Jovem baleado descreve "um cenário de pânico". "Não houve um agente que dissesse 'já está bom'"
Celso Lopes foi baleado a 5 de Fevereiro de 2015 por um agente na Esquadra de Alfragide com uma bala de borracha. “Senti que a minha vida estava em risco”, disse ao Tribunal de Sintra. (...)

Jovem baleado descreve "um cenário de pânico". "Não houve um agente que dissesse 'já está bom'"
MINORIA(S): Africanos Pontuação: 7 | Sentimento 0.399
DATA: 2018-10-15 | Jornal Público
SUMÁRIO: Celso Lopes foi baleado a 5 de Fevereiro de 2015 por um agente na Esquadra de Alfragide com uma bala de borracha. “Senti que a minha vida estava em risco”, disse ao Tribunal de Sintra.
TEXTO: No dia 5 de Fevereiro de 2015 Celso Lopes foi almoçar a casa, na Cova da Moura, fazendo um intervalo do seu trabalho num projecto da Universidade de Aveiro, que decorria naquele bairro. Eram por volta das 13h30 e ouviu um tiro, seguido de outros quatro. Secretário da mesa da assembleia geral da Associação Moinho da Juventude, veio a saber depois pelos pais que a PSP tinha detido um jovem, Bruno Lopes, na Rua do Moinho. Quando foi à Esquadra de Alfragide tentar saber o que tinha acontecido, Celso Lopes viu três agentes à porta, dois deles a “apressarem-se para entrar”. Aproximou-se, com Flávio Almada. Disse “boa tarde” e pediu para falar com o chefe. O agente recusou. “Tive a percepção que não seria possível estabelecer qualquer tipo de diálogo porque a postura era muito hostil”, relatou nesta sexta-feira ao colectivo de juízes do Tribunal de Sintra, que está a julgar 17 agentes da PSP acusados pelo Ministério Público de falsificação de auto, tortura e racismo contra seis jovens da Cova da Moura, entre eles Celso Lopes, Bruno Lopes e Flávio Almada. Os polícias negam as acusações e defendem que houve tentativa de invasão da esquadra. “Puxei do telemóvel e no momento em que estou a fazer a chamada ouço: ‘malta, cheguem aqui’", contou Celso Lopes. "Vejo entre 15 a 20 agentes a formarem um cordão, a carregarem contra nós com bastonadas, insultos, a dizerem ‘pretos do caralho’. ”De acordo com a sua versão do que aconteceu a 5 de Fevereiro de 2015 — num depoimento que irá continuar na próxima sessão pois só houve tempo para a presidente do colectivo de juízes do Tribunal de Sintra, Ester Pacheco, lhe fazer algumas perguntas — Celso Lopes tentou evitar ser atingido por pontapés e bastonadas. “Há um agente que empunha uma caçadeira. Tentei dizer para ele não disparar, ele fez um disparo para o chão” — e essa bala acertou-lhe na perna. “Estupefacto com tudo aquilo”, percebeu que tinha sido alvo de outro disparo na coxa esquerda, contou. “O agente diz: 'Este tem que ficar. ' Ele e outro atiram-me para o chão. Imobilizam-me, senti dois joelhos a apertar-me contra o pavimento. "Ao tribunal, contou ainda que tentou dizer ao polícia que estava a ficar com falta de ar. “E ele diz: ‘Preto vais morrer’ (…) O meu pensamento foi: ‘Já fiquei. ' Senti que a minha vida estava em risco, não estava a conseguir respirar. ”Viu Flávio Almada a ser agredido com “agentes em cima dele”. A ele, Celso Lopes, atiraram-no para cima de um pneu, contou ainda no tribunal. Outro polícia disse, segundo relatou: “A merda é para estar no chão. " Puseram-lhe o seu cachecol na cara: “Vocês vão morrer, o vosso bairro de merda vai acabar, a vossa raça de merda vai ser eliminada. ” Os jovens ficaram no chão, naquela posição, deitados no chão — “com o sangue à nossa volta”. No tribunal, Celso Lopes comentou: “Aquilo era para nós um cenário de pânico constante. O que é estranho é que não houve em momento algum um [agente] que dissesse: 'Calma lá. ' Não houve uma única pessoa que tivesse coração ou a sensibilidade para dizer ‘já está bom’. É isso que me faz mais confusão. ”O interrogatório a Celso Lopes foi marcado por alguma tensão, com a juíza a querer que o jovem se limitasse “aos factos” e ele a tentar introduzir um contexto mais geral para explicar o que sentira nesse dia. A acusação do Ministério Público divide-se em dois momentos: um primeiro, em que uma equipa da PSP vai à Cova da Moura fazer patrulhamento e detém Bruno Lopes, alegando que este tinha atirado pedras à carrinha da polícia — aí, o agente terá disparado dois tiros e atingido duas moradoras; um segundo, quando amigos deste jovem, entre eles um membro da direcção do Moinho da Juventude, instituição galardoada com prémio de Direitos Humanos da Assembleia da República, se dirigem à esquadra para pedir esclarecimentos mas acabam detidos e acusados de invasão da esquadra. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Momentos antes, na inquirição anterior a Flávio Almada — que se deslocou ao tribunal para terminar o depoimento iniciado há uma semana — a juíza criticou a advogada dos agentes, Isabel Gomes da Silva, por querer escrutinar uma música da autoria de Flávio Almada, insinuando que era um “contra-senso” alguém que aprendeu técnicas de comunicação não-violenta — algo que Flávio Almada dissera na sessão anterior — escrever uma letra contra a polícia. “Está mais que assumido que este homem tem músicas de contestação contra os polícias, e se calhar contra os tribunais. Tem músicas de protesto. A verdade é que vivemos num estado democrático, não é verdade?”, comentou a juíza. E face à insistência da advogada, a juíza afirmou: “Com o devido respeito, estamos a inverter os termos da situação. Este senhor é ofendido, não é arguido. O que a sôtora está a tentar fazer já percebemos, mas não é esse o caminho. Já percebemos que este homem tem músicas de contestação à polícia. É cultura de bairro e nós temos a obrigação de a conhecer. ”A inquirição de Celso Lopes prossegue na próxima terça-feira, de manhã.
REFERÊNCIAS:
Entidades PSP
PJ confirma que cartuchos que atingiram vítima da Cova da Moura saíram de arma da PSP
Julgamento de 17 agentes da esquadra de Alfragide teve testemunho de dois peritos de balística da PJ. Arguidos tentaram provar que cartuchos encontrados por vítima não tinham sido disparados por arma da PSP. PJ confirmou que sim. (...)

PJ confirma que cartuchos que atingiram vítima da Cova da Moura saíram de arma da PSP
MINORIA(S): Africanos Pontuação: 7 | Sentimento -0.07
DATA: 2018-12-31 | Jornal Público
SUMÁRIO: Julgamento de 17 agentes da esquadra de Alfragide teve testemunho de dois peritos de balística da PJ. Arguidos tentaram provar que cartuchos encontrados por vítima não tinham sido disparados por arma da PSP. PJ confirmou que sim.
TEXTO: No Tribunal de Sintra, durante o julgamento dos 17 agentes da PSP da Esquadra de Alfragide acusados de racismo e tortura contra seis jovens da Cova da Moura, a defesa dos arguidos tem tentado descredibilizar relatos de uma série de testemunhas sobre tiros de bala de borracha que atingiram a moradora Jailza Sousa, quando ela estava à varanda. Depois de várias testemunhas terem dito que ouviram e viram a PSP a disparar tiros de shotgun na Rua do Moinho, na Cova da Moura, esta sexta-feira os peritos do Laboratório de Polícia Científica da PJ confirmaram em tribunal existir relação entre os cartuchos entregues por Jailza Sousa (e que esta encontrou no chão perto de sua casa) e a arma que analisaram. A juíza Ester Pacheco perguntou ao perito de balística da PJ, Mário Goulart: “É absolutamente seguro que aquele cartucho foi apenas disparado por aquela arma?” Ele respondeu: “Sim. Chegámos à conclusão que foi aquela arma que deflagrou o cartucho que examinámos e quando fazemos isso excluímos automaticamente todas as outras armas. Para o afirmar é porque encontrámos coincidência de vestígios absolutamente satisfatória. A probabilidade de ser outra arma é praticamente impossível”, afirmou com segurança. A juíza insistiu: “é tipo ADN ou impressão digital?” Ele respondeu que as concordâncias só são encontradas numa arma. Disse mais: “Qualquer perito de qualquer laboratório chegaria à mesma conclusão. ”Jailza Sousa já esteve no tribunal a afirmar que tinha sido atingida por um tiro de bala de borracha no dia 5 de Fevereiro de 2015, quando viu vários polícias a deterem e a agredirem Bruno Lopes, na Rua do Moinho. Nos autos de notícia e em tribunal os agentes — também acusados de falsificação de auto notícia — localizaram os acontecimentos na Avenida da República com o cruzamento da Rua Principal da Cova da Moura. Foi lá, alegam, que Bruno Lopes foi detido depois de atirar uma pedra ao carro da PSP. Bruno Lopes disse ao tribunal ter sido detido e agredido sem que houvesse motivo para tal. Como prova desta versão, os advogados dos jovens entregaram à PJ os cartuchos de bala de borracha que Jailza Sousa disse ter recolhido naquele dia a seguir ao episódio. Esses cartuchos são laranja e a PSP insiste que não podem ter sido disparados da arma do agente João Nunes, que já testemunhou em tribunal, porque todos os que foram distribuídos pela PSP naquela altura eram brancos. Esta sexta-feira, a juíza quis saber a cor de cartuchos distribuídos pela PSP e o técnico disse que já analisou cartuchos de várias cores, inclusivamente verdes. Adiantou também que a marca que “está aqui em causa” fabrica cartuchos brancos e de cor laranja. “Se a PSP usa uns ou outros já não posso responder. ”No tribunal, já mais de oito testemunhos situaram os acontecimentos no mesmo local referido pelo Ministério Público e pelos advogados dos jovens. Parece ficar, assim, cada vez menos verosímil a versão dos agentes sobre o local de detenção de Bruno Lopes. A acusação do MP divide-se em dois momentos, um primeiro que se passa no bairro e um segundo na esquadra de Alfragide quando os jovens são acusados de tentativa de invasão. A advogada dos agentes quis ter a certeza: tendo havido uma distância temporal entre o exame aos cartuchos e buchas e a análise da arma da PSP, isso não afectou a perícia, até porque esteve em utilização durante mais de um ano? Não, respondeu o técnico. “O desgaste destes componentes é muito reduzido, a não ser que dê muitos disparos mas já foram feitos testes e ao fim de milhares de disparos ainda é possível relacionar os elementos”, afirmou. Outro dos advogados dos agentes, Hélder Cristóvão, quis descredibilizar a fiabilidade da análise daquele técnico da PJ, insinuando que ele e o colega tinham dado “uma opinião”. A juíza respondeu: “Isto não é uma opinião. ”Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Outro perito forense da PJ, Pedro Mora, também confirmou que as buchas eram do mesmo calibre dos cartuchos examinados. Disse ainda que as buchas não poderiam ter tido projécteis metálicos pois caso isso tivesse acontecido “os disparos teriam deixado as suas marcas na bucha”. Afastou a hipótese levantada em tribunal de que se tratariam de cartuchos de caça. “Estas buchas não são típicas de cartuchos de caça. ” Tendo sido relatado pela PJ que havia oxidação nos cartuchos, o MP quis saber quanto tempo levaria a oxidar ao que o especialista respondeu que dependia das condições de conservação: podem ser dias ou anos, concluiu. Os advogados dos arguidos quiseram que respondesse a várias hipóteses como a probabilidade de as buchas e cartuchos serem encontrados perto uns dos outros. O perito respondeu: “Não posso descartar essa hipótese. ”
REFERÊNCIAS:
Entidades PSP PJ
“Portugal ainda resiste a olhar para o seu passado de forma desassombrada e crítica”
Os investigadores do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra, Miguel Cardina e Bruno Sena Martins, organizaram o livro As Voltas do Passado, que reúne um conjunto de textos sobre o último fôlego do passado colonial português. (...)

“Portugal ainda resiste a olhar para o seu passado de forma desassombrada e crítica”
MINORIA(S): Africanos Pontuação: 7 | Sentimento -0.12
DATA: 2018-08-20 | Jornal Público
SUMÁRIO: Os investigadores do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra, Miguel Cardina e Bruno Sena Martins, organizaram o livro As Voltas do Passado, que reúne um conjunto de textos sobre o último fôlego do passado colonial português.
TEXTO: O pretexto para a publicação do livro As Voltas do Passado é o CROME, o projecto do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra, financiado pelo Conselho Europeu de Investigação, que procura compreender como se foram reconfigurando as memória das guerras, desde a independência dos vários países até à actualidade. O subtítulo da publicação, A Guerra Colonial e as Lutas de Libertação, traduz essa tentativa de tratar “diferentes processos de memorialização”, tanto provenientes de Portugal como das ex-colónias. O resultado acaba por ser um mosaico de vozes, de geografias e de gerações, com o colonialismo português como pano de fundo. No livro, lançado recentemente pela Tinta da China, cabem os momentos cuja importância é mais frequentemente reconhecida na história, como o discurso de Salazar que marcou o início da guerra, em 1961, o 25 de Abril de 1974 ou as independências após a revolução. Mas cabem também episódios menos conhecidos: desde a vida a bordo Vera Cruz, o paquete que transportava tropas a partir da metrópole, às páginas mais negras do domínio português em África, ilustradas pelos massacres de Batepá (São Tomé e Príncipe), Pidjiguiti (Guiné), Mueda e Wiriamu (Moçambique). O cruzamento de memórias, afirmam os coordenadores da obra que reúne textos de mais de 40 autores, Bruno Sena Martins, doutorado em sociologia, e Miguel Cardina, doutorado em história e coordenador do CROME, “dá-nos um outro olhar sobre esse passado”. Defendem também que essa polifonia ajuda a explicar parte da organização social do país actual. Falam de um “longo apagamento da guerra colonial no espaço público”. Por que é que aconteceu?Bruno Sena Martins — Isto no contexto português. Se nos países que nasceram das independências a guerra é vista como um momento fundador da nação, em Portugal tem um lugar de difícil inscrição. Representa um momento de violência colonial, não apenas daqueles 13 anos de guerra, mas de toda a história portuguesa imperial, marcada pela violência da escravatura, da opressão colonial. Uma identidade portuguesa que celebra os descobrimentos, uma ideia de um colonialismo especial, muito luso-tropicalista, de convívio com os povos, tem dificuldade em inscrever esta narrativa. Uma outra dimensão do silenciamento sobre a guerra colonial é que o regime que resulta do 25 de Abril teve a participação activa dos militares que participaram na guerra colonial. Qualquer guerra tem momentos de violência, traumáticos, de massacres de populações, que criam uma espécie de tabu. Miguel Cardina — Faz com que a figura do militar seja paradoxal. É o herói da democracia e é quem faz a guerra. O facto de o 25 de Abril ter sido feito por militares e o próprio processo histórico que inaugura significar o desfecho da guerra, transforma-o num evento do passado sobre o qual não seria muito interessante falar. Há também na sociedade em geral uma falta de vontade em ouvir aquelas pessoas. Eu fazia no outro dia uma entrevista a um ex-combatente e ele dizia que só começou a falar da guerra no final dos anos 90. Por que é que acontecia? “Eu não falava porque acho que ninguém me queria ouvir sobre o assunto. ”A demora em abrir a discussão contribuiu para prolongar a ideia luso-tropicalista do “bom colonizador”?MC — Certamente. Diria que essa ideia ainda é prevalecente e dominante. BSM — Temos a experiência de ir às escolas e percebemos quer pelos currículos, quer pela concepção que alguns professores acabam por reproduzir, que a ideia de um colonialismo benigno ainda tem uma força muito estabelecida. Muitas das discussões que temos tido recentemente, seja acerca do Museu das Descobertas, seja o facto de termos um Portugal dos Pequenitos que celebra o mundo luso-afro-brasileiro criado por Portugal, são [apenas] possíveis numa sociedade constituída sobre uma olímpica desmemória em relação à violência colonial. Ao mesmo tempo, diz-se no livro que se está a abrir um espaço para essa discussão. Porquê agora?MC — Há um tempo que passou e que começa agora a ser observado com um olhar crítico, distanciado e reflexivo. Por outro lado, há o surgimento de projectos como o nosso e há a articulação disso com uma crítica a este olhar ainda luso-tropical vinda de sectores dos movimentos sociais, ligados ao anti-racismo. Isso faz com que estejamos hoje a viver um período particularmente interessante de questionamento das imagens dominantes em relação ao passado colonial. Não entendo que sejam ainda essas as leituras hegemónicas na sociedade. Mas acho que, apesar de tudo, têm existido vozes, como foi o caso da Djass (Associação de Afrodescentes) para a construção do monumento à escravatura, todo o debate sobre o Museu da Interculturalidade, da Viagem, dos Descobrimentos. . . A discussão sobre o nome [do museu] mostra que há um olhar mais crítico?MC — Sobretudo mostra o atraso dessa discussão, porque ainda nem sequer conseguimos nomear o que aconteceu. Estamos num momento interessante e importante. O nosso trabalho é sobre a memória da guerra e da luta, mas também se articula com estas questões mais amplas sobre os passados coloniais. BSM — A presença do tema da guerra colonial crescente no espaço público não implica uma leitura que consideramos crítica. Muitas vezes essa presença vem sob a forma de nostalgia imperial. Muita da literatura que ganhou alguma projecção sobre a guerra tinha um pendor nostálgico ou melancólico de perda em relação à vivência em África. Mesmo as memórias dos combatentes são paradoxais. Não esquecer que, para essas pessoas, o tempo da guerra corresponde à juventude. Mais recentemente, tem surgido uma perspectiva que permite pensar o que é que a guerra representou para Portugal e qual a relação que tem com as desigualdades que são ainda marcadamente baseadas na questão da raça. Os episódios do livro ajudam a explicar problemas como o racismo ou a menor integração das comunidades de afro-descendentes do Portugal actual?BSM — Absolutamente. Para nós entendermos o lugar que as comunidades afro-descendentes têm em Portugal temos, sem dúvida, que retornar à guerra colonial e perceber em que medida alguns processos migratórios foram até incentivados — claramente no caso de Cabo Verde — como uma forma de romper o tecido social que se estava a levantar contra a guerra. Devemos entender que essas pessoas que vieram para Portugal nunca foram vistas a partir desta história tensa do colonialismo. Isto fez com que o nexo colonial racista que criou Portugal enquanto nação imperial — e que continua a existir na nação pós-imperial — nunca tenha sido suficientemente debatido e discutido. Trazer a guerra é trazer um tempo da violência colonial que, num certo limite, permanece até hoje sob a forma de violência racista, de exclusão social e de desigualdade que afecta desproporcionadamente as pessoas negras. Porque é que esse nexo nunca foi debatido?BSM — Por um lado, pela força da narrativa luso-tropicalista. A ideia de Portugal enquanto nação que praticou um colonialismo afável e que tem, em relação às populações negras que habitam o seu território, uma posição de abertura, de hospitalidade e receptividade, fez escola. Mesmo as comunidades que foram sendo afectadas por processos de racialização ou exclusão não tiveram a capacidade de se constituir enquanto protagonista político. Foi preciso algum tempo, mas isso está a acontecer recentemente, o que tem também a ver com tendências internacionais. Muitas das lutas das pessoas que vieram das ex-colónias eram lutas pela integração, pela sobrevivência e esta dimensão política apareceu sempre de uma forma embrionária, não suficientemente capaz de se impor como uma agenda política. O facto de estar a acontecer agora é mais pela tendência internacional ou por pressão de movimentos no país?MC — É difícil de distinguir. Estamos a falar de activismos que têm procurado articular suas vivências com um olhar mais vasto sobre Portugal e o seu passado. Obviamente que isto se relaciona com dinâmicas internacionais, mas tem uma concretização muito evidente no modo como Portugal ainda resiste a olhar para o seu passado de forma desassombrada e crítica. As questões relacionadas com o museu têm a ver com isso. Isso está a mudar, no sentido em que estes movimentos têm hoje uma capacidade de chegar ao espaço público. Este é um debate sobre a democracia, o Portugal de hoje e a forma como lida ou não com o seu passado. BSM — Há uma politização anti-colonial e anti-racista da memória da desigualdade social em Portugal profundamente relacionada com uma bola de neve política que se criou. Por um lado, pela politização das novas gerações, que têm um capital académico e social que lhes permite ter maior acesso ao espaço público e lhes permite também acesso às redes internacionais anti-coloniais e anti-racistas. Todo este quadro cria uma situação em que se torna insustentável, por exemplo, a ausência de figuras negras no Parlamento. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Há uma [Hélder do Amaral, do CDS]. BSM — Sim, mas pessoas que assumam isto como uma agenda política da sua presença. Torna-se também insustentável nomes de ruas e monumentos que celebram uma memória colonial. É insultuoso para pessoas descendentes ou que se reconhecem como parte daqueles que sofreram a violência colonial e racista. Há quem diga também que a retirada desses monumentos é reescrever a história. BSM — Não estou a dizer que se deva retirar os monumentos. Estou a dizer que devem ser contextualizados. Não seria a minha posição que se atirasse uma bomba sobre o Portugal dos Pequenitos. Mas, sem dúvida, aquilo devia ser visto como um monumento ao imperialismo e deve ser lido de uma forma crítica. Deve fazer-se um enquadramento histórico. Em alguns outros casos — não tenho problema nenhum em dizê-lo — deve alterar-se o nome das ruas e não permitir que se erijam hoje monumentos que são realmente insultuosos a quem se reconhece como descendente de quem foi vítima. MC — No fundo, é a discussão sobre que tipo de sociedade queremos. A história é sempre reescrita, vivemos num processo de reflexão constante sobre o nosso passado. O passado não nos chega enquanto bloco estanque que temos que abraçar.
REFERÊNCIAS:
Palavras-chave guerra escola violência exclusão ajuda racismo social espécie racista raça escravatura
Amazon retira roupa de bebé e outros produtos com referências nazis
Suásticas e outros símbolos são usados em vários produtos à venda no site da empresa. (...)

Amazon retira roupa de bebé e outros produtos com referências nazis
MINORIA(S): Africanos Pontuação: 7 | Sentimento -0.12
DATA: 2018-12-09 | Jornal Público
SUMÁRIO: Suásticas e outros símbolos são usados em vários produtos à venda no site da empresa.
TEXTO: A Amazon está a aumentar os esforços para não ter produtos com referências nazis na sua plataforma, depois de renovada pressão por parte de várias organizações não-governamentais nos EUA. Esta semana, a gigante online anunciou que vai começar a bloquear – permanentemente – todos os retalhistas que tentem vender aqueles produtos. Até ao mês passado, era possível encontrar jóias, colares e roupa de bebé com suásticas. Apesar de a Amazon já proibir conteúdo que “promova ou glorifique ódio, violência, ou intolerância religiosa, racial ou sexual”, no começo de Julho um relatório do Centro de Acção sobre Raça e a Economia encontrou vários objectos a promover um pensamento racista e intolerante. Entre os artigos problemáticos estavam ainda livros do fundador do Partido Americano Nazi e t-shirts com a bandeira da Confederação (que representa os antigos Estados Confederados da América que lutaram, na guerra civil americana, por uma economia esclavagista). Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Na altura, a Amazon foi acusada de “permitir a celebração de ideologias que promovem o ódio e a violência ao permitir a venda de símbolos de ódio no seu site, incluindo imagens contra negros, imagem fascistas e nazis, e imagens do movimento nacionalista moderno. ”Em resposta às críticas, a empresa reforça que “monitoriza e responde aos avisos de cliente e de terceiros sobre violações de produtos nas páginas” e que “toma medidas proactivas para garantir que os utilizadores e retalhistas na plataforma cumprem a lei. ” A empresa diz que usa algoritmos específicos para impedir conteúdo proibido de circular na plataforma, cujo trabalho é complementado por uma equipa humana. Em declarações ao New York Times, a Amazon diz que tinha começado a remover os produtos problemáticos a defender a ideologia nazi antes de receber as queixas de Julho, mas admite que ainda não conseguiu retirar todos os artigos dos seus armazéns.
REFERÊNCIAS:
Entidades EUA
A revolução de Fela Kuti nos corpos de Serge Aimé Coulibaly
A música de Fela começou a servir de pano de fundo para as criações de Coulibaly, aos poucos ameaçando ganhar protagonismo. Aé ao ponto em que o coreógrafo percebeu que teria de colocar o músico nigeriano no centro da sua criação: Kalakuta Republik é um dos pontos altos da programação do Festivalde Almada (...)

A revolução de Fela Kuti nos corpos de Serge Aimé Coulibaly
MINORIA(S): Africanos Pontuação: 7 | Sentimento 0.0
DATA: 2018-07-14 | Jornal Público
URL: https://arquivo.pt/wayback/20180714190823/https://www.publico.pt/n1836713
SUMÁRIO: A música de Fela começou a servir de pano de fundo para as criações de Coulibaly, aos poucos ameaçando ganhar protagonismo. Aé ao ponto em que o coreógrafo percebeu que teria de colocar o músico nigeriano no centro da sua criação: Kalakuta Republik é um dos pontos altos da programação do Festivalde Almada
TEXTO: No dia do seu 49. º aniversário, Fela Kuti teve poucas razões para celebrar. Foi a 15 de Outubro de 1987 que o Presidente do Burkina Faso, Thomas Sankara, foi assassinado. Fela, amigo de Sankara, havia de manifestar o seu pesar e classificar tal desaparecimento como “um terrível golpe na vida política dos africanos”, justificando que aquele era “o único [dirigente político] que falava sobre a união africana, sobre aquilo de que os africanos precisam para avançar na direcção do progresso”. Coreografia: Serge Aimé Coulibaly Coreografia de Serge Aimé Coulibaly Com Adonis Nebié, Marion Alzieu, Sayouba Sigué, Serge Aimé Coulibaly, Ahmed Soura, Ida Faho e Antonia Naouele Sexta-feira, 6 de Julho, Escola D. António da Costa (Almada)Apenas quatro anos no poder (1983-87), Sankara, teórico pan-africano de linhagem marxista, foi o responsável pelo novo nome de baptismo do país, trocando o Alto Volta (taxado pelos colonizadores franceses) por Burkina Faso. Fela Kuti via nele um dos raros políticos africanos capazes de enfrentar o status quo e agitar as elites, tomando o seu assassínio como a reacção desses privilegiados perante a ameaça da perda de influência. Em 1992, Fela homenageava Sankara em Underground system, tema em que declara a sua convicção de que aqueles que matam em nome da manutenção de um sistema corrupto podem ter-se desembaraçado do seu amigo, mas jamais seriam capazes de matar os ideais que motivaram a sua morte – os resultados da autópsia, passados mais de 30 anos, estão ainda por conhecer. Serge Aimé Coulibaly tinha 14 anos quando Fela Kuti visitou o Burkina Faso, a convite de Thomas Sankara. E foi a figura de Fela que primeiro o cativou – antes sequer da música. “Na altura fiquei sobretudo intrigado por ele, mais do que apaixonado pela sua música – nesse tempo estava mais interessado no Michael Jackson e na Madonna”, ri-se o autor de Kalakuta Republik, um dos pontos altos da programação deste Festival de Almada (em cena esta sexta-feira, na Escola D. António da Costa, em Almada). Desse dia remoto, a memória do bailarino e coreógrafo guardou, antes de mais, a emissão especial da televisão do seu país, que fez do inventor do afrobeat o seu assunto “de manhã à noite”. Poucas figuras haveria então tão claras e activas no apelo a uma revolução africana contra os poderes corrompidos quanto o era Fela Kuti, identificado como claro inimigo de sucessivos governos na Nigéria. “E Thomas Sankara”, diz Coulibaly traçando a linha de união entre os dois, “foi aquele Presidente que alterou a vida no Burkina Faso em quatro anos, que mudou tudo e pôs na cabeça das pessoas que temos de ser o motor do nosso próprio desenvolvimento – era a personificação de uma força positiva que nos impelia para a frente. ”Essa linha que Coulibaly traça entre os dois, no entanto, só ganhou espessura anos mais tarde. Michael Jackson e Madonna deslumbravam-no, como é fácil de perceber, pelo lado performativo de uma pop destinada a cativar todos os sentidos, a inebriar a juventude com cenários onde tudo parecia possível. A música de Fela – quente, suada, pouco encenada e mediatizada, parida em noites em que a liberdade era inventada e reivindicada em lugares como o seu clube-templo, o mítico Afrika Shrine, na noite escaldante de Lagos – tinha um apelo mais longínquo do que a América, por não ser testemunhada ou vivida na pele. Essa linha só se tornou óbvia com a entrada do YouTube na vida de Serge Aimé. Foi ao vasculhar pelos labirínticos caminhos da plataforma de vídeos que descobriu um documentário dedicado a Fela, Music Is the Weapon, responsável pela total transformação da sua visão sobre o percurso do músico. “Esse documentário tornou-se uma bíblia para mim enquanto artista”, confessa ao Ípsilon. “A partir daí percebi que não se podia ser um artista em África e ser apolítico. ”A música de Fela Kuti foi-se, assim, infiltrando na obra coreográfica de Serge Aimé Coulibaly, desde que, em 2002, criou a sua estrutura, a companhia Faso Danse Théâtre em Ouagadougou. O afrobeat de Fela funcionava como impulso para os corpos que Coulibaly animava em palco, lembrando o coreógrafo de que, em cada peça, por mais que a linguagem fosse física e pudesse aproximar-se de um lado poético – que ensaiou enquanto bailarino com Alain Platel e Sidi Larbi Cherkoui –, havia um compromisso político a respeitar e a levar para palco. “Todas as peças que fiz desde a minha juventude ocupam-se de questões políticas”, confirma. “Porque, para mim, as grandes questões em África não são financeiras nem raciais, são puramente políticas. ” E se Fela usava a música como um agente de mudança, então era também isso que Serge Aimé Coulibaly se propunha fazer com as suas criações coreográficas. Se a música de Fela começou a servir de pano de fundo para as criações de Coulibaly, foi, aos poucos, ameaçando ganhar protagonismo, até ao ponto, em 2015, em que o coreógrafo percebeu que teria de colocar o músico nigeriano no centro da sua criação. Talvez porque Nuit Blanche à Ouagadougou, no ano anterior, tinha aproximado até ao limite realidade e criação artística. Depois de Solitude d’Un Homme Intègre (2007, em homenagem a Sankara) ou de Babemba (2008, em que recuperava quatro figuras fundamentais na História recente africana: Sankara, Nelson Mandela, Patrice Lumumba e Kwame Nkrumah), Nuit Blanche era um apelo indisfarçado à revolução, um espectáculo de sublevação que cruzava música, teatro e dança, contando com a participação do rapper Smockey. Em palco, Smockey não escondia as palavras nem mascarava as suas intenções, desafiando bailarinos, actores e espectadores a lutar contra o regime de Blaise Compaoré. “Ele falou na cara do Presidente o que pensava, de forma muito directa, e foi banido de todas as rádios e televisões do Burkina Faso”, conta Coulibaly acerca do principal motivo para a colaboração entre os dois. Mas a retaliação não se terá ficado por aí – o seu estúdio foi destruído pouco depois por forças alegadamente próximas de Compaoré. Coulibaly queria esta força incendiária em palco. O que não esperava era que uma peça criada sob o desígnio da urgência de “fazer uma revolução e que tem de ser agora, não mais tarde”, localizada numa praça pública, encontrasse eco nas ruas decorridos apenas alguns dias sobre a estreia. E isto porque em Novembro de 2014, quando Compaoré se preparava para reforçar os seus poderes, três dias de revolta popular ditaram a sua capitulação. Kalakuta Republik vai buscar o seu título ao nome da comuna erguida por Fela Kuti nos arredores de Lagos, onde vivia com a sua família e os músicos da sua banda, e onde tinha construído um estúdio e uma unidade de saúde gratuita. Em 1970, o músico nigeriano declarou um estado de independência do restante território, em protesto contra a governação do país e reclamando a liberdade total para Kalakuta. É esse espírito de absoluta liberdade que Serge Aimé Coulibaly tenta recriar na primeira parte de Kalakuta Republik. Até porque depois de comprar a obra integral do inventor do afrobeat, ter ouvido incessantemente o imenso património do músico durante um ano e comprado todos os livros que encontrou acerca do seu herói – “Não queria que alguém me perguntasse qualquer coisa sobre o Fela que eu não soubesse”, diz-nos –, empreendeu uma viagem à Nigéria para sentir na pele as noites do New Afrika Shrine. Esse contacto com a reconstrução do clube de Fela e o contacto com Seun e Femi Kuti (filhos do músico), haviam, no entanto, de retribuir-lhe com uma revelação – em vez de criar a partir da vida de Fela, deveria tomá-lo como inspiração. Em vez da biografia, a sugestão; em vez dos factos, as ideias. A primeira das duas partes de Kalakuta Republik decorre, por isso, num ambiente de festa e de celebração de liberdade total. Há uma energia esfuziante nos movimentos dos bailarinos, uma leveza própria de corpos que não conhecem amarras e se relacionam de acordo com essa ausência de fronteiras e de regras. Quando estão em uníssono, o tom é quase de uma euforia colectiva. A segunda parte, com as cadeiras reviradas e o cenário de um possível Shrine claramente em ressaca, o tom é de languidez pós-festa, não menos sensual, mas em que as luzes baixam, os corpos desaceleram, as sombras instalam-se. Se Nuit Blanche continha em si o prenúncio da mudança de ciclo político – consumado com a saída de cena de Compaoré e a ascensão de Roch Kaboré –, forçada por muitos artistas que estavam de microfone em punho na primeira linha, a mobilizar a juventude para a revolução, Kalakuta Republik reflecte nestes dois blocos o posicionamento político de Coulibaly face aos acontecimentos. Primeiro, a esperança e a crença na liberdade; depois, a necessidade de ser consequente e não deixar que essa esperança degenere em falhanço. “A esperança é morta muito rapidamente”, aponta. “É algo que vemos acontecer em África a toda a hora. Vemos alguém aparecer, fazer um bom discurso, prometer que mudará o estado das coisas, e depois tudo falha e é terrível. ”Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Afinal, Fela Kuti morreu em 1997 e África não mudou tanto quanto Coulibaly acredita que seria desejável. “Claro que muitos dos antigos ditadores morreram e temos sociedades um pouco mais democráticas”, concede. “E eu sei que apesar de muitos países terem eleições, estarem a crescer as classes médias e as mudanças a terem lugar, começámos muito mal e precisamos de tempo. ” Dito isto, no entanto, o coreógrafo questiona a forma como esta transição, em muitos casos, tem sido um autêntico logro, “substituindo franceses, ingleses e espanhóis por africanos, mas sem mudar o sistema”. Uma mudança de cabeças sem efectuar a limpeza necessária para tratar sociedades construídas sobre pressupostos de corrupção que foram mantidos. O combate, no entanto, passa também pela projecção para o exterior, diz. Serge Aimé recorda-se bem de quando visitou Los Angeles pela primeira vez e a sua cabeça ia cheia de edifícios sem fim, automóveis imaculados a prometer vidas desafogadas e estrelas de cinema a cada esquina. E voltou para o Burkina Faso chocado com a quantidade de gente que viu a dormir nas ruas ou a abastecer-se desesperadamente no lixo. Daí que os bailarinos de Kalakuta surjam em palco com pinturas tribais, em choque com o vestuário pouco étnico, criando uma fricção entre essas imagens tipificadas e preguiçosas, e a realidade do continente. “Por vezes sinto que África é uma ficção”, diz Coulibaly. E o seu trabalho é também esse: o de mudar o que África é e pode ser para quem assiste de longe e para quem vive naquela terra quotidianamente. Para que a ficção possa, afinal, emanar um desejo de realidade. Para que uma possa cada vez mais parecer-se com a outra. O Ípsilon viajou a convite do Festival de Almada
REFERÊNCIAS:
Partidos PAN
O Conselho da Europa quer que recontemos a História
Sejamos francos: o que está em causa não é a factualidade da História mas a criação de um novo historicismo baseado na maldade intrínseca do homem branco ou no horrível modelo civilizacional que a mobilizou para desgraça dos outros povos. (...)

O Conselho da Europa quer que recontemos a História
MINORIA(S): Africanos Pontuação: 7 | Sentimento 0.2
DATA: 2018-10-20 | Jornal Público
SUMÁRIO: Sejamos francos: o que está em causa não é a factualidade da História mas a criação de um novo historicismo baseado na maldade intrínseca do homem branco ou no horrível modelo civilizacional que a mobilizou para desgraça dos outros povos.
TEXTO: E sem nada que o fizesse supor, o Conselho da Europa decidiu alinhar-se com as franjas mais radicais do politicamente correcto para intimar as autoridades portuguesas a “repensar o ensino da História e, em particular, a História das ex-colónias”. Como é hábito acontecer neste género de debates – e o caso do museu dos Descobrimentos é a propósito exemplar -, o que está em causa não é um diálogo destinado a melhorar o conhecimento que temos sobre o nosso passado colectivo: seja pelos métodos, seja pela linguagem utilizada ou até pela invocação de uma pretensa superioridade moral, o que as ideologias como a que o Conselho da Europa veiculou pretendem em primeiro e último lugar impor a sua visão da história sobre a que hoje existe e se cristaliza nos nomes das ruas, dos museus ou das páginas dos livros de História. Quem tem filhos no ensino básico tem condições mais do que suficientes para constatar que nos últimos anos houve um esforço sério por parte dos autores, das editoras e do Ministério da Educação em abolir o bafio da historiografia tradicional para abarcar o lado mais sinistro do racismo colonialista dos portugueses. Episódios como os de 1961 no Norte de Angola são assim descritos: “Um sentimento generalizado de medo entre os colonos levou-os a matar muitos indígenas enquanto outros fugiram, indo juntar-se aos guerrilheiros. Posteriormente, tribos do Norte de Angola assassinaram centenas de colonos. ” Ou seja, reconhece-se a matança dos portugueses e enquadra-se a matança que se seguiu perpetrada pelos angolanos. Mas são exemplos como estes que levam os fundamentalistas que redigiram o capítulo português do relatório do Conselho da Europa a pedir mudanças. Como? Omitindo a morte de “centenas de colonos”?Sejamos francos: o que está em causa nesta ofensiva não é a factualidade da História mas a criação de um novo historicismo baseado na maldade intrínseca do homem branco ou no horrível modelo civilizacional que a mobilizou para desgraça dos outros povos. É por isso uma posição que ergue barricadas, que alimenta facções e proíbe um esforço sensato de se perceber a natureza profunda do colonialismo português e dos seus imensos horrores – mas também das suas virtudes. É uma posição que merece combate, venha da academia minada pelo politicamente correcto ou do Conselho da Europa.
REFERÊNCIAS:
Palavras-chave morte educação homem racismo medo género
Todo o cinema é político, toda a política é cinema
Spike Lee conta uma história verídica de há 40 anos que tem tudo a ver com os nossos dias, mas fá-lo invocando com um virtuosismo desesperado todo um século de cinema americano. (...)

Todo o cinema é político, toda a política é cinema
MINORIA(S): Africanos Pontuação: 7 | Sentimento 0.0
DATA: 2018-12-28 | Jornal Público
SUMÁRIO: Spike Lee conta uma história verídica de há 40 anos que tem tudo a ver com os nossos dias, mas fá-lo invocando com um virtuosismo desesperado todo um século de cinema americano.
TEXTO: A história do cinema faz-se disto: escolher um filme para abrir outro filme, reconhecer um filme como referência de outro filme, virar tudo do avesso para reescrever a história, mostrar que todo o cinema é político e toda a política é cinema. BlacKkKlansman – o Infiltrado é Spike Lee a disfarçar-se de cineasta clássico para melhor cumprir o seu destino de agente infiltrado: é uma história verídica da América dos anos 1970 que podia ser transferida tal e qual para a América dos anos 2010, contada com a economia e a eficácia de um policial-série-B dos anos 1970 (tal como feito por gente tão estimável como Don Siegel, por exemplo) em cruzamento com os grandes momentos da blaxploitation (citados abertamente). BlacKkKlansman é Lee a explicar que abordar temas “quentes” como o racismo sob a lógica do cinema de género pode também introduzir uma dimensão de urgência activista, política, pedagógica, didáctica. BlacKkKlansman é um filme que remete para aqueles anos de ouro da nova Hollywood, de um Scorsese que filmava Nova Iorque como ninguém mas também de um Rafelson ou de um Ashby ou de um Bogdanovich que davam vida a tudo o que não era Nova Iorque. Realização: Spike Lee Actor(es): John David Washington, Adam Driver, Laura Harrier, Robert John BurkeE é uma história verídica: baseia-se nas memórias de Ron Stallworth, um polícia negro de Colorado Springs que conseguiu, através de vários contactos telefónicos, inscrever-se na filial local da organização supremacista branca Ku Klux Klan, acabando por chegar inclusive a contactar o “chefe de fila” David Duke e descobrir uma conspiração para lançar ataques criminosos a activistas negros. O truque consistia em ser Stallworth, que passava por branco, a manter todos os contactos telefónicos e enviar um agente caucasiano, Flip Zimmermann, aos encontros em pessoa – um “desdobramento” de personalidade que Lee pinta ao mesmo tempo como comédia de enganos e tragédia existencial (porque Zimmermann é um judeu não praticante que a sua missão acaba por “acordar” para as complexidades da xenofobia). BlacKkKlansman é por isso uma história para os nossos dias em que a xenofobia ganha terreno mundialmente, e sobretudo para uma América onde a presidência Trump trouxe ao de cima um racismo que só aparentemente tinha desaparecido. Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. E dizemos aparentemente porque o rasgo de génio de Lee é o de ir buscar precisamente a imagem que a América tanto gosta de dar de si – a do cinema, a do cinema clássico – para mostrar como o racismo sempre esteve presente. BlacKkKlansman abre com o célebre plano de grua dos soldados feridos de Atlanta de E Tudo o Vento Levou que acaba na bandeira esfarrapada dos estados da Confederação sulista cuja secessão desencadeou a Guerra Civil; invoca abertamente a estilização da blaxploitation dos anos 1970 como apropriação dos códigos tradicionais do policial para um público específico, “exterior” às convenções. E, num dos seus momentos mais extraordinários, pega no Nascimento de uma Nação de D. W. Griffith, obra seminal dos tempos do mudo que defendia abertamente a segregação racial, filme-pára-raios, recebido como “documentário” pelos defensores da supremacia branca e como incitação ao ódio por parte dos afro-americanos espezinhados. Nessa cena, cristaliza-se o programa formal de BlacKkKlansman, entre os gritos de “poder branco” com que o KKK recebe o filme de Griffith e o “poder negro” com que os jovens universitários exigem serem cidadãos de corpo inteiro: mostrar como a história da América é também a história do cinema americano. Perante isso, francamente, é de somenos protestar que BlacKkKlansman podia ter 15 minutos a menos, que a partitura de Terence Blanchard está fora do tom do filme, que o ritmo abranda aqui e ali – tudo ninharias que não afectam minimamente a dimensão enorme, furiosa, de um cineasta que tem coisas para dizer e não se vai calar enquanto não as disser, da maneira que ele quer e sabe, que filma como se tivesse tudo a provar. E que não haja dúvidas que há cinema em BlacKkKlansman: cinema que é clássico na forma e na construção mas resolutamente moderno na maneira como reconfigura esse classicismo, como Godard a invocar a Monogram em O Acossado para dar o pontapé de saída para a Nouvelle Vague. BlacKkKlansman não é pontapé de saída de nada. Não precisa. Existe. Isso chega.
REFERÊNCIAS:
Paul Collier: “Claro que os africanos devem pagar mais impostos”
O Ruanda foi o pioneiro mundial na entrega de sangue por drones. O Gana copiou a ideia e faz 600 entregas de sangue por dia dessa forma. O célebre economista Paul Collier fala do “novo tipo de capitalismo”, de África, de sacrifícios e de Lisboa. (...)

Paul Collier: “Claro que os africanos devem pagar mais impostos”
MINORIA(S): Africanos Pontuação: 7 | Sentimento 0.5
DATA: 2019-07-11 | Jornal Público
SUMÁRIO: O Ruanda foi o pioneiro mundial na entrega de sangue por drones. O Gana copiou a ideia e faz 600 entregas de sangue por dia dessa forma. O célebre economista Paul Collier fala do “novo tipo de capitalismo”, de África, de sacrifícios e de Lisboa.
TEXTO: O economista britânico Paul Collier, professor na Universidade de Oxford e autor do livro The Future of Capitalism: Facing the New Anxieties, acabado de ser lançado e recomendado por Bill Gates como “um dos cinco livros a ler este Verão”, esteve em Lisboa para um seminário no NovaÁfrica, um centro criado pela Nova School of Business para produzir saber com impacto nos negócios e desenvolvimento em África. Pragmático, Collier propõe soluções para um “novo tipo de capitalismo” no Ocidente e em África.
REFERÊNCIAS:
Cidades Lisboa
PÚBLICO ganha dois prémios de jornalismo Direitos Humanos & Integração
Os prémios anuais distinguem os melhores trabalhos em três modalidades: imprensa escrita, rádio e meios audiovisuais. (...)

PÚBLICO ganha dois prémios de jornalismo Direitos Humanos & Integração
MINORIA(S): Africanos Pontuação: 7 | Sentimento 0.15
DATA: 2019-07-10 | Jornal Público
SUMÁRIO: Os prémios anuais distinguem os melhores trabalhos em três modalidades: imprensa escrita, rádio e meios audiovisuais.
TEXTO: O jornal PÚBLICO venceu em duas categorias dos prémios de jornalismo Direitos Humanos & Integração. Os trabalhos premiados destacaram-se nas categorias de imprensa escrita e meios audiovisuais. Os vencedores foram anunciados nesta sexta-feira, numa cerimónia na Sala dos Espelhos do Palácio Foz, em Lisboa. O mundo de Jó, da antiga jornalista do PÚBLICO Sibila Lind, venceu na categoria de meios audiovisuais. Já a reportagem Racismo à Portuguesa da jornalista Joana Gorjão Henriques foi o trabalho distinguido na imprensa escrita. O trabalho Racismo à Portuguesa é a segunda parte da série Racismo em Português. Neste segundo trabalho, os jornalistas olharam para as desigualdades ao nível da habitação, do emprego ou da educação. Para além destes dois trabalhos premiados, constavam na corrida mais dois trabalhos do PÚBLICO: Crianças sem documentos e com “a vida em suspenso” de Joana Gorjão-Henriques e A vida normal dos Cottim, uma família com a voz nas mãos da jornalista Mariana Correia Pinto e do fotojornalista Manuel Roberto, ambos na categoria imprensa escrita. Os restantes nomeados:Imprensa Escrita:Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. A cerimónia contou com a presença da ministra da Cultura, Graça Fonseca, da secretária de Estado dos Negócios Estrangeiros e da Cooperação, Teresa Ribeiro, do secretário de Estado da Presidência do Conselho de Ministros, Tiago Antunes, do presidente da Comissão Nacional da UNESCO, José Filipe Moraes Cabral, e do secretário-geral da Presidência do Conselho de Ministros, David Xavier. O prémio de jornalismo Direitos Humanos & Integração é atribuído em conjunto pela UNESCO e pela Secretaria Geral da Presidência do Conselho de Ministros. O prémio, no valor de 10 mil euros, será distribuído pelos três vencedores.
REFERÊNCIAS:
Entidades UNESCO
Agressão a jovem no Porto: PSP só fez auto três dias depois
A PSP que se deslocou ao local da agressão demorou três dias a elaborar o auto, isto já depois de Nicol, 21 anos, ter feito queixa numa esquadra. E de notícias nos media terem sido veiculadas. Jovem e testemunhas acusam polícia de as ter ignorado e registado apenas dados de agressor. IGAI pede à PSP para se pronunciar. (...)

Agressão a jovem no Porto: PSP só fez auto três dias depois
MINORIA(S): Africanos Pontuação: 7 | Sentimento 0.033
DATA: 2018-07-13 | Jornal Público
SUMÁRIO: A PSP que se deslocou ao local da agressão demorou três dias a elaborar o auto, isto já depois de Nicol, 21 anos, ter feito queixa numa esquadra. E de notícias nos media terem sido veiculadas. Jovem e testemunhas acusam polícia de as ter ignorado e registado apenas dados de agressor. IGAI pede à PSP para se pronunciar.
TEXTO: Os agentes da PSP do Porto que se deslocaram à paragem de autocarros do Bolhão, onde a jovem Nicol Quinayas estava a ser agredida por um segurança da empresa 2045, só fizeram a participação da ocorrência três dias depois. O segurança da empresa que faz a fiscalização dos autocarros da STCP (Sociedade de Transportes Colectivos do Porto) é visto num vídeo que está a circular na Internet com os joelhos em cima do corpo da jovem, a imobilizar-lhe o braço. Há sangue no chão. Membros da Equipa de Prevenção e Reacção Imediata da PSP deslocaram-se ao local. A Direcção Nacional da PSP confirmou ao PÚBLICO que a data do auto que foi elaborado é de 27 de Junho, quando os factos ocorreram na madrugada de 24 de Junho. Mas não quis tecer comentários. A ocorrência terá que ser investigada pelo Ministério Público. A Inspecção-Geral da Administração Interna (IGAI) disse ao PÚBLICO que, "através de um processo de índole administrativa, irá monitorizar a situação": vai pedir à Direcção Nacional da PSP para "se pronunciar sobre o procedimento adoptado e, na sequência da resposta, tomará a sua posição". A jovem colombiana de 21 anos, que vive em Portugal desde os 5, acusou o fiscal de a agredir brutalmente e de ter proferido insultos racistas. Diz também que os polícias que se deslocaram à paragem de autocarros onde tudo aconteceu não a identificaram. Conta que apenas falaram com o fiscal. Até esta quinta-feira de manhã, a PSP garantia que tinha identificado todos os intervenientes na altura. Tendo o auto sido escrito a 27 de Junho, isso permitiu a quem o escreveu ter ido buscar a informação e dados à queixa elaborada por Nicol, no dia 24, pelas 20h, numa esquadra. No auto da PSP o fiscal está identificado, mas não o está na queixa de Nicol. Hugo Palma, responsável pelas relações públicas da PSP, esclareceu, em declarações ao PÚBLICO, que este é um crime semi-público, que depende de queixa e que, em teoria, a PSP tem dez dias para fazer a participação ao Ministério Público. Contudo, diz, o normal é o auto ser elaborado nas horas seguintes aos factos que relata. Fonte da PSP refere, por outro lado, que “não é nada de extraordinário que o expediente seja elaborado nos dias seguintes” – mas três dias é, de facto, "muito tempo”, admite. Depois de contactadas pelo PÚBLICO, seis testemunhas que estiveram no local dizem que não foram identificadas pela polícia. Todos – Francisca Monteiro, Pedro Silva, Cassiano Ferreira, Tânia e Daniela e uma jovem de 15 anos que não quis ser identificada – confirmam que o fiscal agrediu Nicol da forma como esta descreveu, com socos. E dizem que os agentes da PSP chegaram ao local enquanto o fiscal estava com os joelhos por cima de Nicol, ou seja, terão dado conta de que havia uma agressão. Ninguém tem certeza sobre quem forçou o fiscal a afastar-se da jovem ou se terá sido este que percebeu que a PSP se aproximava e se afastou. A amiga Daniela acusa: “Eu perguntei à polícia se não ia identificar a minha amiga e eles responderam que não lhes competia a eles fazê-lo, que fôssemos apresentar queixa. ”Até agora, nem Nicol nem qualquer interveniente foram contactados pela PSP, pela empresa de segurança ou pela STCP. A empresa de comunicação da STCP, Cunha e Vaz, disse que “a STCP está manifestamente contra todas as formas de discriminação”, informou a 2045 de que aquele funcionário não prestará mais funções na empresa de transportes e está em processo de averiguação onde irá ouvir todas as partes, inclusivamente o funcionário. “A empresa vai tomar medidas para que isto seja algo excepcional”, disse António Cunha Vaz. Nicol Quinayas estava na paragem de autocarro do Bolhão, no Porto, depois da noite de São João. Um funcionário da 2045 — que faz a fiscalização dos autocarros da STCP — tem o logotipo da empresa no braço e é visto, em pelo menos um vídeo na Internet, a torcer os braços à jovem, em cima dela. À volta ouvem-se algumas pessoas a gritar: “O que é isto? Gostavas que fosse com a tua filha? Isto vai tudo para a polícia. "Segundo Nicol, o fiscal impediu-a de entrar no autocarro, agarrou-lhe o braço e pô-la fora, começando a bater-lhe depois de esta oferecer resistência. Nenhuma das testemunhas com quem o PÚBLICO falou tem dúvidas de que se tratou de um acto de racismo. Daniela, uma das duas amigas que estava com Nicol, afirma: “A mim, que sou branca, deixou-me entrar no autocarro, a ela e a Tânia que são de cor disse: ‘pretas, vão apanhar o autocarro para a vossa terra’. ” Nicol Quinayas conta também que a dada altura uma testemunha ouviu o segurança gritar: “Estes pretos não aprendem. "Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Entretanto, a Comissão para a Igualdade e Contra a Discriminação Racial diz ter tomado as diligências adequadas, e uma vez que os factos "têm indícios susceptíveis de prática de ilícitos criminais", o caso será remetido ao Ministério Público. A comissão contactou ainda a Gestora Nacional da Unidade de Apoio à Vítima Migrante e de Discriminação para que seja "prontamente prestado o auxílio necessário, nomeadamente o apoio psicológico, notificando a interessada desta disponibilidade".
REFERÊNCIAS:
Entidades PSP