dois filmes de Lang revelam a tensão, que animava a república de Weimar (1919-1933), entre a alienação da vida na sociedade industrial moderna e a nostalgia que busca a autenticidade nos mitos fundadores e na tradição. Contornamos o lago Constança — Bodensee — passando por pomares de macieiras e vinhas. Chegamos a Friedrichshafen ao anoitecer, uma cidade banal na margem norte do lago, onde foi fundada a Luftschiffbau Zeppelin GmbH, um centro industrial de design e fabrico de dirigíveis. O conde Ferdinand Adolf von Zeppelin, oficial na Guerra Franco-Prussiana, começou a desenvolver a ideia deste meio de transporte em 1874, o seu primeiro dirigível LZ 1 voou sobre o lago Constança em 1900, e as ligações comerciais regulares entre Berlim, Munique e Friedrichshafen começaram em 1910 — a primeira companhia aérea comercial. Visitámos o Zeppelin Museum, que celebra a engenharia e o progresso e se situa na antiga estação ferroviária do porto de Friedrichshafen — um edifício modernista, inaugurado em 1933, com uma torre de relógio e longas varandas horizontais. Entramos numa reconstituição do interior do famoso LZ 129 Hindenburg — o “navio dos céus” —, que servia para atravessar o Atlântico luxuosamente e que acabou em chamas em 1937 numa das mais mediáticas tragédias da aviação. Durante a I Guerra Mundial, os zeppelins passaram a ser usados em bombardeamentos de várias cidades europeias, como Paris e Londres. Os primeiros bombardeamentos no Reino Unido, em 1915, atingiram Norfolk e Lowestoft — a área que W. G. Sebald explora em Os Anéis de Saturno (1995). É a pensar em Sebald que seguimos para leste até aos Alpes Algäu, na direcção de Wertach — W. em Vertigo (1990) — uma pequena vila onde o autor nasceu e é o foco do quarto capítulo de Vertigo — Ritorno in Patria, o regresso do exílio — onde descreve a sua caminhada entre o posto fronteiriço de Oberjoch, na fronteira austro-alemã, e Wertach. Quando chegamos, procuramos o Engelwirt, a estalagem onde Sebald viveu durante a sua juventude — um edifício no “estilo pseudo-alpino que se tornou o novo vernacular” —, onde almoçamos no pequeno restaurante sob uma enorme árvore. Decidimos apanhar o autocarro até Oberjoch e regressar a pé até Wertach. Na vila deserta, esperamos pelo autocarro enquanto estudamos o mapa do percurso que hoje tem o nome de Sebaldweg. Iniciamos esse caminho ao fim da tarde, passando pelos lugares que o autor descreve. Paramos debaixo das últimas árvores antes dos prados de Krummenbach, onde Sebald ficou longamente a observar “da escuridão, a neve branca acinzentada a cair e o seu silêncio extinguindo completamente a pouca cor pálida que havia nesses campos desertos”. Aproximamo-nos da pequena capela onde não cabem mais de uma dúzia de pessoas. Sebald faz uma meditação sobre as pinturas modestas desta igreja e as pinturas espectaculares de Tiepolo na residência de Würzburg, assemelhando a dedicação e o esforço de ambos os artistas apesar da diferença dos resultados: “Pensando sobre o pintor de Krummenbach que, talvez no mesmo Inverno, trabalhou tão arduamente para representar as 14 estações da Via Crucis, como Tiepolo no seu magnífico fresco. ”Continuamos o caminho passando por pequenos teleféricos abandonados até ao próximo Inverno, que pontuam a paisagem numa área principalmente agrícola, como o ar pungente indica. O processo de síntese do amoníaco, descoberto pelo químico Fritz Haber em 1908, levou à produção de fertilizantes artificiais e revolucionou a produção agrícola mundial, valendo-lhe o Prémio Nobel da Química em 1918. Durante a I Guerra Mundial, Haber liderou o desenvolvimento de armas químicas para o Exército alemão, tendo sido o oficial que conduziu o primeiro ataque com gás de cloro durante a Segunda Batalha de Ypres, na Bélgica. Milhares de soldados sofreram uma morte lenta e dolorosa, que Haber celebrou como um sucesso, pois a sua máxima era: trabalhar “em tempo de paz para a humanidade, em tempo de guerra para a pátria”. Depois da guerra, Haber continuou as suas investigações no Kaiser Wilhelm Institut, entre as quais, desenvolvendo o insecticida Zyklon A. Em 1933, abandonou as suas funções como director do instituto e foi forçado a sair da Alemanha — por ser de origem judaica. O gás usado nos campos de extermínio durante a II Guerra Mundial — Zyklon B — foi uma variante desenvolvida a partir das suas pesquisas. Ao anoitecer, chegamos finalmente à serração e ao início da Alpenstrasse, onde Sebald permaneceu “durante muito tempo na ponte de pedra a pouca distância das primeiras casas de W. , a ouvir o murmúrio constante do rio e olhando a escuridão que cobria tudo”. Chegamos a Wertach e passamos pela casa onde Sebald nasceu, com dois murais que decoram a sua fachada, numa minúscula praça sombria. No dia seguinte, partimos cedo, passamos o posto fronteiriço de Oberjoch para a Áustria, procurando o vale do rio Inn. Passamos o Fern Pass, seguimos o curso do rio até à fronteira da Suíça, entrando no cantão de Grisons. Nesta área, os nomes da cidades — Scuol, Guarda — e das montanhas — Piz Buin — têm uma sonoridade familiar, pois a língua romanche, uma das línguas oficiais, tem raízes latinas. Dirigimo-nos para Davos através do Flüella Pass, onde a paisagem se transforma, ficando mais dramática. Paramos para ver o vale de Piz Vadret, onde a beleza é terrena, mas estranha e vazia. Os cumes de Schwarzhorn e Wisshorn parecem guardar a entrada de um lugar quimérico, no entanto esta sensação dissipa-se quando chegamos a Davos, que partilha a vulgaridade opulenta de certas cidades suíças. Foi aqui que, em 1912, Thomas Mann visitou a sua mulher, Katia, no Wald Sanatorium. Nesse ano, Mann começou a trabalhar em A Montanha Mágica (1924), mas foi interrompido pela I Guerra Mundial, um período que passou a escrever Reflexões de Um Apolítico (1918) — publicado no mês em que a Alemanha se rendeu. As suas ideias são surpreendentes, inesperadas para um leitor contemporâneo. Mann afirma que “o espírito nacional fala através de [si]” quando diz que “a tradição germânica é cultura, alma, liberdade, arte e não civilização, sociedade, direito ao voto, e literatura”. Se é verdade que Mann eventualmente repudiou estes textos, eles permanecem como um testemunho da sua posição durante a guerra. Depois disso, passou seis anos a reescrever A Montanha Mágica, que foi publicado em 1924, no mesmo ano de Die Nibelungen, de Lang. No centro de Davos apanhamos o funicular para Schatzalp, um hotel que Mann descreve como “o mais alto dos sanatórios” e onde ainda se mantém o ambiente do romance. É um lugar suspenso no tempo — as salas comuns ainda mantêm a formalidade de outrora — e no espaço — só se avistam montanhas e florestas longínquas, parecendo levitar sobre Davos. A Montanha Mágica é uma obra em que se encenam uma série de debates cruciais para a definição da cultura europeia. Susan Sontag relembra um encontro com Mann em 1947, em que este lhe disse que a obra “retratava os conflitos no centro da civilização europeia”. Ao fazermos uma caminhada perto do hotel, lembramos as conversas entre Hans Castorp — o jovem engenheiro naval e personagem central — e Settembrini — o apolíneo representante dos ideais do Iluminismo. Para quem “a húbris da razão dirigida contra as forças obscuras é a mais alta forma de humanidade”, mesmo “quando um [navio] luxuoso se afunda e mergulha nas profundezas, essa é uma derrota honrada”. Mann parece lembrar-se da tragédia do Titanic em 1912 e antecipar a do LZ 129 Hindenburg, em 1937. Na sala do pequeno-almoço do Schatzalp, esperamos a qualquer momento que Clavdia Chauchat — a dionisíaca que mantém Castorp durante sete anos na Zauberberg, tal como Vénus mantém Tannhäuser na Venusberg — bata com a porta da entrada. Para Chauchat, a moralidade deve ser procurada “no abandono ao perigo, ao que nos possa magoar, destruir” e parece-lhe que “é mais moral perder-se e deixar-se arruinar do que salvar-se”. Castorp é uma figura passiva que ingenuamente se encontra no centro destas tensões. Lembramos a insistência de Settembrini para que Castorp deixasse o sanatório, evitasse Chauchat e regressasse à sociedade, algo que ele não parecia disposto a fazer. Chauchat, no capítulo Walpurgisnacht, diz a Castorp que ele é “um jovem simples (. . . ) que em breve irá regressar às planícies para esquecer completamente que alguma vez falou como num sonho [na Zauberberg] e para ajudar a grande e poderosa pátria com trabalho honesto nos estaleiros [navais]”, tal como Zeppelin e Haber. De facto, só quando o dever patriótico o chamou, no início da I Guerra Mundial, é que Castorp abandonou a montanha mágica. Mann coloca Castorp na frente de guerra, onde, “pleno de horror, um produto da ciência enlouquecida atravessa-se trinta metros à sua frente, enterra-se no solo [e] explode dentro da terra com uma força horrenda que atira ao ar um jacto de solo, fogo, ferro, chumbo e humanidade desmembrada”, entoa nervosamente a melodia de Der Lindenbaum, canção do Winterreise de Franz Schubert. Visitámos o escritório de Mann, numa sala da ETH em Zurique — Instituto Federal de Tecnologia —, cujo edifício principal foi projectado por Semper. Quando entrámos na sala, fomos transportados no tempo. Percorremos as estantes da sua biblioteca estudando os volumes sumptuosos com nomes gravados em Fraktur: Goethe, Nietzsche, Wagner. As estantes estão agrupadas de acordo com as obras às quais serviram como material de pesquisa, paramos diante daquela relativa a Doutor Fausto (1947). Há vários livros em inglês, resultado do exílio nos Estados Unidos. Pedimos para ver Rousseau and Romanticism — Rousseau e o Romantismo (1919) — de Irving Babbit. Na página 345, Mann sublinhou: “Tanto o nacionalismo emocional, como o internacionalismo emocional têm raízes em Rousseau, mas no final ele é um nacionalista emocional; isto porque viu que a ‘virtude’ patriótica é uma droga mais potente do que o amor pela humanidade. ”No centro da sua secretária, repleta de retratos e objectos exóticos, existe uma medalha com o perfil de Lev Tolstoi. Reconhecemos o sofá americano que Mann tinha em Pacific Palisades e que Sontag descreveu num texto publicado na revista The New Yorker — Pilgrimage (1987) —, onde descreve a sua visita, em 1947, quando tinha 14 anos. Sontag conta que Mann tinha acabado de escrever “um romance parcialmente baseado na vida de Nietzsche”, cujo “protagonista, contudo, não é um filósofo. É um grande compositor” — Doutor Fausto. Der Zauberberg é uma expressão emprestada de O Nascimento da Tragédia a partir do Espírito da Música, obra onde Nietzsche estabelece os conceitos de apolíneo e dionisíaco, a tensão desta dualidade no indivíduo e o papel da arte na sociedade. Deixamos Davos e regressamos ao vale do Engadin, seguimos de novo o curso do rio Inn, passando por St. Moritz até Sils, uma pequena vila no fim desse vale. Foi aqui que Nietzsche passou a maior parte dos verões a partir de 1881 — no início do seu exílio peripatético, depois de abandonar a universidade de Basileia —, ficando hospedado numa estalagem que hoje é uma casa-museu. Durante as suas estadas em Sils, Nietzsche passava os finais do dia a caminhar pelo vale Fex e a admirar a paisagem que aliviava os seus sintomas. Fizemos uma caminhada por esse vale, ao longo do rio Fedacla, passando por Fex Crasta em direcção aos glaciares. Os pequenos aglomerados de casas tradicionais do Engadin evocam tempos harmoniosos de uma beleza simples e tocante. Parece ser o lugar apropriado para as almas sensíveis se refugiarem do mundo. Nietzsche tinha uma enorme admiração pela música de Wagner como uma arte capaz de evocar o transcendente. No ano do primeiro festival de Bayreuth — com a apresentação do ciclo completo de O Anel do Nibelungo, em 1876 —, Nietzsche publicou Considerações Intempestivas. No último capítulo, Richard Wagner in Bayreuth, escreve: “N’O Anel do Nibelungo, por exemplo, quando Brunhilde é acordada por Siegfried, sinto a música mais moral que já alguma vez ouvi. Aqui Wagner atinge um tal nível de sentimento sagrado que a nossa mente inconscientemente vagueia pelos cumes nevados e brilhantes dos Alpes. ”No entanto, Nietzsche gradualmente descobriu que não admirava mais nada em Wagner e repudiou publicamente o seu entusiasmo inicial no livro Nietzsche Contra Wagner (1889). A recepção da obra de Nietzsche foi muito influenciada pela edição abusiva feita pela sua irmã Elisabeth, que controlava o seu arquivo literário. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Para Nietzsche, “o melhor livro alemão” seria Conversações com Goethe (1836), um relato dos diálogos entre este e o seu secretário, Johann Eckermann —, onde, a certa altura, Goethe reflecte sobre o ódio entre as nações, que “é sempre mais forte e mais violento onde há menos cultura”. “Há um momento em que este [ódio] desaparece, quando nos posicionamos, por assim dizer, acima das nações e sentimos a fortuna e o desastre dos povos vizinhos como se fossem nossos. ”Continuamos a nossa viagem, passamos pelo Maloja Pass, a partir daqui as águas dos rios correm na direcção do Pó e do Mediterrâneo. Antes de chegar a Itália, paramos na fronteira, em Castasegna, para ver a Villa Garbald — a antiga casa do oficial da alfândega, projectada por Gottfried Semper, em 1863. No próximo capítulo caminharemos nas montanhas que rodeiam o lago Como, passaremos pelas planícies da Lombardia e regressaremos ao Mediterrâneo.
REFERÊNCIAS:
Palavras-chave morte guerra filha cultura ataque mulher ajuda doença pobreza
Impérios inconstantes: revolucionários e futuristas
Uma campanha pelos lagos da Lombardia e planícies do Pó onde escritores, cineastas e arquitectos encenaram mundos que cristalizavam o seu imaginário revolucionário. Stendhal, Marinetti, Visconti, Rossi, Garibaldi. Lugares que revelam a tensão resultante de fronteiras e identidades constantemente negociadas. (...)

Impérios inconstantes: revolucionários e futuristas
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 | Sentimento 0.0
DATA: 2018-11-30 | Jornal Público
SUMÁRIO: Uma campanha pelos lagos da Lombardia e planícies do Pó onde escritores, cineastas e arquitectos encenaram mundos que cristalizavam o seu imaginário revolucionário. Stendhal, Marinetti, Visconti, Rossi, Garibaldi. Lugares que revelam a tensão resultante de fronteiras e identidades constantemente negociadas.
TEXTO: Na última parte desta viagem, regressamos ao Mediterrâneo, passando pelos lagos da Lombardia e pelos lugares que inspiraram narrativas de escritores, cineastas e arquitectos. Partimos de Griante, na margem do lago de Como, passando por Milão e pelas planícies do rio Pó até à Ligúria, e terminando em Nice. Este percurso permite-nos reflectir sobre o breve momento de entusiasmo republicano, no seguimento das Guerras Revolucionárias Francesas, que deu origem à República Cisalpina. Vamos encontrar marcas de conflitos num território cujas fronteiras foram constantemente negociadas, os lugares resultantes das migrações internas do pós-guerra e os monumentos que celebram a luta pela unificação de Itália. Estas paisagens revelam as tensões entre a imposição de fronteiras artificiais do Estado-nação sobre o mosaico orgânico de múltiplas identidades. Depois de entrar em Itália, seguimos o rio Mera, passando por Chiavenna. Aqui há um contraste entre a beleza das montanhas e a banalidade dos pavilhões que pontuam a strada statale. Entramos no braço norte do lago de Como, seguimos para sul pela margem oeste e ao passar por Dongo recordamos Fabrice, marchesino del Dongo, o herói de A Cartuxa de Parma (1839) de Stendhal. Continuamos até Griante à procura das “colinas de formas admiráveis que se precipitam sobre o lago com encostas tão singulares” que permitem “reter todas as ilusões das descrições de Tasso e Ariosto. Tudo é nobre e terno, tudo fala de romance, nada nos lembra a fealdade da civilização”. Foi nestas margens que Fabrice passou “o inverno melancólico” da sua infância, no castelo de Grianta — onde o seu pai professava “um ódio vigoroso pelo Iluminismo” e cujas paredes “negras e antigas eram agora os símbolos e outrora os instrumentos da tirania”. Quando recebe a notícia de que Napoleão escapou de Elba, decide atravessar os Alpes com a intenção de se juntar ao seu exército — apesar dos seus 16 anos — para “morrer ou vencer com esse homem marcado pelo destino, ” porque “ele queria dar-nos uma pátria” — il voulut nous donner une patrie. Nesse mesmo dia Fabrice passa as montanhas entre Griante e Menaggio. Procurámos recriar esse percurso explorando os caminhos entre Griante e o Sasso San Martino — o enorme rochedo que paira sobre a pequena vila. Acompanhados por borboletas cor de laranja, subimos o trilho de seixos redondos até descobrir, escondida entre a vegetação, a Capella degli Alpini. Lá dentro encontramos murais em que alpinistas enfrentam tempestades de neve, ao lado das listas de nomes que homenageiam os caduti nas duas grandes guerras. Lembramo-nos de como Fabrice chega eventualmente aos campos de batalha de Waterloo e pouco a pouco descobre que “a guerra não é, portanto, esse nobre e mútuo impulso de almas amantes da glória que ele tinha imaginado a partir das proclamações de Napoleão”. Esse é o final da sua infância, em que a única inocência que mantém é a de ainda se interrogar “se o que testemunhou era uma batalha e, além disso, se essa batalha era Waterloo?”Foi enquanto se “passeava à beira do lago, na avenida de plátanos sob a Casa Sommariva” que Fabrice decidiu partir para essa batalha. Essa casa pertencia a Gian Battista Sommariva, um dos líderes da República Cisalpina. No prefácio da sua Constituição (1797), Napoleão afirma: “Durante muitos anos não existiu república em Itália. O fogo sagrado da liberdade foi extinto e a melhor parte da Europa esteve sob o jugo de estrangeiros. Incumbe à República Cisalpina mostrar ao mundo (. . . ) que a Itália moderna não decaiu e que ainda é digna de liberdade. ”Fomos visitar a Villa Sommariva, em Tremezzo, um palácio branco à beira do lago, pousado sobre um jardim do século XVIII. No átrio, encontramos o busto de Sommariva — a sua toga pregada com uma fíbula redonda —, cuja melancolia o aproxima mais dos heróis românticos do seu século do que dos astutos senadores romanos. Quando, em 1802, não foi designado vice-presidente da República de Italiana — o novo nome da República Cisalpina —, decidiu abandonar a vida pública e dedicar-se a expandir a sua colecção de arte. Caminhando pelas salas pálidas, encontramos vestígios dessa colecção — Palamède (1808) e Terpsichore (1811) de Antonio Canova, e o friso monumental L’Entrée d’Alexandre le Grand dans Babylone (1828), de Bertel Thorvaldsen. Do jardim, olhamos as montanhas sobre a margem leste do lago, no sopé das quais uma outra villa branca espelha a Casa Sommariva. Ao atravessarmos o lago até Bellagio, essa villa branca transforma-se na Villa Melzi, rodeada pelos seus extensos jardins. Quando olhamos para trás, a Villa Sommariva dissolve-se na sombra do Sasso San Martino. Caminhamos ao longo do lago até ao jardim da Villa Melzi, passamos por grutas românticas, um gazebo oriental e uma capela neoclássica. Na orangerie, encontramos alguns despojos da República Italiana (1802-1805), da qual Francesco Melzi d’Eril era vice-presidente, como um exemplar da Constituição e uma gravura do seu perfil ao lado do de Napoleão. Esta república foi rapidamente substituída pelo Reino de Itália, sob o I Império Francês, aqui testemunhado por uma águia imperial — aigle de drapeau — que servia de estandarte aos regimentos da Grande Armée. Melzi mandou construir esta villa em 1808, para onde se retirou apesar de continuar a ser chanceler do Reino de Itália. Após a abdicação de Napoleão em 1814, o Congresso de Viena devolveu este território ao Império Austríaco, o que deu origem ao Reino Lombardo-Veneto. Para além deste reino, o mapa de Itália ficou nessa altura dividido entre o Reino de Nápoles e das Sicílias a sul, um conjunto de pequenos estados no Centro e o Reino da Sardenha-Piemonte no Norte. Em Viena, os representantes das monarquias redesenharam o mapa da Europa para tentar impedir a consolidação do republicanismo, impondo um conjunto de fronteiras geográficas arbitrárias cujo resultado foram tensões que duraram todo o século XIX até conduzirem à I Guerra Mundial, em 1914. No centro de Bellagio, passamos por lojas antigas que protegem as montras do sol com toldos escuros que evocam procissões fúnebres. Lembramo-nos que Filippo Tommaso Marinetti morreu em Bellagio. Em 1909, nas páginas de Le Figaro, publicara o Manifeste du Futurisme, apelando a uma rebelião contra os museus, bibliotecas e academias — “esses cemitérios de esforços desperdiçados” — para livrar Itália dos seus bandos de “professores, arqueólogos, cicerones e antiquários” e, em vez disso, glorificar “as marés polifónicas da revolução nas capitais modernas”, elogiando “o vibrante fervor nocturno dos arsenais e estaleiros incendiados por violentas luas eléctricas”. Esse programa artístico tinha uma componente política, que o levou a fundar o Partito Futurista Italiano em 1918. Foi no ano seguinte que Marinetti e os seus seguidores participaram numa reunião na Piazza San Sepolcro em Milão, em que fundiram o seu partido com o recém-formado Fasci Italiani di Combattimento, liderado por Benito Mussolini. Os participantes nessa reunião fundadora passaram a ser conhecidos como sansepolcristi. O Mediterraneo Futurista, publicado em Agosto de 1942, comunica a partida de Marinetti — aos 65 anos — como “voluntário para a frente Russa [cumprindo] um daqueles gestos de alto patriotismo que sempre caracterizaram a sua vida de poeta freneticamente enamorado pela pátria”. No cabeçalho, sobre um desenho de uma cidade futurista que evoca a Città Nuova de Antonio Sant’Elia, podemos ler “F. T. Marinetti Sansepolcrista — Accademico d’Italia. ”Em 1943, depois do Armistício de Cassibile, as forças alemãs invadiram o Norte de Itália, o que conduziu à instituição da Reppublica Sociale Italiana, que ocupou a metade norte do território Italiano e estabeleceu a sua capital em Salò — na margem oeste do lago de Garda. Enquanto esperamos pelo barco — traghetto — para regressar a Tremezzo, reconhecemos o lugar de uma das cenas do filme Rocco e os Seus Irmãos (1960), de Luchino Visconti. Prosseguimos até Cernobbio — no extremo sudoeste do lago de Como —, onde encontramos a Villa Erba, a casa da avó de Visconti. Foi aqui que o realizador passou os verões da sua infância e regressou para a montagem de Ludwig (1973), sobre o monarca que patrocinou a estada de Richard Wagner em Lucerna. Este foi o último filme da “trilogia alemã” que inclui Morte em Veneza (1971) — inspirado no romance de Thomas Mann — e Os Malditos (1969) — cujo título original, La Caduta degli Dei, tem origem no último capítulo da tetralogia de Wagner, O Anel do Nibelungo. Da margem do lago, em frente à Villa Erba, conseguimos ver ao longe duas estruturas na cidade de Como, o Tempio Voltiano (1927) e o Monumento ai Caduti (1930-33), que apesar de contemporâneos são muito diferentes. O primeiro é um edifício neoclássico e celebra Alessandro Volta — o inventor da bateria e membro do governo da República Cisalpina. O segundo é um projecto de Giuseppe Terragni baseado num desenho futurista de Sant’Elia. Em Como, encontramos a Casa del Fascio (1932-36), um projecto de Terragni cujo carácter escultórico e abstracto evoca as matrizes geradas pelos algoritmos geométricos de Sol Lewitt. A sua praça, que tenta recriar um espaço público romano, e a sua fachada serviam de lugar de encenação do espectáculo político fascista, de acordo com o seu programa enquanto sede administrativa local de propaganda e “educação social”. Continuamos a nossa viagem para sul em direcção a Milão, onde fomos visitar a Villa Necchi-Campiglio (1935), que durante a II Guerra Mundial foi requisitada para ser a residência de Alessandro Pavolini, que chefiava o Ministero della Cultura Popolare — Minculpop. Esta casa foi projectada por Piero Portaluppi para as irmãs Necchi — Nedda e Gigina — e Angelo Campiglio — o marido de Gigina — uma família da alta borghesia industriale lombarda que durante a guerra se refugiou no Piemonte. Entramos pelo portão da Via Mozart, percorremos o jardim que vai revelando lentamente o percurso até à entrada da casa, a partir da qual se vê a piscina, previamente camuflada pela vegetação. No interior, os espaços sociais são austeros e sumptuosos, pontuados por obras do Novecento Italiano — Sironi, Di Chirico, Morandi — e percebe-se porque foi utilizada como décor do filme Eu Sou o Amor (2009), de Luca Guadagnino. Passamos pelo jardim de Inverno que parece suspenso numa nuvem verde, com uma escultura de bronze de Adolfo Wildt, que representa Parsifal. Algumas das salas já não correspondem ao desenho original de Portaluppi, adoptando um estilo neo-barroco que tenta camuflar a austeridade modernista por vezes conotada com a estética do regime fascista. No final da guerra, Pavolini fugiu em direcção aos Alpes e foi capturado — tal como Mussolini — próximo de Dongo. No último capítulo de Vida de Henry Brulard (1890) — a autobiografia da adolescência de Stendhal —, este desenhou um mapa para explicar a sua chegada a Milão em 1800. Seguindo as suas referências, atravessamos o canal — hoje Via Senato —, passamos pelos arcos da Porta Nuova e seguimos a Via Manzoni até à Casa d’Adda — onde Stendhal ficou alojado nessa primeira estada — cuja fachada ainda não estava terminada e “mostrava os tijolos ásperos como San Lorenzo, em Florença”. Stendhal escreveu: “Esta cidade tornou-se para mim o mais belo lugar da terra. Não sinto o mesmo afecto pela minha pátria (. . . ) Milão foi para mim, entre 1800 e 1821, o lugar onde constantemente desejei habitar. ”Passamos pela Via Monte Napoleone e pela Via dei Bigli até chegar à Via Morone, uma rua estreita que invulgarmente serpenteia até revelar pouco a pouco a Piazza Belgioioso. Esta pequena praça é dominada pelo elegante Palazzo Belgioioso — cujos frescos mostram as aventuras dos heróis de “Tasso e Ariosto”. O chão da praça está totalmente coberto por seixos redondos de vários tons que formam padrões geométricos raros. Era aqui que Stendhal visitava Métilde Dembowski, que em Vertigo (1990) W. G. Sebald descreve como “uma mulher de grande beleza melancólica”. Continuamos o nosso caminho até ao teatro La Scala, é aqui que Stendhal coloca a Comtesse Pietranera — tia de Fabrice —, uma personagem baseada em Métilde: “Jovem, brilhante, leve como um pássaro (. . . ) a sua beleza era o menor dos seus encantos: onde encontrar uma alma tão sincera que nunca age com cautela, que se abandona totalmente ao ímpeto do momento. ”Terminamos em frente ao Duomo e lembramo-nos da cena inesquecível de Rocco e os Seus Irmãos, onde Rocco — Alain Delon — se encontra com Nadia — Annie Girardot — na cobertura da catedral. É a pensar no início deste filme que conduzimos para leste na direcção da periferia, em busca do Quartiere Filzi — para onde Rocco, os irmãos e a mãe vão viver quando chegam a Milão. Este é um projecto de habitação social promovido pelo Istituto Fascista Case Popolari, desenhado por Franco Albini, em 1932, e um exemplo do racionalismo italiano. Visconti escolheu este lugar para representar as habitações despojadas que alojavam os recém-chegados das migrações do Sul rural para o Norte industrializado resultantes das enormes alterações económicas provocadas pela unificação de Itália. O filme termina no lado oposto da cidade, à entrada da fábrica da Alfa Romeo em Sportello, onde Rocco — que decidiu regressar ao Sul — se despede do irmão Ciro antes de este se dissolver na massa de operários que são engolidos pelo portão da fábrica. Atravessamos toda a cidade até Gallarate na periferia oeste de Milão, passando pelo parque urbano que hoje ocupa o lugar dessa antiga fábrica. Chegamos ao conjunto de habitação colectiva Gallaratese II (1967-74), projectado por Aldo Rossi e Carlo Aymonino, como resposta à crise habitacional do pós-guerra. A intenção dos arquitectos era a de desenhar uma cidade ideal, com diferentes tipos de habitação, espaços públicos e comércio, que se percorresse a pé. Apesar de se sentirem ecos conceptuais e formais da Unidade de Habitação de Le Corbusier — que visitámos em Marselha —, as soluções encontradas aproximam-se mais da complexidade gerada pela sedimentação e sobreposição das cidades medievais — passamos por várias praças, arcadas, escadas, até a um anfiteatro ao ar livre. A visão utópica deste conjunto de habitação social não resultou — durante anos os edifícios estiveram abandonados — e hoje formam um condomínio fechado, somente acessível às famílias que ali habitam. Ao reflectir sobre o projecto de Gallatarese II, Rossi afirma que este “elucida a [sua] ideia principal sobre a cidade e os lugares onde vivemos: que devem ser vistos como parte da realidade da vida humana, [sendo] como cópias de diferentes tempos e observações: (. . . ) pátios plenos de vozes e encontros (. . . ) exerciam o mesmo fascínio que (. . . ) as casas dos monges na Certosa di Pavia”. Atravessamos a planície do Pó para visitar essas casas, organizadas em torno de um grande claustro onde 23 cartuxos viviam em reclusão e silêncio. Também a Cartuxa de Pavia foi projectada como uma cidade ideal. Foi construída durante o século XV por ordem do duque de Milão, Gian Galeazzo Visconti, tendo sido durante vários séculos o lugar de retiro espiritual dessa família. O complexo da Cartuxa é todo vermelho-terracota, com a excepção do mármore branco da fachada da igreja e dos apartamentos dos príncipes. A dualidade entre estas duas cores recorda-nos o contraste entre o bloco horizontal branco e os edifícios terracota de Gallatarese II. Rossi escreveu a sua Autobiografia Scientifica (1981) inspirado na autobiografia de Stendhal: “Precisamente porque escrevo uma autobiografia dos meus projectos que está ligada à minha história pessoal, não posso deixar de lembrar o efeito que a leitura de Vie de Henry Brulard teve em mim quando era menino. Foi talvez através dos desenhos de Stendhal e dessa estranha mistura entre autobiografia e plantas de edifícios que adquiri os primeiros conhecimentos de arquitectura. ”Pouco depois de deixarmos a Cartuxa de Pavia, cruzamos o rio Pó. Rossi, num texto a propósito do fotógrafo Luigi Ghirri, descreve estas planícies: “Se visitássemos as vilas abandonadas devastadas pelas grandes cheias do Pó, não encontraríamos sinais de morte, mas apenas alguns fragmentos miseráveis. Por vezes, penso no passado como um arqueólogo: como alguém que vive num mundo cujas aparências e mecanismos são familiares, mas que perdeu o sentido do que o rodeia. ”Isto faz-nos lembrar a visita de Stendhal a Marengo “no dia 27 de Setembro de 1801”. Nós percorremos o terreno da Batalha de Marengo, entre Castelceriolo, San Giuliano e Torre Garofoli, numa tarde sombria, onde encontrámos árvores despidas, numa paisagem marcada pelo abandono melancólico. No ano anterior Stendhal tinha atravessado os Alpes com o exército de Napoleão que marchava em direcção a essa batalha. Os seus pensamentos divagavam entre recordações literárias de “Calderòn [de la Barca] fazendo as suas campanhas em Itália” e os “devaneios baseados em Ariosto e La Nouvelle Héloïse”; considerava-se um observador que só participava para testemunhar os grandes eventos. No entanto, como Sebald descreve em Vertigo, quando Stendhal chega a Marengo, “exactamente quinze meses e quinze dias” depois da batalha que ocorreu no 25 Prairial, An VIII do calendário revolucionário, “olha para a planície e repara nas poucas árvores despidas, e vê, espalhados por uma vasta área, os ossos de talvez 16. 000 homens e 4000 cavalos que ali perderam as vidas, já brancos e brilhantes com o orvalho”. Foi este o fim da sua inocência. Continuamos para sul, deixamos a planície do rio Pó, atravessando os montes que separam a Lombardia da Ligúria. Seguimos até Quarto, na periferia leste de Génova, para visitar o lugar de onde Giuseppe Garibaldi embarcou com a Spedizione dei Mille — um milhar de voluntários — a caminho da Sicília no dia 5 de Maio de 1860, um dos momentos cruciais do processo de unificação de Itália. Chegamos ao final da tarde, o Mediterrâneo estava sombrio e as nuvens cinzentas suspensas no céu azul. Descemos até à água, onde sentadas nas rochas algumas pessoas aproveitavam o final do Verão. Dali são visíveis vários monumentos que celebram a partida de Garibaldi — a bandeira de Itália, um marco com uma estrela no topo e uma lista com os nomes dos mil revolucionários que se juntaram a Garibaldi. Lembramos o filme O Leopardo (1963), de Visconti, baseado no romance homónimo de Giuseppe Tomasi di Lampedusa, que representa os anos que se seguem ao fim da monarquia dos Bourbon no Reino de Nápoles e a fusão deste com o Reino de Itália. No filme, Tancredi, representado por Alain Delon, junta-se aos Garibaldini na luta das ruas de Palermo contra as tropas do reino de Nápoles. Ele é um jovem ambicioso que aproveita as oportunidades criadas pelas mudanças de poder dessa época conturbada — a sua lealdade mudando constantemente de acordo com a conveniência. Apenas o seu tio, Fabrizio, príncipe de Salina, se apercebe de que as coisas vão mudar para que tudo possa ficar na mesma. As nuvens adensam-se colorindo o mar de chumbo, e nós permanecemos em silêncio, pensando sobre o ímpeto ancestral de atravessar o Mediterrâneo, que desde Ulisses permanece como um desafio para as errâncias peripatéticas dos audaciosos. No dia seguinte, em Génova, caminhamos sob a arcada da Via XX Settembre até ao Largo Sandro Pertini, onde encontramos o Monumento a Garibaldi em frente ao Teatro Carlo Felice — cujo nome homenageia o rei da Sardenha, que o encomendou em 1824. Este teatro de ópera foi bombardeado durante a II Guerra Mundial, tendo ficado em ruínas durante décadas, sendo finalmente renovado, segundo o projecto de Aldo Rossi em 1991. Do teatro original só restaram as colunas do pronau e a inscrição latina coroada por um anjo. Uma figura trágica, com um braço despedaçado, erguido sobre os destroços da catástrofe, “ele gostaria de parar um momento, para ressuscitar os mortos e reconstruir o que foi destruído”. As suas asas parecem abertas pela “tempestade que sopra do Paraíso [e o empurra] irresistivelmente para o futuro, para o qual tem as costas voltadas”. Nas melancólicas palavras de Walter Benjamin, “aquilo a que chamamos o progresso é esta tempestade”. Conduzimos para oeste, na última parte da nossa viagem, ao longo da costa da Ligúria, e passamos a fronteira em direcção a Nizza, ou como é conhecida hoje, Nice. Foi o local onde nasceu Garibaldi, um território que fazia parte do Reino Sardenha-Piemonte e foi negociado com Napoleão III em troca da Lombardia após a Batalha de Solferino, em 1859. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Neste contexto de fronteiras nacionais em constante negociação, de identidades culturais em permanente conflito, relembramos as personagens que nos acompanharam ao longo desta viagem viagem — Gray, Rousseau, Sebald, Stendhal — e as palavras de Beauvoir sobre a tia de Fabrice, Sanseverina: “‘uma alma sempre sincera, que nunca age com cautela, que se entrega totalmente à impressão do momento;’ (. . . ) ela não é senão a sublime e imprudente aventura que escolheu viver”. Estes ensaios, escritos e fotográficos, são o resultado de uma investigação sobre territórios e entusiasmos partilhados desde os percursos diários passados a ler Stendhal e Mann — no comboio entre Amsterdão e Roterdão em 2001— e o final desta longa viagem.
REFERÊNCIAS:
Palavras, expressões e algumas irritações: dragar
“Dragar” é o mesmo que “rocegar”, que significa “arrastar um cabo no fundo do mar ou a certa profundidade para localizar âncoras, minas ou outros objectos perdidos”. Pena que não localize bom senso. (...)

Palavras, expressões e algumas irritações: dragar
MINORIA(S): Animais Pontuação: 2 | Sentimento -0.1
DATA: 2018-11-30 | Jornal Público
SUMÁRIO: “Dragar” é o mesmo que “rocegar”, que significa “arrastar um cabo no fundo do mar ou a certa profundidade para localizar âncoras, minas ou outros objectos perdidos”. Pena que não localize bom senso.
TEXTO: “Dragar” significa “limpar ou desobstruir com draga”. Por sua vez, “draga” corresponde a “aparelho que serve para escavar e remover areia, lodo, entulho, etc. do fundo dos rios, dos lagos, de canais ou do mar”. É o que está previsto acontecer no estuário do Sado. Pretende-se remover 6, 5 milhões de metros cúbicos de areia do fundo do rio para que navios de grande porte possam entrar no porto de Setúbal. Ambientalistas e cidadãos manifestaram-se no fim-de-semana passado contra esta decisão da Administração do Porto de Setúbal e Sesimbra. A “dragagem” põe em causa o equilíbrio de todo o ecossistema. Teme-se a erosão das praias da Arrábida, os efeitos na qualidade da água e nas pradarias marinhas (“berçário” de muitas espécies), assim como a perturbação da comunidade de golfinhos. Também as actividades económicas que dependem do rio se sentem ameaçadas: pesca artesanal, produção de ostras, turismo. Depois de o Clube da Arrábida ter apresentado uma providência cautelar ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada para travar as dragagens (a 14 de Setembro), a SOS Sado anunciou na quarta-feira procedimento idêntico. Antes, já tinha dado conta de que a petição “Pela defesa da Reserva Natural do Estuário do Sado” atingira as 10 mil assinaturas e seria enviada para a Assembleia da República. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. A “retirada de areia” é apoiada pelo Governo, tendo o primeiro-ministro invocado o parecer favorável da Agência Portuguesa do Ambiente. “Temos de respeitar este parecer. Se o parecer fosse negativo, por certo que o senhor deputado não gostaria que o Governo se substituísse à Agência Portuguesa do Ambiente”, disse a André Silva, do PAN. “Dragar” é o mesmo que “rocegar”, que significa “arrastar um cabo no fundo do mar ou a certa profundidade para localizar âncoras, minas ou outros objectos perdidos”. Pena que não localize bom senso. A rubrica Palavras, expressões e algumas irritações encontra-se publicada no P2, caderno de domingo do PÚBLICO
REFERÊNCIAS:
Partidos PAN