O corpo de Jota Mombaça é um manifesto
Escreve e faz performance das suas ideias em torno das relações entre monstruosidade e humanidade, “estudos kuir”, justiça anti-colonial... fica-se com a impressão de que não apenas devorou teoria com a urgência de quem quis sobreviver, mas que esta lhe atravessou o corpo. Esteve na Bienal de Berlim com uma performance, está este domingo na Foz do Porto. (...)

O corpo de Jota Mombaça é um manifesto
MINORIA(S): Mulheres Pontuação: 6 Homossexuais Pontuação: 6 Africanos Pontuação: 7 | Sentimento 0.0
DATA: 2018-07-16 | Jornal Público
SUMÁRIO: Escreve e faz performance das suas ideias em torno das relações entre monstruosidade e humanidade, “estudos kuir”, justiça anti-colonial... fica-se com a impressão de que não apenas devorou teoria com a urgência de quem quis sobreviver, mas que esta lhe atravessou o corpo. Esteve na Bienal de Berlim com uma performance, está este domingo na Foz do Porto.
TEXTO: Convidada a participar na Bienal de arte contemporânea de Berlim para uma leitura-performance, Jota Mombaça, 27 anos, nascida e criada no Nordeste do Brasil, nómada a residir actualmente em Lisboa, define-se a si mesma como "bicha não binária". Afável, exuberante e frágil, vestida com uma túnica que lhe serve para para confundir definições e revelar um corpo tatuado, recusando qualquer tipo de normatividade, vem ao nosso encontro uma guerreira temível que dispara com a acutilância das palavras. Fica-se com a impressão de que não apenas devorou teoria com a urgência de quem quis sobreviver, mas que esta lhe atravessou o corpo. "Pode um cu mestiço falar?" é um título de um texto seu em que se apropriava o título de um ensaio da filósofa indiana Gayatri Spivak, "Podem os subalternos falar?". A resposta, provocadora, era não. Jota Mombaça não só escreve como faz performance das suas ideias, trabalhando em torno das relações entre monstruosidade e humanidade, "estudos kuir", justiça anti-colonial, redistribuição da violência, ficção visionária e tensões entre arte e política nas produções de conhecimentos do "Sul-do-Sul globalizado". Para uma nova geração de artistas, activistas, investigadores e curadores investidos no debate sobre a descolonização, que está a atravessar um apogeu nas artes, tornou-se impossível pensar a questão do racismo sem cruzar as dimensões de classe social ou de identidade de género. "Não há lutas unidimensionais porque não há vidas unidimensionais", diz Jota Mombaça, citando a afro-americana Audre Lorde (1934-1992). Há diferenças decisivas entre o debate actual e o momento histórico da luta pela independência das colónias ou da segunda vaga do feminismo (que ficou conhecida no contexto português através do julgamento do livro Novas Cartas Portuguesas, de Maria Isabel Barreno, Maria Teresa Horta e Maria Velho da Costa). Diferenças de origens de classe, em que os combates estiveram associados a uma classe média-alta urbana que protegia o privilégio do acesso à universidade. Diferenças de horizontes teóricos –? o marxismo era a narrativa de fundo e o "povo" era a categoria abstracta para a qual tudo se remetia – e de práticas culturais – a poesia era a arma central para escapar à censura. O corpo de Jota Mombaça é, por si só, um manifesto e torna evidente o que entretanto mudou. Encontrá-la é ter a sensação de que algo tem andado invisível no debate público, nas vozes e nos corpos autorizados a falar (ela utilizará a noção de "lugar da fala" para situar e questionar em permanência quem fala, de que posição e para quem). E digamos sem rodeios, vem aí um tremor de terra. A mudança situa-se desde logo no interior mesmo da linguagem utilizada. Pouco fica de pé. Se é evidente que Jota Mombaça deve muito aos estudos queer e pós-coloniais das últimas décadas, e tratando-se de autores na maior parte dos casos ainda por traduzir, será então ela que vai "entortar" os conceitos e adaptá-los à sua experiência de um país ex-colonizado. Assim, queer tornar-se-á cuir, e Jota identifica práticas populares de desobediência sexual e de identidade género que já existiam (como os terreiros de candomblé queto, em que participantes conjugam códigos femininos e masculinos) muito antes de serem teorizados pela categoria global do queer. Mas quando pensaríamos que esta lógica de digestão local poderia remeter para precedentes que passariam pelo manifesto antropofágico brasileiro (1928), Jota dispara: "A antropofagia foi uma lógica de devoração e eu pratico uma lógica de vómito. O poeta Oswald de Andrade [1890-1954] integra ainda uma forma de colonialismo interno, trata-se de uma elite branca, com acesso exclusivo à arte e com uma imagem idealizada do sujeito racializado. Há uma ficção da democracia racial, quando a negritude foi sendo aniquilada pela pobreza e miscigenação. A filósofa e psicanalista Suely Rolnik, investigadora em São Paulo, lembra que o capitalismo financeiro devora tudo e pratica uma antropofagia zombie, criando uma hiper-flexibilidade do sujeito e impedindo subjectividades – para ela não são apenas necessárias resistências macropolíticas mas também uma micropolítica do desejo, porque de outra forma se reproduz o inconsciente colonizado pelo capitalismo e volta tudo ao mesmo lugar. "Há que desenvolver uma ética própria, uma política do cuidado, recusando o banquete que nos é imposto. Comer aquilo que nos potencializa e vomitar o projecto genocida cristão do corpo colonizado". Jota Mombaça, que este domingo, às 19h30, na Praia do Homem do Leme (Foz do Porto) fala sobre Dor, Dívida, Dilema: O que significa descolonizar, a convite do Teatro Experimental do Porto, foi também convidada pela Bienal de Berlim a escrever um texto fundamental no catálogo (Por uma greve ontológica) que tem a impetuosidade crítica habitual da autora, próxima de um manifesto, mas introduz uma melancolia inusitada. Partindo da impressão de que o seu trabalho é uma fuga para se "salvar de algo do qual não posso ser salva" e fazendo por escapar às estatísticas dos corpos negros queer confrontados com a violência ou a morte (numa das suas tatuagens lê-se "A gente combinamos de não morrer", citando uma das autoras brasileiras que mais admira, Conceição Evaristo, nascida numa favela de Belo Horizonte). O texto resume uma lógica de exploração das contradições e conflitos que distingue a sua escrita – não se limitando a criticar posições dominantes mas também posturas supostamente críticas – para interrogar a forma como a arte contemporânea (e as bienais) obriga os corpos e as vidas negras queer a transformarem-se no tema do trabalho, sendo que estes corpos já são determinados por estruturas de poder lhes extraem subjectividade. E recusa-se a estabelecer uma narrativa heróica sobre as lutas destes corpos e vidas quebrados para evitar que isso se torne a condição para ter acesso ao mundo da arte. "O que não quer dizer que eu entre num fetichismo do-it-yourself, o meu trabalho está atravessado por instituições". Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. A melancolia parece surgir de uma constatação lúcida, já evocada por José Esteban Muñoz (1967-2013), investigador de performance e teórico da desidentificação (enquanto forma de oposição à identidade), quando sublinhava estar consciente de que o devir queer ainda é uma utopia. "O futuro é um privilégio", diz Jota, e talvez por isso cite no seu texto a escritora afro-americana de ficção cientifica Octavia E. Butler – outra das autoras reverenciadas por esta nova geração – procurando extrair o futuro desta lógica de utopia, partindo da negritude. Numa conferência no Rio de Janeiro, Jota Mombaça criticou o princípio estandardizado de fluidez de género, acrescentando que no contexto de precariedade generalizada que combate, o seu género "não flui, como é possível?". Interrogou-se ao anunciar a sua transição de identidade de género: "Embora eu saiba identificar a estrutura da qual me afasto, fugindo ao projecto arbitrário da masculinidade" (a obrigação de uma concordância entre identidade e sexo de nascença), "prossigo sem coordenadas para saber onde isso me pode levar e, portanto, tropeço (…). Pensar na transição e na descolonização a partir de uma perspectiva abolicionista requer pensar e deslocar provisoriamente a questão sobre o que vou passar a ser, abrindo espaço para outras questões: como desfazer o que fazem de mim?". No contexto lisboeta, Jota Mombaça tem escrito e participado em plataformas que estão a abrir espaços para o debate da descolonização, marcado recentemente pela polémica gerada em torno da designação do museu das "descobertas" ou da estátua do Padre António Vieira. "A reciclagem 'pós-colonial' dessa personagem, amparada pelo imaginário amplamente difundido da colonização portuguesa como branda e, particularmente, do referido padre como tendo sido uma figura sensível à humanidade das gentes que viviam nas terras do que hoje chamamos Brasil, atesta de maneira contundente a hegemonia do lugar de fala branco-colonial como infraestrutura dos regimes de verdade". Encontrou vozes aliadas em projectos lisboetas como Buala ou a rádio Afro-Lis, ou na colectânea de poetas e autores negros Djidiu – A Herança do Ouvido, incluindo nesta rede de afinidades o jovem poeta queer Daniel Lourenço – interessado por formas de neuro-dissidência em saúde mental e tecendo críticas ao capacitismo – ou a investigação do Nicholas Mirzoeff na Universidade Nova sobre culturas visuais de protesto. E atribui um valor histórico às duas conferências em Lisboa de Grada Kilomba, artista e investigadora lisboeta a residir em Berlim (e que está também a participar na Bienal), em que esta considerou "uma profunda negação" a relação da subjectividade portuguesa com a "ferida colonial". Jota é extremamente crítica em relação à invisibilidade para a qual estão remetidas as vozes negras neste debate. "Quando uma pessoa branca diz 'usar seu privilégio' para 'dar voz' a uma pessoa negra, ela di-lo na condição de que essa 'voz dada' possa ser posteriormente metabolizada como valor, sem com isso desmantelar a lógica de valorização do regime branco de distribuição das vozes". E assume que a dificuldade para quem pratica a dissidência está em preservar as sementes de pessoas ainda por existir, que terão de se inventar a si mesmas a partir daquelas que foram historicamente negadas.
REFERÊNCIAS:
Religiões Candomblé
A Bienal de Berlim declarou guerra
A guerra anunciada é um transformação da linguagem utilizada para falar de arte, uma linguagem inspirada pelas ciências sociais, em particular os estudos pós-coloniais e de género. (...)

A Bienal de Berlim declarou guerra
MINORIA(S): Mulheres Pontuação: 6 Africanos Pontuação: 7 | Sentimento 0.0
DATA: 2018-07-16 | Jornal Público
SUMÁRIO: A guerra anunciada é um transformação da linguagem utilizada para falar de arte, uma linguagem inspirada pelas ciências sociais, em particular os estudos pós-coloniais e de género.
TEXTO: Quando a curadora sul-africana da Bienal de Berlim, Gabi Ngcobo, chegou à conferência de imprensa de óculos escuros com a sua equipa de curadores guerrilheiros associados (Thiago de Paula Souza, Nomaduma Rosa Masilela, Yvette Mutumba, Moses Serubiri), qual Black Panthers, percebeu-se que a linguagem seria de combate: "Nós estamos em guerra", declarou. Com a discussão que se seguiu percebeu-se melhor o programa estratégico desta edição em que o texto de apresentação é de uma cautela extrema. A imprensa estava preparada para transformar esta manifestação na bienal da descolonização, com uma maioria esmagadora de artistas ligados à diáspora africana, caribense e sul-americana (e um recorde de 72% de mulheres na lista dos artistas). Os curadores começaram então por recusar definições: "Somos todos pós-coloniais", afirmou a curadora para lembrar que estamos inseridos numa realidade que atravessou um processo de desumanização radical, para o qual não há volta atrás e que actualiza os seus efeitos sob outras formas. "É problemático considerar que os artistas da Bienal são descobertas apenas porque na Europa não são conhecidos. Nós conhecemo-los, eles conhecem-se a si próprios e nos seus países de origem", acrescentou. Mas a guerra anunciada é sobretudo um transformação da linguagem utilizada para falar de arte, uma linguagem inspirada pelas ciências sociais, em particular os estudos pós-coloniais e de género (na versão actual do feminismo, recusando qualquer identidade uniformizada). A curadora Gabi Ngcobo afirmou a necessidade de descolonizar e de levar a cabo um trabalho para desfazermos identidades, questionando construções históricas estabelecidas. Este princípio de recusa surge logo no título da Bienal, We don’t need another hero (citando Tina Turner numa canção numa perspectiva de auto-determinação), e prolonga-se no programa de actividades (intitulado "Eu não sou o que tu pensas que eu não sou", perturbando qualquer posição fixa). Não há bienal de arte contemporânea que não cite actualmente Fred Moten, poeta e investigador na área dos black studies (autor de The Undercommons com Stefano Harney). "Quando Fred Moten fala de comunidades fugitivas, com raízes na segregação, trata-se de elaborar um plano de fuga enquanto processo de subjectivação. Quer dizer, foge-se para fugir, não para atingir uma promessa de utopia. A ansiedade de chegar à promessa é na realidade a vontade de ser capturado, mas o mundo continua, as batalhas deslocam-se", como diz a artista Jota Mombaça. O tom de guerrilha poderia levar a pensar que esta bienal privilegiaria os discursos às formas. Não é o caso. Há momentos fortes: a surpresa de descobrir as pinturas abstractas em madeira da afro-americana Mildred Thompson (1936–2003) ou a forma como Belkis Ayón (1967–1999) inventa uma iconografia mística para a sociedade secreta cubana Abakuá, introduzindo um culto feminino. Mas esta edição é bem comportada, estudiosa e por vezes convencional. Oscar Murillo, um dos raros artistas expostos associado ao mercado da arte, bem pode explicar que a sua escultura intestinal já não digere os excessos do mundo, expulsando os humanos mas celebrando a livre circulação dos produtos; a Bienal parece querer posicionar-se do lado do bem, aquele que tem sempre razão. Não é de espantar que as obras mais perturbadoras sejam as que integram auto-crítica, humor e dissonâncias estéticas, como o vídeo da Sondra Perry fazendo um paralelo cáustico entre tipologias de jogadores de basquetebol (nos jogos de consola) e as classificações praticadas por museus ditos universais em relação a artefactos pilhados em África. A instalação vídeo marcante de Grada Kilomba (com a participação de Kalaf Epalanga como actor) lembra como uma voz doce pode demolir de forma radical as estruturas sociais arbitrárias assentes na violência - neste caso envolvendo o complexo de Édipo, mito "branco" perpetuando uma noção isolacionista de família. No meio das ruínas da instalação monumental da artista Dineo Seshee Bopape, inspirada num romance de Bessie Head sobre o mergulho na loucura de uma mulher colonizada, vê-se o rosto de Nina Simone, que gerou comoção, dizendo durante um concerto: "É impossível imaginar que possamos chegar à situação que faz com que esta canção se torne necessária". A Bienal de Berlim declarou guerra mas está sobretudo numa encruzilhada - como desfazer identidades quando é necessário lembrá-las para desencadear processos de emancipação? Falta para tal a capacidade de imaginar futuros desconhecidos.
REFERÊNCIAS:
Partidos LIVRE
Deputado municipal do Porto multado por post no Facebook sobre romenos "energúmenos"
Comissão para a Igualdade aplicou coima de 428 euros a António Santos Ribeiro por discriminação racial. (...)

Deputado municipal do Porto multado por post no Facebook sobre romenos "energúmenos"
MINORIA(S): Mulheres Pontuação: 2 Ciganos Pontuação: 6 Africanos Pontuação: 7 | Sentimento 0.0
DATA: 2018-12-31 | Jornal Público
SUMÁRIO: Comissão para a Igualdade aplicou coima de 428 euros a António Santos Ribeiro por discriminação racial.
TEXTO: A Comissão para a Igualdade e Contra a Discriminação Racial (CICDR) aplicou uma coima ao deputado municipal do Porto António Santos Ribeiro pela “prática de discriminação racial”. Em causa está um post de Julho na página de Facebook do deputado, eleito nas listas de Rui Moreira, intitulado “Ciganos romenos no Porto”. A informação foi avançada na sexta-feira pela associação SOS Racismo, que apresentou a queixa e que pretende agora que o deputado municipal se demita. "O SOS Racismo foi hoje [28 de Dezembro] notificado da decisão proferida pela CICDR, da condenação do deputado à Assembleia Municipal do Porto, António Santos Ribeiro, na coima de 428, 80 Euros, pela prática de actos de discriminação racial, sob a forma de assédio", pode ler-se no comunicado. A associação cívica exige, ainda, que a condenação leve o deputado municipal a apresentar a demissão, considerando “particularmente grave que um responsável autárquico, com funções de representação do povo que o elegeu, difunda e torne públicas mensagens de natureza discriminatória, em afirmações pontuadas por preconceitos e insultos”. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. O PÚBLICO não conseguiu chegar à fala com António Santos Ribeiro. Na publicação de Julho, o deputado referia-se a um “grupo de 20 a 30 romenos”, na sua maioria jovens e mulheres que, segundo ele, seriam um “autêntico martírio” para comerciantes e residentes da zona da Boavista, no Porto. Dias após as declarações, a polémica passaria das redes sociais para a Assembleia Municipal. Seria a própria associação SOS Racismo a apresentar uma queixa junto da CICDR, que instaurou ao deputado um “processo de contra-ordenação” com o objectivo de “apurar a natureza discriminatória das declarações proferidas publicamente”. “Não, não sou racista nem xenófobo, mas sou declaradamente contra quem recusa qualquer tipo de ajuda social e prefere continuar a viver da mendicidade, do pequeno furto e a dormir em jardins e espaços públicos, conspurcando os terrenos que são de todos os cidadãos”, escreveu na publicação do Facebook, onde usa o nome David Ribeiro. O texto termina com um apelo: "[É preciso] encontrar rapidamente formas eficazes de proteger os cidadãos destes energúmenos”.
REFERÊNCIAS:
Palavras-chave ajuda racismo social igualdade mulheres racista assédio discriminação
Post no Facebook sobre romenos "energúmenos" vale processo a deputado municipal do Porto
Comissão para a Igualdade e Contra a Discriminação Racial abriu processo de contra-ordenação contra António Santos Ribeiro. Em causa estão declarações de "natureza discriminatória". (...)

Post no Facebook sobre romenos "energúmenos" vale processo a deputado municipal do Porto
MINORIA(S): Mulheres Pontuação: 2 Ciganos Pontuação: 6 Africanos Pontuação: 7 | Sentimento 0.3
DATA: 2018-08-31 | Jornal Público
SUMÁRIO: Comissão para a Igualdade e Contra a Discriminação Racial abriu processo de contra-ordenação contra António Santos Ribeiro. Em causa estão declarações de "natureza discriminatória".
TEXTO: As declarações apreciadas como sendo de natureza discriminatória foram proferidas pelo deputado António Santos Ribeiro num post na sua página de Facebook, em Julho, e espalharam a discórdia na própria Assembleia Municipal (AM) do Porto dias depois. Agora, no seguimento de uma queixa apresentada pela SOS Racismo, a Comissão para a Igualdade e Contra a Discriminação Racial instaurou ao deputado eleito nas listas de Rui Moreira um “processo de contra-ordenação” com o objectivo de “apurar a natureza discriminatória das declarações proferidas publicamente” por Santos Ribeiro, confirmou a comissão ao PÚBLICO. O processo, acrescenta, decorrerá "de acordo com os trâmites previstos na Lei n. º 93/2017 de 23 de Agosto", que estabelece o regime jurídico da prevenção, da proibição e do combate à discriminação, em razão de ordem racial e étnica, cor, nacionalidade, ascendência e território de origem. Num post entretanto eliminado, cuja primeira frase, uma espécie de título, era “ciganos romenos no Porto”, o deputado referia-se a um “grupo de 20 a 30 romenos, maioritariamente mulheres e jovens” que, segundo ele, seriam um “autêntico martírio” para residentes e comerciantes na zona da Boavista, no Porto. “Não, não sou racista nem xenófobo, mas sou declaradamente contra quem recusa qualquer tipo de ajuda social e prefere continuar a viver da mendicidade, do pequeno furto e a dormir em jardins e espaços públicos, conspurcando os terrenos que são de todos os cidadãos”, escreveu no Facebook, onde usa o nome “David Ribeiro”. O texto termina com um apelo: [É preciso] encontrar rapidamente formas eficazes de proteger os cidadãos destes energúmenos”. Em comunicado, a SOS Racismo, que recebeu uma notificação a comunicar a abertura do processo, já se congratulou com a decisão da comissão, esperando agora que “o processo de contra-ordenação cumpra os seus trâmites legais, com a celeridade que a gravidade do caso implica”. A associação solicita ainda aos deputados da AM e ao movimento de Rui Moreira que “tomem uma posição pública sobre o sucedido”. Na altura, em declarações à agência Lusa, António Santos Ribeiro considerou que o texto em nada indicava que era "racista, xenófobo ou que tenha incitado ao ódio". O PÚBLICO tentou, sem sucesso, contactar o deputado das listas de Rui Moreira e o próprio presidente da AM, Miguel Pereira Leite. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. O tema passou das redes para a assembleia na reunião de 31 de Julho quando, ao pedir a palavra, uma munícipe foi avisada pelo presidente da AM das condições da sua intervenção. Tatiana Moutinho começou por desistir de falar, mas acabou por pegar no microfone para acusar António Santos Ribeiro de racismo e incitamento ao ódio. Miguel Pereira Leite, que tratou várias vezes a munícipe por “senhora candidata”, referindo-se ao facto de Tatiana Moutinho ter integrado as listas do Bloco de Esquerda, argumentou, a dado momento, que a cidadã em causa poderia intervir “sobre assuntos de interesse para o município”, mas convidou-a a assumir o lugar de um dos bloquistas. Vários deputados da oposição e plateia reagiram à posição de Pereira Leite com críticas. Já o deputado visado limitou-se a dizer: "Se eu, que até sou adepto do Boavista, disser que um jogador mexicano do FC Porto não joga nada é considerado racismo?"
REFERÊNCIAS:
Palavras-chave lei ajuda racismo social igualdade espécie mulheres racista discriminação
Os ciganos "não valem nada"? "Não somos tão maus como pensam!"
O comissário europeu dos Direitos Humanos foi esta terça-feira a Torres Vedras ver um bom exemplo de desenvolvimento de um programa de mediação cultural entre comunidades ciganas e instituições. (...)

Os ciganos "não valem nada"? "Não somos tão maus como pensam!"
MINORIA(S): Mulheres Pontuação: 2 Africanos Pontuação: 7 Ciganos Pontuação: 21 | Sentimento -0.83
DATA: 2017-07-10 | Jornal Público
SUMÁRIO: O comissário europeu dos Direitos Humanos foi esta terça-feira a Torres Vedras ver um bom exemplo de desenvolvimento de um programa de mediação cultural entre comunidades ciganas e instituições.
TEXTO: O comissário europeu dos Direitos Humanos, Nils Muiznieks, queria ver como é que estava a funcionar o Romed, um programa do Conselho da Europa e da União Europeia destinado a promover a mediação entre as comunidades ciganas e as instituições. E decidiu ir esta terça-feira a Torres Vedras. “Eu queria ver o que pode acontecer quando um município tem boa vontade”, explicou. “Já vi muitos dirigentes locais que nada querem fazer, que ignoram os problemas, que não dialogam com ciganos. ”A segunda fase do programa, que arrancou em 2014, foi desenvolvida numa dezena de países escolhidos a dedo: Bélgica, Bósnia e Herzegovina, Bulgária, Grécia, Hungria, Itália, Portugal, Eslováquia, Macedónia e Roménia. Em Portugal, além de Torres Vedras, participam Beja, Figueira da Foz, Barcelos, Seixal, Elvas e Moura. Na tentativa de envolver as comunidades ciganas na resolução dos seus problemas, de aumentar a sua participação democrática, cada município tem um facilitador/mediador. Foram também criados grupos de acção, que agregam dez a 14 pessoas, sobretudo rapazes. À espera, na manhã desta terça-feira, Muiznieks tinha uma comitiva que incluía o presidente da câmara, Carlos Manuel Antunes Bernardes, e Bruno Gonçalves, vice-presidente da Letras Nómadas, a organização que em Portugal presta apoio ao programa Romed. Teve depois ocasião de conversar com o facilitador, Lindo Cambão, e com alguns membros do grupo de acção local. Deu um salto ao Parque do Choupal, onde dois homens de etnia cigana tratavam da relva. Passou pela Casa das Histórias, onde uma peça artística alusiva à história e à cultura cigana está a ser preparada. E foi ao mercado comer um bacalhau com feijão manteiga, prato típico de Natal entre ciganos portugueses. Não quis ir ao bairro da Boavista-Olheiros, onde moram muitos dos 300 membros da comunidade cigana de Torres Vedras. “Já fui a bairros de ciganos em vários países europeus”, explicou Muiznieks. “Para ser honesto, são muito semelhantes. A miséria é semelhante em toda a Europa. Queria perceber como é que que as autoridades locais decidiram que precisavam de um mediador, como desenvolveram o diálogo com os ciganos, quais os problemas que os ciganos identificaram como prioritários, como se está a tentar criar consciência através da cultura. ”Lindo Cambão, o mediador, tentou satisfazer as curiosidades. Porquê ele? “Sou de cá, nascido e criado. Dou-me bem com toda a gente, ciganos e não-ciganos. ” Teve algum medo. “A minha experiência era como vendedor. ” Assustava-o a ideia de cumprir horários. “Uma coisa é sair de madrugada para a feira e voltar à hora do almoço, outra é entrar às nove e sair às cinco. ” Obedecer também lhe causava estranheza. “O mais difícil foi ter superior hierárquico. Antes era patrão. ”A primeira missão foi ajudar o município a conhecer melhor a comunidade cigana. Noventa pessoas responderam a um inquérito. A partir daí foi possível fazer um diagnóstico: 74% por estavam desempregados, 58% viviam de subsídios, só 34% tinham completado o primeiro ciclo, 13% nunca tinham ido à escola e as maiores razões dadas para abandonar a escola eram a tradição (36%) ou a necessidade de trabalhar (29%). No que à participação diz respeito, 94% nunca tinham votado. Os rapazes mantêm-se mais tempo na escola. Grande parte das raparigas chega ao fim do 1. º ou do 2. º ciclo e deixa de aparecer. Há uma tentativa de as manter com um pé na escola até ao fim do 3. º ciclo, através do ensino doméstico. A partir daí, razia. Só há uma a frequentar o 10. º ano. Muiznieks quis saber se são os pais que dizem: “Já estás a ficar com uma certa idade, os rapazes estão a olhar muito para ti, é altura de deixar a escola”. E Cambão anuiu: “Continua a haver pais que depois de uma certa idade olham para as filhas e não acham bem. Isso de dia para dia está a acabar”, acredita. “Espero que a minha filha que tem 7 anos vá andando. Isto não é só um problema dos pais. É um problema dos outros. Dizem: ‘E tu não tens vergonha? A tua filha tão grande anda na escola? Podia estar em casa. A tua filha está boa é para estar em casa a arrumar. ’”A falta de vontade de alguns convive com o racismo de outros. Essa é a opinião de Lindinho Cambão, o filho, de 11 anos. “Quando alguns colegas descobrem que sou cigano começam a mandar bocas, a dizer: ‘os ciganos não valem nada, os ciganos são uma m…’ Não somos tão maus como pensam!”Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Nada disso ajuda na hora de entrar no mercado de trabalho, atalha Valentim Vieira, de 21 anos, a fazer vida de feira enquanto não arranja algo melhor. “Em Torres, comparado com outros municípios, não é muito carregado, não há muito racismo, mas há um pouco. Se concorrer eu e um não-cigano, vai o não-cigano. ”O grupo de acção local começou a reunir-se em Agosto de 2014 e pôs o emprego no topo das prioridades. Propôs que se contratassem quatro pessoas de etnia cigana (dois homens e duas mulheres e quatro empregos foram oferecidos, ainda que temporários, precários). Sugeriu que se pedisse um apoio para fazer uns arranjos na igreja evangélica. E uma festa para divulgar a sua cultura e a sua gastronomia. Por causa disto tudo e de um pequeno documentário que ele e outros estudantes fizeram sobre vivências e cultura cigana – Olhar em Roda, promovido pelo Académico de Torres Vedras – Lindinho acredita que quando for grande tudo será diferente. Muiznieks ouvia, sorridente. “Os problemas, mesmo numa situação relativamente boa como Torres Vedras, são iguais. As pessoas falam de racismo, de acesso à educação, de falta de emprego, mas aqui parece haver uma atmosfera positiva, a sensação de que as coisas estão a mudar”, avalia. “Eles querem trabalhos não só para ganhar a vida, mas também para mostrar que podem trabalhar e que são capazes de trabalhar. Aparentemente, há quem pense que não querem ou não são capazes de trabalhar. Estes exemplos são muito importantes. Mesmo que se possa dizer que cinco empregos não é muito, faz diferença. São pequenos passos, mas são na direcção certa. ”
REFERÊNCIAS:
Étnia Cigano
Há 1,4 milhões de crianças em risco de morrer de fome nos próximos meses
O Programa Alimentar Mundial diz que são 20 milhões as pessoas que podem morrer até ao fim do Verão em quatro países. (...)

Há 1,4 milhões de crianças em risco de morrer de fome nos próximos meses
MINORIA(S): Mulheres Pontuação: 2 Africanos Pontuação: 7 | Sentimento 0.0
DATA: 2017-02-22 | Jornal Público
SUMÁRIO: O Programa Alimentar Mundial diz que são 20 milhões as pessoas que podem morrer até ao fim do Verão em quatro países.
TEXTO: Quatro países estão ameaçados pela fome em 2017. “Isto não tem precedentes. Até agora, nunca tínhamos visto mais de dois ao mesmo tempo”, diz o director adjunto do Programa Alimentar Mundial, Peter Smerdon. A este ponto chegaram por causa da violência da guerra o Iémen, o Sudão do Sul e a Nigéria, e por causa da seca a Somália. Entre estas pessoas, perto de 1, 4 milhões são crianças, avisa a UNICEF. O director da agência da ONU para a infância, Anthony Lake, pede ao mundo para agir depressa. “Quando chegamos ao estado de fome já é demasiado tarde para muitas pessoas”, explica Peter Smerdon, entrevistado pela televisão France 24. “Não podemos deixar o mundo viver em tais extremos de sofrimento. É preciso que a comunidade internacional pressione os governos e os grupos rebeldes para impedir que estas regiões caiam em conflitos prolongados crónicos. Assim, mesmo em caso de seca ou de alterações climáticas, podemos ser capazes de intervir antes da fome”. Segundo a UNICEF, as crianças identificadas já sofrem de malnutrição, nalguns casos muito prolongada. Os dois países mais afectados são o Iémen e a Nigéria. É no Iémen que há mais crianças severamente malnutridas: são pelo menos 462 mil. Em Outubro, a mesma UNICEF estimava que no país mais pobre da Península Arábica houvesse 1, 5 milhões de crianças a sofrer de malnutrição, incluindo 370 mil de “malnutrição aguda severa, que enfraquece o sistema imunitário a um ponto em que se multiplicam por dez os riscos de morte”. Hoje, há 2, 1 milhões de crianças malnutridas e 18, 8 milhões de pessoas – mais de dois terços da população – a precisar de ajuda alimentar. “Dois anos de guerra devastaram o Iémen e milhões de crianças, mulheres e homens precisam desesperadamente da nossa ajuda”, sublinha o chefe das operações humanitárias da ONU, Stephen O’Brien. A pretexto da guerra civil entre o Governo e rebeldes xiitas, a Arábia Saudita lançou uma intervenção militar em Março de 2015 coligada com outros países árabes: os bombardeamentos no porto de Hodeida impedem a chegada de alimentos, já que o Iémen importa quase tudo o que consome. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Na Nigéria, há 450 mil crianças em risco na região Nordeste do país, onde se concentram as operações do grupo islamista Boko Haram. De acordo com a Fews Net, a Rede de Sistemas de Alerta Precoce Contra a Fome, já há fome desde o fim do ano passado nas zonas mais remotas da província nigeriana de Borno. Face à impossibilidade de chegar às vítimas, a situação só vai piorar, avisa a UNICEF. “Ainda podemos salvar muitas vidas”, diz Anthony Lake num comunicado. A seca deixou 185 mil crianças em risco extremo na Somália e este número deve crescer para as 270 mil nos próximos meses, enquanto no Sudão do Sul, a guerra civil e a seca levaram três agências da ONU a declarar o país em situação de fome. “Uma declaração formal de fome significa que as pessoas já começaram a morrer. A situação é a pior catástrofe de fome desde que os combates irromperam, há mais de três anos”, dizem num comunicado os responsáveis do PAM, da UNICEF e da FAO, a Organização para a Agricultura e a Alimentação das Nações Unidas.
REFERÊNCIAS:
Entidades ONU
A violência sexual é cada vez mais uma arma de terror
Relatório da ONU denuncia a estratégia dos grupos extremistas como o Estado Islâmico e o Boko Haram. (...)

A violência sexual é cada vez mais uma arma de terror
MINORIA(S): Mulheres Pontuação: 2 Africanos Pontuação: 7 | Sentimento 0.5
DATA: 2015-05-02 | Jornal Público
SUMÁRIO: Relatório da ONU denuncia a estratégia dos grupos extremistas como o Estado Islâmico e o Boko Haram.
TEXTO: Os grupos extremistas como o Estado Islâmico (EI) na Síria e no Iraque e o Boko Haram na Nigéria estão a utilizar cada vez mais a prática de violências sexuais como uma “táctica de terror” contra a população civil, refere um relatório das Nações Unidas que vai ser apresentado ao Conselho de Segurança nesta quarta-feira. Num relatório anual compilado por Zainab Bangura, a responsável dos serviços da ONU que se debruçam sobre a violência sexual em conflitos armados, refere-se, para além do EI e do Boko Haram, a Frente al-Nusra, os shebab da Somália e mais nove grupos armados, numa lista negra de organizações acusadas de violências sexuais. “O ano de 2014 foi marcado por informações profundamente perturbadoras que dão conta de violações, casos de escravatura sexual e casamentos forçados, levados a cabo por grupos extremistas como táctica de terror”, afirmou Zainab Bangura. As populações civis da Síria, Iraque, Nigéria, Somália e Mali são as mais afectadas por este flagelo. “A violência sexual faz parte de uma estratégia aplicada pelo EI que consiste em espalhar o terror, perseguir as minorias étnicas e religiosas e suprimir populações inteiras que se opõem à sua ideologia”, explica o relatório da ONU. Este tipo de violência sexual visa em particular mulheres e raparigas da minoria yazidi, a maioria com idades entre os oito e os 35 anos, refere o documento, sublinhando que o EI “utiliza como estratégia de recrutamento de jihadistas a promessa de lhes atribuir uma mulher ou uma rapariga”. A ONU estima que que o EI já terá reduzido à condição de “escravas sexuais” cerca de 1500 mulheres e raparigas no Iraque e na Síria e assinala um aumento regular dos “casamentos forçados entre civis e combatentes estrangeiros nos territórios controlados pelo EI”Na Nigéria, refere ainda o documento da ONU, “os casamentos forçados, a escravatura e a ‘venda’ de mulheres e raparigas raptadas ocupa um lugar central na estratégia e ideologia do Boko Haram”. Zainab Bangura também se mostrou preocupada com o agravamento do conflito no Iémen, onde se está a verificar “um aumento acentuado da violência contra as mulheres, incluindo casamentos precoces e forçados, nas zonas afectadas pelos combates”. E também notou que na Líbia, “a actividade de extremistas é muito preocupante, tendo em conta as tendências observadas na região relativas à prática de violências sexuais por parte de tais grupos”.
REFERÊNCIAS:
Entidades ONU
O magnânimo museu da mitologia colonial
Com quatro décadas de democracia e outras tantas de descolonização, a verdade é que Portugal ainda não aprendeu a não ser um império colonial. (...)

O magnânimo museu da mitologia colonial
MINORIA(S): Mulheres Pontuação: 2 Africanos Pontuação: 7 | Sentimento 0.0
DATA: 2018-06-14 | Jornal Público
SUMÁRIO: Com quatro décadas de democracia e outras tantas de descolonização, a verdade é que Portugal ainda não aprendeu a não ser um império colonial.
TEXTO: A escrita da história é sempre um projecto do presente. Porventura, este será também um dos seus principais paradoxos: apesar de se referir ao que já foi, já passou e já deixou de ser, a pergunta que guia o nosso olhar rumo ao passado nasce sempre num tempo que é atual. Só que essa atualidade não é fixa, ela move-se. Logo, o estado da arte — ou seja, o conjunto dos temas, protagonistas ou principais preocupações que, cumulativamente, formam a historiografia — tende permanentemente a mudar. Seja Vitorino Magalhães Godinho, Jaime Cortesão ou Fernando Rosas, compreender o trabalho histórico requer o reconhecimento de que todo e qualquer livro resulta sempre de um tempo, pensamento e contexto que lhe são muito próprios. Pois é, nenhuma forma de conhecimento surge do nada. Neste sentido, o trabalho do historiador requer uma atenção detalhada, não só para com as particularidades do período e locais sob escrutínio, mas também para com o contexto de produção do próprio conhecimento histórico. Por exemplo, falar de Cortesão ou Godinho, sem considerar o papel ocupado na sua obra pela sua militância antifascista, pecaria por omissão. Ninguém que se dedique profissionalmente à escrita da história, por mais significativos que sejam os seus contributos, pode alguma vez afirmar ter escrito uma história total, completa, livre de contexto e eternamente verdadeira. Não. A nossa interpretação do passado muda, porque as pessoas que olham para o passado, para o estudar, também mudam. Reconhecer esta necessidade permanente de atualização não impõe quaisquer anacronismos, mas antes obriga-nos a perguntar: esta “Descoberta, ” ela é anacrónica para quem? Para os povos indígenas? Ou para quem foi escravizado? As “Descobertas” de que hoje estamos a falar são uma construção histórica e uma invenção historiográfica que insiste em excluir. Vai-se a ver e este é o mesmo “anacronismo” que, em plena Feira do Livro, interrompeu Mamadou Ba, dizendo-lhe para “se despachar”. Este anacronismo é uma ofuscação. Ele enuncia o mal-estar que Portugal ainda tem em confrontar o tabu do racismo e do seu passado colonial. Felizmente, a história nunca acaba! Mudam as pessoas, mudam os tempos, mudam as verdades vistas como imperiosas, factos outrora tidos como irrevogáveis. O atual debate sobre os “Descobrimentos” resulta desta mesma tensão entre o passado e presente. Logo, uma parte muito significativa da polémica em torno do delirante “Museu da Descoberta” advém de um conflito entre quem, até hoje, tem escrito a história e quem quer questionar as narrativas herdadas. A história de hoje — e aquela que ainda está para vir — não só é escrita e pensada por outras pessoas, ela envolve mais mulheres e reflete uma maior diversidade socioeconómica e étnica. É, por isso, absolutamente normal que hoje se contemple o passado com outro olhar, atendendo a outras vozes e protagonistas. Porque a história é também um direito de representação. Bastará visitar os arquivos para se constatar que a história de Portugal transcende o naipe dos consagrados heróis da nação. James Sweet, ao escrever sobre o percurso atlântico de Domingos Álvares, titubeando entre liberdade e escravatura — um livro que, infelizmente, ainda está por traduzir em português —, demonstrou essa mesma possibilidade. Fez-nos não só o favor de complicar a nossa compreensão de instituições como a Inquisição e a escravatura, mas também demonstrou as várias gradações e limites à liberdade pessoal. Enfim, deu-nos uma lição, ao mostrar que ainda há nos arquivos muitas experiências por recuperar, e tantas, tantas histórias por contar. Com quatro décadas de democracia e outras tantas de descolonização, a verdade é que Portugal ainda não aprendeu a não ser um império colonial — são tiques antigos, mas que urge perder. Entretanto, e enquanto os fantasmas do fascismo, do colonialismo e da perda do império são ritualisticamente exorcizados à sombra de naus e navegadores, as histórias de muitas vidas continuam a ser preteridas, ou simplesmente rejeitadas, em nome de um cânone que alguns pretendem eternizar. Tudo isto pode parecer abstrato, académico até, mas na realidade tem manifestações muito reais e quotidianas. Veja-se o vedar do acesso à cidadania portuguesa de muitos afrodescendentes nascidos e crescidos em Portugal. Veja-se, além disso, a vergonhosa falta de diversidade étnica e do género, seja em cargos de representação política, na academia, ou até no comentário televisivo. Não tenhamos ilusões, este debate acerca dos “Descobrimentos” é uma cortina de fumo. Não se trata de exultar ou condenar Portugal, trata-se de uma luta pelo espaço público; de uma disputa pelo direito à voz e à visibilidade. Trata-se do direito, tão essencial e básico, de não só ter um passado como de poder pertencer à História de Portugal. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Se os povos colonizados existiram, e se a documentação dos arquivos nos deixou registo deles, porquê excluí-los do trabalho histórico? É este silenciamento sistemático que requer explicação, não o seu oposto. Portugal é hoje em dia um país democrático e cada vez mais diverso étnica e culturalmente. A sua historiografia deve refletir estas mudanças. Dizer “Descobrimentos” não é só dizer “Descobrimentos”. Esta é uma palavra que evoca muitas camadas distintas da história e historiografia nacionais. Depois do império perdido, é imperativo urdir um novo imaginário histórico — deixem as caravelas repousar! Neste contexto, a idolatria dos “Descobrimentos” é antitética aos princípios de um país democrático, plural e que deseje ser coerente para com os seus próprios valores. Portugal pode já não colonizar, mas já colonizou. Pode até já não escravizar, mas durante muitos séculos realmente escravizou. Confrontar este passado não é nem penitência, nem flagelação, mas sinal de maturidade democrática. Sejamos honestos. O principal problema deste hipotético museu não está no nome. O verdadeiro imbróglio está em querer celebrar um império sem dizer que ele foi colonial. Chamar-lhe “da Descoberta” ou “da Viagem” será, por isso, absolutamente igual. São ambos eufemismos mal dissimulados enquanto não se disser: “imperialismo, ” “racismo” e “violência colonial”. Não nos enganemos, segundo os moldes propostos pelo próprio Fernando Medina, este museu não pretende promover o conhecimento do passado, mas só a sua exultação. Assim, faz uma criteriosa curadoria tanto da parte que quer enaltecer, como daquela que lhe convém calar (afinal, o que é que os turistas iriam dizer?!). Se o pretenso museu repetir os modelos do passado, estaremos em crer que nele só caberão panegíricos aos heróis, cânticos à inovação e júbilos ao trabalho espinhoso, mas necessário, de cristianizar e espalhar a civilização. Mas convém sublinhar: este museu não vai ser herdado, ele vai ser construído. Como tal, caberá aos seus atuais proponentes deixarem de remeter para as gentes do passado diferenças inevitáveis de moral. Se é hoje mesmo que querem beber do cardápio do santíssimo colonialismo nacional, então deixem de usar o passado como escudo. Assim, cabe às pessoas do presente olhar criticamente para a história e refletir — cabe-nos questionar todas as narrativas herdadas e combater o impulso de meramente as reproduzir. Logo, compete a quem propõe o museu hoje, a quem o pensa e defende na atualidade assumir este projeto em toda a sua contemporaneidade. Que história se vai querer contar? Que vozes se vão ouvir? Quem é que o museu quer representar? E, de forma crucial, que visão do império colonial é que este museu vai conter? Estas são só algumas das principais questões que Fernando Medina ainda não soube clarificar. Irá este museu ser dedicado à reflexão da história do império colonial, ou será só mais um estulto monumento cantado aos mitos, estórias e êxtases que animam a exultação nacional?*A escrita da história que eu defendo não leva maiúsculas. A meu ver, o trabalho histórico deve abandonar as grandes narrativas da nação (sendo a literatura dos “Descobrimentos” um exemplo paradigmático desta prática), para atentar à reconstituição de experiências à escala humana e, assim, compreender a interação entre as pessoas e as estruturas que definiram o seu tempo.
REFERÊNCIAS:
Partidos LIVRE
Mais de 800 militares portugueses passam o Natal em missões no estrangeiro
Não são displicentes as compensações económicas. Em situações reais e cenários extremos são feitos testes, como no caso dos novos fardamentos. (...)

Mais de 800 militares portugueses passam o Natal em missões no estrangeiro
MINORIA(S): Mulheres Pontuação: 2 Africanos Pontuação: 7 | Sentimento 0.2
DATA: 2018-12-27 | Jornal Público
SUMÁRIO: Não são displicentes as compensações económicas. Em situações reais e cenários extremos são feitos testes, como no caso dos novos fardamentos.
TEXTO: São 857, os militares das Forças Armadas e GNR que passam o Natal em missões no estrangeiro em África, América, Ásia e na Europa, segundo dados do Estado-Maior General das Forças Armadas e da Guarda Nacional Republicana. São as denominadas Forças Nacionais Destacadas a que se somam efectivos da Guarda nas mais variadas missões em 19 países. Ambas operam no âmbito da NATO, União Europeia (UE) e ONU, ao abrigo de acordos multi e bilaterais. A sua competência é destacada por quem os comanda no terreno e elogiada como exemplo de abnegação e prestígio dos corpos a que pertencem. “Para sermos seguros, temos de projectar a segurança e é por isso que Portugal tem feito questão de participar activamente”, explicou o primeiro-ministro, António Costa, a presença de efectivos no Afeganistão na Resolute Suport Mission da Aliança Atlântica na recente visita este mês aquele país. São 159 homens e mulheres, soldados e oficiais, que participam como força de reacção rápida na segurança do aeroporto internacional Harmid Karsai e treinam o exército afegão. “É uma missão particularmente difícil, o que não ignoramos, peço-vos que nunca ignorem que é de elevado risco e onde a ameaça é efectiva, permanente e surge no momento inesperado”, aconselhou Costa. Uma forma de informar a opinião pública, pois os militares estão cientes dos perigos. Na classificação da NATO, a sua missão está registada com o grau de ameaça alto. Com igual nível de perigosidade são confrontados os 167 integrantes da força de reacção rápida em missão de estabilização na República Centro-Africana sob a bandeira das Nações Unidas e que têm como segundo comandante da operação Minusca o major-general Serranho. As suas intervenções foram decisivas na resposta a emboscadas e na contenção da violência demencial dos grupos armados que tem afectado o país. Também com o mais elevado nível de perigosidade está classificada a Operação Inherent Resolve com guarda-chuva multilateral, que levou 32 militares a apoiar a formação e treino das Forças Armadas do Iraque. O mesmo acontece com bandeira da União Europeia na Somália na formação, treino e monitorização dos trabalhos de engenharia militar a que estão afectos, sob controlo italiano, dois portugueses. Ainda com iniciativa da UE decorre na República Centro-Africana a EUTM, de apoio à reforma do sector de segurança, formação e treino, com 45 militares dirigidos pelo brigadeiro-general Teodoro Maio. Esta operação está classificada com o grau de ameaça médio. Já em Kosovo, que foi palco do horror dos crimes de guerra, três oficiais portugueses estão colocados no Quartel-General de Pristina, na Kosovo Force sob comando italiano. A classificação do risco é baixa, o que atesta os efeitos da intervenção desencadeada pela NATO. Também da Aliança Atlântica é a responsabilidade da Tailored Force Presenc, na Roménia, que visa contribuir para a dissuasão no flanco Sudeste da NATO. Com um grau baixo de ameaça, estão colocados três oficiais em Craiova. A presença de militares portugueses passa também pelo acompanhamento do processo de paz na Colômbia, com dois observadores em Medellín e Bogotá, sob os auspícios da ONU. De carácter bilateral é a fiscalização marítima levada a cabo pelo navio patrulha Zaire e o reabastecedor Berrio na fiscalização marítima das águas de São Tomé e Príncipe e na formação da guarda costeira do país. A Guarda Nacional Republicana tem no exterior 32 elementos nas mais diversas funções, sob a égide da ONU ou da União Europeia, passando por oficiais de ligação ao Ministério da Administração Interna nas embaixadas portuguesas em várias capitais: Luanda, Argel, Cidade da Praia, Madrid, Paris, Maputo e São Tomé. Já em Díli, a sua presença tem como objectivo a assessoria ao governo de Timor. Diversas instâncias europeias, como o Serviço Europeu de Acção Externa, a Academia Europeia de Segurança e Defesa, a Agência da UE para a Formação Policial, o projecto europeu Gar-Si Sahel e a missão de vigilância da União Europeia na Geórgia, têm oficiais da Guarda. Que estão igualmente presentes no Quartel-General Permanente da Força de Gendarmerie Europeia. Esta força, que integra serviços de França, Itália, Holanda, Portugal, Roménia e Espanha, foi fundada a 17 de Setembro de 2004, e declarada operacional dois anos depois. A sua concepção tem como objectivo missões de policiamento em diferentes teatros de operações em apoio da UE, da ONU, da Organização para a Segurança e a Cooperação da Europa, da NATO ou de outras coligações ad hoc. A primeira acção teve lugar em 2007, na Bósnia-Herzegovina, sob a égide da ONU, a que se seguiram outras intervenções em situações de crise: Afeganistão, em 2009, no âmbito da International Security Assistance Force- ISAF da NATO, e um ano depois no apoio à missão das Nações Unidas após o sismo do Haiti. O objectivo desta força é ser projectada ao mesmo ritmo que as Forças Armadas em situações de crise, incluindo humanitárias, e as suas tarefas vão para o reforço das polícias locais ou sua substituição caso tenham sido desmanteladas. A participação dos militares portugueses em missões no estrangeiro é objecto de um suplemento de missão. No caso das Forças Armadas, o seu valor oscila entre os 80 euros diários para os soldados e os 94 por dia para os oficiais. Na GNR não foi possível confirmar a existência desta prática nem apurar o seu valor pecuniário. Para 2019, o Orçamento de Estado para a Defesa tem inscrito 60 milhões de euros para as Forças Nacionais Destacadas, o que equivale a mais 7, 5% do orçamentado para o ano que agora finda. A concessão do suplemento económico não é displicente e traduz um aumento significativo da remuneração dos militares. É uma forma de compensação não apenas do risco, do afastamento do país e familiar, como do stress determinado pelo desconhecimento do destino onde vão operar e de situações agudas de guerra. Um terreno propiciador a dependências. Um estudo recente da primeiro-tenente médico-naval Diana Terra traçou um quadro interessante. “O que parece haver em relação a dependências e, tomando em conta a idade jovem dos actuais militares em missão, é a dependência da electrónica [dos jogos] do que propriamente a relação com o álcool”, destacou a oficial à Lusa. O universo do estudo foi a população militar no activo que participou em missões nos últimos dois anos, entre 2015 e 2017, no Kosovo, Iraque, na missão da Marinha em África – Saara Express –, na Mnusma da Força Aérea no Mali, e a Operation Sea Guardian da NATO com efectivos da Marinha Portuguesa. “São forças especiais, têm respeito pelo corpo e pela boa forma física e acham menos problemático outro escape [que não o álcool]”, justifica Diana Terra. “Hoje em dia vêem como escape a electrónica, incluindo os jogos, estamos a assistir a uma mudança de paradigma da forma como a nossa juventude, que integra as fileiras, faz a gestão do próprio stress”, precisa. Se o consumo de substâncias ilícitas é considerado baixo neste estudo, apenas detectado em 27 militares, os quadros de ansiedade e depressão enquadram-se nos níveis da idade e género. Diferente é o tabagismo. “Um dos factores preocupantes que encontrámos é uma taxa de fumadores quase do dobro da população em geral”, concluiu. É nas missões no estrangeiro, as únicas em que em tempo real os militares têm contacto com situações limite, que é testada alguma da tecnologia fabricada em Portugal. “A Auxdefense da Universidade do Minho [financiado pelo Ministério da Defesa], tem como objectivo o desenvolvimento de equipamentos de protecção individual avançados com elevada resistência ao impacto, corte e perfuração de componentes de equipamentos militares com excelente resistência ao impacto”, explicou em finais de Novembro, José Frangueiro, coordenador do projecto. O investigador revelou que há empresas interessadas na produção em série deste produto. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. “Os novos fardamentos foram desenvolvidos primeiro em ambiente de laboratório, testados pelos nossos comandos, pára-quedistas, forças com maior grau de exigência, e agora o terceiro e último momento, na prática, no terreno, é o oitavo contingente do Iraque”, explicou o ministro da Defesa na visita ao campus de Braga. “É o exemplo de uma aliança entre o sistema nacional de investigação e uma capacidade empresarial inovadora, que vai permitir desenvolver novas aplicações, criar novas possibilidades de exportação e o uso destes materiais para fins civis”, referiu João Gomes Cravinho. Como exemplo destes fins, o titular da Defesa admitiu a utilização para blindagens pela indústria automóvel. Para já, certo, certo, é que os novos fardamentos já vão na bagagem das tropas que em Março próximo partem em missão para o Afeganistão.
REFERÊNCIAS:
Entidades ONU GNR NATO UE
Suspeitas de tráfico de seres humanos em Portugal mais do que triplicaram
Estrangeiros são a maior parte das "presumíveis vítimas". Mas também há 31 portugueses, dos quais 17 menores de idade. Todos os casos confirmados envolvem exploração na agricultura. (...)

Suspeitas de tráfico de seres humanos em Portugal mais do que triplicaram
MINORIA(S): Mulheres Pontuação: 2 Africanos Pontuação: 7 | Sentimento 0.25
DATA: 2014-05-14 | Jornal Público
SUMÁRIO: Estrangeiros são a maior parte das "presumíveis vítimas". Mas também há 31 portugueses, dos quais 17 menores de idade. Todos os casos confirmados envolvem exploração na agricultura.
TEXTO: O número de pessoas sinalizadas em Portugal como “presumíveis vítimas” de tráfico de seres humanos mais do que triplicou – de 81, em 2012, para 299, no ano passado. É um aumento de 269%. Uma boa parte das situações (116) continuava a ser investigada pelos órgãos de polícia criminal à data da conclusão do novo relatório do Observatório do Tráfico de Seres Humanos (OTSH) do Ministério da Administração Interna. Ainda assim, a polícia já tinha confirmado 45 vítimas, “todas alvo de protecção, assistência e apoio assistido ao retorno” ao país de origem, lê-se no documento disponibilizado no site do OTSH. Outros 80 casos tinham sido dados como “não confirmados” pelas autoridades. O acréscimo de sinalizações explica-se, em boa parte, com o aumento das denúncias relacionadas com exploração laboral – sobretudo na agricultura. E sobretudo no Alentejo. Aliás, todos os casos já confirmados pela investigação criminal “reportam-se unicamente a vítimas exploradas no distrito de Beja”, todos cidadãos romenos envolvidos na apanha da azeitona. Eram alvo de ameaças e coacção. Muitos viram os seus documentos serem-lhe sonegados, alguns eram fisicamente agredidos e tinham os movimentos controlados, descreve o relatório. Chegaram a Portugal por via terrestre. Em Santarém, há suspeitas de tráfico de pessoas também para exploração na agricultura, neste caso apanha da ervilha, prossegue o documento. São 62 as “presumíveis vítimas”. O OTSH sublinha a necessidade de se dar especial atenção “a acções de fiscalização em territórios/sectores onde poderá ocorrer o aproveitamento criminoso da necessidade de trabalho migrante sazonal”. Como é o caso da agricultura, precisamente. Reforços no terrenoMuitos das situações sinalizadas “já poderão ter ocorrido noutros anos”, faz-se questão de sublinhar no documento, que tem a data de Abril de 2014. “Estes dados indiciam não um aumento do crime em território nacional”, mas um “aumento da sua sinalização em resultado da capacitação institucional para o seu reconhecimento e alargamento das redes colaborativas”. Rita Penedo, chefe de equipa no OTSH, diz que é preciso esperar “algum tempo” até que se perceba se há ou não uma tendência para o aumento deste crime em território nacional. Para já, o que aconteceu, sublinha, foi “um conjunto de acções, em 2013, que reforçaram” e sensibilizaram quem está no terreno para este tipo de fenómeno – desde a criação no SEF de uma unidade contra o tráfico de pessoas até à entrada em funcionamento de um grupo de equipas multisciplinares que, em diferentes pontos do país, colaboram com entidades públicas e organizações não-governamentais para a sinalização de eventuais vítimas deste crime. O relatório dá ainda conta de 58 casos sinalizados a outras entidades que não as polícias – organizações não-governamentais, Instituto de Segurança Social e Autoridade para as Condições do Trabalho. Estes casos não estão a ser alvo de investigação policial porque as vítimas não querem que a sua situação seja denunciada às autoridades ou porque os processos estão ainda no início e não foram comunicados às autoridades. De resto, uma dúzia de suspeitas registadas por estas entidades acabaram por não se confirmar. 49 crianças e jovens sinalizadosOs números gerais do relatório mostram o seguinte cenário: entre as 299 pessoas sinalizadas como sendo potencialmente vítimas de tráfico em Portugal há 49 menores e 250 adultos. A maioria são estrangeiros. Os romenos são os mais representados (185 sinalizações, incluindo seis menores com uma média de idades de oito anos), mas também há cidadãos da Guiné-Bissau, Nigéria, Brasil, Bulgária. . . Quanto a portugueses sinalizados como potenciais vitimas de tráfico de seres humanos, em território nacional, são 31, dos quais 17 menores de idade (com uma média de 13 anos). Há ainda nove cidadãos portugueses sinalizados no estrangeiro como potenciais vítimas – o que representa uma redução de 80% em relação às sinalizações feitas em 2012, segundo o relatório: “O decréscimo de sinalizações no estrangeiro é explicável pela ausência de grandes ocorrências no estrangeiro durante 2013: em 2012 uma só ocorrência envolveu 35 presumíveis vítimas (suspeita de exploração laboral na Alemanha). ”Se no caso dos 250 adultos sinalizados a suspeita de exploração laboral era a mais frequente (ela está presente em 198 denúncias feitas em Portugal), entre as crianças e jovens é a de exploração sexual. As presumíveis vítimas são, em geral, meninas, entre os 13 e os 17 anos, da Nigéria, Guiné-Bissau e também algumas portuguesas.
REFERÊNCIAS:
Entidades SEF