Hollande promete ser “implacável” se se confirmarem abusos sexuais de crianças por militares
São 14 os suspeitos que estão a ser investigados. “Muito poucos” foram até agora identificados e nenhum foi ainda ouvido sobre as denúncias feitas por rapazes da República Centro-Africana. (...)

Hollande promete ser “implacável” se se confirmarem abusos sexuais de crianças por militares
MINORIA(S): Africanos Pontuação: 10 | Sentimento 0.266
DATA: 2015-05-01 | Jornal Público
SUMÁRIO: São 14 os suspeitos que estão a ser investigados. “Muito poucos” foram até agora identificados e nenhum foi ainda ouvido sobre as denúncias feitas por rapazes da República Centro-Africana.
TEXTO: O Presidente François Hollande prometeu ser “implacável”, caso se confirme que soldados franceses enviados para a República Centro-Africana abusaram sexualmente de crianças. A declaração foi feita esta quinta-feira, um dia depois de se saber que a procuradoria de Paris abriu em Julho de 2014 um inquérito preliminar às alegações. “Se a informação for confirmada… a punição será proporcional aos actos. Se forem graves a punição será dura”, disse Hollande, preocupado com os danos para a imagem das frequentes operações militares francesas em África. “Serei implacável. ”Depois de, na quarta-feira, o diário britânico The Guardian ter divulgado o caso e de o Ministério francês da Justiça ter confirmado a abertura de um inquérito preliminar, a 31 de Julho, do qual não havia notícia, fonte judicial adiantou esta quinta-feira à AFP que são 14 os militares sob investigação, mas que “muito poucos” foram até agora identificados e nenhum foi ainda ouvido. Fonte judicial ouvida pela Reuters repetiu as informações e acrescentou que estarão também implicados militares de outras nacionalidades, mas não forneceu outros dados. Os menores que testemunharam contra os soldados franceses são seis, com idades entre os 9 e os 13 anos – quatro dizem ter sido vítimas de abusos e dois garantem tê-los testemunhado, segundo os elementos apurados no inquérito preliminar. A procuradoria francesa informou que vai pedir o acesso ao inquérito interno feito pelo exército. O porta-voz do Ministério da Defesa, Pierre Bayle, garantiu que não há “qualquer vontade de esconder o que quer que seja” e prometeu “tolerância zero”. A investigação diz respeito a alegados abusos que terão sido cometidos entre Dezembro de 2013 e Janeiro de 2014 num centro de deslocados, no aeroporto M’Poko, em Bangui. Segundo o The Guardian, investigadores das Nações Unidas recolheram testemunhos de rapazes que acusaram soldados franceses de terem abusado sexualmente deles, oferecendo-lhes em troca comida e dinheiro. Um dos rapazes tinha nove anos. Denunciante suspensoO caso já teve efeitos colaterais: o jornal britânico noticiou que um responsável das Nações Unidas, Anders Kompass, director de operações de campo do Alto-Comissariado da ONU para os Direitos Humanos, foi suspenso, por ter transmitido às autoridades francesas o relatório interno sobre o assunto. Fontes conhecedoras do caso disseram que Kompass, sueco, veterano com mais de 30 anos de trabalho humanitário, terá tomado a iniciativa devido à inacção dos serviços do Alto-Comissariado. O porta-voz adjunto da ONU, Farhan Haq, confirmou a suspensão de um responsável, sem o identificar, e justificou a medida com o desrespeito das normas internas. Disse que do relatório transmitido oficiosamente às autoridades francesas, sem conhecimento dos superiores hierárquicos, não foram retirados os nomes das vítimas, testemunhas e investigadores, o que os poderia “colocar em perigo”Em Dezembro de 2013, com um mandato das Nações Unidas, a França deslocou um primeiro contingente de 1200 soldados para a República Centro-Africana, para apoiar uma força pan-africana incapaz de conter a espiral de violência sectária. Depois de massacres da coligação Séléka, que aceleraram o envio da força francesa, viriam a ocorrer perseguições das milícias anti-balaka, predominantemente formadas por cristãos, movidas por sentimentos de vingança. A chamada missão Sangaris envolveu no total cerca de 2000 efectivos. Já em 2015 foi reduzida a 1700 soldados, passando progressivamente as suas tarefas para a Minusca, missão das Nações Unidas que começou a actuar em Setembro de 2014.
REFERÊNCIAS:
Partidos PAN
A grande invenção dos brancos
Eu Não Sou o teu Negro é uma peça importante para se perceber um pouco melhor o que raio se passa, o que raio ainda se passa, na América destes dias. Com escala em Hollywood, engrenagem fundamental do sistema racista norte-americano. (...)

A grande invenção dos brancos
MINORIA(S): Africanos Pontuação: 10 | Sentimento 0.8
DATA: 2017-05-24 | Jornal Público
SUMÁRIO: Eu Não Sou o teu Negro é uma peça importante para se perceber um pouco melhor o que raio se passa, o que raio ainda se passa, na América destes dias. Com escala em Hollywood, engrenagem fundamental do sistema racista norte-americano.
TEXTO: O grande choque, conta James Baldwin no texto lido em off por Samuel L. Jackson, aconteceu no momento em que percebeu que, apesar de se identificar com o herói Gary Cooper, o herói não se identificava com ele – e que portanto ele, “índio”, negro, não-branco, era o inimigo. A virtude maior do filme de Raoul Peck sobre o legado de Baldwin é saber pegar nas questões de imagem e de representação (dos negros americanos) e dar-lhes um sentido, material e documental, que às vezes é um pouco mais do que meramente ilustrativo. A representação cultural precede a representação política, e as palavras combativas de Baldwin voltam insistentemente a este ponto – contar a história dos negros americanos, antes e depois do movimento pelos direitos cívicos, é contar a história de um segmento da população que, durante décadas (ou séculos), não teve direito, pelo menos a uma escala massificada, à auto-representação. Viveu com imagens criadas por outros, retratos de “criaturas que existem apenas na imaginação dos brancos” (dixit Baldwin), sem um espelho (o outro choque, diz Baldwin, é por volta dos cinco anos, quando “o negro percebe que não é branco”). Se o diálogo é ainda impossível, ou pelo menos muito difícil, é porque o “negro” é uma “invenção do branco”, ouvimos ainda nas palavras de Baldwin, possuidoras de um eco singularmente godardiano (quando o franco-suíço fala, por exemplo, da Palestina como uma “projecção” de Israel). Realização:Raoul Peck Actor(es):Samuel L. Jackson, James Baldwin, Dick CavettNão espanta, pois, que para além das fortíssimas e complexas palavras de Baldwin (que o filme, na locução sóbria de Jackson, restitui sem pedagogia nem floreados), boa parte de Eu Não Sou o teu Negro repouse em imagens – imagens do cinema clássico americano (“reflexo de um mundo racista” mais do que entidade especialmente racista, como Baldwin frisa), imagens da publicidade, retratos falsos, fantasiosos, ofensivos. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. E depois, o seu contracampo, os mártires (os três amigos que estão na base do texto de Baldwin: Medgar Evers, Martin Luther King e Malcolm X, todos assassinados), os humilhados, os linchados, os cadáveres que são cadáveres por nenhuma razão para além de serem negros. Peck encontra as imagens que sustentam o texto de Baldwin, ou com que o texto de Baldwin dialoga, e por vezes, somando dois mais dois, vai um passo em frente; como naquele momento, perto do final, em que o texto de Baldwin comenta que o mundo representado pelo rosto de Doris Day nunca foi realmente confrontado com o mundo representado pelo rosto de Ray Charles, e Peck faz suceder a um plano do rosto choroso de Doris Day, como um contracampo imaginário, o documento fotográfico de um negro sumariamente enforcado num tronco de árvore. Amplamente documentado, e com muitas imagens de intervenções públicas e televisivas do próprio Baldwin, montado com dinamismo, Eu Não Sou o teu Negro é uma peça importante para se perceber um pouco melhor o que raio se passa, o que raio ainda se passa, na América destes dias.
REFERÊNCIAS:
Palavras-chave direitos negro racista
Boko Haram divulga vídeo de execução com técnicas do Estado Islâmico
Vídeo de alegada execução de dois reféns alimenta receios de que o grupo extremista na Nigéria tenha laços com os jihadistas no Iraque e Síria. (...)

Boko Haram divulga vídeo de execução com técnicas do Estado Islâmico
MINORIA(S): Africanos Pontuação: 10 | Sentimento 0.0
DATA: 2015-05-02 | Jornal Público
SUMÁRIO: Vídeo de alegada execução de dois reféns alimenta receios de que o grupo extremista na Nigéria tenha laços com os jihadistas no Iraque e Síria.
TEXTO: O grupo extremista nigeriano Boko Haram divulgou nesta terça-feira na Internet uma gravação em que alega executar dois prisioneiros, utilizando, pela primeira vez, uma técnica de edição e estrutura de vídeo semelhantes às usadas pelos combatentes do autoproclamado Estado Islâmico (EI). No vídeo, que a Reuters diz ter uma “apresentação gráfica avançada”, os dois prisioneiros aparecem amarrados e, atrás deles, são visíveis vários combatentes mascarados com uma bandeira negra. Um dos combatentes obriga um dos cativos a dirigir-se para a câmara. Este afirma que ele e o outro prisioneiro são espiões com ordens para dar informações sobre o Boko Haram. O vídeo mostra depois os dois corpos, já decapitados. Esta é a mesma estrutura utilizada pelos jihadistas que proclamaram um califado no Iraque e na Síria. A aliança entre o grupo extremista Boko Haram e os combatentes do autoproclamado Estado Islâmico já fora sugerida pelo Presidente da Nigéria, Goodluck Jonathan. Este afirma ainda que os extremistas nigerianos têm também ligação com a Al Qaeda. O Boko Haram nunca referiu qualquer aliança com os jihadistas do Iraque e Síria, mas existem alguns indícios de aproximação entre os dois grupos. Os extremistas da Nigéria designam-se como “soldados do califado”, diz Laith Alkhouri, director do gabinete de investigação sobre o Médio Oriente, Norte de África e ameaças jihadistas no grupo Flashpoint Partners. Citado pela Reuters, Alkhori diz também que o próprio grupo de combatentes do autoproclamado Estado Islâmico se refere à sua presença na Nigéria. Ofensiva contra o Boko HaramMilitares do Chade, Niger e Camarões têm-se queixado de falta de cooperação por parte do Governo nigeriano de modo a organizarem uma ofensiva regional contra o Boko Haram, avança também nesta terça-feira a Reuters. Na semana passada, militares do Chade destruíram um campo do grupo extremista, na fronteira do país com o Nordeste da Nigéria, expulsando assim os seus combatentes. Mas o exército foi impedido de continuar a perseguição dos fugitivos por solo nigeriano. Não foi a primeira vez que o exército chadiano, considerado um dos mais capazes da região, infligiu uma derrota importante ao Boko Haram. Estão marcadas eleições legislativas na Nigéria para o dia 28 de Março. O actual Presidente, Goodluck Jonathan, tem estado sob pressão por força dos repetidos atentados do Boko Haram, que já causou mais de 13 mil mortos desde que surgiu no país, em 2009. Esta é uma das razões avançadas para que a Nigéria tenha colocado obstáculos a uma ofensiva conjunta: com os olhos postos nas eleições, Jonathan quer que o exército nigeriano seja capaz de acumular vitórias frente aos extremistas sem precisar do apoio de outros países da região. Com milhares de militares do Niger e Camarões a bloquerem o acesso aos seus países, a margem de manobra do grupo extremista tem sido limitada. Este parece ser o primeiro grande revés para os fundamentalistas islâmicos. Goodluck Jonathan defende isto mesmo. O Presidente da Nigéria aponta para os recentes ataques suicidas do Boko Haram como prova da crescente instabilidade do grupo.
REFERÊNCIAS:
Palavras-chave campo negra perseguição
Asamoah Gyan mantém Gana vivo na CAN
Um golo em tempo de compensação deu o triunfo aos ganeses sobre a Argélia na Taça das Nações Africanas. (...)

Asamoah Gyan mantém Gana vivo na CAN
MINORIA(S): Africanos Pontuação: 10 | Sentimento 0.1
DATA: 2015-05-01 | Jornal Público
SUMÁRIO: Um golo em tempo de compensação deu o triunfo aos ganeses sobre a Argélia na Taça das Nações Africanas.
TEXTO: Quando parecia que iria acontecer mais um empate nesta Taça das Nações Africanas, que tem tido muitos empates e poucos golos, um golo de Asamoah Gyan já em tempo de compensação deu o triunfo ao Gana sobre a Argélia por 1-0, em jogo da terceira jornada do Grupo C, em Mongomo, na Guiné Equatorial. Depois de ter sido derrotada pelo Senegal com um golo nos instantes finais, desta vez foi a selecção orientada por Avram Grant a marcar e a deixar os adversários sem tempo para responder. Um passe longo de Wakaso Mubarak vai ter aos pés de Gyan, que bate Medjani em corrida, entra na área e faz o remate, que bate o guarda-redes MBolhi. Esta vitória mantém o Gana na luta pelo apuramento para os quartos-de-final, depois do desaire na primeira jornada e não compromete, para já, as aspirações da Argélia, que teve o portista Brahimi de início, com o sportinguista Slimani, limitado por uma lesão, a entrar apenas na segunda parte. Ainda nesta sexta-feira, também em Mongomo, a contar para o Grupo C, defrontam-se Senegal e África do Sul.
REFERÊNCIAS:
Tempo sexta-feira
“Há muito mais famílias que tiveram escravos.” Mas não se fala disso
Francisco Sousa considera-se “afro-beneficiário”. A sua família teve pessoas escravizadas. Choca-o não se falar sobre esse passado. O antropólogo António Tomás diz que falta fazer este debate. Portugal ainda está “em negação”, diz a artista Grada Kilomba. Capítulo final da série Racismo à Portuguesa. (...)

“Há muito mais famílias que tiveram escravos.” Mas não se fala disso
MINORIA(S): Africanos Pontuação: 10 | Sentimento 0.5
DATA: 2017-09-23 | Jornal Público
SUMÁRIO: Francisco Sousa considera-se “afro-beneficiário”. A sua família teve pessoas escravizadas. Choca-o não se falar sobre esse passado. O antropólogo António Tomás diz que falta fazer este debate. Portugal ainda está “em negação”, diz a artista Grada Kilomba. Capítulo final da série Racismo à Portuguesa.
TEXTO: Nos baús das famílias podem estar segredos escondidos. Quando Francisco Sousa, 34 anos, viu o arquivo familiar paterno andou duas semanas em estado de choque. Foi por acaso que se cruzou com uma lista do século XVIII onde estavam nomes de pessoas escravizadas, com o valor à frente, de acordo com a capacidade de trabalho. Tinham pertencido à sua família. Num país, Portugal, que foi o maior traficante no comércio transatlântico de pessoas escravizadas — mais de metade dos 12 milhões estimados em termos globais —, a família de Francisco não é obviamente caso único. “Sempre ouvi falar, como todos os portugueses, da fábula dos Descobrimentos. E tenho isso perto da família. Do lado da minha mãe, o meu trisavô tinha uma roça em São Tomé e Príncipe. Depois conheci pessoas em Cabo Verde que trabalharam nas roças em São Tomé e estiveram próximo da escravatura. Mas nunca ninguém falou disso”, diz. “Nem na minha família, nem nas outras se fala. ”Agora com um projecto próprio independente, há quem conheça Francisco Sousa como o co-fundador dos Celeste/Mariposa, grupo DJ e editora de música ao qual esteve ligado durante oito anos. Com mestrado em Biotecnologia Vegetal, tornou-se especialista em música dos Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa (PALOP) e hoje tem a sua produtora, Fininho Sousa: escolhe bandas, ensaia e lança-as no estrangeiro. “Choca-o” que dentro da sua família, e de outras, “ter tido” pessoas escravizadas possa ser visto “como um pormenor, como se fosse irrelevante”. É dar “uma leveza” a algo “que nunca pode ser leve”, prossegue na sala do seu apartamento na Madragoa, em Lisboa, onde há livros de pensadores africanos sobre o colonialismo empilhados no chão. Ele quer vincar: a crítica não é a de alguém a confrontar publicamente a família. Está em paz. “Há muito mais famílias que tiveram escravos”, diz. “Não estou a denunciar. Todas as famílias que beneficiaram deveriam falar disto. ” A questão é que a forma de lidar com este passado é transversal a tantas outras famílias, alimentada pela “propaganda” que existe em Portugal, nota. “Como é que se consegue perpetuar um mito?” Porque a maioria aprende a lidar com estas coisas de “forma irracional”, ou seja, “tolera” o que em outras circunstâncias não toleraria. A história de Portugal, contada por portugueses, “é uma canção de embalar”. “A diferença entre o que se fala do colonialismo e o que realmente foi é assustadora. Quando começas a perceber a dimensão e a compará-lo com outros acontecimentos como o Holocausto, mas depois vais às festas dos santos populares e ouves a música ‘já fui ao Brasil (. . . ) Goa e Macau (…) já fui um conquistador’, dá-se um curto-circuito”, nota. Porque a nossa “auto-estima” como país “está muito agarrada ao orgulho” do período da Expansão. Questiona: “Esses ‘Descobrimentos’ acabam a partir do momento em que os portugueses chegam à costa africana e começam a matar pessoas para fazer negócio. Qual o problema de contar essa história?”Além de livros, há discos vinil espalhados pela sala, cassetes, CD’s novos acabados de editar. Foi neste percurso de descoberta da música de raiz africana que Francisco Sousa se deu conta de que era preciso conhecer outra versão da História que não lhe era ensinada em profundidade nem na família, na escola. Hoje diz-se “afro-beneficiário”. “É uma questão delicada na minha família e em todas as que beneficiaram dos privilégios porque existe uma narrativa homogénea. ”É também difícil reconhecer que, famílias com as características da dele, que têm poder, “têm-no em grande parte por causa da exploração”. Ou seja, no período da escravatura e da colonização “houve alguém que chegou aos países, tirou direitos às pessoas, arrancou-lhes a terra, tornou-as coisas e não lhes pagava”. Foi o que em Portugal e noutros países europeus “deu margem de lucro para construir a riqueza”. “Se essa riqueza consegue ser identificada, então isto tem que ser discutido. É mais do que sabido que o contexto em que se nasce é absolutamente decisivo. Reconheço esse privilégio, aliás, eu estou a beneficiar dele — e o maior benefício foi a educação que tive, em boas universidades. Isto é um grande tabu. ” Mas as pessoas não querem falar disso, e vestem uma capa de “protecção”. Não falar. Esconder ou silenciar. Há, de facto, uma história que não é olhada de frente. Depois de fazer dezenas de entrevistas para Memoirs — Filhos de Império e Pós-Memórias Europeias, um projecto do Centro de Estudos Sociais (CES) da Universidade de Coimbra, a coordenadora Margarida Calafate Ribeiro refere o silêncio como a nota dominante. O Memoirs estuda as heranças coloniais a partir das segundas e terceiras gerações em Portugal, França e Bélgica. A investigadora falou com pessoas nascidas entre 1960 e 1980 e notou “um certo silêncio melancólico e de luto pela descolonização”. Outro dado que considera “grave”: tanto à esquerda quanto à direita, “continuamos a achar que a questão colonial não nos diz respeito”, vingando a concepção de que “sobre o passado não temos nada a ver”. É o resultado da “despolitização” que Portugal faz tanto da colonização quanto da descolonização. Das entrevistas, ressalta “a presença de algum espírito de colonialidade na Europa”. “O processo de descolonização cultural demora muito tempo. É preciso descolonizar a figura do ex-colonizador e do ex-colonizado, e isso vê-se nas relações institucionais”, afirma. No fundo, diz António Tomás, antropólogo angolano que viveu em Lisboa durante anos, mas que a determinada altura teve que sair para se doutorar na Universidade de Columbia, nos Estados Unidos, o problema é que “Portugal não tomou responsabilidade sobre o que se passou. Não houve um debate sobre os efeitos do colonialismo”, sublinha. E isso tem os seus efeitos. Posto de outra forma, segundo a artista portuguesa Grada Kilomba, que vive em Berlim e tem trabalhado amplamente sobre o tema: continuamos a alimentar-nos de um passado romântico, sem o associar com “a culpa, vergonha, genocídio, exclusão, marginalização, exploração, desumanização”. O que a leva a analisar: “Ainda não passámos da negação. [O racismo] tem a ver com um processo psicológico que passa de negação a culpa, de culpa a vergonha, de vergonha a reconhecimento e de reconhecimento a reparação. Quando estou em Portugal sinto que estamos completamente na negação. ”Ao mesmo tempo, a história colonial e pós-colonial está tão omnipresente na sua vida quotidiana, “nas coisas mais banais do dia-a-dia”, que é inevitável trabalhar sobre isso, diz a artista. Porém, é essa história colonial que mantém a normatividade, lembra. “Ainda somos confrontados com esta lógica de continuidade colonial: os mesmos corpos marginalizados ficam à margem. ”Isso tem que ser radicalmente alterado, e só acontecerá quando quem está agora à margem chegar a posições de poder, defende. “Só assim podemos descolonizar. É uma transformação colectiva”, diz. O mais urgente de descolonizar em Portugal? “O mais urgente é tudo”, responde a também autora de Plantation Memories: Episodes of Everyday Racism. “Portugal é um país extremamente ambivalente. Ao mesmo tempo que as pessoas são simpáticas e acolhedoras têm um racismo latente brutal. Lidar com estas duas medidas é muito difícil. ”António Tomás também o nota: não há um racismo de ódio, mas um racismo “paternalista e de inferiorização” dos negros, do “branco que é o patriarca e dos negros que são escravos”. A viver fora de Portugal há anos, reconhecida internacionalmente, Grada Kilomba sente que os artistas e intelectuais negros que têm uma abordagem mais crítica à história colonial não têm tido espaço em Portugal. “Somos muitos em termos demográficos mas percebi que os espaços estavam bloqueados”, diz. É essa ausência de espaços em Portugal para os intelectuais negros se desenvolverem que António Tomás também sublinha. “Nunca seria um professor universitário em Portugal” – apesar de ter dado aulas em França e de agora dar aulas no African Centre for Cities, da Universidade da Cidade do Cabo. “O intelectual negro só está autorizado a falar sobre certas questões. Há um gueto intelectual, não há espaço para que os negros cresçam e se pronunciem e falem de outras questões que não sejam sobre as suas questões. ”O que nos leva ao privilégio branco, sobre o qual Grada Kilomba tem reflectido: “Quando falamos de branquitude estamos a falar de entidades e de estruturas políticas, não de uma pessoa que é boa ou má. ” Ou seja, “não tem a ver com moral”. Tem a ver com o facto de, “por questões históricas, sociais e políticas” haver um grupo de pessoas com “acesso a privilégios”. Porque, explica: “Há um privilégio branco que eu não tenho como mulher negra. Uma mulher branca tem acesso a estruturas, a uma representação, a uma voz que eu não tenho. Quando abro o jornal não me vejo representada, entro num supermercado e não vejo as minhas crianças nos champôs. Sou constantemente confrontada com uma imagem que não é a minha e com a falta de representação. É um privilégio ser representado. ”Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Trata-se, no fundo, de encarar esta realidade com responsabilidade: “Quer dizer que estamos a fazer escolhas: como decidimos e como transformamos espaços para que, quem foi historicamente excluído, tenha o mesmo acesso. ”Francisco Sousa tem estado a reflectir sobre estas questões e aceita expor a história da família porque acredita que ela simboliza algo mais abrangente e mais profundo. Acha também que é preciso, por isso, fazer “uma retribuição”. Olha para o trabalho que desenvolve com músicos africanos como uma forma de “devolver” à sociedade. Mas há muitas mais: “Se querem viver numa sociedade igualitária, por que é que as pessoas têm medo de quotas para negros, por exemplo?”A série Racismo à Portuguesa termina hoje. Ao longo de seis semanas, publicámos vários artigos e vídeos sobre como se manifestam as desigualdades raciais em Portugal em diversas áreas, da habitação, ao emprego ou à educação. Falámos com procuradores, advogados, professores, activistas, investigadores, artistas. Analisámos estatísticas, recolhemos testemunhos de quem se sente vítima de diversas formas de racismo, cerca de 50 pessoas de várias classes sociais.
REFERÊNCIAS:
Palavras-chave direitos escola exclusão educação mulher negro racismo medo luto negra vergonha escravatura
Ainda alguém tem dúvidas?
Em mais do que um sentido, crescer num ambiente racista é como crescer num ambiente radioactivo. Não o sentimos, não o percebemos, mas estamos num ambiente contaminado que nos estraga por dentro. (...)

Ainda alguém tem dúvidas?
MINORIA(S): Africanos Pontuação: 10 | Sentimento 0.0
DATA: 2017-07-17 | Jornal Público
URL: https://arquivo.pt/wayback/20170717050633/https://www.publico.pt/n1778781
SUMÁRIO: Em mais do que um sentido, crescer num ambiente racista é como crescer num ambiente radioactivo. Não o sentimos, não o percebemos, mas estamos num ambiente contaminado que nos estraga por dentro.
TEXTO: Vamos lá tentar explicar isto devagarinho: há racismo em Portugal. Claro que há. Não é uma questão semântica, é objectiva. Infelizmente, há actos de racismo diários em Portugal, quer sejam denunciados ou não, quer sejam identificados ou não. E claro que não era preciso o Ministério Público vir acusar de racismo o que se passou na esquadra de Alfragide para que se soubesse que há racismo na polícia. Nem é preciso que ocorra uma condenação para que se confirme que sim, em Portugal há racismo — e, sim, há racismo nas polícias. A confirmar-se, este acto de racismo será gravíssimo, até porque foi patrocinado pelo Estado e exercido com especial violência por um corpo profissional legalmente habilitado para o fazer. O racismo é filho directo da ignorância. Também da maldade, especialmente quando se junta ao nepotismo. Mas este nem é o racismo mais dramático nem o que mais importa erradicar. Nos tempos de hoje, o racismo mais grave para a nossa sociedade é o do preconceito inconsciente, em que reproduzimos o estigma na condescendência com que tratamos os que “não são como nós”. Esse racismo, que se enraíza desde tenra idade, tem consequências gravíssimas. É aquele racismo que nos permite negar em boa consciência que sejamos racistas, mesmo quando o somos de forma inconsciente. Mesmo quando notamos a ausência de diversidade nas esferas intermédias e superiores da nossa sociedade, mesmo quando toleramos a gritante existência do padrão dominante nas universidades, mesmo quando ignoramos voluntariamente a falta de diversidade à nossa volta. É este racismo que se estende também às vítimas e que lhes limita, de forma inconsciente, a dimensão do sonho sobre o que podem alcançar. Em mais do que um sentido, crescer num ambiente racista é como crescer num ambiente radioactivo. Não o sentimos, não o percebemos, mas estamos num ambiente contaminado que nos estraga por dentro. Felizmente, e ao contrário da radioactividade intensa, podemos curar-nos do racismo. Mas implica consciência, vigilância sobre as nossas acções e as dos que nos rodeiam. O combate ao racismo tem de ser um imperativo moral, porque é uma questão de direitos humanos. Mas a isso acrescenta-se uma razão simples, tão simples, para que nos livremos dessa radioactividade: a sociedade diversa é melhor para todos. E só a nossa ignorância, a nossa radioactividade, nos tem impedido de perceber isto.
REFERÊNCIAS:
Palavras-chave direitos humanos violência filho racismo corpo racista
Para que lado pende a balança no julgamento da Esquadra de Alfragide?
Depois de seis sessões, os 17 agentes foram ouvidos mas apenas um dos seis jovens da Cova da Moura alegadamente vítima de racismo e tortura testemunhou. O PÚBLICO recorda alguns momentos. (...)

Para que lado pende a balança no julgamento da Esquadra de Alfragide?
MINORIA(S): Africanos Pontuação: 10 | Sentimento 0.0
DATA: 2018-10-15 | Jornal Público
SUMÁRIO: Depois de seis sessões, os 17 agentes foram ouvidos mas apenas um dos seis jovens da Cova da Moura alegadamente vítima de racismo e tortura testemunhou. O PÚBLICO recorda alguns momentos.
TEXTO: Dois meses depois de ter sido interrompido por causa das férias judiciais, o julgamento dos 17 agentes da esquadra de Alfragide acusados de tortura e racismo a seis jovens da Cova da Moura retoma esta terça-feira no Tribunal de Sintra. Quando marcou as datas destas próximas sessões a juíza referiu que faltavam ouvir cerca de 100 pessoas. A perspectiva é que as alegações finais aconteçam ainda este ano. Os 17 arguidos já foram todos ouvidos nas primeiras quatro sessões; três vítimas testemunharam nas duas últimas, e apenas uma das que está no grupo dos seis jovens alegadamente vítima de racismo e tortura - Bruno Lopes — foi inquirido durante três horas. Será que já se pode tirar alguma conclusão sobre para que lado penderá a balança?Recordando, a acusação do MP divide-se em dois momentos: um primeiro, em que a 5 de Fevereiro de 2015 uma equipa da PSP vai à Cova da Moura fazer patrulhamento e detém Bruno Lopes, alegando que este tinha atirado pedras à carrinha da polícia — aí, um agente terá disparado dois tiros e atingido duas moradoras; um segundo momento, quando amigos deste jovem, entre eles membros do Moinho da Juventude, instituição galardoada com prémio de Direitos Humanos da Assembleia da República, se dirigem à esquadra para pedir esclarecimentos mas acabam detidos e acusados de invasão. O último dia de julgamento terminou com os advogados dos agentes da PSP a pedirem que fossem extraídas certidões das declarações das testemunhas para abrir processos-crime por “falsas declarações”. Jailza Sousa, Neuza Correia e Bruno Lopes contaram as suas versões do que aconteceu na Cova da Moura situando-o num local diferente do que foi apontado pelos agentes: Jailza Sousa falou do tiro de uma shotgun, disparado por um agente, que lhe acertou no ombro enquanto estava à varanda de sua casa; deu a sua versão sobre a detenção de Bruno Lopes, algo que observou da janela; Bruno Lopes relatou esse momento em que negou ter resistido ou atirado qualquer pedra e o momento depois na esquadra de Alfragide. Já Neuza Correia, a última testemunha, referiu, com algumas hesitações, que presenciou a detenção, ouviu o tiro e fugiu para uma garagem. O seu depoimento apresentou fragilidades: disse ter visto quatro polícias com caçadeira (o MP só refere um agente a ser o autor dos disparos); referiu no tribunal que tinha ido trabalhar depois do episódio mas à PJ dissera que tinha ido a um hipermercado com a irmã e uma amiga. As suas declarações levaram a juíza Ester Pacheco à impaciência: “Organize-se lá”. Também o Procurador do Ministério Público Manuel das Dores mostrou irritação - por exemplo, perguntou quantos polícias tinha visto naquele episódio que se passara há três anos, ela hesitou, ele perguntou de novo: “Três, quatro, cinco, seis? Eu não estava lá!”, afirmou já num tom de voz mais brusco. A descrição de Jailza Sousa gerou desconfiança à juíza, nomeadamente quando contou que depois do episódio foi resgatar à rua cartuchos que foram disparados da shotgun do agente. “Não há possibilidade, até por sugestão de terceiros e até da sua advogada de, no local, procurar outras munições ou quaisquer munições e haver alguma confusão nessa recolha, isto é, ter recolhido outras munições que não aquela?”, perguntou a juíza. E comentou depois: “Estou a tentar pôr-me no seu lugar e já tenho alguns anos de crime. Porque é que não chamou o 112 e a sua preocupação principal é uma atitude inteligente, mas não é comum? Ninguém está a dizer que não foi baleada. Mas tenho que lhe perguntar: não poderá haver alguma confusão da sua parte, não poderá ter apanhado isto noutra ocasião?”Não foi apenas o depoimento de Jailza Sousa ou Neuza Correia que gerou desconfiança a Ester Pacheco. A Bruno Lopes, que identificou “o agente da shotgun” e outro que lhe terá batido mais tarde na esquadra, a juíza perguntou a dada altura: “Isto foi no dia 5 de Fevereiro, não é outro episódio? E agridem-no ao pontapé, com aquelas botas e só tem uma ferida no nariz?”. Ao que ele responde. “Mas tinha hematomas, estava todo inchado nas costas, tinha o corpo todo danificado”. Depois de a vítima ter feito uma descrição das agressões, Ester Pacheco afirma: “Algumas perguntas vão ser desagradáveis mas eu tenho que perceber o que é que se passa: porque é que uma pessoa que é maltratada numa carrinha, é pontapeada na esquadra, o stress está lá em cima, tem sono? Não tem dores? Onde é que há margem para o sono?” Sem hesitar, Bruno Lopes respondeu que tinha dormido pouco na noite anterior. “Para ser sincero, estava cheio de medo”, disse. Noutros momentos, a juíza chegou mesmo a irritar-se, por exemplo, com um dos advogados das vítimas, José Semedo Fernandes. Na acusação do MP há a descrição de uma agente – que entretanto foi despronunciada – a limpar o chão, com uma esfregona, para ocultar vestígios de sangue. Alguns agentes, face a perguntas dos seus advogados, tinham afirmado que naquela esquadra não havia produtos de limpeza, que estes se encontravam guardados na esquadra em frente. Quando outra agente, Juliana Batista, estava a prestar depoimento, o advogado perguntou-lhe como é que naquela esquadra se limpa algo numa situação corriqueira. A juíza interrompe: “Mas porque é que esta senhora em especial sabe responder como é que se limpam as situações corriqueiras, ó sótor!? Não é por ser uma senhora, pois não?” O advogado lembrou o episódio descrito na acusação e explicou que foi por isso que fez a pergunta. Sessões antes, Ester Pacheco também se inquietou com depoimentos de alguns agentes. Logo no primeiro dia pediu ao agente João Nunes, autor dos disparos, que explicasse o que teria motivado seis jovens a invadir uma esquadra, ao que ele respondeu que “o ódio e confrontação que existe é grande”, mas a juíza comentou que era preciso serem heróis para o tentarem. Ao primeiro arguido a ser ouvido, André Castro e Silva – que disse que “uns 15 indivíduos” tentaram invadir a esquadra –a juíza questionou: “Que hipótese é que um grupo de 15 pessoas pode ter contra um efectivo de uma esquadra? É desproporcional. Está perdido à partida. Não conheço nenhum caso. ”Nessa sessão, a juíza afirmou que aquilo que o despacho de pronúncia descreve é “dantesco”. E depois de ler as declarações do agente André Castro e Silva que foram reproduzidas no despacho, de ódio racial, disse que a serem verdade “seria algo absolutamente infeliz e catastrófico”. O agente negou ter proferido tais palavras. Porém, em vários momentos a juíza também mostrou alguma condescendência pelos agentes. Por exemplo, a forma como foi feito o depoimento do agente Marco Monteiro levou-a a comentar, sorrindo, um pedido da sua advogada para que explicasse melhor: “Tem que dar mais emoção ao seu relato!"Várias vezes a magistrada respondeu por quem estava a testemunhar. Quando a advogada das vítimas perguntou a um polícia, Fábio Moura, quantos indivíduos terão participado na “alegada invasão” da esquadra, a juíza interrompeu, virando-se para o agente: “Parece-me que não é capaz de dizer quantos indivíduos é que eram, pois não?”A presidente tem sido a mais interventiva, embora o juiz Paulo Cunha já tenha colocado algumas perguntas, nomeadamente para questionar porque é que, se tinha existido uma invasão da esquadra, os agentes não chamaram reforços. Quem ainda não fez qualquer pergunta foi o terceiro elemento do colectivo, a juíza Susana Madeira. Terá este colectivo mais simpatia por uma das partes?Isabel Gomes da Silva, uma das advogadas dos agentes, não se pronuncia sobre o processo: “O tribunal é soberano e tem tomado as decisões que considera serem pertinentes”. Mas afirma: “Aquilo que temos vindo a dizer é que há um desfasamento muito grande entre o que consta da acusação e a verdade dos factos. Os arguidos falaram e esclareceram a verdade. Todos explicaram o que se passou, a verdade está a vir ao de cima. A prova está a ser produzida, as contradições são imensas”. Também Lúcia Gomes, advogada mandatária dos ofendidos, refere que há muitas contradições e incongruências nos depoimentos dos polícias. Afirma também que “há a sensação de as vítimas serem tratadas de forma diferente”. Apesar de reconhecer que é necessário “saber exactamente o que aconteceu e sustentar todos os factos” e que esse “esforço está a ser feito” pelo colectivo e pelo MP, a advogada afirma: “As vítimas foram interrogadas durante três horas seguidas, coisa que não aconteceu a nenhum polícia. Frequentemente a juíza deixa os advogados dos polícias usar estratégias de intimidação” – dá como exemplo o facto de terem anunciado processos-crime ás testemunhas por falsas declarações. Justifica a “sensação” de desigualdade de tratamento: “O facto de a Jailza ter quebrado a chorar no julgamento demonstra o ambiente que se vive. Ela é confrontada com factos como se estivesse a mentir, o que não aconteceu com os arguidos. Ainda não perceberam que a Cova da Moura não é Bagdad, não há tiroteios todos os dias e as pessoas estavam a temer pelas suas vidas. É normal que as coisas estejam confusas e que numa situação de pânico não estejam atentas a todos os detalhes – não se pode tratar as pessoas como se aquilo fosse o dia-a-dia delas”, defende. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Fundamental será ouvir as restantes vítimas directas, afirma. Isso “vai ditar o rumo do resto do julgamento”: “A descrição e verdade que trarão consigo será uma prova muito forte a ter em conta para além das que já foram documentadas. ”Em Julho, o MP pediu que as seis vítimas testemunhassem sem a presença dos agentes para não as intimidar – o procurador evocou o estatuto de “vítimas especialmente vulneráveis” para fazer este requerimento já que os arguidos estão acusados da prática de um crime violento que prevê esta hipótese. Na altura os seus advogados opuseram-se, dizendo que isso iria quebrar o princípio da presunção da inocência. Isabel Gomes da Silva admite a possibilidade de os agentes voltarem ao tribunal quando já o puderem fazer - mas ainda não foi tomada uma decisão pública.
REFERÊNCIAS:
Entidades PSP PJ
Com Fela, a música era sempre uma arma
A mais empenhada voz anti-poder na música africana foi a inspiração para o espectáculo de Serge Aimé Coulibaly, Kalakuta Republik , que estreia hoje no Festival de Almada. (...)

Com Fela, a música era sempre uma arma
MINORIA(S): Africanos Pontuação: 10 | Sentimento 0.0
DATA: 2018-12-31 | Jornal Público
SUMÁRIO: A mais empenhada voz anti-poder na música africana foi a inspiração para o espectáculo de Serge Aimé Coulibaly, Kalakuta Republik , que estreia hoje no Festival de Almada.
TEXTO: A semente da insubmissão estava plantada em Fela Kuti desde cedo. O pai, o reverendo Israel Ransome-Kuti, foi fundador de vários sindicatos de estudantes e professores na Nigéria; a mãe, Funmilayo Ransome-Kuti, liderou várias manifestações em Abeokuta, contra a política fiscal da cidade, conseguindo expulsar o líder local de então. Esta curta filiação no protesto é elencada por Dorian Lynskey em 33 Revolutions per Minute, livro em que se dedica a escalpelizar 33 canções que fizeram História enquanto música criada para desafiar o poder, clamar por mudanças sociais, guiar consciências, ganhar visibilidade por meio do choque ou, no limite, fragilizar o reinado de déspotas de todo o mundo. Fela Kuti é a presença africana num livro confessadamente marcado por limitações geográficas – com total predominância de autores anglófonos. Mas é justo que, a haver um só representante africano, essa escolha destaque a vida e a obra de Fela. Nenhum outro músico terá levado tão longe uma tomada de posição contra os governantes do seu país a ponto de reclamar a independência do lugar onde vivia. Foi após os primeiros momentos de tensão com as autoridades, numa altura de enorme popularidade e em que o seu estilo de vida desabrido parecia afrontar o poder, depois, portanto, das suas primeiras passagens pela prisão, que Kuti decidiu reivindicar um estado autónomo nos arredores de Lagos, a Kalakuta Republic, onde mandava ele próprio, o auto-denominado Black President. De toda uma longa colecção de canções que em Fela Kuti desafiava convenções sociais, religiosas, o pensamento colonialista e a submissão que tinha apensa, ou políticas governativas, Lynskey destaca Zombie como o exemplo mais contundente de um Fela contestatário – cujo verdadeiro nascimento se deu após o contacto com o movimento Black Power, em finais dos anos 60, nos Estados Unidos. E é fácil de justificar: Zombie, tema de um faiscante afrobeat, dirigia-se crítica e sarcasticamente aos militares nigerianos que cumpriam ordens como se não carregassem consigo um cérebro que as pudesse questionar. O resultado não se fez esperar e, em 1977, o ataque desferido pelos militares contra a Kalakuta Republic destruiu o espaço da comuna, o clube Africa Shrine, todas as fitas e gravações originais de Fela e terá resultado (volvidos dois meses) na morte da mãe do músico. A resposta do músico tomou forma sob temas cada vez mais revoltados e uma falhada tentativa de se candidatar à presidência do país. Mas o feito político de Fela nunca passou pelas urnas; passou antes por elevar sempre a música a uma arma de combate.
REFERÊNCIAS:
Étnia Africano
Presidente da Assembleia Municipal acusado de tentar coarctar liberdade de expressão
Munícipe Tatiana Moutinho acabou por conseguir intervir na reunião desta noite, mas foi interrompida quando acusou deputado de racismo. (...)

Presidente da Assembleia Municipal acusado de tentar coarctar liberdade de expressão
MINORIA(S): Africanos Pontuação: 10 | Sentimento 0.0
DATA: 2018-08-14 | Jornal Público
SUMÁRIO: Munícipe Tatiana Moutinho acabou por conseguir intervir na reunião desta noite, mas foi interrompida quando acusou deputado de racismo.
TEXTO: Vários representantes da oposição na Assembleia Municipal do Porto reagiram com incómodo, e críticas, à forma como o presidente deste órgão, eleito pelo grupo de Rui Moreira, tentou condicionar a intervenção de uma munícipe, no período dedicado ao público. Por causa da discussão gerada por este caso, a reunião que decorreu esta segunda-feira à noite prolongou-se, por mais 40 minutos, já para a madrugada de terça-feira, num debate aceso sobre racismo e sobre liberdade de expressão. Rui Moreira já não estava na sala quando o episódio se começou a adivinhar. Terminado o período da ordem do dia de uma sessão relativamente calma, e que até começara com um voto de pesar, unânime, pela morte do antigo líder do BE João Semedo, elogiado por todos pela forma recta, frontal e leal com que conduziu o seu percurso político, Miguel Pereira Leite abriu o período do público e chamou a munícipe em causa. Mas, sabendo, de antemão, que Tatiana Moutinho pretendia fazer declarações sobre um deputado da maioria, acusado de racismo por causa de um post do Facebook, tentou impor-lhe condições e balizar a intervenção, em modos que a levaram, inicialmente, a desistir de falar. Aproveitando o facto de a munícipe se ter identificado como candidata nas listas do Bloco a esta assembleia, num e-mail que esta lhe enviara com questões sobre o caso envolvendo o deputado municipal António Santos Ribeiro, Miguel Pereira Leite chegou a tratá-la, mais do que uma vez, como “sr. ª candidata”. Argumentou, a dado momento, que a cidadã em causa poderia intervir “sobre assuntos de interesse para o município”, mas convidou-a a assumir o lugar de um dos camaradas, numa sessão, para poder fazer uma intervenção “política” sobre a Assembleia Municipal em defesa da qual garantia, como presidente, estar a agir, ao impedir alguém de “insultar qualquer um" dos membros. Ainda antes de o centrista Raul Almeida, do grupo de Rui Moreira, lhe agradecer o facto de “preservar o estatuto da assembleia”, o líder deste órgão foi interpelado pelo socialista Gustavo Pimenta, que “preocupado, perturbado”, com o que acabara de assistir, o acusou de “exorbitar os seus poderes”, ao tentar condicionar a priori, o teor da intervenção da munícipe. “Não creio que possa ser coarctada a liberdade de se pronunciar”, insistiu, usando uma expressão que viria a ser repetida, minutos depois, pela deputada bloquista Susana Constante Pereira. Que via no episódio “uma preocupante concepção de democracia”. “O facto de a senhora ter sido candidata não lhe retira direitos. O sr. presidente não esteve bem”, atirou de seguida o comunista Artur Ribeiro, num momento em que Miguel Pereira Leite, depois de insistir na posição inicial, já dizia que a munícipe poderia falar, desde que, insistia, respeitasse a assembleia. Esta voltou a pegar no microfone, mas acabou por ser interrompida e impedida de continuar depois de acusar o deputado António dos Santos Ribeiro – ou David Ribeiro, no Facebook – de racismo e incitamento ao ódio num post sobre romenos, acampados perto de sua casa, que mereceu uma queixa da SOS Racismo. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Espectador atento de tudo isto, em sua própria defesa, o deputado em causa tentou fintar a polémica com uma curta declaração. "Se eu, que até sou adepto do Boavista, disser que um jogador mexicano do FC Porto não joga nada é considerado racismo?" A pergunta não obteve resposta, mas o caso fez o deputado Pedro Baptista levantar-se do “banco” para a intervenção mais exaltada da noite, na qual defendeu o amigo e “grande democrata” e acusou os críticos de preferirem expor o “folclore de preconceitos ideológicos” em vez de se preocuparem com a lixeira que o deputado denunciara e apelarem aos serviços públicos para resolverem o problema. “Vocês não passam de demagogos e oportunistas”, acusou, inflamado pelo debate, o antigo parlamentar socialista que foi eleito pelo grupo de Rui Moreira e para quem não há problema nenhum em associar a situação em causa a quem a provoca, porque David Ribeiro o faria naturalmente se estivessem em causa “dinamarqueses ou lisboetas”, em vez de romenos, garantiu. A intervenção haveria de merecer, mais tarde, reparos do comunista Artur Ribeiro, que a considerou “absolutamente lamentável” e digna, essa sim, notou, de interrupção por parte de Miguel Pereira Leite. Perante um estreante deputado substituto do PAN, Ernesto Morais, impressionado com o que ia testemunhando – “a resposta da assembleia não foi digna”, sentenciou – ainda houve tempo para mais algumas trocas azedas de palavras. O deputado bloquista Pedro Lourenço disse-se "envergonhado com a actuação" do líder deste órgão, que tomou a crítica, vinda de quem vinha, "como um elogio". Os apartes entre bancadas ainda continuaram, durante uma outra intervenção de Carla Leitão em defesa de David Ribeiro, e contra quem o acusava, “injustamente”. A sessão acabaria já pelas 00h35 com Miguel Leite Pereira a regozijar-se pelo início das férias. “Em Setembro voltaremos mais tranquilos”, suspirou.
REFERÊNCIAS:
Partidos PAN BE
PS, PCP e BE pedem explicações ao Governo sobre agressão a jovem no Porto
PS diz que "foi uma agressão com um fundamento racista" e que "acontecimentos como estes" não podem "ser mascarados". O BE quer saber se o Ministério da Administração Interna mantém licença a empresa 2045. PCP quer saber se IGAI vai investigar. Governo não comenta. (...)

PS, PCP e BE pedem explicações ao Governo sobre agressão a jovem no Porto
MINORIA(S): Africanos Pontuação: 10 | Sentimento 0.1
DATA: 2018-07-13 | Jornal Público
SUMÁRIO: PS diz que "foi uma agressão com um fundamento racista" e que "acontecimentos como estes" não podem "ser mascarados". O BE quer saber se o Ministério da Administração Interna mantém licença a empresa 2045. PCP quer saber se IGAI vai investigar. Governo não comenta.
TEXTO: O PS, o PCP e o Bloco de Esquerda exigiram ao Governo explicações sobre o caso da agressão com motivações racistas a uma jovem de 21 anos no Porto, Nicol, por um funcionário de uma empresa de segurança, a 2045. Mas o Ministério da Administração Interna limita-se a dizer que a Inspecção-Geral da Administração Interna (IGAI) abriu um processo "de índole administrativa" tendo pedido esclarecimentos à PSP. A posição do PS foi transmitida aos jornalistas pelo líder parlamentar socialista, Carlos César, depois de Nicol Quinayas, de 21 anos, nascida na Colômbia, ter sido violentamente agredida e insultada, na madrugada de 24 de Junho, no Porto, por um segurança da empresa 2045, responsável pela fiscalização da STCP (Serviço de Transportes Colectivos do Porto). Já o PSD defende que o Ministério da Administração Interna deverá proceder a uma averiguação interna, uma vez que a PSP terá sido alertada para a agressão. Falando no final da reunião da bancada do PS, Carlos César vincou que o seu partido "não está disponível para contemporizar com estas situações e para avaliá-las como simples episódios triviais, ou como desavenças na via pública". Mais tarde, em requerimento, questionou o Governo sobre a actuação da PSP, nomeadamente que procedimentos foram adoptados e se os envolvidos foram identificados. Já o Bloco de Esquerda quer saber, através de um requerimento, se o Ministério da Administração Interna pode “garantir que os agentes da PSP que se deslocaram ao local tudo fizeram para garantir que este crime é investigado sem que nenhuma prova se tenha perdido entretanto”. Pergunta ainda que medidas pretende o executivo “tomar ou exigir” em relação à empresa 2045 e se “pondera retirar a licença”. Os deputados do BE classificam a actuação de uma “enorme gravidade pelo facto de serem agressões racistas e xenófobas”. Entretanto, o PCP também questionou formalmente o Governo pedindo que se posicione sobre a agressão. Quer saber que medidas vai o MAI tomar e questiona porque não houve qualquer registo da ocorrência. "Vai este ministério solicitar à IGAI a investigação do comportamento dos agentes da PSP que se deslocaram ao local? Que medidas vai tomar para combater a xenofobia e racismo nas empresas de segurança e nas forças de segurança?"Aos jornalistas, Carlos César disse que "é importante que [o Governo] conclua rapidamente a proposta de lei para disciplinar melhor a actividade da segurança privada". "É importante também que o Governo tenha consciência de que aquilo que se passou não foi uma mera desavença", acentuou o líder da bancada socialista. Interrogado sobre a actuação das forças policiais, que poderão ter procurado desvalorizar este caso de agressão, o presidente do Grupo Parlamentar do PS referiu que estes acontecimentos "não podem ser subvalorizados", devendo, mesmo, ser "sobrevalorizados, porque é essa a obrigação das autoridades num Estado de Direito". "Não temos que defender o país que temos, temos de defender o país que queremos", contrapôs Carlos César. O que se passou no Porto, disse, "foi uma agressão com um fundamento racista, que não pode deixar de ser registada no plano político". "Entendemos que é importante que na sociedade portuguesa não se escondam acontecimentos como estes, que não sejam mascarados ou trivializados, sendo, antes, devidamente valorizados. É importante que na sociedade portuguesa se aprofunde o debate sobre o racismo", defendeu o líder da banca socialista. Carlos César advertiu que não se pode pensar que Portugal "é uma excepção no mundo" sobre fenómenos de racismo "e que tudo decorre da melhor forma". "Não podemos ignorar que situações destas escondem uma realidade que também coincide na vida social portuguesa", frisou o presidente do Grupo Parlamentar do PS. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Entretanto, também o PSD condenou durante a tarde desta quinta-feira a agressão, considerando que a situação constitui "um alerta" para que rapidamente seja aprovada nova legislação sobre segurança privada. "As imagens que foram partilhadas recentemente envolvendo a agressão e as consequências sobre uma cidadã luso colombiana causaram grande consternação na opinião pública e no grupo parlamentar do PSD", afirmou a vice-presidente da bancada do PSD Rubina Berardo, em declarações aos jornalistas, no Parlamento. A deputada sublinhou "o choque" sentido na bancada do PSD depois de Nicol Quinayas ter sido violentamente agredida e insultada: "Quaisquer atitudes racistas nunca serão toleradas no nosso país nem actos de misoginia", defendeu. E considerou "fundamental a aprovação das matérias da lei da segurança privada", que o Governo tinha ficado de apresentar até ao Verão. Para a deputada, a nova legislação poderia prevenir "abusos como os que aconteceram este fim-de-semana".
REFERÊNCIAS:
Partidos PS PSD PCP BE